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Fátima Sousa jornalista fs@briefing.pt
O que é nacional é bom?
João Ribeiro/Who
Há marcas que estão a valer-se dos valores da portugalidade para se posicionarem no mercado. Mas será que este é um trunfo que lhes garantirá reputação e vendas? Carlos Liz (Apeme Ipsos), Jorge Vala (director ICS) e João Pinto e Castro (professor universitário) discorrem sobre a relação das marcas com os símbolos do país
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Com o país à beira da insustentabilidade, obrigado a capitular perante a ajuda externa, poderão as marcas contribuir para elevar a auto-estima dos cidadãos que são também consumidores? Poderão colher benefícios comerciais e de reputação fazendo apelo aos valores da portugalidade? E poderá a actual crise acentuar os sentimentos nacionalistas ainda que seja apenas no consumo? Carlos Liz, partner da Apeme Ipsos e especialista em comportamento dos consumidores, acredita que “o país precisa de motivos para se encontrar consigo próprio num contexto, como o actual, mais agressivo, até ameaçador e depressivo”. Já Jorge Vala, director do Instituto de Ciências Sociais (ICS), da Universidade de Lisboa, é menos peremptório: na sua opinião, é sempre importante apelar aos valores da portugalidade, não apenas em momentos difíceis mas, mais importante, é que as marcas e os produtos se saibam posicionar, não evocando apenas os feitos históricos e a memória, mas antes orientando-se para o futuro. João Pinto e Castro, professor universitário e autor da obra “Marketing Ombro-a-Ombro”, a lançar pela Leya, avança com uma visão mais global: “Se o país reencontrar rapidamente o seu lugar na Europa, não haverá um recrudescimento do nacionalismo. Mas, se persistir e se aprofundar o actual caminho de desagregação da União Europeia, é muito provável que isso aconteça”. Seja qual for o caminho, deixa um recado: “Seria bom que os portugueses construíssem uma imagem mais consistente e produtiva do seu país (e do seu lugar no mundo) como remédio contra a saloiice reinante”. O que está em causa é a identificação com o país. Mas será ela um trunfo que as marcas poderão usar na luta pelo mercado? Jorge Vala faz uma leitura menos imediatista e considera que esta relação das marcas com a portugalidade tem de ser analisada sob três prismas. Antes de mais, o valor do produto em si. Depois, o significado que o consumidor atribui ao produto. E só depois o uso que a marca pode fazer dos valores O agregador do marketing.
“É sempre importante apelar aos valores da portugalidade. Mas mais importante é que as marcas e os produtos se saibam posicionar, não evocando apenas os feitos históricos e a memória, mas antes orientando-se para o futuro”
“O país precisa de motivos para se encontrar consigo próprio num contexto, como o actual, mais agressivo, até ameaçador e depressivo”
“McDonald’s simboliza o american way of life, Dolce & Gabana epitomiza o estilo italiano, Mercedes corporiza os preconceitos favoráveis em relação à Alemanha, a Guiness funciona como emblema da Irlanda”
Jorge Vala director do Instituto de Ciências Sociais (ICS)
Carlos Liz partner Apeme Ipsos
João Pinto e Castro autor de “Marketing Ombro-a-Ombro”
“Os consumidores são seres emocionais. Não racionais. E uma marca, portuguesa ou não, é sempre uma promessa. É um acto de futuro. E será que no futuro outras poderão valerse da portugalidade? Poder podem, mas nem todas conseguirão….”
e símbolos mais importantes para o consumidor. É certo que há uma dimensão objectiva quando se fala no valor do produto, mas também há subjectividade, que pode aumen-tar ou diminuir consoante os valores e símbolos salientes para o consumidor e que a marca consegue mobilizar a cada momento. Admite que os sinais associados à identidade social – entre eles, os da identificação com o país – possam ser mobilizados e até ser decisivos no acto de compra. Assim sendo, é possível que uma marca que se associe a um país seja capaz de captar a atenção e influenciar a compra. A questão – alerta – é saber em que produtos é vantajoso fazer essa associação. Mais: em que produtos é possível fazê-la. E será que funciona com todos os países? João Pinto e Castro concorda que há marcas cuja sedução resulta em grande parte da associação a um país: “McDonald’s simboliza o american way of life, Dolce & Gabana epi-
tomiza o estilo italiano, a Mercedes corporiza os preconceitos favoráveis em relação à Alemanha, a Guiness funciona como emblema da Irlanda”. E em Portugal? Reconhece que a portugalidade está inscrita no ADN de algumas marcas portuguesas, mas não de todas, “nem sequer da maioria”. O director do ICS partilha desta leitura. Há países associados com determinados produtos e qualidade; outros têm mais dificuldade: “Penso que é o caso de Portugal, mas penso-o de forma difusa, não tenho nenhum estudo empírico”. Ainda assim, deixa algumas reflexões: “Portugal é um país de tecnologia? Talvez não seja. É o país do belo? Também não. É de quê?”. Talvez possa ser associado ao prazer, talvez possa haver êxito na associação do país a uma certa dimensão hedonista e, com isso, mobilizar o comportamento do consumidor. Um dos prazeres dos portugueses passa certamente pela sociabilidade. E, em matéria de convívio, nenhum
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produto ganha à cerveja, símbolo da reunião de interesses primordialmente masculinos (o futebol à cabeça). O mercado português é dominado por duas marcas associadas a Portugal: a Super Bock, detida pela Unicer, empresa de capital maioritariamente nacional, e a Sagres, controlada pela multinacional Heineken mas conotada com o mundo português (nasceu, aliás, com a Exposição de 1940). A Sagres é o exemplo mais recente de uma marca que recorreu aos valores da portugalidade para comunicar com os seus consumidores. Carlos Liz, que há muitos anos estuda o comportamento das marcas e dos consumidores, não estranha. Até percebe a estratégia: “Do ponto de vista do negócio é uma postura realista. No portefólio da Heineken, esta é a marca com maior expressão nacional”. Do ponto de vista do marketing, prova que a marca está atenta ao que os portugueses precisam: “Tanto quanto sei, o briefing (à agência) foi muito específico. A empresa encomendou uma campanha com este sentido”. Não sendo detida por uma empresa portuguesa, a Sagres tem, na óptica de Carlos Liz, “uma portugalidade que não dá para disfarçar”. O director do ICS não podia estar mais de acordo: “É uma marca portuguesa e pronto!”. Ambos advogam que o consumidor é indiferente à propriedade. João Pinto e Castro também e vai mais longe: “Pode mesmo dar-se o caso de a multinacional compreender melhor o valor dessa portugalidade. Duas marcas do portefólio da Unilever – Gallo e Vaqueiro – parecem comprová-lo”. Nem sempre é assim, ressalva: “Há casos em que as marcas portuguesas são compradas por concorrentes que pretendem apenas liquidá-las (Longa Vida, por exemplo)”. A propriedade não é valorizada. Mas a associação da marca ao país sê-lo-á realmente? Fundador da Ology, que desde 2004 se dedica a estimular a inovação em marketing e comunicação nas empresas portuguesas, Pinto e Castro adverte que essa associação só tem valor para o consumidor se funcionar como chancela de qualidade, “seja ela real ou resultado num preconcei28
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“O mercado português de cerveja é dominado por duas marcas associadas a Portugal: a Super Bock, detida pela Unicer, empresa de capital maioritariamente nacional, e a Sagres, controlada pela multinacional Heineken mas conotada com o mundo português”
to sedimentado ao longo do tempo”. É por isso que “parece que um nome vagamente italiano continua a ajudar a vender roupa, que a Sony adoptou esse nome para parecer americana, que a Haagen-Dasz, um nome com conotações nórdicas, persuadiu os americanos de que se tratava de um gelado mais sofisticado”. É possível vislumbrar esta estratégia na escolha de designações anglosaxónicas e italianas para marcas de vestuário e calçado completamente made in Portugal. É “razoável” que assim aconteça na moda, um domínio – recorda o professor Jorge Vala – em que Portugal não é conhecido como estando na linha da frente. Carlos Liz tem ainda outra leitura. A de que essa escolha projecta um certo sentir da mulher portuguesa, a de estar a par com modelos estrangeiros fisicamente mais competentes; na prática, reflecte o desejo de ser mais alta e mais elegante. Remete para um universo mais sofisticado. Tal como faz a Well’s, marca de saúde e bem-estar dos hipermercados Continente. É uma marca “descaradamente portuguesa”, mas que “abre um caminho novo” com um nome que é inglês mas fácil de pronunciar e que tem a vantagem
de aludir a um certo cosmopolitismo com o qual o consumidor se associa. “É o prazer completo”, sumariza Carlos Liz. E, ao mesmo tempo, com alguma graça. Tal como Leya, a marca que congregou as principais editoras do mercado português. Será português actual, será antigo, será um estrangeirismo? E tudo por culpa – ou melhor, mérito – de um simples “y” que confere um toque de inesperada internacionalidade. Nesta relação entre a marca e o consumidor, há tensões que são bem-vindas. É o que acontece com a Milaneza: tudo na marca remete para Itália – o produto (massa), o nome (a evocar Milão). E, no entanto, não podia ser mais portuguesa, até na propriedade. É uma ambiguidade provocada, uma tensão criativa de que – acredita Carlos Liz – os portugueses gostam. Afinal, os consumidores são sobretudo seres emocionais. Não racionais. E uma marca, portuguesa ou não, é sempre uma promessa. É um acto de futuro. E será que no futuro outras poderão valer-se da portugalidade? Poder podem, mas nem todas conseguirão. É preciso autoridade. O agregador do marketing.