O renascimento da agricultura

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Grande Plano

Ramon de Melo

Hermínio Santos jornalista hs@storemagazine.net

Nos últimos anos intensificou-se a atenção dada aos produtos portugueses e isso tem “promovido maiores contactos comerciais e uma muito maior interligação entre a produção e a distribuição”, diz João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). O aparecimento de jovens agricultores “bem preparados” também tem ajudado ao renascimento e competitividade da agricultura portuguesa

João Machado, presidente da CAP

O renascimento da agricultura Store | Que balanço faz do protocolo existente entre a CAP e a APED? João Machado | Trata-se de um protocolo de cooperação que existe desde 1995 que se destina a juntar os produtores a quem vende os produtos, a distribuição. Ou seja, a promover os negócios entre ambos. Contempla um conjunto de acções cujo objectivo é 10

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preparar os produtores para venderem à distribuição – até com formação profissional incluída – bem como mostrar à distribuição e aos seus compradores como é que a produção funciona para eles não pedirem coisas impossíveis. Há um conjunto de visitas, acções, formação e seminários que constituem um programa anual e juntam produtores e a dis-

“Admitindo que temos de viver com esta PAC, ela não nos trata bem”

tribuição para, no fundo, aproximar as áreas de negócio. Store | E é uma relação que tem funcionado bem entre as duas partes? JM | O protocolo tem funcionado bem. Esta relação produção/ distribuição tem óbvias vantagens para ambas as partes mas com momentos de stress, em STORE MAGAZINE


que existem problemas e não podemos ignorar isso. Sobre esta matéria o protocolo, embora não tenha esse objectivo, permite o diálogo entre as partes e, muitas vezes, a CAP e a APED funcionam como amortecedores destas relações para tentar resolver um ou dois problemas. Store | Nos últimos anos assiste-se a uma maior abertura da distribuição à produção agrícola nacional… JM | Em algumas áreas a produção agrícola nacional sempre esteve muito presente na distribuição moderna, como é o caso do vinho, do azeite e de algumas outras matérias. Desde a crise de 2008 que há uma nova consciencialização de que é preciso produzir e consumir no local. Tem havido uma maior atenção aos produtos portugueses e isso tem promovido maiores contactos comerciais e uma muito maior interligação entre a produção e a distribuição. Todos os grupos de distribuição em Portugal compram a produtores portugueses regularmente e há um grupo que tem promovido uma relação mais institucional nessa matéria com o Clube de Produtores Continente, que promoveu, com um conjunto de produtores, que eu julgo que são mais de 200, uma relação mais estreita. Store | Está satisfeito com os apoios que existem à produção nacional? JM | A questão dos apoios é muito particular para a agricultura. Numa Europa comunitária onde existe uma Política Agrícola Comum (PAC) os produtores agrícolas não podem viver sem ela. Neste contexto Portugal é sempre mal tratado dentro da PAC. Estamos em 23.º lugar ao nível dos apoios per capita e por agricultor, o que, claramente, não é o nosso lugar na Europa até porque aderimos noutra altura e deveríamos estar noutra posição. Portanto, em primeiro lugar, a PAC não favorece os agricultores portugueses. Em segundo, e passando para o nível nacional, esta política é aplicada através de programas que não têm sido os melhores. O último, STORE MAGAZINE

“Em algumas áreas a produção agrícola nacional sempre esteve muito presente na distribuição moderna, como é o caso do vinho, do azeite e de algumas outras matérias. Desde a crise de 2008 que há uma nova consciencialização de que é preciso produzir e consumir no local”

“Há um discurso de alguns sectores, sobretudo de alguma comunicação social e de algumas pessoas, em relação à agricultura que não corresponde à realidade. Em primeiro lugar, há vários tipos de agricultura em Portugal. Tem imensas facetas, umas mais positivas outras negativas”

o PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural), é muito mau. É muito burocrático, tem medidas que, muitas delas, não se aplicam à realidade nacional e têm uma grande dificuldade de execução. Dificulta a vida dos agricultores no acesso aos apoios comunitários ao investimento. Depois temos as ajudas directas, 100 por cento comunitárias, e aí é outro capítulo. Também aqui temos várias dificuldades e devolvido dinheiro a Bruxelas porque o Estado português é demasiado pesado não só a gerir esta distribuição das ajudas como a controlá-las e depois harmonizar isto com a legislação comunitária. Admitindo que temos de viver com esta PAC, ela não nos trata bem. Depois, a nível nacional, para dificultar o acesso dos agricultores ao investimento, pagamos tarde, a más horas e ainda devolvemos dinheiro. Portanto, o panorama não é bom.

“Das fileiras da agricultura a que mais tem crescido nos últimos anos é a dos produtos horto-frutícolas”

Store | Como é que pode mudar esse estado de coisas? JM | Em primeiro lugar poder-se-ia mudar o enquadramento comunitário. Isto é, levar Portugal para um nível diferente daquele que tem hoje. Infelizmente, as notícias que nos chegam da última proposta da Comissão Europeia, pois estamos a negociar um novo quadro comunitário de apoio 2014-2020, é de que Portugal continuará a ocupar a mesma posição relativa entre os membros da União Europeia. Portanto, do ponto de vista do orçamento, Portugal não vai sair beneficiado. Vamos ter um orçamento comunitário que vai ser igual ou inferior ao actual e a dividir por mais. Apesar disso, e pelas contas da Comissão, Portugal não vai ter muito menos dinheiro e até pode ser que tenha um pouco mais, o que, nesse aspecto, não é mau. O que é mau é que continuamos na mesma posição relativa, não subimos na escala. O que é que pode melhorar significativamente? É termos um programa de desenvolvimento rural melhor, menos burocrático, com menos medidas, mais transparente, mais acessível e próximo dos interesses doa agricultores. Se tivermos isso já melhoramos muito. >>>

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“A recuperação na área do azeite só foi possível por causa do Alqueva, o grande impulsionador dos novos olivais”

Store | Quais as fileiras da agricultura portuguesa que têm grandes possibilidades de terem, de facto, um argumento distintivo no estrangeiro? JM | Há um discurso de alguns sectores, sobretudo de alguma comunicação social e de algumas pessoas, em relação à agricultura que não corresponde à realidade. Em primeiro lugar, há vários tipos de agricultura em Portugal. Tem imensas facetas, umas mais positivas outras negativas. A agricultura portuguesa tem sido um dos sectores da economia que mais tem investido. O PRODER, um programa que tem fundos comunitários e nacionais para investimento, está esgotado até ao seu final – o QREN, nem de perto nem de longe…O sector criou emprego líquido nos últimos anos e continua a criar. Globalmente tem aumentado as exportações e batido recordes todos os anos em valor, toneladas e litros e que tem cada vez mais evitado importações. Apesar da situação de crise que estamos a viver temos um sector que tem criado emprego, investido, exportado e produzido mais. Há muitos problemas mas os dados globais da agricultura são muito positivos atendendo ao quadro do País em que estamos a viver. Aliás, há uma nova classe de agricultores que é absolutamente dinâmica. A imagem do agricultor velho com uma enxada não existe na agricultura produtiva. É um facto que também há agricultura de subsistência e que estas duas realidades coexistem, mas a realidade dos números é indesmentível e essa mostra que a agricultura está a crescer. Store | E sobre as fileiras mais dinâmicas? JM | Das fileiras da agricultura a que mais tem crescido nos últimos anos é a dos produtos horto-frutícolas – voltámos a bater todos os recordes em 2011, com as exportações a ficarem muito perto dos 1000 milhões de euros. A taxa de cobertura na balança neste sector é de 200 por cento, exportamos mais 100 por cento do que importamos. Estamos a ter um percurso fantástico. O vinho bateu novamente recordes em

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“Vamos ter um orçamento comunitário que vai ser igual ou inferior ao actual e a dividir por mais. Apesar disso, e pelas contas da Comissão, Portugal não vai ter muito menos dinheiro e até pode ser que tenha um pouco mais, o que, nesse aspecto, não é mau”

“Numa Europa comunitária onde existe uma Política Agrícola Comum (PAC) os produtores agrícolas não podem viver sem ela. Neste contexto, Portugal é sempre mal tratado dentro da PAC”

2011 e a cortiça voltou a aumentar as exportações. Temos aqui três fileiras que têm estado sempre a crescer. A do azeite, uma fileira que estava morta há uns anos, tem vindo a aumentar imenso a produção nacional, sendo grande parte dela exportada, sobretudo para o Brasil. Depois temos sectores onde a nossa performance é muito razoável mas não tem crescido tanto: o leite, um sector com problemas mas auto-suficiente para o consumo nacional; cereais não panificáveis, onde somos dos melhores produtores a nível mundial na área do milho; na área dos panificáveis é onde temos mais dificuldades e produzimos 10 a 12 por cento do que consumimos - o que não é bom e pode mudar ligeiramente no futuro se tivermos mais trigo regado mas não temos uma óptima posição para produzir trigo a preço competitivo. Outro sector onde temos tecnologia de ponta e onde somos altamente exportadores é no tomate para a indústria. Na área da pecuária temos um mercado equilibrado nas aves, com altos e baixos no que diz respeito ao suíno – temos um novo sector que é a recuperação do porco ibérico e bísaro – e claras dificuldades nos bovinos, pois Portugal não é um País com muita pastagem natural e portanto tem mais dificuldades em alimentar bovinos a preços competitivos. Store | O Alqueva está a cumprir o seu papel de projecto estruturante da agricultura portuguesa? JM | É um projecto que os agricultores desejaram muito, que tem 50 anos, com grandes dificuldades de implementação e que finalmente foi construído. Foi pensado de raiz para ser uma grande albufeira – a maior da Europa – mas com aplicação agrícola, o que faz a diferença em relação a todas as outras grandes albufeiras em Portugal, que não regam. Tem vindo a ser extremamente importante para a região e verifica-se que há um panorama no Alentejo e à volta que já mudou, embora se tenha um pouco menos de metade da área regada e um terço da área total aproveitada STORE MAGAZINE


já com irrigação. A recuperação na área do azeite só foi possível por causa de Alqueva, o grande impulsionador dos novos olivais. Está a cumprir o seu objectivo e até 2015 temos grande esperança de que o Alqueva cumpra integralmente o seu papel. O que é que é preciso para que isso aconteça? O Alqueva tem uma rede de rega que tem de ser construída pelo Estado português, que tem uma comparticipação comunitária e do Orçamento de Estado, que era de 25 por cento e passou agora para 15 por cento. O volume de obra é tão grande que o Governo não tem esse dinheiro e o que se coloca neste momento é passar essas verbas do PRODER para o QREN, onde a participação comunitária passa para 95 por cento, para que a comparticipação nacional seja só de cinco por cento e a obra seja concluída o mais rapidamente possível. É nisso que estamos a trabalhar com o Governo e está no acordo de concertação social. É preciso pôr os três ministérios – Agricultura, Finanças e Economia – de acordo e depois propor isso a Bruxelas.

“Temos todas as condições para haver mais investimentos e mais gente nova a chegar à agricultura”

tendência

Jovens agricultores bem preparados tecnologicamente Store | Assiste-se a um fenómeno de regresso à agricultura potenciada pela crise financeira e que até já entrou no discurso do Governo. Como é que encara este movimento? Vêm aí novos agricultores? JM | Acho que Portugal cometeu um erro enorme – e a CAP disse-o sempre – que foi desinvestir nos sectores primários, principalmente na agricultura. Perdemos algum tempo, despovoámos uma parte do território nacional e tornámos mais difícil o equilíbrio da balança e da produção nacional. De facto, desde 2008 e depois do sinal de alerta de que não se produzirão alimentos em quantidade suficiente para alimentar toda a gente – a FAO diz que em 2025 necessitaremos de mais 70 por cento do que aquilo que produzimos hoje e em 2050 será 100 por cento mais – e de repente a comunidade internacional, principalmente os países mais desenvolvidos, percebeu que tinha sido um erro desinvestir na produção.

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Para além da nossa crise nacional há um enquadramento comunitário e mundial que nos é favorável. A PAC que estamos a discutir agora é para produzir mais e a política que existia era para produzir menos. Temos todas as condições para haver mais investimentos e mais gente nova a chegar à agricultura. A agricultura faz-se com empresários agrícolas, não se faz tanto com assalariados. Temos um milhão de pessoas ligadas à agricultura em Portugal e só 50.000 é que são assalariados, os outros trabalham para si próprios. Esse regresso está a ser feito por imensos jovens formados, com outro tipo de enquadramento em termos de educação e muito preparados em termos tecnológicos. Só por isso é que o investimento tem produzido resultados tão rapidamente, que se vêem nas exportações e no produto. As pessoas que estão a investir hoje na agricultura são muito preparadas e dominam ferramentas como a tecnologia de produção, o marketing,

a comunicação. Assistimos ao regresso à agricultura de uma geração bem preparada e que tem permitido ao longo dos últimos anos tirar imediatamente dividendos do investimento. Mas é preciso disponibilizar ferramentas para apoiar os investimentos. Uma coisa de que temos falado muito ao Governo é da questão do crédito. Grande parte dos projectos envolve investimento intensivo que na agricultura têm paybacks muito longos e que muitas vezes dependem em 70 por cento de capitais próprios, o que implica recorrer à banca. Temo então dois problemas graves: o acesso ao crédito e o seu custo, que pode inviabilizar o investimento. Ou nós resolvemos este problema do crédito ou estamos de facto a travar um dos sectores que mais tem contribuído para a criação de emprego e exportações. Temos vindo a discutir isso com o Governo e esperemos que haja boas notícias com, por exemplo, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.

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