Paixão pelas pessoas

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Passeio Público

Ramon de Melo

Fátima de Sousa jornalista fs@storemagazine.net

Pedro Norton de Matos acredita nas pessoas. Acredita sobretudo no poder de transformação das pessoas, porque cada um tem dentro de si as brasas do talento que estão apenas à espera de um sopro para se avivarem. Acredita também no empreendedorismo como atitude e, mais uma vez, como motor da mudança. E foi por acreditar nas pessoas, no empreendedorismo e na mudança que criou o Green Festival, a My Change e a Gingko.

Paixão pelas pessoas Há sete anos, Pedro Norton de Matos mudou de vida. Iniciou uma viagem pelo interior de si próprio. Em busca do auto-conhecimento que acredita ser o combustível da transformação. Do lado de fora, ficou o executivo – durante os 15 anos anteriores fora n.º 1 da Unisys, primeiro, e da ONI depois. E a porta abriu-se a um homem que mantém a mesma alegria de viver mas que se dedica a cultivar o empreendedorismo como atitude. Foi um incidente de saúde (“que felizmente não deixou sequelas”) que fez tocar a rebate o sino da mudança. Estava a dias de cum-

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prir 50 anos. Diz que a idade não o assusta, mas reconhece simbolismo de certas datas: “Aos 50 já se ganhou uma determinada maturidade, já caímos algumas vezes, já nos levantámos, se calhar mais fortes, a vida já nos ensinou a saber o que queremos e o que não queremos”. A perspectiva de uma escolha de fundo já se adivinhava, mas o problema de saúde veio “claramente” acelerar a tomada de decisão. Pedro não renega a carreira de sucesso: “Antes pelo contrário, valorizo imenso esse período da minha vida. Vivi-o com intensida-

de, porventura demasiada. Não há nenhum diagnóstico que confirme a co-relação entre essa intensidade e o incidente de saúde, mas é sabido que o estilo de vida tem influência”. A decisão de mudar assumiu a forma de promessa feita à família na cama dos cuidados intensivos: “Essa foi a expressão do compromisso que assumi de mudar de vida”. Um gesto solene e de responsabilidade que a “compreensão” dos accionistas ajudou a respeitar: “Convidaram-me para ficar um ano como não executivo até completar o mandato. Foi um ano

sabático, de amadurecimento das minhas decisões sobre o que queria fazer”. E desde logo se confrontou com um desafio: “Como tenho esta grande alegria de viver e gosto de fazer muitas coisas, acabei por criar vários projectos”. Embarcou então numa viagem interior, de confirmação de quais as áreas que mais o motivavam, enfim, de decantação de interesses. E um denominador comum emergiu – as pessoas. “Criei uma empresa em que as pessoas estão no centro. A My Change é um facilitador de processos de mudança, que se propõe levar à prática Julho/Agosto de 2012

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aquilo que se ouve muitas vezes nas organizações – as pessoas são o principal activo – que para uns é apenas uma frase bonita, mas vã, e para outros tem significado”. Também a revista Gingko tem muito a ver com as pessoas. O nome foi sugerido por uma das filhas durante o processo de brainstorming. Pedro reconhece que é um nome difícil, mas sempre acreditou que poderia, por isso mesmo, suscitar curiosidade. E faz suas as palavras de Belmiro de Azevedo quando disse que, com o orçamento certo, qualquer nome pode ficar no ouvido… Mas Gingko não vingou por acaso, vingou pelo simbolismo associado a uma árvore que, sendo de crescimento lento, tem grande capacidade de adaptação a diferentes solos e climas, que conviveu com os dinossauros e lhes sobreviveu, que se manteve incólume no epicentro de Hiroshima e Nagasaki. É símbolo da paciência e da resiliência. “Mais do que suficiente para inspirar um projecto” que, também ele, pretende ser de longevidade. E que evoluiu nos últimos seis anos, num ambiente económico progressivamente mais difícil, trilhando o seu caminho de afirmação. Lenta é por definição a mudança de comportamentos, mas Pedro Norton de Matos acredita na mudança. Acredita no empreendedorismo como atitude, que é, aliás, o mote da próxima edição do Green Festival, mais uma iniciativa a que empresta o seu entusiasmo. “Nem toda a gente de tem ser empreendedor como empresário, mas como atitude sim. Significa espírito de iniciativa e não tem idade, deve ser comum a toda a sociedade”. Reconhece que promover a mudança não é fácil, desde logo porque os humanos são animais de hábitos e também as organizações, porque compostas de pessoas, o são. “Parece que mudamos quando temos as barbas a arder”, comenta, para atestar que em momentos de crise as pessoas são obrigadas a mudar. Mas, “e quando as barbas não estão a arder?” Também é possível: passa por incorporar novos comportamentos, repetindo-os até serem assimilados, transformando-se em novos hábitos. 18 Julho/Agosto de 2012

“Nem toda a gente tem de ser empreendedor como empresário, mas como atitude sim. Significa espírito de iniciativa e não tem idade, deve ser comum a toda a sociedade”

Promover a mudança não é fácil, desde logo porque os humanos são animais de hábitos e também as organizações, porque compostas de pessoas, o são. “Parece que mudamos quando temos as barbas a arder”

Importa que esses comportamentos sejam valorizados como bons pela pessoa ou pela organização, mas Pedro sabe que existe um fosso entre o que sabemos que deve ser feito e o que fazemos. Ainda assim, porque é positivo, prefere olhar para o copo meio cheio e encontrar esperança nesse fosso: “Se conseguirmos ser mais coerentes e consistentes, sem entrar em fundamentalismos, ligando o conhecimento à prática, estreitamos o fosso”. A grande interrogação é como. É aqui que entram o Green Festival e o Movimento Verde, “ajudam sem paternalismos, através da inspiração de bons exemplos, a diminuir esse gap”. Uma ferramenta de mudança é o coaching, domínio em que Pedro tem competências reconhecidas. E para explicar a filosofia desta prática recorre a uma metáfora de um argentino segundo o qual “coaching é a arte de soprar brasas”. “Alinho com essa forma de pensar, porque todos temos dentro de nós um braseiro, que pode ou não estar com umas cinzas por cima – e as brasas são as nossas qualidades, é o nosso talento, o nosso saber-fazer. O coaching é o fôlego para avivar a chama, porque as brasas já lá estão”. Entre coach e coachee estabelece-se um “diálogo dançante, uma interacção feita de verbo, mas também de gesto”. Sempre para realçar o “enorme poder de transformação que cada um tem em si”, porque Pedro acredita que todos somos potencial-

“Todos temos dentro de nós um braseiro, que pode ou não estar com umas cinzas por cima – e as brasas são as nossas qualidades, é o nosso talento, o nosso saber-fazer”

DISTRIBUIÇÃO

Boas práticas que podem inspirar Pedro Norton de Matos defende que nenhum sector de actividade pode ignorar os temas da sustentabilidade e da mudança. Quanto mais não seja porque o consumidor está mais inteligente. Neste âmbito, diz que a distribuição tem tido “um papel notável”, procurando que todos os agentes da sua cadeia de valor criem valor e sejam bene-

ficiados pela criação de valor. Inclui nesta atitude a preocupação com a certificação dos fornecedores, por exemplo, os projectos de aproveitamento dos perecíveis ainda dentro do prazo por instituições de solidariedade social, o tratamento de resíduos. São “boas práticas que podem ser inspiradoras para outros sectores”.

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mente agentes de mudança. Há apenas que encontrar o que nos faz “correr a milha extra”. E aqui cita Gandhi - “Sê a mudança que queres ver no mundo” - para justificar que a mudança começa em cada um e que o coaching pode “ajudar a que o eu de auto-estima e de auto-confiança se desenvolva e cresça, com e através dos outros, passando de um eu solitário a um nós solidário”. Este é o grande desafio da sociedade – conjugar o eu com o nós. É a resposta à busca de uma nova ordem, por oposição a um modelo que tem conduzido a “profundas assimetrias”. Pedro deposita grande confiança na capacidade criativa do homem, vê-o transformar-se e deseja que não fique à espera que sejam os outros – “os eles, sem nome e sem rosto” – a fazê-lo. Não há uma receita para a mudança – “Se houvesse na farmácia iríamos todos a correr, eu também iria”: “É, como dizia o poeta, um caminho que se faz caminhando, uma descoberta muito pessoal mas transmissível”. E para onde tem caminhado Pedro Norton de Matos desde a promessa solene de há sete anos? Mudou desde logo a gestão do tempo, pois hoje são mais as variáveis que controla. Não mudou a característica da multitarefa, já que está ligado a muitos projectos que podem – reconhece – conduzir a alguma dispersão, tornando porventura necessário algum foco. “Em algumas coisas, não mudei tanto quanto quereria, mas estou nesse processo, continuo a fazer esse caminho com enorme alegria de viver e vontade de aprender”. É também um caminho de “maior humildade, de um ego mais domesticado”, fruto da constatação de que “o ego pode ser um dos maiores inimigos da pessoa”. Pedro sabe que é ténue a fronteira entre o eu de individualidade, que é positivo e que faz com que um seja diferente do outro, e o eu de individualismo, de egocentrismo. Para não a cruzar, há que “aprender a escutar melhor”: “Só quando escutamos melhor, quando damos espaço ao outro diferente de nós podemos crescer”. E isso é ser humilde. E mais sábio.

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“Em algumas coisas, não mudei tanto quanto quereria, mas estou nesse processo, continuo a fazer esse caminho com enorme alegria de viver e vontade de aprender”

EXERCÍCIO

Lembrado como uma boa pessoa “Tenho de fazer aqui uma declaração de princípio: é que sou um privilegiado”. É assim que Pedro Norton de Matos enquadra a mudança na sua vida no que toca ao rendimento. Admite que beneficia de estímulos materiais, e que lhes reage, mas assegura que nunca foi muito materialista e que é, até, um crítico do hiper-consumo, do desperdício e da obsolescência programada. É por opção que declina – e continuará a declinar, afirma – os convites que continua a ter para regressar à vida executiva por conta de outrém. E declina-os com a tranquilida-

de de poder fazer escolhas agora que as duas filhas estão encaminhadas, têm as suas formações universitárias e as suas profissões. “É um factor que me liberta bastante”, reconhece. Reafirma que o materialismo não é o seu caminho, convicto que está de que a sociedade do hiper-consumo não tem conduzido à felicidade. “Os mais velhos quando, na hora da despedida, dizem o que mais valeu, o que mais prezam, não falam do material, falam sempre do lado humano, das relações, dos afectos”, afirma, para sublinhar a sua escolha. E recorre mesmo a um exercício

que pede àqueles a quem orienta no processo de mudança: “Como gostariam de ser lembrados quando partirem?”. Ele, Pedro, que mudou a vida na fronteira dos 50 anos, gostaria de ser recordado como “um gajo porreiro, uma boa pessoa que viveu a vida com alegria, que, de cada vez que caía, se levantava para voltar a correr”. E como um sonhador, que viveu no presente os seus sonhos porque “o futuro é uma abstracção”. “Há que transportar os sonhos para o aqui e agora e começar a realizá-los no aqui e agora”.

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