“O problema são os tribunais”

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Entrevista

Tatiana Canas jornalista tc@briefing.pt

“O grande problema em Portugal são os tribunais. Na área da Propriedade Intelectual, a morosidade é especialmente grave, porque o Tribunal do Comércio, que é o responsável por este tipo de processos, tanto julga casos deste ramo jurídico, como processos de insolvência”, afirma Paulo Monteverde, sócio fundador da Baptista Monteverde e Associados, uma boutique especializada em Propriedade Industrial

Paulo Monteverde, sócio da BMA

Ramon de Melo

“O problema são os tribunais”

Advocatus I A legislação portuguesa relacionada com a Propriedade Intelectual é satisfatória? Paulo Monteverde (PM) I Sim, aliás, nesta área a legislação está muito harmonizada com as normas a nível internacional e comunitário. O grande problema em Portugal são os tribunais. Advocatus I Em que medida? PM I Como em todas as outras áreas, os tribunais sofrem duma grande 6

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morosidade. Na área da Propriedade Intelectual, esta delonga é especialmente grave porque o Tribunal do Comércio, que é o responsável por este tipo de processos, tanto julga casos deste ramo jurídico, como processos de insolvência.

mara Municipal de Santarém e o Governo assinaram um protocolo, e que as obras estão para começar. É urgente a entrada em funcionamento deste tribunal, apesar de não ser conveniente para os advogados e demais agentes da justiça.

bo bem a necessidade de se criar um tribunal especializado a 100kms de Lisboa, mas com certeza haverão motivos. Há ainda o problema de deslocalizar até Santarém os juízes, que também têm a sua vida organizada em Lisboa.

Advocatus I O que espera do novo tribunal especializado, a criar em Santarém, que está em discussão? PM I Saiu agora a notícia que a Câ-

Advocatus I Como assim? PM I Apenas devido ao facto de não ser em Lisboa, mas compreendo que seja em Santarém, devido a uma questão de custos. Não perce-

Advocatus I O balanço que faz da magistratura especializada em Propriedade Intelectual é positivo? PM I Sim. Já trabalho nesta área há O agregador da advocacia


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muito tempo e sinto-me bastante habilitado a comentar as sentenças que saem do Tribunal de Comércio. Mas, como dizia há pouco, processos de falência e insolvência também passam por estes profissionais, o que prejudica a celeridade das decisões em Propriedade Intelectual. Advocatus I Os especialistas em Propriedade Intelectual nunca se conseguiram concertar num lóbi para negociar com o Governo? PM I Existe a Associação dos Consultores de Propriedade Intelectual (ACPI), da qual já fui vice-presidente durante cinco anos, que tem vindo a tentar dialogar com o Governo, nomeadamente para discutir o projecto do novo Código de Propriedade Intelectual (2008). Na altura recebemos o projecto de lei para analisarmos num prazo de 10 dias. E não estamos a falar de um Decreto-Lei com 10 artigos, mas de um Código com 300 e tal normas, quando a urgência na sua promulgação e consequente publicação em Diário da República era nenhuma.

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“Não percebo bem a necessidade de se criar um tribunal especializado a 100 kms de Lisboa, mas com certeza haverão motivos. Há ainda o problema de deslocalizar até Santarém os juízes, que também têm a sua vida organizada em Lisboa”

Advocatus I E qual tem sido a sensibilidade dos tribunais a este respeito? PM I Os tribunais [administrativos] são completamente insensíveis ao tipo de patente que está a ser invocado e ao facto do genérico violar ou não uma dada patente, e portanto cria-se uma jurisprudência imprevisível que não beneficia ninguém. Os tribunais não analisam os casos, chegam às suas conclusões de forma perfeitamente abstracta, sem referir nenhum tipo de factualidade. Não há qualquer explicação técnica ou factual para as decisões proferidas.

Advocatus I Existe alguma relação de cooperação institucional entre a ACPI e o Círculo da Concorrência? PM I Não. Sendo áreas que se tocam pontualmente, nunca se juntaram para prosseguir nenhuma iniciativa conjunta. O Governo não tem tido vontade de falar com a ACPI nem tem sido sensível às questões da Propriedade Intelectual que lhe são sistematicamente colocadas. Nós não queremos negociar nada. Queremos é discutir questões importantes para Portugal. Advocatus I Tais como? PM I O Acordo de Londres, que é um documento que Portugal está prestes a ratificar e vem permitir que a língua portuguesa deixe de ser um idioma de trabalho a nível de patentes. O facto de haver um interesse económico por detrás desta iniciativa, não significa que o Governo seja insensível a estas observações. Porque ainda não houve nenhuma explicação cabal sobre esta negociação. O Governo não esteve disponível para ouvir o sector. O agregador da advocacia

Advocatus I E relativamente ao mercado dos genéricos, já têm a sua vida mais facilitada em Portugal? PM I Não, nem em Portugal, nem em nenhum país da Europa, ou do mundo. O que se passa em Portugal é que a discussão em torno da entrada dos genéricos no mercado foi mal colocada. Em Portugal, discutese se um genérico pode ou não entrar no mercado num tribunal administrativo. Porque se discute se uma determinada autorização é ou não susceptível de afectar as patentes. Esta questão, noutros países, não se discute nestes termos. O que se discute é se um genérico é ou não susceptível de infringir uma patente. E se o genérico viola a patente não deve estar no mercado, como é evidente. O problema é simples de ser entendido.

“A deslocalização de processos para os tribunais administrativos resulta de uma forma habilidosa que algumas empresas arranjaram para protegerem os seus direitos de Propriedade Intelectual”

“Como é possível um tribunal administrativo chegar a uma conclusão quanto à matéria de facto sem fazer um julgamento? É impossível. Há uma certa preguiça intelectual em tentar resolver as questões sem ter de analisar a factualidade”

Advocatus I Qual a justificação de raiz para que os processos de Propriedade Intelectual sejam remetidos para os tribunais administrativos, quando a maioria deles vão para o Tribunal de Comércio? PM I Voltamos ao início desta conversa, quando falávamos da lentidão dos tribunais de comércio que, apesar do admirável esforço que os seus juízes fazem, têm um tempo de decisão extremamente lento. A deslocalização de processos para os tribunais administrativos resulta de uma forma habilidosa que algumas empresas arranjaram para protegerem os seus direitos de Propriedade Intelectual. >>> Abril de 2011

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Advocatus I Através de que expediente jurídico? PM I No Tribunal de Comércio pedese a condenação a uma não comercialização do medicamento. Num tribunal administrativo pede-se que a AIM (Autorização de Introdução no Mercado) seja suspensa ou anulada. Os réus, num tribunal administrativo, não são as empresas de genéricos, mas o Infarmed ou a Direcção Geral dos Assuntos Económicos (DGAE) que são as entidades responsáveis por atribuir os preços dos medicamentos.

“É impossível um juiz dum tribunal administrativo dar uma opinião sobre se há ou não infracção duma patente porque não tem conhecimentos de química”

Advocatus I A argumentação utilizada surpreende-o? PM I Nem por isso, achei-a interessante. E, como os nossos tribunais administrativos são muito formalistas, achei que seria procedente. Os tribunais administrativos são muito renitentes quanto ao facto de fazerem julgamentos. Ora, como é possível um tribunal administrativo chegar a uma conclusão quanto à matéria de facto sem fazer um julgamento? Advocatus I Essa era, exactamente, a minha próxima pergunta… PM I E eu respondo-lhe: É impossível. Existe aqui uma certa preguiça intelectual em tentar resolver as questões sem ter de analisar a factualidade. Encontra-se um conjunto de silogismos jurídicos ignorando a factualidade concreta de cada caso. É impossível um juiz de um tribunal administrativo dar uma opinião sobre se há ou não infracção duma patente porque não tem conhecimentos de química. Isso implicaria contratar um especialista que o assistisse, o que por sua vez arrastaria o tempo de decisão, pelo que é muito mais simples tomar uma decisão formal. Advocatus I O mercado da contrafacção tem, naturalmente, vindo a proliferar com a crise. Onde é que isto se nota mais, a nível de Propriedade Intelectual? PM I Com a crise e com a pobreza, a contrafacção aumenta. Pega-se numa marca conhecida, apostase numa roupa ou numa garrafa, e vende-se como se fosse original. Existem áreas onde se sente mais a contrafacção em Portugal, como

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a dos têxteis, sobretudo no norte do país e em zonas fronteiriças, como Valença, onde as fábricas funcionam durante o dia a mando de uma empresa conhecida, e durante a noite produzem para venda directa, a um preço muito mais baixo. Advocatus I E os titulares das marcas queixam-se formalmente ou são passivos? PM I Queixam-se. Mas o que vemos, é que existe tanta contrafacção de determinadas marcas, que se torna difícil e dispendioso para os lesados intervirem contra todo ou qualquer tipo de contrafacção. É sabido que nas feiras acontece isso. Já participei nalgumas acções em que as fábricas tiveram de descontinuar a sua produção e foi feita a apreensão de toda a mercadoria. Um fenómeno que se tem sentido, e os tribunais de comércio estão agora mais sensíveis nessa parte, é à contrafacção no sentido lato do termo. Às vezes, o que se imita não é propriamente a marca nominativa, imitam-se as formas. As marcas também podem ser tridimensionais, pode ser a forma de um produto. A forma da garrafa da Coca-Cola é o exemplo disso mesmo. Advocatus I A Baptista Monteverde e Associados é uma firma pequena, com 12 profissionais. Define o escritório como uma

boutique de Propriedade Industrial? PM I Sim. Começámos, essencialmente, ligados à Propriedade Industrial e Intelectual. Como projecto, arrancámos há três anos e tentámos lidar com a Propriedade Industrial de uma forma jovial, célere e profunda, e isso acabou por ser apelativo para muitas empresas. A nossa estratégia passa por aproveitar nichos de mercado a que nem sempre as sociedades de advogados procuram apontar, como a área tecnológica, comunicação, base de dados ou software. Advocatus I A crise não o assusta? PM I Agora, não. Assustou-me numa fase inicial, porque começou mais ou menos quando arrancámos. Posso dizer que já nascemos com a crise. Mas o nosso crescimento, apesar de sermos pequenos, tem sido enorme. Praticamente duplicámos a nossa facturação de um ano para o outro. O fenómeno da crise gera mais trabalho em algumas matérias, não tanto na Propriedade Industrial, mas em áreas conexas. As empresas tornam-se mais agressivas do ponto de vista comercial e, se isso acontece, estão dispostas a correr mais riscos, pelo que têm mais contra-ordenações, logo, os advogados têm mais trabalho. Até agora, a crise tem-nos sido positiva.

PERFIL

Gosta de jazz e sonha com a Austrália Paulo Monteverde é casado e tem duas filhas. Em criança, enquanto os outros miúdos pensavam em ser bombeiros ou polícias, quis, só e apenas, tornar-se advogado, influenciado pelas séries televisivas e por uma linhagem familiar ligada ao Direito. A seguir ao avô, que deixou editados dois dicionários jurídicos, e a dois tios, foi o quarto membro da família a interessar-se por esta área. Apreciador de jazz, elege John Coltrane e Wynton Marsalis como músicos de eleição. Isso não o impede, contudo, de ser fã da pop, sendo, os Florence and the Machine uma das suas bandas favoritas e Pedro Abrunhosa “um músico exemplar”. Nos tempos livres, adora fotografia “desde sempre” e joga ténis, ainda que “menos vezes do que gostaria”. Para uma viagem de sonho, não hesita em apontar a bússola à Austrália. “Nunca estive tão longe e gostava mesmo muito de ir até ao outro lado do globo”.

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