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Fukushima
Que de Espanha sopre bom vento Em termos de reparação, o quadro normativo aparenta relativa segurança. Mas o que verdadeiramente interessa é matéria de soberania alheia materializada na execução das normas de instalação e funcionamento de centrais nucleares. E, quanto a isso, esperemos que de Espanha sopre bom vento A tragédia de Fukushima, sobre a qual se sabe tão pouco, relançou, naturalmente, o debate sobre a utilidade da produção de energia eléctrica por via nuclear. Portugal não tem programa nuclear, mas instalações a poucos quilómetros da nossa fronteira o que, face às dimensões apocalípticas normalmente ocasionadas por este tipo de acidente, levanta questões que a Advocatus considera oportuno elencar, nomeadamente as atinentes às legítimas inquietações de segurança dos dias que correm. Não é tarefa fácil, contudo… Portugal faz parte do “clube nuclear”, não só pela vizinhança mas também por possuir, em Sacavém à guarda do ITN, um pequeno reactor de investigação. Não obstante, conseguimos a proeza de dispor de mais de uma centena de leis, regulamentos e decretos sobre uma actividade quase inexistente no país, de técnica legislativa deficiente, pejadas de derrogações implícitas e dos consequentes debates doutrinais sobre a aplicabilidade de diversas normas. Somos, ainda, membros de, praticamente, todos os acordos e convenções internacionais sobre a matéria, mas relevam, para a questão da segurança, concomitantemente com a directiva relativa à responsabilidade ambiental, apenas três ou quatro instrumentos cuja elencagem e principais estatuições aqui resumimos: Portugal é, desde 1960, parte na “Convenção sobre a Responsabilidade Civil no domínio da Energia Nuclear”, para harmonizar a legislação em matéria de energia. Esta convenção estabelece o regime da responsabilidade civil por danos nucleares, nos termos do qual os ope22
Maio de 2011
“Portugal faz parte do “clube nuclear”, não só pela vizinhança mas também por possuir, em Sacavém à guarda do ITN, um pequeno reactor de investigação”
“Conseguimos a proeza de dispor de mais de uma centena de leis, regulamentos e decretos sobre uma actividade quase inexistente no país, de técnica legislativa deficiente, pejadas de derrogações implícitas e dos consequentes debates doutrinais sobre a aplicabilidade de diversas normas”
radores ficam obrigados a indemnizar terceiros por danos causados por qualquer acidente nuclear. Na sequência da ratificação desta convenção, os governos português e espanhol assinaram, em 1980, o “Acordo Luso-Espanhol de Segurança de Instalações Nucleares de Fronteira” e respectivo protocolo que regulamenta a colaboração, em caso de um acidente nuclear junto da fronteira destes dois países, limitando-se a remeter para as convenções sobre responsabilidade civil, no domínio da energia nuclear, a matéria de responsabilidade civil por danos nucleares. Em 1986, foi assinada a “Convenção de Notificação Rápida em Caso de um Acidente Nuclear ou Emergência Radiológica” que estabelece o sistema de notificação para acidentes nucleares com potencial para provocarem libertações transfronteiriças com significado para Estados vizinhos. A “Convenção da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa sobre Avaliação de Impacte Ambiental num Contexto Transfronteiriço” (Convenção de Espoo), de 1991, estabelece as obrigações das partes, quanto aos requisitos exigidos pela avaliação de impacte ambiental (AIA), prévia à tomada de decisão de diversos projectos entre os quais, naturalmente, uma central nuclear. Estabelece, também, as obrigações dos Estados quanto à participação do público afectado por projectos transfronteiriços que possuam um impacto ambiental significativo. Em 1994, foi assinada a “Convenção sobre Segurança Nuclear” com o objectivo de estabelecer as regras aplicáveis ao licenciamento de instalações nucleares, à inspec-
José Eduardo Martins Sócio da Abreu Advogados desde 2005. Licenciado em Direito pela FDUL (93), é professor universitário e foi secretário de Estado do Ambiente no XV Governo Constitucional (02-04). Imobiliário e Direito Público & Ambiente são as suas especialidades
ção regulamentar, e à avaliação das mesmas. Mais recentemente, foi publicada a Directiva n.º 2004/35/CE, do Parlamento e do Conselho Europeus, de 21 de Abril de 2004, que aprovou, com base no princípio do poluidor pagador, o regime relativo à responsabilidade ambiental aplicável à prevenção e reparação dos danos ambientais, com a alteração que lhe foi introduzida pela Directiva n.º 2006/21/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho. A Directiva prevê a obrigação de colaboração sempre que um dano ambiental afecte, ou seja susceptível de afectar, outro Estado-membro, e ainda o dever de reparação desse dano ambiental. Resumindo, em termos de reparação, embora felizmente o sistema nunca tenha sido testado, o quadro normativo aparenta relativa segurança. Sucede que tudo o mais, o que verdadeiramente interessa, é matéria de soberania alheia materializada na execução das normas de instalação e funcionamento de centrais nucleares e actividades relacionadas. E, quanto a isso, esperemos que de Espanha sopre bom vento… O agregador da advocacia