Velho, trôpego e anacrónico

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Debate

Velho, trôpego e anacrónico A lei processual civil e o código que em grande medida a acolhe são responsáveis por parte leonina da insatisfação generalizada com o comportamento do sistema. Trata-se de um corpo velho, trôpego, anacrónico e fossilizado, que rejeita todas as tentativas feitas para lhe implantarem genes de mudança A Justiça nunca pode ser feita à pressa, mas deve ser feita depressa. Depressa e bem. Para o povo, em nome do qual é administrada, a lentidão constitui marca de água do sistema, zénite do desespero e máximo fundamento da crítica. Quem espera desespera e quem muito espera, mais ainda desespera. A lei processual civil e o código que em grande medida a acolhe são responsáveis por parte leonina da insatisfação generalizada com o comportamento do sistema. Trata-se de um corpo velho, trôpego, anacrónico e fossilizado, que rejeita todas as tentativas feitas para lhe implantarem genes de mudança. Mas não só da Lei vive a culpa. Neste caso a dita não morre solteira, porque vive, no mínimo, em patente bigamia. Com efeito junta-se à letra dos preceitos uma mentalidade terrivelmente conservadora, que contagia, sem excepção, a generalidade dos que operam no sistema. Clamamos sistematicamente por reformas, mas assim que estas entram em vigor, passamos a recordar, com inclemente saudade, aquilo de que tanto nos queixávamos. Este conservadorismo, feito de acomodação e receio, é, também ele muitíssimo responsável pela rejeição ontológica de todas as boas alterações que se tentaram introduzir no velho paradigma processual. Recordemos algumas, como exemplo, e efeméride: a aposta decisiva numa audiência preliminar rica em decisões e capaz de projectar um julgamento mais célere e mais escorreito (artigo 508-A do CPC); o princípio da 36

Maio de 2011

“Não só da Lei vive a culpa. Neste caso a dita não morre solteira, porque vive, no mínimo, em patente bigamia. Com efeito junta-se à letra dos preceitos uma mentalidade terrivelmente conservadora, que contagia, sem excepção, a generalidade dos que operam no sistema”

“Clamamos sistematicamente por reformas, mas assim que estas entram em vigor, passamos a recordar, com inclemente saudade, aquilo de que tanto nos queixávamos”

adequação formal com o qual se pretenderia desbloquear o concreto caminho de acesso à decisão (artigo 265 – A do CPC); a apresentação conjunta da petição pelas partes, que morreu sem ter verdadeiramente vivido (artigo 464 – A do CPC entretanto revogado); a inquirição por acordo das partes da qual estamos absolutamente alheados (artigo 638 – A do CPC); o sancionamento efectivo da litigância de má-fé (artigo 447 – B do CPC); a timidez com que se previu e implementou o regime processual experimental (DL 108/2006 de 8 de Junho), ele próprio já condenado ao ostracismo e à mais absoluta falta de entusiasmo. Quer-se a moral da história? É simples: a velha letra, o velho espírito e os velhos hábitos resistem, derrotando, de forma implacável, todas as tentativas de verdadeira reformatação. Este estado de coisas não pode continuar. Impõe-se uma reforma corajosa, assente em três vectores fundamentais: O primeiro consistindo na simplificação dos procedimentos. Implementar a adequação formal, mas não só. Já é tempo de extinguirmos todas as acções especiais e as suas tramitações privativas. Defendo isto há anos, aplicado, aliás, aos processos principais e aos procedimentos cautelares. Preserve-se a causa de pedir, o pedido, a produção de prova, a garantia da igualdade das partes e do contraditório. Acabe-se com as distinções que complicam muito mais do que aquilo que ajudam, criando, aliás, incidentes sem fim. O processo deve ser comum e a tramitação semelhante. O segundo analisa-se num maior poder dos juízes na conformação

Rogério Alves Licenciado em Direito pela Católica de Lisboa (84). Bastonário no triénio 200-07. Professor convidado da Católica. Desde 2007 preside à União dos Advogados de Língua Portuguesa

do percurso entre o pedido e a decisão. Não há adequação processual sem esta supervisão permanente. O terceiro consiste na revalorização dos recursos, com a consagração, efectiva, de uma segunda instância de revisão da matéria de facto, suportada na gravação em suporte áudio e vídeo das audiências. Simplificar, garantir o exercício escorreito de direitos e assegurar um recurso efectivo, eis o bom caminho. E, já agora, não se esqueça, a reforma de permitir que as partes falem, sem ser para se confessarem. Já é mais do que tempo. O agregador da advocacia


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