Soluções discutíveis

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Debate

Soluções discutíveis O actual regime dos recursos favorece a existência de situações em que, por motivos meramente formais, as decisões de mérito proferidas venham a ser prejudicadas pela anulação de todo o processado Na nossa opinião, parece-nos que a última reforma do regime dos recursos não constituía uma prioridade, considerando que, na verdade, as modificações introduzidas com a reforma de 1996 já haviam considerado alterações significativas ao nível da simplificação e mesmo da celeridade. Volvidos que estão mais de dois anos após a entrada em vigor do novo regime dos recursos, parece-nos pertinente a sua análise. Algumas questões se levantam, mas optámos por cingir a nossa apreciação ao chamado “monismo recursório”, a “aplicação da lei no tempo” adoptada pelo mesmo e a chamada “dupla conforme” e revista excepcional. Relativamente ao “monismo recursório”, constitui, de facto, uma das medidas mais visíveis e destacadas por todos do novo regime. Assim, ao nível dos recursos ordinários, foi abolido o tradicional recurso de agravo, que implicava uma interposição no curto prazo de 10 dias sob pena de caso julgado formal. Permitia, além disso, um despacho de sustentação ou de reparação do agravo, ou seja, que decisões feridas de erro pudessem desde logo ser reformadas pelo juiz. Por outro lado, a intervenção do Tribunal Superior ficava ainda dependente do resultado final da acção, já que, por norma, caso o agravante fosse a parte vencedora o agravo ficaria prejudicado. Acontece que, actualmente, essas mesmas decisões continuam a ser susceptíveis de recurso através do agora designado recurso das decisões interlocutórias ou dos despachos de rejeição ou admissão de prova. É fácil ver que o actual regime favorece a existência de situações em que, por motivos meramente for38

Junho de 2011

“Na falta de fundamentos quanto à substância, sempre se poderá ‘deitar a mão’ de um qualquer erro na tramitação processual para que assim se anule todo um processo, normalmente longo”

“Não seria mais razoável que o novo regime, na sua tramitação, se aplicasse a todos os processos? Tal permitiria, com certeza, uma mais-valia ao nível da avaliação dos riscos, da eficácia e da simplicidade”

mais, as decisões de mérito proferidas venham a ser prejudicadas pela anulação de todo o processado. Na falta de fundamentos quanto à substância, sempre se poderá “deitar a mão” de um qualquer erro na tramitação processual para que assim se anule todo um processo, normalmente longo. Esta é uma questão que não deve, nem pode, ser ignorada. Esta consequência poderia ser anulada, ou pelo menos minimizada, se houvesse a possibilidade de vir a ser deduzida pela parte uma reclamação, permitindo-se assim a imediata correcção desses erros. Ou ainda pela circunscrição mais apertada de decisões interlocutórias de natureza formal susceptíveis de recurso. Quanto à aplicação da lei no tempo não podemos deixar de nos manifestar. O legislador optou por criar dois “mundos”: os processos pendentes antes de 31 de Dezembro de 2007 e os instaurados após essa data. Fará isto sentido? Sem prejuízo de se respeitar o regime anterior quanto ao direito de interposição de recurso, não seria mais razoável que o novo regime, na sua tramitação, se aplicasse a todos os processos? Tal permitiria, com certeza, uma mais-valia ao nível da avaliação dos riscos, da eficácia e da simplicidade. Por último, está agora vedado o recurso de revista quando o Tribunal da Relação confirme, sem voto vencido, a decisão da primeira instância, é a chamada dupla conforme. Note-se que este juízo de confirmação basta-se com a conformidade quanto à decisão. Assim sendo, só a existência de um voto vencido poderá justificar o acesso a um 3.º grau de jurisdição através do recurso de revista, com apenas três excepções muito concretas:

Ana Cláudia Rangel Licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade Moderna de Lisboa, em 1998, especializou-se na área do Contencioso e Arbitragem. Desde 2007 que colabora com a Raposo, Bernardo e Associados

- Violação de regras de competência, caso julgado ou desrespeito por acórdão de uniformização de jurisprudência; - Quando estejam em causa interesses de particular relevância social; - Quando o acórdão proferido esteja em contradição com outro proferido pela Relação ou pelo STJ já transitado em julgado. Quanto a esta alteração nada a dizer, parece-nos uma decisão acertada e dotada de bom senso. Valerá esta reforma por isto? O agregador da advocacia


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