Temos de importar estudantes

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Fátima Sousa jornalista fs@briefing.pt

“O Instituto acolhe alunos de mestrado e doutoramento. O ano passado tivemos 72 dissertações de mestrado e oito teses de doutoramento. Mas não temos só portugueses. Aliás, temos falta de alunos nacionais. Temos de importar estudantes. Recebemos cada vez mais indianos e chineses, vindos de países com uma população enorme que vê nos estudos uma maneira de evoluir. Em média, posso dizer que são mais esforçados do que os portugueses”, afirma José Neves, 63 anos, coordenador científico do Instituto de Telecomunicações de Aveiro

José Neves, coordenador científico do IT Aveiro

Ramon de Melo

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Fibra I O Instituto de Telecomunicações (IT) resultou de uma candidatura ao Programa Ciência em 1991. Que percepção havia quanto à necessidade de investir neste domínio? José Neves I Havia, como agora, a percepção de que as telecomunica6

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ções eram uma área fundamental para o desenvolvimento socioeconómico da sociedade, pelo que não se podia (nem se pode) perder essa oportunidade. Além disso, Aveiro sempre foi uma zona com tradição nas telecomunicações, onde já então estavam instaladas as principais

instituições da área, nomeadamente o centro de investigação e desenvolvimento da Portugal Telecom, hoje PT Inovação. A Universidade criou depois o curso de Telecomunicações, o que reforçou essa apetência. Entretanto, o desenvolvimento a nível nacional de indústrias de base

tecnológica veio aumentar a necessidade e a importância estratégica da formação avançada e da I&D nas áreas de competência do IT, confirmando a sua razão de ser. Fibra I O instituto está orientado para a investigação pré-competiO novo agregador das comunicações


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tiva. Em que se traduz esta especificidade? JN I A excelência científica a todos os níveis é o objectivo principal do IT. Não se trata de desenvolver produtos ou serviços para colocar no mercado, mas sim de criar as condições necessárias para capacitar o tecido empresarial para o fazer. É isso que significa investigação pré-competitiva. Não se concorre com o tecido empresarial, capacita-se o tecido empresarial para enfrentar os desafios permanentes do mercado.

“Fazemos investigação précompetitiva. Não concorremos com o tecido empresarial. Capacitamos as empresas para enfrentarem os desafios permanentes do mercado”

Fibra I Diria que o IT cobre as áreas de ponta das telecomunicações? JN I Exactamente, as quatro áreas de organização do instituto são as traves mestras do mundo das comunicações dos tempos de hoje. As comunicações ópticas facilitam os grandes fluxos de comunicação, tão importantes para uma moderna rede de telecomunicações. Já as comunicações móveis (ou de uma forma geral “sem fios”) concretizam o sonho do acesso ubíquo à informação (em qualquer lugar e a qualquer momento). A componente de redes permite fazer a gestão de todos os recursos, garantindo o funcionamento adequado de todas as funcionalidades de uma rede moderna, de modo a que a informação (hoje grandemente multimédia) possa fluir de forma correcta e segura. E as ciências básicas e tecnologias de suporte preocupam-se com os dispositivos (consumo energético por exemplo, desempenho, miniaturização...) que permitem construir os sistemas mais complexos que hoje existem numa rede de telecomunicações. Fibra I Em que medida a ligação ao mundo empresarial tem sido determinante? JN I No início da actividade do IT, o ambiente industrial envolvente era maioritariamente dominado pelos operadores de telecomunicações, com os seus interesses de I&D focados em redes, planeamento e serviços. A investigação mais aplicada que hoje se realiza no IT, em colaboração com empresas, está a aumentar e tem-se traduzido num crescimento do número de patentes. Só o ano passado registámos 15. A O novo agregador das comunicações

“A pressão do mercado obriga a um constante evoluir. O tempo de vida dos novos produtos é cada vez mais curto. Para sobreviver é necessário aumentar a velocidade de transferência do conhecimento dos centros de I&D para as empresas”

ligação ao mundo real das empresas é fundamental para que os resultados do trabalho do IT possam criar riqueza, social e económica. Esta preocupação talvez tenha sido e continue a ser um factor de diferenciação do IT e uma razão importante do seu sucesso. Fibra I Em que se traduz o apoio das empresas? JN I O apoio empresarial não surge só por ser “politicamente correcto”. Surge também porque as empresas reconhecem no IT capacidade e competência para introduzir valor acrescentado nos produtos/serviços que desenvolvem, tornando-se assim mais competitivas no mercado. A investigação materializada na inovação é um factor cada vez mais decisivo para o crescimento socioeconómico. E, na área das telecomunicações, o IT tem dado o seu contributo de forma marcante. Com a experiência ganha com as actividades do TELESAL — Rede de Excelência em Telecomunicações, o IT — Aveiro continuará e deverá mesmo reforçar a cooperação com as empresas no âmbito do Pólo de Competitividade TICE: a PT, nomeadamente deverá encorajar as interacções com as PME nacionais com o objectivo de as envolver em consórcios nacionais e internacionais.

“Não é um problema português. É uma tendência europeia. Os alunos não têm muita apetência para estas áreas tecnológicas, em que a disciplina nuclear é a Física e que exige um grande esforço e têm um grau de dificuldade elevado. Aqui é tecnologia pura e dura”

Fibra I Em sua opinião, o mundo empresarial está desperto para a importância desta ligação à Ciência? JN I Cada vez mais. A pressão do mercado obriga a um constante evoluir. O tempo de vida dos novos produtos é cada vez mais curto. Para que se consiga sobreviver é necessário aumentar a velocidade de transferência do conhecimento existente nos centros de I&D para as empresas...e as que estão “à frente” têm bem consciência desse facto. Contudo, do lado empresarial é necessário que haja também visão estratégica de modo a antecipar de forma atempada as suas próprias necessidades e não esperar que do lado da “Ciência” possa haver uma forma rápida de resolver as dificuldades ou os desafios. Tudo tem o seu

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tempo e todos os parceiros devem estar bem conscientes disso. Fibra I E a ligação à Universidade de Aveiro em que consiste? JN I É uma ligação muito estreita. Eu próprio sou professor da universidade e desempenho a função de director e coordenador científico por indicação da universidade. O instituto é a instituição de acolhimento para muitos alunos que preparam as suas teses de mestrado e doutoramento, supervisionadas por docentes que também são investigadores. O ano passado tivemos 72 dissertações de mestrado e oito teses de doutoramento. Mas não temos só portugueses. Aliás, temos falta de alunos nacionais. Temos de importar estudantes. “Como há emprego, só os que têm mesmo vocação é que fazem o doutoramento. Demora quatro anos a obter o grau de doutor e em quatro anos numa empresa ganha-se mais do que com o doutoramento. Além de que poucas empresas em Portugal querem empregar doutorados”

Fibra I A que atribui essa dificuldade em recrutar alunos portugueses? JN I Não é só um problema de Portugal, parece-me que é uma tendência europeia. Os alunos não têm muita apetência para estas áreas tecnológicas, em que a disciplina nuclear é a Física e que exigem um grande esforço, e têm um grau de dificuldade elevado. Na Informática, há mais candidatos, mas aqui é tecnologia pura e dura. Temos de importar estudantes estrangeiros. Recebemos cada vez mais indianos e chineses, vindos de países com uma população enorme que vê nos estudos uma maneira de evoluir. Em média, posso dizer que são mais esforçados do que os portugueses. Fibra I Mas há dificuldade de colocação no mercado de trabalho? JN I Antes pelo contrário, não há qualquer dificuldade. Nas áreas em que as oportunidades de emprego são mais escassas, os licenciados e mestres optam por cursos de pós-graduação como forma de se valorizarem. Aqui, como há emprego, só os que têm mesmo vocação fazem o doutoramento. A questão é que obter o grau de doutor demora quatro anos e, em quatro anos, numa empresa, ganha-se mais do que com o doutoramento. Por isso, não vêem necessidade. Além de

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“Um dos meus grandes desafios profissionais é fazer com que o IT de Aveiro não precise de ser subsídio-dependente e consiga ser auto-suficiente, financiando-se apenas com a contratação externa”

“Ciclicamente, passamos por tempos de crise e tempos de maior abundância, mas, nos últimos anos, o investimento em Ciência tem sido considerado estratégico, o que nos tem aproximado claramente dos padrões europeus. Não me parece que haja alternativa”

que poucas empresas em Portugal querem empregar doutorados. Fibra I O financiamento tem sido suficiente para manter o nível de investigação? JN I Grande parte do financiamento é obtido em concursos internacionais. E, com o reconhecimento das competências existentes, o IT tem revelado uma forte capacidade de captação de financiamento externo junto da FCT, da UE, da AdI e do mundo empresarial. Segundo dados da Comissão Europeia, o IT encontra-se entre os 10 maiores beneficiários, quer a nível do número de projectos, quer a nível de financiamento concedido. Contudo, é preciso salientar que, a nível internacional, face à cada vez maior exiguidade de recursos, a concorrência é grande, obrigando a uma contínua identificação de oportunidades. Neste domínio, devo dizer que o meu grande desafio profissional é fazer com que o IT de Aveiro não precise de ser subsídio-dependente, mas consiga ser auto-suficiente, financiando-se apenas com a contratação externa. Fibra I Que vantagens advêm do estatuto de laboratório associado do Ministério da Ciência? JN I Esse estatuto é mais do que um título, porque só é atribuído a instituições que foram avaliadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e que tiveram “excelente”. Há centenas de unidades de investigação em Portugal, e só umas 20 são laboratórios associados. Devido a esse estatuto, é possível obter financiamentos específicos, que permitem que o IT possua um corpo de investigadores que só realiza investigação e que, ao contrário dos que são docentes, estão libertos da carga horária correspondente às aulas. Também são estes investigadores que tornam possível a participação em projectos com maior índole tecnológica e com elevado impacto, embora sem desvios na excelência científica. Para ser mais do que a soma das partes é também necessário explorar completamente as sinergias potenciais e as existentes entre os diversos grupos e pólos. Assim, o IT utiliza O novo agregador das comunicações


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uma fracção substancial das verbas do financiamento como laboratório associado em projectos de investigação, envolvendo vários grupos de mais do que um pólo. Fibra I Considera que o poder público tem dado o devido impulso e reconhecimento à Ciência? JN I Sem dúvida. Ciclicamente, passamos por tempos de crise e tempos de maior abundância, mas, nos últimos anos, o investimento em Ciência tem sido considerado estratégico, verificando-se um aumento na respectiva percentagem do PIB, o que nos tem aproximado claramente dos padrões europeus. Não me parece que haja alternativa. Se queremos aumentar as exportações temos de ser competitivos. Mesmo nas exportações tradicionais há muitos concorrentes, nomeadamente de países com uma mão-de-obra mais barata. Os governos compreendem que não há opção a não ser inovar. E isso passa pelo apoio à investigação. Fibra I A parceria com a PT Inovação centra-se nas comunicações ópticas. Qual a aplicabilidade desses projectos? JN I Um dos projectos mais concorrenciais do ponto de vista comercial que estamos a desenvolver com a PT Inovação é o GPON in a Box. Trata-se do desenvolvimento de novos componentes para a futura geração de redes ópticas, componentes esses que serão produzidos pela indústria nacional. O projecto prevê o desenvolvimento de soluções completas para a interligação entre residências e centros de negócio através de fibra óptica, permitindo a subscrição de serviços como televisão digital ou analógica, internet e voz. A grande vantagem é o baixo custo de implementação e o reduzido consumo de energia, além da flexibilidade em termos de equipamentos. Isto significa que o operador não tem de ficar cingido ao equipamento de determinada empresa, havendo total interoperabilidade entre o sistema e os vários equipamentos. É um dos projectos com grande aplicabilidade prática e, como disse, totalmente concorrencial. O novo agregador das comunicações

“Dos projectos mais concorrenciais do ponto de vista comercial que estamos a desenvolver com a PT Inovação é o GPON in a Box. Trata-se do desenvolvimento de novos componentes para a futura geração de redes ópticas, componentes esses que serão produzidos pela indústria nacional”

Fibra I Um dos projectos do IT é o SKA, descrito como um dos cinco grandes do século XXI. O que o torna tão marcante? JN I É, sem dúvida, o nosso projecto mais mediático. Será o maior telescópio do mundo, a ser instalado, em princípio, na África do Sul e com tecnologia testada em Portugal. Foi escolhida a Herdade da Contenda, em Moura, por ter a mais alta iluminação solar da Europa ocidental e dos menores níveis de ruído electromagnético. As 3 mil antenas do telescópio serão dispostas em espiral num quilómetro quadrado de extensão – daí a designação do projecto: Square Kilometer Array (SKA). Através de fibra óptica, terão capacidade de transportar cerca de 200 vezes a quantidade de informação que circula hoje na internet por mês, o suficiente para encher uns 15 milhões de iPods de 64 Gb por dia. A sua sensibilidade permitira captar um radar de aeroporto num planeta a 50 anos-luz da Terra… O objectivo é criar uma rede de sensores formando um radiotelescópio à dimensão continental, fundamental para as agências espaciais seguirem missões nas profundezas do sistema solar, para lá de Júpiter e Saturno. Vai ser uma nova maneira de ver e ouvir o Universo. O IT é o parceiro nacional do consórcio, estando envolvidas empresas como a Nokia Siemens Networks Portugal e a Martifer Solar.

Fibra I Que projecção internacional tem merecido o instituto? JN I A participação num elevado número de consórcios internacionais, nomeadamente em variadas NoE (Redes de Excelência), é uma prova evidente do reconhecimento internacional da sua capacidade. O número de publicações científicas em revistas internacionais de elevado prestígio é também um factor demonstrativo da sua competência científica. Um exemplo recente desse reconhecimento é o facto de termos sido procurados directamente por um grande fabricante chinês para desenvolver amplificadores de potência para estações base da rede móvel. O objectivo é concebermos amplificadores mais eficientes para responder a um dos problemas mais actuais que os operadores de rede móvel enfrentam – o impressionante consumo energético associado à climatização dos amplificadores. Só para ter uma ideia, em França fez-se um estudo que concluiu que um simples aumento da temperatura de 22 para 24 graus equivaleria a uma central nuclear a menos. Conseguimos este projecto pela qualidade dos nossos investigadores, porque o fabricante sabia que aqui se localizava um dos melhores grupos de investigação na área da potência. Também a nível das comunicações ópticas temos uma elevada reputação a nível mundial, somos mesmo considerados um centro de excelência.

PERFIL

Pai do 1º microondas made in Portugal Aos 63 anos, José Neves reparte o dia entre a docência de “Antenas e guias de onda” e “Planeamento de redes móveis” na Universidade de Aveiro e a direcção e coordenação científica do IT. Admite que é mais um gestor do que um cientista. A complexidade dos projectos e contratos assim o exige. Não perdeu, no entanto, a paixão pela Ciência. Muito menos pela experimentação, pela comprovação de que o modelo que concebeu está correcto. Nascido em Trás-os-Montes, cedo partiu para Moçambique. Regressou a Portugal aos 28 anos, depois da licenciatura em Engenharia Eléctrica pela então Universidade de Lourenço Marques e de um doutoramento em Engenharia Eléctrica e Electró-

nica pela Universidade de Bradford, em Inglaterra. Fixou-se em Aveiro e logo em 1985 lhe chegou às mãos um projecto aliciante: o desenvolvimento do primeiro microondas totalmente nacional. Para a Teka, que ainda hoje mantém uma fábrica em Ílhavo, com uma produção de mil unidades por dia com base na tecnologia que José Neves criou. “Tenho muito orgulho nisso”, diz, ao recordar aquele forno original, em aço inox, para restaurantes, destinado a durar uma vida toda. As funções na universidade e no IT não lhe deixam tempo para assinar projectos. Deixam-lhe pouco tempo, aliás. E o que sobra é para passear um labrador exigente. É quanto basta para desligar.

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