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Arbitragem
Um segredo muito bem guardado Nenhuma empresa ou cidadão português nem o Estado Português até hoje foram partes em arbitragens ICSID – um centro para administrar arbitragens de investimento criado em 1965 pela Convenção de Washington. O desconhecimento dos meios empresariais e jurídicos tem prejudicado seguramente o tecido empresarial português Um dos segredos mais bem guardados em Portugal é a existência da Convenção de Washington(1) de 1965 que criou o ICSID, um Centro para administrar arbitragens de investimento. Portugal é um dos 145 Estados signatários(2). Nos primeiros tempos (até 1996) o número de arbitragens iniciadas em cada ano nunca ultrapassou as quatro, mas daí para a frente o crescimento foi exponencial. Em 31 de Dezembro de 2010 havia 331 em curso. Com base na convenção, e desde que estejam reunidas certas circunstâncias e condições, qualquer empresa ou cidadão pode obrigar um estado soberano, de que não seja nacional, a submeter-se a uma arbitragem internacional. Nenhuma empresa ou cidadão português nem o Estado português, até hoje, foram partes em arbitragens ICSID. Talvez por isso, desde 1997 que Portugal não indicava os quatro membros a que tem direito para integrar as listas de árbitros e de conciliadores da ICSID, o que só ocorreu, já em 2011. O desconhecimento dos meios empresariais e jurídicos tem prejudicado seguramente o tecido empresarial português. A Convenção de Washington visa reforçar a cooperação económica e o investimento privado internacionais, aumentando a confiança dos investidores. No mesmo sentido, têm sido assinados milhares de Tratados Bilaterais de Investimento (BIT) ou Tratados Multilaterais (como a Charter of Energy, o Nafta, etc) que são, aliás, a principal fonte das arbitragens ICSID. No centro do sistema está a noção de “investimento”. A definição, controversa, inclui activos mobiliários e imobiliários, direitos derivados de O agregador da advocacia
“A Convenção de Washington visa reforçar a cooperação económica e o investimento privado internacionais, aumentando a confiança dos investidores”
“Portugal é um pequeno país que não pode exercer a ‘política de canhoneiras’ e a própria ‘protecção diplomática’ tem limitações. Os instrumentos de Direito Internacional são por isso muito importantes e devem ser conhecidos”
acções, obrigações e participações em joint ventures, direitos imateriais como a Propriedade Intelectual, direitos originados de contratos com entidades públicas (concessões, explorações mineiras e de recursos naturais, etc.) e até reclamações de meios financeiros com valor económico. Para determinar a relevância de um “investimento” costuma aplicar-se o chamado Salini Test, que exige uma entrada em dinheiro ou activos, duração e risco. Por vezes adita-se ainda que o investimento seja feito de boa-fé, constitua uma actividade económica, respeite as leis do Estado de acolhimento e que contribua para o seu desenvolvimento. Se por tratamento que não seja justo e equitativo (fair and equal treatement), um estado lesar uma entidade estrangeira, será condenado a compensar os danos que causou, incluindo-se lucros cessantes, “perda de chance” ou perda de benefícios económicos. As situações concretas que justificam o procedimento podem ser muito variadas. Por exemplo, confisco, nacionalização ou expropriação (incluindo a chamada expropriação económica, quando o valor económico diminui por alterações de regras fiscais, ambientais ou regulatórias em geral), medidas discriminatórias, limitações a importações ou exportações, tarifas e impostos desproporcionados ou retirada de subsídios à produção e/ou à exportação não previstos no modelo de negócio de investimentos contratuais, harassment ou coacção a empresas por investigações ou inspecções desproporcionais, corrupção, denegação de justiça por tribunais(3), efeitos de situações de caos e guerra civil(4), etc.
José Miguel Júdice Sócio fundador da PLMJ. Responsável pelas áreas de prática de Contencioso e Arbitragem do escritório
A evolução da cena internacional, bem patente nos eventos do Norte de África, as restrições orçamentais que provocam redução de subsídios contratados e a própria tendência crescente para a autarcia económica, tornam muito importante a divulgação desta convenção e do sistema ICSID(5). Até porque Portugal é um pequeno país que não pode exercer a “política de canhoneiras” e a própria “protecção diplomática” tem limitações. Os instrumentos de Direito Internacional são por isso muito importantes e devem ser conhecidos. 1 “Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados”. 2 Também o são Moçambique, Cabo Verde, Timor-Leste e S. Tomé e Príncipe, embora este último ainda não tenha ratificado a Convenção. 3 Por exemplo em “Chevron-Texaco contra Equador”. 4 No muito recente caso “RSM Petroleum contra a República Central Africana”, um tribunal arbitral ICSID considerou relevante a invocação de “força maior” como razão para suspender deveres contratuais em relação a esse país africano. 5 A Associação Comercial de Lisboa e a Associação Portuguesa de Arbitragem vai levar a efeito no dia 14 de Abril de manhã, na sede da primeira, um seminário realizado pelos membros nomeados por Portugal para as listas ICSID, entre os quais o signatário, com a intenção de divulgar o assunto. Abril de 2011
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