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Eduardo Cintra Torres ect@briefing.pt
Um dia destes, o Facebook será a versão pós-moderna das Páginas Amarelas. Em vez do papel, a internet. Em vez de publicidade parecendo escrita por publicitários, parecerá escrita por gente comum
Vá pelos seus dedos no Facebook Um dia destes, o Facebook será a versão pós-moderna das Páginas Amarelas. Em vez do papel, a internet. Em vez de publicidade parecendo escrita por publicitários, parecerá escrita por gente comum. Em vez de informações baseadas em factos, terá informações baseadas em emoções pessoalizadas. Em vez de anúncios perfeitamente identificados, anúncios camuflados sob perfis pessoais e de grupos. Em vez de publicidade procurada pelo utilizador, aparecerá publicidade não solicitada, como aconteceu com o e-mail. Em vez de publicidade de grande criatividade, publicidade a fingir que não é, e sem uma capaz passagem à esfera do sonho e da sugestão de estilos de vida. Quem percorre a internet regularmente já vive em pleno esta nova era da publicidade, a era da reality advertising. A “publicidade de realidade” distingue-se da publicidade como a conhecemos, todos os que nascemos no século XX. A reality advertising tem um carácter mais básico, assemelha-se aos anúncios classificados, seja no Correio da Manhã, seja no e-Bay, feitos pelos próprios. Ou assemelhase a mensagens de amor dos namorados de antigamente, como as coisas que vejo no Facebook, uma autopublicidade pegajosa como melaço. Os publicitários e marketeers já se apropriaram dessa linguagem supostamente incrustada na vida pessoal e real de indivíduos concretos 46
Janeiro de 2011
“A reality advertising assemelha-se aos anúncios classificados no Correio da Manhã, feitos pelos próprios. Ou assemelha-se a mensagens de amor dos namorados de antigamente, como as coisas que vejo no Facebook, uma auto-publicidade pegajosa como melaço”
“A publicidade na internet terá crescido 20 por cento. Notou-se o aumento? Os orçamentos acrescidos foram para anúncios ou foram para marketing, publicidade camuflada e colocada como mensagens, posts, tweets, comentários?”
para chegarem a novos públicos. Há campanhas feitas para o Facebook, centradas em empregados reais das empresas; as marcas infiltram-se, como cavalos de Tróia, fazendo-se “amigas” das pessoas, e os próprios indivíduos se tornam publicitários de si mesmos, dizendo quando será lançado o seu próximo livro, onde decorre o seu concerto, etc. Há ainda os “publicitários anónimos” que colocam comentários de publicidade ou defesa das suas marcas nas caixas, sem qualquer identificação de que se trata de trabalho pago e não de verdadeiras opiniões de cidadãos internautas. Num ano deprimido, com perdas na imprensa e na rádio, a publicidade na internet terá crescido cerca de 20 por cento. Notou-se o aumento? Os orçamentos acrescidos foram para anúncios ou foram para marketing, publicidade camuflada e colocada como mensagens, posts, tweets, comentários? Onde estiveram colocados os anúncios? Alguém recorda bons anúncios e boas campanhas na internet? As campanhas e anúncios que vi enquanto júri dos prémios Epica 2010 — escolhidos entre o melhor que se faz na Europa e mais além — eram bastante primitivos. Se as mesmas ideias fossem apresentadas na TV, seriam consideradas de má qualidade mas, sendo cibernéticas, há uma maior condescendência com a infantilidade e o mau acabamento técnico. As campanhas interactivas apresentadas a concurso eram
particularmente toscas. A falta de criatividade da publicidade em 2010, fosse na internet ou nos outros media, aflige, porque não resulta apenas da crise económica, mas da crise do próprio carácter da publicidade. Além de dispersa por muitos media, é ainda abalada na sua própria maneira de ser. Em vez de espaços estanques ou de tempos estanques, os anúncios são substituídos por mensagens dos gerentes das lojas, marcas, empresas, autores e artistas. A criatividade, a imaginação, a ficção, a narrativa dos anúncios é substituída por uma informação simples ou molhada em emoções e tentativas de humor. Há, em parte, um regresso à publicidade anterior ao século XX, antes do recurso à imagem semi-ficcional, antes dos anúncios com narrativas, antes dos anúncios que recorrem à “mostração” de estilos de vida em vez de mostrarem os próprios produtos, antes de os anúncios se concentrarem nos sonhos. É certo que a nova reality advertising na internet não se ficará por esta fase “préhistórica” e haverá um caminho a percorrer até se voltar à publicidade imaginativa. Sendo o Homem um animal cultural, a publicidade desenvolveu-se com duas faces: a realidade e o sonho, sendo esta última a dimensão a que nos habituámos durante o século XX. Quando chegará em grande à internet?
O agregador do marketing.