A odontologia do futuro

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23 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 17 de março de 2013

A odontologia do futuro Pesquisadores avançam na criação de dentes a partir de células-tronco. A técnica, na qual o Brasil se destaca, promete revolucionar a área dos implantes. Em novo estudo, britânico formou estruturas ao combinar células humanas com a de camundongos

riar dentes em laboratório usando apenas componentes biológicos é uma das principais buscas da odontologia. Não é para menos. O chamado biodente, desenvolvido a partir de células-tronco humanas, pode um dia livrar definitivamente a humanidade de dentaduras, próteses e pinos de titânio encravados na gengiva. No futuro, indicam os estudos, dentes de verdade, novos em folha e com raízes poderão ser implantados na boca dos pacientes. Essa linha de pesquisa foi apresentada pela primeira vez em 2004, no Journal of Dental Research. Naquele ano, em uma mesma edição, a revista especializada publicou dois artigos sobre os primeiros experimentos na área, que a publicação chamou de “odontologia do futuro”. Um dos estudos era assinado por Paul Sharpe, do King’s College de Londres. O outro, pelos pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Mônica Duailibi e Sílvio Duailibi. Ainda deve levar algum tempo para que o biodente vire uma rotina nos consultórios, mas as pesquisas não param de trazer novidades. Neste mês, no mesmo Journal of Dental Research, Paul Sharpe apresenta sua mais recente conquista. Ele descreve como obteve dentes a partir de células-tronco extraídas da gengiva de pacientes do Instituto de Odontologia da instituição em que trabalha. Depois de colhidas,

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Palavra de especialista

Aplicação distante “A novidade do estudo de Paul Sharpe é ter utilizado células epiteliais humanas e não células mesenquimais. Com certeza existem avanços significativos, mas a viabilidade clínica ainda está muito longe de acontecer. Uma das limitações do trabalho é exatamente a dificuldade de saber qual tipo de dente será formado. Eles inclusive incluem isso na discussão do trabalho. Sem essa informação, não é possível transplantar o aglomerado de células em um lugar específico da boca do paciente. Com esse conhecimento, no entanto, começamos a dominar maneiras de ter implantes dentários com maios longevidade.” Gilson Beltrão, doutor em odontologia e especialista em implantodontia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)

elas foram isoladas e cultivadas em laboratório para, em seguida, serem combinadas com células embrionárias de camundongos, que se mostraram capazes de induzir a formação de uma dentição primordial. A agregação celular ficou em cultura durante uma semana, quando, então, foi transferida cirurgicamente para cápsulas renais de camundongos. Seis semanas mais tarde, ganharam a forma de dentição (veja infografia). Apesar de parecer estranha, a deposição do material nos rins de roedores não é incomum na pesquisa científica. No local, há a presença de muitos hormônios e fatores de crescimento celular capazes de formar diferentes estruturas, como pelos e cabelo. A criação dos dentes foi bemsucedida em uma de cada grupo

de seis amostras. Para comprovar que a criação dos biodentes exige a combinação de células humanas e de roedores, o pesquisador fez experimentos semelhantes usando apenas células humanas ou apenas células dos roedores. Seis semanas após a transferência renal, as células epiteliais humanas formaram estruturas parecidas com cistos, e as de roedores geraram uma espécie de tecido mineralizado. Segundo Sharpe, a principal contribuição do estudo foi identificar células de fácil obtenção e que podem ajudar na criação do biodente. “Essas células epiteliais são facilmente acessíveis e, por isso, devem ser consideradas na formação do biodente humano.” Ele destaca que o próximo desafio é identificar uma forma de não utilizar material de roedores.

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Em São Paulo

A linha de investigação do britânico, apesar de buscar o mesmo objetivo, segue caminho diferente do das pesquisa conduzidas por Sílvio Duailibi e Mônica Duailibi na Unifesp. Mônica explica que, em vez de trabalhar com células embrionárias de camundongos, sua equipe buscou uma alternativa que pudesse ser aplicada clinicamente mais tarde desde a primeira pesquisa. O foco do time da Unifesp é usar células-tronco colhidas da própria pessoa a receber o biodente. O trabalho atual busca driblar um problema reconhecido e não resolvido por Sharpe: como identificar ou escolher o tipo de dente que será gerado. Os trabalhos publicados até hoje mostram que ainda é impossível saber previamente se, daquela mistura de células, surgirá um molar, um prémolar ou um canino. A equipe nacional trabalha com uma estrutura de polímeros biodegradável, parecida com um molde. Com esse recurso e uma técnica de impressão tridimensional de órgãos, é possível atingir a forma desejada para o dente. “Usamos células humanas retiradas de germes dos sisos. Eles são extraídos precocemente, as células são retiradas e reconstruídas nesses moldes”, explica a pesquisadora. O grupo de Duailibi utiliza ainda o dorso de animais imunossuprimidos, o que impede as células de defesa dos bichos de interferir no desenvolvimento do biodente.

Limitações no uso de material embrionário

A busca por dentes naturais se justifica pelas evidentes e ainda intransponíveis falhas dos modelos usados atualmente. A substituição de um dente inteiro tem como limitação a reprodução da estrutura natural da raiz dentária. Os impactos contínuos e não amortecidos provenientes da mastigação levam a uma reabsorção do osso da mandíbula ao redor do implante. O processo causa um desgaste intenso que pode levar à perda severa de massa óssea. Seja por esse processo, seja por uma lesão, a presença desse dano à estrutura não só é prejudicial como pode até impedir que um dente sintético venha ser implantado no local. Por essa série de motivos, um implante biológico com a raiz do dente totalmente integrada ao osso por meio de um ligamento natural é um avanço muito esperado. Algumas pesquisas buscam gerar dentes imaturos ou primordiais semelhantes aos observados em embriões e que possam ser transplantados como um amontoado de pequenas células ao maxilar adulto. Esse conjunto celular se desenvolveria, então, em dentes funcionais. Os estudos nessa direção utilizam

células-tronco embrionárias que poderiam formar dentes imaturos após serem separadas e recombinadas com outras moléculas capazes de induzir o processo de formação. A utilização de células embrionárias significa que o material utilizado não seria o mesmo da pessoa que receberia o dente. Haveria portanto, uma grande possibilidade de rejeição. O organismo receptor poderia reconhecer as células novas como um patógeno a ser destruído. Para evitar esse efeito, o indivíduo precisaria tomar drogas imunossupressoras. A estratégia, contudo, se mostrou ineficaz em testes com animais. As cobaias ficaram tão fragilizadas, devido às drogas, que muitas vezes morriam antes de o biodente se formar. Há ainda a questão ética, pois há quem se oponha ao uso de células-tronco embrionárias em estudos desse tipo. Irina Kerkis, professora do Laboratório de Genética do Instituto Butantan, lembra que as células embrionárias utilizadas no estudo do professor Paul Sharpe foram retiradas de camundongos. Em humanos, a extração dessas células precisaria de material abortivo. (BS)


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