Série sobre a saúde masculina

Page 1

CMYK

Editora: Ana Paula Macedo anapaula.df@dabr.com.br 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

Influenciados por estereótipos, os homens costumam relaxar com a saúde sexual e perdem a chance de evitar doenças e até mesmo tratá-las antes de se agravarem. Série de reportagens do Correio mostrará os principais problemas enfrentados por eles da infância à terceira idade

Cuidados de toda a vida Carlos Vieira/CB/D.A Press

» BRUNA SENSÊVE

A

Balduíno (centro) passou a ir ao médico a pedido da mulher. Hoje, faz questão que o filho Américo e o neto Gustavo façam o mesmo índices estaria também na forma com que são encarados certos exames, como o toque retal. De acordo com a mesma pesquisa, somente 32% dos homens fizeram o teste em detrimento de 76% que sabem que ele é usado para detectar o câncer de próstata. Entre os mais de mil entrevistados, 77% concordam que o exame não é realizado por preconceito e 54% acreditam que o medo também existe. Os dados se confirmam na prática. Balduíno Amaral, 81 anos, perdeu um amigo para a doença há dois

CMYK

inda bebês, eles recebem os cuidados preciosos das mães. Na infância, aprendem que não podem chorar ao se machucar. A adolescência traz dúvidas sobre a saúde sexual que devem ser solucionadas por conta própria. Na vida adulta, o auge da forma física os deixa despreocupados com o bem-estar do organismo. Ao envelhecer, estão turrões o suficiente para não aceitar conselhos. Diferentemente das mulheres, os homens não veem a consulta médica como rotina, mas como medida emergencial. Agem como se estivesse imune às doenças, consideradas sinais de fragilidade. As consequências são as piores possíveis. A maior incidência de doenças e de taxas de mortalidade está entre eles. A partir de hoje, o Correio publicará uma série de reportagens com as principais questões que atingem a saúde sexual masculina desde a infância à terceira idade. Questões essas que, por preconceito e estereótipos culturais, são desconhecidas ou ignoradas. “É a fantasia de que nunca vão adoecer, mas, ao mesmo tempo, estão morrendo de medo disso acontecer. Dentro da nossa cultura machista, os homens ficam desprivilegiados quando estão muito adoentados”, avalia o coordenador da área técnica de saúde do homem do Ministério de Saúde, Eduardo Chakora. De acordo com levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Urologia, em 2012, apenas 49% dos homens disseram ir ao médico para consultas anuais. Os outros afirmaram fazer uma visita a cada dois anos (20%), a cada três anos (12%) ou não ir em momento algum (19%). A resposta para os baixos

anos. “Ele nunca foi ao médico. A mulher dele disse para mim e eu sabia que ele nunca tinha ido. Acabou morrendo. Quando descobriu, já era tarde”, conta. Balduíno é o patriarca da família Amaral. Segundo ele, durante sua juventude, sua atitude era semelhante à do amigo. “Achava que a pessoa só deveria ir ao médico quando tinha alguma coisa.” Ele afirma que a maior parte dos homens da sua idade tem essa resistência de ir ao consultório e fazer exames. “Eu mudei porque minha

mulher sempre faz com que eu vá. Mesmo que não esteja sentindo nada, ela cobra”, garante. O hábito virou lição para o resto da família. Filho de Balduíno, Américo Amaral, 49 anos, faz exercícios físicos regularmente, tem alimentação saudável e vai ao médico para consultas anuais. “Meu pai fala que a única coisa que temos de cuidar é a saúde, o resto dá-se um jeito. É o que tento passar para os meus filhos”, diz Américo. No mesmo caminho segue Gustavo Amaral. Seis décadas de distância do

O homem latino enxerga sua sexualidade de forma diferente. A própria sociedade não tem um conceito de educação sexual. Conversar sobre sexualidade na família latina ainda é um tabu” Aguinaldo Nardi, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia avô, porém, não livraram o jovem de 17 anos dos estereótipos que ele considera ultrapassados. “Nossa sociedade é muito machista. Achar que é coisa de mulher é um absurdo. Estamos no século 21 e temos pessoas com essa mentalidade. Isso é saúde”, critica. Segundo Chakora, o impacto desse comportamento no sistema público de saúde é enorme, já que geralmente eles recorrem aos serviços de saúde apenas quando a doença está em estágio avançado. A resistência é ainda maior, de acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, Aguinaldo Nardi, quando envolve a saúde sexual, já que o homem terá que expor suas intimidades em locais em que há uma grande concentração de mulheres. Nardi sugere uma adaptação no atendimento como uma das formas de contornar o problema. Países da Europa e nos Estados Unidos têm feito com que a preocupação com a saúde vire um hábito dos homens. As empresas fazem exames rotineiros em seus funcionários que incluem a avaliação da próstata, por exemplo. Nessas nações, houve uma queda média de 40% da mortalidade por câncer de próstata. “Esse foi o efeito do trabalho de levar os homens a buscarem atendimento médico o quanto antes. A questão lá já é tratada de forma muito mais precoce, aqui ainda não conseguimos”, avalia. “O homem latino enxerga sua sexualidade de forma diferente. A própria sociedade não tem um conceito de educação sexual. Conversar sobre sexualidade na família latina ainda é um tabu.” amanhã: Os benefícios da » Leia circuncisão masculina


CMYK

Editora: Ana Paula Macedo anapaula.df@dabr.com.br 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

Infecções evitadas em 10 minutos Rápida, a cirurgia de retirada do prepúcio fecha uma porta de entrada para doenças provocadas por vírus, fungos e bactérias. O procedimento, também indicado em casos de fimose, pode ser feito na infância

T

urcos, líbios, sírios, árabes e muitos povos da África Subsaariana têm como prática a remoção do prepúcio, pele que recobre a glande do pênis. Passando por razões mitológicas, religiosas e culturais, a circuncisão atravessou o Atlântico e alcançou status de tratamento preventivo contra infecções. Mas ainda não é unanimidade na comunidade médica. Especialistas acreditam que a escolha pela remoção ainda deve se basear na vontade dos pais ou do próprio paciente, com exceção dos casos em que há a indicação clínica, como a fimose. A tese de que a circuncisão deve ser feita por fatores higiênicos, no entanto, não partiu da ciência. Data dos primeiros 50 anos depois de Cristo, quando o filósofo judeu de origem grega Filon de Alexandria publicou o livro De circumcisione. Segundo ele, a remoção seria capaz de evitar fimose, sífilis, herpes e

balanopostites. As suposições foram confirmadas em estudos científicos quase 2 mil anos depois. Hoje, a circuncisão é o único tratamento em casos de fimose e parafimose. As indicações também são feitas a crianças e bebês com um alto índice de infecção urinária, mas os principais achados tratam do HIV e do HPV. As primeiras observações surgiram na década de 1980, quando cientistas perceberam que, em locais onde os homens eram circuncidados por motivos religiosos, a prevalência de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV ) era menor. Em 2002, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Versalhes liderada pelo francês Bertram Auvert fez o primeiro trabalho de comparação considerando a infecção pelo HIV. Os resultados indicaram cerca de 60% de proteção entre os homens circuncidados em comparação aos não operados. Resultados similares foram encontrados para infecções por papilomavírus humano (HPV), sífilis e herpes genital.

Apesar dos benefícios, a prática é pouco comum no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 41 mil homens realizaram o procedimento em todo o ano de 2011.“Muitos pais procuram o consultório para saber se precisam operar (os filhos). Nos Estados Unidos, o procedimento é feito quando o bebê nasce. Aqui, a prioridade é a decisão dos pais por fins estéticos ou indicação médica, como infecções urinárias recorrentes e alguma dificuldade”, explica José Murillo Bastos Netto, urologista pediátrico da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e membro da Sociedade Brasileira de Urologia. Preocupados com o declínio da taxa de circuncisão em bebês, os norteamericanos projetaram o impacto desse comportamento na saúde pública. Em 1980, o procedimento era feito em 79% dos recém-nascidos. Em 2010, a taxa caiu para 54,7%. Se chegar a 10%, de acordo com a Universidade Johns Hopkins, os casos de infecção infantil do trato urinário masculino aumentariam em 211,8%; os de infecções por

HIV, em 12,2%; por HPV, em 29,1%; e por herpes genital, em 19,8%.

Pele mais resistente Ainda não existe uma explicação científica referendada sobre os mecanismos que levam a essa proteção. Alguns especialistas acreditam que o prepúcio cria um tipo de reservatório para vírus, bactérias e fungos que garante um contato prolongado desses micro-organismos com a mucosa peniana e, consequentemente, um acesso facilitado à corrente sanguínea. Segundo Décio Streit, urologista pediátrico do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a pele do pênis, depois de circuncidada, tende também a ficar mais grossa e mais resistente a traumatismos e doenças que, em geral, podem ser transmitidas quando há um pequeno sangramento ou machucado no local. “O procedimento também previne o câncer de pênis, principalmente por causa da higiene. Outra

questão é a balanopostite, que é a infecção do prepúcio, em geral, por fungos. É extremamente comum e pode ser bem desagradável. O pênis fica muito sensível, pode ficar inchado e sair alguma secreção”, explica Streit. O medo de prejudicar a sensibilidade do pênis durante as relações, problema relacionado ao procedimento médico, é um mito. “Teve um período no qual se acreditou que haveria uma diminuição da sensibilidade e, por isso, a cirurgia poderia curar a ejaculação precoce. Mas foi comprovado que não. Os pacientes operados continuaram com o problema.” Ainda com as evidências científicas, os especialistas ressaltam que a escolha é exclusivamente dos pais e, no futuro, dos próprios pacientes. “A medicina é uma balança, é risco e benefício. Tudo precisa ser pesado. Brinco com os meus pacientes que, se a gente tivesse que tirar a pele, é porque todo mundo teria vindo com problema de fábrica e precisaria de um recall. De toda forma, ela protege a glande e ajuda o pênis a se desenvolver”, considera Bastos Netto. amanhã: » Leia os perigos da torção testicular

CMYK

» BRUNA SENSÊVE


CMYK

Editora: Ana Paula Macedo anapaula.df@dabr.com.br 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

As alterações ocorridas no corpo dos meninos durante a adolescência devem ser acompanhadas por um especialista. Problemas nessa fase da vida, como o enrolamento dos testículos, podem levar à infertilidade

Um turbilhão de riscos na mocidade A

s mudanças que atingem o sexo masculino na transição entre a infância e a vida adulta precisam de um funcionamento perfeitamente orquestrado e ensaiado. Hormônios produzidos no cérebro viajam pelo sangue e alertam aos testículos que é chegado o momento de começar a produzir testosterona e esperma. O primeiro, também um hormônio, é responsável por provocar a maioria das alterações no corpo do menino assim que ele atinge a puberdade. Já o segundo é um fluido orgânico que transporta os espermatozoides ao local da fertilização. Esse importante papel dos testículos é muitas vezes negligenciado frente às diversas mudanças psicológicas, físicas e biológicas enfrentadas pelos adolescentes. Um grande erro, já que os problemas que atingem diretamente a glândula são mais comuns exatamente nesse período. Considerados urgências médicas, muitos podem levar à infertilidade, entre eles, a pouco conhecida torção testicular. Especialistas afirmam que a dor sentida com o estrangulamento da artéria que alimenta o testículo de sangue é muito próxima à do enfarte. Isso porque, assim como a doença coronária, a circulação sanguínea é interrompida. Desde

o início do problema até o atendimento médico, o tempo deve ser curto, apenas seis horas. Depois disso, em muitos casos, o testículo pode gangrenar, o fluxo sanguíneo pode não ser recuperado e o órgão, perdido. “Nesse caso, tanto a função de espermatogênese quanto a hormonal ficam comprometidas. Existe uma incidência razoável e, entre as emergências, é uma das que temos que ficar bastante atentos. Ao sentir os sintomas, é preciso avisar aos pais e ir ao médico de imediato”, alerta Antônio Macedo, professor e chefe da urologia pediátrica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. A torção acontece unilateralmente, em apenas um testículo, ou bilateralmente, em ambos. O comprometimento de apenas um testículo não deverá afetar a vida reprodutiva do paciente, já a bilateral pode ser bastante grave. “Se for nos dois testículos, a pessoa precisará da reposição hormonal pelo resto da vida e dependerá da fertilização assistida para se reproduzir”, detalha Macedo. Segundo o especialista, o mal pode acontecer em duas faixas etárias: entre o período neonatal e intrauterino ou na fase púbere e pré-púbere. No primeiro caso, a situação é gravíssima e o bebê precisará de reposição hormonal para estimular a entrada na puberdade. Já no momento anterior à puberdade, o

CMYK

» BRUNA SENSÊVE

Ainda não há uma receita. Existem meninos de 14 e 15 anos que são moleques, crianças. Mas tem outros até mais novos que já pensam como um homem, que têm interesse em obter informações. Os pais precisam perceber essa mudança e levá-los ao urologista” Marco Antônio Arap, urologista

menino perderá parte de sua fertilidade com a queda substancial da produção de testosterona.

Varicocele Junto ao crescimento dos testículos, durante a puberdade, uma condição anatômica inata do paciente pode

se tornar mais evidente. A varicocele consiste na dilatação das veias que ficam em volta do testículo. O estado pode provocar dores, embora sejam bastante incomuns, sendo seu principal sintoma a má qualidade do esperma produzido pelo órgão. Não se sabe a razão do problema. Uma das hipóteses é de que as veias dilatadas funcionariam como um cobertor de sangue quente, aumentando a temperatura local e interferindo na produção do líquido espermático. Outra possibilidade está ligada ao retorno do sangue venoso aos testículos. Esse tipo de sangue contém impurezas recolhidas por todo o corpo e devem ser levadas aos rins e aos pulmões para serem “recicladas”. Sua volta ao órgão também seria responsável por carregar substâncias indesejadas à bolsa espermática, provocando um prejuízo da qualidade do esperma. O urologista do Núcleo Avançado de Urologia do Hospital Sírio-Libanês Marco Antônio Arap explica que a condição é muito comum e deve ser identificada pelo médico. “Cerca de 30% dos homens têm varicocele, e o risco é pequeno, pois somente em torno de 3% deles têm infertilidade”, calcula. A preocupação surge porque a identificação do problema às vezes só ocorre quando a doença está em grau elevado.

“O diagnóstico ocorre quando o adulto quer ter filhos e não consegue. Se detectado na adolescência, terá mais chances (de resolver o problema).” Arap alerta que, mesmo não havendo a percepção de um distúrbio, os meninos, ao entrarem na puberdade, devem buscar a orientação de um urologista. “Ainda não há uma receita, existem meninos de 14 e 15 anos que são moleques, crianças. E tem outros até mais novos que já pensam como um homem, que têm interesse em obter informações. Os pais precisam perceber essa mudança e levá-los ao urologista”, determina Arap. A consulta é importante para detectar questões relativas à formação do órgão sexual que, na infância, podem ter passado despercebidas. Entre elas, fimose, hipertrofia do freio peniano e varicocele. Orientações sobre doenças venéreas e uso de preservativos são também essenciais nessa conversa. “Vemos que a atitude mudou um pouco, mas não é o ideal. Ainda não percebem que a medicina na adolescência tenta evitar que os problemas aconteçam na fase adulta”, analisa Arap. Leia amanhã: » homens não procuram ajuda para a disfunção erétil


CMYK

Editora: Ana Paula Macedo anapaula.df@dabr.com.br 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

A dificuldade em ter ereção é escondida pela maioria dos homens, embora 45% deles enfrentem o problema quando adultos. Segundo especialistas, o distúrbio pode ser o sintoma inicial de doenças graves

Silêncio insalubre

» BRUNA SENSÊVE

O

primeiro medicamento oral para tratar a disfunção erétil foi aprovado em 1998 pela Food and Drug Administration (FDA), a agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos. E causou impacto tão grande para os homens quanto a pílula anticoncepcional para as mulheres. Ganhou o apelido de diamante azul e pelo menos quatro similares no Brasil. Ainda assim, não foi capaz de ampliar o debate e os cuidados acerca da disfunção erétil. Uma década e meia depois do lançamento de um dos remédios mais famosos da história, a grande maioria dos doentes continua sofrendo calada com os problemas. Urologistas estimam que 90% dos homens que sofrem com a disfunção erétil preferem não procurar o consultório médico nem mesmo conversar com a companheira sobre o assunto. Segundo o urologista Alain Dutra, do Hospital Santa Catarina, em São Paulo, o

homem tem muita dificuldade em lidar com algo que ele considera, equivocadamente, ser uma vulnerabilidade ou até mesmo uma falta de virilidade. Até os 40 anos, a principal causa do problema tem origem psicológica, mas, a partir daí, o problema passa a ser na maioria das vezes orgânico (veja infografia). De acordo com pesquisa feita pelo Projeto Sexualidade, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), dos quase 3 mil brasileiros analisados em 18 capitais, 45,1% apresentaram diferentes graus de disfunção erétil. De acordo com Luis Henrique Leonardo Pereira, urologista especializado em tratamentos para disfunções sexuais masculinas, femininas e do casal, e coordenador do Grupo de Andrologia de Florianópolis, de uma forma geral, a primeira dificuldade enfrentada pelos brasileiros é reconhecer a existência do problema. “Eles têm vergonha de se expor e dificultam o tratamento, têm uma autoestima mais baixa, afetando seus relacionamentos e até mesmo o rendimento no trabalho”, avalia. Para que haja a ereção, primeiro surge o desejo sexual, que é transmitido do cérebro ao nervo peniano, responsável por abrir a artéria peniana e preencher o órgão com sangue, deixando-o ereto e rígido. Homens com colesterol alto, diabéticos ou obesos podem fazer com que essa artéria se entupa, impedindo a passagem regular do sangue. “A disfunção erétil é um indicador de um problema de saúde que está se instalando. Grande parte dos pacientes que infarta ou que tem um derrame está há algum tempo

A disfunção erétil é um indicador de um problema de saúde que está se instalando. Grande parte dos pacientes que infarta ou que tem um derrame está há algum tempo com dificuldade de ereção. Eles, no entanto, não consideram um problema de saúde, porque acham que, assim, estariam ficando menos homens” Luis Henrique Leonardo Pereira, urologista com dificuldade de ereção. Eles, no entanto, não consideram um problema de saúde, porque acham que, assim, estariam ficando menos homens.”

Efeito colateral Na contramão da resistência, a medicina caminha para tratamentos cada vez menos agressivos. O urologista Luis Henrique é o responsável pela criação do spray sublingual, uma opção mais moderna de tratamento contra a

disfunção erétil em que a medicação borrifada na boca cai direto na corrente sanguínea. Antes dele e dos comprimidos vasodilatadores, a única saída era uma injeção peniana, aplicada poucos minutos antes da relação e que assustava muitos pacientes. No caso do tratamento sublingual, só de não precisar ser metabolizada pelo fígado, a quantidade de medicamento usado cai para apenas 10% do aplicado em comprimidos, causando consequentemente menos efeitos colaterais, como queda de pressão, rubor e dores de cabeça. O maior inimigo dos tratamentos, porém, está em um fator muito distante dos efeitos colaterais. De acordo com o Centro de Referência em Saúde do Homem em São Paulo, 20% do homens usam os estimulantes sexuais inadequadamente. O desejo em melhorar o desempenho leva jovens de 20 a 35 anos a ingerirem medicamentos para a disfunção sem a indicação médica. Os especialistas alertam que a medicação não funciona de forma instantânea e muito menos mágica. O usuário sem problema de ereção não terá o desempenho aumentado, mas corre o risco de sofrer dores de cabeça e musculares, diarreia, alergias, visão dupla e, em situações mais graves, cegueira. A ingestão não indicada também pode causar dependência psicológica, levando muitas vezes o paciente que não tinha o problema a desenvolvê-lo devido à ausência do medicamento. Leia amanhã: a importância dos » cuidados com a próstata

CMYK


CMYK

Editora: Ana Paula Macedo anapaula.df@dabr.com.br 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

Um câncer ignorado O tumor maligno na próstata se desenvolve lentamente, mas, se não detectado no início, mata 65% dos pacientes. O diagnóstico precoce, no entanto, esbarra na resistência dos homens em fazer os exames preventivos

E

m 1997, a então deputada federal Telma de Souza (PT-SP) subiu à tribuna para defender a criação da semana nacional de combate e prevenção ao câncer de próstata. O projeto de lei foi motivo de risadas e chacotas por parte dos mais de 500 colegas. “Eu vi aquele monte de cara brincando, fazendo gestos. Isso porque eles não imaginavam que um a cada seis dos 500 deputados ali provavelmente teriam a doença”, lembra Gláucio Soares. Professor de sociologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Soares foi ao Congresso a pedido da parlamentar. Na época, enfrentava o mesmo câncer havia dois anos. Como já tinha um histórico da doença na família, Gláucio fez os exames para a detecção precoce do mal. Ainda assim, teve a glândula retirada e foi submetido a sessões de radioterapia. “Nesse momento, me dei conta de que não sabia nada sobre o câncer que ia me matar. Fiquei pensando no tamanho da população brasileira que não sabe nem se a próstata está na região genital ou no cérebro”, conta. O Instituto Nacional de Câncer estima que 60.180 casos de câncer de próstata

surgiram no ano passado, sendo 900 deles somente no Distrito Federal. Quando o tumor ainda está em sua fase inicial, a evolução do câncer é silenciosa, fazendo com que muitos pacientes não apresentem sintomas. Se surgem, eles tendem a ser muito semelhantes aos relacionados ao crescimento benigno da próstata, como a dificuldade de urinar. Em estágio avançado, a doença pode provocar dor óssea e até infecção generalizada. A grande maioria dos tumores cresce lentamente, levando cerca de 15 anos para atingir 1 cm³. O avanço lento da doença é um dos fatores que viabiliza um alto percentual de cura. Se for detectado ainda em fase inicial, há 90% de chance de o paciente sobreviver. Já em estágio avançado, o percentual cai para 35%. Porém, a resistência dos pacientes em idade de risco de fazer exames anualmente e a falta de informação dos mais novos sobre a importância dos cuidados precoces com a próstata são considerados empecilhos para o combate à doença. De acordo com dados divulgados em novembro pelo Ibope, 42% dos homens com mais de 40 anos nunca realizaram o exame de próstata. Entre eles, 28% disseram não ter feito a

CMYK

» BRUNA SENSÊVE

Esse é um assunto da família, não é individual. Mas nós, homens, somos ignorantes e temos vergonha de falar sobre qualquer questão que tenha a ver com a nossa sexualidade” Gláucio Soares, paciente de câncer desde 1995 avaliação médica por acreditar que estão saudáveis e 18% admitiram ter medo ou vergonha de realizar o teste. Entre as outras justificativas estão a falta de tempo (23%) e a ausência de uma recomendação médica (19%). A experiência de Gláucio, que tem dois blogs sobre o assunto (vivaavida.wordpress.com e www.saudedaprostata.org.br), mostrou que grande parte dessa resistência carrega também o medo dos principais efeitos colaterais do tratamento contra a doença: a falta do controle urinário e

a temida impotência sexual. “É um teste incrível da profundidade de um casamento, especialmente se as pessoas forem jovens, tiverem por volta dos 50 anos. Esse é um assunto da família, não é individual. Mas nós, homens, somos ignorantes e temos vergonha de falar sobre qualquer questão que tenha a ver com a nossa sexualidade.” O urologista Carlos Bayma, do Hospital Esperança, no Recife, ressalta que não é certo responsabilizar somente o paciente pela falta de informação. As consultas médicas mais curtas e pragmáticas também têm diminuído o tempo necessário para o repasse de informações e cuidados. “É um direito do paciente saber o que lhe acontece, quais são os tratamentos propostos e suas consequências maléficas e benéficas”, argumenta.

Crescimento natural O câncer não é o único problema que pode acometer a próstata. Segundo o urologista do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e autor do livro Próstata: isso é com você, Miguel Srougi, de 80% a 90% dos homens vão ter o crescimento benigno da glândula, o

que acarretará a cerca de 35% deles grande desconforto e prejuízo da qualidade de vida. “Isso quer dizer que a cada 10 homens, oito terão o crescimento da próstata a partir dos 40 anos e três ou quatro terão as manifestações significativas, como urinar com dificuldade, levantar sucessivamente à noite e perder urina na roupa.” A próstata fica na saída da bexiga e é atravessada pelo canal da uretra. Com o aumento prostático, esse canal é pressionado e começa a ficar mais fechado, tornando mais difícil urinar. A partir dos 50 anos, um terço dos homens passa a tomar remédios para diminuir esses efeitos, sendo que aproximadamente 5% deles não conseguirão obter os benefícios desejados. Nesse caso, é necessária a intervenção cirúrgica para abertura da uretra. Algumas pesquisas na área mostram que certos cuidados na alimentação podem aliviar esse crescimento. É o caso da taça de vinho tinto, capaz de diminuir em 50% o risco de cirurgia para o crescimento benigno da próstata. Homens que se exercitam mais também teriam menos sintomas.

Leia amanhã: as mudanças » trazidas pela andropausa


CMYK

Editora: Ana Paula Macedo anapaula.df@dabr.com.br 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

Hormônios e libido em queda A falta de desejo sexual está entre as queixas comuns feitas pelos homens na sexta década de vida. O problema é o principal sintoma da andropausa, etapa do ciclo reprodutivo em que cai a produção de testosterona » BRUNA SENSÊVE

“M

inha mulher e eu sempre fomos apaixonados e, apesar dos anos de casamento, o fogo da paixão era uma constante. Mas, de um ano para cá, tudo vem mudando e tenho perdido o interesse.” A angústia do administrador de empresas de 61 anos João Paulo* era acompanhada pelas desconfianças da mulher, que não entendia a mudança de comportamento do marido e carregava a certeza de que ele tinha uma amante. A disposição para o trabalho também tinha diminuído, “ao ponto de toda segunda-feira ser encarada como um suplício”. A reviravolta na vida relatada ao endocrinologista Maurício Bungerd Forneiro e descrita pelo médico no livro Vida e prazer após os 50 tinha, na verdade, uma razão hormonal: João Paulo amargava os efeitos da andropausa. A doença cientificamente chamada de deficiência androgênica do envelhecimento masculino (Daem) atinge de 10% a 30% dos homens a partir de 50 anos e tem sintomas parecidos com os da menopausa — a interrupção na produção hormonal que acomete as mulheres, encerrando os ciclos menstruais e ovulatórios. Geralmente, eles também sofrem de insônia, dores de cabeça e impaciência. Mas as principais queixas ouvidas pelos urologistas, como a de João Paulo, referem-se à diminuição do desejo sexual. “Quando está acima do peso ou com pressão alta, o homem não valoriza tanto quanto a questão da disfunção ou da queda da libido. Todos ficam preocupados neste último caso, mas nem todos têm a motivação de procurar o médico”, diz Alexandre Hohl, presidente do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Hohl lembra um estudo feito nos Estados Unidos, em 2004, indicando que apenas 5% dos homens que precisavam de tratamento para andropausa realmente o recebiam. Dados similares não existem no Brasil, mas pesquisa publicada em julho deste ano pela Sociedade Brasileira de Urologia mostra que 64% dos brasileiros nunca fizeram um exame de detecção do nível de testosterona, condição básica para diagnosticar o início do problema.

Intervenção segura Como as mulheres, os homens que têm andropausa podem aliviar os sintomas do problema por meio de reposição hormonal. A constatação

O indivíduo que está repondo a testosterona a níveis adequados está menos exposto (a tumores). Essa é inclusive uma das armas que nós, médicos, temos para tratar o paciente após um câncer de próstata” Maurício Forneiro, endocrinologista

dos sintomas e a confirmação laboratorial, porém, não são os critérios finais para que o tratamento seja indicado. O terceiro e talvez o mais importante fator é a segurança. Não pode haver qualquer contraindicação, enfatiza o médico e escritor Maurício Forneiro. “A reposição não é para quem quer, mas para quem pode fazer. Nem todo mundo pode, tem que ser elegível para isso e com muito critério”, enfatiza. A terapia não pode ser feita em casos de apneia do sono, de alta concentração de hemoglobinas no sangue e de câncer de próstata ativo, por exemplo. Forneiro descarta ainda qualquer relação entre a reposição hormonal e o risco de câncer. De acordo com ele, um artigo publicado em 2004, no New England Journal of Medicine, analisou mais de 5 mil pacientes, metade deles sob tratamento de reposição hormonal. Os resultados mostraram que aqueles com níveis baixos do hormônio tinham uma incidência maior do câncer de próstata. Em contrapartida, os com taxas normais possuíam menor incidência de tumores malignos. “Como muitos outros estudos, esse artigo mostra que o indivíduo que está repondo a testosterona a níveis adequados está menos exposto. Essa é inclusive uma das armas que nós, médicos, temos para tratar o paciente após um câncer de próstata”, observa. * Nome fictício

A prevenção começa na infância Nos últimos 50 anos, o percentual de idosos no Brasil praticamente dobrou. Somente de 2000 a 2010, foram quase 2 milhões de homens chegando à terceira idade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O impacto da longevidade sobre a saúde masculina é direto, alertam especialistas. Hábitos de vida mais saudáveis conseguem distanciar a ocorrência de problemas, incluindo a andropausa. Fenômenos externos podem fazer com que a baixa hormonal ocorra mais cedo e de forma mais severa. Tabagismo, obesidade, diabetes, sedentarismo, hipertensão e o uso crônico de medicamentos conseguem despertar os sintomas da andropausa em homens ainda na quarta década de vida. Ao mesmo tempo que aqueles com hábitos de vida saudáveis tendem a vivenciar uma queda dos hormônios mais tardiamente, em média aos 70 anos. Reconhecer fatores de risco precocemente é

a chamada prevenção primária, capaz de reverter quadros antes do desenvolvimento de problemas graves de saúde. “Um sujeito com 30 e poucos anos é obeso, tem maus hábitos alimentares, vai ao médico e detecta que a glicose está alta. Se ele é bem orientado, pode perder peso, mudar seus hábitos e evitar um infarto ou um derrame. Sua sobrevida é maior porque fez intervenções importantes antes que elas provocassem lesões”, exemplifica o geriatra Salo Buksman. Apesar de óbvia, a relação não faz parte da rotina dos homens, independentemente da idade que eles têm. “Nem mesmo os idosos aceitam bem a ida ao consultório. Vejo que grande parte dos homens vai levada pela família. Quando procuram espontaneamente é porque já estão muito mal. Eles detestam reconhecer sua própria vulnerabilidade, novos ou velhos”, observa Buksman. (BS)

CMYK


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.