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Introdução
Por muito tempo, o modelo ideal de cidade tem sido aquele que prioriza o automóvel, principalmente o particular, como modelo à ideia de desenvolvimento. Ideologias dominantes de planejamento passaram a considerar a vida da cidade fora da dimensão do coletivo, intensificando na forma-conteúdo o individualismo, passando a desenvolver um cenário racional e simplificado, feito apenas para as atividades necessárias (DUARTE, 2007; GEHL, 2010, p. 26). Com esses ideais impostos por correntes teóricas que promoveram um planejamento urbano tecnocrático, a produção das cidades passou a ser pensada, do projeto urbano às ações políticas, a partir dos automóveis, dando maior protagonismo na cena urbana ao carro, tornando estranhos os percursos a pé (GEHL, 2010, p. 26). Esta situação levou a uma mudança no olhar da cidade. No âmbito do planejamento urbano há uma revisão dos planos diretores, repensando a mobilidade urbana, buscando privilegiar os pedestres e o transporte não motorizado, com o objetivo de trazer vida a espaços urbanos que foram descaracterizados e desumanizados pela presença excessiva dos automóveis particulares (DUARTE, 2007) Esta mudança não ocorreu apenas na esfera do planejamento urbano, mas nos próprios usuários do espaço. Em todo mundo vem ocorrendo a retomada da bicicleta como meio de transporte. Cidades como Copenhague, capital da Dinamarca, vem reestruturando suas vias removendo faixas de automóveis e áreas de estacionamento em um processo para criar condições melhores e mais seguras para o tráfego não motorizado. Isso ocorreu porque na década de 70, após a crise do petróleo de 1973, os próprios moradores começaram a exigir mais opções de transporte (GARCIA, 2011). Quanto mais pessoas passaram a pedalar, a demanda de espaço para veículos diminuiu e com as mudanças feitas na cidade abrindo mais espaço para bicicletas, mais pessoas passaram a escolher esse tipo de transporte. Os muitos convites para caminhar, pedalar e permanecer no espaço urbano resultaram em um novo e notável padrão urbano (GARCIA, 2011; GEHL, 2010, p. 13). No Brasil também há uma crescente nos usuários deste meio de transporte. A segunda edição da Pesquisa Perfil do Ciclista e suas motivações para utilizar a bicicleta, feita em 2018 no Brasil pela Transporte Ativo e pelo LABMOB-UFRJ, alcançou 7644 ciclistas em 25 cidades diferentes, e apresentou resultados que nos revelam as principais tendências desse tipo de deslocamento no Brasil. A partir dela conseguimos ver que aqui no Brasil há uma grande quantidade de pessoas que possuem a bicicleta como um dos meios principais de transporte, 82,5% dos ciclistas entrevistados pedalam cinco dias ou mais por semana, e 59% já usa esse meio de transporte por mais de cinco anos. A rapidez e praticidade da bicicleta, aliada a saúde e ao custo são as motivações que movem estes usuários, entretanto é na infraestrutura e na segurança no trânsito que eles encontram mais problemas no dia a dia, e é exatamente nessas questões que se encontra a chave para a motivação de pedalar mais (TRANSPORTE ATIVO e LABMOB-UFRJ, 2018). É na infraestrutura e na segurança no trânsito, além de outros pontos, que o arquiteto e urbanista atuará nesta causa. O seu trabalho no planejamento da cidade tem como um dos seus objetivos auxiliar na produção de uma cidade com qualidade urbana, saudável e igualitária. E nesse processo é possível atuar em diversas escalas. Todo trabalho do arquiteto e urbanista é feito para melhorar e facilitar a vida de cada pessoa. Seja na escala do edifício, na escala da rua, da praça e no planejamento urbano. O trabalho técnico é resultado dos anos de estudo dos arquitetos e urbanistas que sempre irão se voltar para o sujeito. Afinal é ele quem viverá no resultado desse trabalho. Atualmente as cidades vêm sendo planejadas olhando apenas a grande e média escala. Tornando assim a escala humana esquecida, principalmente por ser uma escala mais minuciosa de se trabalhar. Gehl 10
(2010) trabalha em seu livro “Cidades para pessoas” exatamente esse tipo de planejamento, onde o processo começa do nível dos olhos, na escala humana, e termina na maior escala. Gehl e Speck são dois autores que abordam o tema das cidades vivas e saudáveis. Enquanto Gehl, em “Cidades para pessoas” (2010) fala da produção de uma cidade viva, segura, sustentável¹ e saudável, Speck em “Cidade caminhável” (2012) fala de uma cidade próspera, saudável e sustentável¹. Ambos baseiam a produção destas cidades pautada na mobilidade não motorizada de seus habitantes. Para Gehl (2010) a cidade viva é aquela em que as pessoas se sentem convidadas a caminhar, pedalar ou permanecer nos espaços, e isso, portanto, torna estes espaços seguros. O caminhar ou pedalar pode nos levar a uma vida urbana mais sustentável. Esta perspectiva leva a retomarmos a escala humana pensada com maior protagonismo a escalas maiores e a dimensões de análise como aquela que exalta a cidade do automóvel. Já para Speck (2012) os aspectos da cidade próspera, saudável e sustentável são os mesmos argumentos para tornar as cidades mais caminháveis. Em seu trabalho Speck faz a sua argumentação baseada nos benefícios deste tipo de produção de cidade levando em consideração principalmente os valores econômicos. A cidade viva precisa então de uma combinação de espaços públicos bons e convidativos e certa massa crítica de pessoas que queiram utilizá-los, elas requerem estrutura urbana compacta, com uma densidade razoável, distâncias aceitáveis para serem percorridas a pé ou de bicicleta e espaço urbano de boa qualidade. Esta mudança abrange todas as ações do planejamento urbano, e não apenas uma mudança de modal de transporte, ou uma qualificação urbana (GEHL, 2010, p. 69). Gehl (2010) diz que, se as pessoas, e não os carros, são convidados para a cidade, o tráfego de pedestres e a vida urbana aumentam na mesma proporção. Assim, nós primeiro temos que moldar as cidades e então elas nos moldam. Portanto, para moldarmos estas cidades primeiro precisamos conhecer para quem estamos moldando. A partir desta linha de pensamento buscou-se pensar o planejamento urbano a partir das experiências dos indivíduos que realmente utilizam o espaço no seu dia a dia. Trabalhando o processo de planejamento baseado na análise da cidade por mapas e dados, junto com visitas de campo experienciando a cidade e adicionando as experiências de moradores dessa cidade como um elemento chave no processo de análise para o planejamento. Neste trabalho foi escolhida a cidade de Presidente Epitácio/SP. A escolha deste recorte foi feita pela aproximação e relação que a autora tem com a cidade, além de ser uma oportunidade de trabalhar com uma cidade de pequeno porte, tema que foi várias vezes abordado durante a graduação. A cidade de Presidente Epitácio apresenta características físicas e culturais interessantes no âmbito da mobilidade. Sua relação com o uso do transporte não motorizado sempre chamou atenção da autora. Abrindo assim a oportunidade de relacionar um tema que já era de interesse da autora, a mobilidade urbana, com um recorte já conhecido por ela. Para adicionar as experiências dos usuários no processo de planejamento da cidade foi utilizada a metodologia já utilizada nas linhas de pesquisas do FRAGURB, chamada “Percursos Urbanos e suas representações”. Como Presidente Epitácio é uma cidade de porte pequeno foi possível aplicar essa metodologia de maneira mais efetiva, uma vez que é mais fácil abranger diferentes perfis em diferentes partes da cidade. Esta metodologia possibilitou enxergar a cidade pelos olhos dos seus moradores, permitindo que o diagnóstico chegue a escalas menores e também mais realistas. Assim as propostas terão como base
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¹Entendemos que o termo “saudável” está carregado por uma perspectiva organicista da cidade, como também a ideia da “sustentabilidade” é um debate aberto a ser feito. Não adotaremos aqui nem um nem outra, mas concordamos com ideia de Speck (2012) de pensarmos a cidade caminhável.
não só uma visão técnica mas também trará pontos que só quem vive o dia a dia da cidade, de diferentes maneiras, pode acrescentar. O trabalho está estruturado em quatro partes. A partir do capítulo “Presidente Epitácio” é iniciado uma apresentação do recorte escolhido, com uma visão geral da cidade e as análises realizadas nela. O capítulo “Mobilidade Urbana” é formado por uma discussão teórica sobre o a mobilidade urbana, seguida por uma discussão sobre a legislação brasileira quanto a mobilidade urbana, e então uma discussão sobre as cidades pequenas, como elas funcionam, qual a sua situação com relação ao planejamento urbano e a mobilidade urbana. No capítulo “Mobilidade ativa” trata-se de uma discussão da mobilidade ativa, e é apresentado um retrato das cidades brasileiras e a sua relação com a bicicleta principalmente. O capítulo “Percursos Urbanos” traz o resultado de todo o trabalho a partir das análises dos Percursos Urbanos, e apresenta também as propostas resultantes de todo o processo.