REVISTA POP UP!

Page 1

POP UP! | 1


EXPEDIENTE

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

Departamento de Comunicação Social

Reportagens: Bruna Hirano, Gabriela Ravazzi, João Pedro Fávero, Lara Pires, Lucas Octaviano Cinchetto, Maria Beatriz dos Reis, Nilo Vieira, Rafael Guimarães e Talita Bombarde

Jornalismo - 3º termo

Equipe de diagramação: Lara Pires, Maria Beatriz dos Reis, Rafael Guimarães Chefe de diagramação: Bruna Hirano

Ensaio fotográfico: Lara Pires Tratamento de imagem: Bruna Hirano

Planejamento-Gráfico Editorial III Responsável: Prof. Pedro Santoro Zambon

Equipe de revisão: Gabriela Ravazzi, João Pedro Fávero, Lucas Octaviano Cinchetto e Nilo Vieira

Arte da capa e infográfico central: Bruno Soares Freire de Carvalho e João Macedo

Bauru Março de 2017.

Revista POP UP! Editora-chefe: Talita Bombarde

2 | POP UP!

Jornalismo Impresso III Responsável: Profº. Dr. Mauro de Souza Ventura (MTB- 6235)


RECORTE AQUI! CAPA DESTACÁVEL

POP UP! | 3


4 | POP UP!


EDITORIAL

O POP NÃO POUPA NINGUÉM Já pensou em encontrar feminismo, jogos interativos, música, franquias milionárias e Inteligência Artifical em um só lugar? Nessa primeira edição da POP UP! trazemos todos esses temas e outros da cultura pop para você que gosta de sair da caixinha. Para agradar desde o iniciante na cultura pop até o fã mais fiel, a revista está repleta de análises, resenhas e novidades escritas de um jeito crítico e alternativo. Acreditamos que a cultura pop, por meio de conteúdos atraentes e divertidos, pode estimular você a refletir sobre suas ações e o seu lugar no mundo. Com personagens complexos, histórias reflexivas e dramas atuais, a cultura pop ajuda a moldar o imaginário de seus seguidores que se espelham nesse universo para, assim como os heróis, tentar tornar o mundo um lugar melhor. Boa leitura! Empunhem seus sabres de luz e cuidado com os anfitriões! Equipe POP UP!

POP UP! | 3


18 08

32

74

58

GAMES

CINEMA

SÉRIES

06 Faça Sua Própria História 07 Yu-Gi-Oh! 08 Jogos de Tabuleiro

15 Star Wars 18 Power Rangers 20 Mulheres no Cinema 26 Dicas de Filmes 28 Paletas de Cores

32 Westworld 36 Super Séries 40 Crítica de Anime 43 Silenciamento da Erotização Infantil 47 Freak and Geeks 50 Infográfico Zumbi 52 Bates Motel 54 Luke Cage e o Hip Hop

MÚSIC

58 Hip Hop 62 Appetite fo 64 David Bowi


4

98 100

A

or Destruction ie

ÍNDICE ÍNDICE

HQS

LITERATURA

ENSAIO

67 Mulher Maravilha 72 Mercado de Mangás 74 HQs vs. Mangás 80 Dicas de Graphic Novels 81 Mercado de Graphic Novels 84 Mangás Brasileiros 88 Comic Con

93 Elementos da Ficção 98 Millenium

100 Representatividade na Cultura Pop


GAMES

FAÇA SUA PRÓPRIA HISTÓRIA

Jogos focados na narrativa interativa roubam a cena no mercado atual

TEXTO: JOÃO PEDRO FÁVERO / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

Q

uando os videogames foram lançados, a princípio o conceito principal era baseado nas ações que os jogadores tomavam com o personagem do seu jogo, determinando seu progresso de acordo com seu desempenho no joystick (o controle remoto). Muito tempo se passou e outras características foram adicionadas, sendo a principal o storyline, a característica do jogo. O jogador se interessa pela trama e pela jornada do personagem, dando um propósito para terminar o jogo além da ação controlada por ele. Apesar disso, o foco continuava na ação e a história seguia uma linha fixa. Com a preocupação de dar uma singularidade aos jogos

6 | POP UP!

com as histórias contadas, além de um gameplay único, fomos apresentados nos últimos anos aos games com interatividade na narrativa. Alguns jogos com este tipo de jogabilidade ficaram famosos durante a sétima geração de consoles (Nintendo Wii, Playstation 3 e XBOX360), sendo o principal o título Heavy Rain. Aqui, o jogador controla até quatro protagonistas, interagindo com múltiplos elementos do cenário para descobrir a identidade de um serial killer. O principal fator de sucesso do game é o fato de que todas as decisões tomadas pelo jogador durante o progresso do jogo vão afetar a narrativa, criando infinitas possibilidades de continuação da história. O jogo foi

considerado um dos melhores de 2010, possibilitando que outros games de narração interativa ganhassem destaque nos próximos anos, como Beyond: Two Souls, que conta com os atores Willem Dafoe e Ellen Page e, principalmente, os da produtora independente Telltale. A Telltale Games produz exclusivamente games em que as decisões do jogador ativamente interferem na direção da história. Apesar de produzir jogos desde 2004, a produtora ficou conhecida principalmente pela sua adaptação para os games do quadrinho The Walking Dead, lançada em 2012. O jogador Pedro Pivato diz que a maior vantagem desses games são as repetidas vezes em que eles podem ser jogados, cada

uma dando um destino diferente aos personagens: “O que mais atrapalha na verdade é a forma em que os jogos são vendidos, em forma de episódios, fazendo com que eu tenha que gastar dinheiro continuamente para continuar acompanhando a história, além da espera de lançamento entre eles”, explica. Além de The Walking Dead, a produtora lançou episódios de outra série famosa, Game of Thrones, além de games inspirados em quadrinhos como The Wolf Among Us e, recentemente, Batman: The Telltale Series. Os próximos lançamentos incluem uma segunda temporada para Game Of Thrones e Guardians Of The Galaxy, coincidindo com a estreia do filme em maio deste ano.


O PIOR MELHOR JOGO DO MUNDO COMPLETA QUINZE ANOS Mesmo repleto de defeitos, Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories (PS1) ainda instiga pelo desafio TEXTO: NILO VIEIRA / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTO: DIVULGAÇÃO

Q

uem conviveu com crianças na década passada certamente não ficou ileso à febre Yu-Gi-Oh!, o jogo de cartas de monstros popularizado pelo anime homônimo - aqui no Brasil, veiculado na saudosa TV Globinho. Além da televisão e nos baralhos físicos, houve outro território onde a mania marcou época: os videogames. Dentre os vários jogos da franquia, Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories merece um destaque bastante peculiar. Lançado na América do Norte em 2002 para PlayStation 1, o título passa bem longe de ser perfeito. Para início de conversa, há de se explicitar que o game não segue os mesmos parâmetros do jogo original ou mesmo do desenho. Aqui, os monstros possuem um sistema bizarro de “estrela guia” (com duas opções para cada criatura) - que influencia no confronto com as cartas adversárias - ao invés dos efeitos diversos originais, as magias de equipamentos possuem especificidades bizarras (uma delas só funciona com monstros chifrudos e bonzinhos, por exemplo) e pouquíssimas cartas de armadilha estão disponíveis. No entanto, a característica mais comentada de Forbidden Memories são as fusões entre monstros. Diferente do baralho, não é necessário o uso de uma carta mágica e tampouco são delimitadas a uma combinação única de dois monstrengos. Assim, o famoso usuário que “joga apertando todos os botões ao mesmo tempo” pode selecionar três bichos fracos aleatórios e acabar com uma criatura poderosa em seu campo de batalha. A sen-

sação de criar um “Twin-Headed Thunder Dragon” (monstro com 2800 pontos de ataque), sem exageros, foi possivelmente a primeira experiência que muitos nerds tiveram próximas ao orgasmo. Tudo que é bom dura pouco, porém. Mesmo com a possibilidade de gerar monstros mais fortes, Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories é dos poucos jogos em que é praticamente impossível zerar o modo arcade em uma tacada só. Os oponentes possuem baralhos infinitamente superiores, e nem mesmo grandes fusões são garantia de vitória. Pra ajudar, obter uma carta poderosa na opção free duel é uma tarefa hercúlea: o jogador pode derrotar um adversário difícil em dois turnos e ser recompensado com um monstro de 200 pontos de ataque. É uma jornada desgastante, acentuada ainda mais pela trilha sonora datada (recheada de sintetizadores noventistas) e os gráficos bastante primitivos, onde ainda se depende bastante da sorte. Todavia, é justamente esse teor altíssimo de dificuldade que ainda garante público ao jogo, mesmo tanto tempo depois de seu lançamento. Quem persiste no desafio não o faz para descobrir o fim do enredo ou se divertir; é uma provação, tanto de superação pessoal como contra a máquina rival. O prêmio final? Alimento para o ego. Afinal, mesmo com o teor infantil, há de se lembrar que a essência de Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories permanece brutal, competitiva e insana - como todo bom jogo viciante.

POP UP! | 7


D V

iversão servida à mesa

ocê provavelmente já participou de uma sessão familiar de algum jogo de tabuleiro. As chances desses jogo ter sido War ou Banco Imobiliário é também alta. Horas e horas de uma reunião familiar foram gastas com pessoas brigando entre si graças a um ou outro conflito no tabuleiro ou porque aquele tio competitivo resolveu roubar para ganhar. Você provavelmente odeia quando algum familiar sugere jogar um jogo de tabuleiro. O que faz todo o sentido do mundo.

J

Entretanto, essa raiva provavelmente se deve a um preconceito, cimentado pela prática de jogos ultrapassados. O mercado de jogos de tabuleiro passa, atualmente, por uma expansão de popularidade. Jogos como War, Banco Imobiliário, Jogo da Vida e Detetive foram inventados entre cem e cinquenta anos atrás e retratam uma outra época, onde a ideia de gastar três ou quatro horas em uma ação repetitiva poderia ser considerada divertida. Desde então, entretanto,

TEXTO E DIAGRAMAÇÃO FOTOS: REPRODUÇÃO

diversos outros jogos foram inventados e revolucionaram o mercado. Agora, com atraso de uma ou duas décadas, esses jogos começam a chegar ao mercado brasileiro. Você nunca mais vai rolar um dado da mesma maneira.

Origem ancestral Os jogos mais antigos de tabuleiro são conhecidos mundialmente: Xadrez, Damas, Go ou Gamão são os principais.

ogos para começar a jogar

Se você se interessou pelos jogos citados na reportagem mas não sabe por onde começ com o hobbie, esses são os seus jogos. Todos eles tem preços que cabem melhor no

MUNCHIKIN

Especialmente interessante para quem gosta de jogar RPGs, mas igualmente divertido para todos que tiverem alguma relação com a literatura de fantasia. Munchikin é baseado no uso de cartas e em atrapalhar os outros jogadores a conseguir cumprir seus objetivos 8 | POP UP!

Sheriff of nottingham Um jogo baseado em blefe, suborno e em colecionar recursos, esse jogo tem base na temática do famoso personagem Robin Hood e em seu vilão, o Xerife de Nottingham. É o tipo de jogo em que é, pelo próprio sistemas de regras, incentivado que se engane os outros jogadores


: RAFAEL GUIMARÃES

Embora com algumas variações de regras, esses jogos vêm sido praticados desde tempos ancestrais. É impossível falar dos jogos de tabuleiro sem citar esses avôs. Afinal, grande parte do que conhecemos já estava ali presente: o conflito entre participantes, o foco em habilidades, a vitória por merecimento acima da sorte. Por mais excitantes que sejam, esses jogos não sabem conversar com o jogador da forma que seus descendentes fazem. Afinal, War e Banco Imobiliário tiveram

Atualmente existem diversos jogos de tabuleiros com temáticas e dinâmicas de jogo para todos os gostos. tanto sucesso por se relacionarem com a realidade jogada. A origem do Banco Imobiliário no Brasil e de sua versão internacional, Monopoly, passa pela tentativa de se ensinar conceitos econômicos para crianças. Criado por Elizabeth Maggie Phillips nos Estados Unidos, o jogo Landlord’s Game (“Jogo do Proprietário”) era uma tentativa de demonstrar empiricamente como o processo de monopólio era negativo para a economia, diminuindo o montante geral

de riquezas ao concentrá-las nas mãos de um único senhor de terras. A patente do jogo foi vendida para a empresa Parker Brothers, que modificou as regras para o que hoje conhecemos. Monopoly se tornou um sucesso internacional e figura no Guinnes’ Book of Records como o jogo mas vendido da história. Seu modelo de avanço através de rolagens de dados ao redor de um tabuleiro inspirou diversos outros jogos semelhantes. Até que, eventualmente, um

çar, e não quer começar gastando muito bolso mas são fonte de muita diversão

Tokaido

Esse jogo é o tipo de jogo que você pode jogar com sua mãe, avó ou com crianças sem problemas: calmo, simples, com uma ótima arte. O foco da jogabilidade é a coleta de recursos e bloquear os adversários de fazerem o que desejam fazer, enquanto todos jogam em quatro turnos

Dungeon Fighter Para quem quer começar a jogar, mas não sabe se vai ter sempre companhia, Dungeon Fighter é uma excelente escolha. Com temática de exploração de masmorras cheias de monstros, o jogo tem a opção de ser jogado por um único jogador POP UP! | 9


jogo veio mudar isso. Para sempre. Colonizando o mundo dos jogos Em 1994, um jovem assistente de dentista chamado Klaus Teber resolveu transformar seu tempo em casa em algo divertido e começou a desenvolver um jogo. Cansado do modelo de jogo em que o jogador é representado por uma única peça e avança por um tabuleiro, Teber decidiu tentar um jogo que pudesse ser jogado sem esse sistema. O que ele viria a criar seria uma revolução no cenário dos jogos de

I

tabuleiro. Ele chamou o seu jogo de Colonizadores de Catan, com a temática de um grupo de pioneiros que chegam a uma ilha e precisam tirar dela todo tipo de recursos para sobreviver. Com um tabuleiro formado por peças hexagonais que podiam mudar de lugar de uma partida para outra, o jogo tinha uma possibilidade quase infinita de formações diferentes do tabuleiro para ser jogado. Além disso, o fator sorte representava muito pouco da partida. Mas a principal característica do jogo, que o diferenciava

de seus antecessores, era que era praticamente impossível determinar quem estava ganhando enquanto o jogo ainda não tinha sido encerrado. Com a possibilidade de qualquer jogador subitamente passar à frente e vencer a partida, Catan não eliminava jogadores como acontecia em Monopoly. Dessa forma, qualquer um envolvido no jogo permanecia no tabuleiro até o seu fim. Com o jogo criado para durar cerca de uma hora, contra a imprevisibilidade da duração de um jogo de War, Catan

nvestindo na Brincadeira

Para quem já conhece os jogos de tabuleiro e quer se aprofundar um pouco, rec damos alguns jogos numa faixa de preço intermediária e ligeiramente mais com

small world

Um jogo excelente para crianças e adultos jogarem juntos, com um humor acessível e jogabilidade rápida de se pegar. É um jogo de dominação de territórios, como o War, mas não depende da sorte, apenas de habilidade. Tem uma temática de fantasia e personagens caricaturescos 10 | POP UP!

Eldritch Horror

Perfeiro para os fãs de literatura e películas de horror, esse jogo é um dos mais bem avaliados de todos os tempos. Nele, os jogadores enfrentam juntos ameaças inspiradas nos livros de H. P. Lovecraft e tentam salvar o mundo de um cataclisma


tinha diversas vantagens que fizeram o jogo ganhar grande popularidade entre famílias e grupos de amigo procurando apenas um passatempo. O jogo de Teuber fez tanto sucesso que iniciou um novo gênero de jogos de tabuleiro, chamados de Eurogames.

Eurogames e Jogos de Designers Com a ascenção de Catan e a atenção que os jogos passaram a ganhar nos anos seguintes, os fãs de jogos de tabuleiro se

tornaram praticamente uma sub-cultura, criando coleções. Isso gerou diversos jogos best seller que fizeram sucesso com regras cada vez mais inovadoras. O sucesso de Catan logo foi repetido por Alhambra, Carcassonne e Ticket to Ride, todos do começo do século XXI e parte do gênero Eurogame. Em comum, esses jogos tinham o foco em manter todos os jogadores sem eliminações, com a vitória vindo por uma pontuação possível de ser realmente notada apenas no fim de cada partida.

Cada um dos jogos fazia mais sucesso que o anterior, até que o mercado se aqueceu a ponto de exigir não apenas jogos simples e possíveis de jogar com os amigos. Os fãs queriam complexidade e jogos sérios para horas de diversão. Foi assim que começaram a surgir jogos mais refinados, mas que mantinham o espírito criativo. Com foco no esforço do designer, os jogos começaram a ser chamados de designer’s games. O primeiro jogo a receber essa designação em uma crítica especializada, cunhando o

comenmplexos

Pandemic

Mais um jogo que incentiva a cooperação e o trabalho em equipe. Pandemic é um sucesso mundial em que os jogadores devem trabalhar para erradicar doenças em um mapa do globo, antes que essas doenças acabem com a humanidade

Ticket to ride Um dos jogos mais simples de se ensinar, Ticket to Ride tem uma jogabilidade instintiva, baseada em tentar ter a maior linha de trem e criar linhas férreas entre cidades para cumprir objetivos determinados e, assim, conquistar o jogo POP UP! | 11


termo, foi Pandemic, que tem a distinção de ser o jogo mais vendido do mundo desde seu lançamento, superando as vendas anuais de clássicos como Catan e Monopoly por muito. Pandemic tem por característica ser um jogo colaborativo, em que os jogadores jogam todos em um mesmo time contra o acaso de rolagens de dados e cartas de evento, solucionando problemas usando habilidades distribuídas de forma única para cada jogador. Na data do lançamento do jogo, a empresa responsável pela publicação Z-Game pediu a um grupo de

B

matemáticos que determinasse quantas sequências de eventos diferentes era possíveis, para determinar quais eram as chances de dois jogos acontecerem exatamente iguais. O resultado foi uma chance em mais de duzentos quadrilhões, o que foi amplamente usado na divulgação. Diversos jogos licenciados surgiram. No Brasil, o jogo de tabuleiro baseado na série de televisão e saga literária Guerra dos Tronos fez um sucesso, abrindo o mercado nacional para os jogos que tem feito sucesso nos Estados Unidos e na Europa nos últimos vinte anos. Não

demorou para uma empresa brasileira especializada em adaptar e publicar jogos de fama internacional surgisse. A Galapagos Jogos entrou no mercado em 2009, primeiro como representante oficial de alguns jogos como os citados Guerra dos Tronos e Ticket to Ride, mas logo também tiveram experiências com lançamentos próprios. Da próxima vez que sua família resolver se juntar e jogar algo, lembre-se que você tem opções. Se for para aguentar o tio trapaceiro por horas, pelo menos que seja em um jogo divertido.

rincando sério

Para quem tem dinheiro para investir e quer jogar jogos que podem durar até oito horas de designer de valor alto, mas com excelente acabamento e arte. Mais do que jogos,

Zombicide

Um jogo de miniaturas que tem entre seus autores (são vários) um brasileiro. Esse jogo tem peças tão bonitas que muitos fãs se tornam colecionadores. É extremamente dinâmico e vem cheio de cenários diferentes para se jogar, o que praticamente impede a repetição de um jogo 12 | POP UP!

Eixos e Aliados Essa franquia de jogos de tabuleiro é uma versão do War. Você joga contra seus amigos comandando um exército na Segunda Guerra Mundial, com direito a peças da época. Cada soldado e cada lado que se escolhe para lutar infIuencia as características e as estratégias que você terá que adotar


D

icas pra criar seu próprio jogo

1.

Em entrevista ao site Geek and Sundry*, o criador do premiado jogo Fluxx, Andy Looney, deu algumas dicas para quem quer ser um criador de jogos de tabuleiro

Jogo outros jogos Não adianta achar que sua mente é o suficiente: jogar outros jogos é essencial para ter a inspiração para criar o seu

2.

3.

Escreva as ideias

Faça um protótipo Antes de levar a ideia a uma empresa para publicar, é preciso ter um modelo para mostrar para outras pessoas

Algumas ideias são boas naturalmente, outras precisam ser amadurecidas: anote todas para não esquecer de nada

4.

Teste (muito)

Nenhum jogo nasce perfeito. Antes de publicar o seu, teste com os amigos e vá corrigindo os erros que aparecerem

*DISPONÍVEL EM: http://geekandsundry.com/6-must-know-game-design-tips-from-the-creative-director-of-fluxx/

s, existem opções de jogos , essas são obras primas

Dead of Winter Semelhante ao Zombicide, mas se passando em um cenário de frio, o risco aqui é menos relacionado às peças que representam os zumbis no jogo e mais a necessidade de combater efeitos como o frio e a fome dos personagensjogadores enquanto lida com as hordas

Blood Rage Inspirado na lenda nórdica do Ragnarok, nesse jogo de miniaturas os participantes tomarão o lugar de vikings que enfrentarão criaturas místicas para proteger suas famílias. O jogo conta com um total de mais de 250 peças, sendo que destas 49 são miniaturas POP UP! | 13


ANÚNCIO

16 | POP UP!


além de A FRANQUIA SEGUE FORTE POR OFERECER PRODUTOS MUITO ALÉM DAS TELONAS

TEXTO: TALITA BOMBARDE / DIAGRAMAÇÃO: RAFAEL GUIMARÃES / IMAGENS: DIVULGAÇÃO

POP UP! | 15


E

sse universo expandido (também conhecido simplesmente como UE) consiste em livros, histórias em quadrinhos, jogos de vídeo games (incluindo jogos de RPG), desenhos e filmes animados, entre outros produtos licenciados, criados pelos fãs das trilogias. O primeiro produto foi uma história em quadrinho lançada pela Marvel, no final do ano do lançamento do primeiro filme, produzido pelo escritor Alan Dean Foster. Ele também é o responsável pela criação do primeiro livro do universo expandido intitulado de Splinter of the Mind’s Eye, lançado em 1978. Todavia, o jornalista e crítico de cinema André Gordirro recomenda para quem não conhece o UE começar pela trilogia Thrawn, de Timothy Zahn, considerado o melhor autor desse universo. De acordo com ele, também vale a pena conferir Esquadrão Rogue e os quadrinhos da Dark Horse, Império e Rebelião. “O projeto multimidia Sombras do Império é fraco, mas tem seus defensores, e vale como passatempo, ainda que não tenha a excelência dos que citei. Para evitar, a série

Jedi Academy e as grandes sagas finais do UE (New Jedi Order, Dark Nest, Legacy of the Force, Fate of the Jedi), que são muito caça-níqueis”, André ressalta. É importante destacar que George Lucas - criador da franquia, responsável por dirigir e roteirizar a maioria dos filmes da Saga - não teve responsabilidade nesse mundo que surgiu além dos filmes principais: tratam-se de produtos criados pelos fãs e para fãs, licenciados como qualquer outro da cultura pop. Algumas pessoas que não conhecem bem o mundo do EU, e até mesmo fãs, se confundem quando ouvem que existem produtos considerados Legends (Lendas) e Canon (Cânone). Quando a Disney comprou a Lucasfilms (produtora responsável pela saga) e retomou a produção dos filmes, decidiu-se separar o UE nesses dois segmentos. De acordo com Gordirro, a diferença entre Legends e Canon é “que o Legends “não vale mais” e não será mais produzido. Porém, essa questão da validade é dúbia, porque em todos os anos aquele material jamais

Rogue One - Uma história de Star Wars não segue ma-se bastante do Universo Expandido por citar d tante por mostrar que o mundo SW é muit

cronologia dos filmes da saga

Uma Nova Esperança (1977)

16 | POP UP!

O Império Contra Ataca (1980)

O Retorno de Jedi (1983)

Ameaça Fantasma (1999)

Ataque do (20


produtos do universo expandido O universo expandido possui 260 romances podendo citar Splinter of the Mind’s Eye, Trilogia Thrawn, Shadows of Empire.

Mais de cem jogos de videogames: Star Wars: Episode I: The Phantom Menace, Star Wars: Dark Forces, Star Wars: Knights of the Old Republic entre outros envolvendo 120 autores. Mais de mil revistas em quadrinho como: To Take Tarkin, The New Empire, Knights of the Old Republic

Vale a pena citar Star Wars Rebels, série de animação que possui 3 temporadas e um dos personagens foi citado em no filme Rogue One.

e a narrativa dos filmes da franquia porém aproxidiversos personagens. Tornou-se um filme importo mais do que Jedis e a família Skywalker.

os Clones 002)

Dezenas de contos: o mais conhecido são os Contos dos Jedis

A Vingança dos Sith (2005)

foi considerado canônico, era apenas um produto pop oficialmente licenciado”. Portanto, atualmente apenas o material intitulado Canon que é considerado nas histórias do universo de Star Wars. Gordirro acredita que o universo expandido foi essencial para continuação da série: “Sem o sucesso de Herdeiro do Império em 1991, talvez George Lucas não tivesse considerado retomar a saga em 1997, no aniversário de 20 anos (mas acabou lançando A Ameaça Fantasma apenas em 1999). O UE mostrou que havia, sim, uma nova geração de fãs que só tinha visto SW na telinha da TV e ansiava por novas histórias”. André também afirma que cada vez mais ocorrerá integração entre os setores do universo da saga - os fãs já puderam perceber essa tendência

O Despertar da Força (2015)

no spin-off Rogue One - Uma história Star Wars, lançado em 2016, repleto de referências ao UE. O universo expandido de Star Wars permanece como marco muito expressivo na cultura pop. Suas novas abordagens de linguagens narrativas renderam até um capítulo do livro Cultura da Convergência, do aclamado estudioso de mídias de comunicação Henry Jenkins. Além disso, é um excelente exemplo de como usar a paixão e a criatividade dos fãs para manter uma franquia viva e rendável após quatro décadas do seu surgimento, e mesmo que, atualmente alguns produtos não sejam considerados como cânone, todos tiveram uma importância significativa na formação desse universo e para manter acesa a devoção pelo mundo de SW.

Rogue One (2016)

Os Últimos Jedi (2017)

POP UP! | 17


Power Rangers: o surgimento no Japão e seu legado a A franquia é uma versão americana dos super sentai, que fazem sucesso no país do sol nascente há 40 anos

E

m 2017, completa-se 22 anos da estreia dos Power Rangers. Além das temporadas na televisão, a série possui um filme lançado em 1995, e nesse ano uma nova película estreará para revigorar a história, com uma ambientação e visuais mais modernos e contemporâneos. Muitos fãs não sabem, mas os Power Rangers só existem devido ao surgimento do Super Sentai no Japão. Danilo Modolo, do canal do YouTube Tokudoc, relata que o programa japonês é conhecido pelas roupas coloridas e pelos robôs gigantes. “A franquia é produzida desde 1975, pela Toei Company, em parceria com a Bandai - uma das maiores fabricantes de brinquedos do mundo -, as duas primeiras séries “sentai” foram criadas como programas de TV para

18 | POP UP!

crianças”, conta Danilo. Porém, a partir da terceira série, em parceria com a Marvel, novos elementos foram introduzidos, ampliando o público alvo, criando um padrão ao entretenimento e permitindo que ele se tornasse sucesso no Japão em todo o mundo. Tanto que em 2017, será transmitido Kyuranger, a 41° série da franquia Super Sentai. Aqui no Brasil, séries como Comando Estrelar Flashman, Esquadrão Relâmpago Chagerman, Google Five e Maskam foram transmitidos pela extinta Rede Manchete, pela Record e pela Rede Bandeirantes, nas décadas de 80 e 90. Em 1992, o produtor egípcio Haim Saban ofereceu a série Super Sentai Zyuranger à canais dos Estados Unidos.

A história do Super Sentai foi adaptada aos moldes americanos e assim, em 1993, surgiram os Power Rangers que conhecemos, fruto da empresa Saban Entertainment. A franquia manteve a essência de utilizar uniformes coloridos, ter de cinco a onze guerreiros (dependendo da temporada), robôs gigantes e vilões que querem dominar o universo. Na primeira sessão, os poderes dos Power Rangers eram derivados de dinossauros. Ao longo do tempo, várias temáticas foram exploradas, como o uso de poderes de animais místicos, uso de carros, e até viagens espaciais. Assim como a versão japonesa, os interpretes dos heróis também mudaram ao longo da série. Em 2002, a Disney comprou a franquia, porém após


atual TEXTO: TALITA DIAS BOMBARDE / DIAGRAMAÇÃO: RAFAEL GUIMARÃES / IMAGENS: DIVULGAÇÃO e REPRODUÇÃO

E

m 1992, o produtor egípcio Haim Saban ofereceu a série Super Sentai Zyuranger à canais dos Estados Unidos. A história do Super Sentai foi adaptada aos moldes americanos e assim, em 1993, surgiram os Power Rangers que conhecemos, fruto da empresa Saban Entertainment.

um período sem o sucesso esperado pela empresa, em 2011 a Saban recuperou os direitos sobre o programa. De acordo com Danilo, nas primeiras temporadas da versão americana boa parte das cenas de lutas e de robôs gigantes vieram da versão japonesa, e foram inseridas no programa ocidental. Na temporada de 2016, intitulada Dino SuperCharge foram reutilizados apenas entre 20 ou 30% de cenas originais japonesas. A questão da representatividade foi importante para o sucesso do entretenimento americano, já que a estrutura da história e a forma com que o programa foi comercializado ajudaram crianças e jovens do ocidente a se interessarem mais pela versão dos

Estados Unidos do que a japonesa, frisa Danilo. Além disso, a ToeiCompany e a Bandai esforçaram-se para que atração tivesse êxito nesse lado do mundo, vendendo produtos derivados da série que agradassem a esse público. Nesse ano, espera-se que o novo filme da franquia, que será lançado no dia 23 de março, além de uma roupagem nova e uma história de origem mais profunda dos personagens principais, traga efeitos visuais e um clima mais sério parecido com filmes de super-heróis da Marvel e DC Comics, sem perder o lado nostálgico da série. Afinal, o programa será apreciado tanto pelo público mais jovem, como pelos fãs que acompanharam Power Ranger desde o seu lançamento.

POP UP! | 19


CINEMA

MÚSICA

Mulheres

SÉRIES

GAMES

no cinema

HQS Como a ausência de diretoras afeta a representatividade LITERATURA feminina na indústria cinematográfica ENSAIO

Texto: e diagramação: Lara Pires Fotos: (1) Sofia Coppola, nas filmagens de “As Virgens Suicidas” (2 e 3) Cenas do filme “O Piano, de Jane Campion (4) Jane Campion (5) Kathryn Bigelow (6) Anna Muylaert, pela Folha (7 e 8) Cenaa do filme “Que horas ela volta?”, de Anna Muylaert

20 | POP UP!


A representatividade feminina na indústria cinematográfica americana tem sido questionada exaustivamente nos últimos anos. O Oscar, prêmio mais importante e prestigiado do cinema mundial, serve como parâmetro de como as mulheres possuem pouco espaço e reconhecimento no que diz respeito à direção, roteiro, direção de fotografia, produção e protagonismo feminino dentro dos filmes. Na categoria de melhor direção, apenas quatro mulheres foram indicadas em toda a história do prêmio e apenas uma foi vencedora. Lina Wertmuller, por “Pasqualino” e “Sete Belezas”, em 1977, Jane Campion, indicada em 1994 por “O Piano”, Sofia Coppola, indicada em 2004 por Encontros e Desencontros e finalmente, na 82º edição do prêmio em 2010, a vencedora Kathryn Bigelow, por “Guerra ao Terror”. Infelizmente, poucas mudanças têm ocorrido nesse cenário. A ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis), ONG norte-americana sediada em Nova Iorque, enviou uma carta de 15 páginas às autoridades federais e de direitos civis da Califórnia em 2015, às vésperas do Festival de Cannes, na França, pedindo o fim da discriminação e exclusão de diretoras de cinema. Na época, a advogada da ACLU, Melissa Goodman, chegou a se pronunciar para a Agence France-Presse. “Hollywood não tem autonomia quando se trata de direitos civis de minorias”. De acordo com a ONG, há menos mulheres trabalhando como diretoras de cinema e televisão do que há duas décadas. Em 2014, as diretoras eram apenas 7% dos 250 principais filmes do ano, 2% a menos em relação a 1998. Na televisão, ainda segundo a ONG, 70 séries não empregaram nenhuma mulher para dirigir episódios, o que significa um terço de toda a produção do país. A carta aborda ainda problemas como falta de financiamento e reconhecimento das mulheres diretoras.

POP UP! | 21


CINEMA

Um estudo publicado em 2015 na Universidade Estadual

MÚSICA de San Diego afirma que apenas 9% dos 250 filmes daquele

ano de maior bilheteria dos EUA foram dirigidos por mulheres, a mesma porcentagem registrada em 1998. As mulheres representaram 26% dos produtores, 22% dos editores, 20% dos produtores executivos, 11% dos SÉRIES roteiristas e 6% dos diretores de fotografia. A pesquisa revela também que um terço dos filmes empregou nenhuma ou apenas uma mulher para essas funções.

GAMES

HQS

LITERATURA Já o cinema independente americano é mais receptivo às cineastas do que o comercial. De 1.036 filmes analisados ENSAIO que participaram de festivais americanos em 2015 e 2016, a presença de diretoras foram 28%. No documentário foi 35% e na ficção 19%. Uma proporção bem maior do que nos filmes de maior bilheteria dos EUA, 9%. De acordo com a responsável pela pesquisa, Martha Lauzen, os números dos festivais independentes contradizem o argumento de que em Hollywood não existem cineastas qualificadas. A constatação mais interessante do estudo é que: filmes com pelo menos uma mulher na direção tem mais chances de empregar outras mulheres nas funções de editora, roteirista e diretoras de fotografia.

22 | POP UP!

A CONSTATAÇÃO MAIS INTERESSANTE DO ESTUDO É QUE: FILMES COM PELO MENOS UMA MULHER NA DIREÇÃO TEM MAIS CHANCES DE EMPREGAR OUTRAS MULHERES NAS FUNÇÕES DE EDITORA, ROTEIRISTA E DIRETORAS DE FOTOGRAFIA.


4 foi o número total de mulheres indicadas à categoria de melhor direção em toda a história do Oscar

9% dos 250 filmes de maior bilheteria dos EUA em 2015 foram dirigidos por mulheres

17 Em um total de 60 é o número de mulheres em posições de chefia nos maiores estúdios de Hollywood

POP UP! | 23


CINEMA

MÚSICA

SÉRIES

GAMES

HQS

CENÁRIO INTERNACIONAL Segundo a revista Women and Hollywood, 12 dos 81 filmes estrangeiros pré-indicados ao Oscar foram filmes dirigidos ou co-dirigidos por mulheres, o que equivale a 15% da lista. Entre eles, estava o filme brasileiro “Que horas ela volta?”, de Anna Muylaert. Já de acordo com uma pesquisa feita pela Rede de Mulheres do Audiovisual Europeu (EWA), um em cada cinco filmes europeus são dirigidos por mulheres. Foram avaliadas as produções da Alemanha, Áustria, Croácia, França, Itália, Reino Unido e Suécia entre 2006 e 2013. Aproximadamente 84% dos fundos públicos de financiamento vão para filmes dirigido por homens. Diretoras do Reino Unido declararam sentir que investidores privados também não são receptivos com projetos realizados por elas. De acordo com o relatório elas são vistas como alto risco. Um fato interessante que a EWA aponta é que há uma disparidade entre a proporção de mulheres que se formam em cinema (44%) e a proporção de mulheres que de fato estão atuando na indústria (24%).

LITERATURA

ENSAIO

CENÁRIO NACIONAL A Ancine (Agência Nacional de Cinema) afirma que em 2015, apenas 14,8% dos filmes foram dirigidos por mulheres. A diretora Anna Muylaert fez uma declaração ao portal G1 afirmando que apesar de ter recebido prêmios em sua carreira, ninguém a oferece ofertas de trabalho. “Se eu fosse homem, acho que seria diferente, porque uma mulher que faz sucesso numa área dominada por homens ainda é entendida como uma figura que pode ser perigosa”, afirma a diretora. No dia 8 de março de 2016, em entrevista ao portal Cinegrafando, a diretora de Rio Doce – CDU, Adelina Pontual, declarou que não conseguiu exibir o documentário comercialmente. “Só ficou dois dias em cartaz numa mostra de São Luiz. Fui com o filme debaixo do braço por não ter distribuidor”. Neste cenário, é importante questionar quais são os impactos para o gênero feminino dentro da indústria cinematográfica.

24 | POP UP!


CONSEQUÊNCIAS Sabe-se, de acordo com as pesquisas citadas anteriormente, que mulheres diretoras empregam mais mulheres. E falta delas no mercado faz com que muitas cineastas percam trabalho ou nem consigam se manter na profissão. O resultado disso é uma representação distorcida da mulher nas salas de cinema do mundo inteiro. Ainda em entrevista ao G1, Anna Muylaert afirma que “o cinema mundial tem a tendência de representar a mulher a partir de uma visão masculina, ou seja, sempre bela magra, charmosa, dengosa, etc.” E completa: “estes padrões não representam a maioria das mulheres”. No cinema americano, é muito comum deparar-se com mulheres extremamente objetificadas. Em uma famosa cena em Transformers (2007), a atriz Megan Fox aparece em enquadramentos com close na barriga, no rosto, nos olhos e na boca. É o estereótipo da mulher retratada em detalhes. Isso afirma como a mulher é vista de forma fragmentada, em que a única coisa que a define são as partes de seu corpo. Em 1985, a cartunista Alison Bechdel criou um teste para avaliar se as personagens femininas são ou não desenvolvidas a partir de um ponto de vista machista nas obras de ficção. Para ela, o filme precisa ter pelo menos duas mulheres (com nomes, de preferência), que conversam entre si sobre um assunto que não seja um homem. O teste apenas ajuda a mostrar se as mulheres possuem diálogos, e se estes não estão relacionados ao universo masculino. Não analisa a qualidade do diálogo, como por exemplo, se as mulheres estão falando de compras ou manicure. A surpresa é que mesmo filmes bons, com boas tramas, diálogos interessantes e com a presença personagens femininas bem desenvolvidas, como a princesa Leia, na primeira trilogia de Star Wars, não passam no teste. Isso acontece porque, quando os diretores decidem investir em uma protagonista feminina, geralmente ela encontra-se cercada de homens. A personagem não possui nenhuma outra mulher para conversar e raramente uma segunda personagem é importante para o desenvolvimento da trama central. Rogue One (2016) é um exemplo disso. Além da protagonista Jyn Erso, nenhuma personagem é crucial para a resolução da história. Vale também ressaltar outros problemas, como a disparidade salarial entre homens e mulheres atores e a falta de pluralidade e representatividade negra, tanto dentro da indústria, quanto nas premiações do Oscar. A deficiência de mulheres no mercado não é apenas uma questão econômica, é também social. A forma como o mundo enxerga as mulheres afeta diretamente em problemas como a violência contra a mulher, a objetificação da mulher negra, a cultura do estupro, entre outros. Uma maior participação de mulheres diretoras representa a construção de um mundo mais igualitário.

POP UP! | 25


OS FILMES COROAS TAMBÉM MERECEM SER

APRECIADOS

Mesmo sofrendo a aversão do público mais jovem, produções clássicas permanecem indispensáveis para a formação cultural e precisam ser assistidos

TEXTO: TALITA DIAS BOMBARDE DIAGRAMAÇÃO: RAFAEL GUIMARÃES IMAGENS: DIVULGAÇÃO

N

esse mundo atual de remakes, reboots e continuações, a geração mais nova de cinéfilos tem preconceitos com filmes antigos por diversos motivos - entre eles, por achar a narrativa devagar ou efeitos visuais fracos. Nessa seção, a PopUp! mostrará, sem spoilers, cinco obras consideradas clássicos do cinema hollywoodiano que merecem ser vistos.

26 | POP UP!

Casablanca (1942)

R

etratado em plena 2° segunda Guerra Mundial, o filme conta o romance entre o americano Rick Blaine (Humphrey Bogart) e Ilsa (Ingrid Bergman), que se reencontram em Casablanca quando esta tenta fugir para os Estados Unidos com o marido. A fotografia em preto em branco traz todo o glamour e ar romântico da época, os diálogos são dinâmicos e não deixam o ritmo do filme cair, além de figurarem entre os mais marcantes da história. Além de eternizar a canção “As time goes by”, o roteiro foi eleito como o melhor de todos os tempos por especialistas. Indispensável para entusiastas de drama.

Blade Runner (1982)

N

a época de seu lançamento, foi um fracasso de bilheteria. Todavia, atualmente é considerado um clássico da ficção científica. O enredo é centrado no caçador de replicantes, vivido por Harrison Ford, que está atrás de cinco espécies que fugiram de uma colônia fora da Terra. A fotografia mistura tons escuros com toques de neons e aspectos de sujeira, passando bem o cenário de um mundo futurístico caótico. O figurino ajuda a consolidar as peculiaridades dos personagens, enquanto o roteiro possui diálogos marcantes. O filme gerou uma profunda discussão entre os fãs, sobre a verdadeira origem do personagem principal.


Era uma vez no oeste (1968)

N

esse faroeste é retratada a história de uma família que foi assassinada por sua propriedade estar na rota de uma futura estrada de ferro. Porém, a viúva não desiste do local e conta com a ajuda de um homem misterioso, que também busca vingança. Para quem curtiu a ambientação de “Os oitos odiados”, este filme é lição de casa obrigatória. Considerado um dos melhores western, é dirigido pelo lendário diretor italiano Sergio Leone. A música ficou a cargo do lendário Ennio Morricone, especialista em trilhas do gênero, responsável também pelo setor no filme de Quentin Tarantino. A fotografia possui tons marrons com bastante planos fechados e close ups, fundamentais durante a movimentação da película. Pode parecer um pouco parado; porém, a história prende do inicio ao fim, principalmente com as cenas de ação.

Psicose (1960)

E

sse terror psicológico do diretor Alfred Hitchcock ajudará a gostar de filmes preto e branco, pois sua excelente fotografia é essencial para o clima de tensão e mistério da obra. A história consiste na personagem Marion Crane (Janet Leigh) roubando 40 mil dólares da empresa do chefe para começar uma vida com o namorado. Porém, após um tempo na estrada, acaba parando no motel administrado pelo enigmático Norman Bates – que ganhou recentemente uma prequel, com a série Bates Motel. O filme prende o telespectador logo nos letreiros iniciais, com uma trilha sonora de cordas bem estridente. A música, aliás, é essencial no longa-metragem, como bem exemplifica seu clássico clímax. Nessa película, são abordados temas considerados polêmicos até hoje, além de possuir o plot twist mais icônicos do cinema.

Ben Hur (1959)

E

sse drama com fundo religioso tem duas das cenas de ação mais icônicas do cinema e narra a vida de Judah BenHur (Charlton Heston), um comerciante próspero de Jerusalém que, injustamente, é condenado à escravidão. A fotografia é hipnotizante, utilizando bastante o azul do céu e planos abertos para trazer o clima da época retratada. O roteiro desenvolve muito bem a jornada do protagonista, usando como plano de fundo alguns episódio da vida de Jesus. Porém, foca na sede de vingança de Ben-Hur e no caminho que ele percorre até consegui-la. A trilha sonora é penetrante e grandiosa, dando ritmo às cenas de ação. Mesmo com três horas e meia de duração, não permite ao cinéfilo tirar os olhos da tela. Ainda atual, recebeu uma nova versão ano passado, com Rodrigo Santoro no papel de Jesus.

POP UP! | 27


CINEMA

Paleta de Cores

E A SUA IMPORTÂNCIA NO CINEMA E NA TV TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

V

ocê sabia que as cores influenciam em como uma mensagem é passada ao público? Seja em filmes ou em séries, as cores utilizadas nas telas não estão ali por acaso. O diretor de arte, junto com o diretor de fotografia e colorista, definem os tons de cores que irão ser utilizadas ao decorrer do filme, esses tons formam a paleta de cores. Elas servem para criar estímulos imperceptíveis no espectador, transmitir climas, emoções, gerar

expectativa para as cenas e também direciona toda a cenografia, figurino e objetos presentes na tela. Embora muitos diretores utilizem a psicologia das cores para criar uma estética visual que emociona o público instintivamente (por exemplo: vermelho significa violência e amor), não há forma certa ou errada de usar as cores. Elas podem ter diferentes significados de acordo com o estilo de filme em que estão inseridas.

Assim como nem sempre uma cor é atribuída a apenas um gênero de filme. Todos os filmes precisam de suas próprias paletas de cores para reforçar suas ideias para o espectador. Separamos algumas paletas de filmes famosos para que você consiga identificar a importância dos tons utilizados. Depois dessa matéria, nós apostamos que você irá começar a prestar mais atenção nos tons que aparecem nos filmes. Divirta-se!

O Grande Hotel Budapeste (2014) • Diretor: Wes Anderson Wes Anderson é o diretor queridinho dos paletas de cores no cinema. É quase impossível falar em cores nas telonas e não citar o seu nome. No filme, quando tons pastéis aparecem, normalmente os personagens estão criando algum plano para enganar os seguranças, já que essas cores remetem à infância e acabam sendo interpretadas como “inocentes” aos olhos dos guardas e os personagens conseguem progredir com o plano de fugir. Esses tons mais leves também representam a inocência do amor de Zero e Aghata.

28 | POP UP!


O Regresso (2015) • Diretor: Alejandro G. Iñárritu

As cores também podem nos ajudar na compreensão da temperatura de uma cena. Em “O Regresso”, filme que deu a estatueta do Oscar ao Leonardo DiCaprio, observamos uma predominância de tons frios (azul, cinza, branco) que reforçam a ideia de frio e isolamento que o enredo conta.

Mad Max: Estrada da Fúria (2015) • Diretor: George Miller

Já em “Mad Max”, vimos diversas cenas de ação frenéticas e explosões, com isso, o filme ganha uma paleta mais “quente” de cores (diversos tons de laranja e marrom, azul petróleo), que reforçam os conceitos exibidos durante o filme.

POP UP! | 29


CINEMA

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) • Diretor: Michel Gondry

Um filme sobre encontros, amor, desencontros e esquecimento. Com certeza a paleta de cores em tons pastéis do filme sugere a ideia de nostalgia e memórias, que ajuda o filme a ficar ainda mais melancólico.

Drive (2011) • Diretor: Nicolas Winding Refn

Em “Drive” as cores recebem muito contraste, o que remete à identidade do diretor Nicolas Winding Refn. As cenas de seus filmes geralmente têm uma predominância de uma única cor: vermelho, dourado, azul, sempre em tons saturados. Considerado o “salvador do cinema neon”, o diretor traz essa estética aos seus filmes por causa da sua condição em ser dautônico.

30 | POP UP!


As cores no mundo das séries:

PALETA DE CORES EM BREAKING BAD

Breaking Bad foi uma série de televisão estadunidense criada e produzida por Vince Gilligan, exibida entre 2008 e 2013 pelo canal de televisão por assinatura AMC. Com cinco temporadas, o criador Vince Gilligan pensou muito bem na parte estética para a composição de seus cenários e até figurinos dos personagens, na intenção de passar um significado e uma mensagem para o seu telespectador. Por cada tom escolhido das roupas dos seus personagens, há um significado. Gilligan e a figurinista da série, Jennifer Bryan, trabalharam juntos em todos esses significados. Começando pelo personagem principal, Walter White, ao ser diagnosticado com câncer, o personagem passa a usar roupas com tons mais fortes e até preto. A designer Mariana Iamaguti nos contou que as cores dão o clima da história e servem como elementos semióticos para mostrar o desenvolvimento de um personagem. Por exemplo, quanto mais o personagem Walter White

se envolve com a metanfetamina, mais com tons de azuis suas roupas ficam. Já a esposa do personagem, Skyler White, começa usando bastante azul na primeira temporada, que representa a pureza e lealdade. Quando começa a descobrir os segredos do seu marido, as cores vão se intensificando e se tornam azuis escuras e roxo. Quanto mais ela se torna cúmplice dos crimes do marido, mais escuros os tons das suas roupas ficam. Ainda em relação ao personagem Walter White, Mariana nos conta que na famosa cena em que ele se revela “mal”, o personagem vai tirando as roupas e cada camada de roupa é mais escura do que a anterior, revelando como ele se transformou ao longo do tempo, se aproximando cada vez mais do “bandido”. Já Jesse Pinkman, parceiro de laboratório de Walter White, usa a maior parte do tempo tons vermelhos, que representam a violência e raiva do personagem. Além dos personagens centrais, esse jogo de

cores existe também nos secundários, como os tons de roupa de Walter Jr., o filho do casal, que refletem claramente o apoio a cada um dos pais, de acordo com a época. Quando o filho apoia mais o pai, Walter White, usa tons mais parecidos com os dele, já quando apoia a mãe, Skyler White, usa tons de cores mais parecidos com os dela. Podemos perceber que o autor da série utilizou propositalmente os significados das cores (vermelho: violência, azul: confiança e lealdade, preto: poder e luto, etc) nos tons de roupas de seus personagens, conforme as temporadas passavam e as situações mudavam. Com isso, o telespectador inconscientemente recebia uma mensagem extra, além da verbal, do discurso que o autor queria expor. Além dos figurinos, é importante ressaltar o uso das cores nos cenários. Quando a cena era composta por muita violência, o vermelho predominava na tela, seja nos figurinos ou em objetos da cena.

POP UP! | 31


SÉRIES

“VOCÊ JÁ QUESTIONOU A NAT UREZA DA SUA REALIDADE?” Westworld, nova série da HBO, nos faz questionar sobre a relação entre humanos e andróides TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

32 | POP UP!


POP UP! | 33


SÉRIES

I

magine a seguinte situação: você está cansado da sua rotina, do seu emprego, dos seus amigos, enfim, da sua realidade. Resolve mudar de vida, pelo menos por alguns dias. Então descobre que existe um parque em que você pode viver aventuras e construir histórias com personagens-robôs com inteligência artificial que estão inseridos no ambiente, como em um jogo de RPG. Tudo isso por uma grande quantia de dinheiro. Tentador, não? Essa é a trama base de Westworld, série da HBO que estreiou em 02 de outubro de 2016 e pretende substituir Game of Thrones. Criada por Jonathan Nolan, Lisa Joy e J. J. Abrams, a série se passa em um futuro tecnologicamente avançado, em que a realidade se torna desinteressante para os humanos. Como forma de escapismo, o parque Westworld é uma opção bastante atraente. No parque, os visitantes (como são chamados os humanos) podem agir conforme seus desejos, sem serem punidos.

34 | POP UP!

É possível ferir e até matar os anfitriões (andróides), que não passam de mercadoria para os visitantes. De forma fixa, os anfitriões seguem linhas narrativas que foram programadas para cada um deles, cada um tem a sua função e história no parque. Sua programação também faz acreditarem que aquela é a vida deles, sem terem a consciência de que fazem parte de um comércio em que são apenas produtos para a diversão e entretenimento dos humanos. Mas em como todo filme e série sobre inteligência artificial, em certo momento, os anfitriões começam a ganhar consciência sobre quem são e o que estão fazendo. É nesse momento que o plot central da série se inicia, assim como os questionamentos na cabeça de quem está assistindo. Muitas teorias surgiram em grupos de Facebook e sites como o Reddit. Jonathan Nolan, inclusive, participava de algumas discussões no fórum, respondendo algumas dúvidas.

CONSCIÊNCIA VERSUS EXISTÊNCIA Desde o episódio piloto, fica evidente que Westworld é uma série que trata sobre a consciência e existência, tanto dos humanos, quanto dos andróides. Ao decorrer da série, há um contraste entre seres humanos que vão perdendo a sua humanidade e se tornam cada vez mais mecânicos versus seres mecânicos que se tornam cada vez mais conscientes e donos de sentimentos “humanos”. Todo o plot da série nos faz lembrar da famosa frase existencialista de René Descartes: “penso, logo existo”. O filósofo afirmava que o próprio ato de duvidar comprovava a existência daquele que duvidava. Sendo assim, a partir do momento em que os andróides começam a questionar a sua realidade, eles passam a existir, a serem donos de sentimentos e atos, que já não são mais programados pelos humanos e sim pela a consciência que adquiriram.


AS TRÊS LEIS DA ROBÓTICA 1. Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal 2. Os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei 3. Um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores

POP UP! INDICA: • 2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO (1968) • O EXTERMINADOR DO FUTURO (1984) • O HOMEM BICENTENÁRIO (1999) • EU, ROBÔ (2004) • WALL-E (2008) • EX_MACHINA: INSTINTO ARTIFICIAL (2015)

HUMANOS VERSUS ANDRÓIDES Mesmo sendo uma obra fictícia, ela nos faz pensar bastante sobre a nossa realidade atual e, principalmente, sobre o futuro. Será que um dia os andróides irão viver normalmente com os humanos? Será que terão sentimentos? Será que é possível a inteligência artificial dominar os humanos? Abner Rocha é estudante de Filosofia e espectador da série e afirma que os episódios conseguiram deixar não só teorias sobre a trama, mas também sobre o futuro da sociedade em relação aos robôs. Ele afirma acreditar que em algum ponto do futuro, andróides conviverão normalmente com os humanos, seja prestando serviços para eles ou até como apoio emocional, como um “amigo”. Ao ser questionado sobre “a dominação dos robôs” que os filmes e as séries tanto abordam, Abner não descarta a possibilidade, mas julga que se acontecer,

não será de forma violenta como é retratado na ficção. “Não duvido que nas próximas décadas os robôs sejam capazes de criarem outros robôs, creio que o receio será justamente desconhecer as funções e propósitos destes robôs, já que não foram criados e programados por humanos”, conta. No parque Westworld, os humanos não precisam vestir uma máscara de “bom cidadão” e nem praticar boas ações para melhorar a visão de como todos os enxergam, eles são livres para exibirem sua natureza que normas sociais, religião e leis os forçam a esconder. Por isso, Rocha nos conta que se houvesse um parque desse tipo nos dias atuais, as pessoas provavelmente iriam se descobrir ali, o meio em que elas estariam inseridas permitiriam que elas pudessem fazer tudo o que foi impedido na vida real, portanto, assim como o personagem “Homem de Preto” afirma na série, Abner concorda que o parque intensificaria o que as pessoas realmente são.

A série teve o seu último episódio exibido em dezembro de 2016. “The Bicameral Mind” trouxe respostas para os espectadores ao mesmo tempo em que implantou novas dúvidas. O público terá bastante tempo para discutir a série e criar teorias para a segunda temporada, já que ela só volta em 2018. Até lá, ficamos com os questionamentos que a série nos deixou. Afinal, questionar é existir, não é mesmo?

POP UP! | 35


SÉRIES

SUPERSÉRIES TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: RAFAEL GUIMARÃES / IMAGENS: DIVULGAÇÃO (1) REPRODUÇÃO (2)

A

data era 28 de fevereiro de 1983. Às oito horas da noite do horário da costa leste americana, o sistema de esgoto de Nova Iorque registra um aumento de fluxo de 25 milhões de litros, equivalente a cerca de um milhão de pessoas indo ao banheiro ao mesmo tempo na cidade. No relatório sobre o caso que causou danos ao sistema de esgoto da cidade, a companhia responsável não tomou muito tempo na investigação para determinar a causa: pessoas apertadas indo ao banheiro após o final do último episódio da série M*A*S*H. Diversos eventos televisivos aconteceram ao longo do tempo, sendo que alguns poucos conquistaram a atenção do público. Finais de Copa do Mundo e as abertura de Jogos Olímpicos podem atrair diversos espectadores, mas são eventos raros, com ocorrência a cada quatro anos. O que atrai as pessoas a assistir uma série televisiva todas as semanas, colocando

tantas delas grudadas na telinha sem perder um capítulo? O brasileiro talvez não tenha problemas para responder. As telenovelas já são antigas conhecidas nossas, algumas tão populares que foram quase unanimidades. Ou foram, como o episódio final de Roque Santeiro, novela de Globo que conseguiu atingir a incrível marca de estar sendo exibida em todos os televisores conectados na hora, segundo os órgãos de estatística da época. Mas agora o brasileiro também está aprendendo a assistir as produções internacionais para televisão, com menos episódios. As séries televisivas já estão presentes no dia a dia do brasileiro há algum tempo. Mas com a possibilidade de escolha de produto e hora de exibição dada pela internet, as séries estão mais populares do que nunca. E algumas delas conseguem, mundialmente, bater os 105 milhões de espectadores que o final de M*A*S*H teve em sua exibição original.

(1)

São as Superséries, fenômenos de audiência que influenciam a cultura pop desde seu lançamento. “As pessoas querem ter um assunto comum”, afirma Paulo Diniz. Ele se auto-proclama um fã profissional de séries. “Acompanho umas doze, atualmente, mas já cheguei a seguir vinte e uma.” Paulo é professor de inglês e há anos levou sua profissão para dentro de seu hobby. Ele é parte de um grupo de fãs que traduz séries logo que são lançadas nos Estados Unidos e Inglaterra e disponibiliza na internet as legendas em português. Apesar do fanatismo de Paulo, ele está longe de ser o único fã brasileiro. O grupo do qual ele faz parte conta com uma equipe de quinze pessoas e traduz atualmente 35 séries. “Mas tem algumas que fazem muito mais sucesso que as outras. Quando a gente solta um episódio de Game of Thrones, nosso site até cai de tanto download. Chega a mais de dez mil. Quando sai legenda de Girls, que é do

(2)

O último episódio de M*A*S*H causou problemas no esgoto de Nova Iorque

36 | POP UP!

Twin Peaks conquistou os críticos, mas não a audiência


S

Seus amigos só falam delas no Facebook. Referências aparecem até mesmo nos jornais. Ninguém consegue escapar das séries de sucesso!

(1)

The Walking Dead: o esmagador sucesso com o público não impede os críticos de massacrarem a série

mesmo canal, se der cem downloads na primeira semana a gente fica feliz”. Não é difícil entender que uma obra faça mais sucesso que outras. Para Thiago Romariz, um dos criadores do site Judao. com.br, o segredo do sucesso é a coragem. “Quando uma série não tem medo de enfiar as caras, de surpreender, de arriscar, de ser única, ela faz sucesso justamente porque quebra paradigmas. Lost, por exemplo, ousou com um roteiro complexo, entrecortado, que ia e vinha, contando e cruzando diferentes histórias de uma porrada de personagens. Quem tinha feito

isso antes, desta forma, tão intensa?” A série Lost, aliás, é um divisor de águas no que diz respeito ao sucesso internacional das séries. Outro membro do grupo de tradução de Paulo, Carlos Eduardo, lembra como foi o sucesso da série entre 2004 e 2010. “Antes de Lost quase ninguém ficava baixando série aqui no Brasil. Mas fazia tanto sucesso que o pessoal não queria esperar a temporada lá fora acabar pro canal que passava aqui poder exibir, o que estava no contrato do canal. Então, quem sabia inglês baixava.” A série era cheia de elementos de mistério

e suspense, e os fãs se reuniam em fóruns online para discutir. “Quem não sabia inglês queria poder ver também. Então algumas pessoas começaram a tentar traduzir, e assim surgiram os primeiros grupos de fãs pra criar legenda.” Outras séries anteriores fizeram sucesso semelhante antes ao tentar mudar os paradigmas e a forma como se faz algo para a mídia. Arquivo X e Twin Peaks, na década de 90, brincavam com a imaginação do público ao apresentar mistérios e conspirações. Enquanto a primeira foi um sucesso de público e durou

POP UP! | 37


SÉRIES Três superséries para assistir na Netflix (1)

Lost marcou época com suas seis temporadas, apesar de seu final não ter agradado a todos (1)

Arquivo X tinha um arco que durou a série inteira dividindo espaço com histórias que acabavam em um episódio (2)

24 Horas inovou por ter cada temporada representando um único dia da vida do agente Jack Bauer nove temporadas antes de voltar para uma décima em 2016, a segunda foi um assombroso sucesso de crítica e se tornou objeto de culto. Se a coragem parece ser a fórmula do sucesso, nem sempre qualidade é uma característica exigida. Muitas séries execradas pela crítica fazem grande sucesso com o público nos dias de hoje. Entre os principais alvos dos críticos estão séries

38 | POP UP!

como The Big Bang Theory e The Walking Dead. “Pode ajudar a propagar um hype? Claro que pode. Mas quando uma série ‘pega’, ela ‘pega’ e ponto final.” Comenta Thiago. “Não importando a qualidade, como falei lá em cima. A discussão não é bem esta, se faz bem ou faz mal.” Fazendo bem ou mal, sendo boas ou ruins, as séries ganham cada vez mais renome e espaço na cultura global,

atraem cada vez mais dinheiro e chamam a atenção de artistas de renome que passam a procurar a televisão em busca de aclamação. A mais recente série de sucesso do canal HBO, Westworld, criada por Jonathan Nolan, roteirista de cinema com sucessos como Amnésia e Interestelar no currículo, tem entre seus protagonistas o doutor Robert Ford, interpretado pelo aclamado Anthony Hopkins.


ANÚNCIO


SÉRIES

A cidade onde apenas eu não existia

Foto: divulgação

Sucesso de 2016 trouxe a tona temas relevantes pouco discutidos TEXTO: LUCAS OCTAVIANO CINCHETTO/ DIAGRAMAÇÃO: MARIA BEATRIZ DOS REIS

D

ois mil e dezessete começou e com o novo ano, também se iniciou a nova leva de animes para a televisão japonesa. A temporada de inverno, como é conhecida, é considerada por muitos como a mais fraca do ano em qualidade de enredo. Nesse ano porém, o retorno de animes que fizeram sucesso como Ao no Exorcist e Kono Subarashii Sekai ni Shukufuku wo! , prometem esquentar a temporada. U m a g r a n d e q u e s t ã o q u e s u rg e é se as segundas temporadas desses animes ou se outros lançamentos, irão conseguir o sucesso que Boku Dake Ga Inai Machi (Erased, para o ocidente), alcançou na temporada de

40 | POP UP!

inverno 2016 e que se estendeu para as outras levas de animes, ficando entre os melhores do ano passado. Aplaudido e criticado por muitos, Erased abordou, em meio a temas já conhecidos pelos japoneses, enredos que são pouco convencionais ou pouco explorados nas produções televisivas, tanto japonesas quanto ocidentais. A história de Boku Dake Ga Inai Machi, a tradução é algo em torno de “A cidade onde apenas eu não existia”, se ambienta em dois tempos, a vida adulta e a infância do personagem principal, Satoru Fujinuma. De autoria do mangaka Kei Sanbe, e história adaptada para animação através do estúdio A-1 Pictures (Ao

no Exorcist, Sword Art Online, Magi, N a n a t s u n o Ta i z a i ) , a a n i m a ç ã o s e mostra impecável em quesitos técnicos do começo ao fim. Em um primeiro momento os telespectadores são apresentados para um “fenômeno” que está presente na vida de Satoru, o Revival. É através desse “fenômeno” que história terá seu inicio. O Revival é responsável p o r f a z e r c o m q u e o p ro t a g o n i s t a consiga voltar no tempo, geralmente por alguns momentos, para evitar alguma tragédia. O “poder” age inconscientemente e se desenvolveu ao longo da vida de Satoru. Pois bem, depois que entendemos o funcionamento do Revival, somos apre-


na cena e logo o incrimina. Ele foge e nesse momento o Revival é ativado, só que dessa vez leva Satoru de volta á sua infância, algum tempo antes do desaparecimento das crianças em sua cidade. Ele agora é um adulto preso em um corpo de criança. O anime continua seu desenrolar com Satoru tentando evitar que sua colega de classe Kayo seja pega pelo assassino, e começa a tentar entender o mundo da garota e pensar em soluções para o problema. Kayo é uma dos personagens mais cativantes do anime, e é justamente sua história a mais triste. Com a proximidade com Kayo, Sobaru passa a descobrir coisas que não havia prestado atenção em sua infância. A menina sofre violência domestica em sua casa. Sua mãe é negligente e pratica violência física e psicológica contra a garota. Para fugir de sua realidade, Kayo fica longe de sua casa o maior tempo possível. É ela a responsável por dar o título a historia.

Erased vale a pena? N o d e c o r re r d a a n i m a ç ã o somos apresentados a diversos desfechos. Grande parte das críticas negativas, se baseiam no maior mistério do anime. Que na verdade não é tão mistério assim: quem é o seqüestrador/assassino de crianças? É verdade que nesse ponto, qualquer um que preste atenção aos detalhes irá conseguir descobrir. E nesse caso, alguns telespectadores vão se decepcionar ao saberem que estavam certos o tempo todo. Porém o anime é muito mais do que um seinen de investigação. Ele trata das relações de confiança entre os personagens. E embora isso seja comum em animes, Erased traz isso de uma maneira sensível que cativa o público. A relação de Satoru com sua mãe é bem desenvolvida

e cria uma dualidade com a relação que Kayo tem com sua família. Enquanto do lado do protagonista a mãe é carinhosa, ente e apóia o filho, do lado de Kayo a mãe a detesta e abusa da garota. Um dos desfechos do anime é inclusive o confronto entre Sachinko e a mãe de Kayo. O laço entre mãe e filho poré tem seu ponto forte nos capítulos finais do anime, quando Satoru sofre um acidente e fica em coma e é mostrado que sua mãe desiste de tudo para cuidar do filho, sem perder a esperança. As outras p e s s o a s que estão ao redor de Satoru também são necessárias para ajudar a evitar as tragédias. Desde os amigos de escola enquanto criança, que ajudam Satoru a evitar os seqüestros. Kanya Kobayashi, um deles, com uma inteligência acima da média, também é bom observador. É ele quem ajuda Sobaru a ver a verdadeira tragédia que é a vida de Kayo. Airi Katagari, sua amiga de

POP UP! | 41

Foto: divulgação

sentados a vida de Satoru, um escritor de mangás fracassado que trabalha fazendo entregas para uma pizzaria. No meio de suas entregas ele salva pessoas de um acidente depois que seu “poder” é ativado e acaba sofrendo um acidente no lugar. Nesse momento outra personagem é apresentada Sachinko Fujinuma, a mãe de Satoru. Ela volta a cidade para cuidar do filho e com ela, trás lembranças de um acontecimento do passado, que teve influência na vida de Satoru quando criança. Essa lembrança diz respeito ao desaparecimento de algumas crianças na cidade, entre elas, colegas de classe de Satoru, em especial Kayo Hinazuki. O suposto assassino dessas crianças está para pegar pena de morte, ele era um conhecido de Satoru e sempre negou as acusações. Satoru se tente culpado pela morte de Kayo, pois ele foi a última pessoa a vê-la com vida, em um parque da cidade. Na ocasião ele pensou e chamar a garota para irem juntos para casa mas acabou não seguindo seu pensamento. Em uma ida ao mercado, Satoru tem um Revival e pede a ajuda da mãe para tentar descobrir o que há de errado. Ele não consegue perceber nada, mas sua mãe vê um homem que tinha saído do mercado com uma criança, partir sozinho com o carro após perceber que Sachinko estava olhando. É esse momento que da sequencia ao desenrolar da história. Satoru e a mãe vão para casa, Satoru sai da casa para o trabalho. A mãe percebe que conhece o homem que partiu com o carro e que ele pode estar ligado ao desaparecimento das crianças que aconteceu no passado. Antes que consiga avisar o filho, ela é assassinada dentro da casa. Satoru chega e encontra a mãe morta, a polícia foi acionada por alguém e encontra Satoru


trabalho no tempo presente, é quem ajuda o homem no tempo presente em sua fuga e na tentativa de descobrir quem é o assassino.

Sequestro, assassinato de crianças e violência domestica em um anime?! O tema é complexo, principalmente quando retratado em um anime. Erased é classificado como Seinen, um gênero para jovens e adultos no Japão, mas não é por ter uma classificação que ele não será visto por outras crianças, seja no oriente ou ocidente. O desaparecimento de crianças e adolescentes chega a números espantosos. No Brasil, cerca de 40mil crianças e adolescentes desaparecem a cada ano. A grande maioria não é

42 | POP UP!

encontrada. Ou tem um fim trágico. Em 2014 números do Disque Direitos Humanos apontaram que cerca de 91mil crianças sofrem algum tipo de violação de direitos em seus lares. 74% negligência, 49% violência psicológica, 43% violência física e 25% violência sexual. As crianças que chegam a passar por violência sexual, passam por outros tipos de violência e negligência. Com números alarmantes em nosso país, Erased passa de apenas uma história cativante. Ele passa a dar visibilidade a assuntos sérios. E que muitas vezes não são abordados de maneira tradicional. Muitas vezes as pessoas não percebem os sinais da violência, ou preferem não perceber, e acabam encarando a realidade quando já é tarde demais para a criança. Essa é uma das lições

que o anime busca ensinar, através da jornada do protagonista. Sobaru não busca deter o assassino par que o Revival desativado e ele volte ao normal. Ele busca salvar as pessoas ao seu redor que ele não conseguiu salvar em sua primeira chance. Não apenas dos assassinatos, mas da violência e tristeza que elas enfrentam. O anime busca mostrar que o arrependimento “E se...” (E se eu tivesse feito isso, E se eu tivesse conversado com aquela garota, etc.) pode ser evitado tomando atitudes no presente. A história tenta desesperadamente avisar as pessoas que elas não devem se omitir e sim prestar atenção aos outros que estão ao redor e ajuda-lós. Pois diferente de Sobaru, as pessoas não irão ter outras chances para refazer o passado e evitar tragédias.

Foto: divulgação

SÉRIES


O SILENCIAMENTO DA EROTIZAÇÃO INFANTIL Como meninas são retratas em ensaios fotográficos e campanhas publicitárias

POP UP! | 43


SÉRIES

Um dos maiores sucessos do ano de 2016 é a série de suspense e ficção científica Stranger Things, realizada pela Netflix, provedora mundial de filmes e séries de televisão via streaming. Criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer, a história se passa em 1983 e traz referências a vários elementos culturais da década. Steven Spielberg, John Carpenter e Stephen King são inspirações para o processo criativo da série, que carrega um clima nostálgico desde a trilha sonora repleta de sintetizadores até cenário , maquiagem e figurino. A trama se passa na cidade de Hawkins, Indiana, e conta a história da busca por Will, um garoto que desaparece misteriosamente. Ao embarcarem nesta difícil missão, os amigos de Will encontram pelo caminho Eleven, uma menina estranha que possui poderes tele cinéticos. Stranger Things recebeu críticas muito favoráveis e detém atualmente nota 9 de 10 no IMDb (Base de Dados de Filmes na Internet). Eleven, interpretada por Millie Bobby Brown, é construída a partir de uma mistura de referências, dentre elas Carrie – A Estranha (Stephen King) e E.T. – O Extraterreste (Steven Spielberg). A personagem fez tanto sucesso que se tornou fantasia em festas de halloween e em conferências de entretenimento pelo mundo todo, como a Comic Con Experience. Logo após o lançamento da série e a boa receptividade do público, Brown estrelou a capa da revista Interview em um visual punk com direito a editorial e entrevista especial. No ensaio fotográfico, a atriz posa com roupas no estilo punk e rock, com maquiagem acentuada e cabelo arrepiado. Um fato que chama atenção é que o conjunto de poses, o figurino e a maquiagem escolhida faz com que a atriz pareça ser mais velha do que realmente é. Millie Bobby Brown tem 12 anos. O papel que interpreta na série não abre espaço em nenhum momento para erotização. No entanto, além do fato de que nas fotos a atriz aparenta ser mais velha, algumas poses em nada representam o comportamento de uma garota de sua idade.

44 | POP UP!

TEXTO: LARA PIRES/ DIAGRAMAÇÃO: LARA PIRES/ FOTOS: MIKAEL JANSSON

A quadrinista Renae De Liz, que tem trabalhos publicados pelo New York Times, ensinou recentemente em seu facebook como desenhar personagens femininas sem erotizá-las. Olhos semicerrados, boca aberta, mordendo algum objeto e dedo na boca são características que seriam excluídas das personagens. No ensaio, há pelo menos uma foto em que a atriz se encontra nessas poses, inclusive na foto de capa da revista. A advogada Tamara Amoroso, mestre em Direitos Humanos pela USP e especialista em direitos da mulher e da criança afirma que, no caso de Millie Bobby Brown, não há uma erotização explícita se comparada ao nível dos casos no Brasil. No entanto, a representação da atriz traz uma estética de mulheres adultas. “12 anos é uma fase

de transição para a adolescência. As fotos mostram uma criança com poses de uma mulher. A atriz, como pessoa pública, torna-se um exemplo para as meninas. Quando uma adolescente é representada de forma adulta, engloba-se a dimensão da sexualidade de uma forma também adulta. E o processo de descoberta é antecipado”, Millie Bobby Brown não é, definitivamente, a primeira atriz a ser fotografada dessa forma. Fazer com que crianças, principalmente garotas, pareçam mais adultas é um problema de décadas dentro da cultura pop. Um exemplo é a atriz Brooke Shields, fotografada aos 10 anos de idade completamente nua, com o corpo coberto de óleo e em poses sensuais. Dois anos depois, a atriz interpretou uma


Doze anos é uma fase de transição para a adolescência. As fotos mostram uma criança com poses de uma mulher. A atriz, como pessoa pública, torna-se um exemplo para as meninas.

prostituta de 12 anos no filme “Pretty Baby – Menina Bonita” (1978). Um outro exemplo mais recente é um ensaio fotográfico intitulado “Sombra e Água Fresca”, realizado pela revista Vogue Kids Brasil, em uma edição infantil de 2014, em que meninas menores de idade estão de biquíni em poses sensuais. Em menos de um mês, a revista foi retirada de circulação por decisão judicial. Na publicidade, outro caso a se destacar

é uma campanha realizada pela marca de roupas infantis para meninas, Lilica Ripilica, em que uma menina com aparentemente com 4 ou 5 anos de idade é apresentada em um outdoor deitada em um divã, com saia e pernas levemente cruzadas à mostra. Com um semblante sério, a menina possuía um doce na mão e a boca suja de creme branco. A imagem vinha acompanhada pela frase “Use e se lambuze”. O Instituto Alana, responsável pela fiscalização do bem-estar

da criança e do adolescente entrou com uma ação contra a empresa, e após uma longa briga judicial, a marca foi condenada a pagar 20 mil reais ao Estado de Santa Catarina, local onde a campanha foi veiculada. Esse tipo de representação na mídia pode causar problemas irreversíveis no desenvolvimento de uma criança. As meninas crescem e aprendem que para serem aceitas precisam ser bonitas, sensuais e aparentar ter mais maturidade e idade

POP UP! | 45


SÉRIES

As meninas crescem e aprendem que para serem aceitas precisam ser bonitas, sensuais e aparentar ter mais maturidade do que realmente têm.

Capa da Interview Magazine, na edição do ensaio de Millie Bobby

do que realmente têm. De acordo com os oitos estágios psicossociais propostos pelo psicanalista Erik Erikson, o ser humano recebe e exerce influência com o meio externo em sua formação. A vivência social afeta o desenvolvimento de uma criança, já que é a partir da interação desta com o mundo que a identidade é formada. Além da deficiência na formação identitária e do auto estima infantil, um outro problema alarmante dentro deste cenário é o espaço que a erotização infantil abre para a pedofilia. De acordo com o Ipea (Instituto de pesquisa econômica aplicada), 70% das vítimas de estupro em 2001 eram crianças e

46 | POP UP!

adolescentes. Em 2007, um estudo realizado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo concluiu que 63% dos pais de filhos de mães adolescentes são maiores de 21 anos de idade. A ONG Think Olga mobilizou na internet em 2015 a campanha “Meu Primeiro Assédio”, em que mulheres contavam relatos em suas redes sociais de assédios que sofreram ainda quando crianças. A campanha teve início após uma participante de apenas 12 anos, do programa culinário “MasterChef Júnior”, da Rede Bandeirantes, ser alvo de assédio na internet com inúmeros comentários pedófilos. Após analisar todos

os relatos, a ONG concluiu que a idade média em que uma menina sofre o primeiro assédio é 9,6 anos. A representação infantil na cultura pop é importante para a educação das crianças, adolescentes e adultos. Ela ajuda na formação do caráter e da auto-imagem. É necessário que se elimine qualquer abertura para a distorção da imagem de meninas, crianças e adolescentes e que se previna a antecipação de fases, tanto em editoriais de moda, quanto em séries, filmes e quadrinhos. Além disso, qualquer forma de combater a pedofilia é imprescindível dentro do cenário atual.


FREAKS AND GEEKS a s é ri e qu e ( qu a s e ) n i n gu ém vi u TEXTO: GABRIELA RAVAZZI / DIAGRAMAÇÃO: LARA PIRES / FOTOS: DIVULGAÇÃO

POP UP! | 47


SÉRIES

Tirando o foco dos quarterbacks e garotas populares, os incompreendidos têm seu lugar garantido aqui

S

e você nunca ouviu falar de Freaks and Geeks não se preocupe, você não está sozinho. Criada em 1999 por Paul Feig com a produção de Judd Apatow, a produção é mais uma daquelas séries brilhantes que acabaram cedo demais. Cancelada ainda na metade da primeira temporada, só foi concluída graças a uma super campanha feita pelos fãs. Num subúrbio fictício de Detroit (Michigan) nos anos 80, acompanhamos a vida dos irmãos Weir, Lindsay (Linda Cardellini) e seu irmão mais novo Sam (John Daley), em suas experiências no colegial. Nos primeiros episódios da série, é apresentada a transição da personagem Lindsay: uma aluna nota dez de excelente comportamento para uma inexperiente rebelde que tenta se adaptar aos novos amigos politicamente incorretos, os freaks.

48 | POP UP!

Atleta do time de matemática da escola, Lindsay muda radicalmente após a morte de sua avó. Ela começa a se relacionar com um grupo de alunos despreocupados com o futuro, que matam aula, usam drogas, cometem pequenos delitos e são mal vistos por não levarem a escola à sério, esses alunos são conhecidos como freaks. Daniel (James Franco) é o galã do grupo, amigável e perigoso, aparenta gostar de Lindsay, assim como Nick (Jason Segel), baterista e fã de John Bonham do Led Zeppelin. “Eu acredito em Deus, cara. Eu vi e senti seu poder. Ele toca bateria no Led Zeppelin e o nome dele é John Bonham, baby!”, afirmou Nick, que ficou mais de uma semana arrasado quando Bonham morreu. Ken (Seth Rogen) é o rebelde sarcástico e mal humorado, e Kim Kelly (Busy Phillips) é uma garota durona, que não pega leve com

Lindsay (nem com ninguém). No meio de uma crise de identidade e incompreendida pelos pais e pelos velhos amigos, como a doce e inocente Millie (Sarah Hagan), suas novas atitudes geram alguns desentendimentos em sua família. Para o pai de Lindsay, qualquer atitude mal tomada é uma questão (hilária) de vida e morte, e Sam não consegue entender porque sua irmã está “jogando sua vida fora”. No time dos geeks, e com muito orgulho, está o calouro Sam. Dividido entre a infância e a adolescência, Sam sobrevive no colegial ao lado de seus fiéis escudeiros: Bill (Martin Starr), nerd desengonçado e esquisito; e Neal (Samm Levine), que mais parece um bancário em miniatura do que um garoto de 14 anos. Perseguidos e humilhados justamente por serem geeks, o brilho da série está nesses três amigos que tentam


escapar das situações mais constrangedoras do colegial: serem zoados por causa do corpo ainda infantil, decidirem entre continuar na infância ou jogar fora toda sua coleção de carrinhos, não entender piadas de conotação sexual, estarem apaixonados pela menina mais bonita da escola e descobrirem que “nem sempre as pessoas bonitas são legais”. A inspiração para a série foi a própria vida do criador Paul Feig e tudo o que se passou aconteceu de fato com ele ou com outros participantes do elenco. E pode acontecer com qualquer pessoa. O colegial pode ser um grande laboratório de experiências traumáticas, especialmente quando você não consegue se encaixar nos padrões estabelecidos. E o que Freaks and Geeks quer nos mostrar é, que não se encaixar em lugar nenhum não tem problema. A série está disponível na Netflix e no Youtube.

CURIOSIDADES Freaks and Geeks lançou a carreira dos freaks Jason Segel, Seth Rogen e James Franco (que já tinha licença poética para aparecer “aparentemente” chapado na maior parte do tempo). A maior parte do orçamento da série foi gasta com música. Mais de 120 partes de músicas tocaram ao longo dos 18 episódios, incluindo Bad Reputation de Joan Jett na abertura. Van Halen, KISS e The Who foram algumas participações da trilha sonora (que não saiu barata). Apesar de se passar em Michigan, todos os episódios foram gravados em Los Angeles e poucos foram gravados ao ar livre: queriam dar a mesma impressão do meio-oeste americano, com luzes amareladas fortes e opacas. John Daley, o Sam, é o único ator que tinha a mesma idade de seu personagem na época das gravações: 14 anos. Antes de chegar à metade dos episódios a série já havia sido cancelada pela NBC por falta de audiência. O último episódio Discos and Dragons foi escrito e gravado no meio da temporada.

POP UP! | 49


SÉRIES

INFOGRÁFICO TEXTO, DIAGRAMAÇÃO E INFOGRÁFICO: BRUNA HIRANO

50 | POP UP!


A sétima temporada de The Walking Dead está a todo vapor! Pra entrar na vibe, a POP UP! criou um infográfico informativo pra você conseguir sobreviver caso o apocalipse zumbi saia das telinhas, imagina só! Fique com as nossas dicas:

POP UP! | 51


SÉRIES

Hello, mother!

Uma análise psicológica da série que trouxe Norman Bates de volta para os holofotes

TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: MARIA BEATRIZ DOS REIS

E

m 1960, o diretor Alfred Hitchcock trouxe para as telas do cinema o suspense/horror conhecido como Psicose, que apresentou Norman Bates, personagem de Anthony Perkins que era obcecado por sua mãe, Norma. Bates Motel chegou em 2013, como uma espécie de prólogo do filme, pelas mãos de Carlton Cuse (Lost, The Returned, The Strain), Anthony Cipriano e Kerry Ehrin (Friday Night Lights) e exibida pelo canal A&E. Na série, Norma (Vera Farmiga) acabara de adquirir um motel em uma cidade de costeira chamada White Pine Bay, localizada no estado de Oregon, nos Estados Unidos, para que ela e Norman (Freddie Highmore) possam começar uma nova vida. Ambos os personagens são envolvidos em uma atmosfera muito diferente da que se vê usualmente entre mães e filhos. A entrevista a seguir traz uma visão psicológica da série e seus personagens pelos olhos do psicólogo Raphael Bernardes, 25 anos, especializado em Psicologia da Saúde. PopUP! - Como você enxerga a relação entre Norman e sua mãe? Tanto em Bates Motel, quanto em Psicose, é mostrado a relação dos dois como algo simbiótico. Em vários momentos da série, a mãe se mostra invasiva em relação a privacidade e o desenvolvimento dele, tanto a respeito de ele se relacionar afetivamente com outras pessoas, quanto à adolescência pela qual ele está passando. Isso mostra que não há uma diferença muito grande entre o “eu” e o “ela”, assim como acontece em

52 | POP UP!

alguns surtos quando ele passa a falar e até se vestir como se fosse a mãe. Não existe muita separação entre o que é o desejo dele e o desejo dela. PopUP! - Você acredita que exista alguma forma de incesto na relação dos dois? O incesto, da forma como é trabalhado em algumas áreas da Psicologia, não necessariamente tem uma passagem ao ato. Então, a própria relação simbiótica já diz respeito a algo muito mais complicado, que poderia ser analisado através do Complexo de Édipo. Se pensarmos por esse ponto, existiria uma relação incestuosa no nível simbólico, pois há uma invasão constante do outro, que pode ser até, como mostrado em algumas cenas, em um contexto sexualizado. PopUP! - Como você analisaria ambos os personagens separadamente? Dentro da Psicanálise, o Norman não é classificado nem como sociopata, nem psicopata. É muito comum associar a capacidade de cometer crimes com alguma dessas estruturas, mas isso não está relacionado. Ele é um psicótico, o que significa que ele tem um rompimento com a realidade em algum nível. Na psicose, a realidade é cindida, ou seja, o indivíduo cria um delírio, uma espécie de fantasia na qual os desejos dele vão sendo realizados. O próprio filme Psicose traz essa questão do sujeito que é invadido pelo outro. Sig-

mund Freud, criador da Psicanálise, coloca que o psicótico tem um “inconsciente a céu aberto”. Em outras estruturas, todos os desejos que vão surgindo ao longo do desenvolvimento, inclusive o desejo do incesto já mencionado, são reprimidos e guiados a outros destinos. No psicótico, por conta do “inconsciente a céu aberto”, não existe essa repressão. Ainda não se passa ao ato em si porque o indivíduo tem um vínculo com a realidade, então ele cria delírios para realizar seus desejos. Uma interpretação, dentre muitas, é o fato de que ele se veste da mesma maneira que a mãe como forma de realizar um desejo dentro da relação que ele construiu com ela. PopUP! - Qual efeito esse tipo de série causa no espectador (já que, muitas vezes, esse tema está associado a serial killers)?


Se Dexter: Morgan (Michael C. Hall) é adotado ao-

você Gostou de bates to Fo s:

motel, também

três anos de idade por Harry (James Remar) e Doris (Kathrin Middleton), depois de ter se tornado órfão. Após detectar sua tendência homicida, o pai de Dexter decide ensinar a ele um código no intuito de canalizar a raiva do filho para situações mais propícias à violência. Nesta nova lógica, Dexter deve matar apenas assassinos de pessoas inocentes com a condição de provar sua culpa.

The Following: Joe Carroll é um assassino diabólico que admira a obra de Edgar Allan Poe. Ele usa a tecnologia e sua inteligência para criar um culto de serial killers, todos ligados uns aos outros e espalhados por todo os Estados Unidos. O ex-agente do FBI Ryan Hardy, que o caçou e o capturou no passado, é forçado a voltar ao trabalho após sua fuga de prisão.

ão

ulg

Div

pode gostar DE: A questão da influência desse tipo de série sob o espectador é a mesma discussão que se tem sobre jogos ou filmes de violência. Existem algumas formas de se pensar esses efeitos: alguns dizem que isso pode instigar mais violência, e outros dizem que isso pode servir como válvula de escape. Não existe uma resposta concreta sobre o impacto de uma séria, o que se pode pensar é como um indivíduo vai se desenvolvendo na medida em que as histórias são incorporadas por ele, lembrando que cada indivíduo tem uma resposta diferente para uma situação. Em relação à Bates Motel, eu acredito que não seja promovido nenhum tipo de violência, por mais que hajam assassinatos. Ela traz uma questão importante que diz respeito

à violência que a própria mãe sofreu e qual resposta ela vai dar para as violências que volta a sofrer. Não é mostrado simplesmente alguém que cometeu um crime, existe uma pessoa e uma história por trás daquilo. PopUP! - Psicologicamente, por que esse é um tema que atrai tanto o público? Eu acredito que essas séries chamam a atenção por trazerem questões que não são comumente vistas e pela forma como elas são colocadas. O mistério, a curiosidade do público para entender porque aquele personagem age daquela forma, torna-se instigante para o espectador. Quando se vê na mídia conteúdos que dizem respeito à algum distúrbio, é sempre de uma forma muito esteriotipada; é difícil existir uma conversa so-

Hannibal: Will Graham é um investigador do FBI que tem o talento de se inserir nas cenas de crimes e visualizar exatamente o que aconteceu. Tal capacidade ajuda a solucionar muitos casos, mas também exige muito dele, obrigando-o a se consultar com o psiquiatra Hannibal Lecter. Mal sabe Graham que o Dr. Lecter não é um psiquiatra comum.

bre esse tema que traga essas questões para o cotidiano e as séries têm trazido um pouco sobre isso. Historicamente, as pessoas com transtornos mentais sempre foram excluídas da sociedade, pouco se falava sobre isso e as explicações que eram dadas estavam relacionadas com um contexto cultural muito específico. Hoje em dia, ainda existe muito desse conteúdo sendo colocado, mas já é possível ver essa questão de forma mais científica, médica, filosófica e ética. A quinta e última temporada da série estreou em fevereiro e traz a cantora Rihanna no papel da personagem Marion Crane, da célebre cena do chuveiro imortalizada em Psicose.

POP UP! | 53


SÉRIES

´

COMO O HIP HOP AJUDA A CONTAR A HISTORIA DE

LUKE CAGE A identidade musical é uma característica predominante em histórias da Marvel

TEXTO: GABRIELA RAVAZZI / DIAGRAMAÇÃO:LARA PIRES/ FOTOS: DIVULGAÇÃO Luke Cage, Hero for Hire apareceu pela primeira vez nas histórias da Marvel em 1972 e foi o primeiro herói negro americano a protagonizar uma história em quadrinhos. Luke ganhou vida décadas depois, apenas em 2016, na terceira série do universo Marvel produzida pela Netflix (as produções anteriores foram Demolidor e Jessica Jones, respectivamente). Fruto da cultura blaxploitation (subgênero cinematográfico protagonizado por e para negros), Luke Cage, nascido Carl Lucas, é cria do bairro nova-iorquino do Harlem. Apesar de recusar a alcunha de super-herói, Luke não consegue ficar longe dos problemas do bairro e resolve tudo com seus super poderes: força sobrenatural e pele impenetrável – Luke é, literalmente, à prova de balas. O Harlem é uma peça chave na construção da identidade da série. Historicamente conhecido por ser um grande centro cultural e comercial afrodescendente,

54 | POP UP!

também é a casa de diversos rappers que fizeram história, como Notorious B.I.G, por exemplo. Todos os treze episódios da série levaram nomes de músicas do duo Gang Starr, além de contar com a participação de diversos nomes do hip hop, jazz e R&B: Raphael Saadiq, Faith Evans, Jidenna, entre outros, se apresentaram na boate do vilão Cornell Stokes, Harlem’s Paradise. Além disso, o rapper Method Man (membro do grupo Wu Tang Clan) compôs uma música especialmente para Luke, “Bulletproof Love”. O criador e produtor da série, Cheo Hodari Coker, queria que cada episódio soasse como um álbum e que fosse possível entender, através da música, o que se passava na série. É quase impossível pensar o contexto da série sem fazer referência aos preconceitos raciais e socioeconômicos enfrentados pelos negros ao longo dos anos. Se super-heróis são definidos pelas roupas que usam (como os playboys Batman e Homem de Ferro,

por exemplo), Luke Cage faz jus a um problema constante da história americana em particular: a perseguição racial - em um dos episódios Luke é parado por policiais justamente por ser negro usando um capuz. Sua roupa é uma referência direta ao movimento Black Lives Matter (“vidas negras importam”) e ao assassinato do estudante negro Trayvon Martin, alvejado por um segurança branco em 2012. Para o DJ e fã de hip hop, João Daniel, “o melhor da história é que ele não é nenhum alienígena que caiu em nosso planeta por acaso como o Super-Homem, não é um playboy com recursos infinitos como o Homem de Ferro. Ele é uma pessoa comum, que tem um emprego, gosta de flertar com as mulheres e tem problemas em pagar o aluguel”. Além de tratar de um grande problema social, a série também faz uma bela homenagem à cultura hip hop e ajuda a construir a história de Luke – e de tantos outros negros de capuz.


Quando penso sobre o que está acontecendo no mundo agora, penso que o mundo precisa de um negro à prova de balas – Cheo Hodari Coker

– Luke Cage foi criado nos anos 70 e, mesmo assim, a série produzida pela Netflix faz muito sentido nos dias atuais, o que significa que pouca coisa mudou de lá pra cá. O que o fato de um homem negro à prova de balas diz sobre o momento atual de nossa sociedade? Pop Up!

~

– Com toda violência policial que aconteceu nos últimos anos, principalmente nos Estados Unidos, o seriado faz muito mais sentido ser passado nos dias de hoje. O contexto é ainda mais forte do que nos anos 70. Acredito que isso é um tópico que o seriado acertou em cheio: como um homem simples como qualquer outro tem o poder pra mudar tudo e todos em sua volta, em um lugar que muitos acreditam ser um lugar sem esperança. Joao Daniel

– Cheo Hodari afirmou que a série nunca teve uma agenda militante e não tinha em mente essa perspectiva. Pop Up!

No entanto, “você não pode ser um superherói negro, num contexto urbano, sem estar em contato com o que os caras estão passando”, afirma Cheo. Para ele, é importante que as crianças negras se vejam representadas por super-heróis, “na verdade, é importante para todos nós”. De que forma Luke ajuda a moldar o imaginário de crianças e adolescentes que não se sentem representados em produtos audiovisuais?

~

– Sempre que vejo em um filme ou seriado um personagem negro, eu consigo me conectar mais ainda, e com Luke Cage não foi diferente. Ver um seriado sobre um negro da periferia que ganha poderes e fica à prova de balas e ainda de quebra tem um vilão fissurado em Notorious, é realmente um prato cheio para negros que querem se sentir representados. E o melhor da história do Luke Cage é que ele não é nenhum alienígena que caiu em Joao Daniel

nosso planeta por acaso como o SuperHomem, não é um playboy com recursos infinitos como o Homem de Ferro. Ele é uma pessoa comum, que tem um emprego, gosta de flertar com as mulheres e tem problemas em pagar o aluguel. Acho que isso deixa o personagem ainda mais profundo, e causa uma conexão mais fácil com a audiência, seja ela negra ou não. – Cornell “Boca de Algodão” Stokes, um dos vilões da série, é um músico frustrado que vira gangster contra sua vontade. De que maneira a história de Cornell é também a história de vários meninos que, sem saída, entram para o mundo do crime? Pop Up!

~

Joao Daniel – Muitas crianças foram

seduzidas para o mundo do crime, pois não tinham outra saída. A necessidade de ajudar os familiares com dinheiro acaba sendo mais forte para a maioria, que tem que escolher

POP UP! | 55


SÉRIES

entre um sonho com um futuro incerto, ou se render ao mundo do crime e assim tirar a família de uma situação miserável. O personagem do Cornell também coloca em destaque a questão da glamorização do mundo do crime, onde você terá muito dinheiro, mulheres ao seu redor, roupas de marca e o carro do ano. Quantas crianças entraram no mundo do crime porque a família não pôde dar um tênis ou uma camisa? São várias portas de entrada para este submundo.

– Apesar de Luke Cage ser o personagem principal da série, talvez o maior coadjuvante seja o hip hop. Como o hip hop ajuda a contar a história de Luke e de tantos outros meninos negros periféricos, não só dos EUA, mas também no Brasil? Pop Up!

~

– Acho que poderia ser sem o hip hop como pano de fundo, mas talvez não trouxesse o mesmo nível de imersão que o seriado alcançou. Muitos dos rappers que estão em evidência hoje Joao Daniel

nasceram e cresceram em periferias como as do seriado, em meio ao crime e à violência, e várias de suas músicas são relatos de como eles conseguiram ser “à prova de balas” e sair do mundo de caos que eles viviam. Então o hip hop serve como uma linha guia baseada em fatos reais do que os personagens passam pelo seriado. O local onde o seriado ganha vida e o hip hop acabam se completando, e com uma química que casa muito melhor do que se fosse utilizado qualquer outro estilo musical.

Um homem negro de capuz não é necessariamente uma ameaça, ele pode ser apenas um herói – Mike Colter

56 | POP UP!


´

PERSONAGENS DA SERIE [1] Luke Cage (Mike Colter)

Acusado de um crime que não cometeu, Carl Lucas aceita passar por um experimento científico na prisão para reduzir sua pena. O procedimento é sabotado por um dos guardas e os efeitos da experiência tomam proporções absurdas no corpo de Carl: ele adquire super força e uma pele impenetrável. Carl foge da prisão e muda sua identidade: agora ele é Luke Cage, um homem aparentemente comum que tenta não se meter em confusão. [2] Cornell “Boca de Algodão” Stokes (Mahershala Ali)

Dono da boate Harlem’s Paradise, seu quartel-general, Cornell é um importante traficante de armas do bairro. Entrou para o crime contra sua vontade (seu grande sonho era ser músico e seu ídolo é o rapper Notorious B.I.G.) e, agora, é um dos chefões do Harlem. Cheio de capangas, Cornell tem diversos policiais e políticos no bolso. [3] Mariah Dillard (Afre Woodard)

Política corrupta, Mariah quer trazer uma onda de mudanças para o Harlem, seu bairro natal. Com a ajuda de seu primo, Cornell, ela não mede esforços para conseguir o que quer. [4] Misty Night (Simone Missick)

Policial durona que não desiste de trazer ordem e justiça ao Harlem nos moldes da lei, desconfia de Luke num primeiro momento por causa de sua personalidade misteriosa. Misty é incorruptível. [5] Claire Temple (Rosario Dawson)

Enfermeira profissional e ajudante de super-heróis sempre que possível Claire se desdobra pra ajudar Luke em suas aventuras. A enfermeira se afiliou primeiro a Matt Murdock, o Demolidor, e já conhecia Luke: ela o ajudou a pedido de Jessica Jones. [6] Hernan “Shades” Alvarez (Theo Rossi)

Cumpriu pena na mesma prisão que Luke: era ele quem recrutava os presidiários para o experimento científico pelo qual Luke passou. Após sair da prisão, se tornou o braço direito de Willis Cascavel. Foi ao Harlem a mando de Willis para ajudar nas operações criminosas de Cornell Stokes. [7] Willis “Cascavel” Stryker (Eric LaRay Harvey)

Vilão fissurado em ler e citar a Bíblia, Willis era amigo de infância de Luke e quer vingança a qualquer custo.

[1]

[2]

[3]

[4]

[5]

[6]

[7]

POP UP! | 57


MÚSICA

muito além do gueto

Unindo produções ecléticas a mensagens sociais fortes, o hip hop se firmou como o gênero mais relevante na atualidade

TEXTO: NILO VIEIRA / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

N

ão é de hoje que sons de rap não se restringem mais a seu nicho de origem, as comunidades suburbanas formadas, majoritariamente, por negros. Desde os anos 90, vários artistas do estilo conseguiram emplacar trabalhos entre os mais vendidos da história. Na década seguinte, viria a consagração pela crítica mainstream, com artistas como Eminem, Kanye West e o duo Outkast recebendo vários troféus do Grammy. No entanto, apesar da ár-

58 | POP UP!

dua trajetória, pode-se afirmar que foi à partir de 2010 que o gênero enfim chegou ao trono, de onde ainda não saiu. “O rock permanece popular, mas o apelo maior ainda vem das vacas sagradas”, afirma o jornalista Matias Bernardo. “Enquanto isso, o hip hop cada vez mais nos fornece clássicos assinados por novos talentos”. O uso da palavra clássico não é nenhuma hipérbole, visto que álbuns como To Pimp a Butterfly (2015, Aftermath), de Kendrick Lamar e My Beautiful Dark Twisted

Fantasy (2010, GOOD Music), de Kanye West são menções constantes entre os críticos especializados, tanto sobre os grandes discos do estilo como dentre os melhores desta década em geral. Para Bernardo, a experimentação com outras sonoridades foi fundamental para a expansão do hip hop. Segundo ele, até mesmo vertentes mais radiofônicas do gênero (como o trap) se aventuram. “Você tem aí o Young Thug usando bases de reggae e dub e o D.R.A.M.

pegando ritmos do soul, pra ficar só no ano passado”, explica. Na contramão, grupos de rock atuais que fazem sucesso cada vez mais reciclam clichês do passado, como o Tame Impala e o Arctic Monkeys. “A produção pode ser refinada, mas a estética é puro revival, do som ao visual”, conclui. POR TRÁS DOS GRAVES EXÓTICOS Para entender o ecletismo das batidas do hip hop con-


temporâneo, faz-se necessário retomar três obras-primas. A primeira e mais longínqua é Paul’s Boutique (1989, Def Jam), o segundo álbum do grupo Beastie Boys. Graças ao bom humor e o apreço dos garotos os primeiros brancos a fazerem sucesso no gênero - pelo rock, a produção do disco quebrou muitas barreiras: o uso de samples ganhou maior predominância, e também englobou mais sonoridades - aqui, o leque vai de refrães do Ramones à parte da trilha do filme Psicose (1960). Ainda hoje, impressiona o quão fluídas são as camadas sonoras, sempre andando de mãos dadas com o flow explosivo do trio. Décadas mais tarde, os preceitos de Paul’s Boutique seriam elevados a outro patamar pela dupla formada pelo produtor Madlib e o rapper mascarado MF DOOM. Trata-se do projeto Madvillain e seu único álbum, Madvillainy (2004, Stones Throw), que é tido até hoje como o maior clássico do hip hop “indie” ou até “nerd”. O LP expandiu ainda mais a gama de possibilidades ao incorporar samples de video game, filmes trash de monstros, música erudita e até mesmo clássicos obscuros da música brasileira. O mais impressionante é que a estrutura das canções não é nada convencional: algumas não

possuem nem dois minutos de duração, e a grande maioria não conta com ganchos. Se hoje um artista como Drake coloca pedaços da trilha de Donkey Kong em suas músicas, é graças à tendência lançada por Madvillainy. Enquanto isso, o Outkast chocaria o mundo pop com Stankonia (2000, LaFace) e deixaria sua marca definitivamente. Sucessor do elogiado Aquemini (1998, LaFace), o ambicioso disco foi crucial para o formato dos registros de estúdio de rap mainstream se consolidarem como são hoje; de longa duração (são 73 minutos em 24 faixas), alterna entre composições chicletes para as rádios e peças mais detalhadas - sem nunca soar simplista. Não à toa, o site Pitchfork elegeu o single “B.O.B” como a maior música da década, afirmando que “nós ouvimos quatro minutos de caos desembocando em um desfecho agradavelmente otimista (um ponto reforçado pela reimaginação da bandeira dos EUA na capa, que antecipou uma Casa Branca prestes a ser colorida de preto)”. Stankonia também foi pioneiro ao atacar, em seus versos, temas como a misoginia e o consumismo, e então chegamos ao segundo fator chave da popularidade do hip hop atual: o discurso de denúncia social.

GINGADO CONSCIENTE É fato que o teor de ativismo sempre esteve intrínseco ao gênero, mas a guinada pesada proposta por grupos como Public Enemy e N.W.A. perdeu espaço considerável nas paradas comerciais ao longo das décadas. Todavia, com a efervescência política ficando cada vez mais explícita entre os jovens, a trilha sonora precisava estar de acordo. Assim, a agressividade da dupla Run The Jewels, as histórias de J. Cole e o poder de fogo de Kendrick Lamar entraram em cena. Sem farpas na língua, estes rappers (dentre vários outros) abordam o racismo, abusos policiais e a violência constante contra a população negra em seus trabalhos. Quem imaginou que esta abordagem lírica passaria batida caiu do cavalo: a canção “Alright”, de Kendrick Lamar, foi adotada como tema de protestos nos Estados Unidos em 2015, e até mesmo o presidente Barack Obama cairia nos encantos do baixinho, elegendo “How Much A Dollar Cost” como sua canção favorita daquele ano - e inclusive convidando o rapper para uma visita à Casa Branca logo no começo de 2016. E as conquistas não pararam por aí. J. Cole recebeu disco

de platina por um álbum sem participações especiais, 2014 Forest Hills Drive (2014, Dreamville) e chegaria novamente ao pódio da parada Billboard com o sucessor, 4 Your Eyez Only (2016, Roc Nation). Já Run The Jewels 2 (2014, Mass Appeal) foi unanimidade entre a crítica, com várias menções altíssimas nas famigeradas listas de melhores do ano. O mais interessante dessa história é ver como os novos prodígios impactaram veteranos do estilo, como bem demonstra o mais recente álbum dos pioneiros do A Tribe Called Quest, pioneiros do jazz rap da década de 90. Mesclando sua sonoridade característica à presença de talentos recentes, We Got It From Here… Thank You 4 Your Service (2016, Epic) não apenas comprova a força da mensagem do grupo, como mostra de maneira sublime a recusa do hip hop à inércia política. Para Matias Bernardo, é um caminho sem volta: “com a eleição de Donald Trump, os rappers só tendem a ficar mais explícitos em seus posicionamentos, e isso já afeta o r&b negro também”. Assim, o posto de estilo musical mais popular alcançado pelo hip hop contemporâneo não apenas se revela justo, como necessário - para o gueto e além.

Kendrick Lamar com o ex-presidente Barack Obama: a profecia do OutKast realizada

FOTO: BUSTLE

POP UP! | 59


MÚSICA

POP UP! INDICA: 20 ÁLBUNS PARA ENTENDER O HIP HOP NA DÉCADA ATUAL

FAVORITOS DA CRÍTICA Kanye West - My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010)

Kendrick Lamar - good kid, m.A.A.d city (2012)

Drake - Nothing Was the Same (2013)

Young Thug - JEFFERY (2016)

Future - Honest (2014)

Travi$ Scott - Rodeo (2015)

Denzel Curry - Imperial (2016)

Migos - Culture (2017)

Lil Ugly Mane - Mista Thug Isolation (2012)

Death Grips - The Money Store (2012)

Kanye West - Yeezus (2013)

Danny Brown - Atrocity Exhibition (2016)

Run The Jewels - Run The Jewels 2 (2014)

J. Cole - 2014 Forest Hills Drive (2014)

Kendrick Lamar - To Pimp a Butterfly (2015)

A Tribe Called Quest - We got it from here... Thank you 4 your service (2016)

Clams Casino - Instrumentals

Lil B - God’s Father (2012)

Yung Lean - Unknown Death 2002 (2013)

Lil Yachty - Lil Boat (2016)

TRAP

BARULHENTOS E ESQUISITOS

CRÍTICA SOCIAL

CLOUD

60 | POP UP!


ANÚNCIO

POP UP! | 63


MÚSICA

TEXTO: JOÃO PEDRO FÁVERO / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO Apesar do discurso outsider desde a sua origem nos anos 70 (e que perdura até hoje), o rock pesado e o heavy metal estavam no auge do sucesso na segunda metade dos anos 80, tanto nos Estados Unidos como em outros lugares do mundo. Graças à MTV, muitas bandas que exerciam o chamado “hair metal” (no Brasil, “metal farofa”) estavam fazendo muito sucesso comercial desde o começo da década, com seus clipes passando à exaustão no canal e refletindo na alavancagem de venda dos álbuns. Assim foi com o Mötley Crüe e sua mistura do proto-punk do New York Dolls com o heavy metal, o Def Leppard com refrões chiclete de música pop, até o Bon Jovi com seus teclados em excesso e a aura aproveitada do Journey, dentre inúmeras outras bandas nesse meio. Apesar do sucesso comercial, o estilo já estava sendo diluído. Outros grupos apareceram não oferecendo nenhuma proposta diferente das já apresentadas, incluindo bandas dos anos 70 que se viram tendo de

62 | POP UP!

adotar as novas tendências para continuar fazendo sucesso, como Scorpions, Kiss, Whitesnake e Judas Priest. Nesse cenário, nasce em Los Angeles, da fusão de duas bandas (L.A Guns e Hollywood Rose), o Guns N’ Roses. Sua formação completa se deu em 1986 com Axl Rose (vocais), Izzy Stradlin’ (guitarra), Saul “Slash” Hudson (guitarra), Duff McKagan (baixo) e Steven Adler (bateria). Naquele mesmo ano, essa formação gravou de forma independente o EP Live ?!*@ Like A Suicide, que chamou a atenção necessária da gravadora Geffen para garantir um contrato para o primeiro álbum do grupo. Em março de 1987, começa a ser gravado o álbum Appetite for Destruction, que completa trinta anos e ainda se mantém relevante - além de permanecer como um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos: o número atual é de 30 milhões de cópias vendidas mundialmente. As músicas foram escritas durante o período de shows que a banda fez em no ano anterior, mas

algumas contaram com partes instrumentais já escritas por Slash, McKagan e Adler na época de sua antiga banda Road Crew. Já outras foram escritas por membros separadamente, para serem finalizadas pela banda mais tarde. Um fato curioso é que um dos produtores considerados para o álbum foi Paul Stanley (Kiss), que foi recusado após pedir mudanças na bateria de Steven Adler e no direcionamento das músicas (Stanley queria músicas menos “agressivas” e mais amigáveis às rádios). No final das contas, Mike Clink foi o escolhido como produtor. Dado o som que as bandas de hard rock faziam à época, com guitarras técnicas influenciadas pesadamente por Eddie Van Halen, o Guns N’ Roses pegou totalmente o caminho contrário e foi pela via mais simples, inspirada pelo Aerosmith dos anos 70 (especialmente o álbum Rocks), o punk rock e o sleaze do Hanoi Rocks. Os dois lados do disco em vinil foram divididos tematicamente de acordo com a lírica das músicas: em vez do lado A, temos o lado G (Guns) e


letras sobre violência e drogas, e no lugar do lado B, existe o lado R (Roses), com letras sobre relacionamentos e sexo. Assim, no lado G temos os primeiro singles da banda, “It’s so Easy” e “Welcome To The Jungle”, além de “Mr. Brownstone” e “Paradise City” e no lado R temos “My Michelle”, “Rocket Queen” e “Sweet Child O’ Mine”. As letras de Appetite for Destruction soam, bem por cima em uma primeira análise, como meros hinos de adolescentes rebeldes. Mas observadas mais de perto, algumas passagens soam como um pedido de socorro daquele estilo de vida hedonista que dominava a Los Angeles da época ou como alguém apenas seguindo a corrente, usando o estilo de vida como uma válvula de escape dos abusos sofridos, dominado pela raiva e descontando isso em atos egoístas. O título do álbum foi inspirado na pintura homônima de Robert Williams, que também ilustrava a capa das primeiras edições, mostrando um robô estuprador prestes a ser destruído por outro robô maior, vingando a vítima. Após vários donos de lojas se recusarem a colocar aquela imagem em suas prateleiras, a arte foi alterada pela hoje famosa cruz com os crânios dos cinco membros da banda. Imediatamente no seu lançamento, Appetite for Destruction passou praticamente despercebido. O topo da Billboard

viria apenas um ano depois, apoiado no sucesso dos singles “Welcome to the Jungle”, “Paradise City” e, principalmente, “Sweet Child O’ Mine”, que se tornou um hit das rádios e com seu clipe passando a rodo na MTV. Em 2008, o disco havia alcançado a

marca de 18 milhões de cópias vendidas nos Estados Unidos, sendo o álbum de estreia mais vendido na história da música. Já no Brasil, vendeu 100 milhões de cópias, garantindo disco de platina pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos. O sucesso de vendas do disco foi fomentada pela campanha anti-drogas do

então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, além da polêmica crise da AIDS na época, dois dos temas que são recorrentes nas líricas da estreia do Guns N’ Roses. Além disso, o álbum soa como uma afronta à PMRC (Parents Music Resource Center), órgão criado por Tipper Gore para aumentar o controle dos pais sobre a música que crianças e adolescentes escutam, que deu origem ao selo “Parental Advisory” (estampado em discos considerados inapropriados para menores de idade). Seguindo a turnê do álbum, o Guns N’ Roses apostou em outra linha nos sucessos de estúdio, intitulados Use Your Illusion I e II, com baladas ao piano, orquestrações e músicas passando de oito minutos de duração - algo de se estranhar de uma banda que se inspirou no punk rock para a composição da estreia, que os jogou ao sucesso imediato. Não por acaso, nos trinta anos de lançamento do álbum, o Guns N’ Roses está em turnê contando com o vocalista, guitarrista e baixista originais da gravação daquele disco. Steven Adler já participou de alguns shows, como convidado especial, o que deixa no ar uma possível oficialização dele na banda. Com certeza podemos esperar uma turnê temática do álbum e, quem sabe, uma volta do Guns N’ Roses ao Brasil, dado à proximidade do Rock In Rio, sabendo-se do imã que o festival é para a banda.

POP UP! | 63


MÚSICA

A ESTRELA NEGRA AINDA BRILHA

Mesmo um ano após seu canto do cisne, o legado de David Bowie continua repercutindo

TEXTO: NILO VIEIRA / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

O

ano de 2016 começou amargo: dois dias depois de completar 69 anos e lançar Blackstar, seu mais recente álbum de estúdio, faleceu David Bowie, vítima de um câncer no fígado. Não demorou para críticos e fãs então alçarem o disco ao patamar de clássico, sob a alegação de que o projeto seria uma despedida cifrada (o título também é um termo para o câncer que contraiu) do artista para seus fãs - hipótese confirmada na época pelo produtor Tony Visconti, colaborador de longa data do camaleão. Talvez pelo status canônico de Bowie, o LP tenha escapado de questionamentos mais profundos sobre este hype. No entanto, com o lançamento do EP No Plan no dia 8 de janeiro (data que marcaria o 70° aniversário de David) deste ano, a discussão foi reacesa. Afinal, Blackstar foi ou não o último aceno consciente do britânico em sua arte? De acordo com o documentário The Last Five Years, veiculado no mesmo mês

64 | POP UP!

pela BBC do Reino Unido, não: o músico ainda continuou produzindo material, mesmo após finalizar seu derradeiro álbum. Todos os louros então teriam caído por terra? A resposta é não. Há de se considerar, em primeiro lugar, que avaliações “objetivas” sobre um produto artístico são ilusórias, dado que um produto não existe fora de um determinado contexto. No caso de Bowie, embora a morte não lhe fosse certa, o cenário era de fragilidade - tanto em seu corpo como da música que o cercava. O jornalista Leonardo Baldessarelli aponta também que, apesar de sua reputação mais que consolidada, a comoção com seus novos projetos não era a mesma há décadas: “ele não estava exatamente “parado” quando lançou o disco (...), mas a sensação que eu percebia era de grande retorno, e acho que a razão por trás disso é que foi a primeira vez em um bom tempo que o Bowie soou muito “artsy”, misterioso e conceitual.” Em matéria para o jornal Folha de São Paulo, o crítico André Barcinski pontuou um

outro detalhe importante sobre Blackstar. Pela primeira vez em sua vasta discografia,

“FOI A PRIMEIRA VEZ EM UM BOM TEMPO QUE O BOWIE SOOU MUITO “ARTSY”, MISTERIOSO E CONCEITUAL.”

Bowie criou algo onde ele próprio era protagonista, e não um de seus personagens. Guillermo Arenas, do El País, vai ainda mais além e afirma que a figura projetada em seus últimos videoclipes tinha justamente a intenção de satirizar sua fama de visionário. Caminhando ou não para a morte, é inegável que vemos o cantor nu, com sua voz já falha não permitindo camuflagens. “Foi um tropeço do existencialismo do The Next Day (2013) para o abraço de temas


como o paganismo, a inevitabilidade da morte e a própria biografia do camaleão, em referências explícitas”, diz Baldessarelli.

A ÚLTIMA TRANSFORMAÇÃO É claro que as boas letras não sustentariam o álbum sozinhas, e felizmente não é o caso aqui. Após um bom tempo apostando em uma sonoridade roqueira moderna, Bowie e o produtor Tony Visconti decidiram experimentar novas direções. Dentre as influências, são citados o hip hop contemporâneo de Kendrick Lamar e Death Grips, as texturas eletrônicas do duo Boards of Canada e o jazz. Este último é o ritmo preponderante em Blackstar, com o saxofone muitas vezes ocupando o front, ao invés das tradicionais guitarras. Com grooves marcantes e timbres potentes, o disco exala um frescor notável, sem nunca deixar de servir ao contexto lírico - vide o peso melancólico de “Lazarus”,

lançada como o primeiro single do trabalho. Baldessarelli frisa que essa última fase não se deu da noite para o dia: “ele ficou dos anos 80 até o The Next Day (2013) flertando muito com o kitsch, mas no Blackstar não - tudo soa realmente impressionante e direto, com um conceito muito amarrado e o Bowie engajado em tudo”. De fato, os mais entusiastas perceberão que este disco vinha sendo ensaiado desde Let’s Dance (1983), onde o camaleão abraçou de vez o pop dançante daquela década e passou a dar mais ênfase em batidas eletrônicas. O caminho até Blackstar foi árduo, incluindo aí Tonight (1984) e Black Tie White Noise (1993), tidos como os piores álbuns de Bowie - muito pela pouca organicidade apresentada na instrumentação, que enfim foi acertada em 2016. Não teria nem como a roupagem ser pomposa: como alguém, diagnosticado com câncer há três anos, se daria ao luxo de romantizar a situação? Assim, David fez jus ao seu apelido de camaleão mais uma vez, entregando um disco cru, poderoso e atual.

RECONHECIMENTO PÓSTUMO O impacto causado pelo álbum foi poderoso. De acordo com o site Metacritic, que coleta notas de listas especializadas, a média geral de Bowie é de 87 pontos. Além disso, Blackstar (junto de outros títulos do músico) foi responsável pelo maior número de vendas de vinil no Reino Unido em 25 anos. Para completar, o disco arrebatou todas as estatuetas do Grammy as quais concorreu - embora tenha ficado de fora da cobiçada categoria “melhor álbum” - e, ainda que tenha demorado tanto tempo, não deixa de ser válido o reconhecimento oficial por parte dos executivos da indústria musical. No fim, tudo isso é apenas consequência e pouco importará daqui um tempo. Já a arte de David Bowie e seu desfecho sublime não: assim como até hoje se idolatra a fase setentista do camaleão, Blackstar há de continuar repercutindo por um bom tempo. Uma estrela preta nunca emanou um brilho tão forte.

POP UP! | 65


ANÚNCIO

66 | POP UP!


MULHER MARAVILHA A linha tênue entre o feminismo e a misoginia

Um dos maiores ícones femininos da cultura pop, Diana Prince, não foi feita para mulheres

POP UP! | 67


HQS

LITERATURA

ENSAIO

TEXTO: GABRIELA RAVAZZI/ DIAGRAMAÇÃO: LARA PIRES/ILUSTRAÇÕES: GEORGE PÉREZ (1), JIM LEE (2) E JOHN BUCENA (3)

Q

uando o doutor William Moulton Marston decidiu criar a MulherMaravilha, ele imaginava uma “propaganda psicológica para o novo tipo de mulher que, creio eu, deve governar o mundo”. Famoso psicólogo criador do polígrafo (versão realista do laço da verdade), Moulton era a favor da igualdade de gêneros e, a partir de suas pesquisas com o detector de mentiras, concluiu que as mulheres eram mais honestas e confiáveis que os homens.

68 | POP UP!

A ideia original veio daí: combater o estigma de que mulheres são inferiores aos homens a partir de uma personagem forte, inteligente - capaz de propagar a paz e a verdade por onde passa. No início da década de 40, as publicações da DC Comics eram dominadas por personagens masculinos, como Lanterna Verde, Batman e Superman. Se, anteriormente, as mulheres eram personagens secundárias nos HQ’s (esposas,

namoradas, mães, filhas), a Mulher-Maravilha realmente veio para quebrar paradigmas. É o que afirma Gabriela Franco, especialista em quadrinhos da página MinasNerds: “Vamos nos lembrar que nos anos 30 e 40, com o surgimento dos heróis, logo abriu-se caminho para a participação da mulher, mas não como heroína, mas sim, na maioria das vezes, como par romântico e coadjuvante, a donzela que precisava ser salva e nunca a protagonista da história”.


Considerado um dos maiores ícones femininos da cultura pop, a heroína é também uma importante difusora do pensamento feminista. “Ao misturar seu discurso feminista com patriotismo, Marston exaltava a superioridade das mulheres frente aos piores problemas da nação. Não raras vezes, a Mulher-Maravilha se referia aos homens e suas guerras como “coisas de crianças”, explica Franco. Dr. Moulton fez toda a diferença ao

incluir uma mulher num universo totalmente masculino. No entanto, Diana Prince foi moldada ao longo dos anos, justamente, por essa visão dominante. A amazona já teve cabelos lisos e cacheados, coxas mais grossas e seios mais fartos. Ao invés de manter a aparência original da personagem, suas mudanças estavam de acordo com as reivindicações da principal audiência: homens. É o que afirma Lauren Panepinto, diretora criativa do Orbit Books,

A participação feminina era relegada ao famoso eye candy, o papel de servir de colírio para os olhos em histórias de terror, violência ou ficção científica, cujos temas eram pesados. Eram sempre esteticamente belas, doces, sensuais, porém com uma aura de pureza, o alívio em meio à feiura e o caos”

em seu texto O que mulheres querem... em personagens mulheres. Lauren explica que, historicamente, personagens femininas foram criadas, desenhadas e consumidas sob a lente de homens brancos, a maioria de classe média e heterossexuais. Histórias em quadrinhos têm o poder de construir conceitos de ética, caráter, justiça, além de influenciar no imaginário de crianças e adolescentes (e de alguns marmanjos, que acham normal lutar uma guerra de maiô tomara-que-caia). Uma deusa de corpo e cabelos impecáveis, seios fartos e empinados, não só prejudica o imaginário popular sobre como seria o ideal feminino, como evidencia tudo o que a Mulher-Maravilha não deveria ser: um mero sex symbol. Para a estudante de psicologia Amanda Claro, “todos os personagens têm estereótipos, a Mulher-Maravilha não poderia ser diferente”. De fato, qualquer personagem é criado para transmitir uma ideia. Mas as heroínas, principalmente elas, devem servir de inspiração e exemplo para meninas e mulheres lutarem por um mundo mais justo, humano e igualitário.

POP UP! | 69


HQS

LITERATURA

ENSAIO

Quem é Diana, a Mulher-Maravilha Princesa e embaixadora da ilha Themyscira, filha da rainha das amazonas, Hipólita. Possui habilidades sobrenaturais, e combate o crime com a ajuda do Laço da Verdade. É a defensora da verdade e foi mandada ao “mundo dos homens” durante a Segunda Guerra Mundial para propagar a paz. Diana tomou emprestadas a beleza de Afrodite, a força de Hércules, a sabedoria de Zeus e a velocidade de Mercúrio. Exímia lutadora, ela também possui espírito de liderança e carisma contagiante – Gabriela Franco

70 | POP UP!


Apesar de conseguir lugares para me encaixar (Princesa Leia, Teela, Cheetara, Jean Grey) a mídia que eu amava não foi criada para mim”

Pop Up! - William Moulton, criador da personagem, pediu que a heroína fosse desenhada com base nos desenhos de pin-ups de Alberto Vargas. As pin-ups são classicamente conhecidas como sex symbols e os desenhos contém certo grau de erotismo. Apesar de ser publicamente defensor da igualdade de gêneros, é possível que Moulton tenha criado a personagem para, em partes, também satisfazer o público masculino da DC Comics? Gabriela Franco - Obviamente. (...) O mercado era predominantemente masculino, MM veio para quebrar paradigmas, de fato os quebrou, mas não fez isso com todos de uma vez. Infelizmente, a visão de que a mulher precisava ser bela e agradar ao homem ainda existia e pautou muitas histórias da época. Não podemos deixar de lembrar que Moulton, como é notório e sabido publicamente, além de ser bígamo tinha algumas taras envolvendo bondage e dominação, e incorporou essas preferências nas histórias da MM. Curiosamente, o Laço Mágico usado pela Mulher-Maravilha para prender seus inimigos tinha a capacidade de forçar os aprisionados a falarem a verdade, mas havia também uma conotação sexual no uso do Laço Mágico. “Dê aos homens uma mulher sedutora e mais forte do que eles, e logo estarão dispostos a se tornar escravos dela”, dizia Marston. Ele usou e abusou da simbologia das cordas a fim de mostrar que qualquer conflito poderia – e deveria – ser resolvido pela “sedução do amor”, que ele apregoava ao sexo feminino. De preferência, com a mulher sendo a dominadora. Mas como o público leitor era predominantemente masculino, não raras vezes, Diana aparecia amarrada por seus inimigos, prestes a ser torturada ou morta por um míssil em forma de falo.

Pop Up! - O que o fato de um homem ter criado uma das principais figuras femininas de HQ’s diz sobre a sociedade em que (ainda) vivemos? Gabriela Franco – MM foi criada por um homem justamente porque não havia mulheres na indústria de quadrinhos daquela época, as poucas que haviam eram silenciadas e ignoradas. Por mais que atribuamos a criação a Moulton Marston, ele deixou claro a influência de suas mulheres, Elizabeth e Olive, na construção da personagem. A própria neta de Marston, curadora do Museu da Mulher-Maravilha, diz com todas as letras “MM era minha avó”, (no caso, Elizabeth). A ideia de Marston era investir em um tipo diferente, um personagem que não combateria o mal com os punhos – sua arma seria o amor. “Em meu entendimento, sob um ângulo psicológico, a coisa mais ofensiva que existia nas HQs era aquela masculinidade sanguinolenta”, explicaria Marston, anos depois. Ao saber da intenção de seu marido, Elizabeth aconselhou: “Bem, então que [esse super-herói] seja uma mulher”. Foi a semente para a Mulher-Maravilha. Portanto, podemos dizer que foram mulheres que a criaram, de certa forma. Pop Up! – A Mulher-Maravilha tem defeitos? As histórias em quadrinhos têm o poder de construir conceitos de ética, caráter, justiça e muitos outros. Dessa forma, de que maneira o fato de ela ser uma deusa, de corpo e cabelos impecáveis, seios fartos e empinados, prejudica na construção do imaginário de crianças e adolescentes sobre as mulheres como um todo? Gabriela Franco - Sim, tem. Muitos. Restringir a influência da MM à figura de

uma deusa perfeita, tanto moral quanto fisicamente, é um erro e é uma injustiça frente a milhares de mudanças que sofreu e inúmeras facetas que demonstrou ao público nesses 75 anos de história. MM já sofreu e perdeu tudo, já matou, já se redimiu, já foi implacável e já foi amorosa, já foi sanguinolenta e diplomata, já demonstrou inúmeras falhas, já ficou em dúvida de como agir, já voltou para Themyscira e depois voltou para a Terra... com certeza sua porção humana e frágil sobrepujou sua perfeição estética. É preciso ler e conhecer toda a trajetória da personagem para comprovar isso. Infelizmente temos que pensar que ela foi criada por homens e ainda segue padrões agradáveis e importante para eles. Mas não creio, sinceramente, que isso atrapalhe hoje, toda a simbologia que MM carrega: a de símbolo máximo do feminismo, libertação e independência da mulher. É isso que as crianças precisam enxergar, acima de qualquer coisa.

POP UP! | 71


HQS

Apesar da crise, mercado de mangás japoneses segue estável no país Histórias conseguiram agradar o público brasileiro

O

ano de 2017 se iniciou há pouco tempo mas já é possível ter um panorama de como o mercado de mangás irá se portar durante ano. Em plena crise econômica, uma das piores dos últimos tempos, o mercado de mangás japoneses no Brasil passa pela crise sem muitas perdas. A comercialização de mangás no país teve no ano de 2016 seu pior vilão até o momento. As histórias tiveram um aumento no preço de capa por conta da inflação que afetou os materiais para a impressão dos mangás, levando parte dos leitores a ter que escolher que títulos continuarem comprando. Beth Kodama, editora de mangás da Panini, diz que “Se tudo aumenta de preço, mas a renda do leitor, não, ele tem que escolher que coleções ele manterá acompanhando. “ Mas mesmo abandonando um ou outro titulo, o consumidor de mangás continua fiel aos seus principais títulos. Beth informa que embora todo o crescimento econômico no país tenha tido uma frenagem, o ramo dos mangás “Não chegou nem perto de parar”. Cassius Medaur, editor da JBC, outra gigante no mercado brasileiro, explica como eles buscam lidar com a crise no país e no mercado. “Gerenciamos da melhor maneira possível, no caso, lançando menos títulos para que o impacto não seja tão grande para o leitor.”

Mercado continua mudando Passando a ter um sucesso relativamente novo no país, o mercado dos quadrinhos japoneses continua em constante transformação. No começo, havia pouca variedade de títulos, mas essas narrativas tinham um número considerável de vendas. Hoje em dia, o número de

72 | POP UP!

TEXTO: LUCAS OCTAVIANO CINCHETTO/ DIAGRAMAÇÃO: MARIA BEATRIZ DOS REIS histórias publicadas no país aumentou exponencialmente. O shounen, principal gênero de mangá nos anos 90, permanece forte, porém perdeu muito espaço para o seinen e até mesmo o shoujo. As publicações também estão se modificando na questão de gramatura e qualidade. Sobre a questão da qualidade VS. Quantidade, a Beth explica: “Nós acreditamos que o estereótipo do brasileiro é sempre buscar o melhor custo-benefício. Sempre buscamos apresentar um bom material com um preço acessível para que uma grande parcela do público possa pagar, sem deixar de colecionar outras séries. É a única forma de trazer vários títulos diferentes pro Brasil ao mesmo tempo.“ Mas a qualidade continua predominante e parece ser a preferência, tanto de colecionadores quanto das próprias editoras. Obras como One Punch Man, Tokyo Ghoul, Vagabond da Panini e Blade, Nijigahara Holograph da JBC, investiram em uma qualidade melhor nas capas e no papel, além de contar com páginas especiais, por um preço mais elevado que o tradicional. Ghost In The Shell e Cavaleiros do Zodíaco da JBC, foram lançados em formato de colecionador, com um preço muito superior ao comum. Ghost in the Shell em especial, se tornou um dos maiores sucessos da editora. “Muitas coisas influenciam a venda de quadrinhos em geral. No mercado de mangás, havia uma lacuna de edições especiais e, por isso, os leitores estão gostando dos nossos lançamentos. Mas acredito que existe público para todos os formatos, basta dosar o quanto lançar de cada.” explica Cassius.

Os brindes são uma estratégia na venda de mangás?

É fato que muitos mangás trazidos para o país contam com certos tipos de “brinde” para os leitores. Edições que trazem marca-páginas, cartões e até mesmo posters são comuns dependendo da fama e do título. Alguns mangás como Tokyo Ghoul, da Panini, receberam brindes como marcador de páginas e cartões em nove de dez edições. A JBC prefere trabalhar a questão dos brindes de maneira diferente. Enquanto que a Panini libera os brindes junto do próprio mangá, a concorrente prefere enviar os brindes para lojas especializadas e para as pessoas que assinam o mangá. My Hero Academia, da JBC, contou com um pôster que pode ser usado como sobrecapa do encadernado no primeiro volume, e Saintia Shô também recebeu um belo pôster. Cassius, da JBC, explica que esses brindes são extras, e que cada volume é estudado de forma diferenciada. Para Beth, editora da Panini, os brindes funcionam mais como um agrado para os leitores “Acho que a ideia do brinde não é vender mais. Por que alguém compraria um mangá só pelo brinde? As pessoas compram o mangá pela história”. Que o principal motivo para a compra dos quadrinhos é a história, ninguém


questiona. Mas será que os brindes não influenciam o leitor a fazer a compra? A Revista Pop Up! realizou uma pesquisa rápida com 57 leitores de histórias em quadrinhos em geral, e constatou que a disputa é bastante acirrada. Cerca de 31 pessoas disseram que a história contar com um brinde influencia sim na hora da compra. Já os outros 26, disseram não se importar com os agrados a mais. A pesquisa foi ainda mais fundo no quanto os extras podem mexer com os leitores. Questionados sobre comprarem uma história que não colecionam apenas pelo brinde, os consumidores ficaram mais indecisos. 17 pessoas disseram que comprariam sim uma história apenas pelo que vem a mais, e 24 pessoas “talvez” comprassem, dependendo muito do que vier.

A questão é muito ampla e precisa ser mais bem estudada. Mas se pelo menos metade das pessoas darem preferência a uma HQ pelo brinde, já vale a pena o investimento das editoras nos agrados para os fãs.

Ainda há espaço para o aumento das vendas? Questionados sobre um possível a u m e n t o n o m e rc a d o , o s e d i t o re s acreditam que o crescimento tende a ser tímido “Talvez aconteça. Mas acho que atingimos um bom tamanho agora. Acho que inclusive a tendência é “enxugar”. O leitor já leu e viu muita coisa. Vai passar a ser cada vez mais seletivo.” Diz Beth. Para o editor da JBC, não é possível definir se haverá um aumento, já que o

mercado se encontra em um patamar elevado, mas ele acredita que tudo vai depender da economia do país. E claro, a versatilidade e esperteza das editoras vai contar muito nessas horas, já que elas devem continuar pesquisando novas formas e métodos para não deixarem a crise acabar com aquilo que foi construído ao longo de vários anos. Além de implementar diferentes estratégias para atrair o leitor aos títulos a serem comercializados, buscando se diferenciar da concorrência de alguma forma. Mudanças tendem a ocorrer no futuro ramo do mercado de mangás no país, assim como acontecem desde o seu surgimento. Aos leitores das obras, resta aguardar e torcer para que todos saiam ganhando com isso!

POP UP! | 73


HQs

VS 74 | POP UP!


S Mangรกs POP UP! | 75


HQ’s

HQS

Quem gosta de HQ’s sabe que além de entretenimento, elas também são uma forma de arte única, que varia a cada edição. A origem desse estilo é incerta, diversos países e autores creditam para si o feito de construir uma narrativa acompanhada de imagens. Há, também, quem diga que foram as pinturas rupestres nas paredes das cavernas pré-históricas que deram início a esse gênero. A primeira exposição internacional de quadrinhos realizada no Brasil aconteceu em São Paulo no ano de 1951 e tinha como principal objetivo combater o preconceito sobre esse tipo de arte. Texto:

Maria Beatriz dos Reis e Lucas Octaviano Cinchetto

Arte:

Bruno Soares e João Macedo

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS As HQS são lidas no modo ocidental, ou seja, da esquerda para direita, começando pela capa. Os desenhos são extremamente coloridos e os traços são mais realistas, os personagens remetem à figuras humanas e o cenário às cidades (a não ser nos casos de histórias com seres e espaço de outros planetas, claro!). O formato padrão americano dessas revistas é de 17cm de largura x 26 cm de altura.

AS PRIMEIRAS HQ’S No mundo - Alguns dos primeiros quadrinhos que se tem registro são o alemão Max and Moritz, feito por Wilhelm Busch em 1865 e o norte americano The Yellow Kid, criada em 1895 por Richard F. Outcault.

Max and Moritz

Yellow Kid

76 | POP UP!

No Brasil – A primeira história em quadrinhos publicada no país é do autor italiano, radicado no Brasil, Angelo Agostini, e completou 148 anos no dia 30 de janeiro. A sequência, feita em dois episódios, chamava-se Vida Fluminense e foi veiculada pelo jornal semanal O Cabrião. Nela, o personagem caipira Nhô-Quim, de 20 anos, visitava a corte do Rio de Janeiro.


TEMÁTICAS

Geralmente, as narrativas acontecem em universos e realidades próximas à nossa. Apesar de possuírem sequências, o clímax das narrativas se resolvem dentro de um mesmo volume de publicação. Obviamente, em cada uma delas, um detalhe novo sobre a história ou o psicológico do personagem principal é revelado, mas isso não impede que você compre uma HQ de número 158, por exemplo, e compreenda todo seu desenvolvimento. É comum associarmos a essa plataforma os heróis como tema principal, mas é importante lembrar que questões de gênero, drogas, xenofobia e racismo também são trabalhados de forma a trazer o debate a esse estilo de leitura.

OS FAMOSOS

Stan Lee

Jack Kirby

Steve Ditko

John Romita

Stan Lee e os desenhistas Jack Kirby, Steve Ditko e John Romita, criaram alguns dos personagens mais famosos e adorados do mundo das Hqs: Homem-Aranha, Capitão América, Feiticeira Escarlate, Homem de Ferro, Thor, Hulk, X-Men, Quarteto Fantástico.

Frank Miller, também desenhista e roteirista, é responsável por 300, O Cavaleiro das Trevas e Demolidor – O Homem Sem Medo (inclusive, foi ele que criou a personagem Elektra).

Bob Kane, desenhista e roteirista, criou o Batman em 1939.

Alan Moore escreveu Watchmen, V de Vingança, A Piada Mortal e Saga do Monstro do Pântano.

GRAPHIC NOVELS A Graphic Novel é um estilo de HQ geralmente mais longa, elaborada, melhor encadernada e contêm uma história mais longa, com começo, meio e fim. Não é uma publicação periódica, mas pode ter mais de um volume. Essa definição foi popularizada por Will Eisner depois de aparecer na capa de sua obra A Contract with God (Um Contrato com Deus) publicada em 1978.

POP UP! | 77


HQS

Mangas Sucesso em todo o mundo, os mangás ganharam popularidade ao longo dos anos graças ao público fiel e as narrativas variadas - é possível encontrar uma história sobre quase tudo. Eles não deixam de ser HQs, mas recebem outra denominação para serem distinguidos das tradicionais histórias em quadrinhos do ocidente. Originário do teatro de sombras com marionetes do Japão, os quadrinhos foram criados, por volta de 1814, para transpor no papel a narrativa e ilustração das histórias que antes só eram passadas de geração em geração. Mas os mangás que conhecemos são frutos de modificações, e se originaram após a segunda guerra mundial, com influência de cartuns americanos. Osamu Tezuka criou através de “Shintakarajima” (Ilha do Tesouro), as características de traçado e expressões que residem em todos os quadrinhos japoneses atuais. Ele é considerado o Deus do mangá e admirado mesmo após a sua morte.

Texto:

Maria Beatriz dos Reis e Lucas Octaviano Cinchetto

Arte:

Bruno Soares e João Macedo

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS Os mangás são lidos da forma oriental, da direita para a esquerda. Ou seja, eles se iniciam na última página do que seria uma HQ tradicional do ocidente e os balões de falas e quadros são lidos ao contrário. Uma das características é que as histórias são sempre em preto e branco. Os personagens dessas histórias possuem grandes olhos e são cheios de expressões faciais. Além disso, os mangás têm elementos próprios como grandes onomatopéias. Eles são originalmente publicados em capítulos, em formato de revista. Quando chegam a certo número de capítulos e páginas, as histórias são compiladas em volumes com diversas medidas. O tankoubon é o mais tradicional com cerca de 200 páginas e mais ou menos 13x18cm. Wideban é um formato maior, próximo ao A4. O kanzenban é a edição de luxo e possui mais páginas e páginas 18 cm coloridas. Bunkoban é usado para relançamentos. Por último, o aizoban é a edição de luxo, compilando vários volumes em um só, 29cm com cerca de mil páginas.

Sentido de leitura ORIENTAL

13 cm

21cm

Wideban

78 | POP UP!

Tankoubon


OS PRIMEIRAS MANGÁS

O primeiro mangá era chamado Hokusai Mangá e foi lançado por Katsushika Hokusai. Foram cerca de quinze volumes com cenas folclóricas japonesas e do cotidiano, bem diferentes dos quadrinhos japonesas atuais. Já no Brasil, a primeira obra publicada foi Lobo Solitário, de Kazuo Koike e Goseki Kojima, em 1988. Ela foi lançada no formato ocidental e é um dos mangás mais influentes desse lado do mundo, até os dias de hoje.

Lobo Solitário

TEMÁTICAS

É um pouco difícil classificar as temáticas do mangás, já que existem milhares, com as mais diversas narrativas. Geralmente o tema varia de acordo com o público que o mangá pretende atingir, sendo classificado em diversos gêneros, como shounen, seinen, shoujo, etc. As histórias seguem a trama da linha principal e se entrelaçam com arcos (histórias pequenas com começo-meio e fim dentro da narrativa) e sagas (conjunto de arcos que busca chegar a um ponto importante da trama principal). Embora a variedade na narrativa, muitos clichês também estão presentes nesse universo, já que a demanda dos quadrinhos é muito grande. Histórias ambientadas no ensino médio são uma das mais comuns nos mangás, elas variam de uma garota colegial que tenta conquistar o coração de um menino, até estudantes que lutam contra robôs espaciais. O shounen é o gênero mais famoso atualmente e évoltado para meninos, nele os protagonistas têm sempre um tipo de poder e se envolvem em lutas. Mangás podem ser adaptados para shounen caso a popularidade esteja em baixa. Universos paralelos estão atualmente, superlotando o mercado de quadrinhos no Japão.

OS FAMOSOS

O autor de mangás mais famoso do mundo é Osamu Tezuka, ele criou Astro Boy. Eiichiro Oda é o responsável pelo mangá mais comercializado no Japão nos últimos oito anos, One Piece, com mais de 12 milhões de cópias vendidas por ano. Dragon Ball pode ter sido a série mais popular criada até hoje, Akira Toriyama é o autor, e a história foi sucesso tanto no Japão quanto em todo o mundo. Masami Kurumada criou Saint Seiya - Cavaleiros do Zodíaco, que o fez entrar para a história.

DOUJINSHI

Osamu Tekuza

Eiichiro Oda

Akira Toriyama

Masani Kurumada

Pouco comum no ocidente, as doujinshis são histórias em quadrinhos criadas por fãs de mangás, com os personagens das obras de outros autores. As doujinshis são tão populares no Japão que possuem um mercado próprio e até grandes eventos. Elas são parte fundamental para o mercado de mangás, já que divulgam a história original. Os grandes fãs dessas histórias geralmente são mulheres e/ou fãs de yaoi, (narrativas com romance entre personagens masculinos). Mas existem doujinshis de todos os tipos e com todo tipo de história.

POP UP! | 79


HQS

5 GRAPHIC NOVELS PARA QUEM QUER COMEÇAR A LER QUADRINHOS

E R DE SE M S E R ÓIS! R-H SUP E

TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

1. DAY TRIPPER – FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ Nesta HQ, acompanhamos a vida de Brás de Oliva Domingos, um jornalista que escreve obituários e sonha em se tornar um grande autor de sucesso, como foi o seu pai. Em cada capítulo acompanhamos momentos cruciais da vida de Brás. Observamos seus sentimentos em relação à vida em cada fase, e o final do capítulo sempre nos surpreende com uma dose de fatalismo. Você com certeza vai gostar da leitura caso admire e dê valor aos momentos preciosos da vida.

2. RETALHOS – CRAIG THOMPSON Com muita sensibilidade e arte simplista, Craig Thompson conta a história de sua vida nesta graphic novel. Desde sua relação com o irmão mais novo na infância, passando pelo seu primeiro amor na adolescência, Raina, que muda a sua visão de vida, até um ponto de sua vida adulta. Quanto mais passamos tempo com o personagem, mais vamos nos apegando a sua história de vida. São 592 páginas inspiradoras que mostram a trajetória deste notável autor.

3. MAUS – ART SPIEGELMAN Considerado um clássico no mundo dos quadrinhos, vemos a história de VladekSpiegelman, judeu-polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, sendo contada para o seu filho, Art. A HQ retrata as pessoas como animais: judeus como ratos, nazistas como gatos, poloneses como porcos e americanos como cachorros. “Maus” é um relato real, impactante e perturbador que evidencia a brutalidade que foi o Holocausto.

4. SCOT T PILGRIM –BRYAN LEE O’MALLEY Se você está nos seus vinte e poucos anos, provavelmente vai se identificar com Scott Pilgrim. Ele é jovem, preguiçoso, tem uma banda de garagem e está perdido no início de sua vida adulta. Scott se apaixona por Ramona Flowers, entregadora da Amazon, mas para ficar com ela, ele precisa derrotar seus sete ex namorados. As batalhas são como partidas de vídeo-game. Uma história interessante para quem gosta do mundo nerd.

5. PÍLULAS AZUIS – FREDERIK PEETERS De forma leve e descontraída, vemos a história de Cati, portadora do vírus HIV, com Frederik Peeters (autor da HQ). Acompanhamos o cotidiano de uma relação que é transformada pela doença: seu descobrimento, aceitação, forma de lidar e verdades duras e surpreendentes sobre o assunto. O autor não dispensa o humor e a leveza em sua narrativa, evidenciando que é possível viver com o vírus e construir uma história de amor.

80 | POP UP!


Quadro a Quadro TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: RAFAEL GUIMARÃES

Mesmo crescendo nos últimos anos, o mercado nacional de quadrinhos ainda tem pouco espaço para a produção nacional

Q

uando se fala em quadrinhos com qualquer pessoa do mundo, a primeira imagem com toda certeza será a de um super-herói, em especial um das editoras Marvel ou DC Comics. Além do grande sucesso das revistas desses personagens, as experiências em outras mídias garantiram na visão popular que as histórias em quadrinhos sejam sempre associadas à superpoderes. Isso, entretanto, não podia estar mais longe da verdade.

Nos mesmos quadros onde são contadas as histórias do Capitão América enfrentando o nazista Caveira Vermelha, existem histórias mais profundas como Maus, uma história real dos campos de concentração alemães. Histórias como essa são chamadas de Graphic Novels, um termo que pode ser traduzido aproximadamente para ‘romance gráfico’. A variedade de temas é enorme e passeia por uma grande variedade de gêneros, desde a ação até o drama mais profundo. Sidney Gusman, o homem por trás da Graphic MSP, segura a primeira tirinha da Mônica

FOTO: RODRIGO CASARIN

POP UP! | 81


FOTO: PAULA MARKIEWCZ

obras primas Embora as primeiras Graphic Novels sejam dos anos 60, o termo só ganhou popularidade e passou a significar algo no mercado a partir da década de 80, graças a lançamentos de grandes obras de poder comercial que mudaram a forma como o mercado editorial encarava as histórias em quadrinho. O ano que marca essa mudança é 1986, quando a DC Comics publicou uma coletânea com toda a história da minissérie Batman: Cavaleiro das Trevas, de autoria de Frank Miller. A obra vendeu na casa dos milhões e influenciou dezenas de pessoas. Também em 1986 foi publicada a graphic novel Maus, na qual o desenhista Art Spiegelman conta a história de seu pai, um judeu sobrevivente do Holocausto. A obra venceu vários prêmios literários, entre eles o Pulitzer.

82 | POP UP!

Foi através do trabalho de Spiegelman que a história em quadrinhos artística passou a ser encarada como uma possibilidade de lucro comercial. Isso viria a se concretizar nos anos seguintes.

Mercado nacional No Brasil, segundo as próprias editoras, as vendas de graphic novels tem melhorado. A Salvat, representante oficial das produções de luxo da Marvel no país, afirma ter tido um aumento de quase 300% nas vendas entre 2013 e 2016. Outras editoras, como a Galera Records e a Nemo apostam na produção nacional e traduções de materiais mais artísticos. A líder de vendas quando se tira os superheróis da conta é a Quadrinhos na Cia., selo editorial voltado exclusivamente para quadrinhos mais artísticos da Cia. das Letras. Mas essa liderança está ameaçada por uma produção nacional de duas parceiras de peso.

Foi uma experiência incrível, já que eu nunca pensei que teria permissão para reconstruir um desses personagens da minha infância


Os irmãos Vitor e Lu Caffagi ganharam o prêmio HQMix de Melhor Edição Nacional e Melhor Publicação Infanto-Juvenil por Turma da Mônica Laços

Todos no Brasil conhecem a Maurício de Souza Produções (MSP), responsável pelas publicações da Turma da Mônica. Quando a empresa abandonou sua parceria com a Editora Globo e fechou um novo acordo com a Panini para publicações, o objetivo era criar novos produtos que fossem além das publicações mensais de personagens como Cebolinha e Mônica. O primeiro resultado dessa parceria foi a criação da Turma da Mônica Jovem. Embora ainda não seja um produto de qualidade de produção e impressão boas o suficiente para ser chamado de graphic novel, esse produto foi a primeira experimentação da empresa com algo mais autoral. Foi só em 2011 que a MSP anunciou a criação do selo Graphic MSP, onde os personagens da editora são entregues a artistas para que eles possam realizar obras pessoais e extensas, uma oportunidade nunca antes cedida pela empresa. Entre as pessoas que

receberam essa oportunidade de ouro está Danilo Beyruth, que participou do projeto desde o primeiro momento, reinventando seu personagem favorito, o Astronauta: “Foi uma experiência incrível, já que eu nunca pensei que teria permissão para reconstruir um desses personagens da minha infância”. Não foram só os homens que tiveram essa oportunidade. Para reinventar a personagem principal da empresa, a MSP procurou uma mulher. A escolhida foi Bianca Pinheiro, que atraiu a atenção pelo conjunto de sua obra, que demonstra uma sensibilidade infantil, mas sem medo de apresentar brutalidade. “Foi muito natural escrever o roteiro para a história da Mônica”, conta, “pois o que me foi pedido era muito próximo do que eu já costumava fazer. O desafio de verdade foi criar uma visão gráfica que atendesse às exigências.” Para Danilo, a produção das três obras que fez com o personagem

Astronauta (Magnetar, Singularidade e Assimetria), são o ápice de sua carreira. “Eu planejei desde o primeiro momento como uma trilogia, mas não contei a eles por medo de ser tirado do projeto. Só depois do roteiro pronto que o pessoal da MSP entendeu o que eu queria fazer.” Segundo ele, os artistas participantes do selo têm uma liberdade enorme para fazer histórias a seu próprio modo: “Nenhum dos autores do selo foi procurado para fazer algo muito longe do que já produzia. A direção editorial do Gusman é muito respeitosa.” Sidney Gusman, ex- jornalista e atual diretor de Planejamento Editorial da Maurício de Souza Produções, é apontado por muitos como a grande mente por trás da ideia de transformar os personagens da editora em um produto artístico de alto nível. Sidney trabalhou por anos como crítico de quadrinhos e é considerado um dos maiores especialistas brasileiros no mercado .

POP UP! | 83


Mangás brasileiros estão ganhando cada vez mais espaço Redes sociais melhoraram a divulgação das obras TEXTO: LUCAS OCTAVIANO CINCHETTO/ DIAGRAMAÇÃO: MARIA BEATRIZ DOS REIS

N

o fim dos anos 90 e no começo dos anos 2000, o brasileiro foi apresentado ao mundo dos mangás japoneses. Tímidas em suas primeiras publicações no país, a diversidade das histórias em quadrinhos japonesas cresceu e hoje já são centenas de títulos encontrados. As histórias encantaram tanto seu público, que foram capazes de influenciar a criação de um gênero híbrido de histórias em quadrinhos brasileiras e mangás japoneses. Essas HQs tem a particularidade do artista brasileiro, com características do mangá japonês. Algumas mantêm o sentido de leitura ocidental (esquerda-direita), enquanto outras optam por seguir o sentido de leitura oriental, tradicional dos mangás (direita-esquerda). Alguns

84 | POP UP!

Artes: Max Andrade, Léo Andrade e Ivonaldo Lima, Igor Guanandy e Fabiano Santos, respectivamente traços utilizados pelos artistas lembram muito os utilizados nos mangás tradicionais, e se estivessem em uma banca poderiam se passar por publicações japonesas sem problemas. Embora a indústria de mangás e HQs internacionais faça enorme sucesso em nosso país, o mesmo não acontece com as publicações de autores brasileiros. Seja por preconceito ou pouco espaço para divulgação, as obras ainda contam com um número limitado de consumidores. É o que explica, através de Erick Santos, a Editora Independente, Draco, especializada em publicações brasileiras. “Acreditamos que ainda há pouca adesão do público de mangás mais tradicional, mas com a presença em eventos e a distribuição temos vencido isso e mais leitores têm chegado a nós.” Uma realidade que também vem se alterando com a influência das redes sociais na vida do brasileiro.

É o que conta Fabiano Santos e Igor Guanandy, autores do mangá Dragon’s Tale, publicado online no site Lamén,que ganhou uma edição impressa no ano passado. “O alcance do projeto foi bem maior depois de criarmos a página no Facebook. Ele está sendo o principal meio de divulgação.”, comenta Fabiano. “É uma forma rápida e simples para divulgar o trabalho. Sempre que posso eu tento divulgar verbalmente a página, pedindo para as pessoas conferirem o trabalho e indicarem para outros”, informa Igor. Leonardo “Léo”Andrade, autor de A Lenda de Bóia, também atribui as redes sociais o sucesso na divulgação de seu trabalho, que hoje conta com mais de onze mil fãs. “Se não fosse a página do Facebook, eu só teria a minha roda de amigos e minha família para curtirem o projeto. Toda a divulgação é feita pelo Facebook, Instagram e Youtube.” Explica Léo. Autor do sucesso Tools Challenge, pu-


Os fãs e as histórias Os fãs de mangás brasileiros se aproveitam das plataformas de divulgação para interagir com os autores e fazer críticas, negativas e positivas. O pensamento sobre essa relação é unânime entre os autores: sem ela, não é possível continuar a história, pois o incentivo e a critica transformam o mangá. Ícaro Amaral, leitor de mangás tradicionais e brasileiros conta sobre sua experiência. “Sempre gostei de mangás japoneses. Tinha um pouco de preconceito, não esperava que autores brasileiros pudesse ser tão bons quanto os japoneses. Descobri através das redes sociais o mangáDragon’s Tale, e foi a partir dele que me interessei por outras histórias produzidas por brasileiros. Descobri que brasileiros produziam um material tão bom quanto o japonês.” E o preconceito com os títulos está diminuindo bastante, o que também pode estar influenciando o sucesso dessas HQs. Léo conta que o seu público, por exemplo, não esperava que folclore, índios, mitos e história do Brasil coubes- s e m e m um mangá. E é exatamente isso que está trazendo o sucesso para a obra.

Como é a criação de um mangá?

tração: Léo drade e Danilo Sant’ana

blicado pela editora Draco, Max Andrade, diz que além das redes sociais faz tudo que está ao seu alcance para divulgar seu trabalho. “Estou nos eventos, participo de entrevistas, envio release de tudo o que lanço pra centenas de sites, divulgo em todas as redes sociais, às vezes com publicação patrocinada.“ Mesmo com todas as novas maneiras de divulgação, manter uma obra em andamento ainda é um desafio para os autores. Muitos apenas trabalham nos títulos em seu tempo livre, e esperam que um dia possam fazer dessa sua profissão. Até mesmo Max, que tem histórias em publicação por uma editora, sente essa dificuldade. “Em todos os formulários, digo que sou quadrinista. Considero como a minha profissão. Porém, não é minha principal fonte de renda. Também trabalho como ilustrador numa empresa de EaD. E faço quadrinhos no restante do tempo.”

Superando todas as dificuldades as HQs percorreram um longo caminho para chegar ao seu nível atual. Foram anos de dedicação e melhorias até que as obras fossem enfim publicadas. Algumas por editoras, como é feita a publicação de Tools Challenge, e outras de forma independente como A Lenda de Bóia e Dragon’s Tale. Max contou sobre o processo trabalhoso por qual passou “Eu publiquei Tools Challenge virtualmente no início. Muitas pessoas pediram por um impresso e fiz a campanha de financiamento colaborativo no Catarse, e foi um sucesso pros 2 primeiros volumes. Após isso, a Editora Draco se interessou na obra e relançou os 2 primeiros e lançou o 3. A ideia é continuar com eles até o fim da série.” Fabiano e Igor, de Dragons Tale, fizeram a impressão por conta própria. Eles optaram por não fazer o financiamento coletivo por conta do pouco tempo que tiveram, já que queria expor o quadrinho na Comic Con Experience, de 2016. Os autores não tiveram lucro financeiro com a publicação, mas já sabiam com o que estavam lidando “Nosso objetivo nesse primeiro momento é fazer com que o trabalho chegue no maior número de pessoas possível e nas próximas edições iremos rever a questão do dinheiro.” A publicação de A Lenda de Bóia teve uma das histórias mais curiosas em relação ao tão esperado volume impresso. O autor do mangá, Léo Andrade não tinha dinheiro nenhum para imprimir a obra, e assim como Fabiano e Igor, também se inscreveu para o Artist Alley, da Comic Con, tendo sua história apenas publicada na internet. Quando teve o mangá aprovado para participar do evento, Léo conta que tentou várias formas de arrecadar dinheiro “botei coisas pra vender, mas nada deu certo.” Ele decidiu então pedir ajuda financeira para alguns amigos no Facebook, e conseguiu imprimir a versão física. A família do artista, junto com um programa de incentivo da Fundação Cultural de sua cidade, apoiaram Léo com o dinheiro da passagem e estadia. Assim ele conseguiu fazer a divulgação da obra e o tão aguardado contato com o público. A Editora Draco, que publica os quadrinhos de Max, diz que eles estão sempre

procurando publicações independentes pela internet. Ela também conta com as próprias coletâneas, onde descobre talentos e convidam esses autores a publicarem trabalho sozinhos. Já que a editora conta com uma equipe capacitada, ela é uma grande ajuda aos autores que estão tentando se inserir no mercado.

Transferir o enredo de uma história para o papel pode ser algo bem complicado, ainda mais quando se trata de HQs e mangás. Além da preocupação com o enredo, é necessário ter em mente os desenhos

POP UP! | 87 -

E como são feitas as publicações?


dos personagens, a disposição dos balões de fala, a forma que as onomatopéias são mostradas ao público, o fundo das telas onde os personagens aparecem, etc. Dragon’s Tale foi criado há cerca de quinze anos atrás, por Fabiano Santos. Surgiu através de duas ideias que ele tinha em mente: artes marciais e um jogo da Capcom sobre dragões, chamado Breth of Fire. Ele fez os desenhos iniciais e tinha alguns capítulos prontos, mas a história se desenvolvia lentamente. Em 2009, conheceu o Igor e foi a partir daí que Dragon’s Tale se transformou no que é hoje. Igor escreve os capítulos baseados em um roteiro aprovado pelos dois e Fabiano passa os capítulos para os quadrinhos. Max Andrade teve a idéia para Tools Challenge pois trabalhava em um depósito de ferramentas. Ele uniu a vontade de fazer mangá com as peças que o rodeavam todo tempo e criou a obra para um concurso. Ele decidiu dar continuação à história e foi assim que Tools chegou ao seu terceiro volume. Max é o responsável por criar e ilustrar a sua própria obra, porém ele conta com a ajuda dos editores da Draco para dar auxilio em seu caminho. Diferente das outras duas obras, A Lenda de Bóia, possui artistas que trabalham como Freelancers cuidando do design dos personagens e da ilustração do mangá. Além de uma equipe completa trabalhando na divulgação e edição do projeto. A criação se originou de um roteiro para filme que não deu certo. A Última Primavera deveria contar a história de um príncipe indígena (esse seria o Bóia) em seus vinte e tantos anos de idade. Po-

86 | POP UP!

rém, o orçamento para o projeto foi maior que o esperado e a ideia foi engavetada. Mas Léo Andrade, o autor, não desistiu da sua invenção e decidiu tentar o mercado profissional de quadrinhos “Refleti sobre que já havia no mercado e o que poderia ser criado, e pensando em minha filha, resolvi conta a história do daquele príncipe indígena, quando criança.Assim nasceu o Bóia atual.”

É possível ser um autor de mangás de sucesso internacional morando no Brasil? Uma das grandes dúvidas que atingem artistas iniciantes e até autores mais experientes é a questão do reconhecimento da obra em outros países, principalmente no Japão. Sobre essa questão, Léo Andrade, autor do Bóia, tranquiliza os colegas “os autores

têm criado obras de qualidade tão grande que acredito que está próximo de alguma cair no gosto do público e se popularizar, tanto aqui, quanto lá fora.” Max Andrade é um exemplo de sucesso fora do país. O autor de Tools Challenge foi um dos campeões do concurso internacional Silent Mangá Audition, que tem sede no Japão, com a obra Wannabe a Legend! O concurso tem como base a criação de histórias em quadrinhos sem nenhuma fala, para que pessoas de qualquer lugar do mundo possam entendê-lo. Além de campeão, Max foi chamado para integrar a equipe SMA Master Class selecionada através de alguns vencedores do concurso. Essa turma de autores partiu no dia 27 de janeiro para o país do sol nascente. Eles devem participar da premiação do concurso. Além de ter inicio a inserção desses autores no mercado de quadrinhos japonês. O autor já havia participado quatro vezes do concurso e essa seria sua última oportunidade de acumular pontos para participar da equipe SMA Master Class de 2017. Max explicou que foi através de estudo das suas próprias idéias anteriores que conseguiu criar a história que lhe rendeu o prêmio “Vi o que tinha feito nos trabalhos anteriores, coletei os pontos fracos e fortes, e juntei isso com a minha vontade de fazer uma história de comédia e Kaijus (monstros como o Godzilla)”. Questionado se o Brasil poderia se tornar uma referência em HQs estilo mangá, Max responde “Os japoneses acham que sim. Acho que estamos em um nível excelente. O que falta é reconhecimento do nosso próprio público.”


Quer saber um pouco mais? Dá uma olhada no que a equipe PopUp! separou para você!

Argumento Igor Guanandy, Arte: Fabiano Santos

Na história, os humanos nascem com uma ferramenta junto deles. Os humanos que tem uma ferra men t a s érie ouro não podem ficar longe delas por mais de quinze anos, pois depois desse tempo, eles morrem. O protagonista Raion está para completar os quinze anos longe de sua ferramenta que foi roubada. Ele descobre que ela está em um torneio onde os competidores lutam usando suas ferramentas para ganhar um grande prêmio. Ele agora tem que vencer os oponentes para conseguir reaver sua ferramenta antes que o tempo acabe.

Arte e argumento: Max Andrade

Argumento: Léo Andrade, Arte: Danusko Campos

O mangá conta a história de Bóia, um garoto indígena e seu amigo Kugo, um mico leão dourado. Juntos, os dois buscam o fim da maldição que atingiu seu povo. A história se passa no século 17. O mangá está em seu primeiro volume e em andamento.

Nesse universo, dragões existiram no passado e se envolveram com os humanos. Dois clãs opostos são descendentes desses dragões. A história segue o protagonista Yan, lutador de artes marciais e briguento que enquanto procura por oponentes a altura para lutar, é obrigado a enfrentar seu próprio passado, que ele tenta esquecer.

POP UP! | 87


HQS

Festa Estranha, com gente esquisita

Fizemos uma visita ao maior e mais aguardado evento de cultura pop da América Latina

H

á 2 anos, a Comic Con brasileira é realizada na cidade São Paulo e traz uma gama de atrações relacionadas a séries, quadrinhos, cinema, games e música. A edição da CCXP do ano passado aconteceu em novembro e foi a que alcançou o maior número de público, com 192 mil pessoas. A PopUp! marcou presença e conversou com uma galera que estava por lá. Confira as entrevistas e nossa galeria de fotos.

TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: MARIA BEATRIZ DOS REIS

Dilson Siud, 27 anos, músico

[PopUp!] - Qual foi o momento mais marcante? Por quê? - Assim como em 2015, acredito que é possível dizer que a presença do Frank Miller é o ponto alto do evento. Um dos maiores escritores de HQ da história veio ao nosso país, mesmo num estado de saúde debilitado, para participar de painéis e atender aos fãs. Isso, por si só, já faz com que a feira tenha valido a pena. Porém, infelizmente, não consegui senha em nenhum dos anos para vê-lo e pegar um autógrafo. Então, para mim, em 2016, o momento mais marcante foi a dobradinha de painéis de Bill Sienkiewicz e Brian Azzarello, respectivamente lendários desenhista e roteirista, ambos vencedores do Eisner Award (o “Oscar dos Quadrinhos”), que sentaram com a galera no Auditório Prime, responderam perguntas, falaram de suas carreiras

88 | POP UP!

e deram dicas para artistas iniciantes. O Bill até desenhou lá. Poder ver o mais respeitado ilustrador da Elektra desenhando na sua frente é uma experiência única.

[PopUp!] - Como fã, qual a importância desse evento para você? - Quem é brasileiro sabe o quão caro custa ir para uma Comic-Con nos EUA. Até 2014, sequer sonhávamos com a possibilidade de um evento de tamanha magnitude nas nossas terras. Até quando anunciaram, eu achei que ia ser um evento mornão cheio de Youtubers, porém, posso dizer que nunca fui tão feliz em quebrar a cara. Portanto, a importância de um evento como esse no Brasil é a de nos aproximar dos nossos ídolos estrangeiros (e brasileiros também), que teríamos pouca ou nenhuma chance de conhecer e conversar em outro lugar, mesmo que por poucos minutos. Além disso, a interação com os estandes, lojas e outros fãs, é divertida e inspiradora, pois você sabe que qualquer uma dentre aquelas milhares de pessoas está tão feliz e emocionado quanto você. É realmente um evento de “padrão gringo”, aqui pertinho da gente.

[PopUp!] - Você desenvolve algum trabalho relacionado à esse evento? Se sim, pode falar um pouco sobre? - Sim! Porém, não é diretamente relacionado com a Comic Con. Eu sou colunista de um site chamado Terra dos Coquinhos, e escrevi resenhas dos dois painéis que comentei nas perguntas

Foto: Dilson Siud

[PopUp!] - Essa foi sua primeira Comic Con? Se não, o que essa teve de melhor/pior em relação às outras? - Não, fui em 2015 também. Eu não vi a primeira, de 2014, mas posso afirmar que o evento aumentou muito do ano passado para cá, provavelmente pelo fato das reformas do Expo São Paulo (espaço onde acontece a CCXP) estarem num estágio bem mais avançado. Em 2015, a reforma atrapalhou muito, tivemos que andar por pedaços irregulares e cheios de terra até chegar dentro da exposição (imagine os cadeirantes e pessoas com dificuldade de locomoção). A falta de espaço também deixou muita coisa apertada e tomando espaço de outros estandes.

Esse de marrom é o Dilson. Na CCXP do ano passado, ele conheceu o Affonso Solano , criador do podcast Matando Robôs Gigantes

acima. Como os painéis tem lugares limitados, achamos interessante anotar tudo para que, quem não conseguiu lugar no auditório (ou mesmo não foi ao evento), pudesse aproveitar também um pouco das palavras de dois grandes mestres do universo da nona arte.

Você encontra as resenhas escritas pelo Dilson nos links abaixo: -> terradoscoquinhos.wordpress. com/2016/12/19/bill-siekiewicz-ccxp/ -> terradoscoquinhos.wordpress. com/2016/12/24/azzarello-ccxp2016/


Bruno Soares, 22 anos, e Daniel Batista, 21 anos - estudantes de design, quadrinistas e ilustradores

[PopUp!] - Como foi a concepção do grupo? Quando e por que? [Daniel Batista] - Ah, pelo que eu me lembro, a ideia de fazer o grupo foi meio que junta. E não duvido nada que outras pessoas que tenham passado pela faculdade não tenham pensado em criar algo que juntasse o interesse de fazer quadrinhos ou animação com o curso. Só que nunca havia sido realmente criado até então. Foi assim que a gente se juntou e começou a idealizar o grupo para que a galera botasse fé que o GAS iria rolar de fato. Aí, desde que começaram os encontros coletivos lá por novembro de 2015, a vontade de continuar com o GAS só aumenta. [PopUp!] - Como surgiu a ideia de se inscrever para o Artists’ Alley? Como foi o processo até a confirmação de que vocês realmente teriam uma mesa lá? [Bruno Soares] - Quando as inscrições para as mesas do Artists’ Alley da CCXP abriram, lá pro começo de 2016, a gente ficou animado e pensamos que seria uma boa oportunidade para divulgar nosso grupo e nosso trabalho. A gente não esperava ter muitas chances no meio de tantos nomes fortes do quadrinho brasileiro, mas acabamos sendo selecionados. Isso nos motivou a produzir nossas duas coletâneas do GAS (“A Última Vez” e “Reviver”) e tornou possível que o Daniel lançasse seu quadrinho autoral por lá também, o “Beabá”. [PopUp!] - Quais foram as experiências mais marcantes? [Bruno Soares] - Pra mim, a experiência mais marcante foi poder conhecer outros artistas que também estavam com mesa. Acredito que por ser difícil viver de quadrinhos no Brasil, existe uma união entre os artistas e um respeito mútuo. Eu senti isso lá. Poder se sentir parte desse meio é bem legal e animador.

[Daniel Batista] - Olha, lançar minha primeira HQ, por si só, já é demais, mas lançar num evento que junta os artistas e quadrinistas do Brasil que você tanto admira e que te inspiram foi foda! Lá, a gente vê as pessoas por trás da obra, que eles têm uma história além daquela contada num gibi e que eles estão no mesmo barco que você, lutando de alguma forma para que o quadrinho brasileiro aconteça. E ele está acontecendo! Eventos como esse só tendem a solidificar esse mercado de quadrinhos que existe mas que ainda tem seus desafios pela frente.

[PopUp!] - Como profissionais desse ramo, de que forma vocês acham que a participação na Comic Con vai acrescentar para o trabalho que produzem? [Bruno Soares] - Acho que nossa estreia no Artists’ Alley foi importante para mostrarmos o que nós fazemos aqui para novas pessoas e, aos poucos, conquistar nosso espaço em futuros eventos. E, também, conhecer o que outros artistas estão produzindo, que a cada ano parece aumentar mais, isso nos motiva a criar e lançar nossos próprios materiais em eventos. [Daniel Batista] - É bem isso! Conhecer novas pessoas, artistas, o público, qual o foco do evento com esse público e quem sabe abrir novos eventos a partir dessa participação. Só que, apesar de estar atento ao que acontece na CCXP, não será a mesma coisa que no outro grande evento de quadrinhos que acontecerá esse ano, o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), por exemplo. A CCXP é só mais uma faceta do que a gente vai conhecer pela frente, mas já foi uma grande e ótima experiência.

Foto: Daniel Batista

Os meninos são membros do Grupo de Artes Sequênciais (GAS) e estiveram presentes na Artists’ Alley da CCXP, que é um espaço para que quadrinistas independentes e artistas que atuam nas grandes editoras possam interagir com o público e vender prints, sketchbooks, artes originais e outros materiais.

Na foto, Daniel (esquerda) e Bruno (direita) um dia antes da abertura da CCXP 2016. Você pode conferir o trabalho deles e do GAS pelo Facebook: fb.com/nankineater fb.com/betoeabahq fb.com/gasunesp

A Comic Con Expe rience 2017 acontecerá entre os dias 7 e 10 de dezembro em Sã o Paulo, e contará, pela primei ra vez com a edição chamada CC XP Tour Nordeste, que será realiza da em Pernambuco entre os di as 13 e 16 de abril desse ano, no Centro de Convenções de Pern ambuco.

POP UP! | 89


HQS

Galeria N

ossa equipe contou com a ajuda do Matheus Araújo, 20 anos e futuro jornalista, para a produção da galeria. Ele foi em um dos dias do evento e também comentou um pouco sobre essa experiência:

“Acho que o mais marcante foi quando entrei lá no primeiro dia, porque me dei conta da grandiosidade do evento, com todos os estandes, etc. Um evento desse é importante por dar certa visibilidade para a cultura geek. Claro que algumas coisas já estão consolidadas, como a Marvel e DC, essas empresas mais conhecidas, mas a Comic Con traz uma variedade de recursos para o público. Eles destinaram um grande espaço para os artistas brasileiros, por exemplo, dando visibilidade para os cartunistas e HQs do nosso país. Em um evento desse porte, muita gente aparece, porque ele é destinado a todo mundo. Tinha desde idosos à crianças, de fãs querendo ver algum painel específico à cosplayers querendo mostrar seu trabalho. Então eu acredito que esse evento é uma união de vários grupos sociais também.”

O Espaço

O comentário geral em relação ao local onde a CCXP acontece foi de que melhorou muito em comparação ao ano passado. A área ocupada era de 100.000 metros quadrados, ultrapassando muitas outras edições ao redor do mundo, inclusive a de San Diego, nos Estados Unidos.

As Action Figures Estas são Action Figures, réplicas de atores e personagens do cinema e da cultura nerd hiper-realistas e hiper-caras, voltadas para o mercado de colecionadores. A Comic Con é uma vitrine que aproxima as empresas que fabricam esses produtos do seu público.

90 | POP UP!


Trajes oficiais

Os Cavaleiros do Zodíaco

Arrow

Power Rangers

Star Wars

Mulher Maravilha

Cosplays E é claro que a galera que é fã aproveita para se vestir igual aos seus heróis ou vilões favoritos. Vale personagens de filmes, séries, quadrinhos e até games. Algumas fantasias são mais simples, outras mais elaboradas, o importante é entrar no personagem e se divertir!

Convidados

mandando ver no Pessoa l de Sense 8 ge Manne quin Challen

ndo sobre Neil Patrick fala m S érie Desventuras e

Frank Miller, autor e ilustrador de HQs

Os artistas convidados também são um ponto alto do evento. Ano passado, foram recebidos: os elencos de Sense 8, Shadowhunters e 3%, Neil Patrick, Frank Miller, Milla Jovovich, Adam Nimoy, Evanna Lynch, Mark Pellegrino, entre outros.

POP UP! | 93


ANÚNCIO

92 | POP UP!


1

C

Cenário

1.1

R

Realidade

1.2

Sd

Suspensão de descrença

1.3

D

Descrição

1.4

Pn

Personificação

2

P

Personagens

2.1

Pv

Ponto de vista

2.2

Cr

Caracterização

2.3

Ar

Arquétipo

3

5

T

Tc

Trama

3.1

Cd

Curva dramática

Técnica

4

Tm

Temática

3.2

4.1

Conflito

Moral

Cf

3.3

R

Revelações

M 4.2

Mv

Motivação

5.1

Vc

Vocabulário

5.2

Cn

Continuidade

5.3

Rf

Referências

Do que são feitas as histórias? Você já se perguntou como uma série, filme ou história em quadrinhos conseguiu funcionar melhor do que a outra? O que fazem dos grandes contadores de histórias melhores que outros? Os elementos da ficção estão aqui para te explicar

TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: RAFAEL GUIMARÃES / FOTOS: REPRODUÇÃO

POP UP! | 93


A

cultura pop está povoada de grandes narrativas. Saindo das histórias mais épicas sobre guerras entre planetas até uma simples história romântica, existem infinitas possibilidades ao se contar uma história. Mas existem também, fórmulas comuns que farão o conto funcionar. Pequenas peças que compõe o que está sendo contado. São os elementos da ficção, os tijolos usados para construir a história. Da mesma forma que um pintor usa diferentes cores e técnicas para compor um quadro, um contador de histórias ou escritor usa esses diversos elementos para criar sua narrativa. Estudiosos já tentam compreender quais eram os átomos que compunham o mundo ficcional há muitos anos, sem a criação de grandes consensos. Alguns apontam a existência de apenas três grandes eixos necessários a uma história. Outros chegam a indicar a existência de um total de nove características essenciais a uma narrativa. O mais famoso dos estudiosos que dedicou sua carreira a entender as narrativas provavelmente seja o mitologista Joseph Campbell, que em 1949 publicou o livro O Herói de Mil Faces. No livro, ele comparava os heróis de diversos mitos de culturas antigas e mostrava como esses povos haviam contado histórias semelhantes mesmo sem quaisquer contatos uns com os outros. Ele reconheceu uma estrutura de história em que esses heróis eram colocados para enfrentar conflitos em uma ordem recorrente nas diferentes histórias. Ele chamou essa estrutura de “monomito”. Anos mais tarde, um cineasta usou a estrutura reconhecida por Campbell para criar um mito moderno sobre um herói em meio a uma guerra espacial. O nome do cineasta era George Lucas e a história que ele criou usando como base o monomito foi filmada e lançada no cinema com o nome de Star Wars. O sucesso absoluto do filme e de suas continuações foram o suficiente para tornar tanto o cineasta quanto o mitologista em lendas da indústria do entretenimento. Outro que dedicou tempo a entender o que faz uma história funcionar foi Kurt Vonnegut, autor de Slaughterhouse-Five, um dos livros de maior sucesso da ficção científica. Vonnegut passou boa parte de sua vida se sustentando com discursos em formaturas universitárias. Em diversos deles, deu conselhos sobre como contar uma boa história. Entre outras coisas, ele apontava a necessidade de se dominar os elementos da ficção para poder alcançar o sucesso literário. Mas para apresentar os elementos da ficção aqui, precisamos primeiro decidir quantos eles são, o que significa aceitar o trabalho de um dos estudiosos. Isso não significa, é claro, que outros especialistas falaram besteira. Para facilitar um pouco as coisas, vamos seguir aqui a divisão em cinco elementos proposta pela teorista Jenna Bloom.

94 | POP UP!

1

C

Cenário

Cenário

T

oda história precisa acontecer em um “onde” e em um “quando”. A localização espacial e temporal da história é relevante para que o público possa compreender as “regras” da história e compreender o que é possível ou não de acontecer. É como se a história firmasse um acordo com o seu público sobre o que é aceitável ou não na narrativa que vai ser passada. Imagine, por exemplo, que você vá ao cinema assistir um filme que conta uma história que se passa no mundo “real”, contando a história de um grupo de gangsters que roubam um banco. Eis que, no meio da história, aqueles gangsters se revelam, na verdade, alienígenas. Se a mudança for muito brusca e feita sem indicações anteriores dificilmente será aceita pelo público. A esse acordo damos o nome de “suspensão de descrença”. Além disso, o cenário é quem dá um clima geral da história, por vezes aparecendo até mesmo como um tipo de personagem. Existe um forte exemplo disso na literatura brasileira: o livro O Cortiço é ostensivamente apresentado como um caso em que o cenário, um cortiço no Rio de Janeiro, participa da história ativamente. Na cultura pop não faltam exemplos também. Na série Lost, a ilha onde a história se passa é até mesmo referenciada nos diálogos dessa forma, além de constantemente ocupar os papéis de vilã ou donzela indefesa da história. Quando falamos de cenário bem construído, o grande exemplo presente na ficção é o da franquia O Senhor dos Anéis, que tem uma preocupação especial com o assunto tanto nos livros quanto nos filmes inspirados por eles. Muitas pessoas acreditam até mesmo que o autor J. R. R. Tolkien escreveu a história com a única intenção de mostrar para o mundo o cenário que havia criado.

Senhor dos Anéis: viajando pela Terra Média


2

P

Personagens

Personagens

N

a verdade, a definição do termo personagem para os estudiosos das narrativas é o de um agente que participa ativamente da história. Ou seja, tudo aquilo que realiza ações com uma intenção e não apenas reage ou age por instinto. Ou seja, um objeto ou animal pode ser apresentado como personagem, desde que na narrativa o autor inclua uma intenção para alguma ação por ele realizada. Um exemplo disso é o livro Christine, de Stephen King, e sua adaptação para o cinema. Na história, um carro com intenções assassinas causa uma série de mortes. Por vezes, isso é ainda mais aprofundado, como quando o cenário, ou parte dele, é transformado em um personagem com intenções e objetivos próprios e discerníveis. A questão do uso desse elemento é que existem diversos caminhos completamente diferentes para os quais ele pode ser direcionado sem que um ou outro seja melhor. Como exemplo, podemos pegar as séries Orange is the New Black e Black Mirror. Enquanto na primeira a decisão é de caracterizar e especificar os personagens ao máximo, dando a eles realidade e aproximação, na segunda a intenção é que os personagens sejam os mais genéricos o possível, de forma que o espectador possa acreditar que o que acontece com eles pode acontecer consigo também. Ambas as decisões são opostas, mas se mostram acertadas para atender as necessidades das obras. Na literatura brasileira, um grande caso de uso de personagens é o livro Capitães de Areia, de Jorge Amado, que apresenta personagens genéricos com o intuito de que eles representem arquétipos de pessoas. Na cultura pop, um grande exemplo de uso de personagens é o filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, que tem como foco caracterizar e apresentar a personagem do título.

Orange is the new black: você se importa com elas

3

T

Trama

Trama

A

trama é a sequência de acontecimentos que irá carregar o cenário e seus personagens do ponto A até o ponto B. Alguns estudiosos caracterizam o conflito como um elemento aquém deste, responsável pelas mudanças que ocorrerão. Isso vai contra com o conceito de história do monomito, uma vez que a intenção do herói mitológico descrito por Campbell é fazer o mundo retornar para onde estava quando a narrativa se iniciou e não alterá-la. O conflito e sua propriedade alteradora são uma característica possível à trama, mas não obrigatórios. Em histórias que se focam no enredo temos uma sequência de revelações que quebrarão as expectativas do leitor enquanto ao mesmo tempo o carregam para um estado maior de tensão e desejo de saber o que acontece em seguir. Isso é muito bem exemplificado em obras dos gêneros de suspense. Quando se fala deste elemento as pessoas acreditam que ele será sempre o mais relevante de uma narrativa, o que não é verdade. Muitas vezes a trama será usada apenas como um auxílio para passar uma mensagem, para revelar os encantos ou terrores de um cenário, para apresentar profundamente um personagem ou para possibilitar uma demonstração das técnicas dominadas pelo autor. Um exemplo é o já citado O Senhor dos Anéis, que usa seu enredo como desculpa para uma viagem pelo cenário, ou os filmes de James Bond, que tem por função apresentar as capacidades do personagem. Quando esse elemento é priorizado, entretanto, temos algumas das histórias mais cativantes. No filme A Garota no Trem (2016), os personagens genéricos são usados apenas para escalar os eventos de forma tensa. Em O Homem Duplicado (2013), não existe nenhum elemento que não seja usado como suporte para a revelação final. Na literatura, um bom exemplo são os livros da saga Crônicas de Fogo e Gelo, um sucesso na forma da sua adaptação para TV, a série Game of Thrones.

Game of Thrones: não adianta tentar advinhar nada

POP UP! | 95


4

Tm

Temática

Temática

C

om toda certeza você já leu ou ouviu uma história para crianças que terminava com uma “moral da história”. Essa era a temática da narrativa, apresentada dessa forma para facilitar seu entendimento. Isso não quer dizer que apenas histórias de ninar tem uma mensagem para passar. Muito pelo contrário: é possível achar uma moral em qualquer história. A temática e os temas que a compõe são ao lado da trama as questões mais estudadas das obras literárias. A pergunta “o que o autor queria passar” é uma constante. Muitas vezes é o que faz as pessoas gostarem ou não de uma história. Será, por exemplo, que não gostaríamos menos de filmes como Wall Street – Poder e Cobiça (1987) não fosse sua poderosa mensagem acusando todas as pessoas que usam o capitalismo para se darem bem sobre as outras? Ou será que Beleza Americana (1999) seria um filme tão poderoso se não tratasse sobre os instintos que reprimimos em nome da civilidade? Temos grandes exemplos opostos. Enquanto a saga Crônicas de Nárnia se preocupa em passar uma mensagem de aceitação cristã e salvação através da crença, substituindo Jesus Cristo pelo leão Aslam, os livros da série Fronteiras do Universo, de Philip Pullman, apresentam as ideias de ateísmo e desafio a dogmas religiosos para adolescentes. Enquanto algumas obras se apresentam monotemáticas (e daí surge o conceito de monotonia na narrativa), algumas outras conseguem apresentar uma quantidade absurda de temas em pouco tempo, ainda que selecionem um deles como seu principal motivo. Em Seven – Os Sete Crimes Capitais a apresentação de motivos vai muito além dos pecados que inspiram a história, passando pelas questões de aposentadoria de um personagem que viu demais da vida, do começo terrível de carreira de outro personagem, a relação de sucessão entre ambos. Todos esses assuntos juntos enriquecem a história.

Se7en: tanta moral que até dói

96 | POP UP!

5

Tc

Técnica

Técnica

E

ncerrando, temos a técnica, que simboliza a capacidade de um autor de cativar o público para sua obra. Em diversas mídias, a técnica varia enormemente devido aos meios de produção, mas é sempre possível repetir ou adaptar algumas que se relacionam com a narrativa. O uso do diálogo, do vocabulário, de clichês e de algumas ferramentas de trama como a virada de trama são caracterizadas como parte da técnica, uma vez que exigem treino e aperfeiçoamento para serem feitos corretamente. É claro que todos os autores irão sempre usar de técnica e prezar por ela, mas normalmente isso é apenas uma forma de favorecer os outros elementos. As obras em que esse elemento é o prioritário são mais difíceis de encontrar do que as demais. Isso talvez se deva ao fato de que uma grande exibição de técnica pode soar como arrogância, mas também está relacionado ao fato de que esse elemento é extremamente favorecido na ficção feita com o intuito de ser arte, o que é erroneamente repudiado pelo grande público e pelos autores de entretenimento, que favorecem uma técnica simplificada. Um grande exemplo de exibição de gala técnica é a série de livros Desventuras em Série, escritas sobre o pseudônimo Lemony Snicket, além da série de televisão inspirada por essas publicações. O autor faz uso de um vocabulário com palavras rebuscadas que reforça o ar gótico do cenário, ao mesmo tempo quebrando constantemente a quarta parede para pedir ao leitor que não continue acompanhando a história, devido ao seu alto grau de tristeza e injustiça. Outro bom exemplo de técnica narrativa apurada é o do desenho Hora de Aventura, que tem por característica fazer um uso forte da continuidade, outra ferramenta técnica, para fazer constantes associações e dar um ar de prosseguimento a sua narrativa episódica.

Hora de Aventura: haja técnica pra lidar com tanta coisa


ANÚNCIO

POP UP! | 97


LITERATURA

os heróis do novo milênio

Nos dez anos de A Rainha do Castelo de Ar, terceiro livro da trilogia Millenium, revisamos a série e seus dois maiores personagens

TEXTO: JOÃO PEDRO FÁVERO / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

98 | POP UP!


U

m jornalista que preza sempre pela verdade e transparência acima de qualquer outro fator na profissão. Uma garota símbolo dos novos tempos: visual gótico, cheia de tatuagens e piercings e a maior hacker que já existiu. Uma trama megalomaníaca que faz críticas ativas às alas conservadoras políticas e sociais suecas e mostra a sujeira resultada das espionagens durante a Guerra Fria. O terceiro volume da série Millenium, A Rainha Do Castelo de Ar, completa 10 aos em 2017, e com ele o fechamento na história de uma das melhores personagens deste século: Lisbeth Salander. Chega a parecer estranho como os dois últimos volumes da trilogia tomam um rumo diferente de Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, primeiro livro da série. Um thriller que desenvolveu muito bem o jornalista Mikael Blomkvist e nos deixou apenas uma apresentação das motivações de Lisbeth, com todo o passado dela escondido nas sombras, focando principalmente o mistério do desaparecimento na família Vanger, o serial killer de mulheres envolvido e a reconstrução da carreira de Blomkvist. É durante o segundo livro, A Menina Que Brincava Com Fogo, que uma investigação de Mikael, sobre tráfico de mulheres,

se cruza com a história de Lisbeth e começamos a ver como a história gravitaciona por ela, tendo uma ideia da riqueza da personagem. Segundo a psicóloga Mariana Martins, “Lisbeth representa a força de todas as mulheres. Ela é vítima de abusos sexuais e de repressões do Estado e não se abala, se vinga. Ela não abre mão de si mesma.”

“LISBETH REPRESENTA A FORÇA DE TODAS AS MULHERES. ELA É VÍTIMA DE ABUSOS SEXUAIS E DE REPRESSÕES DO ESTADO E NÃO SE ABALA, SE VINGA. ELA NÃO ABRE MÃO DE SI MESMA.” - MARIANA MARTINS Após a morte do escritor Stieg Larsson em 2005, alguns amigos próximos dele disseram que a criação da personagem se deu de um incidente quando Larsson era adolescente, quando presenciou um estupro coletivo de uma conhecida de nome Lisbeth. Se sentindo culpado de não ter impedido o acontecimento, ele criou a personagem, também sobrevivente de um estupro. A trilogia já vendeu cerca de 80 milhões de cópias no mundo todo, sendo que Larsson

foi o primeiro autor a vender mais de um milhão de cópias eletrônicas de um trabalho no gadget Amazon Kindle. Há também adaptações suecas dos três filmes, que contam com Noomi Rapace como Lisbeth e Michael Nyqvist no papel de Mikael Blomkvist. O primeiro livro, Os Homens Que Não Amavam As Mulheres recebeu uma adaptação americana, dirigida por David Fincher e interpretações de Rooney Mara e Daniel Craig. Um quarto livro, A Garota Na Teia de Aranha, foi lançado em 2015, escrito por David Lagercrantz, autorizado pela família de Larsson. Porém, Eva Gabrielsson companheira de longo tempo de Larsson e detentora dos manuscritos de um quarto, quinto e sexto livro - desaprovou duramente o projeto, que não utilizou esse material. O livro foi criticado por humanizar os dois personagens principais, tirando o aspecto cartunesco que os expandia. Há um projeto para adaptação cinematográfica do livro, dirigida por Fede Alvarez, mas não contará com participação de Mara ou Craig. Lagercrantz já disse que aceitaria escrever um quinto livro para série, portanto podemos esperar mais aventuras e lições vindos de Mikael e Lisbeth, a maior heroína surgida neste século, simplesmente por agir da forma que ele demanda.

POP UP! | 99


ENSAIO

100 | POP UP!


REPRESENTATiviDADE na

CuLTuRA PoP

POP UP! | 101


ENSAIO

A iMPoRTÂNCiA DE DAR ESPAÇo A todos os GRUPoS SoCiAS TEXTO: LARA PIRES E BRUNA HIRANO / DIAGRAMAÇÃO: LARA PIRES / FOTOS: LARA PIRES

A

ficção é mais do que entretenimento. O cinema, as séries televisivas e quadrinhos ditam tendências e comportamentos a serem seguidos diariamente. Por esta razão, tudo que se é consumido na cultura pop torna-se também educativo. Daí entra importância da representatividade de minorias dentro da indústria do entretenimento. O problema é que quando se trata de cinema, por exemplo, a desigualdade é tão chocante que, em toda a história da premiação, apenas 7% dos vencedores foram homens negros. Já ao se tratar de gênero, Halle Barry foi a única mulher a ganhar o prêmio de melhor atriz, em 2002, por “A última Ceia”. Em 2015, a atriz Viola Davis venceu o Emmy Award (prêmios atribuídos a programas e profissionais da televisão) de melhor atriz em série de TV. Neste mesmo ano, 77% dos papeis femininos na televisão americana foram de mulheres brancas. Em seu discurso ao receber o prêmio, Viola destacou: “A única coisa que separa mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade. Não é possível vencer um Emmy por papeis que simplesmente não estão lá”. Após protestos nas redes sociais através da campanha “#OscarsSoWhite (Oscar tão branco que...)”, algumas mudanças ocorreram nas indicações da edição do prêmio em 2017. Depois de dois anos só com atores brancos indicados nas categorias de atuação, o Oscar tem o maior número de negros indicados em toda a história do prêmio. A Academy Awards indicou seis atores negros, além de indicações de melhor diretor para Barry Jenkins, por “Moonlight: sob a luz do luar”, melhor fotografia para Bradford Young por “A Chegada”, melhor roteiro adaptado para Tarell Alvin McCraney, por Moonlight e August Wilson por “Um Limite Entre Nós”. Há destaque também na categoria de melhor documentário, em que são indicados “A 13ª Emenda , por Ava Duvernay e “I Am Not Your Negro”, por Raoul Peck. Já na indústria de quadrinhos, a representatividade caminha cada vez mais em direção a ganhar o seu espaço. Recentemente, a Marvel Comics anunciou substituições no seu mundo de super-heróis. A Ironheart (Riri Williams) surgiu para substituir Tony Stark, sendo uma mulher negra. Miles Morales é um jovem negro que passa a ser o novo Homem-Aranha, vale lembrar que os quadrinhos dele já estão circulando no mercado. Podemos destacar também a Ms. Marvel (Kamala Khan), mulher e paquistanesa. Letícia Ferreira, jornalista e ativista do movimento negro, afirma que a cultura pop ajuda as pessoas a construírem sua identidade. “A presença de pessoas negras na cultura pop faz com que negros se espelhem. ” Ela explica que na questão de gênero existe um ideal de beleza muito distante de pessoas negras, ainda mais de mulheres negras. “É importante para as jovens ter um referencial de que elas são normais”, afirma. Mas ainda temos um longo caminho pela frente. Com isso em mente, o ensaio fotográfico da equipe do POP UP! visa transformar a minoria que é tanto invisibilizada pela mídia audiovisual em verdadeiros ícones da cultura pop. Confira a nossa versão da Princesa Leia, de Star Wars e vire a página!

102 | POP UP!


POP UP! | 103


ENSAIO

104 | POP UP!


A presença de pessoas negras na cultura pop faz com que negros se espelhem. É importante para meninas jovens terem um referencial, saber que são normais, afirma Letícia Ferreira

POP UP! | 105


ENSAIO

106 | POP UP!


A única coisa que separa mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade. Não é possível vencer um Emmy por papeis que simplesmente não estão lá - Viola Davis

POP UP! | 107


108 | POP UP!


POP UP! | 109


110 | POP UP!


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.