REVISTA POP UP - DIAGRAMAÇÃO BRUNA HIRANO

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EXPEDIENTE

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

Departamento de Comunicação Social

Reportagens: Bruna Hirano, Gabriela Ravazzi, João Pedro Fávero, Lara Pires, Lucas Octaviano Cinchetto, Maria Beatriz dos Reis, Nilo Vieira, Rafael Guimarães e Talita Bombarde

Jornalismo - 3º termo

Equipe de diagramação: Lara Pires, Maria Beatriz dos Reis, Rafael Guimarães Chefe de diagramação: Bruna Hirano

Ensaio fotográfico: Lara Pires Tratamento de imagem: Bruna Hirano

Planejamento-Gráfico Editorial III Responsável: Prof. Pedro Santoro Zambon

Equipe de revisão: Gabriela Ravazzi, João Pedro Fávero, Lucas Octaviano Cinchetto e Nilo Vieira

Arte da capa e do infográfico central: Bruno Soares Freire de Carvalho e João Macedo

Bauru Março de 2017.

Revista POP UP! Editora-chefe: Talita Bombarde

Jornalismo Impresso III Responsável: Profº. Dr. Mauro de Souza Ventura (MTB- 6235)


EDITORIAL

O POP NÃO POUPA NINGUÉM Já pensou em encontrar feminismo, jogos interativos, música, franquias milionárias e Inteligência Artifical em um só lugar? Nessa primeira edição da POP UP! trazemos todos esses temas e outros da cultura pop para você que gosta de sair da caixinha. Para agradar desde o iniciante na cultura pop até o fã mais fiel, a revista está repleta de análises, resenhas e novidades escritas de um jeito crítico e alternativo. Acreditamos que a cultura pop, por meio de conteúdos atraentes e divertidos, pode estimular você a refletir sobre suas ações e o seu lugar no mundo. Com personagens complexos, histórias reflexivas e dramas atuais, a cultura pop ajuda a moldar o imaginário de seus seguidores que se espelham nesse universo para, assim como os heróis, tentar tornar o mundo um lugar melhor. Boa leitura! Ergam seus sabres de luz e cuidado com os anfitriões! Equipe POP UP!

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18 08

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74

64

GAMES

CINEMA

SÉRIES

06 Faça Sua Própria História 07 Yu-Gi-Oh! 08 Jogos de Tabuleiro

15 Star Wars 18 Power Rangers 20 Mulheres no Cinema 26 Dicas de Filmes 28 Paletas de Cores

32 Westworld 36 Super Séries 40 Crítica de Anime 43 Silenciamento da Erotização Infantil 47 Freak and Geeks 50 Infográfico Zumbi 52 Bates Motel 54 Luke Cage e o Hip Hop

MÚSIC

58 Hip Hop 62 Appetite fo 64 David Bow


4

CA

or Destruction wie

98 100

ÍNDICE ÍNDICE

HQS

LITERATURA

ENSAIO

67 Mulher Maravilha 72 Mercado de Mangás 74 HQs vs. Mangás 80 Dicas de Graphic Novels 81 Mercado de Graphic Novels 84 Mangás Brasileiros 88 Comic Con

93 Elementos da Ficção 98 Millenium

100 Representatividade na Cultura Pop


SÉRIES

“VOCÊ JÁ QUESTIONOU A NAT UREZA DA SUA REALIDADE?” Westworld, nova série da HBO, nos faz questionar sobre a relação entre humanos e andróides TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

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SÉRIES

I

magine a seguinte situação: você está cansado da sua rotina, do seu emprego, dos seus amigos, enfim, da sua realidade. Resolve mudar de vida, pelo menos por alguns dias. Então descobre que existe um parque em que você pode viver aventuras e construir histórias com personagens-robôs com inteligência artificial que estão inseridos no ambiente, como em um jogo de RPG. Tudo isso por uma grande quantia de dinheiro. Tentador, não? Essa é a trama base de Westworld, série da HBO que estreiou em 02 de outubro de 2016 e pretende substituir Game of Thrones. Criada por Jonathan Nolan, Lisa Joy e J. J. Abrams, a série se passa em um futuro tecnologicamente avançado, em que a realidade se torna desinteressante para os humanos. Como forma de escapismo, o parque Westworld é uma opção bastante atraente. No parque, os visitantes (como são chamados os humanos) podem agir conforme seus desejos, sem serem punidos.

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É possível ferir e até matar os anfitriões (andróides), que não passam de mercadoria para os visitantes. De forma fixa, os anfitriões seguem linhas narrativas que foram programadas para cada um deles, cada um tem a sua função e história no parque. Sua programação também faz acreditarem que aquela é a vida deles, sem terem a consciência de que fazem parte de um comércio em que são apenas produtos para a diversão e entretenimento dos humanos. Mas em como todo filme e série sobre inteligência artificial, em certo momento, os anfitriões começam a ganhar consciência sobre quem são e o que estão fazendo. É nesse momento que o plot central da série se inicia, assim como os questionamentos na cabeça de quem está assistindo. Muitas teorias surgiram em grupos de Facebook e sites como o Reddit. Jonathan Nolan, inclusive, participava de algumas discussões no fórum, respondendo algumas dúvidas.

CONSCIÊNCIA VERSUS EXISTÊNCIA Desde o episódio piloto, fica evidente que Westworld é uma série que trata sobre a consciência e existência, tanto dos humanos, quanto dos andróides. Ao decorrer da série, há um contraste entre seres humanos que vão perdendo a sua humanidade e se tornam cada vez mais mecânicos versus seres mecânicos que se tornam cada vez mais conscientes e donos de sentimentos “humanos”. Todo o plot da série nos faz lembrar da famosa frase existencialista de René Descartes: “penso, logo existo”. O filósofo afirmava que o próprio ato de duvidar comprovava a existência daquele que duvidava. Sendo assim, a partir do momento em que os andróides começam a questionar a sua realidade, eles passam a existir, a serem donos de sentimentos e atos, que já não são mais programados pelos humanos e sim pela a consciência que adquiriram.


AS TRÊS LEIS DA ROBÓTICA 1. Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal 2. Os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei 3. Um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores

POP UP! INDICA: • 2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO (1968) • O EXTERMINADOR DO FUTURO (1984) • O HOMEM BICENTENÁRIO (1999) • EU, ROBÔ (2004) • WALL-E (2008) • EX_MACHINA: INSTINTO ARTIFICIAL (2015)

HUMANOS VERSUS ANDRÓIDES Mesmo sendo uma obra fictícia, ela nos faz pensar bastante sobre a nossa realidade atual e, principalmente, sobre o futuro. Será que um dia os andróides irão viver normalmente com os humanos? Será que terão sentimentos? Será que é possível a inteligência artificial dominar os humanos? Abner Rocha é estudante de Filosofia e espectador da série e afirma que os episódios conseguiram deixar não só teorias sobre a trama, mas também sobre o futuro da sociedade em relação aos robôs. Ele afirma acreditar que em algum ponto do futuro, andróides conviverão normalmente com os humanos, seja prestando serviços para eles ou até como apoio emocional, como um “amigo”. Ao ser questionado sobre “a dominação dos robôs” que os filmes e as séries tanto abordam, Abner não descarta a possibilidade, mas julga que se acontecer,

não será de forma violenta como é retratado na ficção. “Não duvido que nas próximas décadas os robôs sejam capazes de criarem outros robôs, creio que o receio será justamente desconhecer as funções e propósitos destes robôs, já que não foram criados e programados por humanos”, conta. No parque Westworld, os humanos não precisam vestir uma máscara de “bom cidadão” e nem praticar boas ações para melhorar a visão de como todos os enxergam, eles são livres para exibirem sua natureza que normas sociais, religião e leis os forçam a esconder. Por isso, Rocha nos conta que se houvesse um parque desse tipo nos dias atuais, as pessoas provavelmente iriam se descobrir ali, o meio em que elas estariam inseridas permitiriam que elas pudessem fazer tudo o que foi impedido na vida real, portanto, assim como o personagem “Homem de Preto” afirma na série, Abner concorda que o parque intensificaria o que as pessoas realmente são.

A série teve o seu último episódio exibido em dezembro de 2016. “The Bicameral Mind” trouxe respostas para os espectadores ao mesmo tempo em que implantou novas dúvidas. O público terá bastante tempo para discutir a série e criar teorias para a segunda temporada, já que ela só volta em 2018. Até lá, ficamos com os questionamentos que a série nos deixou. Afinal, questionar é existir, não é mesmo?

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SÉRIES

INFOGRÁFICO TEXTO, DIAGRAMAÇÃO E INFOGRÁFICO: BRUNA HIRANO


A sétima temporada de The Walking Dead está a todo vapor! Pra entrar na vibe, a POP UP! criou um infográfico informativo pra você conseguir sobreviver caso o apocalipse zumbi saia das telinhas, imagina só! Fique com as nossas dicas:


CINEMA

Paleta de Cores

E A SUA IMPORTÂNCIA NO CINEMA E NA TV TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

V

ocê sabia que as cores influenciam em como uma mensagem é passada ao público? Seja em filmes ou em séries, as cores utilizadas nas telas não estão ali por acaso. O diretor de arte, junto com o diretor de fotografia e colorista, definem os tons de cores que irão ser utilizadas ao decorrer do filme, esses tons formam a paleta de cores. Elas servem para criar estímulos imperceptíveis no espectador, transmitir climas, emoções, gerar

expectativa para as cenas e também direciona toda a cenografia, figurino e objetos presentes na tela. Embora muitos diretores utilizem a psicologia das cores para criar uma estética visual que emociona o público instintivamente (por exemplo: vermelho significa violência e amor), não há forma certa ou errada de usar as cores. Elas podem ter diferentes significados de acordo com o estilo de filme em que estão inseridas.

Assim como nem sempre uma cor é atribuída a apenas um gênero de filme. Todos os filmes precisam de suas próprias paletas de cores para reforçar suas ideias para o espectador. Separamos algumas paletas de filmes famosos para que você consiga identificar a importância dos tons utilizados. Depois dessa matéria, nós apostamos que você irá começar a prestar mais atenção nos tons que aparecem nos filmes. Divirta-se!

O Grande Hotel Budapeste (2014) • Diretor: Wes Anderson Wes Anderson é o diretor queridinho dos paletas de cores no cinema. É quase impossível falar em cores nas telonas e não citar o seu nome. No filme, quando tons pastéis aparecem, normalmente os personagens estão criando algum plano para enganar os seguranças, já que essas cores remetem à infância e acabam sendo interpretadas como “inocentes” aos olhos dos guardas e os personagens conseguem progredir com o plano de fugir. Esses tons mais leves também representam a inocência do amor de Zero e Aghata.

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O Regresso (2015) • Diretor: Alejandro G. Iñárritu

As cores também podem nos ajudar na compreensão da temperatura de uma cena. Em “O Regresso”, filme que deu a estatueta do Oscar ao Leonardo DiCaprio, observamos uma predominância de tons frios (azul, cinza, branco) que reforçam a ideia de frio e isolamento que o enredo conta.

Mad Max: Estrada da Fúria (2015) • Diretor: George Miller

Já em “Mad Max”, vimos diversas cenas de ação frenéticas e explosões, com isso, o filme ganha uma paleta mais “quente” de cores (diversos tons de laranja e marrom, azul petróleo), que reforçam os conceitos exibidos durante o filme.

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CINEMA

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) • Diretor: Michel Gondry

Um filme sobre encontros, amor, desencontros e esquecimento. Com certeza a paleta de cores em tons pastéis do filme sugere a ideia de nostalgia e memórias, que ajuda o filme a ficar ainda mais melancólico.

Drive (2011) • Diretor: Nicolas Winding Refn

Em “Drive” as cores recebem muito contraste, o que remete à identidade do diretor Nicolas Winding Refn. As cenas de seus filmes geralmente têm uma predominância de uma única cor: vermelho, dourado, azul, sempre em tons saturados. Considerado o “salvador do cinema neon”, o diretor traz essa estética aos seus filmes por causa da sua condição em ser dautônico.

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As cores no mundo das séries:

PALETA DE CORES EM BREAKING BAD

Breaking Bad foi uma série de televisão estadunidense criada e produzida por Vince Gilligan, exibida entre 2008 e 2013 pelo canal de televisão por assinatura AMC. Com cinco temporadas, o criador Vince Gilligan pensou muito bem na parte estética para a composição de seus cenários e até figurinos dos personagens, na intenção de passar um significado e uma mensagem para o seu telespectador. Por cada tom escolhido das roupas dos seus personagens, há um significado. Gilligan e a figurinista da série, Jennifer Bryan, trabalharam juntos em todos esses significados. Começando pelo personagem principal, Walter White, ao ser diagnosticado com câncer, o personagem passa a usar roupas com tons mais fortes e até preto. A designer Mariana Iamaguti nos contou que as cores dão o clima da história e servem como elementos semióticos para mostrar o desenvolvimento de um personagem. Por exemplo, quanto mais o personagem Walter White

se envolve com a metanfetamina, mais com tons de azuis suas roupas ficam. Já a esposa do personagem, Skyler White, começa usando bastante azul na primeira temporada, que representa a pureza e lealdade. Quando começa a descobrir os segredos do seu marido, as cores vão se intensificando e se tornam azuis escuras e roxo. Quanto mais ela se torna cúmplice dos crimes do marido, mais escuros os tons das suas roupas ficam. Ainda em relação ao personagem Walter White, Mariana nos conta que na famosa cena em que ele se revela “mal”, o personagem vai tirando as roupas e cada camada de roupa é mais escura do que a anterior, revelando como ele se transformou ao longo do tempo, se aproximando cada vez mais do “bandido”. Já Jesse Pinkman, parceiro de laboratório de Walter White, usa a maior parte do tempo tons vermelhos, que representam a violência e raiva do personagem. Além dos personagens centrais, esse jogo de

cores existe também nos secundários, como os tons de roupa de Walter Jr., o filho do casal, que refletem claramente o apoio a cada um dos pais, de acordo com a época. Quando o filho apoia mais o pai, Walter White, usa tons mais parecidos com os dele, já quando apoia a mãe, Skyler White, usa tons de cores mais parecidos com os dela. Podemos perceber que o autor da série utilizou propositalmente os significados das cores (vermelho: violência, azul: confiança e lealdade, preto: poder e luto, etc) nos tons de roupas de seus personagens, conforme as temporadas passavam e as situações mudavam. Com isso, o telespectador inconscientemente recebia uma mensagem extra, além da verbal, do discurso que o autor queria expor. Além dos figurinos, é importante ressaltar o uso das cores nos cenários. Quando a cena era composta por muita violência, o vermelho predominava na tela, seja nos figurinos ou em objetos da cena.

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MÚSICA

A ESTRELA NEGRA AINDA BRILHA

Mesmo um ano após seu canto do cisne, o legado de David Bowie continua repercutindo

TEXTO: NILO VIEIRA / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

O

ano de 2016 começou amargo: dois dias depois de completar 69 anos e lançar Blackstar, seu mais recente álbum de estúdio, faleceu David Bowie, vítima de um câncer no fígado. Não demorou para críticos e fãs então alçarem o disco ao patamar de clássico, sob a alegação de que o projeto seria uma despedida cifrada (o título também é um termo para o câncer que contraiu) do artista para seus fãs - hipótese confirmada na época pelo produtor Tony Visconti, colaborador de longa data do camaleão. Talvez pelo status canônico de Bowie, o LP tenha escapado de questionamentos mais profundos sobre este hype. No entanto, com o lançamento do EP No Plan no dia 8 de janeiro (data que marcaria o 70° aniversário de David) deste ano, a discussão foi reacesa. Afinal, Blackstar foi ou não o último aceno consciente do britânico em sua arte? De acordo com o documentário The Last Five Years, veiculado no mesmo mês

pela BBC do Reino Unido, não: o músico ainda continuou produzindo material, mesmo após finalizar seu derradeiro álbum. Todos os louros então teriam caído por terra? A resposta é não. Há de se considerar, em primeiro lugar, que avaliações “objetivas” sobre um produto artístico são ilusórias, dado que um produto não existe fora de um determinado contexto. No caso de Bowie, embora a morte não lhe fosse certa, o cenário era de fragilidade - tanto em seu corpo como da música que o cercava. O jornalista Leonardo Baldessarelli aponta também que, apesar de sua reputação mais que consolidada, a comoção com seus novos projetos não era a mesma há décadas: “ele não estava exatamente “parado” quando lançou o disco (...), mas a sensação que eu percebia era de grande retorno, e acho que a razão por trás disso é que foi a primeira vez em um bom tempo que o Bowie soou muito “artsy”, misterioso e conceitual.” Em matéria para o jornal Folha de São Paulo, o crítico André Barcinski pontuou um

outro detalhe importante sobre Blackstar. Pela primeira vez em sua vasta discografia,

“FOI A PRIMEIRA VEZ EM UM BOM TEMPO QUE O BOWIE SOOU MUITO “ARTSY”, MISTERIOSO E CONCEITUAL.”

Bowie criou algo onde ele próprio era protagonista, e não um de seus personagens. Guillermo Arenas, do El País, vai ainda mais além e afirma que a figura projetada em seus últimos videoclipes tinha justamente a intenção de satirizar sua fama de visionário. Caminhando ou não para a morte, é inegável que vemos o cantor nu, com sua voz já falha não permitindo camuflagens. “Foi um tropeço do existencialismo do The Next Day (2013) para o abraço de temas


como o paganismo, a inevitabilidade da morte e a própria biografia do camaleão, em referências explícitas”, diz Baldessarelli.

A ÚLTIMA TRANSFORMAÇÃO É claro que as boas letras não sustentariam o álbum sozinhas, e felizmente não é o caso aqui. Após um bom tempo apostando em uma sonoridade roqueira moderna, Bowie e o produtor Tony Visconti decidiram experimentar novas direções. Dentre as influências, são citados o hip hop contemporâneo de Kendrick Lamar e Death Grips, as texturas eletrônicas do duo Boards of Canada e o jazz. Este último é o ritmo preponderante em Blackstar, com o saxofone muitas vezes ocupando o front, ao invés das tradicionais guitarras. Com grooves marcantes e timbres potentes, o disco exala um frescor notável, sem nunca deixar de servir ao contexto lírico - vide o peso melancólico de “Lazarus”,

lançada como o primeiro single do trabalho. Baldessarelli frisa que essa última fase não se deu da noite para o dia: “ele ficou dos anos 80 até o The Next Day (2013) flertando muito com o kitsch, mas no Blackstar não - tudo soa realmente impressionante e direto, com um conceito muito amarrado e o Bowie engajado em tudo”. De fato, os mais entusiastas perceberão que este disco vinha sendo ensaiado desde Let’s Dance (1983), onde o camaleão abraçou de vez o pop dançante daquela década e passou a dar mais ênfase em batidas eletrônicas. O caminho até Blackstar foi árduo, incluindo aí Tonight (1984) e Black Tie White Noise (1993), tidos como os piores álbuns de Bowie - muito pela pouca organicidade apresentada na instrumentação, que enfim foi acertada em 2016. Não teria nem como a roupagem ser pomposa: como alguém, diagnosticado com câncer há três anos, se daria ao luxo de romantizar a situação? Assim, David fez jus ao seu apelido de camaleão mais uma vez, entregando um disco cru, poderoso e atual.

RECONHECIMENTO PÓSTUMO O impacto causado pelo álbum foi poderoso. De acordo com o site Metacritic, que coleta notas de listas especializadas, a média geral de Bowie é de 87 pontos. Além disso, Blackstar (junto de outros títulos do músico) foi responsável pelo maior número de vendas de vinil no Reino Unido em 25 anos. Para completar, o disco arrebatou todas as estatuetas do Grammy as quais concorreu - embora tenha ficado de fora da cobiçada categoria “melhor álbum” - e, ainda que tenha demorado tanto tempo, não deixa de ser válido o reconhecimento oficial por parte dos executivos da indústria musical. No fim, tudo isso é apenas consequência e pouco importará daqui um tempo. Já a arte de David Bowie e seu desfecho sublime não: assim como até hoje se idolatra a fase setentista do camaleãow, Blackstar há de continuar repercutindo por um bom tempo. Uma estrela preta nunca emanou um brilho tão forte.


MÚSICA

muito além do gueto

Unindo produções ecléticas a mensagens sociais fortes, o hip hop se firmou como o gênero mais relevante na atualidade

TEXTO: NILO VIEIRA / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

N

ão é de hoje que sons de rap não se restringem mais a seu nicho de origem, as comunidades suburbanas formadas, majoritariamente, por negros. Desde os anos 90, vários artistas do estilo conseguiram emplacar trabalhos entre os mais vendidos da história. Na década seguinte, viria a consagração pela crítica mainstream, com artistas como Eminem, Kanye West e o duo Outkast recebendo vários troféus do Grammy. No entanto, apesar da ár-

dua trajetória, pode-se afirmar que foi à partir de 2010 que o gênero enfim chegou ao trono, de onde ainda não saiu. “O rock permanece popular, mas o apelo maior ainda vem das vacas sagradas”, afirma o jornalista Matias Bernardo. “Enquanto isso, o hip hop cada vez mais nos fornece clássicos assinados por novos talentos”. O uso da palavra clássico não é nenhuma hipérbole, visto que álbuns como To Pimp a Butterfly (2015, Aftermath), de Kendrick Lamar e My Beautiful Dark Twisted

Fantasy (2010, GOOD Music), de Kanye West são menções constantes entre os críticos especializados, tanto sobre os grandes discos do estilo como dentre os melhores desta década em geral. Para Bernardo, a experimentação com outras sonoridades foi fundamental para a expansão do hip hop. Segundo ele, até mesmo vertentes mais radiofônicas do gênero (como o trap) se aventuram. “Você tem aí o Young Thug usando bases de reggae e dub e o D.R.A.M.

pegando ritmos do soul, pra ficar só no ano passado”, explica. Na contramão, grupos de rock atuais que fazem sucesso cada vez mais reciclam clichês do passado, como o Tame Impala e o Arctic Monkeys. “A produção pode ser refinada, mas a estética é puro revival, do som ao visual”, conclui. POR TRÁS DOS GRAVES EXÓTICOS Para entender o ecletismo das batidas do hip hop con-


temporâneo, faz-se necessário retomar três obras-primas. A primeira e mais longínqua é Paul’s Boutique (1989, Def Jam), o segundo álbum do grupo Beastie Boys. Graças ao bom humor e o apreço dos garotos os primeiros brancos a fazerem sucesso no gênero - pelo rock, a produção do disco quebrou muitas barreiras: o uso de samples ganhou maior predominância, e também englobou mais sonoridades - aqui, o leque vai de refrães do Ramones à parte da trilha do filme Psicose (1960). Ainda hoje, impressiona o quão fluídas são as camadas sonoras, sempre andando de mãos dadas com o flow explosivo do trio. Décadas mais tarde, os preceitos de Paul’s Boutique seriam elevados a outro patamar pela dupla formada pelo produtor Madlib e o rapper mascarado MF DOOM. Trata-se do projeto Madvillain e seu único álbum, Madvillainy (2004, Stones Throw), que é tido até hoje como o maior clássico do hip hop “indie” ou até “nerd”. O LP expandiu ainda mais a gama de possibilidades ao incorporar samples de video game, filmes trash de monstros, música erudita e até mesmo clássicos obscuros da música brasileira. O mais impressionante é que a estrutura das canções não é nada convencional: algumas não

possuem nem dois minutos de duração, e a grande maioria não conta com ganchos. Se hoje um artista como Drake coloca pedaços da trilha de Donkey Kong em suas músicas, é graças à tendência lançada por Madvillainy. Enquanto isso, o Outkast chocaria o mundo pop com Stankonia (2000, LaFace) e deixaria sua marca definitivamente. Sucessor do elogiado Aquemini (1998, LaFace), o ambicioso disco foi crucial para o formato dos registros de estúdio de rap mainstream se consolidarem como são hoje; de longa duração (são 73 minutos em 24 faixas), alterna entre composições chicletes para as rádios e peças mais detalhadas - sem nunca soar simplista. Não à toa, o site Pitchfork elegeu o single “B.O.B” como a maior música da década, afirmando que “nós ouvimos quatro minutos de caos desembocando em um desfecho agradavelmente otimista (um ponto reforçado pela reimaginação da bandeira dos EUA na capa, que antecipou uma Casa Branca prestes a ser colorida de preto)”. Stankonia também foi pioneiro ao atacar, em seus versos, temas como a misoginia e o consumismo, e então chegamos ao segundo fator chave da popularidade do hip hop atual: o discurso de denúncia social.

GINGADO CONSCIENTE É fato que o teor de ativismo sempre esteve intrínseco ao gênero, mas a guinada pesada proposta por grupos como Public Enemy e N.W.A. perdeu espaço considerável nas paradas comerciais ao longo das décadas. Todavia, com a efervescência política ficando cada vez mais explícita entre os jovens, a trilha sonora precisava estar de acordo. Assim, a agressividade da dupla Run The Jewels, as histórias de J. Cole e o poder de fogo de Kendrick Lamar entraram em cena. Sem farpas na língua, estes rappers (dentre vários outros) abordam o racismo, abusos policiais e a violência constante contra a população negra em seus trabalhos. Quem imaginou que esta abordagem lírica passaria batida caiu do cavalo: a canção “Alright”, de Kendrick Lamar, foi adotada como tema de protestos nos Estados Unidos em 2015, e até mesmo o presidente Barack Obama cairia nos encantos do baixinho, elegendo “How Much A Dollar Cost” como sua canção favorita daquele ano - e inclusive convidando o rapper para uma visita à Casa Branca logo no começo de 2016. E as conquistas não pararam por aí. J. Cole recebeu disco

de platina por um álbum sem participações especiais, 2014 Forest Hills Drive (2014, Dreamville) e chegaria novamente ao pódio da parada Billboard com o sucessor, 4 Your Eyez Only (2016, Roc Nation). Já Run The Jewels 2 (2014, Mass Appeal) foi unanimidade entre a crítica, com várias menções altíssimas nas famigeradas listas de melhores do ano. O mais interessante dessa história é ver como os novos prodígios impactaram veteranos do estilo, como bem demonstra o mais recente álbum dos pioneiros do A Tribe Called Quest, pioneiros do jazz rap da década de 90. Mesclando sua sonoridade característica à presença de talentos recentes, We Got It From Here… Thank You 4 Your Service (2016, Epic) não apenas comprova a força da mensagem do grupo, como mostra de maneira sublime a recusa do hip hop à inércia política. Para Matias Bernardo, é um caminho sem volta: “com a eleição de Donald Trump, os rappers só tendem a ficar mais explícitos em seus posicionamentos, e isso já afeta o r&b negro também”. Assim, o posto de estilo musical mais popular alcançado pelo hip hop contemporâneo não apenas se revela justo, como necessário - para o gueto e além.

Kendrick Lamar com o ex-presidente Barack Obama: a profecia do OutKast realizada

FOTO: BUSTLE


MÚSICA

POP UP! INDICA: 20 ÁLBUNS PARA ENTENDER O HIP HOP NA DÉCADA ATUAL

FAVORITOS DA CRÍTICA Kanye West - My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010)

Kendrick Lamar - good kid, m.A.A.d city (2012)

Drake - Nothing Was the Same (2013)

Young Thug - JEFFERY (2016)

Future - Honest (2014)

Travi$ Scott - Rodeo (2015)

Denzel Curry - Imperial (2016)

Migos - Culture (2017)

Lil Ugly Mane - Mista Thug Isolation (2012)

Death Grips - The Money Store (2012)

Kanye West - Yeezus (2013)

Danny Brown - Atrocity Exhibition (2016)

Run The Jewels - Run The Jewels 2 (2014)

J. Cole - 2014 Forest Hills Drive (2014)

Kendrick Lamar - To Pimp a Butterfly (2015)

A Tribe Called Quest - We got it from here... Thank you 4 your service (2016)

Clams Casino - Instrumentals

Lil B - God’s Father (2012)

Yung Lean - Unknown Death 2002 (2013)

Lil Yachty - Lil Boat (2016)

TRAP

BARULHENTOS E ESQUISITOS

CRÍTICA SOCIAL

CLOUD


ANÚNCIO


MÚSICA

TEXTO: JOÃO PEDRO FÁVERO / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO Apesar do discurso outsider desde a sua origem nos anos 70 (e que perdura até hoje), o rock pesado e o heavy metal estavam no auge do sucesso na segunda metade dos anos 80, tanto nos Estados Unidos como em outros lugares do mundo. Graças à MTV, muitas bandas que exerciam o chamado “hair metal” (no Brasil, “metal farofa”) estavam fazendo muito sucesso comercial desde o começo da década, com seus clipes passando à exaustão no canal e refletindo na alavancagem de venda dos álbuns. Assim foi com o Mötley Crüe e sua mistura do proto-punk do New York Dolls com o heavy metal, o Def Leppard com refrões chiclete de música pop, até o Bon Jovi com seus teclados em excesso e a aura aproveitada do Journey, dentre inúmeras outras bandas nesse meio. Apesar do sucesso comercial, o estilo já estava sendo diluído. Outros grupos apareceram não oferecendo nenhuma proposta diferente das já apresentadas, incluindo bandas dos anos 70 que se viram tendo de

adotar as novas tendências para continuar fazendo sucesso, como Scorpions, Kiss, Whitesnake e Judas Priest. Nesse cenário, nasce em Los Angeles, da fusão de duas bandas (L.A Guns e Hollywood Rose), o Guns N’ Roses. Sua formação completa se deu em 1986 com Axl Rose (vocais), Izzy Stradlin’ (guitarra), Saul “Slash” Hudson (guitarra), Duff McKagan (baixo) e Steven Adler (bateria). Naquele mesmo ano, essa formação gravou de forma independente o EP Live ?!*@ Like A Suicide, que chamou a atenção necessária da gravadora Geffen para garantir um contrato para o primeiro álbum do grupo. Em março de 1987, começa a ser gravado o álbum Appetite for Destruction, que completa trinta anos e ainda se mantém relevante - além de permanecer como um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos: o número atual é de 30 milhões de cópias vendidas mundialmente. As músicas foram escritas durante o período de shows que a banda fez em no ano anterior, mas

algumas contaram com partes instrumentais já escritas por Slash, McKagan e Adler na época de sua antiga banda Road Crew. Já outras foram escritas por membros separadamente, para serem finalizadas pela banda mais tarde. Um fato curioso é que um dos produtores considerados para o álbum foi Paul Stanley (Kiss), que foi recusado após pedir mudanças na bateria de Steven Adler e no direcionamento das músicas (Stanley queria músicas menos “agressivas” e mais amigáveis às rádios). No final das contas, Mike Clink foi o escolhido como produtor. Dado o som que as bandas de hard rock faziam à época, com guitarras técnicas influenciadas pesadamente por Eddie Van Halen, o Guns N’ Roses pegou totalmente o caminho contrário e foi pela via mais simples, inspirada pelo Aerosmith dos anos 70 (especialmente o álbum Rocks), o punk rock e o sleaze do Hanoi Rocks. Os dois lados do disco em vinil foram divididos tematicamente de acordo com a lírica das músicas: em vez do lado A, temos o lado G (Guns) e


letras sobre violência e drogas, e no lugar do lado B, existe o lado R (Roses), com letras sobre relacionamentos e sexo. Assim, no lado G temos os primeiro singles da banda, “It’s so Easy” e “Welcome To The Jungle”, além de “Mr. Brownstone” e “Paradise City” e no lado R temos “My Michelle”, “Rocket Queen” e “Sweet Child O’ Mine”. As letras de Appetite for Destruction soam, bem por cima em uma primeira análise, como meros hinos de adolescentes rebeldes. Mas observadas mais de perto, algumas passagens soam como um pedido de socorro daquele estilo de vida hedonista que dominava a Los Angeles da época ou como alguém apenas seguindo a corrente, usando o estilo de vida como uma válvula de escape dos abusos sofridos, dominado pela raiva e descontando isso em atos egoístas. O título do álbum foi inspirado na pintura homônima de Robert Williams, que também ilustrava a capa das primeiras edições, mostrando um robô estuprador prestes a ser destruído por outro robô maior, vingando a vítima. Após vários donos de lojas se recusarem a colocar aquela imagem em suas prateleiras, a arte foi alterada pela hoje famosa cruz com os crânios dos cinco membros da banda. Imediatamente no seu lançamento, Appetite for Destruction passou praticamente despercebido. O topo da Billboard

viria apenas um ano depois, apoiado no sucesso dos singles “Welcome to the Jungle”, “Paradise City” e, principalmente, “Sweet Child O’ Mine”, que se tornou um hit das rádios e com seu clipe passando a rodo na MTV. Em 2008, o disco havia alcançado a

marca de 18 milhões de cópias vendidas nos Estados Unidos, sendo o álbum de estreia mais vendido na história da música. Já no Brasil, vendeu 100 milhões de cópias, garantindo disco de platina pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos. O sucesso de vendas do disco foi fomentada pela campanha anti-drogas do

então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, além da polêmica crise da AIDS na época, dois dos temas que são recorrentes nas líricas da estreia do Guns N’ Roses. Além disso, o álbum soa como uma afronta à PMRC (Parents Music Resource Center), órgão criado por Tipper Gore para aumentar o controle dos pais sobre a música que crianças e adolescentes escutam, que deu origem ao selo “Parental Advisory” (estampado em discos considerados inapropriados para menores de idade). Seguindo a turnê do álbum, o Guns N’ Roses apostou em outra linha nos sucessos de estúdio, intitulados Use Your Illusion I e II, com baladas ao piano, orquestrações e músicas passando de oito minutos de duração - algo de se estranhar de uma banda que se inspirou no punk rock para a composição da estreia, que os jogou ao sucesso imediato. Não por acaso, nos trinta anos de lançamento do álbum, o Guns N’ Roses está em turnê contando com o vocalista, guitarrista e baixista originais da gravação daquele disco. Steven Adler já participou de alguns shows, como convidado especial, o que deixa no ar uma possível oficialização dele na banda. Com certeza podemos esperar uma turnê temática do álbum e, quem sabe, uma volta do Guns N’ Roses ao Brasil, dado à proximidade do Rock In Rio, sabendo-se do imã que o festival é para a banda.


LITERATURA

os heróis do novo milênio

Nos dez anos de A Rainha do Castelo de Ar, terceiro livro da trilogia Millenium, revisamos a série e seus dois maiores personagens

TEXTO: JOÃO PEDRO FÁVERO / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO


U

m jornalista que preza sempre pela verdade e transparência acima de qualquer outro fator na profissão. Uma garota símbolo dos novos tempos: visual gótico, cheia de tatuagens e piercings e a maior hacker que já existiu. Uma trama megalomaníaca que faz críticas ativas às alas conservadoras políticas e sociais suecas e mostra a sujeira resultada das espionagens durante a Guerra Fria. O terceiro volume da série Millenium, A Rainha Do Castelo de Ar, completa 10 aos em 2017, e com ele o fechamento na história de uma das melhores personagens deste século: Lisbeth Salander. Chega a parecer estranho como os dois últimos volumes da trilogia tomam um rumo diferente de Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, primeiro livro da série. Um thriller que desenvolveu muito bem o jornalista Mikael Blomkvist e nos deixou apenas uma apresentação das motivações de Lisbeth, com todo o passado dela escondido nas sombras, focando principalmente o mistério do desaparecimento na família Vanger, o serial killer de mulheres envolvido e a reconstrução da carreira de Blomkvist. É durante o segundo livro, A Menina Que Brincava Com Fogo, que uma investigação de Mikael, sobre tráfico de mulheres,

se cruza com a história de Lisbeth e começamos a ver como a história gravitaciona por ela, tendo uma ideia da riqueza da personagem. Segundo a psicóloga Mariana Martins, “Lisbeth representa a força de todas as mulheres. Ela é vítima de abusos sexuais e de repressões do Estado e não se abala, se vinga. Ela não abre mão de si mesma.”

“LISBETH REPRESENTA A FORÇA DE TODAS AS MULHERES. ELA É VÍTIMA DE ABUSOS SEXUAIS E DE REPRESSÕES DO ESTADO E NÃO SE ABALA, SE VINGA. ELA NÃO ABRE MÃO DE SI MESMA.”

Após a morte do escritor Stieg Larsson em 2005, alguns amigos próximos dele disseram que a criação da personagem se deu de um incidente quando Larsson era adolescente, quando presenciou um estupro coletivo de uma conhecida de nome Lisbeth. Se sentindo culpado de não ter impedido o acontecimento, ele criou a personagem, também sobrevivente de um estupro. A trilogia já vendeu cerca de 80 milhões de cópias no mundo todo, sendo que Larsson

foi o primeiro autor a vender mais de um milhão de cópias eletrônicas de um trabalho no gadget Amazon Kindle. Há também adaptações suecas dos três filmes, que contam com Noomi Rapace como Lisbeth e Michael Nyqvist no papel de Mikael Blomkvist. O primeiro livro, Os Homens Que Não Amavam As Mulheres recebeu uma adaptação americana, dirigida por David Fincher e interpretações de Rooney Mara e Daniel Craig. Um quarto livro, A Garota Na Teia de Aranha, foi lançado em 2015, escrito por David Lagercrantz, autorizado pela família de Larsson. Porém, Eva Gabrielsson companheira de longo tempo de Larsson e detentora dos manuscritos de um quarto, quinto e sexto livro - desaprovou duramente o projeto, que não utilizou esse material. O livro foi criticado por humanizar os dois personagens principais, tirando o aspecto cartunesco que os expandia. Há um projeto para adaptação cinematográfica do livro, dirigida por Fede Alvarez, mas não contará com participação de Mara ou Craig. Lagercrantz já disse que aceitaria escrever um quinto livro para série, portanto podemos esperar mais aventuras e lições vindos de Mikael e Lisbeth, a maior heroína surgida neste século, simplesmente por agir da forma que ele demanda.


GAMES

FAÇA SUA PRÓPRIA HISTÓRIA

Jogos focados na narrativa interativa roubam a cena no mercado atual

TEXTO: JOÃO PEDRO FÁVERO / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

Q

uando os videogames foram lançados, a princípio o conceito principal era baseado nas ações que os jogadores tomavam com o personagem do seu jogo, determinando seu progresso de acordo com seu desempenho no joystick (o controle remoto). Muito tempo se passou e outras características foram adicionadas, sendo a principal o storyline, a característica do jogo. O jogador se interessa pela trama e pela jornada do personagem, dando um propósito para terminar o jogo além da ação controlada por ele. Apesar disso, o foco continuava na ação e a história seguia uma linha fixa. Com a preocupação de dar uma singularidade aos jogos

6 | POP UP!

com as histórias contadas, além de um gameplay único, fomos apresentados nos últimos anos aos games com interatividade na narrativa. Alguns jogos com este tipo de jogabilidade ficaram famosos durante a sétima geração de consoles (Nintendo Wii, Playstation 3 e XBOX360), sendo o principal o título Heavy Rain. Aqui, o jogador controla até quatro protagonistas, interagindo com múltiplos elementos do cenário para descobrir a identidade de um serial killer. O principal fator de sucesso do game é o fato de que todas as decisões tomadas pelo jogador durante o progresso do jogo vão afetar a narrativa, criando infinitas possibilidades de continuação da história. O jogo foi

considerado um dos melhores de 2010, possibilitando que outros games de narração interativa ganhassem destaque nos próximos anos, como Beyond: Two Souls, que conta com os atores Willem Dafoe e Ellen Page e, principalmente, os da produtora independente Telltale. A Telltale Games produz exclusivamente games em que as decisões do jogador ativamente interferem na direção da história. Apesar de produzir jogos desde 2004, a produtora ficou conhecida principalmente pela sua adaptação para os games do quadrinho The Walking Dead, lançada em 2012. O jogador Pedro Pivato diz que a maior vantagem desses games são as repetidas vezes em que eles podem ser jogados, cada

uma dando um destino diferente aos personagens: “O que mais atrapalha na verdade é a forma em que os jogos são vendidos, em forma de episódios, fazendo com que eu tenha que gastar dinheiro continuamente para continuar acompanhando a história, além da espera de lançamento entre eles”, explica. Além de The Walking Dead, a produtora lançou episódios de outra série famosa, Game of Thrones, além de games inspirados em quadrinhos como The Wolf Among Us e, recentemente, Batman: The Telltale Series. Os próximos lançamentos incluem uma segunda temporada para Game Of Thrones e Guardians Of The Galaxy, coincidindo com a estreia do filme em maio deste ano.


O PIOR MELHOR JOGO DO MUNDO COMPLETA QUINZE ANOS Mesmo repleto de defeitos, Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories (PS1) ainda instiga pelo desafio TEXTO: NILO VIEIRA / DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTO: DIVULGAÇÃO

Q

uem conviveu com crianças na década passada certamente não ficou ileso à febre Yu-Gi-Oh!, o jogo de cartas de monstros popularizado pelo anime homônimo - aqui no Brasil, veiculado na saudosa TV Globinho. Além da televisão e nos baralhos físicos, houve outro território onde a mania marcou época: os videogames. Dentre os vários jogos da franquia, Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories merece um destaque bastante peculiar. Lançado na América do Norte em 2002 para PlayStation 1, o título passa bem longe de ser perfeito. Para início de conversa, há de se explicitar que o game não segue os mesmos parâmetros do jogo original ou mesmo do desenho. Aqui, os monstros possuem um sistema bizarro de “estrela guia” (com duas opções para cada criatura) - que influencia no confronto com as cartas adversárias - ao invés dos efeitos diversos originais, as magias de equipamentos possuem especificidades bizarras (uma delas só funciona com monstros chifrudos e bonzinhos, por exemplo) e pouquíssimas cartas de armadilha estão disponíveis. No entanto, a característica mais comentada de Forbidden Memories são as fusões entre monstros. Diferente do baralho, não é necessário o uso de uma carta mágica e tampouco são delimitadas a uma combinação única de dois monstrengos. Assim, o famoso usuário que “joga apertando todos os botões ao mesmo tempo” pode selecionar três bichos fracos aleatórios e acabar com uma criatura poderosa em seu campo de batalha. A sen-

sação de criar um “Twin-Headed Thunder Dragon” (monstro com 2800 pontos de ataque), sem exageros, foi possivelmente a primeira experiência que muitos nerds tiveram próximas ao orgasmo. Tudo que é bom dura pouco, porém. Mesmo com a possibilidade de gerar monstros mais fortes, Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories é dos poucos jogos em que é praticamente impossível zerar o modo arcade em uma tacada só. Os oponentes possuem baralhos infinitamente superiores, e nem mesmo grandes fusões são garantia de vitória. Pra ajudar, obter uma carta poderosa na opção free duel é uma tarefa hercúlea: o jogador pode derrotar um adversário difícil em dois turnos e ser recompensado com um monstro de 200 pontos de ataque. É uma jornada desgastante, acentuada ainda mais pela trilha sonora datada (recheada de sintetizadores noventistas) e os gráficos bastante primitivos, onde ainda se depende bastante da sorte. Todavia, é justamente esse teor altíssimo de dificuldade que ainda garante público ao jogo, mesmo tanto tempo depois de seu lançamento. Quem persiste no desafio não o faz para descobrir o fim do enredo ou se divertir; é uma provação, tanto de superação pessoal como contra a máquina rival. O prêmio final? Alimento para o ego. Afinal, mesmo com o teor infantil, há de se lembrar que a essência de Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories permanece brutal, competitiva e insana - como todo bom jogo viciante.

POP UP! | 7


HQS

5 GRAPHIC NOVELS PARA QUEM QUER COMEÇAR A LER QUADRINHOS

E R DE SE M S E R ÓIS! R-H SUP E

TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: BRUNA HIRANO / FOTOS: DIVULGAÇÃO

1. DAY TRIPPER – FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ Nesta HQ, acompanhamos a vida de Brás de Oliva Domingos, um jornalista que escreve obituários e sonha em se tornar um grande autor de sucesso, como foi o seu pai. Em cada capítulo acompanhamos momentos cruciais da vida de Brás. Observamos seus sentimentos em relação à vida em cada fase, e o final do capítulo sempre nos surpreende com uma dose de fatalismo. Você com certeza vai gostar da leitura caso admire e dê valor aos momentos preciosos da vida.

2. RETALHOS – CRAIG THOMPSON Com muita sensibilidade e arte simplista, Craig Thompson conta a história de sua vida nesta graphic novel. Desde sua relação com o irmão mais novo na infância, passando pelo seu primeiro amor na adolescência, Raina, que muda a sua visão de vida, até um ponto de sua vida adulta. Quanto mais passamos tempo com o personagem, mais vamos nos apegando a sua história de vida. São 592 páginas inspiradoras que mostram a trajetória deste notável autor.

3. MAUS – ART SPIEGELMAN Considerado um clássico no mundo dos quadrinhos, vemos a história de Vladek Spiegelman, judeu-polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, sendo contada para o seu filho, Art. A HQ retrata as pessoas como animais: judeus como ratos, nazistas como gatos, poloneses como porcos e americanos como cachorros. “Maus” é um relato real, impactante e perturbador que evidencia a brutalidade que foi o Holocausto.

4. SCOT T PILGRIM –BRYAN LEE O’MALLEY Se você está nos seus vinte e poucos anos, provavelmente vai se identificar com Scott Pilgrim. Ele é jovem, preguiçoso, tem uma banda de garagem e está perdido no início de sua vida adulta. Scott se apaixona por Ramona Flowers, entregadora da Amazon, mas para ficar com ela, ele precisa derrotar seus sete ex namorados. As batalhas são como partidas de vídeo-game. Uma história interessante para quem gosta do mundo nerd.

5. PÍLULAS AZUIS – FREDERIK PEETERS De forma leve e descontraída, vemos a história de Cati, portadora do vírus HIV, com Frederik Peeters (autor da HQ). Acompanhamos o cotidiano de uma relação que é transformada pela doença: seu descobrimento, aceitação, forma de lidar e verdades duras e surpreendentes sobre o assunto. O autor não dispensa o humor e a leveza em sua narrativa, evidenciando que é possível viver com o vírus e construir uma história de amor.


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