SERIESGRAPHIC

Page 1


Livro experimental “Seriesgraphic: A Direção de Arte e de Fotografia nas Séries de TV” diagramado e escrito por Bruna Hirano para o Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), campus de Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Francisco Rolfsen Belda.


S ER IESGRAPHIC A DI R E ÇÃO D E A R T E E D E F OTOGRAFIA NAS SÉRIES DE TV

B R UNA HIRANO


VA M O S DA R PL AY ? COMO SÃO P R OD UZ I DAS AS S ÉRIES DE TV? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 D I R E ÇÃO DE A R T E ....................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 F I G U R IN O /CEN OGR AFI A ............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 CA R AC T E R IZ AÇÃO/EFEI TOS ES PEC IAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 D I R E ÇÃO DE FOTOGR AFI A ......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 L UZ , CO R E TEX T UR A ................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 P L AN O E Â N GULO ........................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 CA P ÍT U L O 1 : LOST ....................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 CA P ÍT U L O 2 : BREAKING BAD ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 CA P ÍT U L O 3 : SONS OF ANARCHY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 CA P ÍT U L O 4 : GAME OF THRONES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 CA P ÍT U L O 5 : HANNIBAL .............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 CA P ÍT U L O 6 : STRANGER THINGS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 CA P ÍT U L O 7 : WESTWORLD ......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 CA P ÍT U L O 8 : THE HANDMAID’S TALE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 M E U S AG R A DECI M EN TOS .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 P RI N C I PA I S TER M OS .................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160 R E F E R Ê N C I AS E CR ÉD I TOS ...... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161


ALERTA DE SPOILER! Esse livro é feito para todas as pessoas que são apaixonadas por séries de televisão e, sempre que podem, passam horas maratonando uma série. Já se perguntou como são feitos os dragões de Game of Thrones e como as cores do figurino de Breaking Bad podem auxiliar a interpretar a narrativa da história? Nas páginas seguintes, você entrará no mundo da direção de arte e de fotografia das séries de TV como Lost, Breaking Bad, Sons of Anarchy, Game of Thrones, Hannibal, Stranger Things, Westworld e The Handmaid’s Tale, então o meu conselho é que você já tenha assistido à essas séries para não ter a surpresa de spoilers! Caso já tenha assistido, vá em frente! Caso não tenha assistido e acredita que alguns spoilers não irão atrapalhar a sua experiência, vá em frente também! O livro é dividido em oito capítulos, além de uma introdução com alguns conceitos da direção de arte e de fotografia que será legal você saber para uma melhor experiência. Cada capítulo seguinte é destinado à uma série em específico e você pode escolher qual série quer ler primeiro, sem ter a necessidade de fazer uma leitura linear. Vamos dar play?


CO M O SÃO P RODUZ I DAS AS SÉRIES DE TELEVI SÃO?

Antes de iniciar nossa jornada pelos bastidores da direção de arte e de fotografia das séries de TV é necessário compreendermos como ela inteira é feita. Para isso, vamos imaginar um episódio de 40 minutos de uma série de drama que acontece nos anos 80. O primeiro passo é a reunião do showrunner (criador da série) com os escritores. Juntos, começam a definir a história da série e traçarem os principais acontecimentos da temporada e, assim, os episódios são selecionados e distribuídos aos escritores. Depois de muitas ideias e rascunhos, nasce um roteiro de cerca de 45 páginas (sim, tudo isso para apenas um episódio!). Isso resulta em, mais ou menos, cerca de 600 páginas por temporada. O roteiro então é distribuído para os diretores, produtores, diretores de fotografia e departamento de arte para que eles comecem a planejar cada detalhe de execução do episódio. O departamento de arte é responsável por todo o aspecto visual da série. Resumindo, tudo o que nós vemos na tela (maquiagem dos personagens, figurino, objetos, cenografia e etc) são obras desse departamento. Como

6

nosso exemplo é um episódio de 40 minutos de uma série de drama dos anos 80, é essencial que a ambientação e os cenários remetem aos anos 80. Esse trabalho, então, é da equipe inteira. Para gravar um episódio com um roteiro de 45 páginas é necessário muita disciplina, foco e uma agenda rígida. Para tanto, é preciso organizar e priorizar as cenas, as locações e os atores de acordo com as disponibilidades. O roteiro, então, não é seguido de forma tradicional e cronológica. Assim que as filmagens começam, todo episódio precisa de uma reunion table, aquele momento que toda a equipe da série se reúne em volta de uma mesa e lêem o roteiro do começo ao fim. Cada cena é filmada com mais de uma câmera e mais de um ângulo. Uma cena de apenas 1 minuto pode facilmente durar 8 horas, por exemplo. Depois que todas as cenas do episódio são filmadas, chega a hora da pós-produção. A pós-produção é a hora de arrumar todos aqueles detalhes que fizeram a equipe falar a famosa frase “nós arrumamos isso na edição”. Uma equipe de pós produção é composta por editores, designers de som, artistas de


efeitos visuais e todos os assistentes e coordenadores que trabalham com eles. Os editores da pós-produção fazem o primeiro corte do episódio e passam para o diretor. O diretor faz o seu corte e encaminha para o showrunner, enfim, fazer o corte final junto com o produtor e fechar a sequência do episódio. Durante todo esse período, todas as telas verdes de chroma key são substituídas pelos efeitos visuais. Assim que todas as edições são feitas para deixar o episódio coeso, o responsável pela correção das cores e o designer de som começam a trabalhar em cima do episódio. Aqui, o diálogo precisa ser claro. O designer de som precisa mixar todas as edições. Já se passaram meses desde que o roteiro de 45 páginas foi escrito. Agora finalmente o episódio é distribuído para a emissora e plataformas de streamings. A maioria dos episódios são finalizado apenas há algumas semanas ou até horas antes do dia da estreia. Diferente dos filmes, o prazo da televisão é muito curto e a correria faz parte da vida da equipe inteira da obra, mas ainda assim, temos séries com produções incríveis, como veremos logo a seguir.

7


D IREÇÃO DE A RTE PR O D UCT IO N D E S I GN / ART D I R E CTOR

No cenário audiovisual norte-americano, há dois conceitos que são importantes compreendermos e diferenciarmos: o design de produção e a direção de arte. Os termos denominam funções diferentes, embora no Brasil apenas o termo direção de arte seja utilizado nas produções. O advento do profissional “designer de produção” surgiu em 1939, após o produtor David O. Selznick fornecer esse título a William Cameron Menzies depois do seu trabalho no filme O Vento Levou. Menzies criou storyboards das cenas, incorporou cores e estilos, cuidou da composição, enquadramento e movimentos de câmera, enfim, expandiu a função do diretor de arte além da criação dos cenários e, devido à isso, é considerado o pai do design de produção. Após o acontecimento, os profissionais da área alternaram entre o título de diretor de arte e de designer de produção, mas atualmente a maioria das obras audiovisuais norteamericanas usam o crédito de designer de produção.

8

Nas séries de TV, o designer de produção interage com muitos departamentos durante toda a produção, no entanto, o contato é mais frequente com o showrunner, produtores e diretores de fotografia. O profissional é responsável desde as artes conceituais até a estética de todo o conjunto da produção, assim como gerir o orçamento e definir o trabalho do departamento de arte. Já o diretor de arte é responsável por seguir as instruções do designer de produção e assume mais uma posição de braço direito do profissional. No Brasil, só existe o termo diretor de arte e o profissional assume o mesmo conjunto de funções que o designer de produção, mas como as séries abordadas no livro são majoritariamente norte-americanas, opta-se pelo uso do título “designer de produção” no conteúdo do livro. No entanto, no título do livro é usado o termo “direção de arte” para facilitar a compreensão do público, já que esse é o termo mais utilizado no cenário nacional.


DIREÇÃO DE ARTE PRODUCTION DESIGN

DESIGNER DE PRODUÇÃO PRODUCTION DESIGNER

EFEITOS VISUAIS EFEITOS ESPECIAIS

FIGURINISTA COSTUME DESIGNER

CARACTERIZAÇÃO

HAIRSTYLIST MAKEUP ARSTIST SPECIAL MAKEUP EFFECTS ARTIST

CENOGRAFISTA SET DESIGNER

VISUAL EFFECTS SPECIAL EFFECTS

DIRETOR DE ARTE

ART DIRECTOR

9


10


F IG URINO CO ST UM E D E S I GN

Chamamos de figurino toda vestimenta que o personagem utiliza na narrativa. O profissional figurinista (costume designer) trabalha em cima de escolher as preferências de modelagem, os tipos de panos, a cor das roupas e pesquisar em que ano se passa a história, quais são os contextos, quais os estilos de cada personagem, quantas trocas de figurino serão necessários, entre outros. Assim como desenhar os modelos de cróqui dos figurinos. O profissional trabalha em estreita colaboração com a equipe de caracterização (maquiagem, cabelo e prótese) e a equipe do cenário, já que todos esses fatores precisam casar entre si e fazerem sentido. Em séries como The

Handmaid’s Tale, o figurino assume uma posição ainda mais importante que o normal para a compreensão dos personagens por parte dos telespectadores. Na série, o modelo e a cor da vestimenta serviram para definir a casta social dos indivíduos. Em outras, o figurino serve como marca registrada do personagem, como é o caso dos ternos luxuosos de Hannibal Lecter, na série Hannibal. Há ainda casos que o figurino demonstra claramente a época que a história da série se passa e o que estava em alta na moda naquele período. Em Stranger Things, as roupas que os personagens usam são importantes para o telespectador interpretar que aquela história se passa nos anos 80.

CENOGRA F IA SET DESIGN

A cenografia é constituída pelos elementos visuais que fazem parte do ambiente de encenação, como as decorações, os adereços e a iluminação. O profissional cenógrafo ( set designer ) é responsável junto com o designer de produção ( production designer ) por desenhar e criar os cenários necessários para a série, assim como pesquisar por possíveis lugares para servir como locação. Algumas narrativas transformam o cenário em personagem, como acontece com a Ilha de Lost e a casa dos Byres em Stranger Things. Por meio do cenário, o telespectador consegue compreender e identificar a identidade dos personagens

e suas posições sociais, relações familiares, estilo de vida e etc. A maioria dos cenários, inclusive, são definidos após o estudo do personagem, como é o caso do quarto de Offred em The Handmaid’s Tale. Em Game of Thrones, o cenário de Winterfell foi criado com estruturas de madeiras e objetos não tão luxuosos, já que a família Stark não possui tanto dinheiro. Por outro lado, o ambiente da família Lannister, em Porto Real, é composto por uma arquitetura bastante elegante e luxuosa. Essa diferença na caracterização dos locais das duas famílias demonstram bem como o cenário pode ajudar a definir as posições sociais dos personagens. 11


CA R ACTERIZAÇÃO

H A IR ST Y LIST, MAK E U P ARTI ST, S PE C I AL M AKEUP EFFECT S A RT IST A caracterização engloba o processo de definir o visual completo dos personagens, como o seu estilo de cabelo, se terá tatuagens, cicatrizes, próteses, se a maquiagem será apenas de remoção do excesso de oleosidade do rosto do ator ou será uma maquiagem mais elaborada. Todos esses detalhes de como o personagem irá aparentar fisicamente nas telas é responsabilidade da equipe de caracterização, que normalmente é composta por cabeleireiros (hair stylist), maquiadores (makeup artist) e maquiadores de próteses e efeitos especiais (special makeup effects artist). O processo de transformar o ator no personagem é trabalho dos profissionais de caracterização, todos os

detalhes precisam ser cuidadosamente definidos. Por exemplo, a tatuagem símbolo do clube SAMCRO em Sons of Anarchy é um processo de maquiagem que precisa ser feito cada vez que os atores vão gravar, já que a tatuagem tem símbolo relevante na trama: todos os personagens que possuem o símbolo do ceifador no corpo são membros do clube de Jax Teller. Em séries que ocorrem muita violência como Breaking Bad, Sons of Anarchy, Game of Thrones e Hannibal, o trabalho dos maquiadores é imprescindível, seja para criar machucados falsos, quanto definir cicatrizes dos personagens, como acontece com Tyrion Lannister em Game of Thrones.

EF E ITO S ESP ECI AI S E VI SUAI S VI S UA L E FFE CTS

A maior parte do público usa a expressão “efeitos especiais” para designar qualquer efeito que ocorra em obras audiovisuais, entretanto há diferenças entre os efeitos especiais e efeitos visuais. O primeiro são efeitos orgânicos que a equipe cria no set, efeitos que acontecem na vida real e podem ser desde efeitos mais simples como chuva e vento até grandes explosões bem estruturadas. A equipe de SFX, principalmente o supervisor de efeitos especiais (special effects supervisor) é responsável pelo o cuidado com os atores em cenas que ocorrem efeitos especiais mais perigosos. Por exemplo, no episódio piloto da série Lost, todas as explosões dos destroços do avião 12

na cena inicial foram feitos usando efeitos especiais e muitas dessas explosões aconteceram relativamente perto dos atores, o que exigiu bastante cuidado e cautela. Já os efeitos visuais são todos os efeitos criados digitalmente por computação gráfica (CGI). Eles são inseridos na pós-produção, hora em que todas as telas verdes de chroma key são devidamente substituídas pelo CGI. Hoje em dia, a maioria das séries contratam uma agência a parte para cuidar dos efeitos visuais, geralmente o supervisor (visual effects supervisor) é quem coordena essas agências. Game of Thrones e Westworld são grandes exemplos de séries que possuem os efeitos visuais bem desenvolvidos.


13


D IREÇÃO DE F OTOG RAFI A C IN E M ATO G RAPHY

Enquanto a direção de arte cuida dos elementos visuais (cenário, figurino, caracterização e efeitos especiais) que irão fazer parte da série, a direção de fotografia cuida dos equipamentos, iluminação, filtros e lentes necessários para filmar esses elementos da melhor forma possível, definindo uma estética para a obra. O profissional busca traduzir o roteiro em imagens de acordo com as intenções do showrunner discutidas na pré-produção. No período de pré-produção também é comum o diretor de fotografia se reunir com o showrunner para discutirem referências visuais para a série, seja assistindo filmes ou pesquisando por referências em pinturas, fotografias, vídeos clipes e qualquer forma de arte visual. O fotógrafo também escuta as opiniões do designer de produção e dos produtores e só depois de ter todas as ideias discutidas com a equipe, ele pesquisa quais câmeras, lentes e filtros serão adequados para a proposta da série.

14

A equipe de direção de fotografia é liderada pelo o diretor de fotografia (cinematographer/director of photography) e dependendo do tamanho da obra, pode contar com equipes de operadores de câmera, iluminação, maquinistas (grip) e fotógrafos de still (imagens promocionais da série). Nos EUA, o termo mais utilizado para o diretor de fotografia nas séries de TV é cinematographer, que designa os profissionais que além de coordenarem a equipe, também colocam a mão na massa e operam a câmera, dispensando a ajuda dos operadores. Os maquinistas (grips, em inglês) são profissionais que cuidam de toda a maquinaria que pode ser utilizada para filmar a obra, como guindastes para cenas em que o ângulo da filmagem é de cima e máquinas que andam sob trilhos para cenas em que é necessário movimento contínuo da câmera. Todos os equipamentos que não incluem a câmera e a iluminação são de responsabilidade desse profissional.


DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHY

DIRETOR DE FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER

OPERADOR DE CÂMERA

FOTÓGRAFO DE STILL

STILL PHOTOGRAPHER

CAMERA OPERATOR EQUIPE DE ILUMINAÇÃO

LIGHT DEPARTMENT

EQUIPE DE GRIP

GRIP DEPARTMENT

15


16


L U Z , CO R E TE XTURA LIG H T, CO LOR AND TE XTU R E

A cor e a luz são ferramentas poderosas e flexíveis nas mãos do diretor de fotografia. A iluminação e o controle da cor são atividades que tomam a maior parte do tempo do fotógrafo na gravação das obras. O diretor de fotografia pode manipular a luz de acordo com a intenção da cena e ela pode ser natural quanto artificial. No enredo da série Game of Thrones, não existe eletricidade, portanto todas as fontes de luz são naturais e, dessa forma, o diretor de fotografia precisou escolher uma lente que fosse sensível para capturar os feixes de luz das velas, por exemplo. A luz pode ser manipulada para despertar diversos sentimentos que ajudam o telespectador a se envolver na história, o

quarto de Offred em The Handmaid’s Tale normalmente é escuro, só com alguns feixes de luz bem definidos vindo da janela, o que traz a sensação de isolamento para o ambiente da personagem que, de certa forma, se vê sozinha. A cor na fotografia pode ser utilizada para diferenciar ambientes, como acontece em Breaking Bad: quando a cena é ambientada no México, o tom da cor da cena passa a ser quente, puxado para o laranja e o amarelo. O mesmo acontece na ambientação do Iraque na série Lost. O fotógrafo também consegue criar ou evidenciar texturas usando o jogo de luz e sombra. O contraste entre o claro e o escuro normalmente cria profundidade e evidencia texturas.

 N G UL O E MOVI MENTO A N G LE A N D MOVE ME NT

O ângulo na fotografia auxilia o espectador a entender a relação entre os personagens da obra. É um fator muito importante que ajuda a moldar a linguagem visual. Os mais comuns são os ângulos normal, plongée (de cima) e contraplongée (de baixo). Em Breaking Bad o ângulo que se tornou referência para a série foi o de ponto de vista (POV shot) em que a câmera filma de um determinado ponto de vista, seja um objeto inanimado ou uma pessoa. Esse ângulo também é bastante famoso nas obras de Quentin Tarantino. Também temos um ângulo bastante interessante em The Handmaid’s Tale chamado de ângulo zenital (bird’seye-view) em que a câmera é posicionada acima do objeto/

personagem em um ângulo de 90º em direção a Terra, como se estivesse no céu, o que resulta em cenas que vemos apenas o topo da cabeça do personagem e temos uma noção maior do espaço em que ele está inserido. Já os movimentos de câmera ajudam a moldar o ritmo da obra e podem ser feitos usando drones, guindastes e vários tipos de tripés, todos com o intuito de mover a câmera de forma livre e em qualquer altura. Alguns dos movimentos mais utilizados são o crane shot (a câmera é colocada em um guindaste que se move para cima, normalmente é utilizado para indicar o fim de um filme ou série) e o tracking shot (a câmera é inserida em um caminho de trilhos). 17


LOST

2004- 201 0

18


SINOP S E Lost foi uma premiada série norte-americana de drama e ficção científica que seguiu a história de 48 sobreviventes vítimas de um desastre de avião. Os passageiros do vôo Oceanic 815 se vêem perdidos em alguma ilha deserta situada no Oceano Pacífico, entre Sydney e Los Angeles. Enquanto lutam para sobreviver, eles descobrem que a ilha está longe de ser um lugar comum e que não estão sozinhos. Ursos polares em uma ilha tropical e ruídos mecânicos misteriosos são só a “ponta do iceberg” de mistérios que surgem ao decorrer das temporadas. Lost foi uma das séries responsáveis pela cultura dos telespectadores quererem começar a criar teorias acerca dos acontecimentos da série. Os fãs debatiam suas teorias em comunidades online e, com isso, criou-se um comportamento de debater, resenhar e apostar em acontecimentos futuros para as séries de televisão. Durante as seis temporadas, a série acumulou um total de 176 indicações importantes da televisão americana, faturando mais de 50 prêmios. Nas páginas seguintes, iremos discutir sobre o figurino simplista da série e descobrir como foram os processos de criação da Estação Cisne e Espelho, as estações mais famosas da Dharma. Assim como observar o processo de efeitos visuais para a criação da Fumaça Negra e como os diretores de fotografia conseguiram captar luz suficiente para filmar na selva. Também vamos dar uma olhadinha em como a equipe de Design de Som criou os famosos sons da série, mesmo que normalmente o Design de Som não se encaixa na direção de arte e sim no departamento de pós-produção.

FIG URINO 21

O FIGURINO EM LOST

CE NOG RAFIA 23 24 25 28 30

ESTAÇÕES DHARMA A ESCOTILHA / ESTAÇÃO CISNE ESTAÇÃO ESPELHO FILMANDO O EPISÓDIO PILOTO FILMANDO O EPISÓDIO FINAL

D E S IG N D E S OM 33 33

UMA ORQUESTRA DE VERDADE O SOM DA FUMAÇA NEGRA

E FE ITOS VIS UAIS 36 FUMAÇA NEGRA 37 VFX NA ÚLTIMA TEMPORADA

FOTOG RAFIA 38

A FOTOGRAFIA DE LOST

19


F IGU RINO CO ST UM E D E SI GN O figurino de Lost é um tanto quanto simplista, já que os personagens realmente vestem só aquilo que estava na mala de viagem no momento em que eles caíram na ilha. Eles quase se assemelham a personagens de quadrinhos por usar frequentemente as mesmas roupas ou variações de um mesmo modelo. O figurinista Roland Sanchez não queria mostrar que eles mudam muito de roupa, o que de fato não aconteceria em uma situação dessas. A prioridade dos sobreviventes do vôo Oceanic 815 é, na verdade, sobreviver a cada dia, então as roupas acabam sendo um item de segundo plano. No processo de criação e escolha das cores das roupas, o figurinista lê o script do episódio e determina suas escolhas de acordo para onde os personagens estão indo no momento, uma vez que o enredo é cheio de mudanças de ambientes. Roland Sanchez é formado em psicologia e ele acredita que isso o faz ter facilidade em dissecar a personalidade das pessoas e, consequentemente, escolher as melhores cores para os figurinos dos personagens. As roupas estão tão atreladas aos personagens que se observarmos elas separadamente, conseguimos apontar os donos de cada vestimenta (observar imagem abaixo).

20


O F IG U RINO EM LOST LO ST ’ S CO ST UME D E S I GN

Na primeira temporada, a roupa tradicional de Charlie Pace (Dominic Monaghan), por exemplo, é uma camiseta listrada sobreposta por um moletom com capuz. O personagem, inclusive, veste o capuz sempre que está com vergonha do seu vício em heroína. É uma forma que ele encontra de “se esconder”.

21


C ENOGRA F IA S E T D E S IG N A Ilha não é considerada só um local onde ocorre a trama principal de Lost, mas sim um personagem complexo da trama. Portanto, escolher o melhor local para ser A Ilha na ficção foi uma tarefa que demandou muitas pesquisas da equipe de produção e locação. Os únicos locais viáveis que a equipe tinha como opção para filmar Lost era a Nova Zelândia e o Havaí. O local precisava ter uma boa infraestrutura e uma equipe local que ajudasse e soubesse o que estava fazendo. A ilha de Honolulu, a maior e principal ilha do Havaí se tornou a escolha certa, já que a Ilha de Lost é situada em algum lugar do Pacífico Sul, assim como a ilha do Havaí. Portanto, toda a geografia do local seria adequada para as filmagens da Ilha, como as selvas e as praias. O único problema que a equipe encontrou no Havaí é que ao chegar lá, outras três séries estavam sendo filmadas na ilha de Honolulu, então, a equipe de Lost teve que ficar com os locais que sobraram. Mesmo assim, o produtor executivo Damon Lindelof acredita que todas essas condições ajudaram a criar a identidade da série. O principal designer de produção da série foi Zack Glober. Glober entrou na equipe em 2005 e permaneceu até 2010. Foi responsável pela criação dos principais cenários ao decorrer das temporadas, como a Estação Espelho e O Templo, ambos discutidos nesse capítulo.

22


ESTAÇÕ ES DH A R MA D H A R M A STAT I ONS

A Iniciativa Dharma, na série, foi um projeto de pesquisa científica que surgiu na Ilha entre os anos de 1970 e 1990. A iniciativa criou e distribuiu diversas estações de pesquisa ao decorrer da Ilha. Elas foram usadas para conduzir vários experimentos científicos, cada uma tem o seu próprio logotipo e a sua função. A estação Cisne (The Swan) por exemplo, é a estação principal e que mais aparece na série (ver página 24). Os logotipos possuem oito lados e são baseados nos trigramas chinês (desenhos que correspondem à oito possibilidades de combinação de Yin-Yang) Abaixo, confira as dez estações conhecidas da série e seus respectivos logotipos. Da esquerda para direita: A Hidra, A Flecha, A Cisne, A Chama, A Pérola, A Orquídea, O Cajado, O Espelho, A Tempestade e O Farol.

“Era

b a s ta n t e d i f í c i l e n c o n t r a r u m n ovo e s t i l o a r -

q u i t e t ô n i c o pa r a u m a i l h a f i c t í c i a q u e s e m ov i a m i s t e r i o s a m e n t e p e l o p l a n e ta .

Eu

n ã o q u e r i a q u e pa r e c e s s e

e s t r a n h o o u t o ta l m e n t e d e s c o n h e c i d o .

O

ideal seria

q u e f o s s e vag a m e n t e fa m i l i a r , q u a s e c o m o s e c u lt u r a s d i f e r e n t e s t i v e s s e m s i d o at r a í da s pa r a a i l h a e c a da u m a t i v e s s e i n f l u e n c i a d o s e u e s t i l o .”

ZACK GLOBER, DESIGNER DE PRODUÇÃO. 23


A ESCOTIL H A / ESTAÇÃO C I SNE THE H ATC H / T H E S WAN A abertura da escotilha foi o cliffhanger final da primeira temporada. A cena icônica de Locke (Terry O’Quinn) e Jack (Matthew Fox) finalmente abrindo a escotilha fecha a temporada com chave de ouro e traz questionamentos para os fãs, como “o que tem lá dentro?”. Esse mesmo questionamento passou pela mente dos produtores executivos. O trio J.J. Abrams, Damon Lindelof e Carlton Cuse debateu em conjunto por algum tempo sobre o que poderia ter dentro da misteriosa escotilha. A explicação mais lógica foi que uma pessoa moraria ali dentro. A escotilha é a porta de entrada para a Estação Cisne. O set da estação é background para muitos acontecimentos da segunda temporada, alguns até filosóficos: J.J. Abrams afirma que a escotilha basicamente traz o pior das pessoas, muitas decisões são tomadas naquele ambiente e as consequências também acontecem por lá. O responsável pela criação do set da Escotilha e de toda a Estação Cisne foi o designer de produção Jim Spencer. De acordo com ele, o cenário foi uma de suas criações mais difíceis, já que o público estava com altas expectativas em relação de como seria lá dentro. Houve muitas mudanças durante a criação e quando J.J. Abrams viu os esboços pela primeira vez, afirmou que parecia muito com Star Trek. A Escotilha sofreu danos ao decorrer dos anos, assim, toda sua estrutura de metal precisaria ter aspectos antigos. Para isso, a equipe utilizou isopores como se fossem metais: Jim Spencer coordenou a equipe de pintura para que os isopores parecessem metais enferrujados e pesados. Como a criação da Estação Cisne aconteceu nos anos 70 pela Iniciativa Dharma, a equipe precisava dar um visual futurista para a época. Toda a tecnologia, então, deveria remeter aos anos 70. 24


ESTAÇÃO ESP ELHO TH E LO O K IN G GL AS S

A Estação Espelho é a única estação subaquática da Iniciativa Dharma, ela era utilizada para ajudar a orientar os submarinos que se aproximavam da Ilha e o seu propósito secundário era a comunicação com o mundo externo. Dentro da estação, havia uma sala de comunicação em que era possível captar e enviar sinais para o mundo exterior. Os Outros bloquearam todas as transmissões, impossibilitando que os sobreviventes do vôo Oceanic 815 recebessem ou enviassem qualquer sinal para fora da Ilha. Zack Grobler surgiu com a ideia de criar uma piscina moon pool (geralmente usadas em plataforma petrolíferas, por serem bem fundas e circulares) com uma abertura no fundo que fornecesse acesso ao oceano. Então, teve a ideia de aproveitar uma piscina abandonada em um galpão em um dos estúdios da série em Honolulu, no Havaí. A iluminação do local era fraca e a estrutura não era forte o suficiente para aguentar equipamentos enormes de luzes artificiais, portanto toda a iluminação precisou ser incorporada na criação do design do set. John Bartley, o diretor de fotografia do episódio “Através do Espelho” (S03E23 - Through the Looking Glass) trabalhou em conjunto com Grobler nos estágios iniciais do set da Estação Espelho e ajudou na escolha e localização das luminárias para que tudo ficasse o mais natural possível. Na primeira foto ao lado, podemos ver o set da Estação Espelho sendo construído. Na parte superior, estão as estruturas de ferro com as luminárias devidamente incrementadas ao design do set. Na foto do meio, vemos elas acesas e iluminando devidamente todo o local. A última foto é a arte conceitual criada por Grobler antes do mesmo iniciar a criação do cenário. O primeiro passo de todo grande cenário é a arte conceitual. 25


ES TAÇÃO ESP EL HO THE LO O K I N G G L AS S

A SALA DE COMUNICAÇÃO A sala de comunicação teve dois sets para filmagem: o primeiro foi anexado junto a moon pool e o segundo foi criado dentro de um contêiner que ficou no estacionamento do estúdio. Esse segundo foi utilizado para a cena final da season finale “Através do Espelho”. No episódio, Charlie consegue desbloquear as transmissões e logo recebe uma ligação em vídeo ao vivo de Penny Wildmore (Sonya Walger). Nesse momento Charlie descobre que o navio que se aproximava da Ilha não era dela, como todos acreditavam. Segundos depois Mikhail Bakunin (Andrew Bivoff), a pedido de Benjamin Linus (Micahel Emerson), explode a sala de comunicação com uma granada, inundando-a. Charlie consegue ser rápido e escreve a frase “Not Penny’s Boat” na palma da mão e mostra o aviso para Desmond através do vidro da sala, minutos antes de se afogar. A cena é uma das mais comoventes da história da série (ver foto na página ao lado).

A Estação Espelho é uma referência ao livro “Alice no País do Espelho” e o logotipo da estação (um coelho branco) é uma referência ao “Alice no País das Maravilhas,” ambos de Lewis Carroll. O código para desativar o bloqueio das transissões usado por Charlie é a sequência das notas de “Good Vibrations”, dos The Beach Boys . A sequência numérica dita por Bonnie (Ian Somerhalder) é 5-4-5-8-7-7-5-5-4-3-7-7-6-1-1-3.

26


S 03 E 2 3 - T h r o u g h

the

Looking Glass 27


F IL M ANDO O EP I SÓDI O PI LOTO S 0 1 E 0 1 - PILOT ( PART 1) / S 01E 02 - PI LOT (PA RT 2)

O episódio “Piloto” de Lost foi dividido em duas partes, “Piloto (Parte 1)” (S01E01) e “Piloto (Parte 2)”. A primeira parte foi exibida em 22 de setembro e a segunda em 29 de setembro de 2004. O nome do episódio tem significado duplo, porque a maioria dos primeiros episódios das séries têm o nome de “Piloto” e, também, o piloto do avião morre na segunda parte. A sequência inicial do episódio é famosa: Jack Shephard abre os olhos e se encontra deitado e machucado no meio de uma floresta. Depois, segue uma sequência do personagem na praia tentando ao máximo ajudar todas as vítimas da queda do voo Oceanic 815. A gravação da sequência inicial durou cinco dias inteiros e de acordo com o ator Daniel Dae Kim (Jin-Soo Kwon) o set da abertura na praia foi tão bem elaborado ao ponto de todos os destroços do avião serem de verdade, então, foi fácil se teletransportar para viver aquela situação. OS DESTROÇOS DO AVIÃO Os destroços do Oceanic 815 que ficaram espalhados pela a praia vieram de uma aeronave real, a Lockheed L-1011. A equipe de cenografia comprou o avião e ficou responsável por destruir suas partes e deixá-lo com o visual necessário para a filmagem do primeiro episódio. Antes de sua execução, a equipe criou artes conceituais para definir corretamente como seriam os formatos dos destroços e em quais locais eles estariam situados, se na praia ou na selva (observar figuras acima à direita). O FATOR DO TEMPO CLIMÁTICO Em muitas cenas de Lost, as pancadas de chuva aparecem repentinamente, essa mudança do tempo que vemos na série é, na verdade, consequência do clima do Havaí. 28


Assim, toda a equipe de produção e o elenco aprenderam a lidar com essas mudanças drásticas no tempo. Na gravação do “Piloto” (S01E01 - Pilot) choveu por 12 dias, sem parar. Houve tempestades e alguns cenários ficaram tão encharcados que precisaram comprar secadores de cabelo para secar tudo e não atrasar as filmagens. Mesmo com a chuva natural frequente, a equipe fazia chuva artificial para unificar e transparecer a mesma consistência na tela.

“G r ava m o s

ao a r l i v r e

q u a s e e xc l u s i va m e n t e .

Fomos

e s c r avo s d o t e m p o .”

DAMON LINDELOF produ tor e x ecu t i v o

29


F IL M ANDO O EP I SÓDI O FI NAL S 0 6 E 0 1 7 - T H E E ND ( PART 1) / S 06E 18 - TH E END (PART 2)

No dia 23 de maio de 2010, 13 milhões de pessoas sintonizavam na ABC para assistir o final da série que espalhou inúmeros mistérios e intrigou fãs ao redor do mundo. O final de Lost foi um dos finais que mais dividiram a opinião dos telespectadores na história da TV norte-americana: há quem ame e há quem odeie. Quase não há meio termos. Essa foi justamente a intenção dos criadores Carlton Cuse e Damon Lindelof: despertar emoções intensas nos telespectadores na temporada final. Dessa vez, os flashbacks dão lugar aos flashsideways e o foco, mais do que nunca, são os passageiros do vôo Oceanic 815. Durante toda a sexta temporada, os produtores da série almejaram trazer a sensação de nostalgia para os telespectadores e, para isso, utilizaram cenários e situações da primeira temporada. Por exemplo, logo no início da temporada a personagem Kate (Evangeline Lilly) escala uma árvore, remetendo diretamente à primeira temporada quando a personagem frequentemente escalava em árvores para conseguir alimentos (frutas). Outra técnica que a equipe da série utilizou foram as frases icônicas, como “não me diga o que eu não posso fazer” (don’t tell me what I can’t

30

do) de Locke. Toda essa ambientação traz a sensação de lembrança de onde e como a série começou para os fãs. Apesar de Lost ser uma série conhecida por seus inúmeros mistérios (alguns solucionados, outros não), os produtores afirmam que a magia da série, desde o início, sempre esteve na conexão dos personagens, já que se tirarmos a Ilha, o que sobra para os passageiros do vôo Oceanic 815 são uns aos outros. E, parafraseando a fala do personagem Christian Shephard (John Terry) para o seu filho, Jack Shephard, no episódio final: “A parte mais importante de sua vida foi quando você esteve ao lado deles”.

“te

vejo em outra

v i da , i r m ã o .” DESMOND HUME h enr y ian cusick


S01E01 - PILOTO

S06E018 - O FIM

31


D ESIGN DE SO M S O UN D D E S IGN A série possui uma das introduções mais famosas da história da televisão americana. O icônico som ao fundo do letreiro em 3D que aparece na tela marcou muitos fãs. Michael Giacchino é o grande responsável pela trilha e efeitos sonoros de Lost. O compositor já venceu Oscar de melhor trilha sonora pelo o filme Up - Altas Aventuras (2009) e permaneceu na série do começo ao fim. A série tem a trilha e efeitos sonoros bem marcantes, é um dos fatores que fazem parte da identidade da série. Se qualquer fã de Lost ouvir partes de uma cena em que há uma trilha ou efeito sonoro, mesmo sem observar a tela, saberá que se trata de Lost. Giacchino tinha a intenção de criar uma identidade sonora única para a série desde o início, ele queria que o som fosse um elemento confortável, algo que representasse o lar para aqueles personagens, mas que ao mesmo tempo seria rodeado de sons esotéricos, estranhos e desconfortáveis. Para conseguir esse efeito, Giacchino optou por instrumentos de cordas, uma vez que eles são versáteis e podem soar leve e bonito ao mesmo tempo em que soam horripilantes. O compositor também foi criativo e resolveu usar os destroços do voo Oceanic 815 como instrumento de percussão. As músicas foram gravadas com orquestras ao vivo. O resultado é claro: conseguimos assistir Lost até de olhos fechados e entender o que está acontecendo.

32


U M A ORQU ESTR A DE VERDADE A R E A L O R C H E STR A Para Lost, Giacchino optou por trabalhar de uma forma diferente: ao invés de assistir o episódio todo e posteriormente criar músicas para as cenas que precisavam, ele assistia cuidadosamente cena por cena, pausando-as e já criando a música para a cena em específico. De acordo com ele, era a melhor e mais criativa forma de trabalhar com a série.

“A música diz como devemos nos sentir e o compositor Giacchino foi um mestre em dizer como nos sentir enquanto assistimos Lost, mesmo que não tivéssemos idéia do que estava acontecendo.” - Robin Hilton, produtor do NPR MUSIC.

O SO M DA F U M AÇA NEG RA B LAC K S M O K E’S S OU ND D E S I GN

A Fumaça Negra não deu trabalho apenas para a equipe de efeitos visuais, mas também para a turma de efeitos sonoros. Desde a primeira temporada, os showrunners queriam que a audiência tivesse as “ferramentas” para eventualmente descobrir o que “aquilo” era. As ferramentas foram os sons. Tudo que o público precisava fazer era ouvir. O grande desafio da equipe foi pensar em como criar um som único para algo abstrato que os telespectadores não iriam ver (pelo menos na primeira temporada). O som precisava ser simultaneamente ameaçador e misterioso. Tom de Gorter, supervisor de edição de som, carregou consigo a pressão de ter que representar uma figura aparentemente importante para a história da Ilha apenas por meios sonoros. 33


E F E ITOS V ISUA IS VIS UA L E FFE CTS Quando falamos em efeitos especiais em Lost, normalmente nos lembramos apenas da icônica Fumaça Negra (ou “The Monster” como é conhecido lá fora), porém a pós-produção da série vai além disso. Há muitos efeitos especiais “invisíveis”, aqueles efeitos que ficam tão realísticos que nem mesmo membros da produção sabiam que foram feitos digitalmente. Toda a equipe se orgulha disso, uma vez que esses efeitos dão tanto trabalho quanto aqueles efeitos que visualmente demonstram que foram feitos por computador. Para temos uma ideia, logo na primeira cena do episódio “Piloto” (S01E01 - Pilot), em que a câmera dá um close no olho de Jack Sheppard, a pupila dilatada foi feita com CGI (Computer-Generated Imagery), um ato de cena que a maioria acredita que seja natural. Assim como cenas filmadas em outros locais fora da Ilha, como Londres, os atores não precisavam se deslocar do local de gravação em Honolulu, poderiam contar com os efeitos visuais. Os cenários também não ficam de fora dos efeitos de computação, boa parte do cenário do navio Black Rock, por exemplo, foi construída digitalmente e apenas 10% do navio foi construído como objeto real. O responsável por cuidar dessa parte tão importante da pós-produção é Kevin Blank, supervisor de efeitos visuais.

34


Desmond (Ian Cusick) caminha pelas ruas de Londres na pós-produção.

35


F U M AÇA NEGRA B L AC K S M O K E - T HE MONSTE R

A Fumaça Negra faz parte de um dos mistérios principais e intrigantes de Lost. O “monstro” aparece logo no primeiro episódio da série e aterroriza os sobreviventes com o seus ruídos metálicos e eletrônicos. Ao decorrer de boa parte da primeira temporada, identificamos a presença da Fumaça Negra pelos sons que ela imite, sem ver a presença física e real do “monstro” (ver página 33, sobre o Design de Som). Kevin Blank e a sua equipe contaram com John Teska do estúdio Eden FX para criar o monstro de fumaça e, no início, sua criação foi bem complexa, uma vez que Teska não contava com muitos detalhes sobre a criatura, os produtores eram bem vagos sobre os detalhes. Basicamente a única exigência que a equipe tinha era de que precisaria ser “uma criatura de fumaça diferente que o público nunca tenha visto antes”. Criar o monstro e renderiza-lo em 2D e 3D exigiu muito tempo e computação gráfica, vale lembrar que a produção da série de iniciou em 2004 e finalizou em 36

2010 e, embora não pareça tão distante, já se passaram 13 anos desde a sua estreia e 7 do seu episódio final. Os efeitos visuais evoluíram bastante desde então, portanto, na época da série eles eram mais complicados de fazer do que hoje em dia (ver a sessão dos efeitos visuais de Game of Thrones, na página 90). Mitch Suskin assumiu a produção do Monstro de Fumaça no fim da segunda temporada e afirma que o maior desafio era criar um efeito de computação tão aleatório como uma fumaça ao mesmo tempo em que a criatura precisaria ter personalidade e movimentos violentos. Para criar o efeito, Teska construiu uma forma de base poligonal que gerava partículas pretas de fumaça iniciais, além de conseguir controlá-las, evitando que as partículas se dissipassem e tomassem conta de toda a tela. Depois, a equipe adicionou elementos de fumaça para complementar a forma do monstro. No fim, a imagem da Fumaça Negra se tornou uma mistura do analógico com o digital.


V F X NA Ú L TIMA TEMPORADA TH E FI N A L S E AS ON - VI S UAL E FFE CTS

Os cenários da sexta e última temporada carregavam muitos aspectos mitológicos e filosóficos, a Torre, a Caverna e o Templo foram cenários que o supervisor de efeitos especiais da sexta temporada, Adam Avitabile, teve que trabalhar em cima. A maioria dos efeitos dos cenários citados foram produzidos usando matte painting (técnica de pintura realista que serve para criar cenários grandes, como paisagens, por exemplo). Para o efeito de cachoeira na Caverna, a equipe filmou algumas cenas de elementos de água e depois as incorporou no efeito matte painting das paredes. Grande parte dos efeitos criados por Adam foram “invisíveis”, aqueles

efeitos visuais que as pessoas não percebem que são, de fato, efeitos e acreditam que fazem parte de um cenário palpável e real. Adam admite que se sente muito feliz quando as pessoas dizem que não sabem encontrar onde foi utilizado computação gráfica nas cenas. Quando falamos em efeitos visuais nas obras televisivas e cinematográficas é comum despertar a curiosidade sobre quais programas são utilizados para dar vida à todos aqueles efeitos. Para a série, Adam trabalhou com os softwares Autodesk Maya , para efeitos em 3D, o Nuke, para composição 2D e para complementar o time, Shake, After Effects e Flame. 37


F OTOGRA F IA C IN E M ATO G R APHY John S. Bartley, Michael Bonvillain e Larry Fong são os principais diretores de fotografia da série e, juntos, tiveram determinação para filmar grande parte das cenas em locais com pouca luz, como a selva. Qualquer luz que os diretores de fotografia conseguiam puxar para dentro da mata, era usada para preencher a cena. Mesmo com os equipamentos mais rápidos, ainda faltava luz para filmar, mesmo durante o dia. Era preciso ter muito cuidado para não colocarem refletores de luzes demais nas matas e soar artificial. Ainda era preciso deixar o jogo de luz e sombras comuns nas matas. Larry Fog dirigiu os nove primeiros episódios da primeira temporada e foi o responsável por criar o feeling da fotografia de Lost. Antes mesmo do roteiro do episódio piloto sair do papel, Fong se reuniu com J.J. Abrams para assistir alguns filmes e se inspirarem, o engraçado é que eles não gostaram de nada do que viram e, no fim, os filmes serviram como lições do que não fazer. Parte da magia de Lost é que a série combina as aventuras dos personagens na Ilha aos flashbacks intrigantes desses mesmos personagens e, para diferenciar o presente do passado, Fong usou estéticas diferentes. Por exemplo, nas cenas no presente (na Ilha) e principalmente na praia, Fong procurou deixar as luzes naturais da praia ditar a estética. Já nas cenas externas à Ilha, como no Iraque, os tons são ajustados para ficarem amarelados e quentes.

38


39


BREAKING BAD 2008- 201 3

40


SINOP S E Breaking Bad foi uma série de televisão estadunidense criada e produzida por Vince Gilligan, exibida entre 2008 e 2013 pelo canal de televisão por assinatura AMC. O programa teve cinco temporadas e contou a história de Walter White, um professor de química do ensino médio que luta para pagar as contas e sustentar sua esposa, Skyler White e seu filho, Walter “Flynn” White Jr., que sofre de paralisia cerebral. A realidade de Walter White muda completamente quando ele é diagnosticado com câncer de pulmão sem possibilidade de cura. Com o intuito de deixar uma vida confortável e financeiramente boa para a sua família caso ele morrer cedo, Walter usa seus conhecimentos na química para produzir e vender metanfetamina com o seu ex-aluno, Jesse Pinkman. A partir daí, a série se desenvolve acerca de crimes, mortes, violência e retrata toda a vida conturbada dos dois personagens principais – Walter e Pinkman. No geral, o show ganhou 45 prêmios da indústria televisiva e foi nomeado para 113. Neste capítulo, iremos entender como funciona as cores no figurino dos personagens, a construção dos sets dos laboratórios que Walter e Jesse passaram, o trabalho da equipe de efeitos especiais na cena do rosto destruído de Gus Fring e, claro, as técnicas de fotografia incríveis como os grandes planos (wide shots) e POV shots.

FIG URINO 43 44 45

WALTER WHITE SKYLER WHITE JESSE PINKMAN

CE NOG RAFIA 47 48 48

CASA DOS WHITE O TRAILER O SUPERLAB

E FE ITOS VIS UAIS 51 A MORTE DE GUS

FOTOG RAFIA 54 PLANO ABERTO 55 PONTO DE VISTA 56 SATURAÇÃO E CONTRASTE

41


F IGU RINO CO ST UM E D E S I GN As cores são bem estudadas e utilizadas em Breaking Bad e as figurinistas Kathleen Detoro e Jennifer Bryan foram responsável por fazer o figurino fazer parte disso. As cores das roupas dos personagens variam de acordo com o emocional de cada um e a situação pelo qual estão passando. Na primeira temporada, os personagens usam tons mais claros e, conforme a história vão se desenvolvendo, os tons escurecem e na penúltima e última temporada, o preto é bastante utilizado. As relações entre os personagens da série são análogas as relações entre as cores vermelho, amarelo e azul na roda de cores. Um grande exemplo é a cor verde do alter ego de Walter, Heisenberg, que é uma mistura das cores de seus parceiros mais próximos: Skyler, que frequentemente usa azul e Jesse, que usa amarelo. A cor diferente e original da metanfetamina de Heisenberg é azul, mas é a cor amarela que representa a droga nas relações entre os personagens. Marie está mais distante da droga e sem nenhuma relação por ela, portanto sua cor é roxo, que é o oposto do amarelo na roda de cores. Já os personagens que têm uma relação direta com a droga, usam bastante amarelo (os macacões de laboratório são todos amarelos). Todo esse cuidado com os tons das roupas é uma forma de ajudar a audiência compreender de uma forma simples a essência de cada personagem.

42


WA L T ER W H ITE B R YA N C R A N STON

No decorrer das temporadas, o personagem de Walter White (Bryan Cranston) vai se transformando completamente: deixa de ser apenas pai de família e professor que sofre de câncer, para um homem com sede de poder e dinheiro. A medida que a produção e venda de drogas vai crescendo, Heisenberg (seu pseudônimo e como fica conhecido no ramo) se torna cada vez mais egoísta e mais próximo do que todos julgam ser “vilão” e isso reflete claramente nas cores das roupas em que o personagem usa. Walter inicia a sua jornada usando tons de roupas mais neutros, como bege e amarelo claro, mas assim que começa a cozinhar metanfetamina, os tons de verdes claros e saturados começam a fazer parte do seu guarda-roupa, assim como o azul, que é uma forma subconsciente de se identificar com sua esposa, Skyler. Na quarta temporada, quando está no seu auge como Heisenberg, o personagem usa muito preto e, na última temporada, próximo ao seu fim, usa tons de branco e cinza. O chapéu é um acessório importante e significa poder e negócios, assim que Walter coloca seu chapéu preto, passa a ser Heisenberg, o maior e melhor produtor de metanfetamina da região e não só mais um professor de química e pai de família. 43


SK Y L ER W H ITE A N N A G UN

Skyler White (Anna Gun), esposa de Walter White que se concentra em cuidar da família enquanto por vezes apoia e por outras se opõe ao seu marido, começa usando bastante azul na primeira temporada, cor que representa a pureza e lealdade, já que esse é o seu estado de espírito antes de qualquer envolvimento de Walter com a metanfetamina. Depois que a personagem passa a descobrir os segredos do seu marido, as cores vão se intensificando e se tornam azuis escuras. Na linha do tempo de cores acima, os tons em verde surgem na terceira temporada, quando a personagem descobre a quantidade de dinheiro que seu marido possui com a produção da metanfetamina. Conforme ela se torna cúmplice dos crimes do marido, mais escuros os tons das suas roupas ficam.

44


JESSE P INK M A N A A R O N PAUL

Jesse Pinkman (Aaron Paul), parceiro de laboratório e cúmplice direto de Walter White, usa a maior parte do tempo tons vermelhos, que representam a violência e raiva do personagem. O uso das cores em roupas além de ter significado, servem também para evocar emoção no telespectador. Por exemplo, depois que sua namorada Jane Margolis (Krysten Ritter) morre e Jesse entra em uma reabilitação, seus tons de roupa são mais monótonos, como o cinza e o verde. Assim como Skyler, quanto mais Jesse é influenciado por Walter, mais escuras suas roupas ficam. O personagem também costuma misturar estampas e tecidos, sempre com uma base preta, cinza ou branca, com detalhes em vermelho ou amarelo, cores que sugerem conflito moral na série.

45


C ENOGRA F IA SE T D E S I G N Muitos ambientes de Breaking Bad foram construídos do zero. O primeiro passo de produção dos cenários é começar pelos desenhos do ambiente em blueprint (suporte em desenho técnico para projetos de arquitetura e design) até os designers de produção finalizarem a criação completa junto com a equipe de construção. Robb Wilson King, designer de produção, ficou responsável pelos cenários da primeira e segunda temporada, enquanto Mark S. Freeborn participou a partir da segunda temporada até a última. Em alguns casos, os sets foram construídos para combinarem com locações reais e em outros, foram construídos baseados diretamente em locais reais, como foi o caso da maioria dos cenários da DEA (Drug Enforcement Administration). A história de Walter White se passa na cidade de Albuquerque, no Novo México, e a série é filmada no New Mexico Studios, além de locações reais acerca da cidade. Robb afirma que na primeira temporada a equipe fazia descobertas de possíveis locais interessantes todos os dias e que isso enriqueceu bastante a narrativa visual. Os cenários mais interessantes da série são os laboratórios que Walter e Jesse produzem a metanfetamina, nesse capítulo citaremos os quatro mais importantes.

46


CASA DO S W H ITE TH E W H IT E H OU S E

A casa da família White passa por mudanças durante as temporadas: o ambiente inicia com cores quentes e passa a sensação de ser um lugar confortável e casual, depois, na última temporada, o local se torna frio e desconfortável. Um fato curioso é que a casa existe de verdade e, em 2015, Vince Gilligan precisou pedir para que os fãs parem de jogar pizzas no telhado da casa, já que os moradores reais estavam reclamando. A cena cômica acontece no segundo episódio da primeira temporada, quando em um acesso de raiva, Walter joga uma pizza inteira no telhado da casa.

47


O T RA I L ER THE R V

Ao todo, a dupla (Walter e Jesse) passam por seis laboratórios diferentes nas cinco temporadas, sendo eles: o RV, o Superlab, o laboratório portátil Vamonos Pest e, por último, o laboratório de Jack e Todd na última temporada. Os principais foram o clássico trailer e o Superlab. Para criar todos os aspectos do comércio de droga o mais realista possível, agente reais da DEA foram consultados sobre os procedimentos e equipamentos para os laboratórios. O trailer, da marca Winnebago, é o elemento mais icônico da narrativa da série e para as filmagens no seu interior, foi construído um set real só da parte interna. Robb contou com a ajuda de Dennis Peterson, supervisor de efeitos especiais, para criar efeitos dentro do set, como fumaça, vapor e chuva.

O SU P ERL A B THE S UPE R LA B O Superlab é um laboratório enorme que se esconde embaixo de uma lavanderia, um local bem propenso para a produção da droga, uma vez que o cheiro da lavanderia despista o odor da produção. Aparece pela primeira vez na terceira temporada. Ricardo Guillermo, o designer de set, foi responsável por desenhar todo o ambiente do cenário. A equipe de construção criou o piso, o teto e as paredes em cerca de duas semanas, boa parte dos equipamentos de alumínio para a produção da droga foram adquiridos da indústria farmacêutica. Rodd afirma que o laboratório foi criado com tanto detalhe e cuidado que seria possível fazer metanfetamina de verdade com os equipamentos. Depois, foram adicionais iluminação específica no teto, fornecimento de ar, escape, conduta e tubulação. 48


S 03 E10 - F ly 49


E F E ITOS V ISUA IS V IS UA L E FFE CTS Muitas cenas de deixar o queixo caído em Breaking Bad contaram com os efeitos especiais, adicionados na fase de pós-produção. Desde colisões de avião até uma mosca criada completamente em CGI, Jay Segimoto (2008-2013) e William Powloski (2009-2013), ambos supervisores de efeitos especiais, se esforçaram para deixar as cenas de violência e explosões o mais visceral e realista possível. Breaking Bad é uma série que deixa claro a diferença entre Efeitos Visuais (VFX) e Efeitos Especiais (SFX) (ver página 12), já que usa muito bem as duas e muitas vezes, de forma simultânea. Um grande exemplo é a cena da morte de Gus Fring, o rosto danificado é trabalho da equipe de efeitos visuais, já a explosão da bomba e a queda da porta é responsabilidade dos efeitos especiais. Na página seguinte, discutiremos mais sobre o processo de criação dessa cena icônica do fim da quarta temporada. Com o roteiro do episódio em mãos, as equipes de efeitos visuais e efeitos especiais anotam quais cenas precisarão dos efeitos e qual é o orçamento disponível.

50


FAC E O F F S 0 4 E 1 3 - S E A S ON FI N AL E

1. Cena original, mostrando a maquiagem, a prótese e as marcas de captura para o CGI.

2. É criado o wireframe do rosto do personagem.

3. O wireframe do rosto é adicionado a cena.

4. A textura dos ossos e sangue são adicionadas.

5. A prótese em versão computadorizada.

6. Produto final.

Na cena da morte de Gus Fring (Giancarlo Esposito) no episódio “Face Off” (S04E13), uma bomba explode na casa de repouso e o personagem aparece com metade do rosto detonado, faz um gesto para arrumar a gravata e logo depois colapsa no chão, morto. A cena contou com o talento da KNB EFX (maquiagem e prótese), Bill Powloski (efeitos especiais) e a equipe de Werner Hahnlen. A união da equipe de maquiagem e prótese com a de efeitos especiais resultou em uma cena icônica do fim do maior vilão da quarta temporada. A KNB EFX, empresa responsável pela maquiagem e prótese, também é responsável pelos zumbis na série The Walking Dead, também da AMC, que retrata a vida de um grupo de sobreviventes em um mundo pós-apocalíptico cheio de zumbis.

O primeiro passo do processo começou com a criação de modelos de rostos detonados no Photoshop. A equipe escolheu o melhor modelo e a partir dele criou uma prótese real de metade do rosto de Esposito, a equipe da KNB EFX cuidou da parte da maquiagem na prótese e depois de cerca de quatro horas e meia, ela foi inserida completamente no rosto do ator. Então, marcas de captura foram adicionadas na prótese para Bill Powloski e a Velocity FX conseguirem capturar os movimentos do rosto do ator e mesclar com os movimentos da versão digital da prótese. Nesse ponto, foram criados as texturas de osso e sangue. E, para finalizar, a equipe adicionou fumaça saindo do lado detonado do rosto, o que deu um ar ainda mais macabro a cena. 51


F OTOGRA F IA CI N E M ATO G R A PHY Há um tempo atrás, a televisão americana retratava as cenas, sem se preocupar muito com detalhes de estética. Breaking Bad, então, começou a realmente filmar as cenas, cuidar de cada detalhe de composição e luz, uma vez que a produção da série acredita que a história também está nas imagens, tanto quanto está no roteiro. A série criou uma fotografia que é reconhecida como uma de suas marcas principais com o uso de ângulos dramáticos e inusitados, junto com as técnicas de cores contrastantes e equipamentos especiais. Essa marca registrada de fotografia da série veio da mente do diretor de fotografia, Michael Slovis, que entrou na equipe na segunda temporada e permaneceu até a quinta, a última. Em seu trabalho, Slovis compara a fotografia a uma pintura impressionista, ele afirma que não se trata apenas do shot se parecer com a realidade, mas também de suscitar uma emoção no espectador e, para isso, ele usa as cores e os contrastes entre elas. O diretor também não teve receio em filmar em locais escuros, pelo contrário, as cenas escuras com pouca luz também se tornou uma das marcas da série. Por exemplo, os armazéns (locais de baixa luz) que tanto aparecem na série utilizam a estética da luz esverdeada. Breaking Bad foi filmada inteira em filme (analógico), por escolha da emissora AMC, Slovis adorou a decisão, já que filmar em filme é caro e isso estimula as pessoas a se esforçarem para acertar.

52


53


PL A N O A BERTO WI DE S H OT

Os ângulos em grande plano serviram para Slovis e Gilligan mostrarem como os personagens ou carros são tão pequenos dentro da imensidão da paisagem em que se encontram. Esses ângulos normalmente aparecem quando a narrativa remetia à sensação de isolamento. Por exemplo, na maioria das vezes em que o trailer que Walter e Jesse cozinham a metanfetamina aparece, o ângulo utilizado para mostrar o ambiente é o grande plano. Dessa forma, é retratado que o trailer se encontra isolado, longe da civilização, para que a dupla consiga cozinhar a droga tranquilamente. Outra cena em que o ângulo é bem utilizado é quando os primos do Tuco Salamanca (Raymond Cruz) executam um caminhão inteiro de imigrantes inocentes no episódio “No Mas” (S03E01 - No Mas). Após a trágica cena, a câmera mostra o caminhão em meio a uma imensidão deserta, o que dá ao público uma sensação de desamparo ao perceber que não há ninguém próximo para socorrer os inocentes. A ideia dos wide shots veio da paixão de Gilligan pelo o diretor italiano, Sergio Leone. O showrunner pediu para Slovis assistir ao filme “Três Homens em Conflito” (1966) e se inspirar nas cenas de grande plano da trama.

“Os

p l a n o s a b e r t o s s u r g i r a m da

G i l l i g a n ao d i r e t o r i ta S e r g i o L e o n e . U m a da s p r i -

pa i x ã o d e liano

meiras coisas que ele me pediu foi

Três Homens Conflito”

pa r a a s s i s t i r o f i l m e

em

MIC HAEL SLOVIS dire tor de f otogra f ia

54


P O N TO DE V ISTA P OV S H OT

Os POVs shots são ângulos que fazem com que o telespectador se sinta parte da cena, já que a câmera filma o local como se fosse do ponto de vista de um objeto inanimado. Por exemplo, na imagem maior acima, o ponto de vista da cena vem do fundo do recipiente de metal que os personagens irão derrubar o líquido químico. No episódio piloto, na cena em que Walter White aponta a arma em direção a uma rua em que acreditava que iria surgir policiais, o ponto de vista sai de dentro do cano da arma, e o movimento da câmera dá a sensação de que o personagem está apontando a arma diretamente para o telespectador. Foi uma cena bastante desafiadora para o diretor de fotografia, Mr. John Toll, que comprou uma lente T-Rex para produzir a cena, tão pedida por Vince Gilligan. No total, a cena demorou cerca de uma hora e meia para ser feita, já que o foco no close da arma até o rosto de Wal-

ter White foi feito com muita precisão e cuidado. Gilligan acredita que essa cena inspirou as outras cenas de ângulos com ponto de vista ao decorrer da série e, mesmo que não tenha sido uma decisão consciente no começo, esse estilo se tornou uma das marcas da fotografia de Breaking Bad.

MOVING-OBJECT PERSPECTIVE As cenas em Moving-Object Perspective (Perspectiva do Objeto em Movimento) são parecidas com as POVs shots, com a diferença que a câmera acompanha o movimento do objeto ou pessoa em questão na cena. Esse movimento permite que a câmera vá para cima, baixo, ou entre qualquer objeto ou obstáculo, o que dá a sensação de movimento e perigo, ficamos com a sensação de “quem está observando eles?” ou “quem está andando atrás deles?” 55


SAT U RAÇÃO E CONTRASTE S ATU R AT I O N A N D CON TR AST

O ESTILO SATURADO DO MÉXICO A partir da terceira temporada, o México começa a fazer parte da narrativa da história e se torna um cenário importante para o desenvolvimento da série. Devido à isso, Slovis decidiu definir uma cor única para as cenas ambientadas no México, o diretor de fotografia optou por usar um filtro com tons quentes e saturados (conhecido em inglês como “straw filter”). Essa técnica também serve muito bem para o telespectador identificar rapidamente onde os personagens estão: ao ver os tons quentes, automaticamente percebem que o local da narrativa é o México. O país está diretamente ligado aos primos do Tuco, vilões da terceira temporada. Assim, os tons quentes também são uma forma de representar a origem dos primos (ambos são do México) e toda a tensão que envolve os dois personagens.

O CONTRASTE DO SUPERLAB As cores vibrantes do Superlab dão um peso especial ao laboratório. Elas foram criadas usando luzes que foram incrementadas ao teto do cenário, 90% da luz do Superlab é artificial. Sua iluminação foi projetada desde o início e Slovis contou com a ajuda de Mark Freeborn, o designer de produção, que tem muita noção de como a iluminação funciona no set. Como o cenário é grande, a equipe sabia desde o início que usariam guindastes para câmeras, assim, projetou as luzes para serem colocadas no teto. Para não parecer que as luzes “vieram do além”, Mark Freeborn colocou iluminárias fluorescentes nas laterais do cenário, mesmo que o diretor de fotografia, Michael Slovis, não fosse tão fã assim de luzes fluorescentes. 56


Todas essas marcas que caracterizam a fotografia de Breaking Bad foram filmadas por uma lente de 35mm, com o auxilio de equipamentos especiais que possibilitaram a filmagem. Durante as cinco temporadas, foram utilizadas câmeras digitais como Weisscam, Canon 5d e 7d, Go Pro e Panasonic HVX 200A.

57


SONS OF ANARCHY 2008- 201 4

58


SINOP S E Sons of Anarchy foi uma série de televisão estadunidense dramática criada por Kurt Sutter lançada em setembro de 2008 e finalizada em dezembro de 2014. O enredo conta a história de um Moto clube chamado SAMCRO (Sons of Anarchy Motorcycle Club, Redwood Original) na pequena cidade fictícia de Charming, no norte da Califórnia, nos Estados Unidos. O clube trabalha ilegalmente com o tráfico de armas em todo o oeste dos Estados Unidos e outras atividades ilegais. Devido à isso, lidam com muitas gangues rivais, políticos e autoridades locais. Jax Teller é o personagem central e filho do falecido John Teller, um dos fundadores do SAMCRO, e de Gemma Teller, figura matriarca do clube. Nas sete temporadas, o clube passa por diversas situações de extrema violência e dramas familiares. A série ganhou o título de “Hamlet das motocicletas” pelo o seu tom dramático e venceu o prêmio do Globo de Ouro 2011 por melhor atriz em série dramática para Katey Sagal. Foi indicada ao Emmy Awards de 2009, 2014 e 2015, mas não venceu. Neste capítulo, iremos descobrir como a equipe do departamento de arte e de fotografia trabalharam em cima do figurino e caracterização dos personagens, os cenários dos ambientes da realidade do moto clube e a fotografia da série.

FIG URINO 61 62 63

O CLUBE JAX TELLER AS MULHERES

CE NOG RAFIA 65

O LAR DO SAMCRO

CARACTE RIZAÇÃO 66 A CARACTERIZAÇÃO EM SONS OF ANARCHY

FOTOG RAFIA 68 A FOTOGRAFIA DE SONS OF ANARCHY

59


F IGU RINO CO ST UM E D E S I GN Mesmo que os plots de Sons of Anarchy são dramáticos ao extremo, a maioria dos detalhes são baseados na realidade, incluindo o figurino, que é bem específico, já que os membros do clube usam a vestimenta para se expressarem e reforçarem como clube para o mundo exterior. O figurino padrão do clube também reforça o sentimento de pertencimento dos membros. Kelli Jones, figurinista da série, afirma que o showrunner Kurt Sutter queria que os figurinos fossem o mais realista possível e não tão chamativos, já que as roupas não deveriam ser distrações. Jones não possuía muito conhecimento em relação ao estilo de membros de moto clubes, portanto fez diversas pesquisas de referências, como MCs do Norte da Califórnia, gangues mexicanas e asiáticas, bem como a cultura do motociclista no passado e no presente para ter uma ideia da estética que iria usar. Não só os membros do clube, mas grande parte dos personagens usam majoritariamente a cor preta em seus figurinos, isso inclui as mulheres (principalmente Gemma, interpretada por Kate Sagal) e os policiais e inimigos diretos do clube ao decorrer das temporadas. O preto definitivamente faz parte do mundo monocromático de Sons of Anarchy. O interessante é que a maioria das fotos promocionais da série foram lançadas em preto e branco, reforçando a identidade da série.

60


O CL UBE TH E C LUB A marca registrada do clube Sons of Anarchy é um colete preto em couro com o desenho de uma ceifador, o nome do clube estampado em cima e o seu local, Califórnia, embaixo (ver figura abaixo). O colete também pode conter alguns patches, que informam qual a posição do membro do clube, os patches mais comuns são: “Men of Mayhem”, que é usado por membros que tiveram o sangue derramado em nome do clube e “First 9”, que foi usado por todos os fundadores de SAMRO. O colete transmite classificação de experiência para aqueles que estão dentro do clube e, dessa forma, pode ser comparável ​​ao uniforme militar. Os coletes de couro também contam quem são essas pessoas, o que eles fizeram, como eles se adequam às regras e como se desviam delas. O desenho do ceifador foi criado pelo tatuador Freddie Corbin, que inclusive aparece em uma cena da série na segunda temporada. Mesmo com o logotipo criado do zero

especialmente para a série, a equipe sofreu alguns problemas de última hora. O desenho original que estava no patch ficou muito parecido com o de um motoclube real e, devido à isso, toda a equipe precisou refazer todos os patchs de última hora, antes que a série começasse a ser gravada. O departamento tomou muito cuidado para que o logo do clube não ficasse parecido com o de nenhum clube da vida real, Jones fez o máximo para ser realista e, ao mesmo tempo, não ser ofensiva para os clubes reais. Os membros dividem uma paleta de cores bem limitada, mas as pequenas variações dão algumas pistas sobre a identidade dos personagens. Clay Morrow (Ron Perlman) fez parte dos nove primeiros fundadores do clube e era o mais velho entre os membros, por isso, Jones escolheu figurinos “old school” (à moda antiga): os jeans que o personagem usava tinham a aparência de desgastados e velhos e suas roupas se resumiam a camisetas básicas embaixo do colete.

61


JA X T EL L ER C HAR LIE H UN N A M

Para o figurino de Jax Teller (Charlie Hunnam) Jones contou com a ajuda do produtor executivo John Linson. O produtor estava antenado na moda dos clubes de Oakland e, logo no início da série, mostrou três camisas xadrezes para Jones, afirmando que era daquela forma que os motoqueiros se vestiam. A figurinista teve o cuidado de pesquisar por mais camisas em xadrez que não parecessem de skatista e nem de lenhador, mas que passassem um ar jovial, visto que Jax é o mais novo do clube. O estilo do personagem tem influências do estilo do hip-hop, enquanto o restante do clube se mantém sóbrio no preto e no couro, estilo padrão dos motoqueiros. Depois de pesquisar sobre o que os membros mais jovens desses clubes usam, Charlie Hunnam incrementou os famosos tênis brancos no visual de Jax Teller. Na quarta e na quinta temporada, Jax muda o seu visual para um estilo mais sério, uma vez que se torna presidente do clube, o personagem abandona suas camisetas brancas das temporadas iniciais e passa a vestir camisas com manga longa. O xadrez, no entanto, continua fazendo parte do seu guarda-roupa. Quando Jax não está vestindo seu convencional xadrez ou as camisetas brancas, provavelmente ele está com um hoodie (moletom com capuz) preto ou azul-marinho. Os figurinos do personagem são bastante simplistas, respeitando a decisão de Kurt Sutter de não chamar muita atenção para o figurino.

Kelli Jones criou do zero a clássica camisa xadrez do personagem. Ela criou cerca de 400 unidades para as sete temporadas. Hoje, elas podem ser encontradas no eBay.

62


AS M UL H ERES O LD LA D I E S

Kelli Jones teve mais liberdade em diversificar os figurinos das mulheres, principalmente o figurino da personagem Gemma Teller, interpretada por Kate Sagal. A atriz ajudou na construção do figurino da personagem, levou suas raízes musicais para as roupas: tudo o que a personagem veste tem um estilo rockstar. Jones criou as vestimentas para Gemma com o intuito de expressar que ela era uma mulher forte e poderosa, que impunha sua presença onde quer que passava e, para isso, usou roupas escuras, jaquetas ajustadas e cintos com fivelas grandes, que se tornou a marca da personagem. Jones afirma que as roupas de Gemma interessavam tanto as fãs que assistiam a série que ela perdeu a conta de quantas entrevistas deu com dicas de como adotar o estilo da personagem. As jaquetas de couro e os famosos cintos no quadril fizeram tanto sucesso que a figurinista disponibilizou alguns para compra no site da emissora FX. Tara Knowles (Maggie Siff) é médica e o seu lado profissional conta muito na hora de se vestir, portanto ela não tem um estilo tão “pesado” quanto Gemma, embora ela tenta se aproximar desse estilo nas vezes em que esteve do lado de Jax, como se fosse uma forma de enturmar no mundo em que o rodeava. De modo geral, Tara veste muito cinza e bege, ao contrário de Gemma, suas roupas no início da série são muito mais ligadas ao estilo hippie do que ao rocker, mas a paleta escura definida por Kurt Sutter é a mesma para a personagem.

Na sétima temporada, Tara passa a vestir roupas ainda mais simples, de cores neutras, uma forma que Jones usou para refletir o quanto a personagem planejava sair daquele mundo de violência e crimes.

63


C ENOGRA F IA SE T D E S I G N O lugar em que o clube SAMCRO chama de casa é o espaço central da série, é onde a maioria das histórias acontecem e onde o designer de produção, Anthony Medina, começou a definir os primeiros esboços para a obra. Medina compareceu pessoalmente à diversos clubes de motoqueiros do norte e do sudoeste da Califórnia e ficou lisonjeado com o fato dos membros dos clubes terem permitido com que ele fizesse parte da rotina deles por um tempo, já que os clubes tem fama de serem bem fechados. Durante as visitas, Medina criou sketches dos detalhes dos ambientes que observou e quando voltou para o estúdio, conseguiu se inspirar nos desenhos e criar a oficina de mecânica Teller-Morrow e o Clubhouse. Depois, o designer de produção também visitou lugares em que os motoqueiros costumam frequentar, como bares, clubes de stripers e oficinas. Ele afirma que passou semanas vivendo como um verdadeiro membro de um clube de motoqueiros para aprender mais sobre seus comportamentos e a estética dos locais em que frequentam. Medina trabalhou em extremo contato com o diretor de fotografia, Paul Maibaum, pois acreditava que precisavam, juntos, criar cenários que fossem possíveis de serem capurados na câmera.

64


O L AR DO SA MC RO TE LLE R - M O R R O W AU TOMOTI VE R E PAI R , CLUBH O USE, T H E CH AP EL

A oficina de mecânica Teller-Morrow é o trabalho público e “legal” do clube. É a forma de prestação de serviço dos SAMCRO para a pequena cidade de Charming. O local possui uma área grande externa, onde há estacionamentos para carros e, principalmente, motos Harley-Davidson. As paredes pintadas no estacionamento da oficina (observar figura na página anterior) vieram de ideias de clubes que Medina visitou, a grande maioria possuía desenhos pintados com baldes de tintas e à mão pelos próprios membros. O CLUBHOUSE Dentro da garagem da oficina está o Clubhouse. Medina considera o cenário como um personagem, visto que o local carrega histórias e cicatrizes iguais aos personagens da série. Partes do clubhouse têm a aparência desgastada justamente para demonstrar que muitos outros membros antigos também estiveram ali e fizeram parte daquilo tudo. Conforme membros mais jovens foram chegando ao clube, o cenário passou a ter um ar mais contemporâneo. Medina afirma que desenhou o Clubhouse com a intenção de demonstrar que o local era sagrado por criar uma mistura do passado com o presente. Uma ligação entre todos os antigos membros que já fizeram parte do clube com os membros atuais. A SALA DE REUNIÃO A sala de reunião com a mesa de madeira e a figura do ceifador do clube desenhado ao centro é o ambiente mais sagrado do clube. Lá os membros tomam as decisões mais importantes. Medina definiu que as janelas da sala sempre ficariam abertas, mesmo que a porta estivesse fechada, pois era uma forma dos membros ainda terem controle sobre o que acontecia fora da sala. 65


CA R ACTERIZAÇÃO H A IR A N D M A K E U P O enredo violento da série exige um departamento de maquiagem bem estruturado para fazer os efeitos mais brutos como queimaduras, corte profundos e sangue. Tracey Anderson, coordenadora do departamento de maquiagem, possui vasta experiência na área e ainda conta com a ajuda da sua família, que trabalha na área médica e constantemente envia fotos de ferimentos e cicatrizes para a artista usar como referência. Anderson cuidou de uma equipe grande de pessoas que trabalharam com fabricação de partes do corpo humano em látex para cenas de ação complexas, próteses de feridas, cicatrizes, splash de sangue e até o design da tatuagem e a sua aplicação. Todas as temporadas exigiram empenho da equipe de maquiagem, mas um personagem em específico deu trabalho para Tracey. Otto, interpretado pelo criador da série, Kurt Sutter, iniciou sua jornada apenas com uma cicatriz no olho, mas depois de tanto apanhar na prisão, a artista precisou colocar duas próteses de olhos inchados e uma prótese de uma língua pela metade, visto que o personagem corta a sua própria língua com os dentes no episódio “J’ai Obtenu Cette” (S05E13). A caracterização da série não fica só na maquiagem para retratar a violência, mas também nas tatuagens que os membros do clube usam para se expressarem. As artes foram coladas pela equipe de Tracey usando a técnica de Christian Tinsley, maquiador que inventou uma forma do desenho inteiro da tatuagem ser colado na pele do autor e durar por dias.

66


67


F OTOGRA F IA CI N E M ATO G R A PHY Paul Maibaum, diretor de fotografia, estudou a série como ela se fosse no Velho-Oeste: os cavalos seriam as motos e o tom de combate e violência seria o mesmo, assim como clima seco e empoeirado. O diretor também usou composições clássicas de enquadramento dos personagens dentro das bordas de portas e janelas. Como o enredo da série é de extremo drama, Kurt queria que o fotógrafo registrasse bastante os rostos dos personagens enquanto eles exprimiam emoções. Maibaum inseriu alguns takes longos das expressões, sem nenhuma fala, durante as sete temporadas, principalmente nos dramas das questões familiares. Nos momentos de ação, o fotógrafo utilizou câmeras handheld (câmeras de mão), pois o profissional pode movimentá-la de forma livre e elas possibilitam maior flexibilidade e opções de ângulos, ideais para cenas de ação em que tudo acontece rápido demais. Assim como em Breaking Bad (ler página 55), Sons of Anarchy também faz uso dos POV shots: ângulos que parecem ser filmados do ponto de vista de um objeto inanimado. De forma geral, Kurt e Maibaum não queriam que o telespectador tivesse a sensação de que estava assistindo a uma obra de ficção, mas sim que estivesse presenciando tudo aquilo, como se fizesse parte daquele mundo de drama e violência.

68


69


GAME OF THRONES 2011- AT UA LME N TE

70


SINOP S E Game of Thrones é uma série norte-americana do canal HBO baseada nos livros de George R. R. Martin, “As Crônicas de Gelo e Fogo”. Criada por David Benioff e D. B. Weiss, a obra é um dos maiores sucessos televisivos atuais e até entrou para o Livro de Recordes como a série dramática com a maior transmissão simultânea ao redor do mundo. A série foi recordista de indicações ao Emmy Awards, principal prêmio da televisão americana, com 23 indicações em 2016. Naquela noite, Game of Thrones ganhou 16 Emmys. No total, a série possui 38 estatuetas acumuladas, o maior número da história da premiação. Sua história passa em um mundo medieval paralelo, chamado Westeros, onde famílias (divididas em casas pelo sobrenome) disputam pelo poder de conquistar o Trono de Ferro, o setor mais alto da política. Além dos conflitos pessoais e políticos, os humanos também temem a chegada do inverno e, consequentemente, a ameaça que vem com ele. A série no momento está em fase de produção para a oitava - e última - temporada com um orçamento grandioso de cerca de US$ 15 milhões por episódio. A seguir, conferimos os bastidores dessa produção enorme, como as inspirações da figurinista Michele Clapton em desenhar as vestimentas dos personagens, os detalhes e segredos das arquiteturas mais famosas da série, os efeitos visuais necessários para criar os dragões icônicos da obra e o trabalho dos diretores de fotografia para criarem uma série cinematográfica.

FIG URINO 74 75 76 77 78 79 80 81

OS SELVAGENS A PATRULHA DA NOITE SANSA STARK CRIAÇÃO DA SANSA SOMBRIA DAENERYS TAGARYEN DEPOIS DA MURALHA CERSEI LANNISTER O DRAGÃO E O LOBO

CE NOG RAFIA 83 83 84 85 86 88

O TRONO DE FERRO O CASTELO NEGRO GRANDE SEPTO DE BAELOR CASA DO PRETO E BRANCO CRIAÇÃO DE WESTEROS CRIAÇÃO DE ESSOS

E FE ITOS VIS UAIS 92

OS DRAGÕES

FOTOG RAFIA 96 98

ESTILO CINEMATOGRÁFICO A BATALHA DOS BASTARDOS

71


F IGU RINO CO ST UM E D E S I GN O figurino de Game of Thrones é muito característico por ser uma série de fantasia com a ambientação que remete bastante ao mundo medieval. A figurinista Michele Clapton é detalhista ao captar a essência de cada personagem e passar suas individualidades para os figurinos. Ela carrega um pensamento realista ao criá-los: Clapton pensa em quais materiais os personagens podem ter disponíveis naquele ambiente e como podem criar suas próprias roupas, assim como o clima no momento. Michele também é cuidadosa ao pensar nas cores das roupas. Ela usou cores diferentes para separar e definir as famílias dos Sete Reinos, principalmente na primeira temporada onde muitos personagens são apresentados e o telespectador precisa se situar na narrativa da série. Por exemplo, a cor vermelha é característica da Casa Lannister e a personagem Cersei (Lena Headey) começa a usar mais essa cor assim que ganha mais poder e sente orgulho da própria casa. “Onde estão?”, “de qual família esse personagem é?” são algumas perguntas que podem surgir quando muitos personagens e núcleos são apresentados simultaneamente, então, o figurino faz o seu papel de ajudar na compreensão do telespectador, principalmente em uma série com tantos personagens e plots como Game of Thrones.

72


CASA STARK

CASA LANNISTER

CASA TYRELL

• Vestimentas com tons azul e cinza • Os homens usam peles pesadas, devido ao frio • Usam poucos metais preciosos ou jóias • Preferem roupas funcionais, sem muita ornamentação • Vestidos com bordados elaborados • As mulheres usam o cabelo solto para reter o calor

• Vestimentas com tons quentes, como vermelho e marrom • Vestidos são assimétricos e tem influências orientais • Homens usam túnicas de couro assimétricas • Soldados vestem armaduras de metal completa • Usam jóias caras

• Vestimentas com tons verdes e verdes azulados • Cavaleiros tem uma armadura bastante ornamentada • Vestidos decotados, sem mangas e leves • Homens usam túnicas com corte simétrico • Soldados também vestem armaduras de metal completa

CASA BARATHEON

• Seus vestuários são sempre utilitários, para sobrevivência • Capacetes e armaduras são decorados com pequenos chifres de veado de metal, símbolo da casa • Vestidos simples e funcionais, sem ornamentação • Usam roupas simples, não gostam de chamar atenção em seus vestuários

CASA TARGARYEN

• Túnica com cortes assimétricos • Colar alto com bordados pesados que remetem as escamas de dragão • Inspirado por modas do leste asiático • Não há registro de como as mulheres Targaryen se vestiam 73


OS SEL VAGENS WI L D W I N G S A confecção do figurino dos Selvagens foi pensado de forma que as roupas possam distinguir uma variedade de povos, já que Os Selvagens são todos os indivíduos que não concordam com a política dos Sete Reinos e vivem além da Muralha, ou seja, há grande diversidade entre eles. Como são eles próprios que costuram suas roupas, os figurinos foram confeccionados à mão pela a equipe de Michele Clapton: tipos diferentes de couro foram remendados por tiras de látex. E o trabalho não é fácil: para fazer um único casaco, a equipe leva um dia inteiro.

Os casacos são pintados à mão sendo inspirados pela pintura rupestre. Basicamente, todas as suas roupas têm o ar de que foram feitas usando apenas materiais encontrados na natureza, sem nenhum indício de modernidade, já que Os Selvagens passam longe disso.

Ao lado, podemos ver o desenho original da roupa da personagem Ygritte (Rose Leslie) desenvolvido por Michele Clapton. É possível observar desenhos rupestres como detalhe da vestimenta. As cores neutras das suas roupas constratam com seus cabelos bem vermelhos. A personagem interpretada por Rosie Leslie é a mulher que mais aparece do grupo de Selvagens e faz par romântico de Jon Snow (Kit Harington). 74


A PATRUL H A DA NOI TE TH E N IG H T ’ S WATC H Nos primeiros momentos da série, a Patrulha da Noite não está no seu melhor momento: seu contingente vem diminuindo, não têm dinheiro e são vistos com maus olhos. Foi deserdado pela família e não sabe para onde ir? Vá para a Patrulha da Noite. É o que a maioria em Westeros pensava. Julgam como inúteis já que não acreditam que os Caminhantes Brancos realmente existam. Suas roupas são de baixa qualidade, mas muito resistentes ao frio, há diferentes tons de preto, uma vez que são eles mesmo que tingem suas roupas e os tons podem

variar. Entre os recrutas, há uma diferença no tipo de cor e qualidade do tecido, depende muito de onde vieram. Sam Tarly (John Bradley-West), por exemplo, vem de uma família mais nobre, portanto suas vestimentas têm mais qualidade. Jon Snow continua usando seus trajes de Winterfell após fazer parte da Patrulha da Noite (por ser bastardo, seus trajes não possuem tanta qualidade quanto aos dos seus irmãos). Aos poucos, ele introduz mais elementos escuros e passa a se vestir completamente com cores neutras durante o decorrer de toda a série.

75


SANSA STA RK S O P H IE T UR N E R

Sansa Stark (Sophie Turner) é uma das personagens que mais mudou seu estilo de roupa durante as sete temporadas. O início da sua trajetória é marcado por vestidos mais simples, de panos caseiros, já que a família Stark não é uma família nobre que se pode dar o luxo de panos e jóias caras. Quando ela chega em Porto Real sua forma de vestir é influenciada por Cersei Lannister, a jovem passa a aderir as sedas mais suaves e os materiais luxuosos da capital aos seus vestidos. As cores também passam a mudar, Sansa se distancia da cor azul do Norte e passa a incorporar cores mais quentes - presentes no figurino de Cersei. Depois que Ned Stark (Sean Bean), seu pai, é executado no final da primeira temporada, Sansa adquire o sentimento de luto e passa apenas a repetir as mesmas roupas, sem se preocupar com a sua aparência. Nesse momento, ela percebe quem Cersei realmente é, assim, suas roupas deixam de ser inspiradas em Porto Real e se aproximam da mãe, Catelyn, com tons quentes de azul e o cabelo solto e simples, igual usava anteriormente. No meio da terceira temporada, Sansa se aproxima de Margaery Tyrell (Natalie Dormer) e passa a usar um penteado similar ao estilo dos Tyrell. Ela também passa gradualmente a incorporar características do estilo de Margaery. Ela ainda é jovem e facilmente influenciada por pessoas nas quais ela quer se aproximar.

O vestido de noiva de Sansa em seu casamento forçado com Tyrion Lannister possui bordados detalhados, com imagens de lobos e trutas (Stark e Tully) abaixo de leões (Lannisters). É o símbolo visual de que os Lannisters estão acima da família de Sansa ou, pelo menos, querem estar.

76


CRIAÇÃO DA SANSA SOMBRI A C R E AT I N G T H E DAR K S AN S A

Depois de três temporadas presa às expectativas que as outras pessoas têm de como ela deveria ser, Sansa Stark resolve demonstrar que cresceu e carrega consigo uma força que não deve ser menosprezada. Essa mensagem pode ser transmitida através das suas novas roupas escuras e o seu cabelo escurecido. A partir da quarta temporada e depois de todos os eventos traumáticos que a personagem passou, os showrunners David Benioff e Dan Weiss resolvem transformá-la em uma mulher independente e não mais uma vítima. Sansa permitirá se tornar um peão no jogo ou se tornará ela mesma uma jogadora? A resposta está no figurino. Michele Clapton adaptou estilos de vestidos que ela já usava e os transformou em mais “sombrios”. A figurinista não queria que a transformação ocorresse em um “passe de mágica” e sim que fosse uma transição mais realista. As formas dos vestidos não são radicalmente diferentes, apenas as cores. A personagem, então, tingiu as próprias roupas e o cabelo para tons mais escuros, demonstrando sua nova fase: mais forte, mais independente.

“sa nsa p e r m i t i r á s e torna r u m p e ão no jogo d e outr o hom e m ou s e torna rá e la m e s m a u m a jo ga d or a? ” 77


DA E NERYS TA RG ARYEN E M I L IA C LA R K E A evolução de Daenerys (Emilia Clarke) durante as sete temporadas disponíveis é evidente: a personagem passa de uma jovem inocente para uma mulher forte e independente. Em sua busca por conseguir aliados e tropas de soldados para se fortalecer, Daenerys passou por diversos territórios, de climas e culturas diferentes e tudo isso também foi refletido em suas roupas. No início, Daenerys era manipulada sobre como se vestir pelo seu irmão, Viserys Tagaryen (Harry Lloyd). Usava vestidos simples e de cores neutras, principalmente o branco. Ao se casar com Khal Drogo (Jason Momoa) e se aproximar da cultura dos dothraki, a personagem passa a incrementar o couro e as tranças no cabelo, que são um sinal de poder na cultura dothraki. Todos os homens utilizam tranças longas e só a cortam caso percam uma batalha. Mesmo usando vestido na maior parte do tempo a partir da quarta temporada, Daenerys está sempre com calças por baixo e com suas clássicas botas. De acordo com Clapton, é uma forma de demonstrar que a personagem está sempre preparada para correr, caso precise. Além de que sua trajetória é baseada em se deslocar frequentemente de um lugar para o outro. Quando ela conquista Meereen e se aproxima de Missandrei na quarta temporada, seus vestidos passam a ser mais delicados, já que ela não precisa mais viver como “nômade”. O tom azulado passa a dar espaço para o branco, para representar que ela trouxe paz aos escravos os libertando. Todas essas mudanças no figurino foi uma forma de Clapton dizer que a personagem está se aproximando mais daquela população e da sua ajudante e amiga Missandrei, que se veste de forma parecida. 78

Após a morte de Khal Drogo, o azul começa a se tornar frequente em seus figurinos, isso porque a cor representa a cultura dothraki e se torna uma cor importante pra ela: é uma forma dela homenagear seu ex-marido.


DEP O IS DA M URALHA S 0 7 E 0 7 : BE YO ND THE WAL L Na sexta temporada, Dany finalmente está à caminho da sua cidade Natal, Dragonstone, e passa a utilizar o preto e o vermelho em suas vestimentas, cores da Casa Targaryen, além de dragões de metal presos em seus vestidos. A personagem abraça a sua identidade e sente que está indo para casa. O clima de confronto faz parte do background da sétima temporada, seja o confronto entre as casas dos Sete Reinos ou entre os humanos e os Caminhantes Brancos. Daenerys passa a usar vestimentas para o frio, já que o inverno chegou em Westeros. No episódio seis, “Depois da Muralha” (S07E06 - Beyond The Wall), Daenerys veste um casaco branco de pelos que chamou a atenção de muitos telespectadores, que especularam acerca da escolha do figurino: seria o figurino uma forma de remeter aos Caminhantes Brancos?

A figurinista Michele Clapton afirma que sentiu que precisava fazer uma mudança visível no visual de Daenerys para refletir a sua decisão de ajudar Jon Snow e a Patrulha da Noite com os Caminhantes Brancos. O casaco então serve como uma armadura, sinalizando sua própria força diante dos Caminhantes Brancos. A cor branca simboliza que Daenerys entende a preocupação de Jon com a ameaça que está logo depois da muralha. O formato da ombreira é um espelho das vestimentas do seu falecido irmão, Viserys, que possuía o estilo de um verdadeiro Targaryen. Preso ao casaco, ela mantém a cabeça dos seus três dragões, o detalhe se torna ainda mais significativo depois que um de seus dragões é morto pelos Caminhantes Brancos. A personagem passa por fortes emoções: a perca de um dragão e os indícios de um novo relacionamento.

79


C ERSEI L ANNI STER LENA H EA DEY Cersei Lannister é uma personagem que está sempre desconfiada e atenta às possíveis ameaças ao seu redor, portanto, seus vestidos possuem mais de uma camada, como se fossem armaduras. Para dar o efeito de “camadas” nos vestidos, eles foram inspirados em kimonos japonês. Com mangas longas onduladas, seu figurino é composto por jóias caras, detalhes que a personagem faz questão de mostrar. Cersei inicia a série vestindo cores mais amigáveis, como azul e dourado, mas conforme sua personalidade é exposta, passa a vestir as cores da sua casa: vermelho e dourado. Cada vez que a personagem se vê próxima à ameaças e conflitos, ela incrementa suas vestimendas com armaduras, como foi no caso do seu vestido no episódio “Batalha da Água Negra” (Blackwater - S02E09). No final da terceira temporada e início da quarta, o estilo de Margaery Tyrell está em alta na corte real, o que faz Cersei começar a usar vestidos com decote redondo, como alguns vestidos que a personagem Margaery usa. O luto se torna constante na vida da personagem, assim, ela passa a vestir apenas tons escuros. Com a morte de seus filhos, Joffrey e Tommy, e do seu pai, Twin Lannister, a cor preta passa a ser dominante em seu guarda-roupa. Na sexta temporada, ela passa a utilizar uma modelagem mais militarista. Cersei utiliza seus cabelos de maneira diferente quando está em público e quando está sozinha, em privado.

Com a intenção de sempre ter uma posição que demonstra força e orgulho de onde pertence, a personagem frequentemente utiliza as cores da sua casa, vermelho e dourado. Além do animal símbolo, leão, que sempre está presente em seus vestidos bordados.

80

Isso acontece porque a personagem de Lena Headey vive de aparências, precisa estar sempre impecável em aparições públicas, mas quando está sozinha, ela não se importa e deixa os cabelos soltos e lisos, sem penteados.


O DRAGÃO E O LOBO S 0 7 E 0 7 : T H E D R AGON AND THE W OL F Na sétima e mais recente temporada de Game of Thrones no momento em que este livro é escrito (2017), Clapton comenta que Cersei está um tanto quanto extravagante. Seu figurino passa a ser composto por spikes. No último episódio da temporada, “O Dragão e o Lobo” (The Dragon and the Wolf, S07E07), a figurinista Michele Clapton desenhou um vestido um tanto quanto interessante para simbolizar o comportamento de Cersei: o vestido é em estilo chain-mail com um casaco preto moldado. Ao centro, podemos observar a figura do leão, símbolo da casa Lannister. A parte de trás do vestido foi desenhado para se contrapor com a parte da frente, tem um padrão que remete a calda de um escorpião. Dessa forma, o vestido é uma sutil mensagem de que não podemos confiar na personagem e nas promessas que ela faz no episódio.

“A

pa r t e d e t r á s d o f i g u -

rino é uma contradição à pa r t e da f r e n t e .

Você

a vê

s e a fa s ta r e p e n s a q u e h á a lg o r e a l m e n t e p e r t u r b a d o r c o m e s s a m u l h e r .”

MICHELLE CLAPTON f igurinis ta

81


C ENOGRA F IA SE T D E S I G N Em um mundo de fantasia e imaginação, os cenários não são apenas plano de fundo, mas parte da narrativa. A cenografia da série foi dividida entre as designers de produção, Gemma Jackson (1ª à 3ª temporadas), e Deborah Riley (3ª à atual 7ª temporada). Nas três primeiras temporadas, Gemma Jackson se inspirou nas paisagens e arquiteturas que observou em suas viagens para a África, Itália e Índia. Assim como acontece com o figurino, os cenários também servem como auxílio para o telespectador conseguir se ambientar na série, sendo assim, cada ambiente da série (Winterfell, Porto Real ou Dorne, por exemplo) precisava ter uma forte personalidade visual. Deborah Riley trouxe referências de arquitetura moderna para a série a partir da quarta temporada, muitos cenários foram inspirados em locais que existem em nosso mundo real. Por exemplo, a criação de Meereen foi inspirada no período maia do arquiteto Frank Lloyd Wright. O processo de criação de um cenário em Game of Thrones é sempre o mesmo: primeiro, a arte conceitual do cenário precisa ser aprovada pelos produtores, depois desenhos de construção são feitos e os construtores, artistas plásticos e pintores começam a tirar o cenário do papel e trazer vida à ele. Por último, o set é decorado e filmado para testes pelo diretor de fotografia e cinegrafistas.

82


O T RO NO DE F E RRO TH E I R O N T H RONE

O Trono de Ferro é, sem dúvidas, um dos objetos mais marcantes da série. Na história, o trono foi criado com mil espadas fundidas pelo calor da respiração de um dragão há centenas de anos. Gavin Jones, fabricante de suporte (supervising prop maker), foi responsável por construir essa peça de quase três metros de altura e tão pesada que requer cerca de oito homens para levantá-la. A peça demorou quase dois meses para ser construída, com todos os detalhes. No processo de inspiração, a equipe de Gavin pesquisou observar imagens de forjamentos e fundição de metal, além de modelos de cadeiras. A base do trono foi feita de madeira e, em seguida, a equipe aqueceu centenas de espadas e as inseriu manipulando a forma em que elas deveriam estar.

O CASTEL O NEGRO TH E CA ST LE BL AC K O coordenador de locações, Robbie Boake, junto com a designer de produção, Gemma Jackson, encontraram o local perfeito para a construção física do Castelo Negro: a parte mais segura de Magheramorne, uma velha pedreira de calcário próximo a Belfast. O Castelo Negro se situa na parte Sul da Muralha. David Benioff afirma que tudo foi tão bem desenvolvido que ao entrar no cenário do Castelo Negro, todos realmente tinham a sensação de estar dentro dele. Os diretores que cuidavam dos episódios em que a Muralha e o Castelo Negro apareciam também ficaram satisfeitos, pois conseguiam colocar a câmera em qualquer ângulo, sem receio de escapar do cenário. 83


GR ANDE SEP TO DE BAELOR G R E AT S E PT O F B AE LOR

O Grande Septo de Barlor representa a Fé dos Sete e, abaixo de seu piso, abriga os túmulos de todos os reis de Westeros. Situa-se no alto da Colina de Viseya, em Porto Real. A sua construção para a TV representou um dos maiores desafios para Gemma Jackson, antes da mesma deixar a série na terceira temporada. Sua estrutura é imensa: pisos de mármore com uma estrela de sete pontas incrustada, pilares altos e estátuas artesanais que representam os Sete Deuses da Fé. Toda essa estrutura foi projetada em um dos imensos estúdios de trinta metros de largura do Paint Hall em Bellfast, perto do set da Muralha. Das quatorze seções do Septo, apenas seis foram construídas fisicamente para as filmagens, o resto do cenário foi cuidadosamente expandido e criado pela equipe de efeitos especiais. No início do projeto, Gemma focou no fato de que os restos mortais de todos os reis de Westeros se encontram naquele local, devido à isso, projetou a base dos pilares com portas e ferrolhos, para dar essa impressão de que há um espaço reservado ali. No início, o Septo tinha muito mais cor, mas Gemma optou por deixar o cenário com cores mais sóbrias e neutras, dessa forma, poderiam contrastar com os figurinos de cores vivas de Porto Real.

“eu

adoraria ver os

t ú m u lo s d e l e s . é c o m o pa s s e a r p e l a h i s t ó r i a .” MARGAERY TYRELL, S03E04. 84


CASA DE P RETO E BRANCO H O US E O F BLAC K AN D W HI TE A Casa do Preto e Branco (House of Black and White) é o templo do Deus de Muitas Faces. Situado na cidade de Bravos, o cenário aparece apenas na quinta temporada e custou trabalho de todo o departamento de arte. O templo é misterioso e, para dar esse toque ao cenário, Deborah Rilley teve a ideia de construir o tempo sem janela, apenas com uma enorme porta retangular com cerca de três metros de altura. Dessa forma, não há nenhum elemento exterior que diz o que há lá dentro. Arya Stark (Maisie Williams) é curiosa o suficiente para entrar ao local e se deparar com o Hall de Rostos (Hall of Faces). As estruturas enormes com rostos colocados lado a lado foram inspirados em dois locais que existem no mundo real: O Monastério dos Dez Mil Budas em Hong Kong e as Grutas de Ellora na Índia. Deborah queria passar a impressão de que os rostos faziam parte

da arquitetura. Foram feitas cerca de 600 próteses de rostos para o cenário, de etnias e idades diferentes, a maioria desses rostos, inclusive, eram da equipe do departamento de arte. Um dos rostos que a personagem Arya toca é da mãe de Barry Gower, o supervisor de próteses.

“todo onde é,

mundo sabe mas ninguém

q u e r i r at é l á .” DEBORAH RILLEY designer de produção

85


CR IAÇÃO DE W ESTEROS C R E AT I N G W E ST ER OS

W IN T ERFEL L Winterfell é a cidade natal da Casa Stark. É um aglomerado de castelos e muros que se situa no Norte de Westeros, a região mais fria. D. B. Weiss afirma que a criação de Winterfell foi difícil, porque precisava ser algo sólido, simples, que transparecesse confiança e forte, algo que remetesse à personalidade dos Starks. Tinha que ser algo único e não apenas um castelo escocês padrão. Para isso, Gemma Jackson se inspirou nos castelos ingleses e escoceses com elementos da arquitetura de madeira escandinava. As filmagens da primeira temporada foram feitas no Castelo Doune, o mesmo castelo em que foi gravado o filme Monty Python e o Cálice Sagrado. Ao decorrer das temporadas, Winterfell foi se expandindo e as filmagens passaram a ocorrer no cenário de Belfast, Irlanda do Norte.

P ORTO RE AL Porto Real é a capital de Westeros, se situa na parte Sul, a mais quente do continente e é a casa da família Lannister. Desde o início, a intenção foi criar uma arquitetura que demonstrasse elegância, insensibilidade e intriga, algo que faça as pessoas se sentirem da mesma forma que os Starks quando eles chegam pela primeira vez em Porto Real, no episódio “Lode Snow” (Lord Snow - S01E03): deslumbrados e um tanto quanto assustados com tamanha estrutura. As filmagens de Porto Real começaram em Malta, mas já na segunda temporada foram transferidas para Dubrovnik, na Croácia. A segunda cidade, inclusive, tem muitas características semelhantes à Porto Real: cresceu ao longo dos séculos, é cercada por enormes paredes e protege uma importante via navegável. 86


DOR N E Dorne é a região que corresponde a parte meridional e mais quente de Westeros. É a casa da família Martell. A região é montanhosa, árida, seca e possui o único deserto do continente. Para suprir essas necessidades e levar Dorne para as telas, Deborah Riley escolheu os Reales de Alcázares de Sevilla, em Sevilha, na Espanha. Todo o cenário de Dorne foi filmado no local, sem precisar alugar nenhum outro set interno. Um fato curioso é que a designer de produção havia visitado o local anos antes como turista, ela afirma que nunca iria imaginar que aquele lugar que ela visitava, como turista, iria se tornar um cenário de uma obra tão grande. Por ser um local real e patrimônio da UNESCO, o departamento de arte teve muito cuidado ao filmar no local.

P E D RA D E D RAG ÃO Pedra do Dragão (Dragonstone) é uma ilha vulcânica que fica na costa leste de Westeros. É onde se encontra o castelo de mesmo nome, local onde residia a Casa Targaryen. Para criar o ambiente na segunda temporada, Gemma Jackson e a sua equipe levaram a sério a descrição dos livros e realmente criaram formas de dragões esculpidas em rocha vulcânica. Na sétima temporada, Daenerys finalmente retorna para o seu lar e, para isso, Deborah Riley e toda a sua equipe se esforçaram para deixar a Pedra do Dragão ainda mais grandiosa. Para isso, escolheu a Praia de Zumaia no País Basco na Espanha para as filmagens, a praia possui rochas características que se encaixaram perfeitamente com o design dos dragões nas rochas internas do castelo. Tudo ficou muito bem casado para a chegada de uma verdadeira Targaryen ao seu lar. 87


CR IAÇÃO DE ESSOS C R E AT I N G E S S O S

MA R DOT HR A K O Mar Dothraki é uma vasta planície na região central de Essos e local dos nômades dothraki. Gemma Jackson pesquisou sobre as Ilhas do Pacífico e povos indígenas que usavam materiais próprios para construir seus abrigos. Ela também passou um tempo em Vanuatu, onde as estruturas são leves e curvadas e trouxe isso para a realidade dos dothraki. Gemma também se inspirou na cultura africana, principalmente para construir o Tempo dos Dosh Khaleen. Toda a filmagem do Mar Dothraki foi feita na Irlanda do Norte, sem quase nenhum set interno, já que os dothraki são nômades e estão constantemente em conflito, o lugar ideal seria uma locaçao externa. Suas “casas” se assemelham muito à aldeias indígenas, como são grandes lutadores, não precisam que seus lares tenham grande resistência.

QARTH Qarth é uma antiga cidade portuária que ocupa uma posição estratégica voltada para o comércio entre o Oriente e o Ocidente e o Norte e o Sul. A cidade é muito rica e a sua arquitetura é bem marcante: as construções são pintadas em tons de rosa, violeta e ocre e há até pedras preciosas decorando as avenidas. É governada pelos Puronatos, mas Os Treze, a Irmandade Turmalina e a Antiga Guilda das Especiarias exercem grande influência sobre a cidade. A ambientação da cidade foi filmada em Dubrovnik, na Croácia e com a ajuda do departamento de efeitos especiais, a equipe de produção conseguiu criar estruturas fantásticas. A arquitetura italiana presente em Dubrovnik ajudou na criação de Qarth, mas não há um estilo fixo, visto que as portas e os muros têm qualidade turca. 88


MEER EEN Meereen é a maior cidade na Baía dos Escravos, em Essos. É uma região escravagista e comandada pelos Grandes Mestres, chefes das famílias, que vivem em suas próprias pimâmides. Projetar Meereen foi uma das primeiras funções de Deborah Riley, assim que ela assumiu como designer de produção da série a partir da quarta temporada. Toda a inspiração de Meereen veio do período maia do arquiteto Frank Lloyd Wright. Suas arquiteturas possuíam ar de domesticidade ao mesmo tempo em que remetiam ao antigo. Essas características se encaixavam perfeitamente na concepção de Meereen, já que a cidade se tornou a casa de Daenerys Targaryen por um tempo, então ela precisava ter esse ar aconchegante e doméstico. As pirâmides da cidade foram inspiradas nas pirâmides dos Maias.

BRAVOS Bravos é uma das nove Cidades Livres de Essos, sendo a mais influente. É formada por ilhas aglomeradas em torno de um lago no Mar Estreito e governada pelo Senhor do Mar. Logo em sua entrada, há a figura de um gigante de pedra simbólico, o Titã de Bravos. A estátua, inclusive, é baseada em desenhos do Colosso de Rodes, uma estátua de cobre que possivelmente estava na entrada do porto da cidade grega com o mesmo nome, mas que foi destruída após um terremoto. As inspirações para a sua criação vieram de cidades portuárias como Veneza, na Itália e Sibenik, na Croácia. Bravos também é a sede de dois locais cenográficos que se destacam na série por sua produção: O Banco de Ferro e a Casa do Preto e Branco (conferir página 85). 89


E F E ITOS V ISUA IS V IS UA L E FFE CTS Os efeitos visuais são essenciais na obra, uma vez que ela é repleta de elementos de fantasias que requerem os famosos fundos verdes de chroma key. A série provou que efeitos visuais de qualidade de filme são possíveis com orçamentos de TV e, para isso, contou com cerca de 14 estúdios de diferentes países: de Dublin a Frankfurt. Image Engine, Rodeo FX, Screen Scene, Bluebolt, Pixomondo e Iloura são os seis principais estúdios responsáveis por levar um novo mundo de fantasia aos telespectadores. Juntos, os estúdios compartilham o sucesso de suas produções em uma série que se tornou fenômeno global e lidam com altas expectativas do público, além de terem aprendido a trabalhar com os prazos curtos da televisão. Como vimos anteriormente, a maioria dos cenários grandiosos da série contam com a ajuda da pós-produção, ainda que não seja tão evidente. Há cenários que acreditamos que são inteiramente reais. Efeitos visuais são conhecidos por serem caros e podemos ter uma noção disso com os orçamentos de Game of Thrones. Cada episódio da primeira temporada custou US$ 6 milhões, os episódios da 2ª e da 5ª temporada custaram US$ 8 milhões. Já os episódios das temporadas 6 e 7 custaram, cada um, US$ 10 milhões. Para a próxima e última temporada, a produção está calculando um valor recorde de US$15 milhões, visto que terá muitas cenas de batalhas e, na visão dos produtores, cada episódio será como um filme individual.

90


91


OS DRAGÕ ES THE D R AG O N S

Os dragões são as criaturas mais fascinantes da série e, sem dúvidas, foram responsáveis por dar muito trabalho para os estúdios de efeitos visuais. O desafio foi criar criaturas que fossem fantásticas e ao mesmo tempo sem tirar os pés da realidade. E deu certo. Joe Bauer, supervisor de efeitos visuais, afirma que o desenho dos dragões é baseado nos movimentos e nas formas de morcegos e águias. Na primeira temporada, o orçamento da série era US$4 milhões de dólares menos do que é hoje, mas o orçamento menor não impediu que a série contratasse o estúdio londrino BlueBolt para os efeitos visuais da temporada inicial. O estúdio foi responsável por criar as animações do nascimento dos dragões no episódio “Fogo e Sangue” (S01E10 - Fire and Blood). Desde o início, as animações foram criadas com o pensamento de que os dragões seriam criaturas que iriam crescer muito ao decorrer da série, por isso, a produtora de efeitos visuais da BlueBolt, Lucy Ainsworth-Taylor, resolveu fazer algumas mudanças de última hora na maquete que lhe foi dada para basear a animação. Ela ajustou as asas e as pernas para evitar proble-

92

mas de design quando fosse preciso aumentar o tamanho dos dragões mais tarde. Tudo foi pensado desde o início. Na segunda temporada, a produção contratou um novo estúdio, a Pixomondo, de Frankfurt, Alemanha. Os dragões ainda eram bebês, mas já estavam começando a movimentar melhor as asas, com isso, a equipe da Pixomondo teve a inusitada ideia de brincar com asas congeladas de frangos, para entender a anatomia real de uma asa. Já na terceira temporada, os dragões começaram a cuspir fogo e para produzir um efeito real nas telas, Joe Bauer trouxe a ideia de trabalhar com lança-chamas. Para alinhar a animação das criaturas com as chamas, a equipe combinou o fogo real com uma simulação de fogo digital. ATUANDO COM O INVISÍVEL Em meados da terceira temporada e início da quarta, a personagem de Emilia Clarke, Daenerys Targaryen, passa a se aproximar dos seus dragões. Em função disso, a atriz passa a atuar “com o invisível”. Emilia Clarke declara ser um pouco


A Pixomondo afirma que para criar os dragões da sexta temporada, foram preciso cinco pessoas e três meses de trabalho. O primeiro passo é pesquisar por animais existentes na vida real, assim eles conseguem fazer a criatura o mais “realista” possível. O estúdio usou a pele de crocodilo e as asas de morcegos como exemplo. Depois, a equipe de animação precisa criar o efeito especial do dragão de dentro pra fora, incluindo esqueletos e músculos. Assim que o efeito do dragão é finalizado, eles recebem as cenas que precisam dos efeitos e mescla a animação com as cenas, esse processo leva mais três meses e seis pessoas para cada cena em que o dragão aparece. difícil reagir a algo que não está, de fato, lá. Mas que desde o início a ideia dos dragões e do que eles representam era tão forte que fez sentido que eles precisassem ser imaginados. Bonecos de tamanho real ou uma bola de tênis presa a uma extensão de ferro, ambos verdes, foram acessórios que a produção disponibilizou para a atriz atuar e, posteriormente, serem substituídos pela animação. Tudo se torna um pouco mais complexo quando Daenerys passa a montar em um de seus dragões, Drogon, para se locomover. Nesse ponto, a equipe da Pixomondo observava as storyboards e pré animava a cena, com todos os movimentos da animação. Esses movimentos, então, foram traduzidas para um simulador de movimento em forma de dragão, um maquinário verde que a atriz usaria para sentar e se apoiar (observar figura acima) e, depois, seria substituído por Drogon.

DRAGÕES ADULTOS A partir da quinta temporada, os dragões chegam a idade adulta e estão enormes. Porém, não foi só o tamanho que mudou, o comportamento de cada um também. Rhaegal, Viserion e Drogon passam a ser mais agressivos, como podemos ver claramente no episódio “Batalha dos Bastardos” (S06E09 - Battle of the Bastards), quando Drogon ataca toda a frota dos mestres escravistas, matando todos eles, já que Daenerys se recusou a se render. O comportamento do dragão é de proteção à sua “mãe”. Na sétima temporada, os dragões chegam ao tamanho equivalente de um avião Boeing-747 e podemos ver com clareza o seu imenso tamanho no episódio final da temporada “O Dragão e o Lobo” (S07E07 - The Dragon and the Wolf). 93


F OTOGRA F IA CI N E M ATO G R A PHY A fotografia de Game of Thrones é uma das maiores qualidades da série e já trouxe oito indicações e três vitórias no ASC Awards (American Society of Cinematographers Awards). Nas reuniões iniciais para a produção da série, houve a discussão de que ela seria filmada de forma analógica, porém o time logo mudou de opinião e decidiu usar as câmeras digitais ALEXA. Como a equipe de direção de fotografia é composta por mais de um profissional, os fotógrafos precisam manter uma identidade e unidade, cada um pode ter a liberdade de testar ângulos novos de cenas, mas sem fugir do modelo estabelecido entre eles. Os principais nomes da direção de fotografia em Game of Thrones são: Anette Haellmigk, Jonathan Freeman, Robert McLachlan e Fabian Wagner. O departamento de direção de fotografia também é importante para auxiliar na compreensão do telespectador sobre a história, assim como é o caso do departamento de arte. As decisões dos diretores de fotografia sobre como manipular a iluminação natural ou artificial - e a consciência espacial do cenário podem fazer toda a diferença na hora de capturar as cenas da melhor forma para o telespectador. São todos esses detalhes que fazem com que muita gente afirme que a série é um colírio para os olhos.

94


95


ES T IL O CINEM ATOG RÁFI CO C I N E M ATO G R A PHY ’S STY L E Considerada digna de cinema, a fotografia de Game of Thrones possui algumas características bem pontuais. A história da série é repleta de ambientes diferentes e distantes um dos outros, para passar essa sensação ao telespectador, o departamento de fotografia definiu um “look” - uma identidade - para cada locação e cenário. O contraste mais evidente é, sem dúvidas, entre o Norte (Winterfell) e o Sul (Porto Real) de Westeros. Nas filmagens em ambientes externos do Norte, a iluminação é mais fria e dura, com tons frios que passam um pouco a sensação de distância e desconforto, já nas iluminações internas, as fontes de luz são sempre oriundas do fogo: lareira, velas e tochas, o que resulta em um contraste forte entre as cenas externas e internas do Norte. Ao Sul, em Porto Real, os tons mudam completamente, são próximos aos dourados e amarelos e a luz é mais agradável. Em uma cena em que Porto Real aparece logo depois de Winterfell, o telespectador claramente reconhece que o ambiente mudou completamente, seja pelo todo o conjunto da obra (figurino, cenografia, atores) quanto pelos tons, texturas e iluminação definidos pelo diretor de fotografia.

LUZ JUSTIFICADA A história se passa em uma realidade em que não há energia elétrica, portanto, toda a iluminação artificial é feita por velas e tochas, isso é um desafio para a equipe de fotografia, que optou por passar a usar luzes justificadas nas cenas. As luzes justificadas são luzes que possuem um sentido lógico, ou seja, elas estão ali por um motivo evidente. Podemos perceber a sua importância nas cenas da Sala do Trono: como o local é muito fechado, os feixes de luz que entram são das janelas laterais e o preenchimento de luz interno é feito por tochas e velas. Se prestarmos atenção, conseguimos identificar de onde vem cada luz (observar figura acima à direita). 96

Um mesmo set pode ser usado para criar vários cenários diferentes. Por exemplo, o set do Salão do Trono pode se transformar em qualquer cenário de Porto Real se o diretor de fotografia ajustar as configurações das luzes para tons mais quentes e iluminação suave, caso ajustar para tons frios e iluminação mais severa, temos o cenário perfeito para as filmagens da Muralha ou Winterfell, ao Norte.


FILTROS DIFUSORES Para capturar os feixes sensíveis de luz do dia ou feixes das velas nos interiores dos ambientes, além de ser preciso uma câmera com alta sensibilidade (ISO) e um diafragma de 1.5 (possibilita maior entrada de luz à lente), também é necessário usar filtros difusores nas lentes. Eles quebram um pouco a definição da imagem e difundem os pontos de luz estourados. Como a fonte de luz interna é sempre uma vela ou tocha, é normal que a exposição fique muito alta nesses pontos e tudo escureça ao redor, o filtro difusor impede que isso aconteça e ainda cria pontos de luz com uma leve névoa agradável em volta, a luz flui melhor no ambiente e torna possível visualizar os rostos dos personagens (observar imagens à direita). O Casamento Vermelho que ocorre no episódio “As Chuvas de Castemere” (S03E09 - The Rains of Castamere) é um dos episódios mais escuros da série e o diretor de fotografia, Robert McLachlan, manipulou a luz do ambiente para que ela dê um ar de mistério. É um dos marcos mais impactantes da série e a fotografia teve o seu valor.

97


A B ATAL H A DO S BASTARDOS THE BAT T LE O F T H E B ASTAR D S - S 06E 09 Vencedor de um prêmio ASC Awards, a “Batalha dos Bastardos” (S06E09 - Battle of the Bastards) foi dirigido pelo diretor Miguel Sapochnik e o diretor de fotografia Fabian Wagner. A dupla é conhecida por fazer episódios significativos, como o caso de “Durolar” (S05E08 - Hardhome). Para construir o episódio, Miguel Sapochnik, o diretor, assistiu todas as batalhas de campos que conseguiu encontrar nas obras cinematográficas. A sua inspiração maior, no entanto, foi o filme do diretor Akira Kurosawa, RAN (1985). Toda a equipe de produção passou 25 dias filmando a cena da batalha que, no episódio, durou cerca de 20 minutos. Os diretores queriam filmar a batalha sob a perspectiva de Jon Snow, já que a intenção era concentrar a tensão principal do episódio no possível risco de sua morte. A cena icônica do episódio é quando o personagem puxa sua espada e encara toda uma cavalaria do inimigo (Ramsay Bolton) se aproximando em sua direção (ver figura abaixo), o mais mágico é que a cena foi construída sem nenhum

98

efeito visual, todos os cavalos eram reais e o ator Kit Harrigton realmente ficou frente a frente com todos eles. Alguns minutos depois, seguimos Jon Snow por um minuto e meio, sem cortes, mostrando tudo o que estava acontecendo na batalha em um curto intervalo de tempo. Fabian Wagner afirma ser grande fã de só um take e o utilizou para passar a sensação de que o personagem poderia morrer a qualquer momento. Wagner optou por não usar nenhuma luz artificial no episódio, apenas maximizou a potência da luz natural para criar contraste entre os rostos dos personagens. Além de toda a produção do episódio ser interessante, seus acontecimentos foram baseados em fatos que aconteceram na história real: de acordo com Sapochnik, a intenção era criar um conflito inspirado na Batalha de Azincourt, que ocorreu entre os franceses e ingleses em 1415. No entanto, os orçamentos mudaram um pouco e o conflito se tornou mais parecido com a Batalha de Canas, entre os romanos e Aníbal em 216 a.C.


“milhares

de homens

não precisam morrer. a p e n a s u m d e n ó s .” JON SNOW, S06E09.

99


HANNIBAL 2013- 201 5

100


SINOP S E Hannibal foi uma série procedural de terror psicológico e thriller criminal baseada nos elementos presentes nos livros “Dragão Vermelho” e “Hannibal” de Thomas Harris. Criada por Bryan Fuller para o canal de televisão NBC, a série estreou em abril de 2013 e foi cancelada em sua terceira temporada, em agosto de 2015. O enredo da série foca no personagem Will Graham, um investigador do FBI que possui um talento diferente: ele consegue reconstruir cenas de crimes em sua mente, visualizando exatamente como o crime aconteceu. Seu talento o ajuda a desvendar muitos casos, mas também afeta a sua saúde mental, o que o obriga a consultar um dos maiores psiquiatras do país, Dr. Hannibal Lecter. A série foi bem aclamada pela a crítica, principalmente pelas atuações dos personagens principais e pelo o estilo visual, o que a consolidou como uma série cult. A obra foi indicada ao Creative Arts Emmys 2016, mas não venceu. Mesmo não sendo uma série reconhecida pelas grandes premiações da televisão norte-americana, a obra se destacou pela sua incrível capacidade de tornar cenas de crimes mórbidas em algo completamente artístico e até atraente, por mais estranho que isso soe. Neste capítulo, iremos descobrir como o figurino, a cenografia luxuosa, os efeitos especiais sombrios e a fotografia serviram para criar essa atmosfera peculiar.

FIG URINO 103

HANNIBAL LECTER

CE NOG RAFIA 105 106 107 107

O CONSULTÓRIO DE HANNIBAL A COZINHA DE HANNIBAL A CASA DE WILL GRAHAM O ESCRITÓRIO DO FBI

E FE ITOS E S P E CIAIS 108

EFEITOS ESPECIAIS EM HANNIBAL

FOTOG RAFIA 110

A FOTOGRAFIA DE HANNIBAL

101


F IGU RINO CO ST UM E D E S I GN Hannibal é uma série cheia de figurinos luxuosos. A maioria dos personagens se preocupam com a aparência e sempre estão se vestindo bem. Tecidos finos, cores vibrantes e modelagem atraente foram os aspectos que o figurinista Christopher Hargadon trouxe para a série de Bryan Fuller. O showrunner pediu para Hargadon fugir da cor tradicional preta que remete à escuridão e maldade, principalmente na figura de Hannibal Lecter (Madds Mikelsen), ele não queria que ficasse explícito que o psicólogo é, na verdade, um psicopata canibal. Hannibal é o personagem com o maior guarda-roupa do elenco, de acordo com o ator que o interpreta, Mads. Já Will Graham (Hugh Dancy) segue a linha oposta na primeira e segunda temporada, ele não se preocupa com a sua aparência e se veste de forma mais simples possível, como camisas com botões e calças jeans. Na terceira temporada, ele passa a se vestir de forma mais elegante, o que mostra a influência da Hannibal sobre o personagem até no figurino. Outra personagem que passa por bastante mudança no figurino é a Dr. Alana Bloom (Caroline Dhavernas). No início da série, suas vestimentas são vestidos e saias modeladas, já na terceira temporada, a personagem assume como administradora no Hospital Estadual de Baltimore e troca os vestidos por blazers e o cabelo solto por um cabelo preso, em gel. Essa mudança expressa a maturidade da personagem e em como ela se desenvolveu desde a primeira temporada.

102


H A N N IBA L L ECT ER M A D S M IK E LSE N

Antes da estreia da série, a figura de Hannibal era associada ao moletom cinza e a calça laranja da famosa cena em que o personagem, interpretado por Anthony Hopkins, usa sua icônica máscara marrom no filme O Silêncio dos Inocentes (1991). O canal NBC e principalmente o figurinista Hargadon trouxeram uma nova cara para o canibal mais famoso da cultura pop. Na primeira temporada, o visual do personagem se resume a ternos xadrezes de três peças e gravatas estilo paisley. As cores dos ternos são suaves, como tons de azuis e púrpuras. Hargadon escolheu um figurino tão fino para Hannibal pelo o propósito de expressar que o personagem era um homem de classe alta que dá importância para a sua aparência e pelo visual em geral: seus pratos são sempre bem apresentáveis (mesmo que nós sabemos que são de carne humana) e seu ambiente é bem decorado. É como se o personagem utilizasse a estética atraente para mascarar sua psicopatia e seus crimes. Em meio a tantos ternos, um em específico agradou o ator Mads Mikelsen e o showrunner Bryan Fuller: um terno cinza-carvão com um padrão de quadrados vermelhos (observar imagem ao lado). O figurinista havia desenhado o terno para apenas uma cena curta, mas Mads gostou tanto que usou a peça em outras 25 cenas seguidas. Fuller aprovou a escolha e até pediu para Hargadon criar um idêntico para ele.

Mesmo quando o personagem está no processo de matar a sua vítima e, depois, desmembrá-la para criar seus pratos culinários, ele não perde a elegância. Hannibal veste uma capa de plástico por cima da sua roupa, com o intuito de não deixar vestígios das suas vítimas. A capa, além de ser funcional, tem uma aparecência bastante interessante. 103


C ENOGRA F IA SE T D E S I G N Se o figurino da série foi criado para ser sofisticado, os cenários precisaram acompanhar essa mesma atmosfera. Patti Podesta e Matthew Davies, ambos designers de produção, foram contratados para cuidar dos cenários grandiosos da obra. Hannibal é uma série que retrata um plot diferente por episódio, o que significa que vários cenários novos foram criados para cada episódio, mas há também ambientes fixos na história, como o escritório e a casa de Hannibal, criados por Podesta e o escritório do FBI e o Hospital Estadual de Baltimore, criado por Davies. Embora cada episódio necessite de um cenário novo, a paleta de cores foi rigorosamente controlada e os cenários dos crimes foram projetados para invocar uma espécie de beleza mórbida e macabra. Como dito anteriormente, as mortes em Hannibal são retratadas de formas bem artísticas e o cenário auxilia na composição. Na primeira conversa com Patti Podesta, responsável pelo episódio piloto, Fuller citou o pintor Francis Bacon como inspiração para a estética dos ambientes do personagem Hannibal. Ao decorrer das temporadas, Davies continuou com a estética definida por Podesta e Fuller no primeiro episódio. Devido à isso, Hannibal se tornou uma série única com um visual próprio que provavelmente servirá de inspiração para outras obras.

104


O CONSU L TÓ RIO DE HANNI BAL H A N N IBA L’ S O FFI C E

O consultório psiquiátrico de Hannibal foi inspirado na arquitetura de Sir John Soane, arquiteto inglês conhecido por seus edifícios neoclássicos, e na Biblioteca Estadual da Carolina do Norte, com colunas, passarelas e cerca de 700 livros arrumados por categorias. Podestra criou um ambiente com estilo histórico justamente pela a história de fundo do personagem: ele teria vindo de Florença, Itália, para abrir seu consultório nos Estados Unidos e, a partir daí, comprado um edifício antigo e reestruturado sua arquitetura, deixando tudo intacto.

O decorador Jaro Dick procurou preencher o local com o gosto de Hannibal, que foi influenciado pela arte nouveau e o seu histórico de ter morado na Europa. Todos os móveis são personalizados, como se o personagem tivesse ido atrás de artesãos para criar tudo especialmente para ele. O consultório é o seu local de trabalho, mas ainda assim, a decoração é fina e a paleta de cores é baseada em tons neutros como cinza, mas há alguns pontos com cores intensas, como o vermelho, que é utilizado nas listras das cortinas e no lado inteiro de uma parede. 105


A CO Z I NH A DE HANNI BAL HA N N IBA L’ S K ITC HE N

Hannibal é um personagem tão artístico que transforma até o ato de cozinhar em arte, seus pratos são feitos com carne humana de suas vítimas, mas nem por isso tem o aspecto ruim, pelo contrário, são sempre pratos visualmente bonitos e esse mérito vai para a estilista de comida Janice Poon. A cozinha de Hannibal foi construída como se fosse para um chef de cozinha profissional, os aparelhos são de aço inoxidáveis de topo de linha e o ambiente serve como local de execução do seu lado artístico em transformar a carne humana em arte. Como o personagem cozinha sozinho a maior parte do tempo, sua cozinha reflete sua estética visceral. Podesta queria que a cozinha também tivesse um toque de laboratório, já que era o local em que o personagem fazia suas experimentações de pratos e necrotério, uma vez que é onde Hannibal decapitava as partes dos corpos das suas vítimas. A sala de jantar de Lecter, onde ele recebe as suas visitas e apresenta seus pratos, tem um toque teatral. A mesa é colocado no centro da sala, no meio entre duas paredes diferentes: de um lado, Fuller teve a ideia de colocar uma parede cheia de prateleiras com plantas vivas e, ao fundo, a textura de uma pintura que Podesta encontrou do artista Oscar Grosch (observar segunda imagem ao lado). Do outro lado, uma parede de madeira na cor azul escuro, remetendo a cor do céu noturno.

106


A CASA DE W IL L G RAHAM W ILL G R A H A M ’S HOU S E

Em comparação à casa de Hannibal, a de Will Graham é o oposto: o personagem vive em uma casa simples fora da cidade com seus cachorros e equipamentos de pesca. Podesta encontrou uma fazenda nos arredores de Toronto, habitada pelos moradores originais e a achou perfeita para a casa de Will. Alguns dos móveis, pinturas e livros pertencem aos moradores originais e foram usados como decoração da casa do personagem, o resto ficou por conta de Jaro, que usou uma decoração bem simples para a casa do personagem. Ele não tem computador e tecnologias e não costuma trazer o trabalho para casa, então o lugar é simples, o suficiente para o personagem morar com seus cachorros e sair para pescar às vezes.

ESCRITÓ RIO DO FBI F B I ’ S O FFI C E As instalações do FBI são os lugares que o telespectador mais se sente seguro em relação à série no geral. A arquitetura do FBI foi baseada na arquitetura brutalista, um movimento arquitetônico moderno de meados da década de 50 a 70, que ganhou popularidade nas sedes governamentais do mundo todo. Sua principal característica é a aparência de uma base fortificada feita de concreto. Para Davies, as décadas de 50 e 60 são a era de ouro da CIA e do FBI e o designer de produção procurou se inspirar nas estruturas desses anos para o escritório do FBI na série. Ele também buscou por obras do arquiteto veneziano Carlo Scarpa e trouxe para a série os acabamentos em mármore e madeira do artista. 107


E F E ITOS ESP ECIAI S SP E C I A L E FFE CTS Hannibal é uma série que contou muito com os efeitos especiais, conhecido como os efeitos práticos criados pela a equipe de próteses e maquiagem de próteses. Para retratar a brutalidade dos diferentes crimes de cada episódio diferente da série, as próteses foram imprescindíveis. François Dagenais, supervisor de próteses, foi o responsável por cuidar da enorme equipe de efeitos especiais da série. O artista é famoso por seu trabalho em filmes como Madrugada dos Mortos (2004), Terra dos Mortos (2005) e Círculo de Fogo (2013). O material da prótese é feito de silicone e de látex, mas com muito trabalho da equipe de maquiagem protética o silicone se transformou em uma textura que se assemelha muito à pele humana. Com isso, várias cenas de assassinato se tornaram cruéis, mesmo que a execução tenha sido de forma artística, os cortes e o sangue criados pela equipe de François fizeram os telespectadores emergirem no enredo da história e se surpreenderem com o serial killer em questão. Dentre tantas mortes, duas se destacaram e fizeram a equipe de efeitos especiais se esforçarem: os anjos rezando e o totem humano, que veremos logo a seguir.

108


A N J OS REZA NDO P R AY I N G A N G EL S

Uma das cenas mais dramáticas de assassinato são os que acontecem no episódio “Coquilles” (S1E05). Um serial killer esculpe asas com a própria carne das costas de suas vítimas com o intuito de criar anjos da guarda para vigiá-lo enquanto ele dorme. Suas vítimas são escolhidas a dedo: são apenas pessoas que ele acredita que merecem morrer e precisam do perdão de Deus. Para o efeito das peles das costas em formato de asas, a equipe de efeitos especiais se uniu com a equipe de efeitos visuais. A equipe de próteses e maquiagem em próteses ficou responsável por criar a composição das asas, com a textura da pele e os ossos das costas à mostra, enquanto a equipe de efeito visual cuidou dos detalhes do sangue e da finalização da cena.

TOT E M H UMA NO H UM A N TOT E M O totem humano foi encontrado em uma praia congelada e foi criado com corpos de todas as vítimas do serial killer Lawrence Wells. François Dagenais e a sua equipe pensaram bastante na forma que iriam colocar próteses de partes do corpo humano empilhadas em forma de totem sem que elas caíssem. Para criar a atmosfera de realidade que a série exigia, a equipe colocou os corpos mais antigos e degenerados na base e os mais frescos e novos, em cima. O corpo da vítima mais recente precisaria estar no topo e, para isso, François criou um corpo humano inteiro que posteriormente foi usado em uma cena no necrotério do FBI. Todo o esforço da equipe resultou em uma das cenas de crime mais macabras da televisão. 109


F OTOGRA F IA CI N E M ATO G R A PHY Para criar a atmosfera mórbida e ao mesmo tempo bonita da série, James Hawkinson, diretor de fotografia, trabalhou em cima das técnicas de enquadramento apertado, close-ups em plano médio e cores saturadas com tons que tendem para o vermelho e verdes azulados, além da famosa profundidade de campo superficial (apenas a região em que a lente foca fica nítida, enquanto todo o resto fica embaçado), técnica utilizada também em The Handmaid’s Tale (ver página 156). A cena da primeira aparição de Hannibal Lecter foi uma breve demonstração inicial de como a fotografia funcionaria na série. A cena foi cuidadosamente pensada e executada por Hawkinson, e pelo diretor do episódio, David Slade. A câmera dá um close-up no prato em que o personagem está comendo e, em seguida, segue para o seu rosto, onde a iluminação está bem fraca e o seu rosto fica envolto em sombras. Hawkinson determinou que o personagem sempre estaria envolto em um jogo de luzes baixas e sombras, uma forma de expressar que ele está bem na frente de todos, mas ninguém consegue enxergá-lo pelo o que ele realmente é.

110


111


STRANGER THINGS 2016- AT UA LME N TE

112


SINOP S E Stranger Things é uma série de televisão norte-americana de ficção científica e terror criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer e distribuída pela rede de streaming Netflix. A série se passa na década de 80 na pequena cidade fictícia de Hawkins, Indiana, nos Estados Unidos e inicia seu enredo com o desaparecimento de um garoto de 12 anos. Em busca do garoto, a família e os amigos se deparam com um experimento secreto do governo que realiza testes paranormais e sobrenaturais em crianças. Eleven, uma das crianças dos experimentos, consegue escapar do laboratório que ocorrem os testes e é encontrada pelos amigos de Will Byers, o garoto desaparecido. A partir daí, a história se desenvolve acerca do mistério do desaparecimento de Will e de um mundo ainda mais intrigante, o Mundo Invertido. A obra remete aos filmes de Steven Spielberg e aos livros de Stephen King, grandes artistas que serviram como inspiração para os Irmãos Duffer. Logo na sua temporada de estreia, a série foi bastante elogiada pela crítica. Foi nomeada a vários prêmios, incluindo seis indicações ao Emmy Awards 2017 e venceu em cinco categorias técnicas do Creative Arts Emmys 2017. Por se passar na década de 80, a série carrega consigo elementos culturais da época, como vestimentas, cenários e trilha sonora. Nas páginas a seguir, iremos descobrir como aconteceu a transformação drástica no figurino de Eleven da primeira para a segunda temporada, assim como entender como é feito os efeitos especiais e visuais do Demogorgon, entre outras curiosidades dos bastidores da direção de arte e fotografia dessa série que se tornou destaque no catálogo da Netflix.

FIG URINO 115 116 117 118 119

PRIMEIRA TEMPORADA SEGUNDA TEMPORADA O TRIÂNGULO AMOROSO ELEVEN A TRANSFORMAÇÃO DE ELEVEN

CE NOG RAFIA 121 122 123

A CASA DOS BYRES O MUNDO INVERTIDO O LABORATÓRIO DE HAWKINS

E FE ITOS VIS UAIS 125 126 127

CRIANDO O DEMOGORGON A EVOLUÇÃO DE DART O MONSTRO DAS SOMBRAS

FOTOG RAFIA 128 A FOTOGRAFIA DE STRANGER THINGS

113


F IGU RINO CO ST UM E D E S I GN Os irmãos Duffer, criadores da série, queriam que os personagens fossem únicos e reais, sem ser só mais uma versão do que as pessoas se lembram dos anos 80. Assim, o objetivo da figurinista Kimberly Adams-Galligan na primeira temporada foi trazer autenticidade para esses personagens através do figurino. Kimberly criou sketches e “mood boards” (quadros com fotos de referências) para cada personagem e assim, definiu quais cores e texturas combinariam com a história e características pessoais de cada um. Kim Wilcox entrou para o elenco da série na segunda temporada e assumiu como figurinista, seu objetivo era continuar com a autenticidade no figurino dos personagens. Ela afirma que a maioria das pessoas pensam em neon e modas mais extravagantes quando lembram dos anos 80, mas na rotina do dia-a-dia e na realidade de uma cidade de interior como Hawkins, tudo é mais quieto e tranquilo e isso automaticamente reflete na forma em que os habitantes se vestem. As figurinistas se empenharam em desenhar e fazer as roupas do elenco, já que encontraram dificuldades em encontrar peças no tamanho ideal para pré-adolescentes.

114


P RIM E IRA TEM PORADA SEASON 1

Kimberly Adams-Galligan focou nos detalhes para introduzir os figurinos dos personagens na temporada de estreia. Por exemplo, Will é o mais novo da família e sua mãe, Joyce (Winona Rder), não tem muito dinheiro e, por essa razão, Kimberly queria dar a impressão de que a maioria das roupas e sapatos usados por Will um dia foram de Jonathan (Charlie Heaton), seu irmão mais velho. Os sapatos de Will foram intencionalmente sujos pela equipe de produção para parecerem antigos, enquanto todos da turma usavam tênis novos, como se tivessem ganhado dos pais no Natal. Para criar a identidade do grupo dos quatro amigos, Mike (Finn Wolfhard), Will (Noah Schnapp), Lucas (Caleb McLaughlin) e Dustin (Gaten Matarazzo), Kimberly precisou fazer escolhas que fizessem os amigos transparecer que faziam parte de um mesmo grupo e, ao mesmo tempo, que cada um tinha o seu próprio estilo característico. Foi preciso criar uma unidade sem apagar a individualidade de cada um. Os atores também contrubuíram para a construção do figurino de seus personagens, sempre que precisavam fazer a prova de medida e tamanho das roupas, Kimberly se empolgava ao ver a felicidade dos atores mirins ao ver seus personagens ganhando vida em frente ao espelho.

A equipe de figurino coordenada por Kimberly Adams-Galligan criou um estoque de roupas para todas as categorias que precisavam vestir: o Ensino Fundamental (turma de Will), o Ensino Médio (turma da Nancy), cidadãos de Hawkins, funcionários do governo e cientistas, tudo com o auxílio dos quadros de fotos (ver figuras ao lado). Dessa forma, cada grupo tinha a sua unidade e coerência.

115


SEGU NDA TEM P ORADA SEASON 2

Kim Wilcox assumiu a segunda temporada da série com o desafio de incorporar o crescimento físico ao emocional dos personagens, enquanto precisava manter a estética definida por Kimberly na primeira temporada. A figurinista se perguntou como os personagens estariam lidando com tudo o que aconteceu na temporada passada e em como isso iria refletir em seus figurinos. O figurino de Lucas, o mais otimista da turma, permaneceu praticamente o mesmo, por outro lado, Dustin passou a vestir mais camisetas que entregam o seu lado cientista e nerd, como a camiseta com uma tabela periódica no episódio “Capítulo Um: MADMAX” (S02E01 - Chapter One: MADMAX). Mike está “em luto” pelo desaparecimento de Eleven na segunda temporada e esse estado emocional reflete em suas roupas, portanto ele passa a vestir tons mais escuros. Kim se empolgou com o figurino de um personagem em especial na segunda temporada: Billy (Dacre Montgomery). Ela se inspirou nos “bad boys” de filmes dos anos 80, como “Vidas sem Rumo” (The Outsiders ) e nas fotos antigas de Rob Lowe e Johnny Depp. Billy é um personagem que representa perigo e a figurinista queria transparecer esse fato em suas roupas, com isso, usou a moda do jeans sob jeans dos anos 80 que, na opinião dela, é uma composição sexy.

As roupas da nova personagem Max (Sadie Sink) se caracterizaram por moletons de variadas cores, Kim queria que Max mostrasse que era dona do próprio nariz e responsável por comprar suas próprias roupas. Já o figurino de Bob (Sean Astin) foi inspirado no que os funcionários da loja RadioShack vestem, uma vez que é o local de trabalho do personagem (sim, a loja é real!) 116


O T RIÂ NGUL O AMOROSO N A N CY ( N ATA L I A DY E R ), JONATHAN ( C HARLIE H EATO N) A ND ST EV E (JO E KEERY)

Kim Wilcox se inspirou nas memórias da sua época de Ensino Médio nos anos 80 para definir o figurino do triângulo amoroso, Nancy (Natalia Dyer), Jonathan (Charlie Heaton) e Steve (Joe Keery). Mais velhos que os personagens centrais da série, os dois jovens são apaixonados por Nancy, que é um pouco indecisa em relação aos seus sentimentos. Nancy usa tons mais claros na primeira temporada, a personagem é inteligente, delicada e feminina, então a figurinista queria que essas características refletissem em suas roupas. Já na segunda temporada, após o trauma de perder a sua melhor amiga Barb (Shannon Purser) e se culpar por isso, Nancy deixa os tons claros e as saias de lado e veste calça jeans e sweaters. Esse figurino fica mais evidente depois do episódio “Capítulo Dois: Gostosuras ou Travessuras, Aberração” (S02E02 - Chapter Two: Trick or Treat, Freak) em que a personagem fica bêbada e termina seu relacionamento com Steve.

Steve vem de uma família rica e isso ficou evidente no figurino do personagem, Kim escolheu roupas de marca para ele, como Levi’s, Polo e Brooks Brothers. Já Jonathan, o mais introvertido dos três, usa roupas de menos qualidade. Wilcox afirma que Natalia Dyer e Joe Keery são os atores que mais se divertem com o guarda-roupa de seus personagens, ironicamente, os figurinos que seus personagens usam (jeans com cintura alta e jaquetas) estão em alta na moda nos dias atuais, o que faz os atores se vestirem de forma parecida aos seus personagens. O cabelo de Steve fez sucesso e chamou atenção dos telespectadores, embora na série o personagem explica para Dustin que o truque para o seu cabelo é o spray da Farrah Fawcett, na vida real, a hairstylist Sarah Hindsgaul usa um produto chamado Night Rider. Joe gostou tanto do seu cabelo do personagem que resolveu adotar o produto na vida real também.

Os sprays Farrah Fawcett realmente existiram mas, infelizmente, saíram de linha no ano de 1984 - coincidentemente o ano em que se passa Stranger Things. O processo do penteado de Steve dura cerca de 30 minutos, não é um processo tão longo, já que o cabelo de Joe Keery é naturalmente volumoso e rebelde. A hairstylist se inspirou nos cabelos de Brad Pitt e George Clooney nos anos 80. 117


EL EV E N M I L LI E BO BBY BROW N

Eleven (Millie Bobby Brown) é a personagem mais intrigante da primeira temporada. Quando ela surge no final do episódio piloto, é o início de uma série de questionamentos acerca da sua situação e identidade. Kim Wilcox trabalhou em cima do mistério sobre a personagem para definir os modelos das suas primeiras vestimentas, para isso, contou com a ajuda da própria atriz, Millie, que participou diretamente da escolha dos figurinos da sua personagem Eleven. Logo que surge na série, Eleven foge do laboratório em que estava internada e aparece com um roupão do lugar, Kim desenhou um modelo que fosse fácil de rasgar, já que precisaria ser algo que poderia ser encontrado depois, como acontece no segundo episódio “Capítulo Dois: A Estranha na Rua Maple” (S01E02 - Chapter Two: The Weirdo on Maple Street). Depois, seu segundo figurino é uma camiseta amarela da hamburgueria em que a personagem se esconde e recebe comida do funcionário Bennys. Kim afirma que a camiseta precisaria ser específica, algo como o local por onde ela passou. Assim que encontra o grupo dos meninos e é refugiada na casa de Mike, os garotos procuram por uma roupa melhor e a vestem com um vestido rosa, figurino que se tornou a marca da personagem na primeira temporada. Kim pensou cuidadosamente que o vestido deveria ser algo que poderia ter sido de Nancy, irmã de Mike.

Kimberly testou vários vestidos de garotas dos anos 70 para a personagem até encontrar um que se encaisasse perfeitamente. Além do vestido, os meninos deram a Eleven uma peruca de cabelos loiros, para que ela pudesse sair pela cidade sem ser reconhecida pelos funcionários do Laboratório de Hawkins.

118


A T RA NSF O RM AÇÃO DE ELEVEN E LE V E N ’ S C H ANGE

Na segunda temporada, Eleven passa por uma transformação evidente em seu figurino. Depois de todos os acontecimentos da primeira temporada e, consequentemente, ser abrigada por Jim Hopper (David Harbour), a personagem abandona seu clássico vestido rosa e passa a vestir roupas mais masculinas, Kim alega que pensou na lógica de Hopper ter dado roupas que já tinha em sua cabana e que, talvez, poderia ter ido a alguma loja de segunda mão comprar roupas masculinas para servir de disfarce, já que a personagem precisava manter o seu anonimato. No episódio “Capítulo Sete: A Irmã Perdida” (S02E07 Chapter Seven: The Lost Sister), Eleven tem uma mudança ainda maior em seu figurino. Na história, ela vai para Chicago atrás da sua “irmã perdida” que aparece nas visões de sua mãe. O episódio inteiro é centrado no encontro e desenvolvimento da personagem com o grupo da sua “irmã de laboratório” Kali (Linnea Berthelsen). O grupo usa os poderes de Kali (parecidos com os de Eleven) para cometer crimes e a forma em que se vestem remetem aos

punks dos anos 70 e 80. Pela primeira vez, Eleven sente que pode falar abertamente sobre os seus poderes e, automaticamente, se torna parte do grupo e absorve o seu estilo, vestindo uma jaqueta preta com maquiagem forte nos olhos. Para essa composição de estilo, Kim se inspirou em Siouxsie Sioux, vocalista da banda de pós-punk Siouxsie and the Banshees, e nos estilos de blazers de Madonna. A figurinista afirma, ainda, que Madonna adquiriu o seu estilos dos anos 80 se inspirandos nos punks da época e adequando ao seu estilo. Os ombros da jaqueta dão a Millie uma silhueta maior, o que foi ideal para o momento da narrativa de sua personagem, já que Eleven estava se sentindo uma pessoa mais independente e bitchin’ (adjetivo que a personagem usa para se descrever quando volta para Hawkins no “Capítulo Nove: O Portal” (S02E09 - The Gate).

119


C ENOGRA F IA SE T D E S I G N Ambientar uma série inteira nos anos 80 nos dias atuais pode ser um desafio, mas também muito prazeroso. Chris Trujillo pensou cuidadosamente em todos os cenários para transportar o público à década dos videocassetes, sem nenhum resquício de smartphones. A filmagem da série aconteceu em cidades pequenas nos arredores de Atlanta, como Douglasville, Jackson e Stockbridge, uma região que Chris julgou ideal para filmar e trazer os anos 80 de volta, já que a cidade é cheia de bairros ainda preservados da década. Só foi necessário remover alguns carros atuais, antenas parabólicas e outros detalhes da modernidade, tudo foi substituído por carros e objetos antigos. Trujillo presenciou a década de 80 em sua infância e aproveitou os álbuns da sua família e fotos da vizinhança suburbana para usar como inspiração dos cenários. Quando o designer pensa nas vezes que saia para correr pelo seu bairro, tudo era bem parecido com o ambiente que temos na série, portanto foi uma experiência profissional que trouxe muita nostalgia e Trujillo colocou o seu coração ali, pois estava criando cenários que fizeram parte da sua vida, com walkie talkies e bicicletas.

120


A CASA DO S BYRES BY R E S ’ H O US E

A casa da família Byres é o cenário central da primeira temporada. Trujillo precisou pensar com calma e escolher com cuidado o cenário exterior de uma casa que iria sofrer ataques de um monstro e ser ambiente para uma família frustrada em relação ao desaparecimento do caçula, Will Byers. O local ideal estava na região de Georgia: uma casa construída no período entre as guerras, longe da cidade e próxima de bosques. Como o exterior do cenário define como ele será criado por dentro, Trujillo queria que o telespectador olhasse a parte externa da casa e já tivesse uma noção de quem são os Byres. A localização das janelas e das portas exteriores, as dimensões e o material de que é feito são detalhes que o designer de produção observou para definir e criar o set interno da casa da família no estúdio EUE/Screen Gems em Atlanta (observar planta abaixo, ao lado direito).

Trujillo afirma que a coisa mais gratificante para um designer de produção é quando um cenário transcende e se torna um personagem. A casa de Will passa a ser um ambiente importante depois que ele desaparece para o Mundo Invertido, já que a sua mãe, Joyce, usa as luzes da casa para se comunicar com ele. Em um momento, ela instala os clássicos piscas-piscas de Natal com o alfabeto do lado, para se comunicar melhor com o seu filho, que está em outra dimensão. Essa imagem da casa toda iluminada se tornou o ícone da série na primeira temporada. O interessante é que o departamento de arte escolheu filmar as cenas de acordo com a linha temporal do roteiro, então frequentemente eles tinham que montar a casa na versão do Mundo Invertido, que envolvia inserir as veias viscosas e desmontar tudo logo em seguida.

121


O M U N DO INV ER TI DO U P S ID E D O W N

A produção de design do universo paralelo Mundo Invertido é excepcional pois cria a linha perfeita entre a realidade e a ficção. Desde o começo, a produção tinha ideia de como o Mundo Invertido tinha que ser: um reflexo enfermo do nosso mundo, escuro, com uma névoa de “esporos” flutuando no ar, veias viscosas em toda a superfície, como uma doença que está se espalhando por tudo. Trujillo considera toda a concepção e criação do Mundo Invertido a parte mais trabalhosa da primeira temporada, já que as equipes de efeitos especiais e visuais precisaram transformar um mundo de fantasia em um espaço físico real. O resultado, depois de altos e baixos da parte logística e de passar pelas mãos de muitos profissionais, se tornou exatamente aquilo que a equipe inteira imaginava desde o início.

122

O personagem Dustin compara o Mundo Invertido ao Vale das Sombras, do RPG Dungeons and Dragons. O jogo existe de verdade e foi lançado em 1974. Na definição do jogo, o Vale das Sombras “é uma dimensão que é um reflexo escuro ou um eco do nosso mundo. Ele está bem debaixo dos seus olhos, mas você não o vê”. O Mundo Invertido é, então, uma dimensão paralela que coexiste com a nossa própria. É como se fosse uma versão mais obscura do nosso mundo, sem seres humanos, apenas com criaturas monstruosas.


O L ABO RATÓ RIO DE HAWKI NS H A WK I N S N AT I ON AL L AB OR ATOR Y

O Laboratório de Hawkins é o ambiente mais misterioso e intrigante da temporada de estreia da série. O laboratório é responsável por diversos experimentos secretos e foi o local em que Eleven passou a sua vida inteira, até fugir no final do primeiro episódio. Trujillo queria dar uma atmosfera de mistério para o lugar e, para isso, o designer se inspirou na arquitetura real do local que eles encontraram. O prédio que eles escolheram para filmar o laboratório anteriormente era uma instalação usada como um hospital psiquiátrico de meio século, com corredores subterrâneos brancos e largos, que ligavam o prédio principal à sala de pacientes. Em cima do prédio principal, havia corredores de madeiras e um espaço grande que parecia ter sido usado como uma instalação de armazenamento a frio. A equipe trabalhou para adaptar esse local nos quartos e corredores que Eleven vivia e sofria nas mãos do Dr. Brenner. O tubo de água que Eleven entra para conseguir visualizar o Mundo Invertido foi criado de forma que parecesse que surgiu na época da Guerra Fria, como uma espécie de medida alta de segurança do governo. Trujillo pensou em todos os detalhes e procurou ao máximo relacionar o Laboratório de Hawkins à história dos EUA, como a Guerra Fria e as medidas de segurança da época. Todos esses aspectos ajudou o laboratório a se tornar ainda mais enigmático e até assustador.

Ao lado, podemos ver a arte conceitual do tubo de água criado pelo designer de produção, Chris Trujillo. Ele também trabalhou em filmes como Honeymoon (2014) e Nerve: Um Jogo Sem Regras (2016).

123


E F E ITOS V ISUA IS V IS UA L E FFE CTS O supervisor de efeitos visuais Marc Kolbe gostou da experiência de trabalhar na série porque a sua ambientação nos anos 80 o trouxe muitas memórias da sua própria infância e adolescência. Entre seus principais trabalhos estão os filmes Onde Vivem os Monstros (2009) e A Viagem (2012), já na televisão, trabalhou na série The Last Ship. O supervisor teve uma programação de cinco meses para lidar com os oito episódios da primeira temporada e, na sua opinião, a série foi como um filme de longa duração, já que ele teve que cuidar de todos os efeitos especiais de todos os episódios simultaneamente. Kolbe contou com o trabalho das empresas Aaron Sims Creative (ASC) e Spectral Motion para o design do monstro Demogorgon e o Mundo Invertido. Já na segunda temporada, Paul Graff e Christina Graff assumiram como supervisores e cuidaram dos efeitos visuais principais como o crescimento de Dart - a criatura que Dustin adota, o Mundo Invertido das visões de Will e o Monstro das Sombras. Os profissionais cuidaram dos efeitos especiais de grandes filmes do cinema como Sangue Negro (2007), As Aventuras de Pi (2012) e O Lobo de Wall Street (2013). E nos mundos das séries, também participaram de Game of Thrones, Black Sails e Boardwalk Empire.

124


C R IANDO O DEMOG ORG ON CR E AT I N G T H E D E MOGOR GON

O processo de criação do Demogorgon, criatura que desestabilizou a cidade de Hawkins na primeira temporada, foi uma mistura de efeitos práticos com efeitos visuais. Os irmãos Duffer queriam que a figura do monstro da série passasse a nostalgia dos efeitos práticos usados nos filmes dos anos 80, então contrataram o ator Mark Steger para vestir o traje do Demogorgon e interagir com os outros atores. O traje real do monstro foi criada pelo o estúdio Spectral Motion no prazo de apenas dois meses. Primeiro, a equipe fez um escaneamento a laser do corpo de Mark, então instalaram animatrônicos - dispositivos robóticos que reproduzem algum ser vivo - para controlar a cabeça e os braços. Havia 26 dispositivos instalados só na cabeça do ator, o barulho era tão alto que ele tinha dificuldade em ouvir as instruções no set. Mark demorava cerca de uma hora e meia para vestir completamente o traje. Quando a cabeça do Demogorgon abria o rosto do ator ficava exposto, então a Scepctral Motion substituiu por uma boca criada digitalmente. O CGI foi utilizado nas vezes em que o ator não conseguiria realizar os movimentos e efeitos exigidos pelo roteiro. A criação do Demogorgon em sua versão digital foi responsabilidade do estúdio Aaron Sims Creative. Aaron Sims, fundador do estúdio, foi quem criou os primeiros sketches da criatura no Photoshop, então os designers aprimoraram o desenho para uma versão em 3D. Depois, a equipe imprimiu uma versão do Demogorgon em uma impressora 3D, assim todos conseguiram visualizar a criatura nas mãos, sentir a textura e analisar todos os detalhes. A criatura parecia mais real. Por último, depois de absorver todos os detalhes do monstro, ele foi criado digitalmente com o software Nuke Studio, famoso pelas criações da Walt Disney Animation Studios, DreamWorks e Sony Pictures. 125


A EVO LUÇÃO DE DART DA RT ’ S E VO LUT ION

No início da segunda temporada, Dustin encontra uma criatura peculiar no lixo da sua casa. Por ter uma aparência fofa e inofensiva, Dustin a adota e a nomeia de Dart. A criatura cresce muito rápido, tem hábitos carnívoros e logo se transforma em um Demodog (uma criatura que se assemelha ao Demogorgon da primeira temporada, mas com quatro patas). Paul e Christina Graff pensaram em cada estágio da evolução de Dart em Demodog. Eles classificaram a transformação em quatro estágios: TADPOLE: o estágio em que Dustin encontra a criatura no lixo. Nesse estágio, Dart está com um aspecto inofensivo e se assemelha a um girino. Os Duffs queriam projetar uma imagem de um organismo fofo o suficiente para Dustin resolver adotá-lo, nada que assemelhasse ao Demogorgon, eles queriam que os telespectadores não desconfiasse de nada no início. FROGOGORGON: o estágio da aparência semelhante a um girino não dura muito e logo Dart evolui para o Frogogorgon e passa a se assemelhar a um anfíbio. Paul afirma que era importante que eles mostrassem a evolução de cada estágio da criatura, uma vez que ela crescia muito rápido. CATOGORGON: Dustin começa a enxergar que Dart não é tão inofensivo quanto ele pensava após o organismo comer o seu gato, Mews. Nesse momento, a criatura está em um estágio que se parece com um gato, por isso o nome de Catogorgon. DOGOGORGON: Depois de Dart comer o gato de Dustin, o personagem resolve trancar a criatura dentro do porão e lá ela rapidamente evolui para o estágio de Dogogorgon ou Demodogs, como Dustin mesmo apelida. A aparência é de uma versão quadrúpede do Demogorgon humanoide da temporada anterior. 126


O M ONSTRO DAS SOMBRAS TH E S H A D O W MONSTE R

Se na primeira temporada o responsável por desestabilizar a turma de Will foi o Demogorgon, na segunda temporada essa responsabilidade fica por conta do Monstro das Sombras. Tudo parece estar bem com Will, até que ele passa a ter visões do Mundo Invertido e do Monstro das Sombras. Os problemas na eletricidade na primeira temporada (luzes constantemente piscando) levaram os Duffers a criarem o monstro da segunda fase da série: a criatura é uma mistura de fumaça gigante de tempestade, com longas patas finas que se assemelham a um artrópode. Os Graffs contaram com a ajuda do designer de produção, Trujillo, para pesquisar referências de tempestades e nuvens de chuva. Trujillo encontrou imagens de uma erupção vulcânica com tempestades de raios em algum lugar da América do Sul* que serviu perfeitamente para a concepção da aparência do monstro. Uma das características mais interessantes do Monstro das Sombras é a forma em que ele ataca Will no episódio “Capítulo Quatro: Will, o Sábio” (S02E04 Chapter Four: Will the Wise), ele praticamente entra no corpo do personagem, percorrendo Will como fumaça. *Nota da autora: pela descrição do designer, o palpite é que foi a erupção de Calbuco no Chile em 2015. O Monstro das Sombras parece controlar todo o ecossistema do Mundo Invertido, já que todo ser vivo que existe na dimensão alternativa está conectado à ele. Se o monstro sente dor, todas as outras criaturas também sentem, inclusive Will, que passa a ser hospedeiro do monstro depois que ele o ataca. O monstro tem tanto interesse em Will porque ele é uma forma que ele pode usar para ter controle sobre o mundo dos humanos.

127


F OTOGRA F IA CI N E M ATO G R A PHY O diretor de fotografia Tim Ives queria há um tempo ter a oportunidade de dirigir alguma obra em um período específico da história e seu desejo realizou com Stranger Things. Ives é familiarizado com a década de 80, já que alguns dos diretores de fotografia de sua inspiração estavam no auge nessa época, como Allen Daviau e Conrad L. Hall, e diretores como Steven Spielberg e Ridley Scott. A série é filmada em resolução de 4k e esse fator excluiu algumas das câmeras que o diretor de fotografia estava acostumado a usar, mas isso não o impediu de fazer um bom trabalho. Ives testou diversas câmeras, mas optou pela Red Dragon, na qual ele já havia testado em House of Cards, também da Netflix, e feito um bom trabalho. As lentes utilizadas foram as Leica Primes, responsáveis por tons mais suaves e pela semelhança com as lentes utilizadas nos anos 70 e 80. Ives baseou a fotografia da série em filmes como E.T. - O Extraterrestre (1982) e Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977). Ambos os filmes são de ficção científica mas carregam uma sensação de realismo, justamente o que ele buscou trazer para a série. A intenção desde o início foi criar algo que parecesse que havia sido filmado lá atrás e que foi encontrado nos dias atuais, como uma fita perdida. Para isso, além dos equipamentos, ele utilizou a técnica dos contrastes de cores dos cenários internos com a luz fria do luar e, quando a cena era externa, usou sempre tons frios para deixar o tom amedrontado da série.

128


129


WESTWORLD 2016- AT UA LME N TE

130


SINOP S E Westworld é uma série estadunidense criada por Jonathan Nolan e Lisa Joy, seu primeiro episódio foi ao ar em outubro de 2016 e, no momento, a série está em fase de produção da segunda temporada. A obra é baseada no filme homônimo de 1973. A série se passa em um futuro tecnologicamente avançado e é focado em Westworld, um parque em que é possível viver aventuras e construir histórias com personagens-robôs de inteligência artificial, apelidados de anfitriões. No parque, os hóspedes (como são chamados os humanos) podem agir conforme seus desejos, sem serem punidos. É possível ferir e até matar os anfitriões (androides) que não passam de mercadoria para os visitantes. De forma fixa, os anfitriões seguem linhas narrativas programadas para cada um deles – cada um tem a sua função e história no parque. Sua programação também faz os visitantes acreditarem que aquela é a vida deles, sem terem a consciência de que fazem parte de um comércio em que são apenas produtos para a diversão e entretenimento dos humanos. Mas em como todo filme e série sobre o tema, em certo momento, os anfitriões começam a ganhar consciência sobre quem são e o que estão fazendo. É nesse momento que o plot central da série se inicia, assim como os questionamentos na cabeça de quem está assistindo. A série teve uma boa recepção na sua temporada de estreia e foi indicada a sete categorias Emmy Awards 2017, ao Globo Awards 2017 e vencendo quatro categorias do Creative Arts Emmys 2017.

FIG URINO 133 134 135

DOLORES ABERNATHY MAEVE E CLEMENTINE O SIGNIFICADO DO CHAPÉU

CE NOG RAFIA 137

NOSTÁLGICO E FUTURISTA

E FE ITOS VIS UAIS 140 141 141

ROBERT FORD JOVEM O GAROTO ANDROIDE O “ESQUELETO” ROBÓTICO

FOTOG RAFIA 142

A FOTOGRAFIA DE WESTWORLD

131


F IGU RINO CO ST UM E D E S I GN Westword é uma série bastante interessante porque une o clima do passado Velho Oeste ao clima futurístico de tecnologia e inteligência artificial. Esses temas distintos fez Ane Crabtree ter uma experiência divertida sendo figurinista da primeira temporada da série. Ane Crabtree, por vezes, era uma das poucas pessoas da equipe de produção da série que sabia dos acontecimentos futuros e, por isso, precisava ter cuidado para não contar spoilers para sua equipe e os atores. Crabtree assistiu alguns filmes de Velho Oeste, mas eles não foram a sua principal inspiração, a figurinista preferiu se inspirar na vida real, pesquisou por fotos de pessoas que viveram no Velho Oeste nos anos de 1850 a 1890, para isso, precisou pesquisar a fundo na internet por fotos que as pessoas postaram de seus ancestrais, ela afirma que isso pode soar um pouco assustador, mas os showrunners Jonathan Nolan e Lisa Joy adoraram a ideia. Para criar roupas autênticas, a equipe de Crabtree trabalhou para criar todos os trajes a partir do zero. Eles imprimiam, teciam e tingiam o próprio tecido. Todo esse cuidado e capricho refletiu nas telas e chamou a atenção dos fãs, que fez Westworld chamar atenção pelo seu figurino.

132


DOL ORES A BERNATHY EVA N R AC H E L W OOD

Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood) é a anfitriã mais antiga do parque Westworld. Na narrativa do parque, ela é uma simples camponesa que se preocupa em cuidar do pai. Seu figurino é basicamente um vestido no estilo de donzela na cor azul, uma cor que representa inocência e pureza. Os produtores também escolheram a cor azul por ser uma cor que se destaca em meio a tantos tons terrenos do ambiente Velho Oeste do parque, principalmente em cenas em ângulos amplos e expansivos em Utah, onde a terra é muito vermelha. A cor também foi bastante utilizada nos anos de 1850 a 1890. Quando Dolores passa a ter mais consciência da sua existência como anfitriã e ao mesmo a se aventurar em sua narrativa com dois hóspedes, William (Jimmi Simpson) e Logan (Ben Barnes), a personagem troca o vestido por calças, botas e camisa, além de uma arma no bolso. A mudança no figurino da personagem também serve para diferenciar duas linhas do tempo na série assim que os flashbacks começam. Quando Dolores está vestindo calças e botas, significa que a narrativa está no presente, quando ela está com os vestidos azuis, está no passado. O figurino é uma caracterização que também serve para ambientar o telespectador sobre o tempo em que a história está se passando. O único acessório que se mantém nos dois figurinos é o cinto marrom de Dolores. A personagem, então, altera entre esses dois figurinos ao decorrer da série. Por ser uma anfitriã (androide) e fazer o papel de uma camponesa no parque, não há outras variações de figurino, por enquanto. Um fato curioso sobre o vestido azul de Dolores é que a equipe de produção criou o mesmo vestido duas vezes, já que a fábrica que fornecia aquele determinado tipo de pano fechou e a equipe precisou procurar alternativas de planos e recriar um novo vestido. 133


M AEV E E CL EM ENTI NE THA N D I E N E W TO N / ANGE L A S AR AFYAN

Um dos figurinos mais elaborados da série são das anfitriãs Maeve (Thandie Newton) e Clementine (Angela Sarafyan). Na narrativa do parque, as duas personagens são prostitutas que trabalham em um bar bastante movimentado. Para se inspirar, a figurinista leu muito sobre “soiled dove” que, de acordo com ela, é um termo para prostitutas. Em seus estudos, ela observou que não havia muitas opções de empregos para mulheres no Velho Oeste, as únicas opções eram ser madame e esposa de um xerife ou ser prostituta. As roupas dessas profissionais se destacavam em meio aos tons terrosos usados pelos homens. Maeve é uma mulher forte e poderosa, a cor fuschia combina perfeitamente com a personagem e a faz se destacar no bar em que trabalha. Clementine usa azul e a cor combina perfeitamente com a cor de Maeve. As cores funcionam para as duas e dão certo ar de empoderamento. Nos episódios finais da primeira temporada, Maeve se torna uma personagem bastante intrigante, uma vez que começa a ter completa consciência sobre o seu estado de anfitriã, servindo apenas de entretenimento para os hóspedes (humanos) que chegam ao parque. Com isso, ela é a líder do início de uma revolta dos anfitriões, cliffhanger do final da primeira temporada. Nesse momento, seu figurino muda completamente, ela passa a vestir um uniforme preto, composto por calça e camisa. Esse é o figurino preferido da atriz Thandie Newton, que afirma que se sentiu como uma verdadeira Pantera Negra. Junto com Dolores, Maeve é uma das primeiras anfitriãs que começa a ter consciência sobre si mesma. Tudo começa quando a personagem passa a recordar de acontecimentos passados que, devido a reprogramação, deveria ter esquecido. 134


O SIGNIF ICA DO DO C HAPÉU TH E M E A N IN G OF THE HAT

O chapéu é um dos acessórios mais importantes em qualquer guarda-roupa de um cavalheiro, principalmente na época do Velho Oeste. De acordo com Crabtree, a decisão do chapéu preto para os bad guys (homens maus) e os chapéus brancos para os good guys (homens bons) vem de uma história antiga no Velho Oeste em que o xerife vestia sempre chapéus brancos, indicado que era um homem bom, enquanto seus inimigos vestiam chapéus pretos, indicando rivalidade e mau caráter. Crabtree afirma que a escolha dos chapéus foi bem difícil, já que nos planos amplos e extensos em meio a paisagens, o chapéu é a primeira coisa que as pessoas vêem, então era uma decisão bastante importante. Um grande exemplo disso são os personagens Logan e William. Logan é um personagem rico, perigoso e impulsivo, devido à isso, Cabtree escolheu um chapéu mais sofisticado e inspirado no estilo europeu. Já o estilo do chapéu de William era ociental e moderno, não como um herói, mas otimista e um pouco ingênuo.

“Não

podemos definir a consci-

ência porque a consciência não existe.

Os

h u m a n o s ac h a m q u e

h á a lg o d e e s p e c i a l n a f o r m a como entendemos o mundo, e a i n da a s s i m v i v e m o s e m c í r c u l o s , t ã o a p e r ta d o s e f e c h a d o s q u a n to os anfitriões, raramente questionando nossas escolhas, s at i s f e i t o s , e m s u a m a i o r pa r t e , a sermos informados sobre o q u e fa z e r e m s e g u i da .”

ROBERT FORD, S01E08.

135


C ENOGRA F IA SE T D E S I G N Zack Grobler, também designer de produção de Lost, assumiu a produção da série no segundo episódio, após Nathan Crowley ter cuidado do episódio piloto. Seu desafio foi criar uma estética única: Westworld precisaria ser uma série nostálgica e, ao mesmo tempo, futurista. Duas características completamente distintas, mas que Grobler conseguiu casar muito bem, já que criou um ambiente tão realista que, por vezes, os telespectadores até esqueciam que os personagens estavam dentro de um parque. O designer afirma que o design é fundamental em Westworld, uma vez que a série trata sobre um futuro distópico onde as pessoas podem se aventurar em uma espécie de parque de diversões com a temática do Velho Oeste. O preço do parque é alto e, portanto, Grobler depositou em si mesmo e em sua equipe construir um visual que esteja à altura do proposto pelo parque, o ideal do Velho Oeste em que as pessoas se sintam como Clint Eastwood. O ambiente do Velho Oeste do parque foi criado em um set da Melody Ranch, um clássico estúdio usado como set para filmes com temática do Velho Oeste, como por exemplo o famoso filme do diretor Quentin Tarantino, Django Livre (2012).

136


N OSTÁ L GICO E FUTURI STA N O STA LG IC A ND FU TU R I STI C

Mandi Dillon, supervisora de locação, diz que precisou de senso de humor, de questionamentos e de aventura para trabalhar na série e procurar as melhores locações para uma trama de ficção científica com o Velho Oeste. Mandi explorou mais de 200 locais para a primeira temporada e, no fim, acabou apenas com 30 locais na Califórnia e 12 em Utah. O desafio de Westworld, para Nolan, foi que o lugar não era real, não tinha como se inspirar e basear em nada que já existisse. O showrunner se perguntou diversas vezes o que faria as pessoas pagarem tão caro para ir para o parque, “o que supostamente o parque deveria fazer

elas sentirem?” Essas perguntas auxiliaram na criação do parque na mente do casal Jonathan Nolan e Lisa Joy. O LABORATÓRIO O laboratório de Westworld e toda a sua sala de manutenção do parque foi criado e filmado no Pacific Design Center, localizado no Oeste de Hollywood. De acordo com a equipe de produção, esse foi o cenário que mais deu trabalho, já que o local é um centro comercial de verdade e a equipe precisou cobrir cerca de 182 metros de fachadas de lojas. 137


E F E ITOS V ISUA IS V IS UA L E FFE CTS Como toda série com aspectos de ficção científica, os efeitos visuais são essenciais na série de Jonathan Nolan e Lisa Joy. Jay Worth, supervisor de efeitos visuais, contou com a agência ILP (Important Looking Pirates) para criar os efeitos em CGI da obra. Bobo Skipper, supervisor da ILP, afirma que os maiores desafios de sua equipe incluíram criar a versão nova de Anthony Hopkins no episódio “O Cravo Bem-Temperado” (S01E09 - The Well-Tempered Clavier), um maquinário de construção inteiro em computação e o menino androide que revela seu rosto mecânico. Mas não só de efeitos visuais visíveis que Westworld é feita, há também os famosos efeitos visuais “invisíveis”, como as estações de trem futurísticas e as visões panorâmicas de trens percorrendo a imensidão do Velho Oeste. A criação do corpo dos androides também foi um grande desafio, já que Jay Worth e Jonathan queriam fazer algo original, que eles nunca tenham visto antes. Tanto que quando a imagem dos androides se aproximava de algo como O Exterminador do Futuro, eles se esforçavam para fazer de novo e se aproximar mais com a identidade da série. Os softwares utilizados para fazer a mágica acontecer foram Autodesk Maya, Shotgun e Arnold Renderer.

138


A abertura da série também chama bastante atenção pelos efeitos especiais e pela sua originalidade: nela, podemos ver cenas de como os androides são criados. A música tema da série ao fundo, criada por Ramin Djawadi, traz um ar artístico e teatral para a abertura. Os storyboards e os modelos em 3D foram criações do designer de animação Jerad Marantz.

139


R O B E RT F O RD JOVEM YO UN G R O BE RT F OR D

Criar um efeito visual de substituição e rejuvenescimento de rosto para um ator tão famoso quanto Anthony Hopkins certamente foi uma grande responsabilidade para a agência ILP. O primeiro passo para a criação da versão jovem do Dr. Robert Ford, que aparece em forma de flashback, foi escanear o rosto real de Hopkins. Com a imagem escaneada, foi possível criar uma versão digital do rosto do ator com todos os seus detalhes faciais. O intuito era rejuvenescer o personagem cerca de 40 anos e, para isso, a equipe buscou por fotos de Hopkins quando mais novo e, depois, utilizou um equipamento baseado no método de Facial Action Coding System (FACS) (técnica utilizada nas animações para capturar as expressões reais da face humana) para rejuvenescer o personagem sem perder suas expressões faciais. Na cena original, o ator que interpretou o jovem Ford (não foi Anthony Hopkins) teve a sua cabeça removida pelo 140

time de efeitos visuais, deixando somente o seu cabelo intacto que, posteriormente, foi colocado acima da cabeça digitalizada. Houve todo um cuidado para o cabelo do ator encaixar perfeitamente com a cabeça digitalizada de Hopkins. O processo foi trabalhoso, mas resultou em uma das melhores cenas de efeitos visuais da televisão americana.


O GA R OTO A ND ROI DE R O BOT BOY

No episódio “O Adversário” (S01E06 - The Adversary) Robert Ford visita o ambiente que criou para relembrar a sua infância e família. O programador construiu uma casa idêntica a que ele cresceu, com membros da sua família em versão androide vivendo ali dentro, incluindo ele mesmo. O episódio é interessante pois mostra o garoto que representa Ford abrido o rosto e revelando um crânio robótico. Para tanto, a equipe da ILP criou uma versão digital da cabeça do garoto e modelou o crânio com toda a mecânica dentro dele. O cabelo do garoto foi um empecilho durante a produção, por fim, a equipe resolveu recriar o cabelo todo digitalmente. Quando o rosto do garoto está “fechado”, o time misturou algumas cenas do rosto real do ator e, quando o rosto se abre aos poucos, transitaram completamente para a versão digital do garoto.

O “ E SQU EL ETO ” ROBÓTI CO TH E R O BOT I C “S K E L E TON ” Na cena de abertura da season finale da primeira temporada “A Mente Bicameral” (S01E13 - The Bicameral Mind), Dolores aparece com a sua estrutura robótica a mostra. A atriz Evan Rachel Wood gravou a cena com uma roupa em azul que, na pós-produção, foi substituída pelas partes mecânicas da personagem. Além de criar e animar seu corpo robaótico, a equipe também projetou toda a pele da personagem abaixo do pescoço. Foi feito muito esforço para modelar e manipular os movimentos da atriz para que casassem perfeitamente com os movimentos do computador. 141


F OTOGRA F IA CI N E M ATO G R A PHY Paul Cameron teve a responsabilidade de ser o diretor de fotografia do episódio “Piloto” (S01E01 - Pilot), o primeiro episódio da série que automaticamente define uma estética para o show. A primeira escolha foi filmar em filme analógico, depois, como dar para a série um tom cinematográfico. O diretor de fotografia justifica sua escolha por filmar analogicamente com a Kodak de 35mm devido a obra possuir muitas cenas externas e o filme funciona melhor em locais externos, além de lidar melhor com contrastes e ser a melhor opção para a correção de tons de cores. Cameron não se inspirou no filme original, Westworld, de 1973, mas sim em filmes como 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), Blade Runner (1982) e Alien (1979). Robert McLachlan, diretor de fotografia que trabalhou em Game of Thrones (conferir página 94), também fez parte da equipe da primeira temporada da série. Seu trabalho foi criar uma estética visual que unificasse os dois mundos completamente diferentes. Assim como em Game of Thrones, McLachlan definiu temperaturas diferentes para os dois mundos distintos, as cenas no parque temático de Velho Oeste possuíam tons quentes e luz natural do Sol ou de velas, enquanto as cenas do interior da sala do laboratório de operações, tem tons mais frios e luzes artificiais em neon. Dentre os diretores de fotografia que passaram pela primeira temporada, Cameron e McLachlan se destacaram ao criar uma estética forte e presente para a série.

142


143


THE HANDMAID’S TALE 2017- AT UA LME N TE

144


SINOP S E The Handmaid’s Tale é uma série criada por Bruce Miller e inspirada no livro homônimo de Margaret Atwood lançado em 1985. A série é exibida pela a plataforma de streaming Hulu e o seu enredo se passa em um futuro distópico. Os Estados Unidos se tornaram a República de Gilead, governada por um fundamentalismo religioso baseado nas leis do antigo testamento, retirando os direitos das minorias e das mulheres, principalmente. Devido à poluição e à doenças sexualmente transmissíveis, as mulheres passaram a se tornar inférteis e, assim, a taxa de fertilidade caiu drasticamente no mundo todo. Com o intuito de restaurar a taxa de fertilidade, o governo totalitário criou um sistema que recruta as poucas mulheres que ainda são férteis e as transformam em “handmaids” (servas). Elas perdem completamente seus diretos e se tornam propriedades do estado, onde a única função é procriar para famílias de homens poderosos e suas esposas estéreis. As novas funções se dividem em: handmaids (servas), Marthas (empregadas domésticas), Tias (professoras da doutrina para as Handmaids), Esposas dos Comandantes e as Não-Mulheres (inférteis e pobres, mandadas para morrer em zonas químicas). A série traz uma trama pesada e assustadora, já que a narrativa não se passa em um futuro tão distante e nos faz pensar em como nossa sociedade é estruturada atualmente e como poderia ficar caso houvesse uma mudança drástica como acontece na ficção. Já no ano de sua estreia, a série conquistou seis estatuetas do maior prêmio da televisão americana, o Emmy Awards 2017, sendo um deles como “Melhor Série de Drama”.

FIG URINO 147 148 149

AS HANDMAIDS AS ESPOSAS TIA LYDIA

CE NOG RAFIA 151 152 153

A CASA DOS WATERFORD O QUARTO DE OFFRED MERCADO

E FE ITOS VIS UAIS 154

EFEITOS VISUAIS INVISÍVEIS

FOTOG RAFIA 156 A FOTOGRAFIA DE THE HANDMAID’S TALE

145


O F IGU RINO CO ST UM E D E SI GN Ane Crabtree foi escolhida para ser a responsável pela definição das cores tão marcantes dos figurinos da temporada de estreia de The Handmaid’s Tale. A designer também trabalhou em Westworld (ver página 132) quase simultaneamente com a criação das vestimentas de The Handmaid’s Tale. O ponto positivo dos dois trabalhos ao mesmo tempo foi que as duas séries se passam em futuros distópicos, mas ainda assim, dão a sensação de que a trama pode vir a acontecer e é aí que entra o realismo dos figurinos da designer. A cor tem extrema importância nas vestimentas das personagens, uma vez que a série está ambientada em uma realidade que a cor da roupa da mulher define em qual posição da sociedade ela está. Por exemplo, a cor vermelha das handmaids indica fertilidade, as esposas dos comandantes, em oposição, vestem azul, cor associada à pureza e à Virgem Maria. Como a série é baseada no livro homônimo de Margaret Atwood, as cores das vestimentas de cada núcleo de personagem já estavam definidas, entretanto Crabtree precisou transformar todos os significados das cores descritas no livro em algo completamente visual, em tons de vermelho e azul que comunicam por si só.

146


AS HA NDMA IDS TH E H A N D M A I D S

As handmaids, únicas mulheres férteis de Gileade, se vestem com um vestido longo e fechado que se assemelha a vestimentas de cultos religiosos. O tom de vermelho é bem específico e a figurinista o escolheu ao observar uma mancha de tinta no chão do estúdio que usava para criar os figurinos. A cor vermelha na série e nos figurinos das handmaids representa a fertilidade e o sangue menstrual, além de ser uma cor que se contrasta muito com o ambiente monocromático de Gileade. De acordo com Crabtree, a produção queria que as personagens caminhassem pelas ruas deixando uma linha vermelha na paisagem opaca da cidade. Apesar de todas usarem o mesmo vestido, os tons de vermelho podem variar, já que Crabtree queria passar a impressão de que algumas estavam lá há mais tempo do que outras. Ela também adicionou alguns detalhes - como acessórios e o modelo do decote do vestido - para diferenciar as personagens e mostrar que apesar de serem tratadas como se fossem gados, cada uma ainda possuía a sua identidade.

147


AS E SP O SAS S E R E N A J OY - Y VON N E STR AHOVS K I

O figurino das esposas dos comandantes, especialmente de Serena Joy (Yvonne Strahovski), foi a opção que Crabtree teve mais liberdade para criar, já que as vestimentas não precisavam ser tão rígidas e sóbrias como as das handmaids e das tias. As roupas das esposas eram as únicas que tinham costuras finas e maior qualidade, como se tivessem sido feitas especialmente para elas, enquanto as roupas das tias e das handmaids foram feitas em fábrica, detalhes utilizados pela figurinista para demonstrar a diferença social entre as classes. A cor azul das esposas faz contraste direto com o tom de vermelho das handmaids, esse contraste fica interessante na tela e auxilia o diretor de fotografia a criar uma composição harmônica (ver página 156). A cor também contrasta com os figurinos dos comandantes, que geralmente usam preto, cor que Crabtree relacionou diretamente com o poder, já que o preto absorve todas as outras cores, então, quanto mais escura a roupa fosse, mais poder a pessoa tinha.

148


T IA L Y DIA AU N T LY D I A - AN N D OW D

O uniforme das tias, responsáveis por ensinar e cuidar de forma rigorosa de todas as handmaids, foi baseado em um esboço das vestimentas de um padre que Crabtree observou em sua viagem para Milão. O esboço do padre não surgiu na cabeça da figurinista por acaso, ela queria que as tias, especialmente Lydia (Ann Dowd), a coordenadora principal, tivessem e passassem a mesma autoridade que um padre, já que a sua função era ensinar e educar as servas, de forma que fossem punidas caso saíssem da linha. A cor verde militar, inspirada nos militares britânicos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), também foi escolhida pensando em transmitir a imagem de que elas eram mulheres poderosas em Gileade e que deveriam ser respeitadas. A figurinista também usou como referência o seriado americano Maude, de 1972. Na parte interna do uniforme, ela ainda adicionou bolsos grandes e escondidos onde as tias poderiam guardar os prods que usavam contra as handmaids.

149


C ENOGRA F IA S E T D E S IG N Com o objetivo de criar toda uma nova realidade e retratar a República de Gilead de forma um pouco assustadora, Julie Berghoff foi a escolhida para ser designer de produção da série. Seu trabalho geralmente é em filmes, no seu currículo estão filmes como Jogos Mortais e Invocação do Mal, ambos filmes de terror, então Berghoff possuía bagagem para criar uma atmosfera intimista e assustadora como pede o roteiro da série. Julie esteve em constante contato e colaboração com a diretora Reed Morano, a figurinista Ane Crabtree, os produtores e o departamento de arte para trazer a realidade totalitária de Gilead para a televisão, a escritora Margaret Atwood também fez parte da equipe da série como supervisora de produção e ajudou Berghoff nesse processo de traduzir o livro em uma obra audiovisual. A designer só começou a definir os cenários da série depois que a figurinista Ane Crabtree definiu as cores para as roupas dos personagens, já que ela queria criar uma paleta de cores que combinasse com os figurinos dos personagens, para que formasse uma composição visualmente harmônica. Por exemplo, no quarto da Serena Joy, Berghoff aplicou vários testes de cores de tintas para garantir que as paredes combinasse com o tom azul-pavão das vestimentas das esposas dos comandantes. Ela também foi proibida de usar vermelho de qualquer tom nos cenários, já que o tom de vermelho dos vestidos das servas precisavam se destacar completamente em qualquer ambiente.

150


A CASA DO S WATERFORD TH E WAT E R FO RD HOU S E

A família Waterford é uma das mais ricas da série. O Comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes) tem forte influência na política de Gilead pois foi um dos responsáveis por estabelecer a república. O seu poder é expressado em sua residência, então Berghoff precisou encontrar uma casa grande que fosse de acordo com o status social do comandante. A equipe descobriu uma casa vitoriana em uma colina em um subúrbio de luxo. A arquitetura da casa era bastante luxuosa e se encaixou perfeitamente com a concepção que Berghoff tinha sobre a casa dos Waterford, o ambiente que mais aparece na série. A arquitetura tradicional da casa reflete a rejeição do regime de Gilead aos valores modernos, a diretora Morano e a designer Berghoff imaginaram que a casa teria sido assumida pela família Waterford logo depois que o regime totalitário tomou poder do governo dos EUA, assim como aconteceu na Segunda Guerra Mundial, quando os nazistas aprenderam os bens e as casas de pessoas inocentes. Apenas algumas cenas foram filmadas dentro do ambiente verdadeiro da casa, a maioria foi em cenários construídos e adaptados para a arquitetura da casa e de acordo com a descrição no livro. Os quartos são cheios de papéis de parede, flores, objetos e pinturas caras, detalhes que explicitam a posição privilegiada do comandante. A designer colocou quadros caros nas paredes para demonstrar que eles poderiam ter ido aos museus e roubado seus quadros preferidos, a maioria sendo do pintor Monet, uma vez que Serena Joy é aquarelista. Há também quadros de flores em aquarela que a personagem pintou nas vezes que ficou inspirada com a expectativa da chegada de um bebê por parte de Offred. Todos esses detalhes demonstram ainda mais o privilégio da família Waterford, já que qualquer forma de expressão artística, visual e verbal, é proibida no novo regime.

Berghoff cuidou até dos detalhes dos tetos dos cenários, ela se inspirou em tetos renascentistas italianos para os quartos privados nos Waterford.Na sala do comandante, a designer colocou um mapa dos Estados Unidos no teto, com a intenção do personagem olhar para cima e observar os territórios que já adotaram o regime e os que ele ainda pretendia conquistar. Os mapas também são uma forma de mostrar que o regime despreza a tecnologia. 151


O QUARTO DE O FFRED OFFRED’S ROOM

A história da série é centrada na personagem Offred (Elisabeth Moss), serva da família Waterford. Offred passa a maior parte do tempo em seu quarto, um ambiente que reflete muito bem o seu estado de espírito e o pesadelo em que ela se encontra. Seu quarto é pintado de um tom muito branco, que lembra as paredes de um sanatório. A cor branca do ambiente também ajuda a realçar a cor vermelha de seu uniforme. O quarto não possui muitos imobiliários, apenas uma cama, lâmpadas, mesas e uma pia de banheiro. O ambiente, inclusive, é cheio de detalhes que remetem a vida que Offred perdeu, a mesa vazia virada para a parede, acompanhada de uma cadeira, traz a memória da sua antiga profissão como escritora, algo que ela não pode mais exercer, já que as mulheres estão proibidas de ler e escrever. Em cima da pia, a designer colocou uma mancha em formato de espelho, para dizer que anteriormente havia um espelho ali, mas foi removido porque as servas não podem se olhar no espelho e ter qualquer tipo de vaidade. A porta do quarto não tem fechadura e não há nada no ambiente que a personagem possa usar para se ferir, já que a handmaid anterior não suportou a nova realidade do regime e suicidou-se. Berghoff teve cuidado com as texturas das paredes do quarto da personagem, já que ela passaria bastante tempo lá dentro. Ela utilizou um tipo de papel de parede elíptico e rebocou por cima, assim, quando Offred toca as paredes, é possível enxergar toda a textura. A designer cuidou para que o chão parecesse mais antigo e que os passos da atriz fizessem eles rangir, o que dá a sensação uma sensação incômoda de abandono e isolamento. Sentimentos relacionados à personagem. 152


M E RCA DO G R O C E R Y S H OPPI NG

Uma das poucas atividades que as handmaids ainda são permitidas de exercer é a ida ao supermercado para comprar suprimentos para a casa de seus comandantes. O supermercado foi um dos cenários que mais deu trabalho para o departamento de arte, já que ele foi inteiro construído do zero, prateleira por prateleira. O interessante é que a equipe precisou criar rótulos para os produtos sem usar frases, apenas iconografias (observar figura do leite à direita), já que a leitura em Gilead é proibida para as mulheres. Os rótulos também não poderiam ter marcas, apenas ícones comunicando de qual alimento se trata. Para a designer, o supermercado se tornou como uma forma de entender a narrativa da história. Por exemplo, se tivesse laranjas disponíveis, significava que a República de Gilead conquistou a Flórida (região que mais produz laranja dos EUA). Conforme a série se desenvolve, diferentes produtos passam a fazer parte das prateleiras e isso demonstra a propagação e a influência do poder do novo regime nos EUA. Berghoff trabalhou junto com a equipe de design gráfico para criar todos os rótulos apenas com ícones dos produtos nas prateleiras. Eles também tomaram o cuidado de deixar alguns espaços vazios, como aconteceu nas décadas de 40 e 50, onde as prateleiras dos mercados não eram tão cheias quanto hoje. A ideia foi passar que apenas produtos naturais e orgânicos estariam nos mercados, já que uma das filosofias do novo regime é que a superprodução de alimentos industrializados estaria matando o planeta. A semelhança do supermercado da série com ambientes atuais é um aspecto que torna a série ainda mais perturbadora. A atriz Samira Wiley, que interpreta a handmaid Moira, afirma que a aparência do supermercado assusta porque retrata fielmente o mundo em que estamos vivendo. 153


E F E ITOS V ISUA IS VIS UA L E FFE CTS Brandon Taylor, supervisor de efeitos especiais, trabalhou na série com o que chamamos de “efeitos invisíveis”: cenários, lugares e objetos que usam CGI, mas que não deixam isso claro, pelo contrário, o telespectador nem desconfia que houve efeito digital ali. Seu principal trabalho foi na cena da demolição da Igreja Católica de São Paulo, em Cambridge, Massachusetts, no segundo episódio “Birth Day”. Na narrativa, a igreja foi destruída pelo o novo regime, que derrubou várias instituições no país para iniciar a doutrinação da República de Gilead. Brandon sentou com a designer de produção, Julie Berghoff, para discutirem maneiras de abolir a igreja, uma das primeiras ideias foi utilizar uma bola de demolição, mas por razões de orçamento e pelo contexto da cena, em que duas handmaids estão conversando sobre a igreja, a ideia foi deixada de lado e, no fim, optaram por usar como modelo uma igreja em Hamilton, Ontario, que estava em processo de demolição como base para inserir os efeitos visuais. No fim, a equipe criou uma espécie de catedral, bem maior do que a igreja que serviu de modelo, mas Brandon acreditou que fez a escolha certa, já que a intenção da diretora, Reed Morano, era demonstrar com certa melancolia uma instituição dos EUA antigo desmoronando na frente de duas personagens que faziam parte daquilo.

154


Outra cena que contou com efeitos visuais foi a cena marcante da personagem Janine (Madeline Brewer) que cogita se jogar de uma ponte com o seu bebê nos braços, no episódio “A Ponte” (S01E09 - The Bridge). A equipe precisou aumentar o tamanho da ponte e remover os galhos de árvores ao fundo, para deixar a cena mais limpa possível.

155


F OTOG RA F IA CI N E M ATO G R A PH Y Colin Watkinson criou a estética da série com a colaboração de Reed Morano, diretora dos três primeiros episódios, que atua como diretora de fotografia em outras obras audiovisuais. Portanto, Reed foi uma figura importante para auxiliar Colin a definir o tom intrigante de The Handmaid’s Tale. Watkinson e Morano escolheram uma lente especificamente para as cenas de close-ups da personagem Offred, a Zeiss 2.1 de 28mm, enquanto a maior parte da série foi filmada com a lente Canon K-35S, em uma câmera Arri Alexa Mini. A lente Zeiss permite uma profundidade de campo superficial (apenas a região em que a lente foca fica nítida, enquanto todo o resto fica embaçado), técnica que foi utilizada durante a série toda, tanto para demonstrar o ponto de vista de Offred quanto para criar a atmosfera de Gilead. Watkinson gostou de explorar os feixes de luzes naturais em ambientes escuros na série, como se fosse um fio de esperança entrando em um mundo sombrio. Os enquadramentos inspirados em Stanley Kubrick, o plano zenital ou bird’s-eye-view em inglês (quando a câmera é posicionada acima do objeto e temos a sensação de observar a cena de cima), a paleta de cores suave e a profundidade de campo superficial (shallow focus) trouxeram para The Handmaid’s Tale uma das estéticas mais bonitas das séries atuais.

156


157


M EU S AGRA DECIM ENTOS

Quando eu pensava sobre o TCC eu sempre tinha uma certeza em mente: eu queria fazer algo físico, algo que eu pudesse pegar nas mãos e ao mesmo tempo que fosse um resumo do que eu gosto e do que sou. Na primeira reunião que eu tive com o meu orientador, ele me disse que a vida é muito curta para a gente não fazer o que gosta. Aquela frase ecoou na minha cabeça por alguns dias e me motivou a querer escrever esse livro, por mais que eu tinha consciência de quão curto o prazo seria - cinco meses. Conforme eu estudava e escrevia o livro, eu tentei colocar um pouco do que eu vi nesses quatro anos de graduação e fui percebendo que esse produto é um resumo do que eu quero ser profissionalmente: ele tem design, jornalismo, fotografia e audiovisual. Escolher séries que eu já tinha um carinho para poder estudar a fundo foi um pulo certeiro, aliar esse conteúdo à comunicação visual e ao design editorial foi mais certeiro ainda. Mesmo que eu tenha ficado estressada por ter que conciliar estágio com o projeto

158

e ter perdido algumas boas horas de sono, eu não senti que estava fazendo um sacrifício, pelo contrário, eu senti que estava fazendo o que eu mais gostava: produzir conteúdo sobre entretenimento, na forma textual e visual. Depois de todos os estudos, as pesquisas, as dúvidas e os aprendizados, eu posso dizer que me encantei ainda mais pelo mundo das séries de televisão. Aprendi também que eu nunca mais vou reclamar da demora das estréias das próximas temporadas das séries que assisto porque agora eu sei o quanto produzir um produto audiovisual para televisão dá trabalho. Ao finalizar esse livro, eu posso dizer com orgulho que consegui fazer tudo da forma que eu queria. Valeu à pena todas as preocupações e noites mal dormidas que tive. E claro, só consegui fazer esse livro em praticamente quatro meses porque tive pessoas incríveis ao meu lado. Agradeço à minha mãe, por sempre acreditar em mim e me dar o apoio necessário para tudo na vida. Sem ela, eu não seria metade do que sou. Agradeço ao meu namorado, João Pedro Fávero, que esteve comigo


pacientemente nos momentos que eu achei que não daria tempo de entregar o livro e ainda fez a revisão do texto inteiro. Você é demais. Agradeço ao meu orientador, Prof. Francisco Rolfsen Belda, por ter acreditado no meu projeto desde o início e por sempre estar à prontidão para esclarecer minhas dúvidas. Agradeço aos meus amigos de Araçatuba e de Bauru, por estarem interessados no projeto e me apoiarem em tudo, vocês são incríveis. Agradeço à você que está lendo, seja meu colega de classe, amigo da internet ou apenas interessado em séries de TV: obrigada por tirar um tempinho para conferir esse livro. Significa muito para mim. A vida é mesmo muito curta para a gente não fazer o que a gente gosta. Felizmente, eu fiz o que gosto. E fiz com amor. Esse livro é o resultado disso.

MUITO OBRIGADA! Bruna Hirano

159


PRINCIPA IS T E RMO S Confira os termos que mais aparecem no livro e seus significados:

160

Background: história/plano de fundo, contexto.

Mood boards: é um tipo de quadro com colagens de

Bird’s-eye-view: ângulo em que a câmera é posicionada acima

imagens que podem servir de inspiração.

do objeto e temos a sensação de observar a cena de cima.

Plots: é o conjunto das ações executadas pelas persona-

Câmera handheld: câmeras que podem ser seguradas à mão

gens numa ficção.

que possibilitam maior flexibilidade e opções de ângulos.

POV shots: plano em fotografia que retrata o ponto de

CGI (Computer-Generated Imagery): imagens geradas por

vista de um personagem ou objeto.

computador, são os efeitos visuais criados por computador.

Script: o roteiro.

Chroma key: é uma técnica de efeitos visuais, que consiste

Season finale: é o episódio final da temporada da série

em colocar uma imagem sobre um cor padrão pré-definida,

que ainda terá continuação.

geralmente o verde.

Series finale: é o último episódio definitivo da série.

Cliffhanger: recurso utilizado para deixar o telespectador na

Set: composição do cenário.

expectativa para o próximo episódio ou temporada. Normal-

SFX: sigla para efeitos especiais.

mente o episódio termina com uma situação bombástica.

Showrunner: o criador da série, a pessoa que tem autori-

Close-up: plano que se aproxima muito do objeto e/ou

dade criativa geral e responsabilidade de gerenciamento

personagem. Plano fechado.

do aspecto geral de uma série de televisão.

Facial Action Coding System (FACS): técnica utilizada nas

Sketch: espécie de esboço de desenhos que normalmente

animações para capturar as expressões reais da face humana.

são feitos antes de iniciar uma produção.

Flashback: recurso narrativo em que é mostrado algum

Storyboards: são quadros de ilustrações em sequência

evento no passado.

com o propósito de pré-visualizar uma cena.

Flashsideways: recurso narrativo que mostra eventos que

Straw filter: tipo de filtro para a lente da câmera de tons

acontecem em uma realidade paralela.

quentes e saturados.

Matte painting: técnica de pintura realista que serve para

VFX: sigla para efeitos visuais.

criar cenários grandes, como paisagens, por exemplo. É

Wide shots: plano em fotografia que é possível filmar

inserido na obra usando o chroma key.

grandes espaços, como paisagens.


REF E RÊNCIAS E C RÉDITO S CONCEITOS 7: AMC - foto promocional 10: Ane Crabtree / HBO - foto promocional. 12: AMC - site oficial / Agência ILT. 16: Hulu - foto promocional / AMC screenshot. LOST 18: ABC - fotos promocionais. 20-21: The Community - Pop Culture Geek. 22: ABC. 24: ABC - screenshot / Chris Trentham. 25-26: Zack Glober. 27: ABC - screenshot. 28: Lost: Messages from the Island: The Best of The Official Lost Magazine. 29: ABC - site oficial. 30-31: - AMC - screenshots. 32: ABC - screenshot. 33: DVD Lost - primeira temporada screenshot / ABC - screenshot. 34-37: Art of VFX - site. 38-39: ABC - screenshots. BREAKING BAD 40: AMC - fotos promocionais. 43-45: AMC - fotos promocionais e screenshots. 46: Breaking Bad: The Official Book. 47: Breaking Bad: The Official Book / AMC - screenshots. 48-49: AMC - screenshots. 50-51: FX Guide - site. 52-56: AMC - screenshots. SONS OF ANARCHY 58: FX - foto promocional. 60: FX - site. 61: FX - screenshot. 62: FX - fotos promocionais - stills de episódios. 62: FX - fotos promocionais. 64-65: Sons of Anarchy: The Official Collector’s Edition. 66: Entertainment Weekly - revista. 67: Sons of Anarchy: The Official Collector’s Edition / Entertainment Weekly - revista. 68-69: FX - screenshots.

GAME OF THRONES 72: Michele Clapton. 74: Game of Thrones. Por Dentro da Série da HBO. Terceira e Quarta Temporada. 75: HBO - still do episódio. 76: Game of Thrones. Por Dentro da Série da HBO. Terceira e Quarta Temporada. 77: HBO - foto promocional / Michele Clapton. 78: HBO - foto promocional / Game of Thrones. Por Dentro da Série da HBO. Terceira e Quarta Temporada. 79-81: HBO - foto promocional / Michele Clapton. 82-83: Deborah Riley / HBO - foto promocional / Game of Thrones. Por Dentro da Série da HBO. Terceira e Quarta Temporada. 84-85: HBO - foto promocional / Game of Thrones. Por Dentro da Série da HBO. Terceira e Quarta Temporada. 86-89: HBO - foto promocional / HBO screencaps. 90-91: Pixomondo. 92: Blueberry. 93: Pixomondo. 94: Making Game of Thrones - site. 95-99: HBO - screencaps. HANNIBAL 100: NBC - imagens promocionais. 102-103: NBC - imagens promocionais / NBC - still do episódio. 104: Patti Podesta. 105-106: Patti Podesta / NBC - screenshots. 107: The Art and Making of Hannibal: The Television Series / NBC - screenshot. 108-111: NBC - screenshot / NBC - site. STRANGER THINGS 112: Netflix - foto promocional. 114: Netflix - foto promocional. 115: Netflix - foto promocional / Kimberly Adams-Galligan. 116-117: Netflix - foto promocional / Netflix - stills dos episódios. 118: Netflix - foto promocional / Kimberly Adams-Galligan. 119: Netflix - foto promocional.

120: Netflix - foto promocional / Floor Plan Croissant. 121: Netflix - screenshot. 122: Netflix - screenshots / Chris Trujillo. 124: Netflix - screenshot. 125: Spectral Motion. 126-129: Netflix - screenshots. WESTWORLD 130: HBO - fotos promocionais. 132: Claire Hummel. 133: HBO - fotos promocionais. 134: HBO - stills dos episódios 135: HBO - fotos promocionais. 136: HBO - screenshots / Evan Rachel Wood. 138: ILP (Important Looking Pirates). 139: Jerad Marantz. 140-141: HBO - screenshot / ILP (Important Looking Pirates). 142-143: HBO - screenshots. THE HANDMAID’S TALE 144: Hulu - fotos promocionais. 146-149: Hulu - fotos promocionais / Ane Crabtree. 150-153: Hulu - fotos promocionais. 154-155: Brandon Taylor. 156-157: Hulu - fotos promocionais. LIVROS Arte em Cena. A Direção de Arte no Cinema Brasileiro - Vera Hamburguer. Game of Thrones. Por Dentro da Série da HBO. Terceira e Quarta Temporada - C. A. Taylor. Game of Thrones. Por Dentro da Série da HBO. Primeira e Segunda Temporada Bryan Cogman. Sons of Anarchy: The Official Collector’s Edition - Tara Bennett. The Art and Making of Hannibal: The Television Series - Jesse McLean. Breaking Bad: The Official Book - David Thomson. Designing for Screen: Production and Art Direction Explained - Georgina Shorter. Lost: Messages from the Island: The Best of The Official Lost Magazine - Titan Books.

161



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.