TCC HQs x Arte - Uma análise comparativa sobre o uso das HQs na educação em arte

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Sérgio Bruno dos santos Leite

HQs X ARTE Uma análise comparativa sobre o uso das HQ’s na educação em Arte



SÉRGIO BRUNO DOS SANTOS LEITE

HQs x ARTE Uma análise comparativa sobre o uso das HQs na educação em Arte. Produção Artística Estética de Graduação apresentada ao Curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem, da Universidade da Amazônia, como requisito parcial e final para obtenção dos graus de licenciado e bacharel, orientado pela Profª. MS. Sâmia Batista.

BELÉM 2012


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sheila Monteiro CRB2 859

741.5 L583h

Leite, Sérgio Bruno dos Santos. HQS x Arte: uma análise comparativa sobre o uso das HQS na educação em arte / Sérgio Bruno dos Santos Leite. - Belém, 2012. 99 f.; il.: 12,5 x 12,5 cm.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade da Amazônia, Centro de Ciências Exatas e Tecnologia - CCET, Curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem, 2012. Orientadora: Profª. MSc. Sâmia Batista.

1. História em quadrinhos - educação. 2. Arte educação. I. Batista, Sâmia. II. Título.


SÉRGIO BRUNO DOS SANTOS LEITE

HQs x ARTE Uma análise comparativa sobre o uso das HQs na educação em Arte. Produção Artística Estética de Graduação apresentada ao Curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem, da Universidade da Amazônia, como requisito parcial e final para obtenção dos graus de licenciado e bacharel, orientado pela Profª. MS. Sâmia Batista. Banca Examinadora Profª. MSc. Sâmia Batista – UNAMA (orientadora) ___________________________________________ Prof. M.Sc. Jorge Leal Eiró da Silva – UNAMA ___________________________________________ Prof. Otoniel Lopes de Oliveira Junior – FEAPA ___________________________________________ Conceito: ______________ Belém (PA), ___/___/_____


Dedico este trabalho à minha mãe, Maria Edileusa dos Santos Leite e ao meu irmão Emídio Henrique dos Santos Leite, que juntos, foram os maiores incentivadores desta graduação e sem eles nada disso teria acontecido.


AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente à minha mãe, Maria Edileusa, aos meus irmãos Emídio Leite e Paulino Leite a meu Pai, Sérgio Emídio Torres Leite, que sempre estiveram presentes em todas as incursões e empreitadas às quais os convidei durante o curso, bem como meus amigos Fernando Lima, Mayara Gonzales, Caio Emerique e Victor Sinimbú. Aos parceiros dessa jornada e companheiros de coletivo Marise Maués, Pedro Rodrigues e especialmente Carolyne Lisboa, companheira de todas as horas. Aos professores que foram e são referências primordiais para mim, Neder Charone, Marisa Mokarzel, Janice Lima, Ana Del Tabor, Jorge Eiró, Sâmia Batista, Sanchris Santos, Renata Maués e Mariano Klautau. Agradeço também a Sonia M-Bibe-Luyten, Waldomiro Vergueiro e Paulo Ramos. Que foram o meu porto seguro da pesquisa em histórias em quadrinhos no Brasil, e me fizeram ter vontade de pesquisar histórias em quadrinho de forma acadêmica. Dando-me o anseio de contribuir para um crescimento dos conteúdos acadêmicos relacionados às histórias em quadrinhos no país.


“Arte não é apenas básico, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente de palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como conteúdo, Arte representa o melhor trabalho do ser humano.” Ana Mae Barbosa


RESUMO A presente pesquisa trata dos aspectos educacionais que as histórias em quadrinhos podem evocar, concomitante a isso, se busca verificar como esta linguagem pode ser usada para tratar de conteúdos de Arte e educação. Esta investigação terá abordagem qualitativa, a partir de pesquisa bibliográfica e comparativa. Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Arte. Educação.


ABSTRACT This research addresses the educational aspects that comics can evoke, on top of that, this search want to verify how this language can be used on the educational specs of Art’s. This investigation will be the qualitative approach, based on bibliography and comparative research. Key-words: Comics. Art. Education.



SUMÁRIO

13 | Introdução

1. 16 | A natureza das histórias em quadrinhos 19 | 1.2. HQs e história: as influências e os influenciados 41 | 1.3. As histórias em quadrinhos enquanto linguagem 55 | Notas

2. 62 | 2. Educação em Arte: discussões iniciais 65 | 2.1. Os aspectos da educação em Arte presentes nas HQs 75 | 2.2. Os quadrinhos no ensino – Casos comentados 89 | Notas


3. 92 | As HQs aplicadas ao ensino - uma análise comparativa

4. 106 | Considerações finais

118 | Referências Bibliográficas


INTRODUÇÃO

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Nestas linhas introdutórias, parto para apresentar diretamente o objeto desta pesquisa, que são as histórias em quadrinhos (às quais em certos momentos me refiro como “HQs”) como suporte para a educação formal e não formal para diferentes idades, procurando viabilizar a discussão sobre como podem ser usadas as histórias em quadrinhos para entendimento e desenvolvimento de habilidades diversas e de leituras tanto textuais quanto imagéticas. Os aspectos relacionados à educação que as HQs evocam causam interesse, principalmente em pessoas que sempre estiveram expostas a esse tipo de linguagem. “Quantas coisas não foram aprendidas nas mais diferentes áreas apenas lendo histórias em quadrinhos” é uma pergunta retórica que sempre aparece em conversas descontraídas sobre HQs, este tema se tornou a escolha desta pesquisa quando, instigado a pensar em como as histórias tinham ensinado tantas coisas sobre história, física ou química, quando não tinham nem mesmo a intenção de fazê-lo, como seria a eficiência das HQs quando pensadas para esta demanda, a educação. A pergunta tomou um corpo mais definitivo quando a ela foi adicionado os conteúdos de Artes visuais. Como são usadas (se forem usadas) as histórias em quadrinhos quando abordados os conteúdos de Arte? A partir deste ponto ficou clara a necessidade de conhecer a linguagem das histórias em quadrinhos e de como funcionam as abordagens de Arte-educação. Também seria necessário conhecer boas propostas que levavam em consideração o uso das histórias em quadrinhos na área de ensino-aprendizagem. As hipóteses formuladas sobre o porquê de não existir uma grande difusão das histórias em quadrinhos na área da educação levava a crer que existia um desinteresse mais especializado neste assunto, a causa deveria ser de cunho mercadológico, com uma falta de interesse em investimento na área. Já que muitas publicações acabavam por ter esse papel educacional, mesmo que de forma secundária. As abordagens educacionais com ênfase nas HQs como instrumento para educação não eram muito usadas por professores por desinteresse e desconhecimento da linguagem, a causa deste desinteresse só seria descoberta com o decorrer da pesquisa. A partir da pesquisa bibliográfica são introduzidas as peculiaridades da área de arte-educação, seus problemas e seus desafios, e são também apresentados exemplos de áreas onde as abordagens da arteeducação são comumente usadas, dando ênfase para as histórias em quadrinhos. Ainda nesse percurso, procurei salientar a proposta triangular como uma oportunidade de abordagem funcional nas mais distintas áreas de atuação da arte-educação, inclusive com histórias em quadrinhos. Deste ponto em diante, podemos visualizar os contextos históricos em que as histórias em quadrinhos


se desenvolveram, de onde receberam influências e em que espaços acabaram por influenciar. Precisamos dessas percepções para compreender o potencial das HQs em uma perspectiva educacional, em diferentes momentos históricos e para diferentes fins. Entender suas percepções populares com o passar dos anos, até sua inclusão nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Passaremos, também, pelos aspectos primordiais da construção das histórias em quadrinhos, para entender o motivo de esta linguagem ter tanta afinidade para lidar com conteúdos relacionados à educação. São também apresentados os dados levantados pela coleta de dados e sua análise, versando sobre propostas de educação com ênfase em histórias em quadrinhos premiadas. Outra análise igualmente importante e necessária é o entendimento do uso das histórias em quadrinhos no Brasil, discorrida na escrita que segue. Para entender as causas desta falta de interesse e difusão de publicações de HQs relacionadas à educação, e o desinteresse acadêmico pela área, foi optada a pesquisa bibliográfica, para buscar dados históricos e de análise da linguagem das HQs que corroborassem com esta realidade e a análise comparativa para buscar casos premiados que tivessem utilizado a linguagem das HQs para levar a cabo conteúdos educacionais, confrontando os dados dos casos com o uso da linguagem apresentada anteriormente para entender se as abordagens foram eficientes para os conteúdos e se a linguagem das HQs foi bem empregada.



1. A natureza das histórias em quadrinhos. Uma das formas de linguagem de desenho mais conhecida e entendida como uma linguagem autônoma são as histórias em quadrinhos. Nas palavras de Paulo Ramos (2009, p.16) “Quadrinhos são quadrinhos. E, como tais, gozam de uma linguagem autônoma, que usa mecanismos próprios para representar os elementos narrativos”. Entende-se primeiramente que as histórias em quadrinhos não necessitam ser estritamente em desenho, inclusive já tendo havido uma quantidade razoável de histórias em quadrinhos feitas com fotografia, as fotonovelas, que surgiram na Itália em 1947, e se popularizaram bastante na década de 1950. A diferença fundamental entre os comics e as fotonovelas consiste e resulta do uso da imagem desenhada, quanto aos primeiros, e da fotografia fixa, quanto aos segundos. Trata-se de uma diferença relevante em função de efeitos estéticos, pois se a fotografia contém o naturalismo das suas imagens, o desenho permite libérrimas criações iconográficas, desde cenografias das mais insólitas e imaginativas, até a distorção grotesca própria da linguagem caricatural [...]. (GUBERN, 1979, p. 47). Além das fotonovelas, existem várias formas de compor as histórias em quadrinhos indo além do desenho, como com fotomontagens, colagens e muitos outros tipos de experimentação que a linguagem puder proporcionar (Figura 1). Porém, a gênese das histórias em quadrinhos e sua maior produção, desenvolvimento, difusão e apelo estão relacionados ao desenho, e, a partir dele, se desenvolveram os mais diversos tipos de histórias, da aventura ao existencialismo, da charge ao álbum, do abstrato ao figurativismo, da ficção ao documentário, das mega-sagas à adaptação. Desde sua gênese, as histórias em quadrinhos fazem parte da vida de grande parte das pessoas. De seu início à sua popularização, na transição do século XIX para o século XX, as histórias em quadrinhos fizeram parte de publicações de grande apelo popular, sejam eles jornais, suplementos dominicais ou revistas de preço baixo encontradas em qualquer banca de revistas, jornaleiros ou sebos. Aqui faz-se uma comparação direta entre o desenho em forma de histórias em quadrinhos e a gravura. A esta última cabia o papel de trazer um processo de reprodução para peças que a priori eram únicas. Com o desenvolvimento e posteriormente a industrialização de técnicas de gravura - culminando assim no desenvolvimento da


imprensa, que não tardou em reproduzir não apenas letras, mas também gravuras -, a divulgação televisiva e cinematográfica de ícones dos quadrinhos também fez com que o grande público - que sempre foi o alvo das histórias em quadrinhos -, se aproximasse de alguma forma desta linguagem. Este tipo de divulgação remonta as primeiras décadas das histórias em quadrinhos, que já eram extremamente difundidas para o público geral (Figura 2). Em 12 de agosto de 1935, Al Capp iniciou a publicação de uma das sagas mais pantagruélicas do comic: Li’l Abner, que narra as aventuras da família Yocum, cuja popularidade fez com que a história viesse a ser adaptada ao cinema, fenômeno este que se repetiu com numerosos personagens do comic. (GUBERN, 1979, p. 37).

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Com toda essa divulgação e difusão, as histórias em quadrinhos chegaram a um patamar em que se torna difícil encontrar, nos dias de hoje, uma pessoa alfabetizada que não entenderá os códigos para se ler uma HQ comum. Além de estar ligada a nós culturalmente, as histórias em quadrinhos oferecem um conjunto de códigos de tão fácil compreensão, que frequentemente é de entendimento mais eficaz do que a exposição apenas do texto, como Vergueiro (2012, p.22) reforça: “[...] a interligação do texto com a imagem, existente nas histórias em quadrinhos, amplia a compreensão de conceitos de uma forma que qualquer um dos códigos, isoladamente, teria dificuldades para atingir”. As HQs comprovam ser uma fonte de extraordinária riqueza para a transmissão e absorção de conteúdos de forma clara e concisa, evidenciando seu caráter didático. Existe a “[...] percepção de que as histórias em quadrinhos podem ser utilizadas de forma eficiente para a transmissão de conhecimentos específicos [...]” (VERGUEIRO, 2009, p.85). Sendo assim, os quadrinhos demonstram, por excelência, seu potencial como ferramenta na Arte-educação. Vale salientar que não só o desenho, a partir das histórias em quadrinhos, tem características que o beneficiam na sua utilização em Arte-educação. Todas as outras vertentes citadas acima detêm características que as beneficiam em sua abordagem nesta área. Porém, é importante perceber que, mesmo sendo tão difundidas no dia-a-dia de todos nós, o universo das HQs aparentemente não vem sendo muito estudado na área de Artes, talvez por desinteresse ou mesmo preconceito, “[...] até hoje, os professores da área de Artes tem preconceito com o estudo de quadrinhos [...]” (VERGUEIRO, 2012), por isso se faz necessário este estudo prévio dos benefícios educacionais que as


Figura 1 Mr. Punch, HQ escrita por Neil Gaiman, com ilustraçþes e design de Dave McKean, se utiliza de fotos, pinturas e colagens para criar sua linguagem. Foi publicada em 1994. Fonte www.vulgocult.com.br


histórias em quadrinhos proporcionam – visto por um viés de análise da área de Artes visuais - para que posteriormente se possa aprofundar mais os estudos na área de Arte-educação com ênfase em histórias em quadrinhos.

1.2. HQs e história: as influências e os influenciados. Tendo seu desenvolvimento inicial ainda no final do século XIX, rapidamente essa linguagem alcançou enorme receptividade do público. “Sem dúvida nenhuma, os quadrinhos se tornaram muito populares em todo o mundo” (EISNER, 2010, p. IX). No início do século seguinte já se vislumbrava uma produção prolífica na área. Sua primeira manifestação da forma como conhecemos hoje é tema de discussões, como afirma Claude Moliterni, grande estudioso das histórias em quadrinhos: 19 | 20

O comic apareceu pela primeira vez na Alemanha, nos fins do século XIX. O grande clássico do comic neste país foi Max und Moritz, de Wilhem Busch.[...] há historiadores que pretendem afirmar que o comic começou nos Estados Unidos, com Yellow Kid, uma espécie de chinezinho vestido de amarelo, apresentado numa página inteira mas que não era realmente um comic. (MOLITERNI, apud GUBEN, 1979 p. 9). Porém, apesar da fala de Moliterni, com frequência quem ganha o título é o Yellow Kid (Figura 3), personagem de Richard F. Outcault, criado em 1894 para o jornal New York World, propriedade de Joseph Pulitzer. Muitos dos estudantes da área atribuem o Yellow Kid como o primeiro expoente dos quadrinhos como entendemos hoje, por inserir elementos que seriam fundamentais para as histórias em quadrinhos posteriormente. Para fixar esta data atende-se a três características: a narrativa sequencial em séries de gravuras, a permanência de um mesmo


Figura 2 Li’l Abner, personagem da década de 1930 já obtinha sucesso suficiente para ter adaptação para o cinema.

Fonte Gubern. 1979, p.36. Acervo Pessoal.


Figura 3 Yellow Kid, de Richard F. Outcault introduzia elementos que seriam primordiais para o desenvolvimento da linguagem das HQs. Fonte cartoons.osu.edu

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protagonista numa ‘série’ de publicações periódicas e a presença de ‘balões’ ou ‘globos’ com texto dentro, como locução dos personagens (GUBENS, 1979, p.18).

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Por isso, a ele é atribuído o título por estudiosos da área como Sonya M. Bibe - Luyten (1987, p.18) e o próprio Román Gubern (1979 p.18). No mesmo livro encontramos a entrevista em que Claude Moliterni discorda desta afirmação. Isso nos mostra o impasse existente entre diferentes pensadores sobre o assunto estudado. Vale ressaltar que a afirmação de um dos estudiosos não descredencia a afirmação de outro, são apenas visões diferentes de um mesmo tema. Outro tema que não encontra unanimidade é a nomenclatura de como podemos chamar as histórias em quadrinhos. Na forma vernacular, cada país nomeia como se acostumou historicamente, como por exemplo na frança com bande desinée, na Itália com o fumetti, na Espanha com o tebeo, nos Estados Unidos com os comics, no Japão com o manga, e no Brasil com o gibi. Cada uma dessas nomenclaturas tem seus próprios motivos para trazerem esses nomes, atribuídos popularmente e de forma natural. Uma das justificativas é a atribuição do nome de alguma publicação que acabou por se tornar muito conhecida, transpondo seu nome de publicação para designar as próprias histórias em quadrinhos, como é o caso do tebeo espanhol e do gibi brasileiro, ambos nominados a partir de publicações com estes nomes. Em outros casos, as características apresentadas nas histórias em quadrinhos acabaram por lhes dar “apelidos” que foram assimilados como modo de designação, como no caso do fumetti italiano, que ganhou este nome pelo balão de fala, associado a uma fumaça que saía da boca dos personagens, além dos comics americanos, que ganharam esta alcunha ainda em seu estágio inicial, devido ao grande sucesso das tiras cômicas que eram encontradas nos jornais da época. Quando se trata de uma nomenclatura mais acadêmica, surgem os três principais termos ao qual somos frequentemente apresentados, são eles: Histórias em Quadrinhos, Literatura da Imagem e Arte sequencial. Neste trabalho, optou-se pelo uso do termo “Histórias em Quadrinhos” pelo fato de que, além de ser este o termo mais conhecido – facilitando em caso de buscas pelo tema – é o mais usado pelos autores acadêmicos que discorrem sobre o tema no Brasil. O termo dispensa qualquer explicação, pois fica clara a sua ligação direta com o fato de se contar histórias a partir dos quadrinhos nela dispostos. O segundo termo, Literatura da Imagem, é apresentado em livro homônimo, levando a crer que esta terminologia foi usada durante algumas décadas até meados dos anos 1980, quando se estava avançando


nos estudos das Histórias em Quadrinhos. Vê-se em primeiro lugar que o uso da palavra Literatura, que seria um termo ao qual os estudiosos iriam querer se afastar com o passar dos anos, mas até o momento era empregado sem problemas. Entende-se que este termo foi usado por não existir ainda um consenso sobre as definições das Histórias em Quadrinhos como linguagem autônoma, como aponta Moliterni quando perguntado em que nível e em que categoria da literatura ele situaria as Histórias em Quadrinhos, que no livro é chamada genericamente de “comics” com aspas. A resposta de Moliterni é a seguinte: É uma questão que oferece grandes dificuldades. Creio que o comic é uma forma de arte popular que não se pode classificar com precisão, pois apresenta diferentes modalidades expressivas [...] Não obstante, temos de notar que, atualmente, alguns escritores se esforçam por dar uma forma literária ao comic. [...] Estes autores possuem um autêntico sentido de linguagem. Ao lado deles aparece um numeroso grupo de ‘intelectuais’: por exemplo, o italiano Crepax e Jules Feiffer, cujos conteúdos podem ser comparados, sem menosprezo, a qualquer texto (MOLITERNI apud GUBERN, 1979, p.12). O terceiro termo, Arte sequencial foi denominado por Will Eisner, grande produtor, difusor e estudioso em Histórias em Quadrinhos. Eisner cunhou o termo em seu livro de 1985 chamado Quadrinhos e Arte Sequencial, um livro que em suas palavras “[...] tem o intuito de considerar e examinar a singular estética da Arte sequencial como veículo de expressão criativa [...]” (2010, p. IX). Um termo Literatura da imagem, usado por Claude Moliterni na década de 1970, aparenta não ter encontrado eco pelo fato de estar nominalmente atrelado à literatura, ligação que as Histórias em Quadrinhos sempre se esforçaram para se distanciar. O próprio Claude Moliterni tem uma colocação reservada a respeito, por isso, é provável que o termo tenha entrado em desuso assim que novos termos mais abrangentes e acadêmicos foram surgindo. Definido o termo, vamos continuar com o histórico. As Histórias em Quadrinhos, assim como várias outras manifestações de nível artístico, estiveram sempre ligadas socialmente ao seu momento histórico, dando conta da representação mesmo que alegórica de uma determinada geração, seguindo ou ditando a moda da época, influenciando ou sendo influenciada, muitas vezes de forma direta.


Alguns críticos dizem: ‘Os comics são o cinema; roubaram-lhe tudo.’ Porém, esta afirmação é falsa, porque o cinema apareceu muito mais tarde que o comic. A câmara permaneceu fixa durante vinte e cinco anos. Se nos detivermos no Little Nemo, publicado em 1905, descobriremos já a panorâmica, a tela brilhante, os decors múltiplos com supressão de imagens; descobriremos também que Windsor Mckay utilizou tudo, utilizou a cor no plano expressionista de uma forma extraordinária ao imaginar uma narrativa (MOLITERNI apud GUBERN, 1979, p.15).

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No início do século XX as Histórias em Quadrinhos já tinham expoentes que estavam na frequência da produção artística de sua época. O destaque deste período é Winsor Mccay, com The Little Nemo in Slumberland (1905). Com fortes influências do Art Noveau, suas páginas davam conta de composições extremamente refinadas, com ângulos retratados somente anos depois com o cinema, o qual, acreditase ter influenciado profundamente, tanto pela narrativa fantástica quanto pela disposição angular de suas composições. A partir da década de 1930 houve um grande crescimento do mercado de Histórias em Quadrinhos nos Estados Unidos. Histórias que tratavam de temas fantásticos, como aventuras em outros planetas e em outras eras. Acredita-se que o interesse nas Histórias em Quadrinhos tenha aumentado nesta época em decorrência do período de recessão que os Estados Unidos estavam passando. Além de extremamente baratas, davam a dose de escapismo que a população precisava para se desligar por um momento do período de crise. É talvez por isso que se explica como o gênero ‘aventura’ chegou ao auge e um turbilhão de histórias surgiu nessa época, explorando ao máximo esta nova mina de ouro. A aventura indica um desejo de evasão e a criação de mitos, de heróis positivos. Revela a necessidade de novos modelos nos quais se inspirar para a conduta humana (LUYTEN, 1987, p.26).


A década que se seguiu testemunhou o início da era super – heróica nos Estados Unidos. Com a chegada da II Guerra Mundial, muitas histórias sofreram alterações de roteiro, definindo como nova ameaça seus inimigos no palco da Guerra. Esta década marcou também o surgimento de uma nova safra de Histórias em Quadrinhos que atendia a um público não mais satisfeito com aventuras de heróis de características e defeitos notadamente humanos. Surgem os super seres na figura desses heróis, ficando então conhecidos como super – heróis. Contra o monstro nazista que se agigantava, a segurança coletiva e o inconsciente de um povo reclamavam alguma coisa a mais que um homem. [...] de repente, neste cenário de conflito, aparecem dois jovens, Joe Shuster e Jerry Siegel, com uma história e um herói diferentes de tudo aquilo que se havia feito em quadrinhos [...] O Super-Homem estava em ação! (LUYTEN, 1987, p. 32). As histórias que já eram publicadas nas décadas anteriores também sofreram alterações. Com a chegada da guerra, os temas dessas histórias tornaram-se cada vez mais propagandistas do esforço de guerra norte americano “e por consequência assistiu-se uma massiva militarização dos seus personagens” (GUBERN, 1979, p. 28). Em grande parte dessas histórias – especialmente na década de 1930 – era possível notar conotações fortemente preconceituosas e xenofóbicas, como, por exemplo: “[...] Tarzan, um homem branco, filho de um lorde inglês, mostrando sua superioridade sobre um grupo de homens negros, nativos da África [...]” (VILELA, 2009, p. 81) (Figura 4). Essa relação aumentou durante a guerra, com inimigos de guerra reconhecidos: vilões de várias histórias tomaram conotações asiáticas ou eram notadamente nazistas. “O Príncipe Valente lutava contra os hunos, que, na gíria inglesa, queria dizer germânicos”. (LUYTEN, 1987, p.34). O ataque nipônico a Pearl Harbour, em 1941, agudizou logicamente esta atitude militante, e a partir deste momento formaram uma legião os personagens de comics que passaram a defender a causa bélica, mudando até de profissão em alguns casos. (GUBERN, 1979 p. 30).


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Essas histórias faziam parte do esforço de guerra para fazer com que o público se identificasse com os acontecimentos e entendesse seu lugar naquele contexto. No caso dos Estados Unidos permaneciam, obviamente, mensagens de superioridade nacional em frente às desventuras promovidas pelos seus inimigos nazistas. As Histórias em Quadrinhos serviam também nesta época para distrair soldados e também para treinamento, com manuais que se utilizavam da linguagem das HQs para ensinar a manusear equipamentos de guerra. Dentre os fatos de destaque para o desenvolvimento das HQs nesta época, citamos o grande número de personagens com super poderes que vieram após o sucesso de Super Homem (Figura 5), entre os quais o Homem de Ferro, Batman, Mulher Maravilha, Hulk, Thor, Capitão Marvel entre outros. Outro fato importante é que, “com a publicação do Super–Homem, é que os quadrinhos americanos passam a ser editados em revistas. É a era dos comic-books” (LUYTEN, 1987, p. 34). No Brasil, as HQs editadas em revistas remontam a data de 1905, com a publicação O Tico Tico, que continha conteúdos infantis, e entre eles, as Histórias em Quadrinhos voltadas para as crianças da época. Algumas décadas depois, em 1934, a partir do editorial de Adolfo Aizen, é publicada no Brasil o Suplemento Juvenil, este composto totalmente por HQs, um passo de vanguarda na história das HQs no mundo. Com os números de vendas astronômicos, a indústria de Histórias em Quadrinhos continuava a desenvolver novos gêneros, como os relacionados ao terror e suspense, que caíram no gosto do público. As tiragens continuaram a crescer, os altos números de vendas mostram que este mercado não estava segregado em nichos, fazendo com que grande parte das pessoas conhecesse de alguma forma a existência dessas publicações de terror e suspense que “[...] enfocavam temáticas de gostos duvidosos e traziam representações extremamente realistas.” (VERGUEIRO, 2012, p. 11). No período do pós-guerra, o mundo estava se reacostumando com o novo formato político que acabara por emergir com o final da II Guerra Mundial, com os blocos socialista e capitalista, encabeçados pela União Soviética e Estados Unidos, respectivamente. O cenário que se configurava na Europa era de reconstrução, por ter sido a área geográfica mais afetada no conflito. Para as Histórias em Quadrinhos, essa mudança de postura político-social mundial não passaria despercebida. “O período de pós-guerra e início da chamada Guerra Fria foi especialmente propício para a criação do ambiente de desconfiança em relação aos quadrinhos.” (VERGUEIRO, 2012, p. 11). E, na figura de Fredric Wertham, psiquiatra alemão radicano nos Estados Unidos, que desenvolveu um estudo e que foi publicado em forma de livro em 1954, onde destacava os malefícios que as Histórias em Quadrinhos poderiam causar nas mentes de crianças e jovens. “Este livro


Figura 4 Tarzan, personagem criado por Edgar Rice Burroughs, nesta época era desenhado por Burne Hogarth, apresentava uma visão de mundo que denotava traços de xenofobia, muito comuns na época. Fonte Vilela. 2009, p. 80. Acervo pessoal.


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traz uma áurea de desconfiança e um preconceito quanto à leitura dos quadrinhos que só irá desfazer-se mais tarde, quando intelectuais do mundo todo recolocam as HQ no seu devido lugar” (LUYTEN, 1985, p.13). A repercussão das conclusões de Wertham foi tamanha que a indústria de Histórias em Quadrinhos criou o que ficou conhecido como comic code, que servia como código de ética para as Histórias em Quadrinhos. O comic code aparecia em forma de selo nas capas das revistas, e servia para atestar aos pais das crianças que compravam estas publicações que elas estavam livres dos conteúdos atacados publicamente, “[...] como forma de garantir à sociedade a ‘qualidade’ interna” (VERGUEIRO, 2012, p.13). Nesta época estavam se popularizando as revistas com conteúdo de terror e de narrativas fantásticas, porém, o fim delas estava marcado com a crescente onda de ataque a esse tipo de publicação. Este momento foi crucial para que se difundisse a ideia de que as Histórias em Quadrinhos eram nocivas para o desenvolvimento da criança que a lia, seja ele cognitivo, emocional ou intelectual. Este preconceito perdurou por muito tempo, fazendo com que as Histórias em Quadrinhos fossem vistas com maus olhos pela área da educação. Mesmo no Brasil se criou um código de ética para as Histórias em Quadrinhos, aos moldes do americano, onde se encontra, por exemplo, um tópico que diz “Relações sexuais, cenas de amor excessivamente realistas, anormalidades sexuais, sedução e violência carnal não podem ser apresentadas nem sequer sugeridas” (SILVA, apud VERGUEIRO, 2012, p.15). As Histórias em Quadrinhos, como são historicamente dedicadas ao público infantil e juvenil sempre tiveram problemas para atravessar esta barreira e em épocas obscuras, quando se era necessário até mesmo um código para reger as atividades criativas dos autores de Histórias em Quadrinhos este cenário se mostra ainda mais hostil à criatividade. É possível sequer imaginar uma produção artística, ou literária que consiga se desenvolver com tamanha censura? Vale ressaltar que o manual de regras não é nem mesmo criado pela ditadura militar brasileira, que promovia uma caça às bruxas a manifestações culturais diversas, mas sim dos editores, assim como aconteceu nos Estados Unidos. Essas regras estavam mais atreladas a uma lógica de mercado do que uma corrente ideológica. “Em diversos lugares do mundo – França, Itália, Grã-Bretanha, Alemanha [...] também explodiram as críticas aos quadrinhos, com motivação bastante semelhante. (VERGUEIRO, 2012, p. 13). A partir da década de 1950, as Histórias em Quadrinhos enveredam para um novo caminho, que de certa forma, lembra os primeiros passos de sua história, com personagens caricatos e tiras curtas para jornal, porém, agora com uma abordagem diferente. “É o chamado quadrinho pensante” (LUYTEN, 1985,


Figura 5 Emblemática capa da primeira edição da revista Action Comics, onde é apresentado pela primeira vez o personagem Superman, que abriria as portas para uma nova era de Histórias em Quadrinhos. Fonte hqrock.files.wordpress.com


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p.13). Com seu grande expoente, Charles Schulz, com os Peanuts, Minduin ou Turma do Charlie Brown no Brasil (Figura 6). Neste período, chegando na década de 1960, as Histórias em Quadrinhos começam a voltar a ter sua importância referenciada, desta vez diretamente ligada à Arte. Artistas, sob a alcunha do movimento Pop Art, influenciados pelas “[...] imagens dos anúncios em neon da Times Square, da comunicação de massa e da propaganda” (STRICKLAND, 1999, p. 174). Como Andy Warhol, Claes Oldenburg, James Rosenquist, mas principalmente Roy Lichtenstein se apropriava da visualidade industrial das Histórias em Quadrinhos e a reproduz em forma ampliada em pinturas, revelando elementos cromáticos antes pouco percebidos, característicos das técnicas de impressão gráfica de altas tiragens, as famosas cores encaixadas (Figura 7). O movimento pop que ganha força na década de 1960 e acaba por fazer parte da estética do momento, com elementos como cores saturadas e uma visualidade que remete ao design e à publicidade. Nos quadrinhos, há publicações visualmente referenciadas à Pop Art como Jodelle, criada por Guy Peellart em 1966 e Pravda, La Survireuse de 1968 (Figura 8). É no final desta década que surge também o movimento underground, encabeçado por Robert Crumb, que visava uma forma de publicar Histórias em Quadrinhos que não precisasse estar atrelado às grandes editoras e Syndicates, que eram os conglomerados de editores que foram os responsáveis pela industrialização e distribuição mundial das Histórias em Quadrinhos americanas, serviam como “[...] agências distribuidoras (e não ‘sindicatos’, como são erroneamente traduzidos). Essas agências distribuíam e continuam distribuindo centenas de histórias para veículos em todo o mundo.” (LUYTEN, 1987, p. 22). O movimento do quadrinho underground não tinha limites éticos ou estéticos, poderiam abordar dos temas mais variados e, de preferência polêmicos e críticos da sociedade (Figura 9). Estas Histórias em Quadrinhos tinham a distribuição e venda feito no corpo-a-corpo, em festas, festivais, ou por conhecidos dos editores e desenhistas. Esse sistema funcionou até meados da década de 1970, porém com o tempo, o Underground acabou por formar seu próprio Syndicate para profissionalizar mais o material, o que desagradou tanto uma parcela dos criativos relacionados às publicações quanto a uma parcela do público que não acreditava mais no caráter desafiador das publicações. Em 1978 ocorre uma retrospectiva sobre a obra de Winsor McCay no Museu de New York, fica visível o caminho ascendente em que as Histórias em Quadrinhos se encontram. “É o reconhecimento do grande valor das Histórias em Quadrinhos. Começam a ser julgadas sob o ponto de vista estético” (LUYTEN, 1985, p. 12).


Figura 6 As hist贸rias criadas por Charles Schulz tinham uma conota莽茫o mais introspectiva, reflexiva e c么mica. Fonte Schulz. 2009, p. 6. Acervo pessoal.


Figura 7 “Whaam!”, obra de Lichtenstein de 1963 é uma referência direta às HQs.


Fonte Stickland, 2004, p. 174. Acervo pessoal.


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É importante ressaltar também, que ainda nos idos da década de 1950, mais precisamente em 1951, aconteceu no Brasil a 1ª Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos, fazendo com que o Brasil fosse o primeiro país no mundo a realizar uma exposição de Histórias em Quadrinhos. Apesar desta movimentação de visão avançada para a época, o cenário que se configurava em torno nas HQs no Brasil na época era muito diferente da encontrada nos finais dos anos 1970 quando aconteceu a exposição de Winsor McCay no museu de New York. O Cenário para as HQs eram extremamente ásperos, vistas como problemáticas para a sociedade de uma forma geral. A criação da exposição neste período foi realmente um contra - senso corajoso, crédito da pensamento visionário de Miguel Penteado, Reinaldo de Oliveira, Álvaro de Moya, Jayme Cortez e Syllas Roberg, figuras importantes para a história do desenvolvimento das HQs no Brasil. Na década de 1980 as Histórias em Quadrinhos de grande circulação começam a ganhar uma maturidade maior. É nesta época que uma HQ ganha o prêmio Hugo¹ . A partir desta década os estudos acadêmicos relacionados às Histórias em Quadrinhos começam a tomar maior força no Brasil, com iniciativas como a criação do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da USP. Desde a década de 1990, juntamente com o videogame e o cinema, as Histórias em Quadrinhos começam a ser difusores cada vez mais influentes em questões econômicas, causando tanto um crescimento em títulos publicados como recebendo um espaço maior para publicações fora do circuito concorrido das grandes editoras. Com isso, chegamos ao século XXI com as Histórias em Quadrinhos, os videogames e o cinema como a tríade que movimenta a maior quantidade de dinheiro relacionado a áreas criativas. A exemplo do cinema e das HQs, os dois filmes que mais arrecadaram dinheiro no ano de 2012 foram adaptações cinematográficas de franquias que surgiram como Histórias em Quadrinhos (Figura 10 e figura 11). Juntos deram um lucro de cerca de 2,5 bilhões de dólares apenas em ingressos vendidos no mundo. Seja com conteúdo cômico e crítico para jornais, panfletário em época de guerra, como “quando o governo norte-americano utilizou a linguagem dos quadrinhos como apoio técnico para o uso de equipamentos e instrução de seus soldados para atividades especializadas” (VERGUEIRO p. 86) ou para promoção de algum regime social nacional, como aconteceu na china de Mao Tse-Tung, onde a linguagem de quadrinhos foi amplamente difundida para educação popular dos costumes que deveriam reger a sociedade a partir de então, em outros lugares do mundo, as Histórias em Quadrinhos foram usadas também para o simples entretenimento juvenil.


Figura 8 “Cavalgando uma potente moto e lĂ­der de um grupo feminista, Pravda, la survireuse, surgida na revista Hara-Kiri, veio engrossar a lista de heroĂ­nas sofisticadas e destruidoras. (GUBERN. 1979, p. 132). Fonte boom-art.com


No âmbito político, Agda Dias Baeta (2009, p. 15) usando a obra de Alvin Tofler, discorre sobre os novos rumos em que as mulheres estavam enveredando em relação às seu lugar na sociedade, a partir das Histórias em Quadrinhos da Disney que eram produzidas no Brasil, que mostravam estar na mesma frequência da “mulher da terceira onda” mostrada por Toffler, que na revista da Disney é personificada pela pata Margarida.

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Alvin Toffler lançou o seu livro A Terceira Onda em 1980. A revista em quadrinhos da Margarida foi lançada no Brasil em 1986. Qual a relação entre os dois? Na década de 1980, Margarida - além de uma revista própria - ganhou também uma nova personalidade nas Histórias em Quadrinhos brasileiras. Deixou de ser coadjuvante namorada do Pato Donald para se transformar no retrato da mulher da Terceira Onda. O velho traje rosa e preto foi substituído por um diversificado guardaroupa: ela passou a trabalhar fora e lutar por seus direitos e ideais. As Histórias em Quadrinhos nada mais são do que uma manifestação de representação natural ao ser humano. “Essa mistura especial de duas formas distintas não é nova. Os experimentos com a justaposição remontam aos tempos mais antigos” (EISNER, 2010, p.7). Não precisamos ir longe para observar semelhanças na linguagem das Histórias em Quadrinhos e nas imagens criadas durante a história da arte. Durante todo o processo civilizatório, várias manifestações aproximaram-se desse gênero narrativo: mosaicos, afrescos, tapeçarias e mais de uma dezena de técnicas foram utilizados para registrar a história por meio de uma sequência de imagens. (LUYTEN, 1987, p.16). Todos os seus elementos são assimilados por nós, leitores, de forma tão imediata que nos leva a crer que a história em quadrinhos se desenvolveu por um caminho natural de criação e desenvolvimento de linguagem. Muitas vezes apoiada em referenciais do desenho clássico, da fotografia, da pintura e cinema, “da qual na verdade é precursora” (EISNER, 2010, p. IX), também servindo de parâmetro para estas linguagens.


Figura 9 Ícone do movimento uderground, Robert Crumb produziu uma quantidade invejável de material com este apelo. Crumb se mantém ativo no mundo das HQs até os dias de hoje. Fonte Crumb. 2010, p. 19. Acervo pessoal.


Figura 10 Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Fonte Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Warner Bros. Acervo pessoal.


Figura 11 Os Vingadores. Fonte Os Vingadores. Walt Disney Studios, 2012.Acervo pessoal.


1.3. Histórias em Quadrinhos enquanto linguagem. As Histórias em Quadrinhos tem o vigor representativo em mais alto grau. Ao brincarmos com a expressão “entendeu, ou quer que eu desenhe?” estamos mostrando o porquê de as Histórias em Quadrinhos serem tão bem entendidas, é justamente pelo fato de as Histórias em Quadrinhos apresentarem a linguagem verbal e a não verbal. As Histórias em Quadrinhos apresentam uma sobreposição de palavra e imagem, e, assim, é preciso que o leitor exerça as suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As regências da Arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da literatura (por exemplo, gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente. A leitura da história em quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual. (EISNER, 2010, p. 2). 41 | 42

As HQs se apresentam como uma linguagem formada por códigos de outras linguagens (majoritariamente a partir da linguagem verbal e não verbal, que aqui entenderemos por imagens e palavras). Para Eisner (2010, p.7) “De fato trata-se de uma separação arbitrária”, porém, entendendo que esta é a forma que esses dispositivos – termo utilizado por Eisner – são tratados. De forma separada. A aglutinação destes dispositivos, palavras e imagens, é então o que se configura esta nova linguagem, as Histórias em Quadrinhos. “[...] no emprego habilidoso de palavras e imagens encontra-se o potencial expressivo do veículo”. (EISNER, 2010, p.7) Em seu percurso histórico, a HQ sempre dialogou com seu público alvo. Este fato, que é muito benéfico para qualquer linguagem, acabou por se tornar um vilão ao próprio desenvolvimento da história em quadrinhos como matéria de estudo acadêmico. Isso ocorreu “[...] por motivos relacionados principalmente ao uso, à temática e ao público-alvo presumido, a Arte sequencial foi ignorada por muitas décadas como forma digna de discussão acadêmica.” (EISNER, 2010, p.IX). Eisner (2010, p.IX) ainda revela que: “Poucos tiveram tempo ou empenho para examinar a forma em si”. A rotina de trabalho estava mais ligada aos anseios de “entender o público e as exigências do mercado” (EISNER, 2010, p. X). Com este objetivo, os autores de Histórias em Quadrinhos sempre foram bem sucedidos, pois poucos meios de se expressar e comunicar foram tão eficientes quanto a linguagem da HQ. Sua eficiência é comprovada com a aceitação dos públicos mais diversos, seja ele o leitor do jornal


que está em busca de uma opinião crítica dos conteúdos nele apresentados, seja uma criança procurando se distrair. As Histórias em Quadrinhos comunicam numa ‘linguagem’ que se vale da experiência visual comum ao criador e ao público. É de esperar dos leitores modernos uma compreensão fácil da mistura imagem-palavra e da tradicional decodificação de texto. A história em quadrinhos pode ser chamada ‘leitura’ num sentido mais amplo que o comumente aplicado ao termo. (EISNER, 2010 p.1) A mescla de linguagem verbal e não verbal chega a um nível onde as palavras são também usadas como elemento gráfico, com dispositivos visuais que vão além da descrição verbal do seu significado (Figura 12). “[...] ele fornece o clima emocional, uma ponte narrativa, e a sugestão de som” (EINSER, 2010, p.4). Apoiada nos elementos gráficos, as Histórias em Quadrinhos dispensam de elementos narrativos verbais que são necessários na literatura, para descrever estados físicos, emocionais, aparência de personagens, cenário etc. E isso se estende também ao letreiramento, que podem assumir características para se tornar elemento gráfico com significados que vão além do que está escrito. Por exemplo, na Figura 12 “Numa página [...] o diálogo de certa maneira diz ao leitor como o autor deseja que ele soe. No processo, ele evoca uma emoção específica e modifica a imagem” (EISNER, 2010, p.4) Existe também a possibilidade de uma narrativa gráfica ser contada apenas através de imagens. Eisner (2010, p.10) denomina este tipo de narrativa de pantomima, onde as expressões faciais e corporais são muito importantes e é através delas e da ação que ocorre que identificamos o que está acontecendo na cena. “A ausência de diálogo no intuito de reforçar a ação serve para a viabilidade de imagens extraídas da experiência comum” (EISNER, 2010, p. 18). As pantomimas são usadas com mais frequência do que imaginamos, sua forma de expressão pode estar dentro de uma história que não necessariamente é formada apenas por pantomimas, servem muitas vezes para denotar cenas de ação, trazendo um clima mais tenso ou sereno à cena, podendo também agregar um valor narrativo especial. Como cenas onde por alguma circunstância não se pode ouvir o que está acontecendo, ou cenas em que o personagem pretende passar despercebido por exemplo. No mangá Vagabond, de Takehiko Inoue, uma cena de ação onde se encontra o antagonista da série,


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Sasaki Kojiro, que na adaptação de Inoue é surdo-mudo, nos é apresentada uma cena de ação onde apesar de todo o esforço que observamos no semblante dos personagens, nenhuma palavra é dita, vemos apenas várias onomatopeias dos baques da luta e a percepção dos personagens são marcadas por exclamações gráficas, aos moldes do uso que verificamos acima. Ao final da narrativa (lembrando que a narrativa das HQs japonesas é lida de cima para baixo e da direita para a esquerda) temos apenas expressões de cansaço em balões (Figura 13). Eisner nos dá um exemplo de uma página de SSHHHH! (Figura 14), história em quadrinhos do cartunista norueguês Jason onde a “[...] ausência de diálogos acentua o clima de suspense e também de humor.” (EISNER, 2010, p.18) e o “[...] ritmo de cada página é marcado com maestria, e – um pré-requisito das pantomimas – todos os quadrinhos são de fácil compreensão.” (EISNER, 2010, p.18). Para finalizar esta sessão, falaremos sobre o tempo na HQ e sobre o quadro propriamente dito. Pode-se dizer que estes dois são os elementos primordiais para a construção das Histórias em Quadrinhos. Primeiramente, a passagem do tempo que para nós é um dado psicológico. “O som é medido auditivamente, em relação à distância que se encontra de nós. O espaço, na maioria das vezes, é mais ilusório: nós o medimos e o sentimos através da lembrança da experiência” (EISNER, 2010, p.23). O entendimento do tempo está ligado à forma como entenderemos o que estamos lendo. Se tratando de Histórias em Quadrinhos, vários fatores são levados em consideração. MacCloud nos aponta o funcionamento psicológico que utilizamos para ler as Histórias em Quadrinhos (Figura 15). Fica claro um detalhe que tendemos a não nos atentar, que são justamente os espaços que separam um quadrinho do outro. Esses espaços tem tanta importância quanto os próprios quadrinhos, eles são a pausa e a continuidade psicológica pela qual entendemos o andamento da narrativa em forma de quadrinhos. McCloud brinca com outro fator: a percepção errônea de que cada quadrinho representa apenas um momento, quando, não obstante, um quadrinho, mesmo isolado, pode representar uma infinidade de tempos, como falas e ações. Para exemplificar, o autor nos apresenta a seguinte cena (Figura 16). Podemos ver pela ótica da análise de McCloud o quão rica pode ser a narrativa se bem apoiada nas noções de tempo. “A capacidade de expressar a passagem do tempo é decisiva para o sucesso de uma narrativa visual.” (EISNER, 2010, p. 24). Mesmo sendo elemento fundamental para a linguagem das Histórias em Quadrinhos, não existe uma métrica exata para sua utilização. Por isso o tempo é psicológico. Quando tratamos de tempo em outras áreas, existem códigos que dão conta de metrificar o seu uso e o seu ensino de forma mais mecânica. Quando tratamos de Histórias em Quadrinhos, essa realidade é diferente.


Figura 12 Linguagem verbal e n達o verbal, a mescla. Fonte Eisner. 2010, p. 5. Acervo pessoal.


Figura 13 A narrativa de Inoue praticamente sem bal천es de fala. Fonte Inoue. 2005, p. 85. Acervo pessoal.


Figura 14 A pantomima SSHHHH!

de

Fonte Eisner. 2010, p19. Acervo pessoal.


Figura 15 Scott McCloud mostra as vicissitudes do tempo nas HQs. Fonte McCloud. 2005, p. 94. Acervo pessoal.

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Figura 16 Scott McCloud mostra mais detalhadamente o tempo dentro de cada quadro. Fonte McCloud. 2005, p. 95. Acervo pessoal.


Na música ou em outras formas de comunicação sonora, em que se consegue ritmo ou “cadência”, isso é feito com extensões reais de tempo. Nas Artes gráficas, essa sensação é expressa por meio do uso de ilusões e símbolos e do seu ordenamento (EISNER, 2010, p. 24).

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É neste ponto que chegamos aos balões das Histórias em Quadrinhos. Intimamente ligados com o tempo da narrativa, são também os elementos que vão dar conta de representar o etéreo: o som. Como vimos acima, quando surgem os balões na cena, eles ditam o tempo decorrido da ação daquele quadrinho. Por isso eles devem estar dispostos de forma a indicar qual a ordem de fala dos personagens na ação, obedecendo a mesma ordem da leitura, que é da esquerda para a direita e de cima para baixo (lembrando que esta ordem se inverte horizontalmente quando falamos de quadrinhos japoneses). Pode-se dizer, portanto, que os balões são “[...] disciplinares, na medida em que requerem a cooperação do leitor.” (EISNER, 2010, p. 24) Os balões são um elemento primordial para as Histórias em Quadrinhos. Este é, inclusive, um dos fatores para atestar que a história em quadrinhos do Yellow Kid é a primeira história em quadrinhos como entendemos hoje. A revista contava inicialmente com as falas de Yellow Kid escritas em sua bata amarela. Este era o recurso usado pelo autor para denotar a fala do personagem, porém aos poucos outros personagens acabaram por ter suas falas indicadas por um filatérico - termo de Eisner -. Com o desenvolver das histórias foram se tornando balões de fala, semelhante aos balões como conhecemos hoje² . Assim como os balões, os quadrinhos são responsáveis pelo tempo de narrativa, e pode-se alongar esta narrativa, denotando um tempo fragmentado com o aumento do número de quadrinhos retratando apenas uma cena. É possível também usar artifícios de excesso de quadrinhos para demonstrar a passagem de tempo, como a utilizada por Danilo Beyruth na história Artronauta – Magnetar. O autor mostra a passagem de tempo, onde o personagem se dedica a uma rotina todos os dias, com a repetição de quadrinhos que vão se tornando cada vez menores, formando assim uma página com uma infinidade de quadrinhos que denotam a passagem de tempo. Como observamos na figura 17. O tamanho dos quadrinhos – de forma individual – também são medidores de tempo e ritmo da narrativa. Quando o autor tem a intenção de mostrar uma cena onde o desenvolvimento é marcado por ações curtas, os quadrinhos tendem a se tornar mais estreitos, já quando a ação é mais longa, ou temos vários tempos dentro de apenas um quadrinho, este tende a se tornar maior. Como no exemplo de Eisner (Figura 18) (2010, p.33) onde ele ressalta “Quadrinhos longos


Figura 17 Danilo Beyruth demonstra a passagem do tempo. Fonte Beyruth. 2012, Acervo pessoal.

p.40.


e estreitos, que criam uma sensação de amontoamento, realçam o ritmo crescente de pânico”. Tudo depende da intencionalidade do autor. Os quadrinhos, de forma mais ampla são o elemento primordial para as Histórias em Quadrinhos, não é sem motivo que dão o nome para esta linguagem. Sua construção vista de forma mais hermética tem semelhanças com a fotografia, visto que, quando é criado um quadrinho para representar algo, se está escolhendo também aquilo que não se vai colocar dentro dele. Quando se enquadra uma cena, fica claro que o que está sendo retratado é mais importante do que toda a infinidade de elementos que estão fora do enquadramento e não estão sendo mostrados. Essencialmente, a criação do quadrinho começa com a seleção dos elementos necessários à narração, a escolha da perspectiva a partir da qual se permitirá que o leitor os veja e a definição da porção de cada símbolo ou elemento a ser incluído (EISNER, 2010, p.42). 51 | 52

Podemos até imaginar o contexto da cena, seja ele histórico ou de referências visuais. Mas esses elementos não são mostrados, só é mostrado o que é fundamental para a narrativa: o que está dentro do quadrinho. Pode parecer um pensamento simplório, porém é a partir dessa constatação que entendemos que, dentro dos quadrinhos, usa-se apenas o essencial. O entendimento da ambientação do que não se está vendo é uma das tarefas do autor das Histórias em Quadrinhos. “O artista sequencial ‘vê’ pelo leitor porque é inerente à Arte narrativa exigir do espectador reconhecimento, mais do que análise” (EISNER, 2010, p 39). Cabe ao leitor entender o todo pela parte, complementar de forma mental o que não está enquadrado (Figura 19), para que o leitor interaja de forma mais direta com a narrativa e para que a narrativa tome contornos mais eficientes. “Quando se mostra a figura inteira (A), não se exige do leitor nenhuma sutileza de percepção.” (EISNER 2010, p.42). Numa sequencia determinada de quadrinhos na qual o requadrinho inclui apenas a cabeça, ocorre um ‘diálogo visual’ entre o leitor e o artista, exigindo certos pressupostos decorrentes de um nível comum de experiência (EISNER, 2010, p.42).


Figura 18 Velocidade e emoção narrativa através dos quadros. Fonte Eisner. 2010, p. Acervo pessoal.

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A narrativa sequencial dos quadrinhos tem vários pormenores que necessitam de bastante atenção para que seja bem utilizado. Por exemplo, quando estamos diante a uma página de uma história em quadrinhos, mesmo sabendo a ordem de leitura, temos à disposição todos os quadrinhos ao mesmo tempo, diferentemente do cinema, por exemplo, em que cada imagem vai se apresentar na ordem do desenrolar do filme, fazendo com que possamos ver o movimento das imagens. Além disso, cada quadrinho guarda uma ação por vezes bem mais prolongada do que está realmente expresso no desenho, e cabe ao leitor completar mentalmente o que vem a priori e a posteriori da ação retratada no quadrinho. O exemplo dado por Eisner (Figura 20). A partir disso, o autor deve se valer de vários artifícios para prender a atenção do leitor, tanto para que ele entenda o passar da ação, quanto para que ele se sinta instigado a observar – e ler – os quadrinhos na ordem em que eles devem ser lidos. Bem como instigar o leitor ao final de cada página para que ele se sinta impelido a virar a página e continuar a acompanhar a história. 53 | 54

Na Arte sequencial, o artista tem, desde o início, de prender a atenção do leitor e ditar a sequencia que ele seguirá na narrativa. [...] O obstáculo mais importante a ser superado é a tendência de o olhar do leitor se desviar (EISNER, 2010, p. 40). Essas questões referentes à continuidade de leitura dos quadrinhos podem ser sobrepostas quando falamos de Histórias em Quadrinhos digitais (Figura 21), que por não ter a página como limite de criação e distribuição de quadrinhos, comumente se utiliza de técnicas onde, por meio de programas, a passagem dos quadrinhos é revelada um a um, ou como em uma apresentação de slides, os quadrinhos se sobrepõem. Porém, os referenciais de leitura, tempo, os balões e o letreiramento ainda são entendidos da mesma forma das Histórias em Quadrinhos impressas, fazendo necessário o mesmo tipo de entendimento prévio da linguagem. Tanto na História em Quadrinhos em forma impressa ou digital, o requadro³ pode não existir, caso seja necessário dar uma noção de amplitude à cena. Vale ressaltar que nas splash pages, que são páginas duplas com apenas uma cena, frequentemente não se usa o requadro. Porém, quando esta grande cena é cortada por uma ação menor, é adicionado algum quadro para representar a ação que ocorre junto da grande ação da página. “A ausência de requadro expressa espaço ilimitado. Tem


Figura 19 O complemento mental do que estรก expresso no quadrinho. Fonte Eisner. 2010, p. 43. Acervo pessoal.


o efeito de abranger o que não está visível, mas que tem existência reconhecida” (EISNER, 2010, p.44). O requadro pode também assumir formas que sirvam de suporte para a narrativa da história. Apesar de mais raros na narrativa comum americana e europeia, requadros em formatos angulares e personagens saindo das linhas do requadro são mais comuns em quadrinho japoneses (Figura 22). Todos esses elementos primordiais que formam as Histórias em Quadrinhos nos dão uma estrutura vasta para desdobramento nas mais diversas áreas, uma dessas áreas, a da educação, sempre foi um dos meios aos quais as Histórias em Quadrinhos fizeram parte.

Notas

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1 O Prêmio Hugo, apresentado anualmente desde 1955, é o prêmio de maior prestígio da ficção. 2 Diga-se de passagem, não é bem como conhecemos hoje. A maioria das Histórias em Quadrinhos publicadas hoje tem os balões e o letreiramento feitos digitalmente. Diferente do desenho de balão e letreiramento manual, o digital tem valor gráfico e semântico mais simplório, e por isso, acaba perdendo elementos como os traços de expressividade do autor dos desenhos. Apesar de hoje, por uma questão de praticidade, ou simplesmente pelo fato do desenhista não ser bom com letras, o letreiramento digital é por vezes muito bem utilizado, com bibliotecas de fontes feitas a partir da escrita de um profissional. Apesar disso, o letreiramento manual confere mais humanidade à narrativa, por apresentar o traço do autor, e até mesmo pela organicidade da letra. “O letreiramento manual sempre será o modo mais idiossincrático e expressivo de inserir palavras nos balões e nas caixas de texto.” (EISNER, 2010, p.24). 3 Termo de Eisner, que é a linha que contorna a cena, formando assim a história em quadrinhos.


Figura 20 A narrativa no quadrinho. Fonte Eisner. 2010, p. 4. Acervo pessoal.

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Figura 21 Infinite Marvel. Iniciativa de quadrinhos que são produzidos exclusivamente para meios digitais não tem a limitação do papel, porém tem a mesma linguagem, onde o passar das páginas é substituído por requadros que se sobrepõe.


Fonte Comixology.com. Acervo pessoal.


Figura 22 Requadros angulares, mais comuns na narrativa das Histórias em quadrinhos japonesas, tem a intenção de dar um dinamismo acentuado à cena. Fonte Akamatsu. 2002, p. 69. Acervo pessoal.

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2. Educação em Arte: discussões iniciais A Arte é um território infinito, tendo ao seu dispor múltiplas possibilidades de apreciação e fruição. É uma área que, aos olhos desatentos, pode parecer que tudo é válido, o que por vezes acaba se mostrando um equívoco. Apesar de todo o leque de atuação que as áreas artísticas propõem, a Arte tem seus próprios códigos, desenvolvidos em milhares de anos de experimentações, discussões e estudos, sejam de forma empírica ou acadêmica. Este arcabouço de idéias, movimentos e correntes ideológicas pode passar despercebido, e é este um dos principais problemas quando se fala de Arte. Este é o desafio que a Arteeducação deve sobrepujar. A ARTE é um rio cujas águas profundas irrigam a humanidade com um saber outro que não o estritamente intelectual, e que diz respeito à interioridade de cada ser. (BERG, 2002, p. XII). Na área acadêmica, acostuma-se a encontrar pessoas – acadêmicos – que tendem a ter um conhecimento abrangente em relação à Arte e suas vicissitudes, porém, esta realidade não é compartilhada com grande parte das pessoas que não fazem parte deste circuito. Muito dessa realidade se deve a uma educação precária, cujas dificuldades são encontradas tanto em âmbito regional quanto nacional. Mais do que isso, esta é uma dificuldade histórica. Nesse contexto se faz importante definir as áreas de atuação na Arte, que são múltiplas. Os PCN Parâmetros Curriculares Nacioansis - como o nome sugere, são um conjunto de práticas que visam indicar caminhos e práticas a fim de desenvolver uma maior homogeneidade qualitativa nas escolas de ensino fundamental e médio no Brasil. Mostram uma gama de possibilidades que podem ser abordadas, entre áreas de dança, música, teatro e Artes visuais. Aqui trataremos apenas das vertentes de Artes visuais, pois se trata da área à qual se direciona e se desdobra esta pesquisa. Dentre as vertentes de Artes visuais que podemos destacar, estão a pintura, a escultura e o desenho, que tem uma longa trajetória nas Artes plásticas. Estas manifestações tendem a ter uma maior aceitação pelo público. Principalmente quando essas obras são representantes de movimentos artísticos como o Renascimento4 ou fazem parte dos períodos grego5 e romano6, por apresentarem uma representação que remete um nível técnico extremamente sofisticado. Estas obras são mais bem aceitas pelo público geral do que as proposições da Arte contemporânea7 . Isso pode ocorrer em função do despreparo e falta de conhecimento imagético na área de Artes visuais que grande parte das pessoas está sujeita.


Entre as outras vertentes artísticas que podemos citar está a instalação8 e o objeto 9, que pelo seu conteúdo comumente hermético, acaba por vezes, a se distanciar de grande parte do público comum, no caso das instalações. Carol Strickland é efusiva ao tratar do tema: Exposições ocupando uma sala inteira cheia de um conglomerado de objetos disparatados, como palavras, vídeos, fotos e de objetos comuns, como lata de cerveja, comentando assuntos políticos do momento, como AIDS. Embora os objetos não pareçam ter relação entre si, espera-se que o espectador chegue ignorante no ambiente e saia esclarecido sobre algum tema controverso que o artista lhe revela (1999, p. 179).

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Os objetos apresentam preocupações mais conceituais do artista do que visuais. É o caso de Marcel Duchamp e seus readymades10 (Figura 23). “Os readymades de Duchamp abriram as comportas de uma Arte puramente imaginária e não apenas ‘retinal’ (interpretando o mundo visual)”. Ele mudou o conceito do que é que constitui a Arte. (STRICKLAND, 1999, p.148). Ainda nas vertentes artísticas oriundas dos movimentos culturais do século XX podemos citar as performances, que podem ser entendidas como um “[...] evento montado para apresentar o artista, falando, cantando ou dançando, a Arte performática exige que o artista use o corpo diante de um público (STRICKLAND, 1999, p. 197)”, que tiveram papel fundamental no movimento de contracultura das décadas de 1960 e 1970. Temos ainda o vídeo, com todos os seus desdobramentos técnicos e estéticos como o cinema, o documentário, os desenvolvimentos artísticos como os vídeos-Arte, existindo sempre, é claro, as intersecções entre as linguagens videográficas. Concomitante a isso, encontramos a fotografia, que desde os seus primeiros momentos tem sua influência na história da Arte e tem grande papel para seus desdobramentos no início do século XX. Hoje a fotografia tem lugar de destaque na Arte contemporânea e é um suporte que está ligado a todos nós de várias formas. Seu desenvolvimento tem ampla influência da pintura e teve papel fundamental para o desenvolvimento da pintura como conhecemos hoje.


Figura 23 A “Fonte�, um dos famosos Readymades de Duchamp. Fonte Strickland. 2004, p. 148. Acervo pessoal.


Quando o pintor romântico francês Delaroche, conhecido por suas cenas trabalhosamente detalhadas, ouviu falar da primeira fotografia, proclamou: ‘Deste dia em diante, a pintura está morta!’ [...] Outros artistas viam a fotografia como acessórios auxiliares. Delacroix as usava como estudos para poses difíceis de manter [...] Seu grande rival, Ingres, negava que as fotografias pudessem constituir Arte fina, mas também as usava como estudos de retratos [...] Três gerações depois da invenção da fotografia, os pintores abandonaram a imagem e passaram a abstração. (STRICKLAND, 1999, p. 95).

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Ainda é importante lembrar do desenho e a gravura. O desenho tem por característica principal a linha, o traço. A partir deste referencial pode-se criar uma infinidade de idéias e realizações ao se tratar de representação e abstração. Porém o desenho vai além, detendo inúmeros tipos de linguagem individuais, tendo seu próprio universo de expansão. Entre essas linguagens estão o desenho artístico, a ilustração comercial, o desenho industrial ou até mesmo desenho em animação, se aproximando assim da linguagem do vídeo e de seus subgêneros - artístico, experimental, cinema de curta ou longa metragem etc. - cada um com um arcabouço de códigos individuais.

2.1. Os aspectos da educação em Arte presentes nas HQs As Histórias em Quadrinhos demonstram ter a elasticidade necessária para discutir as mais diversas abordagens relacionadas à educação. Ao longo de sua história já foi usada de diversas formas no que concerne aos aspectos educacionais, mesmo que determinados materiais não tivessem esta intenção por princípio. Mais a frente se discorrerá com maior profundidade sobre essas publicações. Neste momento gostaria de discutir a questão da educação informal, que em parte se relaciona com o costume da leitura de HQs, uma vez que muitos de nós somos acostumados à influência iconográfica das Histórias em Quadrinhos desde a infância. A absorção de influências providas dessa linguagem nos afeta


direta e indiretamente. Por isso acredita-se que o termo educação informal está atrelado aos quadrinhos que não são publicados com objetivo primeiro relacionado à educação. Por ser um termo “guarda-chuva”, consegue ser bastante abrangente e ao mesmo tempo dá conta de se fazer entender. Conforme afirma Gadotti, por meio da educação informal é possível [...] socializar os indivíduos desde o momento em que nascem, desenvolvendo hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar, valores e crenças da sociedade como um todo e dos grupos particulares dos quais o indivíduo participa (GADOTTI, 2007, p.2 apud SCHAFRANSKI, p.2). A afirmação acima contrasta com o conceito da educação formal “[...] que tem objetivos e sistemas herméticos e sistematizados, tem espaço e tempo delimitados, [...]” (GADOTTI, 2007, p.2 apud SCHAFRANSKI, p.2). Já o termo educação popular diz respeito à abordagem de trazer o educador para a realidade do educando, fazendo com que o viés de atuação tenha relação direta com a realidade do mesmo, seja ela social, profissional, etc. Este termo foi popularizado pelos estudos de Paulo Freire, sendo também estudado e desenvolvido por Moacir Gadotti, que afirma: Um dos princípios originários da educação popular tem sido a criação de uma nova epistemologia baseada no profundo respeito pelo senso comum que trazem os setores populares em sua prática cotidiana (2007, p.24). À luz dessas definições, vale ressaltar que toda uma gama de práticas já foram experimentadas nas mais diferentes vertentes de ensino e em diversas áreas do conhecimento, desde a alfabetização de jovens e adultos, práticas de aprimoramento técnico, e até mesmo dos currículos passados aos alunos em nossas escolas, regido pela LDB11 e pelos PCN. Quando se fala do ensino de Artes, se abre um leque de possibilidades de abordagens, tanto da educação formal, quanto na educação informal.


Como dizia o poeta russo Maiakovski, ‘a Arte não é para a massa desde seu nascimento. Ela chega a isso no fim de uma soma de esforços. É preciso saber organizar a compreensão’ [...] (BERG, 2002, p. VI). A idéia de propor o ensino-aprendizagem a partir do conhecimento técnico e artístico das Histórias em Quadrinhos faz parte da hipótese de que se pode aprender Arte com Arte, produzindo-a, entendendo-a e contextualizando-a. O mais surpreendente é justamente o fato de que a maior parcela dos estudos na área de Histórias em Quadrinhos não seja levado a sério pela área de Artes, contrariando o fato de que as características originais das Histórias em Quadrinhos tem relação direta com a Arte, desde sua origem.

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Por incrível que pareça, as origens das HQ estão justamente no início da civilização, onde as inscrições rupestres nas cavernas pré-históricas já revelavam a preocupação de narrar os acontecimentos através de desenhos sucessivos. (LUYTEN, 1987 p. 16). Os elementos diagramáticos, a relação entre forma e conteúdo, a necessidade de criação e reflexão imagética estão presentes desde os primeiros momentos das Histórias em Quadrinhos. Podemos citar o caso de Little Nemo in Slumberland de Winsor McCay em 1905 (Figura 24), onde o autor, além de estar em sincronia com um estilo artístico de sua época, o Art Noveau, transpõe o limite do que vulgarmente conhecemos como desdobramento característico do estilo, que são peças de mobiliário, pôsteres, peças arquitetônicas etc. O Art Noveau, que floresceu entre 1890 e a Primeira Guerra Mundial, foi um estilo decorativo internacional que se opôs à esterilidade da Era Industrial. Baseava-se em formas torcidas, floridas, que se contrapunham à aparência pouco estética dos produtos fabricados por máquinas. [...] o Art Noveau era facilmente reconhecível por suas linhas sinuosas e curvas do tipo trepadeira (STRICKLAND, 1999, p.91).


Figura 24 Little Nemo Slumberland, Winsor McCay.

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Fonte 3.bp.blogspot.com


Mesmo as publicações feitas aos moldes de linha de produção e distribuição industrial ainda apreendem características significativas para as Artes visuais, como é o caso dos Comics americanos, e por maior que seja sua repercussão, não fazem grande barulho no território das Artes visuais. Como por exemplo, Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons (Figura 25), que além de ter ganhado vários prêmios ligados às Histórias em Quadrinhos, ganhou uma honraria especial no prêmio Hugo, ligado à literatura, em 1988. Há também o caso da história em quadrinhos Maus (Figura 26), de Art Spiegelman, que ganhou um prêmio Pulitzer 12 , em uma categoria especial chamada de Special Awards and Citations – Letters, nos levando a crer que esta linguagem sempre flertou no território da literatura mais livremente do que das Artes visuais.

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É muito comum alguém ver nas Histórias em Quadrinhos uma forma de literatura. [...] Chamar quadrinhos de literatura, a nosso ver, nada mais é do que uma forma de procurar rótulos socialmente aceitos ou academicamente prestigiados (caso da literatura, inclusive infantil) como argumento para justificar os quadrinhos, historicamente vistos de maneira pejorativa, inclusive no meio universitário. Quadrinhos são quadrinhos. E, como tais, gozam de uma linguagem autônoma, que usa mecanismos próprios para representar os elementos narrativos. (RAMOS, 2010, p. 17). As Histórias em Quadrinhos têm em seu fazer técnico uma relação imbricada com o fazer artístico. Essa relação propõe inúmeros desdobramentos em termos de linguagem visual. É a sua vocação narrativa que lhe dá o status de Arte Sequencial (EISNER, 2010). A vontade de criar narrativas é natural ao ser humano, e sua criação é tão vinculada à forma de entendermos o mundo que sempre esteve presente na história da humanidade. A vida humana se cofunde, em suas origens, com as manifestações artísticas: os primeiros registros que temos de vida inteligente sobre a terra são, justamente, as manifestações artísticas do homem primitivo. (BERG, 2002, p. XII).


Figura 25 Watchmen. Fonte Gibbons; Moore. 1986, p. 146. Acervo pessoal.


As próprias imagens encontradas nas cavernas são um testemunho da capacidade e da necessidade de narrativa, e sua própria execução tem elementos narrativos que nos remete às Histórias em Quadrinhos, nos trazem esse conto histórico em forma de imagens em sequência. Toda a fala de Evelyn Berg no livro A Imagem no Ensino da Arte corrobora para mostrar o nível de intimidade que podemos atribuir entre Arte e Histórias em Quadrinhos: O fazer artístico não pode ser entendido como a aventura individual de uma inteligência ou sensibilidade especialmente datada, visando um fim em si mesmo. Duvignaud aponta, com propriedade, que em cada obra o artista parece inculpar toda uma comunidade, ou seja, toda a substância social. (BERG, 2002, p. XII).

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Entre as abordagens em Arte-educação, uma das mais difundidas, é a proposta triangular, desenvolvida por Ana Mae Barbosa, sob a estratégia de que, para se aproveitar, desenvolver e colher frutos no ensino-aprendizagem em Artes visuais é preciso ler, fazer, e contextualizar os conteúdos de Arte. Segundo Ana Mae: O intercruzamento de padrões estéticos e o discernimento de valores devia ser o princípio dialético a presidir os conteúdos dos currículos na escola, através da magia do fazer, da leitura deste fazer e dos fazeres de artistas populares e eruditos, e a da contextualização destes artistas no seu tempo e no seu espaço (BARBOSA, 2002 p.34). Sua proposta tem base na transformação do indivíduo a partir da Arte. De acordo com Ana Mae, a Arte está atrelada ao desenvolvimento tanto individual quanto social e nacional. Buscando referenciais históricos que remontam a época da Guerra Fria, podemos exemplificar a estratégia americana onde a educação foi direcionada para áreas criativas, para assim não ficar atrás da União Soviética em questões de desenvolvimento cultural. “Os americanos sentindo-se inferiorizados em relação aos russos culparam sua própria educação tecnicista pela inferioridade e investiram na educação através da Arte” (BARBOSA, 2002


Figura 26 Maus, de Art Spiegelman Fonte Spiegelman. 2010, Acervo pessoal

p.

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p.3). Porém estes mesmos jovens bem educados com ênfase na criatividade acabaram por se rebelar contra seu próprio governo nas décadas de 1960 e 1970, justamente pelo fato de terem uma visão abrangente e intelectualizada, pois perceberam o seu próprio país como um foco de grandes contradições. Para remediar a geração seguinte, foi implantado o que ficou conhecido como back to the basics. Para preservar o status era necessário acabar com a educação criadora pública e reservá-la para as escolas privilegiadas e que não iriam querer mudar nada, mas apenas fazer crescer o que já existia e tomar decisões para preservar os privilégios (BARBOSA, 2002 p.3).

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A autora deixa claro que a espinha dorsal de uma sociedade desenvolvida intelectualmente e socialmente estão relacionadas ao fato de existir a intencionalidade de uma grande ênfase educacional relacionada ao estudo das Artes. “Sabemos que Arte não é apenas socialmente desejável, mas socialmente necessária” (BARBOSA, 2002 p.5). A Arte está ligada a todos os meios de produção ao qual lidamos todos os dias, desde os desenhos de utensílios domésticos que são desenhados por equipes de designers, as roupas que vestimos que são desenhadas por estilistas e até simples camisetas tem suas estampas criadas em estúdios de áreas de criação em desenho, fotografia etc. Os exemplos são infinitos, vão desde o carro particular, passando pelo transporte público, os abrigos de transporte coletivo, tudo está relacionado a áreas de criação. As áreas criativas movimentam quantias enormes de dinheiro e criam um fluxo de mercadorias e profissionais proporcionando geração de renda e o surgimento de novos empregos. O próprio mercado de Arte movimenta quantias significativas em países onde se tem o devido interesse sobre o assunto, “[...] no Canadá a indústria das Artes desde 1982 vem sendo a que produz maior número de empregos em tempo integral [...] e ocupa o nono lugar na produção de renda para o país [...]” (BARBOSA, 2002 p.2). À luz destes fatos, discorreremos sobre a proposta triangular, que teve em seu desenvolvimento todos esses debates acerca da Arte-educação. Os três eixos da proposta – o ler, o fazer e o contextualizar –, não atuam de forma dissociada, atuam de forma conjunta para que se tenha um aproveitamento completo dos conteúdos propostos. Ana Mae explica que em idos dos anos 1980 era comum que o ensino das Artes fosse levado a cabo em uma única linha: o fazer. Herança do movimento modernista brasileiro que havia impulsionado historicamente a Arte brasileira...“o trabalho do atelier, isto é, o fazer Arte” (BARBOSA, 2002


p.34). O que é imprescindível para a aprendizagem, porém, não é suficiente para que se desenvolvam qualidades para ler e julgar a qualidade das imagens produzidas. A proposta triangular funciona como um tripé, as três pernas devem funcionar juntas, na falta de uma delas, o tripé não se sustenta. Não se pode descartar o trabalho de atelier, porém, somado a isto “Temos que alfabetizar para a leitura da imagem” (BARBOSA, 2002 p.34). Ou seja, preparar o discente para que este tenha arcabouço teórico para conseguir decifrar os códigos visuais de uma imagem. Junto a isto “Esta decodificação precisa ser associada ao julgamento da qualidade do que está sendo visto aqui e agora e em relação ao passado” (BARBOSA, 2002 p.35). Ou seja, contextualizar historicamente a imagem, tendo percepção sobre o momento histórico em que foi produzida e os desdobramentos que podem ser encontrados nos dias de hoje, se os apontamentos da época ainda encontram relevância hoje, sobre movimentos ao quais as obras ou peças gráficas fazem parte, sobre sua contribuição à cultura, seu contexto geográfico, sem deixar de lado o juízo subjetivo. Não adotamos um critério de história da Arte objetivo e cientifizante que seja apenas prescritivo, eliminando a subjetividade. Sabemos que em histórias da Arte é importante conhecer as características das classificações de estilo, a relação de uma forma de expressão com as características sociais e com a psicologia social da época, mas analisar as características formais do objeto no seu habitat de origem não pode ser o escopo máximo da história da Arte. Somos naturalmente leitores de imagens, formal ou informalmente, acabamos nos tornando melhores ou piores leitores. Como somos seres que se manifestam naturalmente pelo visual, estamos a todo o momento nos utilizando de mecanismos de decodificação imagética para entender o mundo. Este mundo cotidiano está cada vez mais sendo dominado pela imagem. Há uma pesquisa na França mostrando que 82% da nossa aprendizagem informal se faz através da imagem a 55% desta aprendizagem é feita inconscientemente (BARBOSA, 2002 p.34).


Porém quando somos alfabetizados visualmente, temos a oportunidade de decifrar os mais intrincados códigos visuais, como aqueles oferecidos pela Arte contemporânea. Ana Mae nos apresentou uma proposta já muito estudada e eficaz de fruição dos conteúdos de Arte-educação, que pode ser usada tanto na educação formal quanto na informal. Não é de espantar que grande parte da população se auto alfabetize visualmente sem eficiência a partir de imagens do cotidiano como anúncios publicitários, mídia informativa e até mesmo é claro, linguagens como as Histórias em Quadrinhos. Essa realidade pode se tornar uma oportunidade de abordagem, ao aproximar, por exemplo, as Histórias em Quadrinhos de propostas educacionais como a Triangular. Estaremos em um território amigável a quem está estudando, e, ao mesmo tempo, teremos todo o suporte para que esta prática de ensino-aprendizagem ganhe uma continuidade eficiente tanto para alunos quanto para professores.

2.2. Os quadrinhos no ensino – Casos comentados 75 | 76

Nas Histórias em Quadrinhos sempre esteve presente uma vertente educacional, onde algumas iniciativas podem ser levadas em consideração. Na vertente da educação informal encontramos uma quantidade considerável de publicações que tem objetivos educacionais ou doutrinários. É importante lembrar que, como Waldomiro Vergueiro aponta: Na sua grande maioria, as Histórias em Quadrinhos da indústria massiva do mundo comercial ocidental estão relacionadas com as necessidades de diversão e entretenimento de seus leitores (2009, p. 83). Devido ao aspecto comercial e de entretenimento, intrínseco às Histórias em Quadrinhos desde sua gênese, as produções que visam o aspecto educativo não tem um grande apelo para o grande público e, consequentemente, não possuem uma produção ao nível dos números alcançados pela indústria do entretenimento. Obviamente esta não é uma característica que afeta apenas as Histórias em Quadrinhos, e sim um reflexo do que tende a acontecer com todos os produtos e subprodutos da indústria do entretenimento.


Ao estarem atrelados a uma lógica de mercado, os produtos desta indústria acabam por simplesmente reproduzir fórmulas de sucesso à exaustão, observando apenas se esta produção está favorável à métrica financeira que se busca alcançar. Quando estas vertentes estão ligadas ao caso da educação informal, existe a possibilidade do interesse não ser necessariamente o financeiro, ou não ser o objetivo primeiro e sim o parte de uma manobra para um objetivo financeiro posterior. Quando se adentra na seara dos quadrinhos como ferramenta para a educação informal fica evidente que, pelos motivos destacados acima, a produção desse tipo de material além de pouco discutida, é de difícil estudo e categorização. Em geral, a produção não-comercial de Histórias em Quadrinhos é constituída por produtos elaborados de forma totalmente desregrada, sem qualquer controle, e, por isso, muitas vezes de difícil avaliação quanto a sua efetividade, estando permanentemente aberta a críticas e discussões (VERGUEIRO, 2009, p. 84). Apesar das dificuldades encontradas neste eixo de pesquisa, Waldomiro Vergueiro, um dos mais antigos estudiosos da área de Histórias em Quadrinhos no Brasil – a partir do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – propõe uma análise de “um conjunto de documentos primários coletados de forma aleatória durante vários anos” (2009, p.84). Os resultados obtidos começam por evidenciar que o interesse em relacionar as Histórias em Quadrinhos com temas educacionais remonta a década de 1940 nos Estados Unidos, muito provavelmente pelo “[...] potencial das Histórias em Quadrinhos para atingir todas as camadas da população.” (VERGUEIRO, 2009, p. 84). Estas publicações contavam histórias sobre personagens importantes da iconografia histórica mundial, entre outros roteiros relacionados. Interessante perceber também que ainda nesta década já surgiria uma editora de nome Educacional Comics, que tratava de temas religiosos e morais. Logo constatamos que os objetivos doutrinários religiosos - desde os anos de 1940 - já eram demasiado evidentes para apostar em uma proposta que ainda não tinha meio século de desenvolvimento e passava por cima do preconceito existente em relação às Histórias em Quadrinhos, “distinguindo o potencial como um dos mais conhecidos, ainda que nem sempre aceito por todo o público.” (VERGUEIRO, 2009, p. 84). E vários outros títulos dedicados à religião se seguiram, onde se destacam a “Top Comix e Treasure Chest


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Comic, ambos com uma longa vida editorial (BENTON, 1989 apud VERGUEIRO, 2009, p. 86)”. Vale lembrar também que, há pouco tempo, uma iniciativa parecida nos foi apresentada: a Bíblia em mangá (Figura 27). Ao se aproveitar da atual força da indústria de quadrinhos japoneses, foi lançada em 2007 e poucos anos depois saía no Brasil com o slogan “A história de Jesus, suas parábolas e os Evangelhos mais acessíveis do que nunca”, atestando o entendimento da editora sobre os HQs enquanto linguagem de fácil entendimento. Vergueiro identifica também uma linha de publicações que tiveram grande importância no Brasil. Trata-se da Edição Maravilhosa (Figura 28), que adaptava para as Histórias em Quadrinhos grandes obras da literatura mundial - nacionalmente adaptava também literatura brasileira - , originalmente lançado nos Estados Unidos sob o título de Classic Illustrated. Durante a II Guerra Mundial manuais que utilizavam a linguagem das Histórias em Quadrinhos foram utilizados. Inclusive com a colaboração de Will Eisner e, segundo ele, “[...] com resultados bastante favoráveis” (EISNER, 2000 apud VEGUEIRO, 2009, p. 86). Na Europa, o amadurecimento das publicações relacionadas à educação aconteceu na década de 1970. Na França, títulos que contavam a história do país e também títulos religiosos tiveram grande aceitação do público. Os 8 volumes de L’Histoire de France em BD chegaram a vender “[...] 600 milhões de exemplares em sete anos;” (VERGUEIRO, 2009, p.87). Com essa boa recepção do público, a mesma editora lançou mais um número considerável de títulos, como Découvrir La Bible, que acabou por ser editado em vários países. Vendo o sucesso dessas publicações, outros editores franceses logo se interessaram pela possibilidade de utilizar os quadrinhos na transmissão de conteúdos escolares e o número de títulos cresceu nos anos seguintes [...] (VERGUEIRO, 2009, p.87). Essas publicações falavam sobre a vida e obra de personalidades intelectuais como Freud, Einstein, Marx, e de temas mais complexos como psicologia e filosofia. No Brasil, desde os primórdios das publicações de Histórias em Quadrinhos, já havia um interesse em mostrar histórias com conteúdo educativo. A primeira revista brasileira dedicada às Histórias em Quadrinhos, de 1905, O Tico-Tico tinha reservado conteúdo moral para educar os bons costumes às crianças da época. Mais adiante, novas publicações foram editadas no Brasil, novamente com temas religiosos. Surgiu a Bíblia em Quadrinhos, histórias das vidas dos santos e personagens históricos do Brasil.


Figura 27 Capa da BĂ­blia em MangĂĄ. Fonte jbchost.com.br


De uma maneira geral, pode-se dizer que, durante os anos 1950, estas iniciativas tinham como principal finalidade criar uma boa imagem das revistas em quadrinhos nas mentes de pais e educadores, que, nessa época achavam que a leitura de toda e qualquer produção em quadrinhos teria consequências danosas para as crianças, como dificuldades na aprendizagem escolar, influências no comportamento familiar, diminuição da capacidade para o pensamento lógico e afastamento da realidade (VERGUEIRO, 2009, p. 88 - 89).

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Muito dessa adequação do conteúdo ocorrida nos quadrinhos estava de acordo com as acusações do psiquiatra alemão radicado nos Estados Unidos Fredric Wertham. No período da Guerra Fria, baseado em estudos em casos “[...] escolhidos a dedo e com rigor científico questionável [...]” (VERGUEIRO, 2012, p.12), Wertham tentava provar que as Histórias em Quadrinhos eram perniciosas para a mente das crianças, fazendo uma verdadeira cruzada contra esta linguagem em programas de rádio e televisão. Seus estudos e conclusões foram postos em um livro de sua autoria: A Sedução dos Inocentes, que marcou uma chaga para a história da Arte sequencial. “Esta visão – equivocada – predominou no país na segunda metade do século passado [...]” (VERGUEIRO, RAMOS, 2009, p.10). Por muitas décadas, vários estudiosos da área de Histórias em Quadrinhos lutaram para que as Histórias em Quadrinhos fossem entendidas da forma correta, e sempre tiveram problemas por causa do famigerado livro de Wertham. Esta luta existe até hoje, apesar de mais branda. Todas essas publicações citadas até agora demonstram o esforço de editoras de Histórias em Quadrinhos em buscar um mercado mais abrangente, com publicações diversificadas e que agregassem valor para o leitor. No entanto, fora deste eixo de editoras especializadas em HQs havia uma gama de produções de outras áreas que buscavam na linguagem das Histórias em Quadrinhos o suporte para “[...] transmissão de conhecimentos específicos; de uma forma puramente pragmática [...]” (VERGUEIRO, 2009, p.89). Como podemos perceber, as Histórias em Quadrinhos são uma ótima linguagem de aproximação do público com os conteúdos propostos. Os conteúdos destas Histórias em Quadrinhos são os mais variados, que vão desde cuidados com a higiene, preceitos morais a orientações para utilização de serviços. Quando se trata de Histórias em Quadrinhos que estão fora da lógica do mercado editorial especializado, sua pesquisa se torna mais complicada, pela produção ser realizada de forma “[...] totalmente


Figura 28 Edição Maravilhosa Fonte 4.bp.blogspot.com


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descentralizada, descontrolada e desorganizada [...]” (VERGUEIRO, 2009, p. 90). Esta realidade torna o estudo deste tipo de material muito mais complicado. O autor se queixa também do desinteresse acadêmico em relação a este tipo de material, mesmo que este que este seja consumido e interfira na vida de milhares de pessoas. Vergueiro revela que é muito difícil encontrar material que remonte décadas anteriores a de 1960. Pelo seu caráter específico, esse tipo de publicação é normalmente descartado depois de um tempo. Não existindo nem mesmo interesse por parte do produtor – o desenhista – de guardar arquivo de tais trabalhos. São as Histórias em Quadrinhos, produzidas a mando de “[...] órgãos governamentais, empresas produtivas ou instituições do Terceiro Setor.” (VERGUEIRO, 2009, p. 91). Em todo o acervo acumulado desde 1990 no Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, foram encontradas todas as formas de uso para a educação em forma de Histórias em Quadrinhos. Materiais como folhetos, revistas comerciais, materiais de campanhas políticas, publicações governamentais, dentre outros. Abordam os mais variados temas, como propaganda política com instruções para votar em determinado candidato, materiais institucionais para que os clientes conheçam melhor as empresas, materiais governamentais de temas variados “[...] como relacionados à saúde, trânsito e ecologia.” (VERGUEIRO, 2009, p.91). É importante ressaltar que o autor categoriza esses materiais na área da educação popular, por esta estar desatrelada ao currículo escolar convencional e, por vezes, estar lidando com questões mais próximas socialmente do seu público alvo, “[...] em geral, desvinculada dos canais formais de ensino [...]”(Vergueiro, 2009, p. 89). Desta amostragem recolhida, grande parte das revistas era de formato de 13 por 19 centímetros, tamanho próximo das publicações infantis comercializadas no Brasil, como as revistas da Turma da Mônica. As revistas eram sua maioria coloridas e com traços caricaturais, mesmo as publicações que tinham adultos como público alvo. Todos esses aspectos são entendidos pelo autor como uma busca pela empatia com o leitor, visto também que parte da amostragem tinha a palavra Gibi em sua capa, denominação genérica para designar as Histórias em Quadrinhos no Brasil, com o mesmo intuito. Grande parte do material não conta com assinatura dos envolvidos intelectualmente, provavelmente pelo caráter do material, que tende a ser feito com contratos onde todos os direitos intelectuais ficam com a empresa contratante, ou “[...] talvez aos autores não lhes preocupe tanto essa identificação. Considerando o trabalho realizado somente como um encargo realizado [...]” (VERGUEIRO, 2009, p.94). Nas publicações onde se pôde identificar assinatura, a mesma não deixava claro quem realmente era o autor ou o desenhista


da história, existindo também casos onde existia apenas a identificação do estúdio em que o material havia sido produzido. Vale salientar que na amostragem, o maior número de publicações de apenas um realizador era do estúdio Mauricio de Sousa Produções. Não obstante, é o maior estúdio de Histórias em Quadrinhos do Brasil, com alto nível produtivo e tem uma divisão exclusiva “[...] para a produção de Histórias em Quadrinhos destinadas a fins educativos, o Departamento de Projetos Especiais, o que talvez explique sua presença mais acentuada na amostra (VERGUEIRO, 2009, p.94)”. Ao avaliar a qualidade narrativa destas HQs com objetivos educacionais, fica evidente que falta um rigor em relação à utilização da linguagem das Histórias em Quadrinhos como um todo. Grande parte das publicações avaliadas por Vergueiro utilizam apenas o básico da linguagem das Histórias em Quadrinhos, que no caso são os requadros e os balões. Elementos técnicos mais refinados como onomatopeias, linhas cinéticas que denotam movimento são deixados de lado, fazendo com que a grande maioria das publicações se utilizando apenas do básico, percam a oportunidade de se “[...] tornar as histórias graficamente mais agradáveis e aprimorar o seu ritmo de leitura [...]” (VERGUEIRO, 2009, p.95). Esta falta de tato com a parte gráfica fica evidente com a percepção de que as histórias analisada por Vergueiro tem uma ênfase muito grande no texto, relegando o desenho como meramente ilustrativo, sem causar um diálogo que agregue a linguagem gráfica com o texto. Apesar de todos esses problemas, a amostragem revelou algumas Histórias em Quadrinhos que foram consideradas boas para o autor, destacando as publicações da organização religiosa LAKE – Livraria Alan Kardec – (Figura 29) que são Histórias em Quadrinhos que não tratam o conteúdo de forma monótona, como verificados em outras publicações onde acontecem casos, por exemplo, onde o personagem principal deixa de lado a ação da narrativa da história e se vira ao leitor, para explicar-lhe com grandes textos sobre o assunto abordado, quebrando o ritmo da narrativa. Nestas publicações mais bem realizadas elas “não colocam o didatismo de forma ostensiva como o principal objetivo a ser atingido” (VERGUEIRO, 2009, p. 99). Existe um dinamismo entre os conteúdos e a diversão do leitor, para, a partir de uma narrativa mais agradável, conseguir passar a mensagem desejada. Vergueiro destaca o papel do protagonista das histórias, Toinzinho, que atua de forma ativa na história, não sendo apenas um personagem passivo nos acontecimentos da narrativa da história. Além de utilizar-se de mais elementos importantes à linguagem das Histórias em Quadrinhos, as histórias de Toinzinho, os textos fazem parte de uma narrativa concisa com o enredo da história que está


sendo contada, com diálogos fluindo entre os personagens. Entende-se que essa opção criativa é mais bem-sucedida, pois passa a mensagem desejada aos leitores de uma forma não ostensiva, sem colocá-los em posição de inferioridade em relação a um personagem (VERGUEIRO, 2009, p. 101).

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Ao falar das Histórias em Quadrinhos na área da educação formal no Brasil, podemos começar no ano de 1996, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) registrou que havia a necessidade do ensino através da cultura e da Arte, e “[...] registra, de forma mais explícita, que, entre as diretrizes para o currículo do ensino médio, está o conhecimento de ‘formas contemporâneas de linguagem’.” (VERGUEIRO; RAMOS, 2009, p. 10). Entre estas linguagens contemporâneas pode-se incluir, é claro, as Histórias em Quadrinhos. Porém, as Histórias em Quadrinhos só iriam entrar oficialmente nos currículos da educação formal no ano seguinte, com a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Como as Histórias em Quadrinhos estão intimamente ligadas à área de Artes, os parâmetros dessa área “[...] para 5ª a 8ª séries mencionam especificamente a necessidade de o aluno ser competente na leitura de Histórias em Quadrinhos e outras formas visuais [...]” (VERGUEIRO; RAMOS, 2009, p.10). Na área de Língua Portuguesa, as Histórias em Quadrinhos são mencionadas também, porém, no ensino fundamental, em forma de charges e tiras, como auxílio à leitura e escrita. No PCN do ensino médio são feitas referências às Histórias em Quadrinhos. “No volume dedicado a Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (2008) [...]” (VERGUEIRO, RAMOS, 2009, p.11) Este conteúdo é colocado de forma a salientar a importância do entendimento da narrativa das Histórias em Quadrinhos, fazendo paralelo com momentos da história da Arte, fazendo, com esta mescla, os conteúdos ficarem mais interessantes. Os PCN do ensino médio destacam ainda vários estilos de Histórias em Quadrinhos e sua importância [...] como fonte histórica (2008:73) e de pesquisa sociológica (2008:130). No segundo caso, assimilam que charges, cartuns e tiras são dispositivos visuais gráficos que veiculam e discutem aspectos da realidade social, apresentando-a de forma crítica e com muito humor’ (VERGUEIRO, RAMOS, 2009, p.11).


Figura 29 Toinzinho e sua narrativa com elementos enriquecedores. Fonte Vergueiro. 2009, p. 101.


Esta influência das Histórias em Quadrinhos se estende também para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que frequentemente apresenta charges e tiras no exame. Onde é cobrada do aluno a habilidade de ler não só o código verbal escrito, mas também outras formas de linguagens, de acordo com o registro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O Enem quer saber até onde vai a sua capacidade para entender as várias formas de linguagem, seja um texto em português, um gráfico, uma tira de história em quadrinhos ou fórmulas científicas. Você tem de demonstrar que conhece e entende os códigos verbais e não-verbais (INEP, 2008 apud VERGUEIRO, RAMOS, 2009, p. 12).

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Outro aspecto relacionado ao interesse governamental no uso de Histórias em Quadrinhos no ensino formal é o PNBE, o Programa Nacional Biblioteca da Escola, que desde 1997 vem criando licitações junto às editoras com o intuito criar acervo bibliográfico em escolas de ensino fundamental e médio para que os alunos tenham acesso à cultura e informação. O grande interesse das listas do PNBE sempre fora a literatura brasileira, que, por motivos óbvios, devem estar à disposição ao maior número de escolas públicas possíveis, porém, a partir do ano de 2006, as Histórias em Quadrinhos começaram a ser incluídas nas listas do PNBE. “O foco dos lotes definidos em 2006 – que foram distribuídos em 2007 – eram estudantes das séries finais do ensino fundamental.” (VERGUEIRO, RAMOS, 2009, p.12). Nesta primeira lista, onde foram selecionados 225 títulos, dez eram Histórias em Quadrinhos, um número baixo, se pensado a quantidade de títulos selecionados. Entre os títulos, dois eram adaptações de obras literárias, dois títulos eram de caráter biográfico, e os outros de temas variados. Os autores atribuem a escolha dos títulos ao edital da licitação, que, apesar de ter sido claro em dizer qual o critério de seleção dos títulos, deixava evidente que as entidades do governo lidavam com estes títulos de Histórias em Quadrinhos como se eles fossem literatura. O texto sugere a interpretação de que o governo vê os quadrinhos como gêneros literários. O artigo 1º do edital dizia que o objetivo era ‘determinar a distribuição de obras de literatura pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola’ (VERGUEIRO; RAMOS, 2009, p. 17).


A inclusão das Histórias em Quadrinhos na lista do PNBE acabou por causar um aquecimento do mercado editorial na área de Histórias em Quadrinhos, as editoras passaram a investir mais neste tipo de material, principalmente os materiais que lidavam com adaptações de obras literárias, pois se verificou que este era o tipo de publicação que tinha mais chances de entrar na lista do PNBE. Isso acabou por causar alguns atropelos relativos à produção nacional deste tipo de material. “Entre 2006 e 2008, houve quatro adaptações de O Alienista e três de A Cartomante, baseados em contos de Machado de Assis (1839 – 1908)” (VERGUEIRO; RAMOS, 2009, p. 18). No ano de 2007, quando sairia a lista para aquisições para o ano de 2008, a seleção foi dividida em três etapas, a primeira delas para o ensino médio, onde eram previstos 160 títulos. Ao sair a listagem, nenhum deles era de história em quadrinhos. Isto denota a interpretação governamental em relação à linguagem das Histórias em Quadrinhos, que se mostrava a eles neste momento, apenas indicado à educação básica. Apenas na terceira seção é que foram adicionadas as Histórias em Quadrinhos, não é de se espantar que fosse à lista dedicada ao ensino fundamental onde “[...] sete dos 100 livros eram obras em quadrinhos.” (VERGUEIRO; RAMOS, 2009, p.19). Um saldo que era até mesmo inferior ao ano anterior, que já não era grande. Neste mesmo ano, três das sete publicações em história em quadrinhos foram adaptações literárias, o que denota que o governo ainda tratava as Histórias em Quadrinhos como literatura e, de preferência, para crianças. Outro trecho reforça essa leitura. O item 4.3 do edital estipula três áreas para composição do acervo: textos em prosa, em poesia e livros de imagens e Histórias em Quadrinhos, ‘dentre os quais se incluem obras clássicas da literatura universal artisticamente adaptadas ao público da educação infantil e das séries/anos iniciais do ensino fundamental’ (VERGUEIRO, RAMOS, 2009, p.23). O PNBE de 2009 verifica uma melhora sensível em relação aos anteriores, desta vez não se encontra itens referentes às adaptações de obras literárias, no lugar, são expostos tópicos onde se pode ver os tipos de materiais que a lista deve englobar, entre os tópicos encontramos por exemplo, poema, romance, obras clássicas e também Histórias em Quadrinhos. A partir deste edital, as Histórias em Quadrinhos passam a ser válidas no ensino médio também, neste ano, 15 publicações são selecionadas para o ensino fundamental


e seis para o ensino médio. Importante salientar que mesmo não havendo nenhuma obrigatoriedade de adaptação literária neste ano, quatro publicações de adaptações literárias em história em quadrinhos são listadas. Deixando claro que não existe problema em adaptações literárias em forma de história em quadrinhos. Até a lista de 2009, a interpretação sugerida pelo governo era a de que os quadrinhos constituíam uma ferramenta – mais atraente que o livro tradicional por articular imagens e palavras, é certo, mas, ainda assim, ferramenta – que poderia levar os estudantes a outras formas de leitura (VERGUEIRO, RAMOS, 2009, p.24).

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O problema desta abordagem é a criação de uma hierarquia de leitura, onde as Histórias em Quadrinhos seriam uma espécie de “trampolim” para a literatura. As Histórias em Quadrinhos não representam assim, um fim educacional em si, mas apenas uma ferramenta de outra engrenagem educacional, o é uma visão simplista das possibilidades das Histórias em Quadrinhos como linguagem eficiente para educação. Este cenário de publicações chegou ao seu ápice no PNBE de 2011, onde 26 títulos de Histórias em Quadrinhos foram listados, um grande crescimento desde a primeira listagem com dez publicações. Porém no ano de 2012 este número caiu vertiginosamente para sete títulos, talvez pelo fato do PNBE de 2012 visar atender a área de educação infantil, o primeiro ciclo do ensino fundamental e a educação de jovens e adultos (EJA). Claro que, se pararmos para pensar, existem muitas possibilidades de títulos para esses públicos. Existe também a possibilidade do mercado editorial ter se resfriado com os problemas causados com as publicações de Histórias em Quadrinhos que acabaram sendo recolhidas em alguns estados sob a alegação de tratarem de temas muito adultos para o público da escola. Apesar destes fatos, Jane Cristina da Silva, representante do MEC refuta esses fatos em entrevista dada a Telio Navega do blog Gibizada. Segundo Jane (2011): Na verdade, o que houve foi uma redução no número de obras inscritas pelas editoras. É preciso considerar que não é possível comparar a edição do ano passado (PNBE 2011) com a deste ano (PNBE 2012), pois a distribuição é alternada, são públicos bastante diferentes.


Naturalmente, há muito mais obras em quadrinhos voltadas para o público jovem - ensino fundamental 6º ao 9º e ensino médio - do que obras em quadrinhos voltadas para alunos menores ou para o público adulto, como o do EJA. Assim, dentre as obras apresentadas para avaliação, foram selecionadas aquelas que reuniam as qualidades necessárias para constar dos acervos. De todos os exemplos que observamos, tanto na abordagem não formal quanto na abordagem formal dos conteúdos educacionais a partir das Histórias em Quadrinhos, conseguimos constatar que em todos os exemplos a linguagem das Histórias em Quadrinhos é usada de forma paradidática, funcionando apenas como suporte para uma abordagem mais “séria”. A possibilidade de se utilizar a história em quadrinhos de forma didática foi sumariamente descartada. Essa realidade mostra que deve haver mais estudos de como usar as Histórias em Quadrinhos no ensino com plenitude. Temos o exemplo de Scott McCloud, que criou e publicou três livros que ensinavam como se entender, criar e desconstruir as Histórias em Quadrinhos, em termos de conteúdo, os livros de McCloud não perdem em nada para os livros de Will Eisner que tratam do mesmo assunto, diferindo que, no caso de Eisner, as imagens de quadrinhos estão como suporte e exemplo do que está sendo discutido. No caso de McCloud o que existe é a história em quadrinhos, e todas as características que ela pode proporcionar para se fazer entender como conteúdo didático. Com isso, podemos concluir que, no Brasil, as Histórias em Quadrinhos com maior rigor técnico e estético de linguagem são, em matéria educativa, suplementos para um entendimento da obra de algum autor, momento histórico, etc. Já as Histórias em Quadrinhos que tem objetivo primordial a educação mesmo de que forma paradidática – tendem a sofrer mais com a falta de qualidade, que vai desde impressões simplórias, personagens pouco cativantes, pouco uso da linguagem mais rebuscada das Histórias em Quadrinhos, entre outros elementos empobrecedores. E existe, de uma forma geral, uma falta de iniciativas como a de McCloud de levar a educação através das Histórias em Quadrinhos mais a sério e de forma mais crente nas possibilidades. Com isso, não vemos Histórias em Quadrinhos que abordem a área de Arte, o máximo que chegamos perto disso são suplementos onde se aprende técnicas de desenho geométrico e figura humana, mas os aspectos primordiais da Arte, como estética, crítica e história da Arte não são abordadas nas Histórias em Quadrinhos que se propõe a tratar do tema.


Notas

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4 Movimento artístico que teve início no século XV em Florença, se desenvolveu por toda Europa no século XVI, as principais características são “[...] a redescoberta da arte e da literatura da Grécia e de Roma, o estudo científico do corpo humano e do mundo natural e a intenção de reproduzir com realismo as forma da natureza (STRICKLAND 2004, p.32). 5 Além de introduzir o nu na arte, os gregos criaram os cânones de proporção em figura humana que são usados como base até os dias de hoje, buscando sempre a perfeição, seja na representação da figura humana, na poesia ou arquitetura. 6 Os romanos tiveram uma arte de visualidade muito influenciada dos gregos e etruscos, “[...] a arte romana assimilou, da arte Greco-helenística, a busca por expressar um ideal de beleza, e, da arte etrusca, mais popular, a preocupação em expressar a realidade vivida.” (PROENÇA, 2007, p. 42). 7 A Arte contemporânea, de modo simples, é a Arte que se faz nos dias de hoje, embebida com todas as referências dos movimentos da história da Arte, se apresenta de forma descentralizada, nas mais diferentes formas de apresentação, em suportes variados e com diferentes objetivos. A Arte contemporânea “[...] estimula o espectador a pensar, a interagir com as obras a sair de uma atitude passiva [...]” (PROENÇA, 2007, p. 401). 8 A instalação é uma montagem de uma obra onde o espectador se vê imerso em um universo construído pelo artista que a propõe. Podendo conter vídeo, objetos, fotografias, etc. A intenção é criar um ambiente onde o espectador possa interagir ativa ou passivamente e viver a obra de alguma forma. 9 O objeto teve origem com as obras de Duchamp, uma obra de Arte é considerada objeto quando sua feitura não se caracteriza como escultura, por não ter sido produzida pela manufatura do artista. O objeto funciona como uma colagem tridimensional, onde são agregados significados a peças que anteriormente não o possuíam. 10 “Para Duchamp, a concepção da obra-de-arte era mais importante que o produto acabado. [...] Os readymades de Duchamp abriram as comportas de uma arte puramente imaginária e não apenas ‘retinal’. [...] Ele mudou o conceito do que é que constitui a arte. (STRICKLAND, 2004, p. 148) 11 As Leis de Diretrizes e Bases da Educação nacional são as leis que regulamentam a educação no Brasil, tendo existido três versões (1961, 1971 e 1996). 12 Um dos prêmios mais tradicionais do jornalismo mundial. Existe desde o ano de 1917.




3. Os HQs aplicados ao ensino - uma análise comparativa. Neste capítulo traremos um levantamento de dados referentes à aplicação das Histórias em Quadrinhos na área educacional, seus resultados em cinco propostas premiadas em projetos com iniciativas na área de educação com Histórias em Quadrinhos. Mas primeiro, começaremos referenciando a pesquisa que foi feita pela universidade de Brasília a pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). A pesquisa tinha o intuito de analisar os fatores externos que afetavam a qualidade da educação. Nas palavras do relatório, “As relações entre a escola, a vida e a qualidade de ensino.” (CODO; MENEZES, 2001, p. 1). A pesquisa foi realizada em três momentos, nos anos de 1999, 2001 e 2003. A iniciativa tinha como objetivo ser “[...] um documento de denúncia e de anúncio, revelador de muita coisa que já sabíamos, mas, também, despertador de tantas outras que precisam ser ditas e re-conhecidas.” (1999, p.1). Em 2001, o Retrato da Escola 2 estava pronto, dando continuidade ao trabalho de Retrato da Escola 1 e como desdobramento do livro Educação: Carinho e Trabalho de Wanderley Codo, a partir do Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília (LTP – UnB) a pedido do CNTE. Com a premissa de entender as relações na vida dos alunos que contribuíam para a qualidade de ensino dentro da sala de aula. Os dados foram obtidos a partir de cruzamento de fontes de dados e de 4 questionários aplicados em território nacional com a participação de aproximadamente 300.000 pessoas entre alunos, professores diretores e os aplicadores sobre a escola. Alunos da 4ª série do ensino fundamental, oitava série do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio também foram submetidos a uma prova de avaliação. Por que os dados dessa pesquisa são importantes? Justamente pelo fato de ter-se descoberto como as Histórias em Quadrinhos influenciam no aprendizado. Os resultados obtidos mostram que os alunos que leem Histórias em Quadrinhos tem desempenho superior em relação a alunos que utilizam apenas o livro didático. Existem casos, como em alunos da 4ª série, que a proficiência do aluno que tem contato com Histórias em Quadrinhos, é quase o dobro em relação aos alunos que não tem acesso às Histórias em Quadrinhos. Como podemos ver na Figura 30 (CODO; MENEZES, 2001, p. 45). E na Figura 31 (CODO; MENEZES, 2001, p. 46). Verificamos como ficam evidentes os benefícios das Histórias em Quadrinhos como instrumento para melhora da qualidade educacional. Vale ressaltar que não estamos falando necessariamente de Histórias em Quadrinhos com intuito educacional, e sim de Histórias em Quadrinhos de um modo geral, entende-se que a própria aproximação com a leitura, tanto verbal quanto imagética, é extremamente enriquecedora, nas palavras dos pesquisadores:


Para os alunos, o que se nota é que qualquer tipo de leitura melhora a formação, inclusive aquelas discriminadas por alguns setores da sociedade como revistas em quadrinhos. A forte regularidade entre os dados não permite, sequer, priorizar entre o tipo de leitura. (CODO; MENEZES, 2001, p.48)

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A partir daqui, buscaremos em dois prêmios relacionados à área de educação em território brasileiro e observaremos a frequência de projetos inscritos que tem ênfase na área de Histórias em Quadrinhos, ou que, pelo menos fazem menção ao seu uso durante o processo do projeto proposto. Começaremos com o prêmio Arte na Escola Cidadã, que, inspirado pelo Ano Internacional por uma Cultura de Paz e Não-violência, no ano de 2000, foi criado pelo Instituto Arte na Escola como forma de incentivo e difusão das práticas de ensino na área de Artes, a partir de convênios com Universidades, Secretarias de Educação e Cultura, Escolas, Museus e Centros Culturais, convidando todos os professores de Arte ligados à Rede Arte na Escola. Desde o ano 2000 foram 56 projetos premiados e dez menções honrosas, totalizando até agora treze anos de premiações. Apesar destes números, nenhum dos projetos apresentados foi pensado com ênfase em Histórias em Quadrinhos. Contudo, dois desses projetos se utilizaram das Histórias em Quadrinhos em seu processo de desenvolvimento e aplicação. São eles: projeto Arte dos Índios Kadiwéu, 1º lugar do VII Prêmio Arte na Escola Cidadã, e o projeto Arte Contemporânea: Panorama Salvador - pintura sobre outdoor, vencedor na categoria ensino médio no IX Prêmio Arte na Escola Cidadã. Primeiramente visualizamos um fato claro: além de não haver projetos que levassem a cabo os conteúdos de Arte com ênfase na linguagem das Histórias em Quadrinhos, existe um hiato de dois anos entre os dois projetos que se utilizaram dessa linguagem durante o processo, havendo também um hiato de seis anos até que o primeiro surgisse e quatro anos desde o último. Entretanto, o que podemos dizer é que a linguagem das Histórias em Quadrinhos foi bem usada no primeiro projeto. No segundo, teve um papel bem menor, servindo em conjunto de outras manifestações imagéticas como referencial de educação do olhar. O primeiro, que trata de atentar ao fato de existir uma imagem “[...] estereotipada do índio brasileiro presente nas escolas – aquele que usa tanga, pena na cabeça e emite sons vocais batendo com a mão na boca [...]”. Para trabalhar o assunto, a professora de Artes Visuais Ana Lúcia, propôs uma série de atividades


Figura 30 Tabela de proficiĂŞncia.

Figura 31 Tabela de proficiĂŞncia.

Fonte Codo. 2001, p.45. Acervo pessoal.

Fonte Codo. 2001, p.46. Acervo pessoal.


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que levavam os alunos da escola Estadual Antônio Lourenço Correa a conhecer a cultura indígena brasileira, despertando o interesse dos alunos com perguntas, materiais como reproduções de obras, cerâmicas, vídeos e transparências sobre a diversidade cultural (Figura 32). Concomitante a isso, uma série de oficinas foi proposta. “Nelas, os alunos puderam criar, em diferentes linguagens, formas de expressar o que haviam aprendido”. Entre as oficinas, em uma delas os alunos narrariam o mito da criação dos índios Kadiwéu em forma de história em quadrinhos. As oficinas contaram com mais uma infinidade de atividades, como releituras, criação de desenhos inspirados nos padrões de cerâmica, leitura de imagens dos alunos, entre outros (Figura 33). O segundo projeto, Arte Contemporânea: Panorama Salvador - pintura sobre outdoor, vencedor no ano de 2008 na categoria Ensino Médio, abordava o fato de professora Mônica Colucci verificar que havia um padrão de desenhos em alunos do ensino médio do Colégio São Paulo, em Salvador – Bahia. Desenhos de casas, flores e o sol, por exemplo, eram os mais frequentes, junto com as queixas de que não sabiam desenhar. Verificando mais a fundo, a professora descobriu que aquelas representações haviam surgido ainda na infância desses alunos, na faixa dos sete anos de idade. “Mesma época em que o aprendizado de português e de matemática também tinha seus limites bastante delineados em operações como adição, subtração, na produção de textos curtos e frases simples.” A partir deste ponto, Mônica tratou de enriquecer o repertório visual dos alunos, com filmes, reproduções de obras de arte de vários momentos históricos, Histórias em Quadrinhos, entre outros referenciais imagéticos (Figura 34). Ao final os alunos estudaram sobre propaganda de rua e suas especificidades técnicas, que culminou no final do processo com os alunos fazendo um trabalho de pintura em outdoor (Figura 35). Outro prêmio que foi pesquisado foi o Prêmio Professores do Brasil, que, inicialmente levado a cabo pela fundação Bunge, no ano de 1996, nascia o projeto sob o nome de Prêmio Incentivo à Educação. Indo até o ano de 2004, premiando um total de 149 projetos, dentre os quais apenas um tinha ênfase no uso das Histórias em Quadrinhos. No ano de 2005, com a união de várias entidades e prêmios relacionados, surge o Prêmio Professores do Brasil. O ano de 2005 inaugurou a primeira edição do Prêmio Professores do Brasil. Com muito empenho iniciamos uma nova proposta de premiação, conservando os antigos parceiros – Fundação Orsa e Fundação Bunge – e contando ainda com o apoio tradicional de


Figura 32 Arte dos Índios Kadiwéu, 1º lugar do VII Prêmio Arte na Escola Cidadã.

Figura 33 Arte dos Índios Kadiwéu, 1º lugar do VII Prêmio Arte na Escola Cidadã.

Fonte www.artenaescola.org.br

Fonte www.artenaescola.org.br


duas importantes entidades, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime). (2006. P. 10)

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Com a alcunha de Prêmio Professores do Brasil, foram premiados 144 projetos, entre eles, dois relacionados às Histórias em Quadrinhos como ferramenta de ensino-aprendizagem. Vamos nos aprofundar um pouco nesses três projetos e verificar como foi utilizada a linguagem das Histórias em Quadrinhos nesses casos. O primeiro projeto, da época em que o prêmio ainda se chamava Prêmio incentivo à educação, é apresentado o projeto intitulado O Mundo da Gibilândia, pautado em uma premissa de incentivo à leitura, a professora Adriana Tauscheck Jorge, de Rio Nego – Paraná, percebeu que poderia melhorar a capacidade de leitura dos alunos do Ciclo Básico de Alfabetização 3 e 4 incentivando-os a ler Histórias em Quadrinhos, “tornando o aluno apto à leitura interpretativa e argumentativa, ao registro de idéias, à clareza destes registros e à autonomia de sua oralidade.” O projeto data de 2001. O segundo projeto, já da época que o prêmio se chamava Prêmios Professores do Brasil, é do ano de 2007 e se chama Semeando o prazer de ler com as Histórias em Quadrinhos (Figura 36). Percebemos logo no primeiro momento que este projeto tem relação dialógica com o primeiro apresentado em 2001. O projeto, de Pompéia – São Paulo, trata sim, do mesmo tema do projeto anterior, segundo as palavras do próprio projeto: “Os gibis como iniciação à leitura”. O alvo do projeto também era a educação infantil, mais especificamente da pré-escola. O projeto criado pelos professores Marcelo Campos Pereira, Rita de Cássia Souza Ribeiro Silva e Vilma Maria do Nascimento Vicentin visava criar o hábito e o gosto pela leitura a partir da narrativa que chamaria mais a atenção das crianças, as Histórias em Quadrinhos. Justamente por se tratar de texto com imagem. Não fica bem claro o porquê de não se usar, por exemplo, livros ilustrados, que apresentam também imagens e palavras. Existe a possibilidade da escolha ter sido a história em quadrinhos pelo fato de existir uma iconografia que seria reconhecida pela criança e pela facilidade de encontrar material. Uma das diferenças deste projeto é o fato de haver arrecadado cerca de 300 publicações para a criação de gibitecas. A importância da iconografia fica clara na passagem:


Figura 34 Projeto Arte Contempor창nea: Panorama Salvador pintura sobre outdoor.

Figura 35 Projeto Arte Contempor창nea: Panorama Salvador pintura sobre outdoor.

Fonte www.artenaescola.org.br

Fonte www.artenaescola.org.br


O passo mais importante foi levar os pequenos leitores e a gibiteca para outros lugares e contagiar outras crianças a desenvolverem o gosto e o prazer pela leitura. Foram criadas atrações à parte como o Trenzinho da Leitura, vagão que transporta as crianças caracterizadas de personagens da Turma da Mônica (VIDIGAL). Percebemos que a relação com os personagens conhecidos de Histórias em Quadrinhos é um diferencial para criar empatia pelas Histórias em Quadrinhos e assim, pela leitura. Um ano depois, no Terceiro Prêmio Professores do Brasil, o terceiro projeto que lida com Histórias em Quadrinhos, chamado Gibiteca na Escola. Como o nome indica, a professora Natania Aparecida da Silva Nogueira (Figura 36), de Leopoldina – Minas Gerais, propõe a criação de uma gibiteca (Figura 37), desta vez, para melhorar o rendimento nas aulas de história. O público alvo desta vez são crianças do ensino fundamental nas séries finais. Nas palavras da professora: 99 | 100

A gibiteca foi uma forma de incentivar mais a leitura, essencial para as aulas de história. Os textos dos livros didáticos, por vezes, são cansativos para os alunos, que chegam ao fundamental acostumados a leituras breves (SCHENINI, apud NOGUEIRA). Várias atividades são promovidas na gibiteca criada, incluindo a visita de outras escolas na mesma. Atividades como conversas com cartunistas, restauração de Histórias em Quadrinhos e vem promovendo o incentivo à leitura. A professora Natania também é organizadora de dois blogs: Brasil: História e Ensino e Gibiteca.com, que estão sempre atualizados com conteúdos relacionados à gibiteca e ações sobre área educacional relacionada às Histórias em Quadrinhos. Como podemos perceber as cinco propostas tem cada uma, sua especificidade, existindo uma maior proximidade nas três últimas propostas, - uma do Prêmio Incentivo à Educação e duas do Prêmio Professores do Brasil - que tratam do interesse sobre a leitura. Primeiramente, fica claro que as abordagens educativas relacionadas às Histórias em Quadrinhos são, em quantidade, ínfimas em relação ao número total de projetos premiados em todos os anos.


Figura 36 Semeando o prazer de ler com as Hist贸rias em Quadrinhos. Fonte www.premiovivaleitura.org.br


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No primeiro prêmio pesquisado, o Prêmio Arte na Escola Cidadã, com um número total de 56 projetos e nenhum relacionado às Histórias em Quadrinhos é um dado preocupante, e nesses treze anos de premiações, apenas duas propostas usarem a linguagem das Histórias em Quadrinhos durante o processo de desenvolvimento do projeto é um dado espantoso. Se pararmos para pensar que se trata de um prêmio relacionado ao ensino de Artes, é ainda mais espantoso pensar no desinteresse na área de Arte por esta linguagem que tem grande penetração para crianças e adultos, e é uma linguagem de fruição de conteúdos extremamente eficiente. Apesar disso, a abordagem dada pelos professores Ana Lúcia e Mônica Colucci abordaram de forma satisfatória a linguagem, a primeira, incentivando a criação de uma história em quadrinhos, o que leva a referenciais teóricos de linguagem de quadrinhos, tendo um fim em si, que era expressar a história dos índios Kadiwéu. A segunda abordagem, que usou as Histórias em Quadrinhos como referencial visual válido ao lado de várias outras linguagens visuais contemporâneas ou históricas e serviram para o desenvolvimento de produtos visuais plásticos e referenciados. No segundo prêmio pesquisado, as três abordagens são bem parecidas, todas se utilizaram da história em quadrinhos como trampolim para se chegar a um objetivo, que é incentivar o gosto pela leitura e melhorar o nível de leitura dos alunos. O que, obviamente não é uma abordagem arbitrária, mas sim uma abordagem extremamente válida. Porém, este tipo de abordagem, em si, tende a disseminar o uso das Histórias em Quadrinhos como uma espécie de “literatura menor”, o que é prejudicial para o entendimento das Histórias em Quadrinhos como linguagem autônoma e capaz de ter um valor em si, não como trampolim. Vale ressaltar que, apesar das propostas destes três projetos apresentarem uma visão que, a primeira vista, é simplória em relação à abordagem das Histórias em Quadrinhos, fica visível que existe uma preocupação com o “pós-projeto”, isto é, uma intencionalidade de continuar agregando valor às Histórias em Quadrinhos que não haviam a princípio no projeto de uma forma geral. Esta iniciativa fica mais clara na abordagem da professora Natania Nogueira, que demonstra estar engajada com as questões educacionais relacionadas às Histórias em Quadrinhos, sempre registrando tudo em seu blog chamado Gibiteca.com. Contudo, os números do Prêmio Professores do Brasil são ainda mais impressionantes. Se somarmos o número de projetos premiados da época em que o prêmio se chamava Prêmio Incentivo à Educação e seu segundo momento, com nome de Prêmios Professores do Brasil, teremos um total de 293 projetos premiados, dos quais apenas três têm ênfase no ensino-aprendizagem com Histórias em Quadrinhos, totalizando 1,02% do total de projetos premiados. Sabe-se que a abordagem educativa com Histórias em Quadrinhos, além de benéfica, pode ser usada


Figura 36 Professora Natania Nogueira e os alunos do projeto Gibiteca na Escola.

Figura 37 DependĂŞncias da gibiteca criada pelo projeto.

Fonte portaldoprofessor.mec.gov.br

Fonte gibitecacom.blogspot.com.br


em áreas das mais diversas. No livro Como usar as Histórias em Quadrinhos em sala de aula, organizado por Waldomiro Vergueiro e Angela Rama, há exemplos de como se utilizar das Histórias em Quadrinhos em Língua Portuguesa, Geografia, História e Artes. Por esse motivo, entende-se que apenas 1% de projetos com ênfase em Histórias em Quadrinhos é um número diminuto perto de seu enorme potencial de utilização.

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4. Considerações finais As Histórias em Quadrinhos nos mostraram neste percurso uma infinidade de personagens e histórias que nos afetaram de forma emocional, intelectual e cognitiva. Muitas das pessoas que são hoje entusiastas e fãs das Histórias em Quadrinhos começaram a ler ainda muito jovens, quando ainda não sabiam nem mesmo ler as palavras que as histórias continham. Algumas dessas pessoas afirmam categoricamente que aprenderam a ler com as Histórias em Quadrinhos. Foi possível constatar também a forte influência das Histórias em Quadrinhos no decorrer da história, desde o seu surgimento. Relembramos que as HQs surgidas no final do século XIX encontraram seu apogeu ainda nas primeiras décadas no século seguinte, a famosa “era de ouro”, como ficou conhecida nos Estados Unidos. Com sua grande distribuição e baixíssimo preço, foi a grande responsável pelo desenvolvimento dos quadrinhos como conhecemos hoje, importância tamanha, que ainda no meio do século XX já era estudada academicamente e se mostrava como grande influência para os grandes artistas da época. A vocação educativa dos HQs foi comprovada por vários exemplos e depoimentos. Quando perguntado sobre a relação do público com as questões educacionais das Histórias em Quadrinhos, Sidney Gusman – Editor chefe da Mauricio de Souza Produções, a maior produtora nacional de quadrinhos – afirma que existe sim uma preocupação com as questões educacionais nas histórias da turma da Mônica, citando também material em quadrinhos próprio para o ensino, além das revistas de banca com periodicidade com a mesma preocupação. Quando indagado sobre grande parte de seu público afirmar ter aprendido a ler com as histórias da turma da Mônica ele responde: “Eu adoraria ganhar um real, toda vez que alguém chegasse até nós e falasse ‘Maurício eu aprendi a ler por tua causa’ eu iria estar milionário, por que é muita gente!” (GUSMAN, 2012). Afirma também que mesmo os quadrinhos de linha, que tem como objetivo a banca de revista, são frequentemente assinados por escolas e bibliotecas e por isso eles têm este cuidado com o valor educacional das histórias. Por exemplo, no quadrinho da turma da Mônica Jovem, a faixa etária estimada seria de crianças entrando na adolescência, entre os doze e quatorze anos, para isso eles tinham a intenção de abordar “temas educacionais, como drogas, iniciação sexual, etc.” (GUSMAN, 2012). Porém a resposta do público foi diferente, e a maior parcela de compradores da revista foi de crianças de oito a dez anos, fazendo com que os roteiros fossem alterados e transformados em temas aspiracionais. Gusman cita como exemplo uma edição especial na qual a Turma da Mônica explica sobre o funcionamento do ministério público, esta sim, com intenções claramente educacionais (Figura 38). As Histórias em Quadrinhos detém uma linguagem extremamente rica, capaz de tratar de qualquer assunto com muita eficiência, é a partir deste aspecto que surgem os mais diversos usos da linguagem.


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Muito deles acabam por se tornar educacionais em alguns aspectos, mesmo que não tenham esta intenção a princípio. Como, por exemplo, Joe Sacco e suas histórias em quadrinho documentais (Figura 39). Jornalista e quadrinista, Joe Sacco retratou vários momentos de conflitos no oriente médio, com um traço perspicaz e conciso, representando realidades encontradas em áreas de conflito. Grande parte das narrativas são, inclusive, autobiográficas. No Brasil, um caso recente, foi uma história em quadrinhos que explicava o Mensalão, desenhada por Angeli, com roteiro de Mario Cesar Carvalho, que ostentava o Slogan em rede sociais como a última chance de entender o que foi o Mensalão (Figura 40). Dentro da área das autobiografias temos outros exemplos, como Persépolis de Marjane Satrapi (Figura 41), que narra sua história desde a infância, durante a mudança de regime no Irã, e todas as consequências que isso acarretou na sua vida, como uma cidadã daquele país naquele período. Podemos citar também Gen: Pés Descalços, de Keiji Nakazawa (Figura 42), que narra sua história de sobrevivência ao ataque nuclear sofrido em sua cidade, Hiroshima, quando tinha seis anos de idade. Outro exemplo, a publicação Gênesis, de Robert Crumb (Figura 43), que adapta para a linguagem da história em quadrinhos o velho testamento bíblico, nas palavras do autor: “Eu, R. Crumb, ilustrador deste livro, no melhor da minha habilidade, reproduzi fielmente cada palavra do texto original” (CRUMB, 2009, p.7). E o próprio Scott McCloud, já citado anteriormente, que criou uma trilogia livros que discorrem sobre os aspectos das Histórias em Quadrinhos, desde os mais básicos aos mais profundos, tudo isso usando a própria linguagem das Histórias em Quadrinhos. Todos esses exemplos evocam elementos de reflexão. As obras autobiográficas não tem como objetivo principal criar uma história em quadrinhos para ensinar o contexto social e histórico de seu país, porém, o fazem contando sua história de vida, que está imbricada com os acontecimentos sociais e históricos de seu país, fazendo com que conteúdos sejam transmitidos, sejam eles de cunho, social, histórico, estético ou de conhecimento empírico. No caso de Robert Crumb, que se coloca como ilustrador de um livro, ele o faz com todos os elementos de uma narrativa refinadíssima em história em quadrinhos. Já no caso de McCloud, além do nível metalinguístico evocado em ensinar Histórias em Quadrinhos se utilizando da linguagem da história em quadrinhos, seu objetivo principal, diferente dos outros citados, era sim o de difundir conteúdos com referencial direto ao que está nas páginas de sua publicação.


Figura 38 Turma da Mônica e o Ministério Público. Fonte www.monica.com.br


Figura 39 O viés documental de Joe Sacco no título Notas Sobre Gaza. Fonte Sacco. 2010, p. Acervo pessoal.

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Figura 40 O incrível mensalão - A história do superescândalo que abalou o mundo político e fez tremer o governo Lula. Desenhado por Angeli. Fonte www1.folha.uol.com.br



Figura 41 PersĂŠpolis, Satrapi.

de

Marjane

Fonte Satrapi. 2007, p. 7. Acervo pessoal.


Figura 42 Gen: Pés Descalços, de Keiji Nakazawa. Fonte Nakazawa. 2011, p. 254. Acervo pessoal.


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Vemos que as Histórias em Quadrinhos tem, em seu cerne a capacidade de transmitir conteúdos de forma educacional, que agregam a quem consome seu conteúdo capacidades, substância intelectual das mais distintas, tendo ou não este objetivo. É aí que se encontra o terreno fértil para transformá-la em instrumento transformador de realidades através da educação. Observamos ao final desta pesquisa que apesar de todas as possibilidades evocadas tanto pelas abordagens em relação à Arte-educação quanto ao apelo pedagógico que as Histórias em Quadrinhos evocam, as propostas que levam em consideração as HQs como ferramenta educacional – na área de Arte ou em outras áreas - se apresentam em número diminuto na educação formal, e de forma descentrada e desorganizada na educação não formal. Estes são fatores limitadores do desenvolvimento da abordagem das HQs na área da educação. A hipótese levantada no início se confirmou, percebemos que ainda há um desconforto acadêmico quando se trata da abordagem educacional relacionado às HQs e a causa, assim como os problemas em abordagens na abordagem em Arte, é a falta de conhecimento na área. No caso das HQs, que, por todo seu histórico de distanciamento do acadêmico acaba por cair em um ciclo, onde a falta de conhecimento da área faz com que poucos estudos na área de Artes sejam feitos, por se achar desnecessário, e com isso, poucas abordagens são propostas na área de Artes por não existir um estudo prévio que dê o suporte necessário para os estudos sejam desenvolvidos. Apesar deste panorama, existe uma resistência organizada para que as Histórias em Quadrinhos sejam levadas a sério no âmbito acadêmico, como o Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da USP ou o prêmio HQ Mix, que congratula e premia todos os anos os mais variados aspectos das HQs, desde editoras, passando por diferentes categorias de autores e publicações. Entre as categorias, temos também prêmios para trabalhos de graduação, teses de mestrado e doutorado relacionadas às HQs. Estas iniciativas incentivadoras são muito bem-vindas quando percebemos, por exemplo, a existência do pequeno número de projetos na área educacional com ênfase em histórias em quadrinhos. Iniciativas como o núcleo de pesquisas que existe em São Paulo e o prêmio HQ Mix podem parecer iniciativas isoladas, porém elas tem um papel fundamental de fomento ao estudo acadêmico das HQs, e trazem um papel educacional que já é sentido. Esta própria pesquisa só foi possível graças aos vários livros lançados por autores que fazem parte do núcleo de pesquisas da Universidade de São Paulo, por isso a importância dessas iniciativas.


Figura 43 GĂŞnesis, de Robert Crumb. Fonte Crumb. 2009, p. 31. Acervo pessoal.


Termino esta pesquisa com um resultado que sabemos que não é muito diferente do que imaginávamos ao início. Entendemos todos os percalços que as HQs tiveram que superar para chegar ao ponto em que a encontramos hoje, porém, ainda há muito a se fazer para que esta linguagem chegue ao ponto de ser usada de forma completa e satisfatória na área educacional. E o primeiro passo para esse objetivo é conhecê-la historicamente e entender seus mecanismos e desdobramentos, para, a partir daí se conseguir um resultado. Existe um longo caminho pela frente no que se refere ao uso das HQs como linguagem no uso da Arte-educação, apesar disso, os primeiros passos já foram dados e o caminho, apesar de longo, está se pavimentando para que possamos trilhar.

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