HENRIQUE LEITÃO JOSÉ MARÍA MORENO MADRID
Desenhando a Porta do Pacífico Drawing the Gateway to the Pacific
À memória de Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota, mestres da história da cartografia. To the memory of Armando Cortesão and Avelino Teixeira da Mota, masters of the history of cartography.
HENRIQUE LEITÃO JOSÉ MARÍA MORENO MADRID
Desenhando a Porta do Pacífico Mapas, Cartas e Outras Representações Visuais do Estreito de Magalhães
Drawing the Gateway to the Pacific Maps, Charts and Other Visual Representations of the Strait of Magellan
1520-1671 B Y TH E
BOOK
The work leading to this publication has received funding from the European Research Council (ERC) under the European Union’s Horizon 2020 research and innovation programme/ERC grant agreement No. 833438.
© EDIÇÃO EDITION
By the Book, Edições Especiais para a Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário da Circum-Navegação comandada pelo navegador português Fernão de Magalhães (2019-2022) TÍTULO TITLE
Desenhando a Porta do Pacífico: Mapas, Cartas e Outras Representações Visuais do Estreito de Magalhães, 1520-1671 Drawing the Gateway to the Pacific: Maps, Charts and Other Visual Representations of the Strait of Magellan, 1520-1671 © TEXTO TEXT
Henrique Leitão | José María Moreno Madrid REVISÃO REVISION
Benedita Rolo
EDIÇÃO DE IMAGEM PHOTOGR APHY POST PRODUCTION
Maria João de Moraes Palmeiro DESIGN
Veronique Pipa
COORDENAÇÃO EDITORIAL E PRODUÇÃO COORDINATION AND PRODUCTION
Ana de Albuquerque | Maria João de Paiva Brandão IMPRESSÃO PRINTING
Printer Portuguesa ISBN
978-989-53093-6-8
DEPÓSITO LEGAL LEGAL DEPOSIT
484 867/21
BY THE
BOOK
Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt
7
Prefácio Foreword
11
Desenhar o Estreito de Magalhães Drawing the Strait of Magellan
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Cronologia Chronology
37
Mapas, Cartas e Desenhos Maps, Chats and Drawings
266
Bibliogr afia Bibliography
Prefácio
Foreword
José Marques Presidente da Estrutura de Missão V Centenário Fernão de Magalhães Chairman of the Task Group for the 5th centenary of Portuguese Navigator Ferdinand Magellan
A
T
PRIMEIRA VISÃO GLOBAL DO NOSSO PLANETA, E A CONSCIENCIALI-
zação de um “Planeta Oceano”, resulta do legado daquilo que foi a extraordinária expedição liderada e planeada por Fernão de Magalhães, a qual, não estando assim destinada, acabaria, no entanto, por se tornar na primeira viagem de circum-navegação. A Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário da Circum-Navegação comandada pelo navegador português Fernão de Magalhães | 2019-2022 tem como desígnio desenvolver um vasto conjunto de iniciativas de âmbito cultural, científico e educativo, em articulação com instituições de ensino superior, instituições científicas, autarquias locais e demais entidades públicas e privadas, tanto no plano nacional como internacional, de modo a contribuir para o conhecimento e partilha desse legado. No cumprimento desse desiderato acompanhámos José María Moreno Madrid e Henrique Leitão na sua anterior obra que reuniu 100 anos de conhecimento técnico, náutico e científico sobre a navegabilidade do Estreito de Magalhães – Atravessando a Porta do Pacífico: Roteiros e relatos da travessia do Estreito de Magalhães, 1520-1620. Uma obra de excecional qualidade, merecedora do maior reconhecimento conferido a uma publicação, o elogio dos leitores.
HE FIRST GLOBAL VIEW OF OUR PLANET, AND THE AWARENESS
of it being an ‘Ocean Planet’, is due to the legacy of the extraordinary expedition led and planned by Ferdinand Magellan. Despite not being planned as such, this voyage was to be the first circumnavigation of the planet Earth. The mission of the Task Group for the 5th centenary of Portuguese Navigator Ferdinand Magellan (2019-2022) is to create a wide range of cultural, scientific and educational initiatives, in conjunction with higher education and scientific institutions, local authorities and other public and private entities, both nationally and internationally, to contribute to the awareness and sharing of that legacy. In fulfilling this goal, we support José María Moreno Madrid and Henrique Leitão in their previous work: Atravessando a Porta do Pacífico Roteiros e relatos da travessia do Estreito de Magalhães, 15201620. This book, bringing together 100 years of technical, nautical and scientific knowledge on the Strait of Magellan’s navigability is of exceptional quality, deserving the highest recognition that can be given to a publication: the readers’ praise.
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It was this work that inspired the authors to revisit the theme, now from a cartographic perspective, bringing together in this new publication the evolution of cartography related to the Strait of Magellan after its discovery and crossing by Ferdinand Magellan. From the vast existing archive, the authors selected about seventy nautical charts, maps and other representative tracings of the passage between the two great oceans, the Atlantic and the Pacific, produced in the period between the Strait’s discovery, in 1520, and 1671. In addition to the practical applicability of these magnificent navigation instrumentsat the time, their intrinsic beauty deserves our utmost attention and, in themselves, would make this an exceptional book. However, to their credit, the authors have not limited themselves to a mere roster and display of figurative and geographic examples of the Strait of Magellan. They have, rather, presented readers with an illustrative narrative of the evolution associated with the nautical and geographic knowledge of this laborious route that the Portuguese navigator reached and surpassed. It was a feat that would prove the link between the Atlantic and the Pacific Oceans, confirm that our planet was round and that seas were a way to connect different cultures and offer humanity a new vision of the world. In addition to the most important account of the trip, it is also with a simple drawing by Antonio Pigafetta that we begin this cartographic journey which, accumulating different knowledge and reports accumulated over time, evolves in detail, rigor and precision that, incomprehensible given the current technology and available resources, it still represents the vanguard of science, technique and scholarship of that time. Another aim of the Task Group is to establish an important bibliographical heritage on Fernão de Magalhães and the first circumnavigation voyage. Henrique Leitão and José María Moreno Madrid are creditors of this heritage and ambassadors of this legacy. They deserv our sincere gratitude, not only for this magnificent publication but also for their reiterated professionalism and dedication.
É precisamente dessa obra que emerge a vontade dos autores em revisitar o tema, agora sob uma perspetiva cartográfica, reunindo nesta nova publicação a evolução da cartografia relativa ao Estreito de Magalhães após a sua descoberta e travessia por Fernão de Magalhães. Do vasto acervo existente, os autores selecionaram cerca de setenta cartas náuticas, mapas e outros traçados representativos da passagem entre os dois grandes oceanos, Atlântico e Pacífico, desenvolvidas no período entre a sua descoberta, em 1520, e 1671. Para além da aplicabilidade prática que estes trabalhos representavam na altura, a beleza intrínseca dos mesmos são merecedores da nossa máxima atenção e, por si só, relevariam para a excecionalidade da presente obra. Todavia, existe mérito dos autores em não se cingirem a uma mera catalogação e exibição de exemplos figurativos e geográficos do Estreito de Magalhães mas, em alternativa, apresentar aos leitores uma narrativa ilustrativa da evolução associada ao conhecimento náutico e geográfico deste laborioso percurso que o navegador português alcançou e ultrapassou. Um feito que comprovaria a ligação entre o oceano Atlântico e o oceano Pacifico, confirmaria a condição esférica do nosso planeta e os mares como elemento de ligação entre diferentes culturas e que oferecia à humanidade uma nova realidade do mundo até então conhecido. Para além do mais importante relato da viagem é também a partir de um descomplicado desenho de Antonio Pigafetta que iniciamos esta viagem cartográfica do Estreito de Magalhães a qual, acumulando diferentes conhecimentos e relatos ao longo do tempo, vai evoluindo no detalhe, rigor e precisão que, incompreensível atualmente face à tecnologia e recursos disponíveis, representava, ainda assim, a vanguarda da ciência, técnica e erudição da época. Tem sido também objetivo da Estrutura de Missão a constituição de um importante património bibliográfico associado a Fernão de Magalhães e àquela que seria a primeira viagem de Circum-Navegação. Os autores do presente livro, Henrique Leitão e José María Moreno Madrid, são credores desse património e embaixadores desse legado. A eles se agradece não só esta magnifica publicação mas, também, o seu reiterado profissionalismo e dedicação.
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Drawing the Strait of Magellan
Desenhar o Estreito de Magalhães
N
O DIA 21 DE OUTUBRO DE 1520 FERNÃO DE MAGALHÃES DAVA
à tripulação da Trinidad a ordem para contornar mais um cabo na costa atlântica da América do Sul. A fisionomia do litoral percorrido até então, marcado por baías e reentrâncias, não convidava a pensar que a paisagem por detrás daquela proeminência fosse muito diferente do que havia sido encontrado até então. Na verdade, alguns meses antes o estuário do Rio da Prata, promissor pelas suas dimensões, havia sido um grande balde de água doce lançado sobre a esperança de encontrar uma passagem para o Mar do Sul. Antonio Pigafetta, cronista de Vicenza embarcado voluntariamente na viagem, observava atentamente em seu redor à medida que a frota magalhânica deixava para trás o cabo Vírgenes e avançava pelas gélidas águas da nova esperança transoceânica. Foi talvez com as mãos enregeladas pelo frio que Pigafetta começou a redigir, pela primeira vez na história, um testemunho documental sobre o Estreito de Magalhães. Pelo menos três outros homens da expedição fariam o mesmo, partilhando com ele esta honra: Francisco Albo, Andrés de San Martín e um piloto genovês anónimo, que registaram nos seus roteiros algumas particularidades geográficas e náuticas do canal chileno. Como um sonoro pano de fundo, uma sinfonia de tiros de canhão festejou o sucesso da audácia e tenacidade de Magalhães. Dos quatro referidos, só Pigaffeta se atreveu a desenhar o canal fueguino. Um desenho muito simples e esquemático, que, no entanto, foi o ponto de partida para o longo, complexo, e discutido processo de construção da imagem do Estreito de Magalhães (ver n.º 1).
O
N 21 OCTOBER 1520, FERDINAND MAGELLAN ORDERED THE
crew of the Trinidad to round another cape on the Atlantic coast of South America. The coastline traversed so far, steadily unfolding in a series of capes and bays, did not suggest anything out of the ordinary behind the approching headland. In fact, a few months before, at the estuary of the River Plate, with its dimensions promising to disclose an imminent entry to the South Sea, the crew’s hopes had been dashed. Antonio Pigafetta, chronicler from Vicenza, gazed attentively around him as the Magellanic f leet left behind Cape Vírgenes and advanced over the icy waters of the new transoceanic hope. It was perhaps with hands frozen by the cold that Pigafetta began to write, for the first time in history, a description of the Strait of Magellan. At least three other men in the expedition did the same: Francisco Albo, Andrés de San Martín and an anonymous Genoese pilot, all of whom recorded in their rutters some of the geographical and nautical peculiarities of the Chilean passage. As a resounding backdrop, a symphony of cannon shots celebrated the results of Magellan’s tenacity and boldness. Of the four mentioned, only Pigafetta took it upon himself to draw the Fuegian channel – a very simple and schematic drawing, which was nonetheless the starting point for the long, complex, and contentious process of constructing the image of the Strait of Magellan (see no. 1).
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Para o leitor dos nossos dias, capaz de contemplar a totalidade do globo no ecrã de um computador, pode não ser fácil entender o desafio que era, nos séculos XVI e XVII, dar forma aos novos territórios que estavam a ser alcançados. Sem fotografias de satélite, sem os processos avançados da cartografia matemática, as representações visuais da geografia – mapas, cartas náuticas, desenhos, simples esquemas e croquis, etc. – dependiam da capacidade do desenhador para abstrair o espaço observado e trasladá-lo ao pergaminho ou papel. Com frequência, esta abstracção não tinha a sua origem na observação directa, mas na consulta de fontes textuais ou em testemunhos orais. Roteiros, relatos de viagem, diários de bordo e outros documentos de natureza análoga jogaram um papel fundamental na percepção e construção do espaço geográfico 1. É tentador imaginar que este processo se teria desenvolvido de maneira linear, quase determinista, como se o avanço da ciência cartográfica e o progressivo aperfeiçoamento das missões de exploração tivessem como resultado inexorável representações visuais cada vez mais precisas do espaço. Um leitor guiado por esta lógica, experimentará uma certa perturbação ao inspeccionar mapas que têm em comum uma mesma data mas apresentam representações do Estreito de Magalhães totalmente diferentes; ou, ainda mais surpreendente, quando um mapa produzido em finais do século XVI desenha o canal chileno com uma qualidade muito inferior àquela que se pode encontrar em representações da década de 1520. Foram muitos os factores responsáveis pela complexidade do processo que nos interessa.
For readers today, able to take in the whole globe with the click of a mouse, it may not be easy to understand the challenge posed by giving shape to the new territories in the 16th and 17th centuries. With no satellite photographs, without the advanced methods of mathematical cartography, the visual representations of geography – maps, nautical charts, drawings, sketches and simple diagrams – were dependent on the ability of their authors to abstract the observed space and translate it onto parchment or paper. Frequently this abstraction did not have its origin in direct observation at all, but in the consultation of textual sources or oral testimonies. Nautical rutters, travel reports, ship’s logbooks and other documents of a similar nature played a key role in the perception and construction of geographic space.1 It is tempting to imagine that this process developed in a linear, almost deterministic manner, as if the advance of cartographic science and the progressive improvement of the missions of exploration had the inexorable result of an increasingly accurate visual representation of space. If guided by this logic, the reader will experience some puzzlement when examining maps that were made at the same time but exhibit totally different images of the Strait of Magellan; or, even more surprising, when a map produced in the late 16th century draws the Chilean channel with a quality far inferior to that found in images from the 1520s. Many factors were responsible for the complexity of the historical process that interests us.
Um desses factores, talvez o mais determinante, foi o da aquisição e circulação de conhecimento. Entre 1520 e 1578 as informações sobre o Estreito de Magalhães que alcançaram a Europa provinham, salvo raras e difusamente documentadas excepções, de viagens planeadas e executadas pela coroa espanhola. A cartografia do Estreito produzida nos territórios integrados na Monarquia Hispânica durante o século XVI esteve na génese da construção da imagem do passo chileno. Por outras palavras, não se pode contar esta história excluindo obras como as cartas Salviati e Castiglioni, de Diogo Ribeiro e Nuño García de Toreno, respectivamente (ver n.os 4, 5), o planisfério de
One of these factors – perhaps the most decisive – was the acquisition and circulation of knowledge. Between 1520 and 1578, the information about the Strait of Magellan that reached Europe came, except in rare and poorly documented cases, from voyages planned and executed by the Spanish crown. The cartography of the Strait produced in the territories of the Hispanic Monarchy during the 16th century was at the origin of the construction of the image of the Chilean passage. In other words, this story cannot be told by excluding works such as the Salviati and Castiglioni planispheres by Diogo Ribeiro and Nuño García de Toreno
1. Por esta razão, este livro tem uma relação natural com a obra que publicámos anteriormente, Atravessando a Porta do Pacífico. Roteiros e Relatos da Travessia do Estreito de Magalhães, 1520-1620 (Lisboa: By the Book, 2020), em que se recolhem os primeiros textos que descrevem o Estreito. Com efeito, a história das primeiras representações visuais do Estreito de Magalhães entende-se muito melhor quando acompanhada dos textos que as motivaram, e vice-versa.
1. This is the reason why this book has a natural connection with the work we published earlier, Atravessando a Porta do Pacífico. Roteiros e Relatos da Travessia do Estreito de Magalhães, 1520-1620 (Lisbon: By the Book, 2020), which collects the first texts describing the Strait. Indeed, the history of the first images of the Strait of Magellan is much better understood when accompanied by the texts that motivated them, and vice versa.
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respectively (see no. 4, 5), the world map by Giovanni Vespucci (see no. 7), or the Islario General of Alonso de Santa Cruz (see no. 13). Does this mean that only the vassals of Charles V and Philip II were taking advantage of this knowledge? Of course not. The novelties brought by the voyages by Ferdinand Magellan, García Jofre de Loaysa, Simão de Alcáçova, Alonso de Camargo, or Juan Ladrillero electrified Europe and f lew across the old continent with amazing speed, by hand and by word of mouth, through formal channels, and above all informal ones. No “Policy of Secrecy”, much less a general desire for concealment could sustain the impetus for the transmission of knowledge so new and so extraordinary. Just for Magellan’s expedition this dynamic reality is witnessed by the Tabula Moderna by Lorenz Fries (see no. 3), the so-called the “Ambassadors’ Globe” (no. 6), the world map in two hemispheres by Franciscus Monachus (not described in this book, but see p. 272), the planisphere by Vesconte Maggiolo (no. 8), the rudimentary map drawn by Robert Thorne (no. 9) and the world map by Oroncé Finé (no. 10). The leading European cosmographers eagerly waited for any piece of new information arriving from the Iberian world, wanting to update their cartographic works. But knowledge, as is well known, undergoes changes when it is involved in the dynamics of circulation and transmission. This is one of the reasons why the visual representations of the Strait of Magellan produced in France, in the Netherlands, or in Italy, differ significantly from those made, for example, in the Casa de la Contratación in Seville. This is not, however, the only reason to explain the differences in the representations, as will be seen later. Some clandestine expeditions to the Strait, around the years 1527-1530, may have been responsible for the dissemination of information different from that carried in Castilian ships. The Portuguese navigator João Afonso, in one of these expeditions, seems to have been at the origin of a pattern of representation of the Strait that appears for the first time on Gaspar Viegas’s map made in Lisbon (see no. 12), and is repeated later in the works associated with the “Dieppe School” (see no. 17). Afonso, who entered at the service of France at some undetermined moment during the 1530s, seems to have founded this cartographic school using nautical and geographical materials that he had compiled during his years at the service of the Portuguese crown. There are therefore two plausible hypotheses to explain the relationship
Giovanni Vespucci (ver n.º 7), ou o Islario General de Alonso de Santa Cruz (ver n.º 13). Significa isto que só os vassalos de Carlos V e Filipe II estavam a tirar partido destes conhecimentos? Claro que não. As novidades trazidas pelas viagens de Fernão de Magalhães, García Jofre de Loaysa, Simão de Alcáçova, Alonso de Camargo, ou Juan Ladrillero electrizaram a Europa e voaram por todo o velho continente com uma rapidez impressionante, de mão em mão e de boca em boca, através de canais formais, e sobretudo informais. Nenhuma “Política do Sigilo” e muito menos um genérico desejo de secretismo poderia conter o ímpeto associado a estas dinâmicas de circulação de conhecimentos tão novos e tão extraordinários. Só para a expedição de Magalhães são testemunho desta realidade dinâmica a Tabula Moderna de Lorenz Fries (ver n.º 3), o chamado “Globo dos Embaixadores” (ver n.º 6), o mapa-múndi em dois hemisférios de Franciscus Monachus (que não incluímos neste livro, mas ver p. 272), o planisfério de Vesconte Maggiolo (ver n.º 8), o rudimentar mapa traçado por Robert Thorne (ver n.º 9) e o mapa-múndi de Oronce Finé (ver n.º 10). Os grandes cosmógrafos europeus esperavam, ávidos, qualquer peça de nova informação que chegasse do mundo ibérico, desejosos de actualizar os seus trabalhos cartográficos. Mas o conhecimento, como é bem sabido, experimenta mudanças quando se vê envolvido em dinâmicas de circulação. Este é um dos motivos pelos quais as representações visuais do Estreito de Magalhães produzidas em França, nos Países Baixos, ou na Itália, diferem notavelmente daquelas assinadas, por exemplo, na Casa de la Contratación, em Sevilha. Esta não é, porém, a única razão para explicar as diferenças de representação, como se verá mais adiante. Algumas expedições clandestinas ao Estreito, em torno dos anos 1527-1530, teriam sido responsáveis pelo disseminar de informações diferentes daquelas transportadas nos barcos castelhanos. O navegador português João Afonso, embarcado numa delas, parece ter estado na origem de um padrão de representação do Estreito que surge pela primeira vez no mapa de Gaspar Viegas feito em Lisboa (ver n.º 12), e que se repete depois nas obras associadas à “Escola de Dieppe” (ver n.º 17). Afonso, que passou ao serviço da França em algum momento indeterminado durante a década de 1530, parece ter iniciado esta escola cartográfica a partir de materiais náuticos e geográficos que compilara nos seus anos ao serviço da coroa lusa. Há, portanto, duas hipóteses plausíveis para explicar a relação entre estes mapas: uma, que Afonso tivesse partilhado com Gaspar Viegas as
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between these maps: one, that Afonso shared with Gaspar Viegas the same information that he afterwards carried to Dieppe, and the Portuguese cartographer included in his atlas; another possibility is that the source of Viegas was not João Afonso, but an unknown informer, whose drawing of the Strait had been disclosed in Dieppe by João Afonso. Be that as it may, the transfer of cartographic information from the Iberian Peninsula to other parts of Europe is once again evident in this episode. The f low of information about South America was strictly one-way – from Iberia to the rest of Europe – until the arrival on the scene of Francis Drake (1578), calling into question the formal monopoly that the Spanish crown exercised over the Strait of Magellan. The English corsair, interested above all in the precious metals carried in Spanish galleons crossing the Pacific, did not make much effort to clarify the geography or the nautical challenges posed by the Strait; in fact, he crossed it in just two weeks. The man who did was his Portuguese pilot, Nuno da Silva, who had been kidnapped at the island of Santiago, Cape Verde, and who wrote several texts of great interest for a better understanding of the passage. The prominent role he played in Drake’s voyage, insufficiently valued in historiography, was, however, recognized by his contemporaries. A map by Joan Martines (no. 40), bears the conspicuous caption: “Channel discovered by Nuno da Silva, Portuguese pilot of Francis Drake” [“Canal descubierto por nugnos de silva piloto portugues de fran[cis]co drache”], thus proving that even in Naples it was known that the Portuguese pilot had played a major role in the sighting of the Mar de Hoces. Indeed, showing the insularity of Tierra del Fuego was the great contribute of Drake’s expedition to the knowledge of the Fuegian region, quickly displayed in the English cartography produced after the voyage (see no. 31). It is obvious that these news circulated in Europe and greatly inf luenced the cartography of the time, but there has never an uncontested acceptance of the existence of a passage south of the Strait; as a result, many cosmographers refused to accept the description by Drake and continued to assume that Tierra del Fuego was part of a great southern continent. We will return later to the problems raised by the geography of the Fuegian region. The information about the Strait compiled by Nuno da Silva while at Drake’s service ended up in the hands of the Spanish authorities when the pilot was arrested and interrogated by the
mesmas informações que depois levou para Dieppe, tendo-as depois o cartógrafo português registado no seu atlas; outra, que a fonte de Viegas não fosse João Afonso, mas um informador desconhecido, cujo traçado do Estreito teria sido divulgado em Dieppe por João Afonso. Seja como for, a transferência de informações cartográficas da Península Ibérica para o resto de Europa é mais uma vez evidente neste episódio concreto. Os circuitos de informação acerca da América Meridional mantiveram este carácter estritamente unidireccional – da Península para o resto da Europa – até à entrada em cena de Francis Drake (1578), que pôs em causa o monopólio formal que a coroa espanhola exercia sobre o Estreito de Magalhães. O corsário inglês, mais interessado nos metais preciosos carregados nos galeões espanhóis que cruzavam o Pacífico, não se esforçou demasiado para conhecer a geografia ou os desafios náuticos do Estreito; aliás, atravessou-o em apenas duas semanas. Quem o fez foi o seu piloto português, Nuno da Silva, que havia sido sequestrado na ilha de Santiago, em Cabo Verde, ao redigir vários textos de grande interesse para um melhor conhecimento do Estreito. O destacado papel que teve na viagem de Drake, insuficientemente valorizado na historiografia, foi, contudo, reconhecido pelos seus contemporâneos. Nesse sentido aponta o mapa assinado por Joan Martines (ver n.º 40), ostentando de maneira muito conspícua a legenda “Canal descubierto por nugnos de silva piloto portuges de fran[cis]co drache”, e provando assim que inclusivamente em Nápoles se sabia que o piloto português fora um protagonista de peso no avistamento do mar de Hoces. Foi, de facto, a constatação da insularidade da Terra do Fogo o grande contributo da expedição de Drake para o conhecimento da região fueguina, rapidamente reflectida na cartografia inglesa produzida na sequência da viagem (ver n.º 31). É óbvio que estas novidades circularam pela Europa e que influíram grandemente na cartografia da época, mas nunca houve uma aceitação incontestada da existência de uma passagem a sul do Estreito; em consequência, muitos cosmógrafos recusaram aceitar a descrição de Drake e continuaram a sugerir a integração da Terra do Fogo num grande continente austral. Voltaremos mais adiante à problemática levantada pela geografia da região fueguina. Entretanto, as informações sobre o Estreito compiladas por Nuno da Silva ao serviço de Drake acabaram nas mãos das autoridades espanholas, uma vez que o piloto foi aprisionado e interrogado pela inquisição em Guatulco, no México. Estas notícias, juntamente com os levantamentos, muito mais sistemáticos, realizados pela [ 14 ]
expedição de Pedro Sarmiento de Gamboa (ver n.º 27), serviram a Filipe II para conceber um ambicioso projecto de fortificação do Estreito que, contudo, nunca se viria a concretizar (ver n.os 41, 42). Este falhanço permitiu que mais duas expedições inglesas, chefiadas por Thomas Cavendish (1587) e Richard Hawkins (1594), atravessassem sem oposição as águas fretanas a caminho do Pacífico nos últimos anos do século XVI. Apesar de, tal como a anterior expedição de Drake, também estas viagens serem impulsionadas sobretudo pelo desejo de corso, cruzaram o Estreito com muito mais demora, possibilitando a recolha de mais e melhores dados sobre as condições físicas do canal (ver n.º 38). O ciclo dos corsários ingleses foi, contudo, relativamente breve. A Inglaterra rapidamente se desinteressou pelo canal magalhânico, e assim permaneceu durante três quartos de século. Enquanto isso, nos Países Baixos desfraldavam-se todas as velas para a partida à conquista de tão importante lugar. Duas companhias magalhânicas, fundadas em Roterdão e Amesterdão, facilitaram os recursos necessários para que Jacob Mahu e Olivier van Noort capitaneassem duas expedições ao Estreito em 1599, dando início ao que poderíamos denominar o “ciclo holandês”. O interesse destas empresas pelo passo fueguino tinha a ver com a sua condição de Porta do Pacífico, uma vez que o objectivo dos empresários holandeses era optimizar o comércio da metrópole com as colónias do sudeste asiático através dessa rota. Ambas as expedições estiveram longe de ser bem-sucedidas, por diferentes razões, mas especialmente pela dureza das condições climáticas. Ter estudado cuidadosamente os materiais ibéricos sobre o Estreito era uma coisa, mas aventurar-se nele e percorrê-lo com sucesso pela primeira vez era outra muito diferente. Mesmo assim, Jan Outghersz, piloto da Het Geloof – o único navio da frota de Mahu que regressou à Europa – acabou por redigir um magnífico e valioso roteiro, que colocaria os Países Baixos na vanguarda da produção cartográfica sobre o Estreito de Magalhães. Os traços rigorosos de Outghersz influenciaram os mapas neerlandeses até se tornarem quase canónicos, dotando-os de grande rigor (ver n.º 47), e afastando-os das representações mais imperfeitas que sofriam com a falta de informações directas da área fueguina. A preparação da expedição dos irmãos Nodal e Diego Ramírez de Arellano evidencia que, nas primeiras décadas do século XVII, o sentido dos circuitos de informação sobre o Estreito de Magalhães se havia invertido. Agora era a Monarquia Hispânica que tentava recrutar pilotos holandeses para as suas viagens ao Estreito, assim como procurava apoderar-se dos resultados cartográficos das suas expedições.
Inquisition in Guatulco, Mexico. This new knowledge, together with the much more systematic surveys carried out by the expedition of Pedro Sarmiento de Gamboa (see no. 27), spurred Philip II to conceive an ambitious project for the fortification of the Strait, which, however, would never materialize (see no. 41, 42). This failure allowed two more English expeditions, headed by Thomas Cavendish (1587) and Richard Hawkins (1594), to cross the waters of the Strait unopposed, on their way to the Pacific, in the last years of the sixteenth century. Although these expeditions, as with the previous one by Drake, were driven mainly by the aim of pillaging Spanish trade, they took more time to cross the Strait, allowing for the collection of more and better data on the physical conditions of the channel (see no. 38) . The cycle of English corsairs was, however, relatively brief. England quickly lost interest in the Magellanic channel, and it remained so for three-quarters of a century. Meanwhile, in the Netherlands, all the sails were unfurled for the departure to conquer such an important place. Two Magellanic companies, founded in Rotterdam and Amsterdam, provided the necessary resources for Jacob Mahu and Olivier van Noort to lead two expeditions to the Strait in 1599. Thus started what could be called the “Dutch cycle”. The interest of these companies for the Fuegian passage had to do with its status as the Gateway to the Pacific, since the objective of the Dutch merchants was to optimize the trade with the Southeast Asian colonies through this route. Both expeditions were far from successful, for different reasons, but especially due to the harshness of the climate conditions. To have carefully studied the Iberian materials about the Strait was one thing, but venturing into it and successfully traversing it for the first time was quite another. Still, Jan Outghersz, the pilot of Het Geloof – the only ship in the f leet of Mahu that returned to Europe – eventually penned a superb and extremely valuable rutter, which put the Netherlands at the forefront of cartographic production about the Strait of Magellan. The rigorous information provided by Outghersz inf luenced Dutch maps until they became almost canonical (see no. 47), setting them apart from more imperfect representations that suffered from the lack of direct information about the Fuegian region.
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The preparation of the expedition by the Nodal brothers and Diego Ramírez de Arellano shows that, in the first decades of the 17th century, the direction of the f lows of information about the Strait of Magellan had been reversed. Now it was the Hispanic monarchy trying to recruit Dutch pilots for its voyages to the Strait, as well as trying to seize the cartographic results of their expeditions. This is witnessed by the nautical charts made by Jean de Wit, Antonio Moreno, Pedro de Letre and Gaspar de Mere (see no. 50, 51, 52). Finally, the expeditions of Joris van Spielbergen, Jacob Le Maire and Willem Schouten, Jacques L’Hermite and Hendrik Brouwer ended up confirming the supremacy of the Low Countries in the exploration and knowledge of Tierra del Fuego and surrounding areas. The powerful printing industry of the Netherlands played a key role in this process, dispatching to the four corners of the world plates signed by members of the Blaeu and Hondius families (see no. 56, 57). As a result, many renowned European cartographers used these maps as their main source when drawing the Magellanic space in their atlases. It was with identical speed that the results of the expedition of John Narborough spread in Europe. A few months after his return to England, in June 1671, a logbook and a travel map were already on their way to Madrid, sent by the Spanish ambassador Antonio de Tovar y Paz (see no. 66). In a repetition of what had happened in 1578, provoked by Drake’s expedition, the alarms shot at the court of Charles II, who sent in 1675 an expedition under the command of Antonio de Vea to reinforce the Spanish presence in the Strait of Magellan and the Fuegian region. But that is another story.
São disso testemunho as cartas náuticas de Jean de Wit, Antonio Moreno, Gaspar de Mere e Pedro de Letre (ver n.os 50, 51, 52). Finalmente, as viagens de Joris van Spielbergen, Jacob Le Maire e Willem Schouten, Jacques L’Hermite e Hendrik Brouwer acabaram por confirmar a supremacia dos Países Baixos na exploração e conhecimento da Terra do Fogo e áreas periféricas. A poderosa indústria tipográfica neerlandesa jogou um papel fundamental em todo este processo, disseminando as lâminas assinadas pelos membros das famílias Blaeu ou Hondius pelos quatro cantos do mundo (ver n.os 56, 57). Em consequência, não foram poucos os cartógrafos europeus de renome que, no momento de desenhar nos seus atlas o espaço magalhânico, fizeram destes mapas a sua fonte principal. Foi com idêntica celeridade que se divulgaram os resultados da expedição de John Narborough, que regressou a Inglaterra em Junho de 1671. Poucos meses depois já seguiam em direcção a Madrid um diário de bordo e um mapa da viagem (ver n.º 66), enviados pelo embaixador espanhol Antonio de Tovar y Paz. Numa reedição do que sucedera em 1578, provocado pela expedição de Drake, os alarmes dispararam na corte de Carlos II, que enviou em 1675 uma expedição sob o comando de Antonio de Vea para reforçar a presença espanhola no Estreito de Magalhães e região fueguina. Mas isso é uma outra história. Um segundo factor determinante para entender o processo de construção da imagem do Estreito de Magalhães tem a ver com o subtítulo deste livro: Mapas, Cartas e outras representações visuais enfatiza o facto de estarmos a tratar objectos visuais diferentes. Sob a égide do termo cartografia corre-se o risco de analisar com parâmetros idênticos representações do espaço geográfico que foram concebidas para propósitos totalmente distintos, e, por isso, também produzidas com técnicas e processos muito diversos. Ou seja, não se pode olhar para uma carta náutica da mesma maneira como se olha para um mapa de gabinete. As primeiras não são “representações do mundo”, mas acima de tudo ferramentas para os pilotos. Não há muito lugar nestas cartas para devaneios, alegorias ou mitos; tentavam ser o mais precisas possível, já que os erros podiam pagar-se em vidas humanas e grandes perdas económicas. Mas a precisão em causa era a precisão para a navegação, que não coincide com a precisão geográfica, nem muito menos se subordina a critérios estéticos. Estas cartas registavam a informação das linhas de costa e dos acidentes geográficos, assim como sinalizavam os diferentes perigos para a navegação. Esta dimensão fortemente utilitária explica também, pelo menos em alguma medida,
A second important factor for understanding the process of constructing the image of the Strait of Magellan has to do with the subtitle of this book: Maps, Charts, and other visual representations emphasizes the fact that we are dealing with different visual materials. Under the aegis of the term cartography, there is a risk of analyzing, with identical parameters, representations of geographic space that were conceived for totally different purposes, and therefore, produced with very different techniques and processes. In other words, one cannot look at a nautical chart in the same way one looks at a map to display in a library or an office. The former are not “representations of the world”, but most of all tools for pilots; there is not much room in these [ 16 ]
o facto de terem chegado aos nossos dias apenas poucas cartas náuticas dos séculos XVI e XVII, pois não só o uso frequente levava ao seu desgaste como também, uma vez que ficavam desactualizadas deixavam de ser aproveitáveis e eram descartadas. A cartografia de gabinete, por sua vez, operava com outros objectivos e outros códigos visuais, e tendia a representar o espaço de maneira mais conceptual, mas também de um modo muito mais afectado por tradições artísticas ou interferências políticas. Se, por um lado, estes mapas estavam mais libertos de muitos dos constrangimentos das cartas náuticas, por outro, eram muito mais sujeitos a modelações de tradições culturais. Nestes mapas, sim, havia lugar para a mitologia, a fantasia e a elucubração, dado que o seu público-alvo não eram pilotos ou navegantes, mas os círculos cortesãos e letrados da Europa. As convenções geográficas dos textos clássicos – especialmente da Geografia de Ptolomeu – encontraram nestes mapas o nicho ideal para a sobrevivência, enquanto que na cartografia náutica eram substituídas por informações fornecidas pela experiência. Esta dicotomia obedece em grande medida – mas não só – à necessidade. No século XVI a coroa espanhola necessitava de produzir cartas náuticas do Estreito de Magalhães, pois estava a enviar expedições àquela área. Outras nações da Europa, não tendo empresas dependentes do sucesso náutico no canal fueguino, podiam limitar-se a representá-lo mais vagamente para satisfazer o interesse e a curiosidade dos eruditos. Claro que estes dois paradigmas cartográficos nunca foram completamente estanques: interactuaram, e até experimentaram uma certa hibridação. Por exemplo, planisférios como o Castiglioni, Salviati (ver n.os 4, 5) ou o mapa-múndi de Giovanni Vespucci (ver n.º 7) podem enquadrar-se no que Alfredo Pinheiro Marquês apelidou de “cartas para príncipes”; isto é, mapas baseados em cartografia náutica, mas simplificados no aspecto técnico e ricamente decorados, desenhados para a contemplação e não para o uso em alto-mar. O mesmo se pode dizer de muitos mapas impressos, baseados em materiais náuticos mas apresentados com uma estética ornada, mais de acordo com os gostos e os códigos da cartografia de gabinete. São bons exemplos disso os mapas holandeses desenhados após a divulgação do roteiro de Jan Outghersz (ver n.º 48). Eventualmente, a balança podia inclinar-se mais para a sobriedade estética da cartografia náutica, acrescentando apenas alguns adereços ornamentais, como sucede com a versão impressa por Thornton e Atkinson do manuscrito assinado por John Narborough (ver n.º 65).
charts for dreams, allegories or myths. Nautical charts tried to be as accurate as possible since mistakes generally translated into the perishing of human lives and great economic losses. But the accuracy in question was the accuracy for navigation, which does not coincide with geographic precision, nor is it subordinate to aesthetic criteria. These charts recorded information of coastlines and landmasses, and signaled the different hazards to navigation. This strongly utilitarian dimension also explains, at least to some extent, why only a few nautical charts from the 16th and 17th centuries survived to our time, as not only did frequent use lead to their wear and tear, but also, once they became outdated they were no longer usable and were discarded. Luxurious and erudite cartography, in turn, operated with other aims and other visual codes. It represented space in a more conceptual manner, but also in a manner that was much more shaped by artistic traditions and political interference. On the one hand, these maps were freed from many of the technical constraints imposed on nautical charts; on the other hand they were much more likely to be inf luenced by cultural traditions. In these maps there was room for mythology, fantasy and delight; their target audience was not pilots or navigators, but the courtly and literate circles of Europe. The geographical conventions of classical texts – especially of Ptolemy’s Geography – found in these maps the ideal niche for surviving, while in nautical cartography they were replaced by information provided by experience. This dichotomy follows in large measure – but not solely – from necessity. In the 16th century, the Spanish crown needed to produce nautical charts of the Strait of Magellan, as it was sending expeditions to that area. Other nations in Europe, having no companies dependent of the success of the Fuegian crossing could represent it more loosely to meet the interest and curiosity of the learned. Of course, these two cartographic paradigms were never completely independent: they overlapped, interacted, and even experienced a certain hybridization. For example, planispheres such as the Castiglioni, and the Salviati (see no. 4, 5) or the world map of Giovanni Vespucci (see no. 7) could belong to the group that Alfredo Pinheiro Marquês dubbed “Princely charts”; that is, maps based on nautical cartography, but technically simplified and richly decorated, designed for contemplation and not for use on the high seas. The same can be said of many printed [ 17 ]
Mas no que toca às representações visuais do Estreito nem tudo se resume a uma dicotomia entre cartas náuticas e mapas de gabinete. Houve outros documentos visuais, muito menos conhecidos embora às vezes na base daqueles mais divulgados, que forneceram imagens igualmente interessantes dessa área: esboços, desenhos rápidos ou croquis que representavam a região fueguina de maneira muito esquemática (ver n.os 1, 16, 28, 32); perfis de costa inseridos em roteiros, levando à integração de texto e imagens, para uma melhor compreensão das informações náuticas (ver n.º 27); ou até minuciosos planos de fortificações que reflectem o desejo de domínio e controle do espaço que imbuía os projectos de Filipe II no Estreito de Magalhães (n.º 42).
maps, based on nautical materials but presented with an ornate aesthetic, more in keeping with the tastes and codes of erudite cartography. Good examples of this are the Dutch maps drawn after the release of Jan Outghersz’s rutter (see no. 48). Eventually, the scales could tilt to the more aesthetic sobriety of nautical cartography, with the addition of a few ornamental features, as with the printed version by Thornton and Atkinson of the manuscript signed by John Narborough (see no. 65). But when it comes to visual representations of the Strait, not everything boils down to a dichotomy between nautical charts and office maps. There were other visual documents, much less known but sometimes acting as the sources for the more famous ones, that provided equally interesting images of the region: sketches and rough drawings with very schematic representations of the Fuegian region (see no. 1, 16, 28, 32); coastline profiles inserted in rutters, leading to the integration of text and images for a better understanding of nautical information (see nº 27); or even detailed plans for fortifications (no. 42).
O terceiro factor que tornou muito complexa a construção da imagem da região magalhânica tem que ver com a sua própria geografia. A área compreendida pelo Estreito de Magalhães e Terra do Fogo abarca cerca de 160 000 km2, o que, relativamente à superfície total do orbe – 510,1 milhões de km2 –, representa unicamente a diminuta fracção de 0,03% da superfície terrestre. Mas apesar de ser, deste ponto de vista, um espaço muito pequeno, desvendar cada quilómetro quadrado da sua peculiar geografia foi um desafio que se prolongou não só durante toda a Idade Moderna, mas muitas décadas depois, até anos bem recentes. Foram várias as incógnitas acerca da geografia da região fueguina que emergiram e se tornaram críticas durante os séculos XVI e XVII. A primeira surgiu logo após ter sido comprovado que o Estreito de Magalhães ligava realmente os oceanos Atlântico e Pacífico: qual era, na realidade, o traçado completo desse novo e extraordinário canal? E, por conseguinte, como devia ser apresentado visualmente? Em muitas ocasiões os documentos limitaram-se a transmitir o facto essencial, isto é, a informação sucinta, mas de valor excepcional, de que existia uma passagem interoceânica nessas latitudes. Algumas das primeiras representações, limitadas pela falta de informações geográficas, tiveram de se cingir a este padrão. Curiosamente, este padrão foi muito comum na cartografia de gabinete durante muitas décadas. As cartas náuticas, contudo, e os mapas derivados delas, tentaram sempre aproximar-se da forma real do Estreito. Logo no planisfério Castiglioni de Diogo Ribeiro (1525) (ver n.º 4) aparece claramente destacado o cabo Froward, que marca a brusca mudança de direcção no canal quando se encontram o Paso Ancho com o Paso Inglés. A ênfase neste acidente geográfico leva a conferir ao passo uma forma em ‘v’ que se tornou quase canónica durante a totalidade de
The third factor that made the construction of the image of the Magellanic region very complex has to do with its geography. The area comprised by the Strait of Magellan and Tierra del Fuego covers about 160,000 km2 which, in relation to the total surface of the Earth – 510.1 million km2 – is but a very tiny fraction of 0.03% of the planet’s surface. But despite being from this point of view, a minuscule area, to unravel every squared kilometer of its particular geography was a challenge not only during the modern age, but many decades later, even until recent years. Several unknowns about the geography of the Fuegian region emerged and became critical during the sixteenth and seventeenth centuries. The first came after it was shown that the Strait of Magellan truly connected the Atlantic and Pacific oceans: what was actually the complete contour of this extraordinary new channel? And, therefore, how should it be presented visually? On many occasions the documents were limited to transmitting the essential fact, that is, the succinct but exceptionally valuable information that there was an interoceanic passage at these latitudes. Some of the first representations, limited by the lack of geographic information, had to adhere to this pattern; this was very commonly the case in luxurious cartography for several decades. Nautical charts, however, and the maps derived from [ 18 ]
quinhentos. O Estreito desenhado por Alonso de Santa Cruz, ainda na primeira metade da centúria, é um exemplo paradigmático desta tendência (ver n.º 13). Paulatinamente foi ficando claro que a mudança da direcção do canal, na saída do segundo estreitamento, era suficientemente acentuada para ser diferenciada ao desenhar o canal. Como resultado, a forma do Estreito evoluiu de um ‘v’ a uma forma semelhante à de “raiz quadrada” (√), que se aproxima mais da silhueta real do passo. O primeiro documento cartográfico que reflecte este aperfeiçoamento de maneira inequívoca é a carta náutica produzida após a expedição de Thomas Cavendish (ver n.º 38). Além da forma geral, várias particularidades geográficas do canal magalhânico chamaram a atenção dos exploradores. No sector oriental a distinção clara dos estreitamentos demorou algum tempo a aparecer, mas a figuração da Baía Inútil e do canal que leva ao Seno Almirantazgo foi uma constante que se repetiu desde os primeiros mapas. O sector ocidental levantou bastantes mais problemas, que só teriam resolução aceitável depois de clarificada a geografia da Terra do Fogo. Durante boa parte do século XVI foi impossível dar uma resposta convincente à pergunta: o que é a Terra do Fogo? Seria uma ilha? Seria a parte mais setentrional do grande continente austral que se anunciava na geografia clássica? As diversas tradições de representação lidaram com este problema de diferentes maneiras. A cartografia náutica derivada das explorações castelhanas adoptou uma postura de prudência empírica, limitando-se a desenhar a Terra do Fogo até onde era conhecida. Dentro desta lógica, o avistamento do Mar Meridional por Francisco de Hoces em 1526 não foi suficientemente elucidativo para criar escola. Enquanto as cartas náuticas ibéricas deixavam inconclusivos os litorais fueguinos, a cartografia de gabinete aventurava-se nas mais variadas possibilidades para integrar a Terra do Fogo no continente antárctico. E assim se manteve sem alteração até à viagem de Francis Drake, que permitiu lançar alguma luz sobre o problema; no entanto, e como já antecipámos, a palavra do corsário inglês não foi suficiente para encerrar o assunto. A confirmação definitiva do estatuto insular da Terra do Fogo chegou pelo testemunho de Jacob Le Maire e Willem Schouten, que alcançaram pela primeira vez o Pacífico percorrendo o Mar de Hoces. Nessa viagem avistaram o ponto mais meridional da região fueguina, que julgaram fazer parte da costa da Terra do Fogo, baptizando-o de cabo Horn. Pouco depois, Jacques L’Hermite iria confirmar que este acidente se encontrava numa pequena ilha, e não na costa, nem nas principais ilhas da Terra
them, always tried to represent the actual shape of the Strait. Already on the Castiglioni planisphere by Diogo Ribeiro (1525) (see no. 4) Cape Froward is clearly drawn, marking the sudden change of direction in the channel when the Paso Ancho meets the Paso Inglés. The emphasis on this geographical feature led to the ‘v’-shaped form that became almost canonical during the entire 16th century. The Strait drawn by Alonso de Santa Cruz, in the first half of the 16th century, is a paradigmatic example of this trend (see no. 13). It gradually became clear that the change in the direction of the channel, at the exit of the second narrow, was sufficiently accentuated to be differentiated when drawing the channel. As a result, the shape of the Strait evolved from a ‘v’ – to a “square root”-like (√) shape that more closely approximates the actual silhouette of the channel. The first cartographic document that unequivocally ref lects this improvement is the nautical chart produced after Thomas Cavendish’s expedition (see no. 38). In addition to the general shape, several other geographic features of the Magellanic channel caught the attention of explorers. In the eastern sector, the clear distinction of the narrows took some time to appear, but the representation of Bahía Inútil and the channel that leads to the Seno Almirantazgo was constant since the first maps. The western sector raised considerably more problems, which would only have an acceptable resolution after the geography of Tierra del Fuego was clarified. For much of the 16th century it was impossible to give a convincing answer to the question: what is Tierra del Fuego? Is it an island? Is it the northernmost part of the great southern continent that was announced in classical geography? Different traditions of representation dealt with this problem differently. Nautical cartography derived from Castilian explorations adopted a prudent approach, limited to drawing Tierra del Fuego only to those parts that had been directly explored. Within this cautious approach, the sighting of the South Sea by Francisco de Hoces in 1526 was not unambiguous enough to create a tradition. While the Iberian nautical charts left the Fuegian coastlines inconclusive, luxurious cartography ventured into the most outlandish possibilities to integrate Tierra del Fuego into the Antarctic continent. This tradition remained unchanged until Francis Drake’s voyage, which finally shed some light on the problem; however, as already anticipated, the English corsair’s word was not enough
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do Fogo. Mas houve alguns que se adiantaram às concepções do seu tempo, apostando, em datas muito precoces, por uma Terra do Fogo de tipo insular: assim se pode ver, por exemplo, na surpreendente carta de Gaspar Viegas, logo em 1537 (ver n.º 12). A confusão em torno da localização do cabo Horn ilustra também a grande incógnita que foi a geografia insular da Terra do Fogo, especialmente no seu sector ocidental. Logo os primeiros exploradores do Estreito notaram que o litoral sul do passo apresentava numerosas reentrâncias, que pareciam depois transformar-se numa miríade de pequenas ilhas. Alonso de Camargo em 1540 e Juan Ladrillero em 1558 foram os primeiros que se aventuraram na complexa rede de ilhas e canais a sul do cabo Deseado. Ladrillero, protagonizando uma exploração mais sistemática, até localizou uma via para aceder ao Estreito àquelas latitudes, que recebeu o nome de canal Abra. Um exemplo elucidativo destas descobertas geográficas encontra-se no atlas de Fernão Vaz Dourado, que, de maneira colorida, apresenta o dito canal Abra e as múltiplas ilhas que formam a região (ver n.º 30). As dificuldades inerentes ao reconhecimento desta área impossibilitaram que ela fosse representada com precisão mesmo no século XVII, o que levou à convivência de dois padrões cartográficos: um deles, mais próximo da realidade, tentava representar a complexa fisionomia insular, enquanto que o outro se limitava a simplificar a Terra do Fogo como uma única ilha de grandes dimensões. Motivado pelas complicações para esclarecer os contornos e as particularidades geográficas da região magalhânica, nasceram alguns mitos que se reflectiram nas representações visuais do Estreito de Magalhães e Terra do Fogo. A existência do canal de São Sebastião, junto da boca atlântica do passo, foi provavelmente o mais persistente de todos eles. Esta quimérica via aparece conectando a Baía de São Sebastião, na costa oriental da ilha da Terra do Fogo, com a Baía Inútil, no interior do Estreito. Por detrás deste mito parece estar a geografia pantanosa que separa estes dois acidentes, o que teria inspirado nalgum observador imaginativo a convicção de que era possível percorrer aquele espaço numa embarcação de pequeno calado. Presente em muitos mapas desde as primeiras décadas do século XVI, a sua inviabilidade como canal navegável foi finalmente confirmada no século XIX. Mais difícil de explicar é o misterioso cabo situado a Este da entrada atlântica no Estreito, apresentado por Alonso de Santa Cruz no seu Islario como “b[aia] de las islas” (ver n.º 13). Como era de esperar, este acidente fictício despertou o interesse dos cartógrafos de gabinete, que não hesitaram em incluí-lo nos seus mapas sob
to close the matter. Definitive confirmation of Tierra del Fuego’s insular status came through the testimony of Jacob Le Maire and Willem Schouten, who for the first time reached the Pacific crossing the Mar de Hoces. On this trip they saw the southernmost point of the Fuegian region, which they reckoned to be on the coast of Tierra del Fuego, baptizing it as Cape Horn. Shortly thereafter, Jacques L’Hermite confirmed that this cape was on a small island, and not on the coast nor on the main islands of Tierra del Fuego. Yet, there were some who had been quite ahead of the conceptions of their time, betting, at very early dates, on a Tierra del Fuego of an insular type: this can be seen, for example, in the surprising chart by Gaspar Viegas, as early as 1537 (see no. 12). The confusion surrounding the location of Cape Horn also illustrates the enigma that was the insular geography of Tierra del Fuego, especially in its western sector. The first explorers of the Strait soon noticed that the coast south of the passage had numerous indentations, which more to the south seemed to become a myriad of small islands. Alonso de Camargo in 1540 and Juan Ladrillero in 1558 were the first to venture into the complex network of islands and channels south of Cape Deseado. Ladrillero, leading a more systematic exploration, located an access to the Strait at those latitudes, which received the name of Abra channel. A clear example of these geographic discoveries can be seen in the Atlas by Fernão Vaz Dourado which, in a colourful manner, presents Abra channel and the multiple islands that form the region (see no. 30). The difficulties inherent to the extremely complex geography of this area made it impossible to accurately represent it in the 17th century. This led to the coexistence of two cartographic patterns: one of them, closer to reality, tried to represent the complex insular and fragmented shape, while the other limited itself to simplifying Tierra del Fuego as a single large island. Motivated by the complications to clarify the contours and the geographical characteristics of the Magellanic region, a few myths took shape and entered the visual representations of the Strait of Magellan and Tierra del Fuego. The existence of the channel of San Sebastián, near the Atlantic mouth of the passage, was probably the most persistent of them all. This chimeric pathway appears connecting Bahía San Sebastián, on the east coast of Tierra del Fuego, to Bahía Inútil, in the interior of the Strait. [ 20 ]
diferentes topónimos. Já em datas mais tardias também a ilha dos Estados começou a levantar interrogações, relacionadas com o seu estatuto de ilha ou, em alternativa, de península de um grande continente. Hendrik Brouwer dissipou as dúvidas em 1643, certificando que se tratava de um território insular quando o contornou por completo. Porém, nem todos os cartógrafos estavam convencidos de que não existisse mais terra a Este, pelo que eventualmente apareceu nos mapas um fantasioso “Estreito de Brouwer” que separava a ilha argentina de uma massa terrestre igualmente fictícia (ver n.os 62, 63). Por vezes a zona magalhânica foi mais imaginada do que explorada. Finalmente, é importante pôr a história deste livro no seu contexto. Deve ter-se presente que não era só a imagem do Estreito de Magalhães e Terra do Fogo que estava a ser construída entre 1520 e 1671. Os processos de construção da imagem geográfica que descrevemos de maneira abreviada nos parágrafos anteriores não se referem exclusivamente ao espaço magalhânico, mas foi, em maior ou menor medida, o que se passou com todos os territórios que os europeus estavam a conhecer e cartografar pela primeira vez nos séculos XVI e XVII. Estas dinâmicas de circulação de informações, as dicotomias entre diferentes paradigmas cartográficos, e os múltiplos desafios criados pelas complexas geografias do globo foram relevantes e estiveram em jogo nas discussões e tentativas de representar todas as novas linhas de costa, desde o Estreito até à costa norte-americana; da ilha da Terra Nova ao litoral oriental africano, ou desde Malaca à ilha de Ternate. Avançava-se, paulatinamente, para a representação de um mundo mais global, interconectado por rotas imensas através de oceanos outrora considerados intransponíveis.
Behind this myth seems to be the swampy geography that separates these two places, which perhaps inspired in some imaginative observer the conviction that it was possible to traverse that space in a boat with a shallow draft. Present on many maps since the first decades of the 16th century, its unfeasibility as a navigable channel was finally confirmed in the 19th century. More difficult to explain is the mystery of the cape located east of the Atlantic entrance to the Strait, presented in Alonso de Santa Cruz’s Islario as “b[aia] de las islas” (see no. 13). This fictitious cape aroused the interest of the learned cartographers, who did not hesitate to include it in their maps under different toponyms. At a later date, the Isla de los Estados [Staten Island] also began to raise interrogations, related to its status as an island or, alternatively, as a peninsula of a large continent. Hendrik Brouwer dispelled doubts in 1643, confirming that it was insular territory by sailing around it completely. However, not all cartographers were convinced that there was no more land to the east, and eventually a fanciful “Brouwer Strait” appeared on the maps, separating the Argentine island from an equally fictitious landmass (see no. 62, 63). Sometimes the Magellanic area was more imagined than explored. Finally, it is important to put the story told in this book in its context. One must bear in mind that it was not just the image of the Strait of Magellan and Tierra del Fuego that was being created between 1520 and 1671. The processes of construction of the geographic image described brief ly in the previous paragraphs do not refer exclusively to Magellanic space, but they were, to a greater or lesser extent, what happened in all the territories that the Europeans were reaching and mapping for the first time in the 16th and 17th centuries. These dynamics of circulation of information, the dichotomies between different cartographic paradigms, and the multiple challenges created by the complex geographies of the globe were relevant and were at stake in the discussions and attempts to represent all the new coastlines from the Strait to the North American coast; from the island of Newfoundland to the eastern African coast, or from Malacca to island of Ternate. Progress was made, gradually, to achieve the image of a more global world, interconnected by immense routes through oceans once considered impassable.
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Cronologia
Chronology
Resumo das principais expedições ao Estreito de Magalhães, que resultaram na produção de novas imagens ou cartografia do Estreito, até 1671
1520 [1519-1522]
A esquadra de Fernão de Magalhães (ca. 1480-1521) partiu de Sevilha a 10 de Agosto de 1519, com cinco navios, entrando no mar em Sanlúcar de Barrameda, a 20 de Setembro de 1519. Tendo atravessado o Atlântico, a expedição explorou a costa no Sul do continente americano. Um dos navios (Santiago) perdeu-se numa tempestade ao explorar a costa perto do rio de Santa Cruz (ca. 50º S), enquanto o resto da esquadra invernava em S. Julião. Navegando mais para sul e tendo passado os 52º S, a esquadra avistou o cabo Vírgenes e a Punta Dungeness. A frota entrou pela boca oriental do Estreito no dia 21 de Outubro de 1520. Até 28/29 de Outubro tiveram lugar explorações iniciais. No dia 1 de Novembro iniciou-se propriamente a travessia do Estreito, pelo Paso Ancho, que, por isso, Magalhães baptizou de Canal de Todos os Santos. Nos dias seguintes, a San Antonio e Concepción efectuam missões de reconhecimento, enquanto que a Trinidad e a Victoria chegam ao Puerto de las Sardinas. A 8 de Novembro dá-se a deserção da San Antonio (que chegará a Sevilha a 6 de Maio de 1521). Magalhães sai do Estreito em 28 de Novembro de 1520, com ape-
Summary of the main expeditions to the Strait of Magellan, that led to the production of new images or cartography of the Strait, until 1671 1520 [1519-1522]
nas três navios: Trinidad (capitã), Victoria e Concepción. As três naves atravessam o Pacífico e alcançam as Filipinas, onde Magalhães acaba por morrer (27 de Abril de 1521). Só a Victoria, comandada por Sebastián Elcano, conseguirá regressar a Sevilha, a 8 de Setembro de 1522. Mapas relacionados: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11.
The f leet of Ferdinand Magellan (ca. 1480-1521) sailed from Seville on August 10, 1519, with five ships, entering the sea in Sanlúcar de Barrameda, on 20 September, 1519. After crossing the Atlantic, the f leet explored the coast on the South of the american continent. One of the ships (Santiago) was lost during a storm while exploring the coast near river Santa Cruz (ca. 50º S) when the rest of the f leet was stationed in San Julián. Sailing further South and having crossed 52º S, the f leet sighted cape Virgenes and Punta Dungeness. The ships entered the eastern mouth of the Strait on October 21, 1520. Until 28-29 October initial explorations were made. On November 1 the actual crossing of the Strait started, along Paso Ancho, which Magellan named All Saints channel. In the following days, San Antonio and Concepión made reconnaissance missions, while Trinidad and Victoria reached puerto de las Sardinas. On November 8, San Antonio deserted (reaching Seville on May 6, 1521). Magellan exited the Strait on November 28, 1520, with only three
1526 [1525-1526]
A expedição de Francisco García Jofre de Loaísa (1490-1526) partiu de La Coruña em 24 de Julho de 1525, com sete navios (Santa Maria de la Victoria, Sancti Spiritus, Anunciada, San Gabriel, Santa Maria del Parral, San Lesmes, Santiago) e cerca de quatrocentos e cinquenta homens. Perseguia o objectivo de alcançar as ilhas das especiarias e também, se possível, entrar em contacto com a Trinidad e a sua tripulação. Alcança a entrada oriental do Estreito de Magalhães em 24 de Janeiro de 1526, mas batido por tempestades e várias contrariedades, tem de sair do canal em 11 de Fevereiro. Com o mau tempo, a caravela San Lesmes, que era [ 27 ]
ships, Trinidad (f lagship), Victoria and Concepción. The three vessels crossed the Pacific and reached the Philippines where Magellan died (April 27, 1521). Only Victoria, led by Juan Sebastián Elcano, finally reached Seville, on 8 September, 1522. Related maps: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11.
1526 [1525-1526]
The expedition of Francisco García Jofre de Loaísa (1490-1526) sailed from La Coruña on July 24, 1525, with seven vessels (Santa Maria de la Victoria, Sancti Spiritus, Anunciada, San Gabriel, Santa Maria del Parral, San Lesmes, Santiago) and around 450 men. Its objective was to reach the spice islands and also, if possible, to get in touch with the Trinidad’s crew. The expedition reached the eastern entrance of the Strait of Magellan in 24 January, 1526, but because of heavy storms and other adversities it had to abandon the channel on February 11. Due to the bad weather the caravel San Lesmes,
Mapas, Cartas e Desenhos Maps, Charts and Drawings
1
1520-1525
Antonio Pigafetta
7
Estreito de Magalhães Strait of Magellan p. 44
2
[1523]
Anónimo [Giovanni Vespucci / Nuño García de Toreno]
ca.1525 Lorenz Fries
8
[1525]
9
10
Anónimo
Globo “dos Embaixadores” “The Ambassadors” Globe p. 60
1531
Oronce Finé
p. 74
11
Anónimo [Nuño García de Toreno]
ca.1526-1533?
Robert Thorne + Richard Hakluyt [Ed.]
Nova, et Integr a Universi Orbis Descriptio
ca.1532
Anónimo [Diogo Ribeiro / Alonso de Chaves?]
Carta de América, Pacífico e Molucas Chart of América, Pacific Ocean and Moluccas p. 76
Planisfério Salviati Salviati planisphere p. 58
6
1527 [ed.1582]
p. 70
Anónimo [Diogo Ribeiro]
[1525]
Vesconte Maggiolo
Orbis Universalis Descriptio
Planisfério Castiglioni Castiglioni planisphere p. 55
5
1527
Planisfério Planisphere p. 67
Tabula Moderna Alterius Hemisphaerii p. 50
4
Giovanni Vespucci
Planisfério Planisphere p. 64
Planisfério de Turim Torino planisphere p. 46
3
1526
12
ca.1537
Anónimo [Gaspar Viegas]
Atlas: América Meridional, Estreito de Magalhães e Terr a do Fogo Atlas: South America, Strait of Magellan and Tierra del Fuego p. 80
13
ca.1540-1560 Alonso de Santa Cruz
Islario Gener al: Estreito de Magalhães Islario General: Strait of Magellan p. 84
14
1544
16
20
21
1554
Giulio de Musio [Grav.] + Michaele Tramezzino [Edit.]
ca.1560
Anónimo [Bartolomeu Velho]
Atlas: Estreito de Magalhães Atlas: Strait of Magellan p. 114
22
ca.1561 [ed.1569] Giacomo Gastaldi
Cosmogr aphia Universalis et exactissima p. 116
1547
Atlas Vallard: América do Sul Vallard Atlas: South America p. 98
Sancho Gutiérrez
Mapa-Múndi em dois Hemisférios World Map in two Hemispheres p. 108
João Afonso
Anónimo
1551
Planisfério: América Planisphere: America p. 104
1545
Estreito de Magalhães e Terr a do Fogo Strait of Magellan and Tierra del Fuego p. 94
17
19
Sebastian Münster
p. 90
Giacomo Gastaldi [Ed. Girolamo Ruscelli]
p. 102
1544 [ed.1550] Cosmogr aphia Universalis: Tabula Novarum Insularum
1548 [ed.1561]
Geogr afia: Carta Marina Nuova Tavola
Battista Agnese
Atlas: Carta da América, Europa e África Atlas: Chart of America, Europe and Africa p. 88
15
18
23
1562
Diego Gutiérrez (O Jovem) + Hyeronymus Cock [Grav.]
Americae Nova et Exactissima Descriptio p. 118
24
1563
Lázaro Luís
29
1569
Gerard Mercator
30
1573
Domingos Teixeira
31
1580 [S.XVIII]
Pedro Sarmiento de Gamboa
32
ca.1580-1616 Anónimo
Croquis de parte da América, Europa e África Sketch of part of America, Europe and Africa p. 138
ca.1581-1583 Nicola van Sype
ca.1581 Anónimo
Esboços da América Meridional. Rio da Pr ata e Estreito de Magalhães Sketches of South America. River Plate and Strait of Magellan p. 150
Estreito de Magalhães: Perfis de Costa Strait of Magellan: Coastline Profiles p. 134
28
Fernão Vaz Dourado
Planisfério Planisphere p. 147
Planisfério Planisphere p. 131
27
1580
Atlas: Estreito de Magalhães Atlas: Strait of Magellan p. 142
Atlas: América do Sul Atlas: South America p. 126
26
Joan Riczo Oliva
Atlas: América do Sul Atlas: South America p. 140
Atlas: América do Sul Atlas: South America p. 122
25
1580
33
[1581]
Sebastião Lopes
América Meridional, Estreito de Magalhães e Terr a do Fogo South America, Strait of Magellan and Tierra del Fuego p. 152
34
1586
André Thevet
40
Le Gr and Insulaire: Les Isles Menues
1587
Richard Hakluyt
41
De Orbe novo: América De Orbe Novo: America p. 156
36
37
Anónimo
38
43
ca.1588-1592
Abraham Ortelius
Maris Pacifici p. 169
ca.1591 [S.XVIII] Tiburcio Spannocchi
ca.1595
Jodocus Hondius
Ver a Totius Expeditionis Nauticae Descriptio
Anónimo
1589
Anónimo [Tiburcio Spannocchi]
Plantas dos fortes do Estreito de Magalhães Plans of the fortresses of the Strait of Magellan p. 178
Joan Martines
América e Estreito de Magalhães America and Strait of Magellan p. 164
39
42
1587
Atlas: América Meridional Atlas: South America p. 160
ca.1591 [S.XVIII]
Mapa da boca oriental do Estreito de Magalhães Map of the eastern mouth of the Strait of Magellan p. 176
ca.1587 Mapa Dr ake-Mellon Drake-Mellon Map p. 158
Joan Martines
Atlas: América do Sul Atlas: South America p. 172
p. 154
35
1591
p. 182
44
[1600]
Anónimo [Luís Teixeira]
Carta da América do Sul Chart of South America p. 186
45
ca.1600
Pieter van den Keere [Petrus Kaerius]
51
Fretum Magellanicum
1601 [ed.1602]
Olivier van Noort + Baptista van Doetecum [Grav.] + Cornelis Claesz [Ed.]
p. 206
52
p. 190
1602
Theodor de Bry [Johann Theodor de Bry + Johann Israel de Bry]
Fretum Magellanicum p. 192
48
50
54
Joris van Spielbergen + Willem Cornelisz Schouten + Nicolaes van Geelkercken [Ed., Grav.]
[1621]
Diego Ramírez de Arellano
Estreito de Magalhães e Terr a do Fogo Strait of Magellan and Tierra del Fuego p. 214
Anónimo
ca.1616 [1618]
1619 [ed.1646]
p. 212
ca.1615-1617 Estreito de Magalhães Strait of Magellan p. 200
Pedro de Letre
Tijpus Freti Magellanici
Lambertus Cornelij [Aut., Grav.]+ Jodocus Hondius [Edit.]
p. 196
49
53
1606-1630
Mercator Atlas: Freti Magellanici Facies
[1618]
Carta da Terr a do Fogo com os Estreitos de Magalhães e Le Maire Chart of Tierra del Fuego with the Straits of Magellan and Le Maire p. 210
Fretum Magellanicum
47
Gaspar de Mere
Freti Magualanici Descriptionem Novam
p. 186
46
1617
55
[1621]
Anónimo [Jean de Wit] + Anónimo [Antonio Moreno]
Pedro Teixeira Albernaz + [João Teixeira Albernaz] + Jean de Courbes [Grav.]
Carta náutica dos Estreitos de Magalhães e Le Maire Nautical chart of the Straits of Magellan and Le Maire p. 202
Estreito de Magalhães e Terr a do Fogo Strait of Magellan and Tierra del Fuego p. 218
56
1630 [ed.1635]
Henricus Hondius II + Johannes Janssonius
62
Freti Magellanici ac novi Freti vulgo Le Maire exactissima delineatio
1635
Willem Blaeu
Tabula Magellanica
63
p. 222
58
59
Anónimo
64
Dell’ Arcano del Mare: Carta Terza Gener ale d’A merica
65
1646
Robert Dudley + Antonio Francesco Lucini [Grav.] + Francesco Onofri [Ed.]
Dell’ Arcano del Mare: Carta Particolare dello Stretto di Magellano e di Maire p. 232
61
1646
Alonso de Ovalle + Francesco Cavallo [Ed.]
Tabvla Geogr aphica Regni Chile p. 234
1670
John Narborough
1671 [ed.1673]
John Thornton + James Atkinson
Novo Mapa do Estreito de Magalhães New map of the Strait of Magellan p. 250
p. 228
60
Nicolas Sanson
Estreito de Magalhães Strait of Magellan p. 246
1646
Robert Dudley + Antonio Francesco Lucini [Grav.] + Francesco Onofri [Ed.]
1659 [ed.1693] Estreito de Magalhães, Terr a e Ilhas Magalhânicas Strait of Magellan and Magellanic land and islands p. 244
ca.1643-1670[S.XVIII] Patagónia, Estreito de Magalhães e Terr a do Fogo Patagonia, Strait of Magellan and Tierra del Fuego p. 224
Nicolas Sanson + Pierre Mariette [Ed.]
Par aguai, Chile, Terr a e Ilhas Magalhânicas Paraguay, Chile and Magellanic land and islands p. 240
p. 220
57
1656
66
[1671] Anónimo
Chile, Patagónia e Terr a do Fogo Chile, Patagonia and Tierra del Fuego p. 254
[1523] 2 Anónimo [Giovanni Vespucci / Nuño García de Toreno]
Planisfério de Turim Torino planisphere
[ 46 ]
O primeiro planisfério onde se apresenta The first planisphere depicting o Estreito de Magalhães the Strait of Magellan
deste arquipélago pela coroa de Castela. Trata-se da primeira representação cartográfica do mundo todo, incluindo as informações recolhidas na expedição de Magalhães-Elcano, pelo que também é o primeiro planisfério onde se apresenta o Estreito de Magalhães. É surpreendente notar a considerável precisão no desenho do canal fueguino, apesar de contar só com as informações trazidas pela nau Victoria e considerando que o Estreito não era de modo nenhum o protagonista central da carta. Quanto à toponímia, o autor ainda regista o Estreito como “strecho de todos santos”, e fornece o alfa e o ómega dos seus acidentes geográficos: “cabo de las virgenes” e “cabo deseado”.
ESTE GRANDE MAPA-MÚNDI ANÓNIMO É GERALMEN-
te atribuído a Giovanni Vespucci, embora também tenha sido relacionado com Nuño García de Toreno. O certo é que, tendo em conta que foi delineado na Casa de la Contratación de Sevilha, é muito provável que contasse com a participação de vários cosmógrafos notáveis que nela trabalhavam. Exponente precoce do Padrón Real, a carta exibe uma ornamentação de beleza austera, já afastada dos padrões decorativos próprios da cartografia medieval. A última terra representada no lado oriental é a península de Malaca, enquanto que do lado ocidental se mostram as ilhas Molucas, reafirmando a posse
[ 48 ]
It is the first cartographic representation of the known world including the information collected on the Magellan-Elcano expedition, and thus it is also the first world planisphere where the Strait of Magellan is represented. It is surprising to note the considerable precision in the drawing of the channel, given that the author relied only on the information brought by the Victoria and considering that the Strait was by no means the main protagonist of the map. As for toponymy, the author still names the Strait “strecho de todos santos” and identifies the alpha and omega of its geographical features: “cabo de las virgenes” and “cabo deseado”.
THIS LARGE ANONYMOUS WORLD MAP IS GENER-
ally attributed to Giovanni Vespucci, although it has been also ascribed to Nuño García de Toreno. What is certain is that, given that it was drawn at the Casa de la Contratación in Seville, it is likely that its construction must have involved several notable cosmographers who worked there. An early exemplar of the Padrón Real [royal pattern chart], the chart displays an ornamentation of austere beauty, far from the decorative patterns typical of medieval cartography. The most easternly land depicted is the Malacca peninsula, while on the western side are the Moluccas islands, reaffirming the possession of this archipelago by the crown of Castile.
[ 49 ]
12
1537
ca.
Anónimo [Gaspar Viegas]
Atlas: América Meridional, Estreito de Magalhães e Terra do Fogo Atlas: South America, Strait of Magellan and Tierra del Fuego Primeira representação num mapa manuscrito da Terra do Fogo como uma ilha
ENTRETANTO, EM PORTUGAL, DESENVOLVIA-SE UMA
MEANWHILE, IN PORTUGAL, A PECULIAR NEW WAY
representação particular do Estreito de Magalhães e da região fueguina. Prova disso são dois atlas anónimos e muito semelhantes, preservados no Archivio di Stato e na Biblioteca Riccardiana, ambas instituições em Florença. A atribuição da autoria a Gaspar Viegas – cartógrafo português acerca do qual pouco mais se sabe do que a sua origem – fundamenta-se nas semelhanças destes dois atlas com uma carta náutica de 1534 por ele assinada. A linha de costa inicia-se no litoral sul do grande estuário do Rio da Prata, traçando algumas baías e acidentes geográficos, até alcançar o espaço magalhânico. O Estreito de Magalhães – identificado como “Estrreito de magualhaes” – e a Terra do Fogo evidenciam que o autor dispôs de fontes particulares para o traçado
of representating the Strait of Magellan and the Fuegian region was under development. This is confirmed by two anonymous (and very similar) atlases preserved in the Archivio di Stato and the Biblioteca Riccardiana, both in Florence. The attribution of the atlases’ authorship to Gaspar Viegas – a Portuguese cartographer about whom almost nothing is known – is based on their similarity to his 1534 nautical chart. The depicted coastline begins at the southern shore of the great estuary of the River Plate, and illustrates key bays and geographical features up to the Magellanic region. The design of the Strait of Magellan – identified as “Estrreito de magualhaes” – and Tierra del Fuego give clues to the specific
[ 80 ]
First representation of Tierra del Fuego as an island on a manuscript map
desta área. A forma em ‘v’ ainda não é especialmente enfatizada, se bem que o delineamento da costa norte indique que há uma mudança de direcção importante, a cerca de metade do canal. Múltiplos pequenos pontos vermelhos ao longo do Estreito parecem representar as ilhas dispersas pelo canal, ou perigos para a navegação. Mas é sem dúvida o sector oriental do passo que chama mais a atenção. Uma ilha de cor dourada separa-se da Terra do Fogo, permitindo o acesso ao Estreito através das águas do Atlântico Sul; uma segunda ilha, de cor azul, igualmente cindida da grande ilha fueguina, possibilita também a entrada desde latitudes ainda mais austrais. Esta peculiar fisionomia da boca atlântica do Estreito reaparecerá pouco depois associada aos mapas da Escola de Dieppe, como se verá no Atlas Vallard (n.º 17). Levando em conta o papel determinante que João Afonso jogou na criação desta escola, será possível que Gaspar Viegas tivesse baseado o seu desenho da região fueguina em informações compiladas por Afonso antes deste as ter levado para França? O “C[abo] das Vi[r]ge[n]s” dá início ao Estreito, seguido da “B[aía] da bitori[a]”, topónimo que sugere que Viegas teve acesso a algum eco documental da expedição de García Jofre de Loaysa. À mesma expedição se poderia referir “testa de balenas”, que atendendo à posição e destaque concedido à legenda parece ser uma tradução imprecisa da designação “hocico de tonina”, utilizada por Martín de Uriarte para identificar o cabo Froward. O “P[orto] de sardinhas” – referência pouco habitual – e “todos los santos” remetem indubitavelmente para a expedição chefiada por Fernão de Magalhães. O “P[orto] escomdido” parece estar situado nalgum lugar da costa meridional do Estreito, enquanto que a legenda “saida do estr[ei]to”, no sector ocidental, se tornará recorrente na cartografia portuguesa desta região. Mas há uma característica desta carta inserida no atlas da Biblioteca Riccardiana que a converte numa peça única na cartografia do espaço fueguino: apresenta, pela primeira vez num mapa manuscrito, a Terra do Fogo como uma ilha. Pelo contrário, o mapa do Archivio di Stato, praticamente idêntico em tudo o mais, limita-se a insinuar a direcção para sul das linhas de costa.
sources that the author employed for drawing this area. The ‘v’-shape is not yet emphasized, although the outline of the north coast indicates that there is an important change of direction about midway through the channel. Multiple small red dots along the Strait appear to represent islands scattered across the channel, or hazards to navigation. But it is undoubtedly the eastern sector of the passage that attracts more attention. An island of golden color is shown separated from Tierra del Fuego, allowing access to the Strait through the waters of the south Atlantic; a second island, tinted blue and separated from the great Fuegian island, allows entry from even more southerly latitudes. This unusual configuration of the Atlantic mouth of the Strait would reappear shortly afterwards in the maps associated with the Dieppe School, as will be seen in the Atlas Vallard (no. 17). Given João Afonso’s pivotal role in the creation of this school, one might wonder whether Gaspar Viegas based his drawing of the Fuegian region on information compiled by Afonso before moving to France. The “C[abo] das Vi[r]ge[n]s” begins the Strait, followed by the “B[aía] da bitori[a]”, a toponym that suggests that Viegas had access to some information of the expedition of García Jofre de Loaysa. To the same voyage we may link the caption “testa de balenas”, which, given its position and prominence, seems to be an inaccurate translation of the designation “hocico de tonina”, used by Martín de Uriarte to identify Cape Froward. The “P[orto] de sardinhas” – an uncommon place name – and “todos los santos” undoubtedly refer to the expedition led by Ferdinand Magellan. “P[orto] escomdido” seems to be located somewhere on the southern coast of the Strait, and the inscription “saída do estr[ei]to”, in the western sector, would become a recurring feature in Portuguese cartography of the Fuegian region. In this chart inserted into the atlas of the Riccardian Library, there is a detail which makes it special in the corpus of Fuegian region cartography: it presents, for the first time on a manuscript map, Tierra del Fuego as an island. In contrast, the map at the Archivio di Stato, despite being practically identical in everything else, limits itself to a graphical insinuation that the coastline heads towards the south. [ 82 ]
13
1540 -1560
ca.
Alonso de Santa Cruz
Islario General: Estreito de Magalhães Islario General: Strait of Magellan
O Estreito é fielmente representado no que respeita às suas direcções, com a forma em ‘v’ claramente definida The Strait is faithfully represented in relation to its directions, clearly defining the ‘v’-shape
[ 84 ]
APÓS PARTICIPAR NA EXPEDIÇÃO CHEFIADA POR
AFTER TAKING PART IN THE EXPEDITION HEADED
Sebastiano Caboto entre 1526 e 1530, Alonso de Santa Cruz foi nomeado cosmógrafo da Casa de la Contratación de Sevilha em 1536. Três anos depois tentou embarcar na expedição que Dom Gutierre de Vargas Carvajal, bispo de Plasencia, apoiou para atravessar o Estreito; não obstante, as suas esperanças de acompanhar Alonso de Camargo na viagem viram-se goradas quando foi nomeado contino do rei, e, portanto, obrigado a ficar em terra, trabalhando na produção de textos. O Islario General de Todas las Islas del Mundo foi uma das principais obras que o cosmógrafo sevilhano deixou para a posteridade. Três cópias deste excepcional compêndio geográfico sobreviveram até aos nossos dias, mas só a preservada na Biblioteca Nacional de Madrid está completa. Como curiosidade, não se pode deixar de mencionar que o célebre cosmógrafo Andrés Garcia de Céspedes “assumiu” a autoria desta obra, apagando o nome de Santa Cruz do frontispício e colocando o seu próprio. Na parte dedicada ao continente americano não podia faltar uma representação do Estreito de Magalhães. O canal é fielmente representado no que respeita às direcções gerais, com a forma em ‘v’ claramente definida. A Terra do Fogo é igualmente precisa no desenho da Baía Inútil e o início do Seno Almirantazgo, se bem que adopte traços totalmente fantasiosos na sua continuação a Este. No sector sudoeste vale a pena destacar a presença de duas ilhas grandes e um conjunto de ilhotas que, segundo Santa Cruz, foram exploradas pela expedição do Bispo de Plasencia. O Islario parece assim confirmar Alonso de Camargo como o primeiro navegador que reconheceu a complexa geografia da área sudoeste da Terra do Fogo, quase duas décadas antes da viagem de Juan Ladrillero. Em relação à toponímica chama a atenção a legenda colocada na Terra do Fogo, sugerindo a insularidade do território: “Tierra o isla del Estrecho de Magallanes”.
by Sebastiano Caboto between 1526 and 1530, Alonso de Santa Cruz was in 1536 named cosmographer at the Casa de la Contratación in Seville. Three years later he tried to embark on a voyage to cross the Strait being prepared by Dom Gutierre de Vargas Carvajal, bishop of Plasencia. Alas, his hopes of accompanying Alonso de Camargo on the journey were dashed when he was appointed contino of the king, and therefore forced to stay on land to toil over the production of texts. The Islario General de Todas as Islas del Mundo was one of the main works that the Sevillian cosmographer bequeathed to posterity. Three copies of this exceptional geographic compendium have survived to the present day, but only the one preserved in the National Library of Madrid is complete. Oddly enough, renowned cosmographer Andrés Garcia de Céspedes “assumed” the authorship of this work, erasing the name of Santa Cruz from its frontispiece and replacing it with his own. In the part of the book describing the American continent, a representation of the Strait of Magellan could not fail to appear. The channel is faithfully depicted in what relates to its direction, with the “v”-shape clearly defined; Tierra del Fuego is equally accurate, showing Bahía Inútil and the beginning of Seno Almirantazgo, although it adopts totally fanciful features in its continuation to the east. In the southwest sector it is worth highlighting the presence of two large islands and a set of islets that, according to Santa Cruz, were explored by the expedition of the Bishop of Plasencia. The Islario thus seems to establish Alonso de Camargo as the first navigator to explore the complex geography of the southwest area of Tierra del Fuego, nearly two decades prior to Juan Ladrillero’s voyage. In terms of toponyms, the caption placed in the Fuegian region should be noted for its affirmation of the insularity of the territory: “Tierra o isla del Estrecho de Magallanes”.
[ 86 ]