Complexidade implicações e políticas globais RUI MALHÓ JOÃO CARAÇA HELDER COELHO JORGE BRAGA DE MACEDO RUI VILELA MENDES
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Introdução RUI MALHÓ, JOÃO CARAÇA, HELDER COELHO, JORGE BRAGA DE MACEDO, RUI VILELA MENDES
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Lições da História?
JOÃO CARAÇA
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Desafios de segurança da transformação digital PEDRO VEIGA
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O controlo da informação na sociedade na era dos media sociais
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ANTÓNIO FILIPE FONSECA
JORGE BRAGA DE MACEDO
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Globalização em português no mundo pós-4.0
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Estudos sobre a criação de estruturas na análise das flutuações económicas
Observar para compreender o discurso público: impacto na relação indivíduosociedade
JORGE LOUÇÃ
TANYA ARAÚJO, FRANCISCO LOUÇÃ
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Desafios normativos e regulatórios da era digital: um constitucionalismo digital na europa?
MARIA EDUARDA GONÇALVES
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Acção climática e cooperação num mundo incerto
FRANCISCO C. SANTOS JORGE M. PACHECO
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Cérebro 4.0: o impacto da quarta revolução industrial na cognição e no cérebro humano RUI F. OLIVEIRA
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Genómica 4.0: Revolução ou re-evolução? (Segurança e privacidade da informação genómica) RICARDO DIAS
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Desafios e impactos da biotecnologia num futuro complexo RUI MALHÓ ALEXANDRE QUINTANILHA
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Um acordo global para a biodiversidade
MARIA AMÉLIA MARTINS-LOUÇÃO
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O planeta humano: Sustentabilidade e governabilidade RUI VILELA MENDES
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Ciências do artificial numa sociedade pós 4.0 HELDER COELHO, LUÍS CORREIA
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A nova roupa da inteligência artificial: ciência, tecnologia e sociedade ERNESTO COSTA
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Ciência-SaúdeComunicação-Política: os vértices de um quadrado (ainda mais) complexo em tempo de pandemia
MIGUEL A. R. B. CASTANHO
Introdução RUI MALHÓ JOÃO CARAÇA HELDER COELHO JORGE BRAGA DE MACEDO
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RUI VILELA MENDES
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“É complicado!” Todos temos uma percepção empírica do que é complexidade. Definir semanticamente tal termo com precisão traduz precisamente a dificuldade que é analisar um sistema complexo. Nos últimos 20 anos, os “Encontros da Arrábida” têm debatido os sistemas complexos nas mais diversas áreas do saber, da física, da química e da biologia, até à economia e à sociologia, passando pela matemática e pela informática, reflectindo sobre as implicações do funcionamento destes sistemas em áreas relevantes para a sociedade e o seu bem-estar, e.g., saúde, clima, ambiente. Em suma, todas as áreas relevantes para a sociedade e o seu bem-estar. Fomentando uma visão multi- e interdisciplinar, estes encontros têm promovido uma discussão acerca dos sistemas complexos (adaptativos ou não) com destaque para as suas propriedades de auto-organização e emergência. A imprevisibilidade no longo termo é uma característica dos sistemas complexos, ou seja, o futuro não pode ser determinado com rigor a partir do estado passado ou presente dos sistemas. Pequenas diferenças no estado inicial de um sistema são amplificadas exponencialmente e conduzem a situações muito diversas, não antecipadas. Mas quanto melhor conhecermos os parâmetros e variáveis, melhor nos poderemos preparar para responder e adaptar ao aparecimento de uma situação inédita. A pandemia da qual estamos agora a sair mostrou-nos isso mesmo! Os capítulos deste livro não visam pois oferecer soluções mas sim perspectivar a imprevisibilidade, contextualizando os diferentes temas com os ensinamentos do passado e do presente. Inerente a estes conceitos está uma noção de erro. Errar faz parte de qualquer actividade humana. Aprendemos com os erros, nossos e dos outros. No método científico testamos continuamente hipóteses, teoremas e teorias e nada se aceita como absolutamente verdadeiro. Contudo, as sociedades actuais vivem pressionadas de forma cada vez mais intensa pela necessidade de decidir bem e rápido, pelo expedito juízo dos pares. A ciência não escapa a este escrutínio nem a este desiderato. No entanto, a missão da comunidade científica não é apenas criar, experimentar, inovar. É também ensinar como se faz, arriscar, formar, evoluir. E a crítica às elites decisoras nem sempre se preocupa com soluções alternativas, não contribuindo para melhorar a governação de um mundo cada vez mais complexo. 5
Os temas
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Ao longo deste livro, os diversos capítulos irão abordar os temas considerados mais prementes relativamente às ciências da complexidade e pertinentes para a sociedade actual. Um tópico central a cada capítulo é o impacto da crescente digitalização da Ciência e da vida em sociedade. Do desenho experimental à salvaguarda de dados, da regulamentação à modelação, do manuseamento de equipamento à análise numérica – todos necessitam de ser escrutinados considerando não apenas o imperativo do rigor científico mas também as consequências éticas e societais. A rápida e semi-imprevísivel evolução da digitalização e automatização de processos tem potenciado avanços extraordinários em simultâneo com o despoletar de novos desafios que agora se colocam a uma sociedade com padrões de desenvolvimento ímpar mas onde, paradoxalmente, ignorância e idolatria florescem. Como gerir bases de dados respeitando individualidade e privacidade? Como assegurar reprodutibilidade e validação pelos pares quando a produção de dados continua a acelerar? De que forma pode a inteligência artificial auxiliar-nos na gestão de recursos e na análise de “big data”? Que estratégias para conciliar robotização e inovação experimental com espírito crítico e direitos humanos? Nas palavras de Sidney Brenner We are drowning in a sea of data and starving for knowledge! Entender o presente e preparar o futuro começa por perceber o passado. Daí dedicar-se o capítulo I às “Lições da História” (João Caraça). Sem o devido contexto, corre-se o risco (tentação?) de importar modelos bem-sucedidos, porque bem adaptados às suas condições, mas cuja transposição se venha a revelar desajustada ou mesmo contraproducente. No capítulo II aborda-se a “Globalização em português no mundo 4.0” (Jorge Braga de Macedo) porquanto as decorrências económicas não podem esquecer a língua mais falada no hemisfério sul. O desenvolvimento da nossa sociedade, do nosso bem-estar e mesmo a nossa interacção com o planeta decorrem também deste posicionamento geo-estratégico. No capítulo III, “Estudos sobre a criação de estruturas na análise das flutuações económicas” (Tanya Araújo e Francisco Louçã), utilizam-se novos instrumentos de análise e deteção de padrões na abordagem à emergência cíclica de crises económico-financeiras e aos comportamentos e estratégias em mercados especulativos. Estas tem um impacto enorme na qualidade de vida das populações, afectando consequentemente todos os outros aspectos do funcionamento da
sociedade. Daí a premência de indicadores que possam auxiliar na sua prevenção e mitigação. Tal como as questões financeiras, a informação é poder. O capítulo IV foca os “Desafios normativos e regulatórios da era digital” (Maria Eduarda Gonçalves) abordando a mudança nas relações de poder e a necessidade de um constitucionalismo digital que permita adaptar aos novos tempos o regime dos direitos fundamentais. Esta perspectiva tem continuidade no capítulo V sobre “Desafios de segurança da transformação digital” (Pedro Veiga) e no capítulo VI “Controlo da informação na sociedade” (António Fonseca). A percepção e capacidade de apreensão de informação são determinantes para a evolução dos sistemas. E serão também para a nossa sobrevivência. Assim, o capítulo VII abordará os aspectos relacionados com “Programação e evolução de redes de comunicação: impacto na relação indivíduo-sociedade” (Jorge Louçã) e o capítulo VIII os problemas inerentes à “Acção climática e cooperação num mundo incerto” (Francisco Santos e Jorge Pacheco). As implicações destes tópicos na nossa arquitectura mental, processamento cognitivo e trabalho, são abordadas no capítulo IX “Cérebro 4.0: o impacto da quarta revolução industrial na cognição e no cérebro humano” (Rui Oliveira). A evolução e disseminação das técnicas de sequenciação e recolha de dados genéticos conheceu um novo incremento em resposta à emergência pandémica. No capítulo X são discutidas as potencialidades da “Genómica 4.0: revolução ou re-evolução?” (Ricardo Dias) definindo-se aspectos normativos que deveriam ser implementados a bem de uma regulamentação ética do sector. Este tópico é continuado no capítulo XI sobre os “Desafios e impactos da biotecnologia num futuro complexo” (Rui Malhó e Alexandre Quintanilha). A problemática da produção de alimentos saudáveis, de forma sustentável num cenário de alterações climáticas que exigirão a adaptação de culturas (e culturais) e a optimização da produção, conciliando-as com a preservação da Natureza. A importância da biodiversidade e complexidade dos ecossistemas é abordada no capítulo XII “Um acordo global para a biodiversidade” (Maria Amélia Martins-Loução). A nossa presença no planeta não dispensa a utilização de recursos naturais que têm de ser geridos, preservando ecossistemas não apenas em termos de área geográfica mas também da sua diversidade. 7
Abordam-se no capítulo XIII aspectos relacionados com “Sustentabilidade e Governabilidade” (Rui Vilela Mendes), do nosso planeta, nomeadamente a questão fulcral da Energia e a sua relação com as alterações climáticas. Soluções para este e outros problemas não serão eficazes sem um esforço concertado de governação do planeta humano. Seguem-se os extraordinários avanços computacionais, os quais passaram a estar associados à emergência de uma quarta revolução industrial baseada na digitalização e automatização de processos. A “Robótica e IA numa sociedade pós-4.0” (Helder Coelho e Luís Correia) é abordada no capítulo XIV e no capítulo XV “A nova roupa da inteligência artificial: ciência, tecnologia e sociedade” (Ernesto Costa) discute-se a aprendizagem automática e abordam-se desafios e perigos das inteligências artificiais. A problemática da saúde humana, na perspetiva da sua interseção com a prática e a comunicação da Ciência, é algo que a pandemia mostrou ser de enorme complexidade (e volubilidade). Este tema é abordado no capítulo XVI “Ciência-Saúde-Comunicação-Política” (Miguel Castanho) invocando também a necessidade de políticas públicas de valorização da cultura científica, que é um património social e político imprescindível numa democracia robusta, de plena participação cívica. Poderão os leitores agora interrogar-se porque não dedicar um capítulo especificamente às alterações geofísicas que registamos no planeta. Ao contrário de todos os que aqui se abordam – inclusivé sobre Biodiversidade e Ecossistemas – cuja evolução pode ser (ainda) rápida e eficientemente alterada pelas nossas acções, estas alterações atingiram já um ponto em que não será simplesmente possível neste século reverter parâmetros climáticos como os registados no início do século XX (vide relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas). Assiste-nos a obrigação de mitigar efeitos nefastos como a emissão de gases e o aumento da temperatura o que passa pelos temas dos capítulos apresentados; das políticas sociais e económicas, do ambiente à biotecnologia, da energia à saúde.
Ciência, Ética e Política(s)
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Subjacente a cada um dos temas abordados estão inúmeras vantagens para a sociedade mas também desafios que podem distorcer negativamente um equilíbrio social e ambiental. Como implementar então condutas que conciliem criatividade
com regulação? Benefícios societais versus privacidade do indivíduo? Que relação entre ciência, ética e política e de que forma a sua interacção melhor servirá a sociedade? O passado – e em larga medida o presente – mostra-nos que em sociedades desenvolvidas e democráticas, a ciência é essencialmente livre, independente e o conhecimento é gerado partindo da análise de questões prévias, curiosidade e descobertas ocasionais. É fortemente moldada por princípios éticos traduzidos numa auto-regulação colectiva e responde a desafios societais que são estrategicamente impulsionados por políticas globais (e.g. financiamentos públicos ou privados). Mau grado uma resposta rápida, eficiente e global à pandemia por parte de muitos países avançados, existem sinais crescentes de que tal cenário corre riscos de deturpação e a diversidade de respostas à situação pandémica nos vários países mostrou isso claramente. É plausível que, por questões económicas, ideológicas, ou por emergências da humanidade (e.g. as alterações climáticas) sejam questões políticas a ditar que ciência se fará em prol da sociedade; basta que para tal o financiamento seja alocado a programas específicos. Se a ética persistir como factor central, este cenário não é necessariamente alarmante até porque, desde sempre, a ciência procura resolver os problemas da sociedade. Relembremos por exemplo que a procura de uma vacina contra o SARS-CoV-2 encontra muitos paralelos com a descoberta da vacina contra a raiva por Louis Pasteur. Mas correntes negacionistas ou enviesamentos ideológicos podem ser extremamente perniciosos como a História já nos demonstrou cabalmente. Existe assim um terceiro (e perigoso) cenário em que um poder político condicionado por uma sociedade não informada, onde opiniões se sobreponham aos factos, verta esses condicionamentos na realização científica deixando à ética um papel secundário. Se nalguns casos isso poderá ser relativamente inócuo, esse não será definitivamente o caso quando se abordarem questões como a manipulação genética (de plantas ou de animais), fontes de energia e saúde pública, privacidade e propriedade intelectual. E, se houve algo que a pandemia friamente nos demonstrou, é que a existência de informação per se, não é suficiente para termos uma sociedade bem informada. Como evitar então este terceiro cenário? Apostando na formação; uma sociedade exigente, crítica, alicerçada no conhecimento conseguirá conciliar conceitos como liberdade, ética, risco, dinâmica e sustentabilidade. Esperamos que este possa livro contribuir para esse objectivo! 9
Lições da História? JOÃO CARAÇA
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Fundação Calouste Gulbenkian
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RESUMO
A experiência é madre das cousas… afirmou Duarte Pacheco Pereira nos idos de 1508. Não se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, são as palavras com que Immanuel Kant inicia a sua monumental Crítica da Razão Pura publicada em 1781. Devemos pois considerar seriamente a experiência. Aquilo que de mais importante os europeus conseguiram durante a modernidade foi a criação de novas sociedades, resultantes de uma nova visão, “geométrica”, do mundo, suscitada pela experiência e apoiada numa cultura de tendência crítica e base experimental. A visão geométrica acolhe a mudança como factor de progresso e encara o mundo social como uma construção em transformação permanente. A modernidade introduziu a ciência moderna como conhecimento da natureza e inventou a história como método para compreender os processos de transformação. Mas a história não se repete. O que se repete na história são os erros humanos. E também não há fatalidade em história. A evolução é o resultado dos conflitos entre as forças mobilizadas em presença e as vontades e ânimos para os vencer. Quando a mudança era lenta parecia que as situações eram uma cópia das do passado. Erro crasso – os actores do momento eram sempre diferentes dos antigos tal como as respectivas ambições. O tempo dos antigos era considerado a Era de Ouro.
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Ao princípio, a mudança não era tão rápida como a de hoje parece. Era visível no caso das guerras, nas grandes fomes, nas epidemias e através da mudança de gerações. Era lenta. O que levou muita gente a tentar prever o futuro, essa fatal vertigem da nossa espécie. Os poucos que alcançaram sucesso foram os que tiveram a lucidez de “prever” acontecimentos que se produziriam apenas largo
LIÇÕES DA HISTÓRIA
Mudança vs Evolução
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LIÇÕES DA HISTÓRIA |
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tempo depois da sua própria morte. Mas nunca no passado houve sociedades tão desenvolvidas e com tal intensidade de comunicação interna como as nossas. Hoje é impensável recorrermos à análise de acontecimentos de épocas anteriores como guia para a tomada de decisões cruciais. A mudança é constante mas a evolução não é prevísivel; o passado não nos pode dizer nada sobre o futuro. O que podemos tirar do conhecimento histórico é a importância do contexto e a noção da constância da natureza humana e das suas paixões. Por arrogância desvalorizamos o papel do contexto e por isso repetimos erros, sem remissão, século após século, gerando aparentemente ciclos de comportamentos humanos. Até quando? Até que sejamos capazes de fazer o que é preciso: inovar, investir, investigar, informar, educar. Criar um espírito de Resistência. As verdadeiras elites são as que pensam o longo prazo, aquelas que acreditam que há valores universais, as que lutam por mais igualdade no mundo. O passado é, no entanto, rico em ensinamentos. Assim soubéssemos nós lê-lo e assimilá-lo. Pensamos sempre que desta vez é diferente porque retemos aquilo que melhor se enquadra na nossa conceção do mundo atual. A materialidade elevada com que hoje convivemos (e sem a qual certamente ocorreria uma catástrofe populacional) é medida pela intensidade da nossa utilização dos recursos energéticos, da exploração do solo e dos recursos marinhos, da extensão das nossas cidades, da expressão numérica das vidas humanas que povoam o planeta: mais de sete mil milhões de habitantes! Esta materialidade traduz-se por uma alteração violenta da localização de muitos materiais, bem como da sua transformação e colocação noutros locais onde são utilizados ou consumidos. Quanto mais materialidade, maior é o índice dessa mudança forçada. A materialidade é sempre acompanhada de violência. As raízes fundas destas crises que atravessamos no presente derivam não tanto do aprofundamento da modernidade – que nos acompanha desde os finais do século XVI – mas sim do seu esmorecimento. O século XVI foi palco de crises profundas: (i) religiosas – a Reforma protestante; (ii) económicas – a mudança do eixo económico do Mediterrâneo para o Atlântico; (iii) educativas – o surgimento do humanismo, que veio destronar a escolástica medieval; (iv) no relacionamento com o real – o valor da experimentação; (vi) comunicacionais – a introdução da imprensa; (vii) morais – a substituição da noção de alma pela de intelecto.
Se acrescentarmos a esta lista os ecos da queda de Constantinopla e o renovado receio do perigo do Islão, o reconhecimento da circum-navegação do globo, a redescoberta do corpo humano e o efeito de uma nova classe ascendente, trazendo as sementes da república, percebemos como este período pareceu aos seus contemporâneos como assombrado por uma declarada complexidade, em que tudo parecia estar interligado. A sensação de que tudo se tinha tornado inseparável de um todo, como se uma nova (des)ordem se tivesse instalado sem que se adivinhassem os contornos, era paradoxal. Mas, ao mesmo tempo, a torrente de novidades que enchia diariamente os olhos dos europeus (de novos mares, novas terras, novas gentes, novas plantas e animais, novas estrelas) era avassaladora. Algo estava desajustado… E assim se foi afirmando uma nova visão do mundo, geométrica (como se viu acima), que trouxe consigo a possibilidade de impor e construir a partir da observação e da experimentação uma nova ciência, a ciência moderna, cuja finalidade era descobrir as leis da natureza e dar um sentido, uma nova ordem, ao mundo. O velho regime da cristandade e do feudalismo foi dando lugar ao da modernidade e do capitalismo. E durante trezentos anos viveu a Europa neste sistema, no meio de guerras e conflitos, espalhando os seus soldados e mercadores pela face do planeta mercê dos avanços alcançados nas revoluções comercial, científica, agrícola e industrial, que apuraram os seus instrumentos de dominação.
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Quando o século XX começou havia apenas duas pequenas nuvens que perturbavam o entendimento dos fenómenos naturais, caracterizado por uma pletora de novas disciplinas científicas. Porém, novas ideias e descobertas fundamentais se seguiram, contestando a beleza do edifício do pensamento clássico moderno, que se baseava num conjunto de três grandes suposições: o determinismo, o reducionismo e o dualismo. Com o advento da electricidade as cidades evoluíram e começaram a sua caminhada para uma hegemonia do habitat humano. E o sistema extractivo europeu – os impérios coloniais – começou por sua vez a enfraquecer mercê das grandes guerras de destruição do património e capital endógenos que as nações europeias então encetaram.
LIÇÕES DA HISTÓRIA
Emergência da complexidade
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Globalização em português no mundo pós-4.0 JORGE BRAGA DE MACEDO NOVA BSE, Academia das Ciências de Lisboa
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ESCREVER
A Jorge Sampaio (1939-2021), com quem comemorei o centenário de Nelson Mandela (1918-2013) na UNL
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RESUMO
Passaram 500 anos sobre a primeira viagem de circum-navegação do globo, concluída por Elcano, depois da morte de Magalhães nas Filipinas, e a 4ª revolução industrial tem cinco anos, durante os quais a hiperglobalização do século XXI se tornou insegura – mau grado o progresso sustentado da tecnologia. À pandemia declarada em finais de 2019 acrescem preocupações climáticas e geopolíticas, de maneira que a capacidade de resposta do sistema onusiano diminuiu em várias geografias gerando tensões entre norte, sul, leste e oeste. Pior, agrupamentos surgidos depois de crises financeiras internacionais – como o G20, secretariado pelo FMI – não conseguem enfrentar os riscos do mundo pós 4.0. Como a língua mais falada no hemisfério sul (que o mapa Mercator apouca) é o português, percebe-se a iniciativa brasileira de criar o Instituto Internacional da Língua Portuguesa por altura da queda do muro de Berlim. Também é relevante o apelo ao humanismo universal das organizações de países de língua inglesa, francesa e espanhola (mutuamente inteligível com o português). As três secções (Complexidade & Silos; Colecções & Conservação; Lusofilia & Saber Continuar) inspiram-se nas apresentações em Arrábida
que aborda Angola, Guiné, Moçambique e Instituto de Investigação Científica Tropical [1].
Complexidade & Silos A globalização em português tem origem na descoberta do caminho marítimo para a Índia contornando África. À raiz europeia da sede da CPLP, acrescem vários membros associados das duas uniões continentais europeia e africana – cuja proximidade geopolítica o mapa Dymaxion da capa de GeP ilustra bem. Afasta
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em Português Revoluções e continuidades africanas (GeP)
GLOBALIZAÇÃO EM PORTUGUÊS NO MUNDO PÓS-4.0
Workshops desde 2018 bem como num livro intitulado Globalização
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trabalhos com Joaquim Oliveira Martins por último “Are complementary reforms a ‘luxury’ for developing countries?”, Journal of Comparative Economics, 2014 42 (2), 417-35 (com Bruno Rocha) citado em “Reform Complementarity and Policy Coordination in Europe: a View from Portugal”, CIGI Paper n.º 132, 2017. Além de assim introduzir o Centro para a Inovação na Governação Internacional em Waterloo, Ontario, recordo os dois anos passados na presidência da Comissão dos Assuntos Europeus, em especial a Resolução 21/95 sobre a ideia portuguesa da Europa na qual se começa por afirmar a língua comum como um elemento basilar nas identidades partilhadas de Portugal (aprovada sem votos contra sofreu da instrução automática do PCP para votar contra tudo o que tivesse a ver com a integração europeia… mesmo que também se invocassem os PALOP). Chamei “recta pronúncia europeia” (DN 4/12/06) à revogação da curtíssima lei 20/94 pela 43/06 “que se inspira largamente na anterior”, numa espécie de “saber continuar”…
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GLOBALIZAÇÃO EM PORTUGUÊS NO MUNDO PÓS-4.0
Mensagem final
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Às acusações de silofilia por parte de economistas e de lusofobia por parte de quem fala a “sua” língua portuguesa respondia-se recomendando a mistura inversa de silofobia com lusofilia, sem grande sucesso. Até epidemiologistas tidos por heróis omniscientes passaram a sabichões enfiados nos seus silos! Dizer que a globalização está em crise prova demais quando abundam choques globais e fraquejam respostas ao mesmo nível por falta de confiança na comparação entre continentes e nações, como se vê na cooperação entre as duas Américas, na Eurásia ou entre Europa e África. A insegurança parecia ter desaparecido, porque a interdependência económica entre nações-estado assentava na existência de uma comunidade de segurança como a NATO. A queda do Muro de Berlim pareceu reforçar essa comunidade, mas a quebra da interdependência económica devida ao contágio da crise anglo-americana à zona do euro veio a implicar menos segurança na globalização. Menos notório, mas eventualmente mais danoso, é que a pressão dos pares (que leva a seguir as melhores práticas e é um elemento essencial da governação internacional) tenha falhado nestes últimos anos, ameaçando o funcionamento do mundo 4.0 de maneira que asconsequências danosas dos choques na saúde e no ambiente podem ameaçar não só a cooperação internacional como a esperança no desenvolvimento de maneira que as expectativas auto-sustentadas puxam para baixo e não para cima, desperdiçando qualquer tentativa concreta de “saber continuar”.
Estudos sobre a criação de estruturas na análise das flutuações económicas TANYA ARAÚJO E FRANCISCO LOUÇÃ
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ESCREVER
ISEG, Lisbon School of Economics & Management
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