Atravessando a Porta do Pacífico

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J OS É M A RÍA M O R EN O M A D RI D H EN RI Q U E LEITÃO

ATRAVESSANDO A PORTA DO PACÍFICO

B Y T HE

BOOK

Roteiros e Relatos da Travessia do Estreito de Magalhães 1520-1620



ATRAVESSANDO A PORTA DO PACÍFICO Roteiros e Relatos da Travessia do Estreito de Magalhães 1520-1620

JOSÉ MARÍA MORENO MADRID H E N R I Q U E L E I TÃO

B Y THE

BOOK


Às nossas famílias, com quem atravessámos tantos estreitos ao longo da vida. JOSÉ MARÍA MORENO MADRID H E N R I Q U E L E I TÃ O


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PR EFÁCI O

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INTRODUÇÃO

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CRONOLO GIA | RE SUMO

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D E CE M I T ÉRI O D E N AV I OS AO CANAL MAIS NOBRE

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BIBLIOGRAFIA

101

DOCUMENTOS S O B RE A T R AV E S SI A DO ESTREITO DE M AGALHÃES

319

C A R TA S E M A PA S DO ESTREITO DE M AGALHÃES 15 2 0 -1 6 2 0



PR EFÁCI O JOSÉ MARQUES

Presidente da Estrutura de Missão V Centenário Fernão de Magalhães

CONHECER E PROJETAR O LEGADO DE FERNÃO DE MAGALHÃES, PRESERVAR A

memória e o património histórico do navegador português, valorizar a colaboração, cooperação e o intercâmbio cultural, potenciar a investigação, partilha e disseminação do conhecimento e em consequência promover a sustentabilidade dos oceanos e da economia azul são desideratos que se pretende alcançar com a comemoração do V Centenário da Primeira Circum-Navegação. O entendimento contemporâneo de toda a logística envolvida, nomeadamente os recursos materiais, humanos e financeiros que foi necessário reunir, do nível de confiança no conhecimento científico e tecnológico existente – no âmbito cartográfico, cosmográfico e meteorológico, marítimo, entre outros – e as consequências do feito em si, confronta-nos com a convicção que a expedição pensada e comandada por Fernão de Magalhães, e concluída por Juan Sebastian de Elcano, foi, de facto, um dos mais relevantes eventos da humanidade. Esta expedição náutica épica e transcendente nos alvores do século XVI, poderemos considerá-la como a primeira rota universal e global ao estender-se por todos os mares, continentes e céus que cobrem os dois hemisférios do planeta, constituindo, cinco séculos depois, um património de toda a humanidade, um capital simbólico e intelectual de valor universal, que se mantém vivo em inúmeros acontecimentos ao longo de toda a Rota de Magalhães/Elcano. Para assinalar esta realidade em Portugal, foi criada a Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário da Circum-Navegação comandada pelo navegador português Fernão de Magalhães 2019-2022 (EMCFM), a qual tenho a honra de presidir, a quem compete desenvolver, em articulação com as instituições de ensino superior e instituições científicas, autarquias locais e demais entidades públicas e privadas, as diversas iniciativas associadas às comemorações dos 500 anos da primeira volta ao mundo.

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Entre os muitos marcos assinaláveis desta expedição importa destacar a descoberta do Estreito de Magalhães no dia 21 de outubro de 1520, cerca de um ano depois do início da aventura. As dimensões associadas a esta descoberta, nomeadamente, entre muitas outras, as associadas à cultura, ao património, à economia, ao desenvolvimento e à própria importância geográfica da ligação entre os dois grandes oceanos, que ainda hoje perduram, merece especial relevo. Quando atualmente se abordam as implicações da situação de emergência relacionada com as alterações climáticas e se recorre ao conceito de mar único para dimensionar o impacto das suas consequências, tal se deve à confirmação da intercomunicabilidade entre os oceanos e em resultado direto da descoberta desta passagem por mar entre o Este e o Oeste. Com efeito, ao descobrir esta ligação, e a entrada para o grande mar que batizou de Pacífico, Fernão de Magalhães deu mais mar ao mar, deu mais mundo ao mundo. Presenteou a humanidade com um mundo oceânico e confirmou a condição redonda do nosso planeta, oferecendo-nos um até então desconhecido “Planeta Oceano”. Através dos roteiros e relatos de quem fez a sua travessia, a presente obra pretende aprofundar o conhecimento deste Estreito, no período entre a sua descoberta em 1520 e os 100 anos subsequentes, deixando um registo histórico sobre os aspetos técnicos, geográficos, meteorológicos, náuticos e científicos com que se debateram os primeiros navegadores que o atravessaram. O livro apresenta várias novidades, entre as quais a apresentação de roteiros e documentos nunca antes publicados em Portugal, bem como notícias de expedições ao Estreito, realizadas por portugueses, que são praticamente desconhecidas entre nós. Nas palavras dos autores, Atravessar o Estreito foi de início uma das mais temidas e mais perigosas façanhas da marinharia do século XVI e com essa travessia resolviam-se décadas de discussão sobre a geografia do novo continente americano e abria-se a porta para o Pacífico e a navegação em outros mares.

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Ao disponibilizarem os documentos que relatam as primeiras travessias do Estreito de Magalhães, escritos por quem se aventurou nas suas águas, José María Moreno Madrid e Henrique Leitão revelam-nos a sua importância no desenvolvimento do conhecimento científico sobre a sua navegabilidade ao longo dos anos, mas também sobre o mundo natural e a dimensão cultural das terras e das gentes desta parte do mundo. O seu conteúdo assente na inegável erudição dos textos originais, associado a uma bibliografia, cronologia e seleção de textos de rara excelência, tornam-no num livro único sobre a história do Estreito de Magalhães. Em consonância com os objetivos que norteiam a sua missão, a Estrutura de Missão não poderia deixar de se associar a esta obra, apoiando a sua publicação, concorrendo desta forma para o enriquecimento do acervo bibliográfico relativo à primeira viagem de circum-navegação e ao legado do navegador português Fernão de Magalhães. Aos seus autores, José María Moreno Madrid e Henrique Leitão, em nome da Estrutura de Missão, deixo uma nota de agradecimento e reconhecimento pela iniciativa, pelo profissionalismo, afinco e paixão colocados na pesquisa, desenvolvimento e conclusão da presente obra.

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INTRODUÇÃO

RECOLHEM-SE NESTA OBRA OS PRINCIPAIS ROTEIROS E RELATOS DA TRAVESSIA

do Estreito de Magalhães, no primeiro século da sua exploração, isto é, desde 1520, data da primeira travessia pela expedição comandada por Fernão de Magalhães, até 1620, logo depois da travessia durante a famosa viagem dos irmãos Nodal. Os documentos apresentados não esgotam a documentação relevante acerca do Estreito durante esse século, mas foram escolhidos por terem um conteúdo técnico, náutico ou científico relevante. Por isso, foram preferidos os textos de tipo “Roteiro” ou instruções náuticas, ou com conteúdo análogo, em detrimento de simples relatos, crónicas, ou impressões de viagem. A classificação é, obviamente, bastante fluida e até algo subjectiva, mas seja como for, a intenção que presidiu à nossa selecção é clara: apresentamos aqui sobretudo documentos que podem informar o leitor acerca dos aspectos técnicos, geográficos, meteorológicos, náuticos ou científicos com que se debateram os primeiros navegadores que atravessaram o Estreito. Atravessar o Estreito foi de início uma das mais temidas e mais perigosas façanhas da marinharia do século XVI. Os documentos aqui coligidos são testemunhos eloquentes da perigosidade da operação e do imenso arrojo dos homens que primeiro se propuseram levá-la a cabo. Mas progressivamente essa travessia foi sendo dominada, e as viagens tornaram-se muito mais seguras, à medida que o Estreito e as suas condições eram melhor conhecidos. Estes documentos revelam essa faceta, habitualmente menos comentada, e que é o interesse principal desta obra: conhecer e atravessar o Estreito foi também um grande desafio técnico-científico, que para ser executado com sucesso obrigou a uma contínua recolha de informação sobre as características e as condições desse difícil troço de mar. Praticamente todos os documentos aqui apresentados traduzem esse desejo de coligir e analisar informação precisa e actualizada sobre as condições do Estreito, uma preocupação que foi constante para todos os navegadores, oriundos de diferentes nações, que se acometeram a essa travessia. Essa intenção não era deixada ao acaso ou à escolha de cada navegador. Pelo contrário, foi habitualmente planeada e objecto de ordens e instruções. Logo em 1544, volvidos pouco mais de vinte anos após a primeira travessia do Estreito, Pedro de Valdivia enviava Juan Bautista Pastene (1507-1580) com instruções para reconhecer e explorar toda 11


a costa desde o porto de Valparaíso até ao Estreito de Magalhães (Gay, 1846­ ‑52, vol. I, pp. 35-48; Barros, 1981). E anos mais tarde (29 Maio 1555) eram as próprias autoridades de Espanha que ordenavam cuidadosos levantamentos de informação geográfica, e não só, de toda a costa chilena, incluindo o Estreito de Magalhães. Como reza o documento relevante: […] enviéis algunos navíos a tomar noticia i relación de la calidad de aquella tierra i de la utilidad de ella, i a saber i entender qué población e jente hai en ella [...] e si es isla, o qué puertos hai en ella, e de qué manera se navega aquella costa, i si hai monzones o corrientes, e a qué parte o qué curso hacen [...] i sabido lo susodicho, nos enviaréis relación de ello (Guerrero Vergara, 1880, p. 97). Embora referindo-se apenas ao caso particular da exploração do Estreito, os documentos deste livro põem em evidência de maneira muito clara a intencionalidade e a preparação dos processos de descobrimento marítimo empreendidos pelos europeus no século XVI. As sucessivas expedições procuravam observar, registar e acumular a maior quantidade possível de dados acerca do mundo natural – especialmente dados de relevância náutica –, fazê-lo da maneira mais exacta possível, e colocar esses dados à disposição dos navegadores seguintes. Tudo isto exigiu não apenas novas atitudes mentais e novos conhecimentos e domínios técnicos, mas também a criação de canais e infraestruturas institucionais e normativas que coordenassem todo esse imenso trabalho de recolha e acumulação de informação sobre a natureza, num processo que era totalmente inédito porque agora a escala era planetária e as quantidades de informação nova quase avassaladoras. Os primeiros a debater-se com esta nova situação, e a criar as condições para a resolver com eficácia, foram os ibéricos, mas pouco depois muitos outros povos, ingleses e holandeses em particular, viram-se confrontados com os mesmos desafios, a tal ponto que não é possível qualquer entendimento da história científica europeia nos séculos XVI e XVII sem a consideração destes factos. Este livro, ao colocar à disposição do leitor dos dias de hoje os documentos em que se relatam as primeiras travessias do Estreito de Magalhães, escritos pelos próprios protagonistas, para além de tornar mais fácil a consulta destes materiais, procura sublinhar a importância destes novos e amplíssimos processos de construção de conhecimento sobre o mundo natural, que só recentemente começaram a ser estudados com a atenção que merecem. 1

1.  A referência obrigatória é hoje em dia, o estudo de Arndt Brendecke, Imperium und Empirie (2009) ou, na sua tradução castelhana, Imperio e Información (2016), que, longe de esgotar o assunto, teve o mérito de ter chamado a atenção para a questão; vid. (Brendecke, 2016). 12


INTRODUÇ ÃO

Os autores ficariam satisfeitos se esta obra fosse um modesto contributo para um estudo mais desenvolvido desse assunto.

4 A frota comandada por Magalhães entrou no Estreito em 21 de Outubro de 1520 e saiu, entrando no Pacífico, em 28 de Novembro desse ano. Em pouco mais de trinta dias havia sido feito o reconhecimento sumário e a travessia de um passo totalmente desconhecido e de grande dificuldade para a navegação. Com essa travessia resolviam-se décadas de discussão sobre a geografia do novo continente americano e abria-se a porta para o Pacífico e a navegação em outros mares. A entrada das naves no Estreito assinala um dos pontos mais altos da famosa viagem de Magalhães-Elcano, dando início ao que se poderia chamar o “troço descobridor” dessa expedição, isto é, a parte compreendida entre a entrada no Estreito e exploração das Filipinas, num período que vai essencialmente entre Outubro de 1520 e Abril de 1521, até à morte de Magalhães. É certo que, quer antes, na travessia do Atlântico até alcançar a Patagónia, quer depois, na épica viagem de regresso à Europa sob o comando de Sebastian Elcano – e não esquecendo ainda as tentativas empreendidas pela nau Trinidad, para fazer o retorno pelo Pacífico – a famosa expedição teria vários outros momentos dramáticos e aventurosos, mas do ponto de vista de aumento de conhecimentos dos europeus, os momentos de maior novidade da expedição foram a passagem do Estreito, a travessia do Pacífico, e a chegada e primeiros reconhecimentos das Filipinas. Embora a descoberta e a travessia do Estreito tenham tido consequências que foram de impacto transcendente na cartografia, na geografia – e, como é evidente, também na política e na história da expansão marítima e domínio imperial dos europeus – não é essa a história que aqui nos interessa. Os nossos objectivos neste livro são mais focados e certamente muito mais modestos. Não estamos interessados em analisar o impacto que a descoberta e notícia da navegabilidade do Estreito introduziu na história da Europa, mas tão somente em compreender como foi possível no primeiro século de explorações atravessar o Estreito.

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AS

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14 Seno Almirantazgo 15 Isla Dawson

9 Cabo Negro 10 Baía Gente Grande

5 Baía Posesión

1

20 Baía Wood/Solano

19 Ilha Clarence

18 Ilha Capitán Aracena

4 Baía Lomas

13 Baía Inútil

8 Ilha dos Pinguins

3 Punta Catalina

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17 Cabo Froward

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12 Agua Fresca

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17

7 Baía San Felipe

ÉS

16

13

2 Punta Dungeness

NGL

21 20

OI

19

PA S

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16 Baía San Juan

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22

10

2

11 Baía Porvenir

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RG O

11

7

4

3

6 Baía Santiago

LA

8

6

5

1 Cabo Vírgenes

O

9 N CH O

A PA SO

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P

23 Ilha Carlos III

22 Canal Jerónimo\ Paso Tortuoso

21 Baía Fortescue

27 Cabo Victoria

26 Cabo Pilar ou Deseado

25 Golfo Xaultegua

24 Ilha Santa Ines


INTRODUÇ ÃO

O Estreito de Magalhães é um troço de mar navegável, no extremo meridional da América do Sul, separando a Patagónia da Terra do Fogo, e ligando os oceanos Atlântico e Pacífico. Tem o comprimento total de cerca 560 km, e é constituído por uma série de baías amplas separados por estreitamentos ou constrições apertadas (angosturas, narrows). 2 Do lado oriental, a sua entrada atlântica está delimitada pela Punta Dungeness (52º 24' S; 68º 26' W), a Norte, e pela Punta Catalina (52º 32' S; 68º 46' W), a Sul. A entrada tem uma abertura de 27 km, e uma profundidade média de 50 m. Um pouco mais a Norte da Punta Dungeness, fora da entrada, está o Cabo Vírgenes (52º 20' S; 68º 21' W), que foi habitualmente o sinal geográfico que assinalava a entrada no Estreito para os navegadores que vinham pelo Atlântico. Mais a Sul da Punta Catalina encontra-se o cabo del Espiritu Santo. Entrando no Estreito, abre-se uma primeira zona larga de mar, delimitada a Norte pela Bahía Posesión, e a Sul pela Bahía Lomas. No seu ponto mais largo esta ampla zona de mar tem uma largura de 55 km, com uma profundidade média de 30 m. Para muitos que se preparavam para cruzar o Estreito estas baías eram locais de preparação pois a Bahía Posesíon oferece vários locais adequados para fundear. Foi o que fez, por exemplo, Fernão de Magalhães, que fundeou nesta baía durante alguns dias antes de se aventurar pelo Estreito adentro. Mas a calma pode ser aparente, pois são muito comuns, na Primavera e no Verão, ventos muito fortes de SW, por vezes extremamente violentos, capazes de causar muito dano e que muitas vezes arrastaram as embarcações para fora do estreito. Esta zona de mar termina no Primeiro Estreitamento, entre a Punta Delgada e a Punta Anegada, um canal apertado com cerca de 4 km de largura e 16 km de comprimento, e uma profundidade média de 50 m. Para muitos no século XVI e XVII era aqui que começava realmente o Estreito. Percorrido o Primeiro Estreitamento o canal abre-se numa segunda enseada ampla, com 31 km de comprimento, 36 km de largura, e uma profundidade média de 30 m. Está delimitada, a Norte, na costa da Patagónia, pela Bahía Santiago e pela Bahía San Gregorio, e a Sul, no litoral fueguino, pela Bahía San Felipe. No final desta zona, entre a Punta San Gregorio e a Punta San Isidro, começa o Segundo Estreitamento, com 10 km de largura e 22 km de comprimento, e uma profundidade média de 55 m.

2.  Nos diferentes idiomas: narrow, angde, goulet, angostura. 15


Depois do Segundo Estreitamento forma-se a zona mais ampla de todo o Estreito de Magalhães, com 119 km de comprimento e 32 km de largura (com uma profundidade média de 200 m) orientada aproximadamente na direcção Sul, conhecida por Paso Ancho, que se desenvolve com a seguinte configuração: logo depois da saída do Segundo Estreitamento encontra-se a grande Isla Isabel, para o lado da costa patagónica, e as duas pequenas ilhas Magdalena e Santa Marta, a meio do canal. Estas foram as duas famosas islas de los Pájaros, ou de los Patos ou também de los Pinguïnes, devido à riqueza da sua vida animal, onde se contavam milhares de pinguins, e outras aves, e também lobos marinhos. Andando para Sul ao longo do Paso Ancho no litoral patagónico tem-se a actual Punta Arenas (fundada em 1848), a Bahía Agua Fresca, e o Puerto del Hambre (53º 36' S ; 70º 55' W), onde esteve a povoação Rey Don Felipe. No litoral fueguino, depois da Bahía Gente Grande, o cabo Monmouth e a Bahía Porvenir. O Estreito então bifurca na Isla Dawson, com um canal ocidental e um canal oriental. O canal oriental conduz à grande Bahía Inutil e forma depois o canal Whiteside. O canal ocidental, que é propriamente a continuação do Estreito de Magalhães, contorna a Península Brunswcik tomando uma direcção aproximadamente SE-NW ao nível do cabo Froward (53º 53' S; 71º 18' W), o ponto mais austral da massa continental da América, assim chamado pelo inglês Cavendish. Passado o cabo Froward, o Estreito de Magalhães toma a configuração de um canal estreito com largura média de 5 km (e profundidades que podem exceder os 500 m), mantendo sempre a direcção SE-NW, ao longo da costa ocidental da Península Brunswick. Avançando pelo Estreito tem-se então o Paso Inglés; do lado Sul pode avistar-se o monte chamado Campana de Roldán (53º 57' S; 71º 46' W); na costa Norte, tem-se a Bahía Cordes (53º 43' S; 71º 55' W), que se tornou num habitual porto holandês, e a Bahía Fortescue (53º 42' S; 72º 00' W), no passado conhecida como Puerto de las Sardinas. Seguidamente tem-se o Paso Tortuoso – a zona com a menor largura de todo o Estreito, com apenas 2 km entre a ilha Carlos III e a costa Sul – e, depois, o Paso Largo. A paisagem altera-se substancialmente com litorais rochosos recortados em fiordes, intrincadas redes de canais, e encostas escarpadas. Passado o golfo Xaultegua (53º 8' S; 73º 4' W), entra-se no Paso del Mar, com a ilha Desolación no litoral Sul. No final está a abertura ocidental do Estreito, entre o cabo Pilar (ou Deseado) (52º 43' S; 74º 40' W) e o cabo Victoria (52º 16' S; 74º 55' W), que abre para a imensão do Pacífico. A navegação no Estreito de Magalhães teve inicialmente a fama de ser muito difícil e muito perigosa. Em algumas épocas foi considerada mesmo 16


INTRODUÇ ÃO

temível, um verdadeiro cemitério de navios. A razão para esta dificuldade prende-se não apenas com a complicada disposição geográfica (litorais recortados abruptamente, cabos que entram pelo mar adentro, ilhas e ilhéus dispersos por todo o canal, frequentes baixios, etc.), mas sobretudo pelas condições meteorológicas, que são muito adversas durante a maior parte do ano e, por vezes, impossíveis de dominar. Todo o trecho do Estreito é habitualmente sujeito a ventos intensos e a correntes muito fortes. 3

4 O primeiro século de expedições que alcançaram ao Estreito de Magalhães – ou tinham, entre os seus objectivos, alcançar esse Estreito – pode, para efeitos de organização, arrumar-se nas seguintes fases. Em primeiro lugar, a celebérrima expedição inicial de Magalhães/Elcano (1519-22), de descobrimento e primeiro reconhecimento do Estreito, liderada por Magalhães. Depois houve um ciclo de expedições espanholas, a partir da Península Ibérica, entre 1526 e 1540. Estas expedições têm a sua origem na comoção causada pela chegada da Victoria, em Setembro de 1522, e nas questões diplomáticas com Portugal durante as Juntas de Badajoz-Elvas (1524), até culminar com o Tratado de Saragoça (1529). São viagens que estão determinadas pelo desejo de alcançar as Molucas, e têm uma intenção de domínio e conquista, mas também por isso, dedicam atenção ao conhecimento do Estreito: a famosa e trágica expedição de Jofre de Loaísa (1526-), a de Sebastian Cabot (1526­ ‑30) que, contudo, não chegou ao Estreito, a de Simão de Alcazaba [Alcáçova] (1534-35), a de Leone Pancaldo (1536-37), e a de Alonso de Camargo (1539-41). A estas expedições há ainda a adicionar as que foram ordenadas por outras nações nos anos 1520-1530, entre as quais, tudo leva a crer, a de João Afonso (1527­‑30), e outras, possivelmente clandestinas, das quais há apenas informação fragmentária ou indirecta. Depois de Pedro de Valdivia aparecer em cena no Chile, no início da década de 1540, e, sobretudo, depois da sua nomeação como governador (1549), iniciou-se um segundo ciclo de expedições espanholas, a partir das costas ocidentais da América, nas décadas de 1540 e 1550. Estas expedições não estão já determinadas pelas “ilhas das Especiarias”; têm um claro propósito 3.  A intensidade destas correntes é em grande parte consequência das marés, conjugada com as constrições nos vários estreitamentos. Para mais informação sobre as condições meteorológicas e hidrográficas prevalentes no Estreito e o modo como afectam a navegação, veja-se (Martinic, 1977b); (Zamora, Santana, 1979); (Endlicher, Santana, 1988); (Medeiros, Kjerfve, 1998). 17


de reconhecimento e domínio da Costa americana, e por isso um carácter muito mais científico, de reconhecimento pormenorizado, e é nesse contexto que procuram alcançar e explorar o Estreito. A primeira expedição foi a de Juan Bautista Pastene (1544), mas que não chegou ao Estreito, depois a de Francisco Ulloa (1553-54), que partiu de Concepción, e seguidamente a famosa de Juan Ladrillero (1557-1558/9), com partida em Valdivia, e que marcaria um ponto de viragem no conhecimento das condições físicas do Estreito. Um terceiro ciclo de expedições foi o dos corsários ingleses: Francis Drake (1577-80), as duas de Thomas Cavendish (1586-87; 1591-93), Andrew Merrick (1589-90), e, finalmente, a de Richard Hawkins (1593-1602). A irrupção dos ataques ingleses pôs em evidência, de maneira dramática, a enorme importância estratégica do Estreito. A resposta espanhola não tardou muito, tendo-se materializado nas duas expedições de Pedro Sarmiento de Gamboa, uma iniciada em Callao (1579-80) e outra começando em Cádiz (1581-83). O quarto ciclo de expedições foi o dos navegadores holandeses, na transição para o século XVII: A expedição de Jacques Mahu e Simon de Cordes (1598-1600), a de Olivier van Noort (1598-1601) e a de Joris van Spilbergen (1614-17). Deve-se acrescentar também a famosa viagem de Le Maire e Schouten (1615-17), que apesar de não ter entrado no Estreito de Magalhães teve grandes consequências para a navegação naqueles mares. Finalmente, o primeiro século de explorações e travessias do Estreito de Magalhães encerrar-se-ia com a famosa expedição dos irmãos Nodal (1618­‑19), que no seu surpreendente êxito – a expedição não perdeu qualquer navio nem sequer qualquer homem – deixou bem claro ter-se já entrado numa outra fase de navegação pelo Estreito e exploração das zonas mais austrais da América. Embora estes diferentes ciclos – o espanhol a partir da Península, o espanhol a partir da América, o inglês, e o holandês – não contemplem nenhum a que se possa apelidar “ciclo português”, é digna de nota a quantidade e a importância que os portugueses jogaram neste primeiro século de viagens ao Estreito. Desde logo, na primeira expedição, liderada por Fernão de Magalhães, com vários capitães e pilotos lusitanos e muitos marinheiros portugueses. Logo depois, como tudo leva a crer, numa expedição liderada por João Afonso, muito possivelmente por ordem da coroa portuguesa. Simão de Alcazaba era português, como também era Gaspar Rebelo, que tudo leva a crer preparou os instrumentos e as cartas para a expedição de Camargo, e o português Sebastião Fernandes foi um dos elementos mais proeminentes na expedição Francisco de Ulloa e depois na de Juan Ladrillero. O piloto de 18


INTRODUÇ ÃO

Drake, Nuno da Silva, era português. Na expedição dos irmãos Nodal praticamente todos os marinheiros eram portugueses. Se há uma coisa que se pode dizer com segurança é que a exploração do Estreito de Magalhães durante o primeiro século foi um empreendimento verdadeiramente internacional, que envolveu interesses, meios e pessoas de todos os países europeus que, na altura, se afirmavam como potências marítimas. No primeiro século de viagens ao Estreito de Magalhães é possível identificar pelo menos vinte expedições diferentes, que tiveram como objectivo final, ou como exigência para cumprimento dos seus objectivos, alcançar o Estreito. Essas expedições envolveram largas dezenas de embarcações e muitos milhares de homens. Como é natural, nem sempre correu tudo como planeado. Neste primeiro século de expedições foram vários os que, tendo partido com o objectivo de alcançar o Estreito, não o chegaram a conseguir, como sucedeu a Sebastian Cabot (1526-30), ou a Juan Bautista Pastene (1544). Foram também vários os que, tendo alcançado o Estreito, não conseguiram entrar nele, o que sucedeu a Giovan Pietro Vivaldi, e aparentemente ao próprio Leone Pancaldo, na expedição de 1537, e a alguns navios da expedição de Alonso de Camargo (1540). E vários foram também os que tendo entrado no Estreito não conseguiram completar a travessia, sendo obrigados, por vezes depois de grandes esforços e um pesado custo em vidas, a desistir, fazer meia-volta e regressar à entrada inicial do Estreito, para o abandonar. Foi o que aconteceu por exemplo, a Simão de Alcazaba (1535), a Andrew Merrick (1590), e a Thomas Cavendish e John Davis, na expedição inglesa de 1592. Mas houve apesar de tudo muitos que conseguiram atravessar o temível Estreito nesse período. O historiador Mateo Martinic contabiliza que, até 1620, isto é, depois de um século de explorações europeias, at least 55 ships had traversed the strait including 23 Spanish, 17 English and 15 Dutch (Martinic, 1977b). A maior parte das viagens que tiveram sucesso atravessaram o Estreito de oriente a ocidente, isto é, entrando pelo Atlântico e saindo pelo Pacífico. Mas houve várias expedições que o fizeram em sentido inverso, tendo isso sucedido por razões muito diferentes: ou porque as expedições foram assim planeadas desde o início, o que aconteceu apenas com expedições espanholas que partiam da costa americana, como as de Hernando Gallego (1553), de Juan Ladrillero (1558), e a primeira de Pedro Sarmiento de Gamboa (1580); ou porque tempestades e as condições meteorológicas a isso obrigaram, como sucedeu a John Winter e Peter Curder, dispersos da expedição de Drake (1578), e também a Sebald de Weert (1600); ou ainda porque no desenrolar da expedição isso veio a suceder de forma natural embora não planeada, como 19


aconteceu com os irmãos Nodal, que ao circum-navegarem a Terra do Fogo em 1619, tendo começado pelo lado oriental, terminaram a viagem entrando pelo Estreito, a ocidente. Por isso, alguns atravessaram o Estreito nos dois sentidos, numa mesma expedição: Hernando Gallego (1553), Juan Ladrillero (1558), John Winter (1578) e Peter Curder (1578), Sebalt de Weert (1599-1600). Outros, atravessaram o Estreito em sentidos opostos, mas em expedições distintas, como foi o caso dos holandeses Peter de Leert, Jan de Witte e Valentyn Janzsoon, que atravessaram de oriente a ocidente em expedições dos Países Baixos, e depois do ocidente a oriente na dos irmãos Nodal (1619). Quanto ao tempo para fazer a travessia, alguns passaram o Estreito rapidamente, como Drake, em 17 dias, Cavendish na segunda viagem em 28 dias, Hawkins em 30 dias, Spielbergen em 33 dias, ou, Magalhães em 38 dias; outros necessitaram de um pouco mais tempo, como Cavendish em 49 dias ou Loaísa em um pouco mais de 50 dias, e alguns demoraram muito mais tempo, como van Noort, em 99 dias ou Cordes em 150. 4 A viagem feita no sentido ocidente-oriente (ou seja, do Pacífico para o Atlântico) desde cedo foi considerada mais fácil do que a de sentido inverso, opinião que os roteiros náuticos do século XX ainda subscreveram. Ladrillero apontou que percorrido nesse sentido o Estreito, en seis dias, o en siete, i en menos se pasa. A estimativa não parece ser exagerada: o barco de Hernando Gallego, da expedição de Ulloa, parece ter transitado da entrada ocidental à boca atlântica do Estreito em relativamente poucos dias. Alguns homens atravessaram o Estreito mais do que uma vez, em expedições diferentes: Sebastian Elcano, na primeira viagem (1520) e, depois na de Loaísa (1525-26), onde viria a perder a vida; Peter de Leert, Jan de Witte e Valentyn Janzsoon, em expedições holandesas primeiro, e depois na dos irmãos Nodal (1619); Leone Pancaldo, atravessou com a expedição de Magalhães, e foi outras vezes ao Estreito, mas não é certo que o tenha voltado a atravessar.

4.  Estes números podem ter ligeiras variações de uns poucos dias, reflexo de imprecisões ou ambiguidades nas datas de entrada/saída do Estreito. Corrigimos alguns números apresentados por (Guerrero Vergara, 1880, pp. 97-98). Além disso podem ser sujeitos a interpretações díspares. Magalhães, por exemplo, entrou no Estreito em 21 de Outubro de 1520, tendo fundeado logo depois. Só começou realmente a travessia a 1 de Novembro. Não seria totalmente incorrecto dizer-se que demorou 27 dias a atravessar o Estreito. 20


INTRODUÇ ÃO

Algumas travessias do Estreito foram troços de viagens que circum­ ‑navegaram toda a Terra. Assim sucedeu com a expedição de Magalhães-Elcano (1519-22), com a de Francis Drake (1577-80), com a de Thomas Cavendish (1586-87), com a de Olivier Van Noort (1598-1601) e, finalmente, com a de Joris van Spielbergen (1614-17).

4 A compilação de documentos relativos às primeiras travessias do Estreito de Magalhães começou já há muitas décadas. Excertos dos documentos aqui apresentados podem ser encontrados em obras do século XVIII, como a Histoire des Navigations aux Terres Australes (1756), de Charles de Brosses, mas seria só a partir do século XIX que se fariam levantamentos mais sistemáticos dessa documentação. 5 Logo no início do século, James Burney reuniu muitos documentos relevantes na sua A Chronological History of the Discoveries in the South Sea or Pacific Ocean, 5 vols. (1803-17), e poucos anos depois apareceria a ainda mais completa, e ainda hoje indispensável, colectânea de Martín Fernandez de Navarrete, Colección de los viages y descubrimientos que hicieron por mar los Españoles desde fines del siglo XV, 5 tomos (1825-37). Navarrete, como se sabe, localizou e transcreveu muitos mais documentos do que aqueles que foram publicados e que estão hoje em dia acessíveis em reprodução facsimilada em Colección de documentos y manuscritos compilados por Fernández de Navarrete (1971). Para além dos que estavam sobretudo interessados em história marítima, também os historiadores chilenos, como Claudio Gay, com a sua Historia física y política de Chile: según documentos adquiridos en esta república durante doce años de residencia en ella, 2 vols. (1846-52), ou Diego Barros Arana, na Historia Jeneral de Chile, 16 vols. (1884-98), publicaram documentos de interesse sobre o Estreito. Mas foi sobretudo José Toribio Medina, no tomo III da Colección de Documentos Inéditos para la Historia de Chile, desde el viaje de Magallanes hasta la batalla de Maipo, 1518-1818 (1889) que publicou documentação da maior importância. Um passo muito significativo no estudo das travessias do Estreito foi a publicação de Los descubridores del Estrecho de Magallanes i sus Primeros Esploradores (1879-1880) por Ramon Guerrero Vergara, publicado em três partes e cobrindo o período até 1580. Também no mundo germânico se faziam contributos de grande importância, destacando-se em especial o livro de J. C. Kohl, Geschichte der Entdeckungsreisen 5.  Na Bibliografia encontram-se as indicações completas e precisas para todas as obras referidas nos próximos parágrafos. 21


und Schifffahrten zur Magellan’s-Strasse, publicado em 1877, e, anos depois, o Magalhães-Strasse und Austral-Continent auf den Globen des Johannes Schöner (1881) de Franz Wieser. Entretanto, desde finais do século XIX e durante as primeiras décadas do século XX , a Hakluyt Society, em Inglaterra, e a Linshoten Vereeniging, na Holanda, levavam a cabo a publicação de importantes documentos relativos a viagens marítimas. Alguns desses eram de importância central para a compreensão da passagem do Estreito, como são exemplo o Early Spanish Voyages to the Strait of Magellan (1911), editado por Clemens Markham, ou a edição por F. C. Wieder do De Reis van Mahu en Cordes door de Straat van Magalhães naar Zuid-Amerika en Japan, 3 vols. (1924). No Chile, José Toribio de Medina publicava o El Descubrimiento del Oceano Pacífico: Vasco Núñez de Balboa, Hernando de Magallanes y sus Compañeros, 4 vols. (1913-20), e logo depois as comemorações dos quatrocentos anos da passagem do Estreito, em 1920, motivariam o aparecimento de alguns importantes estudos entre os quais sobressai a obra do Pe. Pablo Pastells, El Descubrimiento del Estrecho de Magallanes, 2 vols. (1920), com uma importante recolha documental e análise. Em décadas mais recentes continuaram a aparecer obras e colectâneas documentais de valor. Uma menção especial deve ser feita à Colección de Diarios y Relaciones para la Historia de los viajes y Descubrimientos, 7 vols. (1943-75), dirigida por Julio Guillén Tato, ao livro de Javier Oyarzún Iñarra, Expediciones Españolas al Estrecho de Magallanes y Tierra del Fuego (1976), e, no ano seguinte, ao livro de Mateo Martinic, Historia del Estrecho de Magallanes (1977). Ao mesmo tempo, durante todo o século XX vieram a lume importantes estudos monográficos sobre as viagens de Magalhães, Loaísia, Camargo, Ladrillero, Drake, Sarmiento de Gamboa, Cavendish, Hawkins, Mahu e Cordes, van Noort, Spielbergen e os Nodal. 6 Em anos mais recentes, merece especial destaque o historiador chileno Mateo Martinic, o grande especialista da história da região magalhânica, de cujos trabalhos nos socorremos com frequência. Por isso, praticamente todos os documentos que apresentamos aqui foram já publicados em anos anteriores, se bem que em locais dispersos. Importa, portanto, explicar a natureza desta colecção de documentos, o que também explicará a sua novidade, e em que medida se distingue de outras semelhantes. 6.  O leitor é convidado a consultar a Bibliografia para indicações dos estudos mais significativos e também os mais recentes, sobre estes assuntos. 22


INTRODUÇ ÃO

Encontram-se nesta colectânea documentos de dois tipos: 22 excertos de Roteiros e relatos de travessia (pp. 107-272), bem como sete Pareceres, cartas e outros documentos técnicos (pp. 273-318). A colecção abarca o arco cronológico que vai desde o roteiro de Francisco Albo, de 1520, até uma carta, de 1620, do Vice-Rei do Peru ao Rei de Espanha, comentando assuntos da expedição dos irmãos Nodal. Como já dissemos, esta colectânea de documentos dá preferência, de maneira deliberada, aos textos que têm algum conteúdo técnico. Este é critério de selecção mais importante e que explica os textos que apresentamos que, naturalmente, não esgotam todos os relatos de viagem através do Estreito. Além disso, somos cientes de que ao focarmos a nossa atenção nos aspectos mais técnicos e náuticos não considerámos vários outros, do maior interesse, e a que outros especialistas já dedicaram atenção, como por exemplo as descrições dos tipos e costumes das várias populações indígenas, e todas as questões de relevância antropológica ou etnográfica que se podem recolher destes materiais. Mesmo com a nossa escolha mais delimitada, esta colectânea não é exaustiva e tem duas omissões que importa explicar. Não incluímos aqui a relação de Pedro Sarmiento de Gamboa, um dos textos de maior importância produzidos no século XVI, mas de dimensões demasiadamente grandes para ser incluído nesta compilação. Felizmente, trata-se de um dos documentos que mais vezes foi publicado, com uma primeira edição impressa em 1768 e muitas depois, incluindo edições modernas facilmente disponíveis (veja-se a Bibliografia). Também não incluímos o belíssimo roteiro redigido por Jan Outgherz, piloto na expedição comandada por Simon de Cordes e Jacques Mahu em 1599, pois não nos sentimos em condições de produzir uma tradução suficientemente fiável desse texto tão influente. Serve talvez como uma (pobre) consolação saber que o relato “apócrifo” que aqui incluímos reflecte em grande medida esse roteiro holandês (Guedes, 1970). Três documentos merecem um breve apontamento prévio nesta Introdução. Apresentamos aqui o roteiro (ou excerto de roteiro) da passagem do Estreito, por Andrés de San Martín, o conhecido astrónomo e astrólogo da expedição de Magalhães. Este texto parece ter escapado à atenção dos historiadores por fazer parte de um parecer de Juan Bautista Gesio, sendo, tanto quanto sabemos, a primeira vez que é publicado. Apresentamos também, traduzidos para português, os textos sobre o Estreito devidos ao navegador português João Afonso (Jean Alphonse), que Mateo Martinic recentemente argumentou, quanto a nós de forma convincente, serem resultado de uma expedição onde ele participou. Apresentamos também o excerto referente à 23


passagem do Estreito do diário de bordo de Nuno da Silva, o famoso piloto português de Francis Drake que nunca foi publicado na sua versão portuguesa original. Aliás, toda a documentação de Nuno da Silva mereceria ser publicada no nosso país. Todos os documentos são apresentados com um título que lhe atribuímos, mas é também dada indicação do título original, quando ele existe. Como se compreende pela natureza destes documentos, quase todos eles são excertos de documentos maiores. Sempre que possível, as transcrições que apresentamos foram feitas a partir de documentação manuscrita de arquivo. Essas transcrições são da nossa responsabilidade, e foram feitas mesmo quando existiam edições do documento em questão. A clarificação precisa do documento usado na nossa transcrição, bem como alguns elementos acerca da história textual de cada documento são explicadas antes do mesmo. Quanto às nossas transcrições, procurámos que fossem fiéis ao original, mas realizámos algumas modernizações. Procedemos ao desdobramento de abreviaturas, corrigimos a ortografia e por vezes a pontuação, regularizámos o uso de maiúsculas e, em suma, fizémos os pequenos acertos que, não desvirtuando o texto, resolvem muitas das dificuldades de leitura ao leitor menos experiente. 7 Julgamos que não teria muito sentido fazer de outro modo. Os mais exigentes talvez preferissem transcrições mais próximas dos originais, mas nos dias de hoje, as reproduções digitalizadas de praticamente todos estes documentos estão acessíveis à distância de um clique. O raro especialista que necessite mesmo de examinar o documento original consegue fazê-lo em poucos segundos. Só nuns casos muito raros, por razões diversas, o documento que usámos para fazer a transcrição não foi o documento original. Em todos os casos que isso sucedeu deveu-se à nossa impossibilidade em aceder aos originais em tempo útil. Decidimos não aguardar mais tempo até conseguir resolver as dificuldades que nos impediam o acesso aos originais, e recorremos a alguma edição posterior. Uma palavra deve ser dita acerca dos idiomas. Tendo sido para nós claro desde o início que documentos em português e em espanhol deveriam ser apresentados nas suas línguas originais, colocava-se a questão do que fazer com documentos originalmente noutras línguas. Uma vez mais, procurámos usar critérios adequados ao nosso tempo. Pareceu-nos, por isso, que não se 7.  Assinalámos com um * os casos em que, para melhorar a compreensão, fizemos uma ligeira troca na ordem das palavras. 24


INTRODUÇ ÃO

justificava traduzir do inglês, mas que seria aconselhável traduzir os documentos originalmente em francês. Foi isso o que fizemos. Mais difícil foi a questão dos documentos originais em holandês, e a nossa incapacidade em produzir traduções aceitáveis desses documentos levou-nos a usar versões francesas como base. Neste livro apresentamos ainda uma ‘Cronologia/Resumo’ (pp. 27­‑33) das expedições conhecidas que partiram com o objectivo de alcançar o Estreito de Magalhães, independentemente de o terem conseguido ou não. Por isso, incluímos a expedição de Sebastian Cabot que, em 1526, partiu com o objectivo de chegar ao Estreito, mas que só alcançou o Rio da Prata, e mencionamos algumas expedições clandestinas, para as quais a informação é quase inexistente. Incluímos também uma Bibliografia (pp. 89-99), que, apesar de muito específica, procurámos que fosse abundante, na esperança de que para muitos leitores esta nossa obra seja um ponto de partida adequado para estudos mais desenvolvidos e mais profundos. O livro termina com um conjunto de dezasseis Cartas e Mapas (pp. 319­ ‑351) que, sem qualquer pretensão de sistematicidade e muito menos de exaustividade, procuram dar um panorama da evolução das representações do Estreito, nas primeiras décadas após o seu descobrimento. Este livro foi escrito durante a pandemia de CoVid, que, a partir de Março de 2020, alterou radicalmente as nossas condições de trabalho: os arquivos ficaram quase inacessíveis, as viagens proibidas, os contactos académicos muito dificultados. Os autores querem deixar aqui expresso o seu agradecimento a todos os colegas da equipa do Projecto RUTTER (ERC ADG 833438) pelas muitas conversas, sugestões e esclarecimentos relativamente a assuntos tratados neste livro, e pelo sempre estimulante ambiente de trabalho, sem os quais este livro não teria visto a luz durante um período tão complicado da história mundial.

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PASSAGEM DO ESTREITO NO ROTEIRO DE FR ANCISCO ALBO

DOCUMENTOS SOBRE A TRAVESSIA DO ESTREITO DE MAGALHÃES

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107 ROTEIROS E RELATOS DA TRAVESSIA

109 1. Passagem do Estreito no roteiro de Francisco Albo, 1520

Excerto de: Derrotero del viaje de Fernando de Magallanes en demanda del Estrecho. Desde el paraje del cabo de San Agustín. 111 2. Roteiro do Estreito de Andrés de San Martín (1520?)

Excerto de: Parecer de Juan Bautista Gesio. Estrecho de Magallanes. 115 3. Travessia do Estreito no roteiro do piloto genovês anónimo, 1520

Excerto de: Navegação e viagem de Fernão de Magalhães quando descobriu o estreito do seu nome. 117 4. Passagem do Estreito no roteiro de Martín de Uriarte, 1526

Excerto de: Derrotero del viaje y navegación de la armada de Loaísa desde su salida de la Coruña hasta 1.º de junio de 1526. 129 5. Informações sobre o Estreito por João Afonso (I), 1527-1530

Excerto de: La cosmographie avec l’espère et régime du soleil et du Nord. 131 6. Informações sobre o Estreito por João Afonso (II), 1527-1530

Excerto de: Les Voyages avantureux du capitaine Jan Alfonce, Sainctongeois. 133 7. Roteiro anónimo da expedição de Alonso de Camargo, 1540-1541

Excerto de: Relación de la navegación del Estrecho de Magallanes de la Banda del Norte. 139 8. Travessias do Estreito na declaração de Hernando Gallego,

piloto da expedição de Francisco de Ulloa, 1553 Excerto de: Declaración del Estrecho de Magallanes. 141 9. Passagens do Estreito na viagem de Juan Ladrillero, 1558

Excerto de: Relação e roteiro da viagem ao Estreito de Magalhães, escrita por Juan Ladrillero.


161 10. Informações sobre o Estreito

compiladas por Juan López de Velasco, 1571-1574 Excerto de: Geografía y descripción universal de las Indias. 169 11. Travessia do Estreito na viagem de Francis Drake, 1578

Excerto de: The famous voyage of Sir Francis Drake into the South Sea: And there hence about the whole globe of the earth, begun in the year of Our Lord, 1577. 171 12. Passagem do Estreito feita por John Winter,

Vice-Almirante da frota de Francis Drake, 1578 Excerto de: The Voyage of M. John Winter into the South Sea by the Strait of Magellan, in consort with M. Francis Drake, begun in the year 1577. By which Strait also he returned safely into England the second of June 1579, contrary to the false reports of the Spaniards, which gave out, that the said passage was not repassable. Written by Edward Cliffe, mariner, 1579. 175 13. Roteiro de Nuno da Silva, 1578

Excerto de: Derrotero de Nuño de Silva. 177 14. Informações sobre o Estreito por Nuno da Silva (I), 20.05.1579

Excerto de: Relación del Viaje del corsario Inglés que dio el piloto Nuño de Silva ante su Excelencia a 20 de mayo de 79; y esta no la dio él tan desmenuzada, sino como se le iba preguntando respondía. 179 15. Informações sobre o Estreito por Nuno da Silva (II), 23.05.1579

Excerto de: Deposition by Nuño de Silva as to how he was made prisoner by English pirates on his voyage from Oporto to Brazil. Summary of the confession of the Pilot. Summary of the voyage of the corsair.


185 16. Travessia do Estreito na viagem de Thomas Cavendish, 1587

Excerto de: The admirable and prosperous voyage of the Worshipful Master Thomas Candish of Trimley in the County of Suffolk Esquire, into the South Sea, and from thence round about the circumference of the whole earth, begun in the year of our Lord 1586, and finished 1588. Written by Master Francis Pretty lately of Ey in Suffolk, a Gentleman employed in the same action. 191 17. Passagem do Estreito na viagem de Richard Hawkins, 1594

Excerto de: The observations of Sir Richard Hawkins, Knt. In his voyage into the South Sea in the year 1593. 213 18. Travessia do Estreito na viagem de Olivier van Noort, 1599-1600

Excerto de: Description du pénible voyage faict entour de l’univers ou globe terrestre par Sr. Olivier du Nort, d’Utrecht. 233 19. Passagem do Estreito na viagem de Joris van Spielbergen, 1615

Excerto de: Miroir Oost et West-Indical, auquel sont descriptes les deux dernières navigations, faictes ès années 1614, 1615, 1616, 1617 et 1618. 249 20. Roteiro apócrifo do Estreito de Magalhães, 1617

Excerto de: Breve relação dos Baixos, portos e Bahias, que tem o estreito de Magalhães... etc. 257 21. Travessia do Estreito no roteiro dos irmãos Gonzalo e Bartolomé

García de Nodal e o cosmógrafo Diego Ramírez de Arellano, 1619 Excerto de: Derrotero desde S. Lúcar de Barrameda a las Filipas, yendo por los estrechos de Magallanes y S. Vicente. Hecho por los capitanes Gonzalo de Nodal y Bartolomé García de Nodal, su hermano, y Diego Ramírez de Arellano, cosmógrafo. En Madrid, 30 de septiembre de 1619. 259 22. Roteiro e instruções náuticas para a passagem do Estreito de Magalhães,

escrito pelo cosmógrafo Diego Ramírez de Arellano, 1618-1619 Excerto de: Discurso y derrotero del viaje a los estrechos de Magallanes y Mayre.


273 PARECERES, CARTAS E OUTROS DOCUMENTOS TÉCNICOS

275 1. Parecer anónimo sobre a navegação às Molucas através do Estreito

de Magalhães, entregue ao vice-rei da Nova Espanha Antonio de Mendoza, 1540-1550 [1573] 283 2. Carta do Marqués de Santa Cruz ao rei sobre as melhores condições

para atravessar o Estreito de Magalhães, 03.01.1587 285 3. Carta de Antonio de Guevara ao rei sobre as melhores condições

para atravessar o Estreito de Magalhães, 12.01.1587 287 4. Relação do tempo e da forma em que haveriam de ir os dois navios

que o rei Nosso Senhor vai enviar ao Estreito de Magalhães, com provisões para a gente que está nas povoações de dito Estreito, 13.01.1587 291 5. O Estreito de Magalhães no “Regimiento de Navegación”

de Andrés García de Céspedes, 1606 295 6. Pareceres de Antonio Moreno, Tomé Cano, Alonso Bernal, etc., 1618 315 7. Carta do vice-rei do Peru, príncipe de Esquilache, ao rei; sobre ter recebido

uma carta de Bartolomé García de Nodal e outros assuntos da navegação do Estreito de Magalhães, 24.04.1620


R OT E I R O S E R E L ATO S

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PASSAGEM DO ESTREITO NO ROTEIRO DE FR ANCISCO ALBO

ROTEIROS E RELATOS DA TRAVESSIA

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Passagem do Estreito no roteiro de Francisco Albo

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1520

EXCERTO DE:

Derrotero del viaje de Fernando de Magallanes en demanda del Estrecho. Desde el paraje del cabo de San Agustín. Transcrição dos autores. O autor foi Francisco Albo, um marinheiro grego nascido na ilha de Axios (atual Quíos) e vizinho de Rodas. Começou a viagem como contramaestre da nau Trinidad, e terminou-a como piloto da nau Victoria. O original conserva-se no Arquivo Geral de Índias (Sevilha), com a cota “Patronato, 34, R.5”. O documento, de enorme importância para o estudo da viagem de Magalhães e Elcano, já foi transcrito em diversas ocasiões. Especialmente notórias são as transcrições de Martín Fernández de Navarrete (1837, pp. 209-247) e de José Toribio Medina (1888, pp. 213-258). Entre as publicações modernas destacamos: Elcano, Juan. Sebastián; Pigafetta, Antonio; Transilvano, Maximiliano; Albo, Francisco; Mafra, Ginés de, 2018.

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4 A los 21 del dicho [octubre] tomé el sol * uberta

en 52 grados limpios, a 5 leguas de tierra, y allí vimos una abertura* como bahía. Y tiene a la entrada, a mano derecha, una punta de arena muy larga, y el cabo que descubrimos antes de esta punta se llama el Cabo de las Vírgenes. Y a la punta de arena está en 52 grados de altitud, y de longitud está 52 grados ½, y de la punta de arena a la otra parte habrá obra de 5 leguas. Y dentro de esta bahía hallamos un estrecho que tendrá una legua de ancho, y de esta boca a la punta de arena se mira leste oeste. Y de la parte izquierda de la bahía hace un gran ancón grande, en el cual hay muchos bajíos, más como embocáis teneos en la parte del norte, y como vos emboquéis el estrecho iros al sudoeste por media canal; y como vos emboquéis guardaos de unas bajas antes tres leguas de la boca. Y después de ellas hallaréis dos isletas de arena, y entonces hallaréis el canal abierto; ir vos en ella a vuestro placer, sin duda. Y pasando este estrecho hallamos otra bahía pequeña, y después hallamos otro estrecho de la misma manera del otro. Y de una boca a la otra corre leste oeste, y lo angosto corre nordeste sudoeste. Y después que desembocamos las dos bocas o angosturas hallamos una bahía muy grande, y hallamos unas islas, y en una de ellas surgimos y tomamos el sol. Y nos hallamos en 52 grados 1/3, y de allí venimos al su-sueste y hallamos una punta a mano izquierda; y de allí a la primera boca habrá obra de 30 leguas. Después fuimos al sudoeste obra de 20 leguas, y allí tomamos el sol, y estábamos en 53 grados 2/3. De allí volvimos al noroeste obra de 15 leguas, y allí surgimos en altura de 53 grados. Y en este estrecho hay muchos ancones, islas y sierras que son muy altas y nevadas, con mucho arboledo. Después fuimos al noroeste, cuarta del Oeste, y en este camino hay muchas islas. Desembocando de este estrecho vuelve la costa al Norte, y a mano izquierda vimos un cabo con una isla, y le pusimos el nombre de Cabo Hermoso y Cabo Deseado, que está en altura del mismo Cabo de las Vírgenes que es el primero del enbocamiento.

R OT E I R O S E R E L ATO S

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Roteiro do Estreito de Andrés de San Martín

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(152 0 ?) EXCERTO DE:

Parecer de Juan Bautista Gesio. Estrecho de Magallanes. Transcrição dos autores. Existe cópia manuscrita de Fernández de Navarrete no Arquivo do Museu Naval de Madrid com cota AMN 0021 MS.0029/011. As anotações técnicas sobre a passagem do Estreito de Ma-

galhães recolhidas por Andrés de San Martín aparecem num documento escrito pelo cosmógrafo Juan Bautista Gesio em 1579, intitulado Parecer de Juan Bautista Gesio: Estrecho de Magallanes. O documento conserva-se no Arquivo Geral de Índias (Sevilha), com cota “Patronato, 33, N.2, R.7”. Andrés de San Martín foi um personagem fundamental na viagem de Fernão de Magalhães. A sua presença nas naus que partiram de Sevilha deveu-se às suas competências astronómicas, que lhe permitiriam calcular a longitude das Ilhas Molucas. Da precisão destes cálculos iria depender o êxito da expedição, pois o ansiado arquipélago devia ficar no “lado espanhol” do mundo para que o projeto que Magalhães ofereceu ao rei Carlos I tivesse razão de ser. Tudo aponta para que alguns dos documentos produzidos por San Martín viajavam na nau Trinidad quando esta foi capturada por António de Brito em Ternate, e de ali teriam chegado a Portugal continental. Quase cinquenta anos depois, em 1569, Juan Bautista Gesio foi enviado a Lisboa para subtrair documentos e informações náuticas. Em 1573 regressou a Espanha com um importante saque que provavelmente integrava alguns dos documentos de San Martín. Assim, quando em 1579 Gesio teve de apresentar o seu parecer sobre a navegação do Estreito, decidiu citar as palavras de tão respeitado e distinto cosmógrafo.

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4 El Estrecho, por la noticia que tenemos de ello por relación de la navegación de Magallanes, y [por el] muy curioso derrotero de Andrés de San Martín que fue con él, va de esta manera. El cabo de las Vírgenes, y el otro cabo de la otra parte que está al sudoeste de ello en distancia de seis a siete leguas, hacen la boca de este estrecho y la costa de la parte del norte de esta boca. Aunque haga algunas ensenadas pequeñas va a cercar en el oeste, y la otra costa del les-sueste encerca al oeste también, adonde se hace la garganta y primera angostura del estrecho, la cual tiene de ancho menos de legua, y con la boca […; danificado] del cabo de las Vírgenes leste oeste, y habrá de ocho leguas o siete. Y de la primera angostura comienza el estrecho a volver hacia oes-sudoeste y dobla al sudoeste; y esta primera angostura tira una legua angosta y después se desanchan entre ambas las costas, haciendo unas ensenadas, y van a correr al sudoeste, adonde se hace otra angostura [a] ocho leguas de la primera con dos cabos tajados, que lo llamaron el Estrecho de las Palomas. Al sudoeste de estos dos cabos [hay] dos islas que las llamaron de los Lobos; el una [a] dos leguas del un cabo, y el otro tres. Y en saliendo del segundo estrecho empiezan [a] volver las costas haciendo ensenadas; de la parte del noroeste muy poca, y de la parte del sueste una muy grande bahía de seis leguas de anchura. Y la costa de esta bahía se llama Tierra de Humos, la cual bahía va a concertar con el sudoeste en un cabo nueve leguas; y a la parte del sur se hace una manga y abocamiento que corre seis leguas al sur y va serrando al leste, y sale otro abocamiento en la parte del leste de este otro que va al riscado no original

leste, el cual se cerca cinco leguas a leste, y revuelve al les-nordeste hacia la punta de la Tierra de los Humos, adonde se empezó el abocamiento del sur. Y de este hasta donde va a correr la costa en el sudoeste hay nueve leguas, a donde entre dos montes se hace otra angostura de una legua pequeña, y se llama el Estrecho del Sudoeste. Y cuatro leguas al sudoeste de este estrecho

R OT E I R O S E R E L ATO S

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ROTEIRO DE ANDRÉS DE SAN MARTÍN

se halla el Puerto de Todos los Santos, con una isleta y un río pequeño de agua dulce. Y de este puerto declina el canal en oes-sudoeste por tres leguas, a donde se hace una montaña con una sellada, la cual se llama Punta de la Sellada, y de esta punta declina el estrecho al oes-noroeste por cuatro leguas. En este […] se hace una ensenada con un cabo que parece Cabeza de Ballena, y de este cabo el estrecho corre al noroeste cinco leguas, y después al nor-noroeste dos leguas, y llámase el canal de Todos los Santos. Y después dobla de una punta al norte otras dos leguas, a donde se hace una gran ensenada, la cual encierra del sur al norte y noroeste cuarta al oeste, adonde se hacen dos abocamientos; el uno canal va a la vuelta del nor-noroeste y el otro oes-noroeste por tres leguas, adonde se va estrechando el canal menos de legua de travesía a la vuelta del noroeste. Y toma del noroeste cuarta al norte y corre en este […] nueve leguas, a donde parece que se torna a juntar el otro canal, que va la vuelta del nornoroeste desde la punta de las Sardinas y canal de Todos los Santos. De aquí se empieza a anchar el canal, y corre la costa al noroeste hasta el Cabo Deseado, diez u once leguas, el cual Cabo Deseado de la parte del sur corre con el otro cabo de la parte del norte en la tierra de Chile nor-noroeste sudoeste; y habrá de un cabo al otro seis o siete leguas, y está la otra boca del estrecho de la parte del oeste en la Mar del Sur, de manera que así corre este canal según la relación que tenemos.

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“Y es la cuarta angostura”


que por esta consideración y el cuidado que se tendrá, llevará toda la gente que trajese, por no haber causa ni excusa para saltar en tierra. Y en cuanto a la navegación no se pierde tiempo considerable, porque demás de la conveniencia de reconocer la costa, para tener entendida más puntualmente la derrota (como lo han hecho casi todos los enemigos que han entrado) se baja a popa, y con viento hecho se navega todo el año, y no viene a ser diferencia de importancia la que puede haber, cortando desde la altura del Estrecho; y para que se tenga entera noticia de esta navegación se ha de suponer que en toda la costa del Perú y 50 leguas a la mar corre todo el año un mismo viento, que es el sur, y cuando más se alarga es una, o, dos cuartas a una, o, a otra parte, y solamente por accidente los meses de diciembre y enero recalan las brisas de Tierra Firme hasta la punta de Santa Elena, que está 200 leguas de esta ciudad, la costa abajo, y aunque hay varias opiniones sobre la causa de esta uniformidad del viento, yo juzgo que nace de que casi toda la costa corre de Norte, Sur, y como las serranías son tan altas y el viento que siempre corre del estrecho, con las aguas que vienen, entopando en este paredón, va continuando sin poder desmentir de aquel nivel a que le obliga la altura de la tierra; y esta es la causa también porque la navegación de Panamá aquí es tan dificultosa y tan larga, porque es a punta de volina, y el viento tan puntero que si le diesen una cuarta de resguardo sería imposible llegar acá. Y así, aunque galeones de V.M. son tan grandes tienen gran puntal, y los bateles como unas galeras, y son tan ligeros, que algunos navegan en cinco cuartas y el que más en seis. Volviendo pues a la navegación de las Filipinas, digo Señor que des-

Navegação de Filipinas

de el Puerto del Callao se va hasta el de Manila todo el año a popa, sin que en esta haya un día de variedad, porque el tiempo que se va navegando en distancia de 50 leguas de la costa sirve el viento general, y en disminuyendo altura y apartándose tanto que se hunde la serranía, salta al norueste que es la brisa, y con ella sin manar las velas se llega a Manila, y es la navegación tan fácil y corriente que en 38 días la hizo el navío que despachó de este puerto el virrey Don García de Mendoza, Marqués de Cañete, y con este presupuesto no deben dar cuidado las Armadas que por Estrecho se envían a Filipinas habiendo desembocado por los meses de diciembre, enero y febrero. Guarde Nuestro Señor la Real persona de V. M. como la cristiandad a menester. Los Reyes, 24 de abril de 1620 años. PA R E C E R E S , C A R TA S E O U T R O S

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PASSAGEM DO ESTREITO NO ROTEIRO DE FR ANCISCO ALBO

CARTAS E MAPAS DO ESTREITO DE MAGALHÃES 1520-1620 Apresenta-se nas páginas seguintes uma compilação de documentos cartográficos que representam o Estreito de Magalhães no primeiro século de explorações, isto é, entre 1520 e 1620. Estamos cientes de que, quer no século XVI, quer nos séculos imediatos, foram produzidos centenas de documentos cartográficos nos quais o Estreito de Magalhães tinha um papel de relevo; contudo, para sermos coerentes com o conteúdo e a ideia central do livro, mantemos nesta selecção cartográfica os mesmos limites cronológicos que regeram a secção documental.

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1 1522? : Mapa polar do hemisfério Sul.

Anónimo/Pedro Reinel?

Museu do Palácio Topkapi (Istambul), Hazine 1825 A MAIS ANTIGA REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA DO ESTREITO DE MAGALHÃES

que chegou aos nossos dias. Muitas hipóteses foram apresentadas acerca da produção e posterior história desta carta, desde que Marcel Destombes a descobriu em 1935. Actualmente a mais difundida sugere ter sido desenhada por Pedro/Jorge Reinel (?) para ser apresentada ao rei Carlos I de Castela juntamente com o actual Kunstmann IV (Couto, 2019, p. 194), e que depois teria sido completada na parte do Estreito de Magalhães com as informações trazidas por Estevão Gomes na nau San Antonio (Cortesão e Teixeira da Mota, 1987, V.1, p. 40). Dejanirah Couto (2019, p. 194) vai ainda mais longe e, baseando-se nas manchas e no estado do documento, sugere que a carta teria sido levada a bordo de alguma das naus da expedição e acrescentada in situ. Porquê e como é que a carta acabou nas colecções do Museu do Palácio Topkapi é uma das grandes questões de difícil resposta que este documento levanta. A principal hipótese é que teria sido Antonio Pigafetta quem a teria levado até Istambul, nalgum momento indeterminado da década seguinte à viagem magalhânica (Couto, 2019, pp.  204-205). O suporte da carta é uma folha de pergaminho de 682 x 700 mm. Representa o hemisfério sul em projecção polar, sendo este o primeiro documento cartográfico português existente que utiliza tal projeção. O hemisfério norte também teria sido representado na outra metade do original, brutalmente rasgada e até hoje desaparecida (Cortesão e Teixeira da Mota, 1987, V.1, p. 39). As palavras “hesta terra descobrio Fernando de Magalhães” aparecem acompanhando a costa oriental da América do Sul (Cortesão e Teixeira da Mota, 1987, V.1, p. 40), garantindo ao almirante português as honras de ter aberto a porta do Pacífico.

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2 c.1525 [1520?] : Representação

do Estreito de Magalhães. Antonio Pigafetta.

Yale University Library. Beinecke Rare Book and Manuscript Library, Ms.351 O MANUSCRITO ORIGINAL DA RELAZIONI IN TORNO AL PRIMO VIAGGIO

di circumnavigazione, da autoria de Antonio Pigafetta, célebre cronista italiano da expedição de Magalhães-Elcano, não sobreviveu até aos nossos dias. Felizmente, é possível conhecer o seu conteúdo graças a quatro manuscritos do século XVI, compostos a partir do original: três cópias em italiano e uma tradução francesa. Esta última, produzida em torno a 1525, é o mais completo e cuidado dos quatro textos sobreviventes; como tal, reproduziu os desenhos de Pigafetta de vários lugares que a expedição visitou. Entre eles não podia faltar o Estreito de Magalhães, que o cronista vicentino representou de maneira muito esquemática, com o Norte na parte inferior. Denomina-o “Estreito Patagónico”, e refere apenas os dois acidentes geográficos mais notáveis das bocas oriental e ocidental: o Cabo das Onze Mil Virgens e o Cabo Deseado.

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