O Exército e o Condestável D. Nuno Álvares Pereira

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O EXÉRCITO E O CONDESTÁVEL D. NUNO ÁLVARES PEREIRA

O COMBATENTE NA ARTE

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Augusto Moutinho Borges

THE ARMY AND THE CONSTABLE OF THE KINGDOM, NUNO ÁLVARES PEREIRA

THE SOLDIER IN ART


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O EXÉRCITO E O CONDESTÁVEL D. NUNO ÁLVARES PEREIRA O COMBATENTE NA ARTE

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Augusto Moutinho Borges

THE ARMY AND THE CONSTABLE OF THE KINGDOM, NUNO ÁLVARES PEREIRA THE SOLDIER IN ART

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©EDIÇÃO EDITION

By the Book, edições especiais para/to Estado-Maior do Exército TÍTULO TITLE

O Exército e o Condestável D. Nuno Álvares Pereira: O Combatente na Arte

The Army and the Constable of the Kingdom, Nuno Álvares Pereira: The Soldier in Art

©TEXTO TEXT

Augusto Moutinho Borges

Colaboração Especial:

Coronel Francisco Amado Rodrigues Doutor José Rafael Antunes Coronel Nuno Andrade Escultor Paulo Honorato Dr. Pedro Vaz Pereira REVISÃO REVISION

Rui Augusto

TRADUÇÃO TRANSLATION

David Michael Greer

FOTOGRAFIA PHOTOGRAPHY

CM Fronteira (pp. 178-179) CM Sousel (p. 161) Fundação Batalha de Aljubarrota (p. 112) Adelaide Nabais (p. 28, p. 50 dir./right, p. 113 inf. dir./above right, p. 150, p. 184) António Homem Cardoso (pp. 165-166) Augusto Moutinho Borges (p. 29 sup. e centro esq./top and middle left, p. 36 inf. dir./above right, p. 44 dir./right, p. 52 inf./above, p. 56 sup./top, p. 113 sup.dir./top right, p. 168 inf./above, p. 187, p. 199) Fernando Guerra (p. 110) Hélder Ribeiro (CAVE) (p. 83 esq./left) José Pessoa (DGPC) (p. 114 esq./left, p. 115) Luís Chaves (CAVE) (todas as restantes/all other) Luís Pedro Hunchelday (Centro de Artes Caldas Rainha) (p. 50 sup. centro, p. 128, pp. 132-133, pp. 135-138) Luísa Oliveira (DGPC/MNA) (p. 164) Miguel Sousa (MAS/DRCN) (p. 114 dir./right) PSML | EPI – Escola Profissional de Imagem (p. 19) EDIÇÃO DE IMAGEM PHOTOGRAPHY POST PRODUCTION

Maria João de Moraes Palmeiro DESIGN

Veronique Pipa COORDENAÇÃO EDITORIAL E PRODUÇÃO COORDINATION AND PRODUCTION

Ana de Albuquerque | Maria João de Paiva Brandão IMPRESSÃO PRINTING

AGIR – Produções gráficas ISBN

978-989-53277-2-0 DEPÓSITO LEGAL LEGAL DEPOSIT

488672/21

Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt

NOTA DO EDITOR:

os textos dos autores convidados respeitam a opção de cada um relativamente ao novo acordo ortográfico.


9 Prefácio

Preface

15 Apresentação

Introduction

25 O CONDESTÁVEL D. NUNO ÁLVARES PEREIRA NA HISTORIOGRAFIA MILITAR

THE CONSTABLE OF THE KINGDOM, NUNO ÁLVARES PEREIRA, IN MILITARY HISTORY

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Símbolos militares do Condestável 45 O Condestável Santificado 53 Tumulária e Cenotáfio 61 Toponímia

The Constable’s Military Symbols

65 O EXÉRCITO E D. NUNO ÁLVARES PEREIRA

THE ARMY AND NUNO ÁLVARES PEREIRA

75 O Condestável

nas Unidades Militares 85 O Condestável no Museu Militar de Lisboa e no Museu da GNR 111 Campos Militares de S. Jorge e dos Atoleiros 119 D. NUNO ÁLVARES PEREIRA NA ARTE

The Holy Constable Tomb and Cenotaph On the Place Names

The Constable in the Military Units The Constable of the Kingdom in the Lisbon Military Museum and the GNR Museum S. Jorge and Atoleiros Military Camps

NUNO ÁLVARES PEREIRA IN ART

125 Escultura

Sculpture

175 Pintura Mural

Painted Murals

185 Vitrais

Stained Glass

197 Bibliografia

Bibliography

159 Azulejaria

Tilework

181 Tapeçaria

Tapestry

189 Filatelia

Philately


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Prefácio Preface q GENERAL JOSÉ NUNES DA FONSECA Chefe do Estado-Maior do Exército

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UITO SE TEM ESCRITO SOBRE D. NUNO ÁLVARES PEREIRA,

o Santo Condestável. Porque se trata de uma personalidade verdadeiramente marcante e ímpar da História de Portugal. É um reconhecimento que os Portugueses associam ao carisma, à coragem, à abnegação e à determinação, que desde a primeira hora o caracterizaram. Por essas qualidades pautou sempre D. Nuno a sua atuação pública, com adequada noção dos interesses nacionais em questão, nas mais variadas circunstâncias. Foi, acima de tudo, inteligente, hábil e perspicaz na identificação e na opção pelas melhores formas de atingir os objetivos determinantes para a nação portuguesa. Para tal, sobressaiu a sua extraordinária argúcia em termos táticos e operacionais, nomeadamente quanto à profundidade de análise do terreno e das forças contendoras, a par de decisões evolutivas em termos de comando das nossas tropas e da respetiva flexibilidade de emprego. O corolário mais famoso das suas invulgares qualidades de estadista e de líder militar está traduzido nas vitórias das forças portuguesas face às castelhanas, quer na Batalha dos Atoleiros, quer sobretudo na decisiva Batalha de Aljubarrota, em 14 de agosto de 1385. É unanimemente reconhecido que esta última vitória abriu caminho à definitiva resolução da profunda crise que o país atravessava, consolidando a respetiva independência.

The Army Chief of Staff

M

UCH HAS BEEN WRITTEN ABOUT NUNO ÁLVARES PEREIRA. THE HOLY

Constable is a truly unique figure in our Nation’s history. The Portuguese have long recognised his charisma,

courage, abnegation and determination, qualities that characterized him from the outset. It was these qualities that always guided his public acts, with a clear notion of the national interests in question, in the most varied circumstances. He was, above all, intelligent, skilful and insightful in identifying and choosing the best ways to achieve the decisive goals for the Portuguese nation. To this end, his extraordinary acumen in tactical and operational terms was particularly highlighted through the depth of his analysis of the terrain and the contending forces, as well as forming decisions regarding command and flexibility in the deployment of our troops. The most famous manifestation of his unusual qualities as a statesman and military leader is reflected in the Portuguese victories over Castilian forces, at the Battle of Atoleiros and, especially, in the decisive Battle of Aljubarrota, on 14th August, 1385. It is unanimously recognized that this last victory paved the way for the definitive resolution of the deep crisis the country was facing, consolidating its independence.

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O Exército Português considera, naturalmente, D. Nuno Álvares Pereira uma das suas principais referências. Porque a sua carreira castrense retrata a intrepidez, o sentido de oportunidade, a empatia, a humildade, a liderança pelo exemplo e o respeito pelos valores pátrios que qualquer comandante de tropas deve cultivar. Expoente do reconhecimento do Exército a D. Nuno, o Condestável, foi a escolha da sua pessoa para Patrono da Arma de Infantaria. Deste modo, passou justamente a ser ainda mais homenageado e, sobretudo, evocado como herói e paradigma da vontade soberana. Há, também, outra realidade igualmente relevante em Nuno Álvares Pereira, menos conhecida do público geral. Trata-se da sua faceta espiritual e religiosa. Das referências aos seus feitos militares, é possível verificar que procurou sempre pautar-se pelos valores humanistas da Cristandade. Para além dos seus esforços em prol dos superiores interesses do país, jamais descurou a sobriedade, o sentimento de partilha e a solidariedade perante os que o rodeavam, nomeadamente os mais desprotegidos. Nos últimos anos da sua vida, despojou-se das honrarias, dos títulos e dos vastos bens que possuía, tendo-se recolhido, como simples monge, no Convento do Carmo, que fundou e mandou construir, e onde acabou por ser sepultado. O seu exemplo de homem determinado, mas simultaneamente virtuoso e de fé, justificou a sua beatificação pela Igreja Católica, em 1918, e a sua canonização já neste século, em 2009. A relevância histórica do Condestável tem vindo a ser retratada e reconhecida de diversas formas, praticamente desde o seu falecimento. A presente obra, O Exército e o Condestável D. Nuno Álvares Pereira. O Combatente na Arte, lançada no âmbito das comemorações do Dia do Exército de 2021, proporciona uma nova abordagem à vida militar e religiosa de Nuno Álvares Pereira, sob o ponto de vista da dimensão que foi crescentemente atingindo neste ramo das Forças Armadas.

Nuno Álvares Pereira is naturally one of the Portuguese Army’s major references. His military career is a shining example of the fearlessness, sense of opportunity, empathy, humility, leadership by example and respect for national values that any commander of troops should cultivate. A clear sign of the Army’s recognition of the Holy Constable was his being chosen to be the Patron of the Infantry. His status was thus further enhanced and, above all, he was evoked as a hero and paradigm of sovereign will. There is, however, another equally significant aspect of Nuno Álvares Pereira, though less well-known to the general public. This is his spiritual and religious life. The study of his military feats shows that he always looked to the humanist values of Christendom for guidance. In addition to his acts on behalf of the Nation, he always led a sober existence, with the feeling of sharing and solidarity with those around him, namely the most vulnerable. In the final years of his life, he stripped himself of his accumulated honours, titles and vast goods, retiring, as a simple monk, to the Carmo Convent, which he had founded and built, and where he was eventually buried. His example as a determined man but, at the same time, virtuous and of faith, justified his beatification by the Catholic Church in 1918, and his canonization in 2009. The Constable’s historical significance has, virtually since his death, been portrayed and recognized in different ways. The Army and the Constable of the Kingdom, Nuno Álvares Pereira: The Soldier in Art, launched as part of the 2021 Army Day commemorations, provides a new approach to the Constable’s military and religious life, as his importance has grown in this branch of the Armed Forces.

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Assim, este livro traz à estampa o património inerente às inúmeras representações artísticas sobre o Condestável, em diversas unidades, estabelecimentos e órgãos do Exército. São identificadas as dimensões de materialização dessas representações: a escultura, a azulejaria, a tapeçaria, a filatelia e a pintura em vitrais. Os textos, que acompanham as esplêndidas fotografias, são simultaneamente sintéticos e esclarecedores de cada uma das obras identificadas. Permitem, em paralelo, compreender como o Condestável se constituiu uma fonte de inspiração, de vigor e de coragem coletiva dos militares portugueses. Conforme é referido no livro, “folhear esta coleção de património e arte militares é embrenharmo-nos na história e identidade de Portugal”. O Exército felicita os autores desta valiosa obra, que envolveu considerável esforço de recolha, em função da sua abrangência, e critérios de elaboração da maior valia. Congratula, igualmente, as demais entidades, militares e civis, envolvidas na respetiva produção editorial. O resultado é um inegável enriquecimento do legado histórico do Exército, assim como o reforço da imagem da Instituição Militar. D. Nuno Álvares Pereira contribuiu decisivamente, no seu tempo, para o rumo coletivo dos Portugueses. Que o seu heroísmo, tenacidade e humanismo constituam um estímulo adicional para cada um de nós, no exercício das responsabilidades que nos incumbem de perpetuar Portugal.

This book therefore presents the inherent heritage of the numerous artworks – made up of sculpture, tilework, tapestry, philately and stained glass pieces featuring the Constable – in various Army units, establishments and organs. The texts accompanying the splendid photographs concisely and clearly identify each of these works. At the same time, they show how the Constable has been a source of inspiration, vigour and collective courage for the Portuguese military. As stated within these pages, “browsing through this collection of military heritage and art is to delve into the history and identity of Portugal.”

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The Army congratulates all those responsible for this valuable work. Collecting the material involved a considerable effort, due to its scope, with the selection criteria also being highly demanding. We also congratulate the other entities, military and civilian, involved in this publication. The result is an undeniable enrichment of the Army’s historical legacy, as well as the reinforcement of the image of the Military Institution. Nuno Álvares Pereira contributed decisively to the collective course of the Nation. His heroism, tenacity and humanism are an additional stimulus for each one of us, in the exercise of our responsibilities in perpetuating Portugal.




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1-2. Cernache do Bonjardim, Igreja Matriz 3. Cernache do Bonjardim, Seminário, registo de azulejos 1-2. Cernache do Bonjardim, Mother Church 3. Cernache do Bonjardim, Seminary, devotional tile panel

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PRESENTE LIVRO O EXÉRCITO E O CONDESTÁVEL D. NUNO

Álvares Pereira, O Combatente na Arte, constitui-se uma obra evocativa do patrono da Arma de Infantaria do Exército português. Além de ser um símbolo para os combatentes na defesa dos ideais e da tradição da Cavalaria, Álvares Pereira é representado como chefe militar, estratega e Comandante. O Condestável nasceu a 24 de junho de 1360, no Paço de Cernache do Bonjardim, no seio de uma ilustre casa de militares. Pertencente à linhagem dos Priores do Crato, esta foi iniciada por seu avô, frei Gonçalo Pereira (c. 1280-1348), continuada por seu pai, D. Álvaro Gonçalves Pereira (1300-1379), tendo seguimento através do irmão, D. Pedro Álvares Pereira (?-1385), a casa foi definitivamente alicerçada pelo biografado, como historicamente reconhecemos. Na Crise Dinástica de 1383-1385, Nuno Álvares Pereira apoiou a elevação de um português como monarca, perante possível invasão do reino, pelo Exército Castelhano e delineando uma estratégia sucessória face a outros interessados. Juntamente com o Doutor João Afonso das Regras (1357­ ‑1404), promoveram a eleição do Mestre de Avis como cabeça da dinastia, filho legitimado do Rei D. Pedro I (1320-1367) e meio-irmão do Rei D. Fernando I de Portugal (1345-1383). O Mestre de Aviz reinou como D. João I entre 1385 e 1433.

T

HE ARMY AND THE CONSTABLE OF THE KINGDOM, NUNO ÁLVARES PEREIRA:

the Soldier in Art evokes the patron of the Infantry branch of the Portuguese Army. The Constable has long been a symbol

for soldiers defending the ideals and tradition of chivalry, and is celebrated as a military chief, strategist and commander. Nuno Álvares Pereira was born on 24th June 1360, in the Cernache do Bonjardim Palace, in the bosom of an illustrious military family: the Priors of Crato. The lineage began with his grandfather, Friar Gonçalo Pereira (c. 1280-1348), and continued with his father, Álvaro Gonçalves Pereira (1300-1379), who was followed by his brother, Pedro Álvares Pereira (?-1385). The House was definitively founded by the Constable himself, as history acknowledges. During the Dynastic Crisis of 1383-1385, Nuno Álvares Pereira supported the claims of a Portuguese to the throne, in the face of a possible invasion of the kingdom by the Castilian Army, outlining a succession strategy against other interested parties. Together with João Afonso das Regras (1357-1404), he promoted the election of the Master of Aviz, the natural son of Pedro I (1320-1367) and half-brother of Ferdinand I (1345-1383). The Master of Aviz reigned, as João I, between 1385 and 1433.

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1. Lisboa, Praça da Figueira, estátua equestre de D. João I, bronze, 1971, escultor Leopoldo de Almeida, pedestal, arquiteto Jorge Segurado

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2. Cernache do Bonjardim, Seminário, local onde nasceu D. Nuno Álvares Pereira

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1. Praça da Figueira in Lisbon, Equestrian statue of João I, bronze, 1971, Sculptor, Leopoldo de Almeida; pedestal, Jorge Segurado (architect)

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2. Cernache do Bonjardim, Seminary, the birthplace of Nuno Álvares Pereira

Foi durante a comemoração do Duplo Centenário da Fundação e da Restauração da Nacionalidade – 1140 (Fundação do Estado Português) e 1640 (Restauração da Independência) – que o Exército declarou, a 4 de abril de 1940, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira Patrono da Arma de Infantaria. Nesta altura, o mundo mergulhara numa das piores guerras a que já tinha assistido, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e eram necessários heróis para encorajar Portugal, por haver perspetivas de uma hipotética invasão armada a este Estado neutral. Exaltava-se, desta forma, o carisma militar e popular do Condestável, robustecendo a unidade nacional perante um cenário de guerra. Não devemos esquecer que o nosso território se estendia do Atlântico a África, do Índico ao Extremo Oriente, com possessões ultramarinas cobiçadas pelas forças beligerantes com mais poder militar. Foi neste contexto que se realizou, em Lisboa, a Exposição do Mundo Português, com diversas iniciativas paralelas, entre as quais o programa de conservação e restauro de grande parte do património arquitetónico militar: castelos, fortalezas e campos militares, onde se destaca o Campo de S. Jorge, perpetuando o confronto da Batalha Real de 14 de agosto de 1385. Data desta altura a valorização dos heróis pátrios, passados, muitos deles, à presença escultórica, dos quais D. Nuno Álvares Pereira foi o mais representado. Fazendo uma análise artística da imagética do Condestável em Portugal, a sua evocação percorre todo o território português, através de esculturas (profanas e sagradas), registos e painéis azulejares e de outras figurações artísticas, completando-se o ciclo através da toponímia. O imaginário guerreiro do Condestável encontra-se evocado em esculturas de grandes dimensões nas vias públicas, no interior de inúmeras igrejas, centrando-se em datas efusivas da nacionalidade, exaltando-se a beatificação a 23 de janeiro de 1918, como Santo Condestável ou Beato Nuno de Santa Maria, e a subsequente canonização em 26 de abril de 2009, como São Nuno de Santa Maria.

It was on 4th April 1940, during the commemoration of the Double Centenary of the Foundation and the Restoration of Nationality – 1140 (Foundation of the Portuguese State) and 1640 (Restoration of Independence) – that the Army declared the Constable of the Kingdom, Nuno Álvares Pereira, Patron of the Infantry. This was a period in which the world had plunged into one of the worst wars it has ever witnessed, World War II (1939-1945). Portugal was in need of heroes, as there were fears – despite its neutrality – of an armed invasion. The military and popular charisma of the Constable was thus exalted, strengthening national unity in the face of war. At the time, Portuguese territory extended from the Atlantic to Africa, the Indian Ocean and the Far East, with overseas possessions coveted by the belligerent forces with more military power. This was the setting for the Portuguese World Exhibition, held in Lisbon, but with several parallel initiatives, including conservation and restoration programmes for a large part of the military architectural heritage: castles, forts and military camps, with that of S. Jorge highlighted and evoking the memory of the Battle of Aljubarrota, the ‘Royal Battle’, of 14th August 1385. The valorisation of many patriotic heroes dates from this time. Many were being sculpted, with Nuno Álvares Pereira the most frequent subject. Images of the Constable of the Kingdom appear throughout Portugal, as sculptures (profane and sacred), devotional panels and tilework, as well as other media, with the cycle completed through toponymy. The warrior imagery of the Constable is evoked in large-scale sculptures on streets and inside numerous churches, focusing on significant dates for the country and exalting his beatification, on 23rd January 1918, as the Holy Constable of the Kingdom or Blessed Nuno of St Mary, and his subsequent canonization on 26th April 2009, as St Nuno of St Mary. The national cult of Nuno Álvares Pereira extends to other military branches. In honour of the Constable of the Kingdom, the GNR (National Republican Guard) created, through Decree 1179/2009, a medal particular to the force: Medalha de D. Nuno

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O culto nacional a Álvares Pereira é extensível a outros ramos militares. Em homenagem ao Condestável, a Guarda Nacional Republicana criou, pela Portaria 1179/2009, uma medalha privativa, denominada Medalha de D. Nuno Álvares Pereira – Mérito da Guarda Nacional Republicana, aprovado o respetivo Regulamento publicado em Diário da República n.º 194/2009, Série I de 2009-10-07. Também o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) instituiu como seu Patrono D. Nuno Álvares Pereira (Santo Condestável), “por se reconhecer que, na sua figura, estão personificados valores e características que o definem como comandante militar extraordinário, estratega de visão esclarecida e homem simples e generoso, naturalmente alinhados com a missão deste Estado-Maior-General, com as funções do CEMGFA e com a essência do espírito de serviço característico dos militares”. Muitos são os exemplos nacionais em que o Condestável foi escolhido como Patrono e Padroeiro, dos quais a Arma de Infantaria foi pioneira na sua atribuição e representações artísticas. Vamos apresentar, de forma contextualizada, o Combatente na Arte, analisando variantes estéticas no território nacional, percorrendo imaginários do profano ao sagrado, em áreas artísticas e materiais diferenciados na sua conceção. Não pretendemos identificar um modelo representativo do Condestável, mas definir conceitos fisionómicos através dos tempos e da sua compleição no imaginário social. Ainda nesta nossa análise apresentamos relações no quotidiano militar e religioso, das suas vivências, no tempo e nos espaços, desenvolvidos anteriormente por diversos autores e artistas, que já investigaram, escreveram e trabalharam sobre o Condestável. Deixaremos de parte o limbo histórico sobre aspetos menos realistas da sua vida militar, que o interesse político e governativo se apropriou para exaltar e difundir, em tempo próprio. Evitaremos afirmações ideológicas, convenientes aos interesses do regime político que governou Portugal em meados do século xx, que muito utilizou o Condestável como propaganda para alicerçar um conceito da força bélica dos portugueses.

Álvares Pereira – Mérito da Guarda Nacional Republicana, satisfying the respective regulations published in the Diário da República no. 194/2009, Series I of 2009-10-07. The General Staff of the Armed Forces (EMGFA) has also made the Holy Constable its Patron, “because he is recognised as personifying values and characteristics that define him as an extraordinary military commander, enlightened strategist and a simple and generous man, naturally aligned with the mission of this General Staff, the functions of the CEMGFA and the essence of the spirit of service characteristic of the military”. Although many national bodies have chosen the Constable of the Kingdom for their Patron and Patron Saint, the Infantry was the pioneer in its attribution and artistic representations. This book presents the contextualized “Soldier in Art” and studies the aesthetic variations throughout Portugal, with images conceptually ranging from the profane to the sacred, in different artistic media and materials. There is no intention to fix a definitively representative model of the Constable, but rather to study his physiognomy being presented over time and his general depiction in the public eye. We shall also explore the relationship between his everyday experiences of military and religious life, which have been previously researched by several authors and artists. Less realistic aspects of his military life, which political and governmental interests exalted and spread at a particular time, will be left in historical limbo. Such ideological statements, convenient to the interests of the political regime that ruled Portugal in the mid-20th century, and which frequently used the Constable as propaganda to support a concept of Portuguese military force are similarly avoided. There are numerous allusions to Nuno Álvares Pereira in the History of Portugal following two broad thematic lines: as a military man and as a saint. Essentially, our discussion is based on the aesthetic impact of the soldier through the Chronicle of João I, of Good Memory, and the Chronicle of the Constable, themes explored by taking stock, through art, of representations in various national institutions, with references to his armed and unconditional defence of Portugal.

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Sintra, Palácio da Vila, Sala do Brasões Sintra, National Palace, Coat of Arms Room

Encontramos, genericamente, diversas alusões a D. Nuno Álvares Pereira na História de Portugal em duas grandes linhas temáticas; como militar e como santo. Iremos analisar, essencialmente, o impacto estético do combatente através da Crónica de D. João I, o de Boa Memória, e da Crónica do Condestável, temas que desenvolvemos inventariando, através da arte, representações em diversas instituições nacionais, com referências à sua participação armada na defesa incondicional de Portugal. O Condestável, enquanto figura histórica, tem originado inúmeros estudos, biografando na totalidade ou em parte vivências pessoais como militar e como místico, entre outras áreas da vida pública e privada. A obra a que nos propusemos incide, fundamentalmente, na ideia de Combatente na Arte e nos reflexos artísticos nas unidades militares, ideia contextualizada na sua relação como Patrono da Arma de Infantaria. Mas também noutras áreas sociais e humanas, como nas referências toponímicas, na filatelia e difusão imagética, na relação do Exército com a arte e distribuição nacional e, com menor incidência, no Condestável santificado. Foram convidados especialistas, que tutelam o património museológico, fundos e coleções de arte, acervos jornalísticos e filatélicos relacionados com o Condestável, para, sinteticamente, escreverem sobre temas concretos do seu domínio de conhecimento e apoiados no património das instituições que coordenam. Criaram-se caixas temáticas contextualizando o Condestável no Museu Militar de Lisboa, no Centro de Artes das Caldas da Rainha, no Museu da GNR (instalado no Convento do Carmo, em Lisboa, onde também

As a historic figure, the Constable has been the subject of various works, fully or partially giving his personal experiences as a military man and as a mystic, among other areas of his public and private life. This study focuses, fundamentally, on the Soldier in Art and on the artistic production of military units, contextualizing his role as Patron of the Infantry. Other social and human areas are, however, taken into consideration. These include place names, philately, the diffusion of his image, the Army’s relationship with art and its national distribution and, to a lesser extent, Nuno Álvares Pereira as the Constable of the Sanctified Kingdom. Specialists, who oversee museum heritage, archives and art collections, as well as journalistic and philatelic collections related to the Constable, have been invited to write on specific topics in their fields, supported by the heritage of the institutions they coordinate. Thematic boxes present the Constable as represented at the Lisbon Military Museum, the Caldas da Rainha Arts Centre and the GNR Museum – (housed in the Carmo Convent, in Lisbon, where the cell in which he died is to be found). These boxes also include articles and illustrations from the Army publication, Jornal do Exército, together with stamps featuring the Constable. An artist was also invited to participate and convey his

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se encontra a cela onde faleceu); nessas caixas faz-se também apelo dos artigos e ilustrações publicados no Jornal do Exército e da importância da filatelia como grande divulgador da figura de Álvares Pereira. Alargou-se, ainda, a participação a um artista, integrando o seu texto nos testemunhos para transmitir o sentimento da criação e a sua adoção do tema do Condestável, numa das expressões corporais mais extensas, num mural com 25 metros. Agradecemos ao Chefe do Estado-Maior do Exército, General José Nunes da Fonseca, o apoio que ao longo dos anos tem depositado nas investigações realizadas, ao Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, Tenente-General Rui Guerra Pereira, pela forma sempre atenciosa como divulga a coleção sobre o património e identidade do Exército, ao General Comandante da Logística, Tenente-General João Manuel Nunes dos Reis, por todo o apoio logístico para a boa realização da investigação sobre os temas em estudo, ao Chefe de Gabinete do General CEME, Major-General José António Figueiredo Feliciano, pela sua dinâmica na valorização da história militar, ao Major-General Aníbal Alves Flambó, pela forma incondicional como tem apoiado e orientado todos os processos de trabalho ao longo dos anos; ao Comandante da Unidade de Apoio do Comando da Logística, Coronel Horácio Lopes, a sua total disponibilidade e excecional empenho com que o Centro de Audiovisuais do Exército (CAVE) tem ativamente participado, para a recolha fotográfica e nos contatos com as instituições, realçando a intervenção do Chefe do CAVE, Tenente-Coronel Carlos Prada e do Sargento-Ajudante Hélder Ribeiro. Agradeço a total cooperação académica ao Comandante­ ‑Geral da Guarda Nacional Republicana, Tenente-General Rui Manuel Carlos Clero, ao sempre amigo Tenente-General Alexandre de Sousa Pinto, ao distinto Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar, Major-General João Vieira Borges, o incentivo para que os historiadores prossigam ativamente na produção científica sobre a história militar, ao Comandante da Brigada Mecanizada, Brigadeiro-General Sérgio Valente Marques, e ao Sargento-Ajudante José Matos pela sua disponibilidade na procura de elementos associados ao Condestável, aos Comandantes das Unidades que abriram as suas portas e participaram neste processo de estudo cultural e 1 20 2


feelings about adopting the theme and his creation of one of the largest works featuring the Constable: a 25 m mural. We would like to thank the Army Chief of Staff, General José Nunes da Fonseca, for the support he has given over the years to our research; to the Deputy Army Chief of Staff, Lieutenant General Rui Guerra Pereira, for his constant consideration in making the Army’s heritage and identity available through its collections; to the General Commander of Logistics, Lieutenant General João Manuel Nunes dos Reis, for all the logistical support ensuring fruitful research. Further thanks go to the Chief of Staff of the General CEME , Major General José António Figueiredo Feliciano, for his dynamic valorisation of military history; to Major General Aníbal Alves Flambó, for the unconditional way in which he has supported and guided all our work in this field over the years; to the Commander of the Support Unit of the Logistics Command, Colonel Horácio Lopes, for his total availability and the exceptional commitment with which the Army Audio-visual Centre (CAVE) has actively participated, gathering photographic collections and contacts with institutions. In this respect, the contribution of the Head of CAVE, Lieutenant-Colonel Carlos Prada and Sergeant-Assistant Hélder Ribeiro must certainly be highlighted. Our thanks also go to the General Commander of the GNR (Republican National Guard), Lieutenant General Rui Manuel Carlos Clero, Lieutenant General Alexandre de Sousa Pinto, and the distinguished President of the Portuguese Military History Commission, Major General João Vieira Borges, for their encouragement to historians working on military history. Many thanks also to the Commander of the Mechanized Brigade Brigadier General Sérgio Valente Marques and to Sergeant-Assistant José

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1. Lisboa, Museu Arqueológico do Carmo, madeira, anónimo, século XIX 2. Lisboa, Igreja do Convento do Carmo, Museu Arqueológico do Carmo 1. Lisbon, Carmo Archaeological Museum, wood, anonymous, 19th century 2. Lisbon, Church of Carmo Convent, Carmo Archaeological Museum

Matos for their availability in the search for items associated with the Constable; the Commanders of the Units that welcomed us and eased our study of the Army’s culture and heritage. Our gratitude also goes to the mayors of municipalities and heads of local councils involved, as well as to all those at the various archbishoprics, bishoprics and parishes who were so generous in collaborating in this work. A final word of thanks must go to By the Book, for their care in organising this special edition on (our) Constable.

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patrimonial do Exército; aos Presidentes de Câmara e de Juntas de Freguesia envolvidos, assim como aos arcebispados, bispados, párocos e às paróquias que se disponibilizaram e colaboraram nesta obra, e à editora By the Book, pela forma como organizou criteriosamente esta edição especial evocativa do (nosso) Condestável. Aos convidados e participantes neste projeto, os nossos agradecimentos especiais pelo seu empenho, muito contribuindo para a visão interdisciplinar do tema que se apresenta. À Adelaide e à Ana Luísa, sempre presentes nas deambulações inventariais, um reconhecido bem-haja; às academias científicas, aos centros de investigação, aos amigos com quem partilho dúvidas e esclarecimentos, os meus profundos agradecimentos. A todas as instituições públicas e privadas, aos inúmeros colaboradores, diretos e indiretos, e a todos os que abriram portas para a realização do presente livro, o nosso sentido agradecimento, pois sem as interações institucionais não seria possível apresentar mais este trabalho evocativo de um dos portugueses mais homenageados na arte da guerra. Ao fim de seis anos consecutivos de uma parceria editorial, entre o Exército, a editora e o autor, a coleção que coordenamos e escrevemos foi objeto de reedições, de algumas obras premiadas e referenciadas a nível internacional, o que atesta o grau de interesse que despertou nas comunidades científica e civil. Folhear esta coleção de Património e Arte Militares é embrenharmo-nos na história e identidade de Portugal. Ricamente ilustrada com fotografias de Luís Chaves e com notável conceção gráfica por parte da editora By the Book, é enriquecida ainda pelo levantamento fotográfico que foi reunido e ficará em acervo do Exército, só possível pelo imensurável esforço do Centro de Audiovisuais do Exército (CAVE), que perpetua a história castrense em território nacional, das vivências do passado interligadas à nossa identidade, ao Exército e à Arma de Infantaria, de quem o Condestável é seu Patrono.

To all those involved in this project, we express our sincere gratitude for their efforts, which have been fundamental in creating the interdisciplinary vision of our theme. To Adelaide and Ana Luísa, always present in our roaming through inventories, my undying gratitude; to the scientific academies, research centres and friends with whom I have shared doubts and found clarification, my warmest thanks. To all the public and private institutions, to the countless collaborators, direct and indirect, and to all those who opened their doors for the realization of this book, our heartfelt thanks. Without such institutional interaction, it would not have been possible to present this work on one of the most honoured Portuguese in the art of war. After a six year editorial partnership between the Army, the publisher and the author, the collection that we have coordinated and written has gone into various editions, won several awards and become internationally referenced. All of which attests to the degree of interest it has awakened in scientific and civil communities. Browsing through this collection of military heritage and art is to delve into the history and identity of Portugal. Richly illustrated by Luís Chaves’ photographs and with By the Book’s remarkable graphic design, it is further enriched by the photographic survey that was carried out and will remain in the Army’s collection. This was only made possible by the immeasurable effort of the Army Audio-visual Centre (CAVE). CAVE’s work on Portuguese military history links such past experiences to national identity, to the Army and to the Infantry, of which the Constable of the Kingdom is Patron.

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Batalha, Brasão de armas no pedestal da escultura equestre do Condestável Batalha, Coat of Arms on the pedestal of the equestrian sculpture of the Constable


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O CONDESTÁVEL D. NUNO ÁLVARES PEREIRA NA HISTORIOGRAFIA MILITAR THE CONSTABLE OF THE KINGDOM, NUNO ÁLVARES PEREIRA, IN MILITARY HISTORY

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ESDE O SÉCULO XIV ATÉ AO PRESENTE, O CONDESTÁVEL

tem sido estudado como um estratega notável, reconhecendo-se-lhe a capacidade analítica de sentir a alma do terreno, para colocar as suas hostes de peões e cavaleiros, e “dar combate” ao opositor que invadiu o território pátrio. Muitas vezes em número inferior ao exército que batalhava, conseguiu, de forma peculiar, desenvolver práticas de guerrear desconhecidas até então na Península Ibérica. Falamos concretamente do desgaste temporal e do subsequente stresse do combatente. Consistia esta técnica em alinhar as tropas durante horas em posição de guerra, na utilização de abatises (obstáculos compostos por ramos e troncos de árvore com as pontas voltadas para o atacante), em escavar fossos sob formas regulares para dificultar o acesso à linha defensiva (sendo a terra escavada utilizada para muro de proteção) e covas do lobo (aberturas na terra onde se iria dar batalha em forma de quadrados, cobertas por camuflagem com paus afiados cravados na base, como defesa para impedir o avanço invasor). Recorreu ainda ao apoio de arqueiros ingleses, que dizimavam peões e a cavalaria em marcha, infligindo grandes perdas de opositores no terreno e nivelando em número os exércitos em combate. Todas estas técnicas foram utilizadas isoladamente ou em simultâneo, conduzindo a vitórias e à afirmação militar portuguesa no contexto europeu do seu tempo. Por toda a Europa, as vitórias capitaneadas pelo Condestável tiveram eco em inúmeras publicações, sendo-lhe reconhecida a genialidade que o faria ombrear com os grandes generais (da Antiguidade Clássica à Idade Média), que eram estudados como referências dos exemplos técnicos utilizados na arte da guerra.

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INCE THE 14TH CENTURY, THE CONSTABLE OF THE KINGDOM HAS BEEN

studied as a remarkable strategist, with his analytical ability to feel the soul of the terrain, to place his hosts of

foot soldiers and knights, and “give combat” to the invader of his Homeland fully recognised. Often outnumbered by this invader, he developed warfare practices previously unknown in the Iberian Peninsula. This is specifically the idea of wearing the enemy down and the subsequent stress suffered by the soldier. The technique consisted of lining up troops for hours in combat readiness, using palisades of tree branches and trunks with the tips facing the attacker), digging regular-shaped ditches to make it difficult to access the defensive line (the excavated earth being used as a protective wall) and wolf pits (openings in the land where the battle would take place in the form of squares, covered by camouflage and with sharp sticks nailed into the base, preventing the invader’s advance). The Constable also had the support of English archers, who inflicted heavy losses among the Castilian infantry and cavalry, greatly reducing the difference in numbers. All these techniques were used separately or simultaneously, leading to victories and Portuguese military affirmation in the European arena. Across Europe, the Constable’s victories were celebrated in numerous publications. The recognition of his genius brought him alongside the great generals from Classical Antiquity to the Middle Ages, who were studied as references in the art of war. His military career and social status brought him royal recognition through the donation, between 1384 and 1398, of honours and lordships of Almada, Alvaiázere, Alter do Chão, Arco de Baúlhe, Arraiolos, Barcelos, Barroso, Basto, Braga, Borba, Bouças, Camarate, Chaves, Colares, Estremoz, Evoramonte, Frielas,

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O percurso militar e social do Condestável trouxe-lhe o reconhecimento régio através da doação, entre 1384 e 1398, de honras e senhorios das terras de Almada, Alvaiázere, Alter do Chão, Arco de Baúlhe, Arraiolos, Barcelos, Barroso, Basto, Braga, Borba, Bouças, Camarate, Chaves, Colares, Estremoz, Evoramonte, Frielas, Guimarães, Loulé, Lousada, Montalegre, Montemor-o-Novo, Paiva, Pena, Portela, Porto de Mós, Rabaçal, Sousel, Tendais, Unhos e Vila Viçosa, além das rendas de cerca de sessenta vilas do reino e de três títulos nobiliárquicos. No presente é fortemente evocado no seio militar e cultuado pela generalidade da sociedade portuguesa. Embora a vivência castrense lhe seja reconhecida com inúmeros êxitos militares, teve, ao longo da vida, vários desgostos (como a morte de dois filhos, da mulher e da filha ainda jovem), desaires militares (nos cercos infrutíferos às vilas amuralhadas de Monforte, Vila Viçosa e Campo Maior) e alguns diferendos com o próprio Rei D. João I (Lei Mental e direitos e doações de bens). Graças aos seus êxitos militares (batalhas dos Atoleiros, de Aljubarrota e de Valverde), conviveu com as mais altas dignidades reais, jurídicas e eclesiásticas do seu tempo (reis de Portugal e Castela, Doutor João das Regras e bispos). Foi nomeado Fronteiro do Alentejo, Condestável do Reino e Mordomo-Mor (cargos militares e civil dos mais prestigiados no reino e na corte), sendo o único conde em vida em Portugal (condados de Barcelos, de Ourém e de Arraiolos). Apesar dos desgostos na sua vida pessoal, ainda pôde ver crescer os netos, que iriam ascender à mais elevada titularidade portuguesa e ser cabeça da grande casa ducal de Bragança, com inúmeros paços em Guimarães, Barcelos e Vila Viçosa. É por esta via que, três séculos mais tarde, em 1640, a sua descendência assume a Coroa de Portugal, através do 7.º duque de Bragança, D. João IV. Detentor de uma grande fortuna em bens móveis e imóveis, abdicou de tudo e tornou-se no mais humilde pedinte carmelita, vivendo no convento que fundou como irmão donato. As suas virtudes espirituais, além das militares, foram exaltadas na obra anónima Crónica do Condestável de Portugal Dom Nuno Álvares Pereira.

Guimarães, Loulé, Lousada, Montalegre, Montemor-o-Novo, Paiva, Pena, Portela, Porto de Mós, Rabaçal, Sousel, Tendais, Unhos and Vila Viçosa, There was also income from around sixty towns in the kingdom and three noble titles. He is still a major figure for the military and a cult figure for Portuguese society in general. Although his military feats are recognised through his numerous victories, he had, throughout his life, several tragedies (such as the death of two sons, his wife and a young daughter), military setbacks (in the fruitless sieges of the walled villages of Monforte, Vila Viçosa and Campo Maior) and some disputes with King João I himself (the Mental Law and rights, and property donations). Thanks to his military successes (the Battles of Atoleiros, Aljubarrota and Valverde), he lived alongside the highest royal, juridical and ecclesiastical figures of his time (kings of Portugal and Castile, João das Regras and bishops). He was named Defender of the Alentejo Border, Constable of the Kingdom and was the highest Chief Steward (the most prestigious military and civil positions in the kingdom and at court), being the only living count in Portugal (in the counties of Barcelos, Ourém, and Arraiolos). 1. Barcelos, Casa do Condestável

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2. Barcelos, ruínas do paço condal 3. Guimarães, Paço Duques de Bragança 4. Vila Viçosa, Palácio Duques de Bragança, estátua equestre do Rei D. João IV, bronze, 1943, escultor Francisco Franco, pedestal, arquiteto Pardal Monteiro 5. Chaves, Castelo convertido em Museu Militar 6. Chaves, Escultura de D. Afonso, I duque de Bragança, bronze, 1969, escultor M. Cabral

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4 1. Barcelos, The Constable’s Home

2. Barcelos, ruins of the County Palace 3. Guimarães, Braganza Ducal Palace 4. Vila Viçosa, Braganza Ducal Palace, equestrian statue of João IV, bronze, 1943, Sculptor, Francisco Franco; pedestal, architect, Pardal Monteiro 5. Chaves, the castle now houses the Military Museum 6. Chaves, Afonso, 1st Duke of Braganza, bronze, 1969, Sculptor, M. Cabral

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Despite his personal tragedies, he could still see his grand1 2

children grow up. They would rise to the highest Portuguese titles and be heads of the great ducal house of Braganza, with numerous palaces in Guimarães, Barcelos and Vila Viçosa. This is how, three centuries later, in 1640, his descendants assumed

1. Bragança, Castelo, Museu Militar de Bragança

the Crown of Portugal, through the 7th Duke of Braganza, João IV.

2. Montalegre, castelo que foi senhorio do Condestável

ty, he gave up everything and became the most humble Carmelite

1. Bragança, the castle now houses the Bragança Military Museum

His spiritual virtues, in addition to his military ones, were exalted

2. Montalegre, the castle was the Constable’s lordship bronze

Holder of a large fortune in movable and immovable properbeggar, living in the convent he founded as a ‘brother donato’. in the anonymous Chronicle of the Constable of the Kingdom of Portugal, Nuno Álvares Pereira.

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҉ THE CHRONICLE OF THE CONSTABLE

҉ CRÓNICA DO CONDESTÁVEL

OF THE KINGDOM

Também designada Crónica do Condestável de Portugal Dom Nuno Álvares Pereira, é a versão mais antiga sobre a vida do Condestável. Impressa em Lisboa, em 1526, foi escrita pouco tempo depois da sua morte, em data não posterior a 1440. Embora o autor seja desconhecido, tudo aponta para alguém com quem tenha privado, tal a minúcia nas descrições da vida do biografado. Em 1911, o Prof. Mendes do Remédios realizou uma revisão crítica do texto, escreveu o prefácio e notas na reedição desta Crónica, considerada uma das grandes obras portuguesas da cronística do século XV. A historiografia militar versando o Condestável têm-se concentrado maioritariamente no período bélico que opôs os reinos de Portugal e Castela depois da morte do Rei D. Fernando, plasmada na crónica anteriormente referida e na Crónica d’Rei D. João I, de autoria de Fernão Lopes. O autor relata, num registo quase quotidiano, a evolução desses acontecimentos: as lutas e as marchas, as vitórias e os desaires, o rol dos feridos e dos mortos nessa contenda peninsular. O mote é a batalha, e nela destaca-se a virtude, a arte da guerra e o Condestável, comandante de um pequeno mas aguerrido exército que venceu, de forma notável, o seu opositor muito superior em número de combatentes. Estes feitos militares ainda hoje são matéria de estudo nas academias militares e nas instituições científicas.

Also known as The Chronicle of the Constable of the Kingdom of Portugal, Nuno Álvares Pereira, it is the oldest known life. Printed in Lisbon, in 1526, it was written shortly after the Constable’s death, and not later than 1440. Although the author is unknown, the detail in the descriptions of the Constable’s life points to someone who was close to him. In 1911, Prof. Mendes do Remedios carried out a critical review of the text, writing the preface and notes in the re-edition of what is considered one of the great 15th century Portuguese chronicles. The military histories dealing with the Constable of the Kingdom have focused mainly on the period of conflict between the kingdoms of Portugal and Castile after the death of King Ferdinand, reflected in the aforementioned chronicle and in Fernão Lopes’ Chronicle of King João I. The author reports, in an almost matter of fact tone, how these events took place: the fights and marches, the victories and the defeats, and the list of the dead and wounded in that peninsular dispute. Battle is the key word, foregrounding the Constable’s virtue and art of war. He was the commander of a small but battle-hardened army that, quite remarkably, defeated a force that was over four times its size. This and his various other military feats are still studied in military academies and scientific institutions today.

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And the Count (the Constable) set off for the Alentejo with three hundred lances (troops)

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E partyo o Conde (Condestável) pera o Allentejo com trezentas lanças “O Conde partyo com suas gentes (trezentas lanças que consygo de cote trazya) como era hordenado pera Ryba dOdyana, e passou o Tejo ao vaao de Muja… Eram tam leaaes e tam fieeis e prouados por boons e ardidos homeens darmas, que ja ajnda que vehera todo o poderojo de Castella, ante sse leixaram todos morrer ante seu senhor que o desemparar per nenhuma guysa.” In Crónica d’Rei D. João I, o da boa memória, 1977, p. 49.

“The Count left with his people (three hundred lances that he had

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assembled) as ordered towards the River Odiana [Guadiana today], and crossed the Tagus in Muja… They were so loyal and so faithful and proven good and battle-hardened men of arms, that even if all the power of Castile came to meet them, they would all die for their lord and would not forsake him for anything.” In the Chronicle of King João I, of Good Memory, 1977, p. 49.


1. Bragança, Estátua de D. Fernando II duque de Bragança, neto do Condestável, bronze, 1964, escultor Manuel Ventura Teixeira Lopes 2. Bragança, Castelo, Museu Militar de Bragança 1. Bragança, Statue of Ferdinand II, Duke of Braganza, grandson of the Constable, bronze, 1964, Sculptor, Manuel Ventura Teixeira Lopes 2. Bragança, the castle now houses the Bragança Military Museum

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Símbolos militares do Condestável

The Constable’s Military Symbols

A HISTORIOGRAFIA NACIONAL SOBRE O CONDESTÁ-

PORTUGUESE HISTORIOGRAPHY ON THE CONSTABLE HAS LARGE-

vel tem-se manifestado através de uma simbologia identitária, que prevalece ao longo do tempo, constituída por duas fases que demarcam o seu carácter militar e religioso. Vamos analisar a simbólica bélica centrada, essencialmente, no armamento, no brasão de armas e no inconfundível guião pessoal, replicados em escultura, pintura e mesmo em reproduções que aludem à sua evocação guerreira e como Patrono da Arma de Infantaria, quer no tempo, quer no espaço. No imaginário social, o objeto bélico mais representado é a Espada do Condestável, com lâmina vazada, que durante o século XX, com mais incidência pelos anos 1940, foi replicada e colocada em diferentes espaços do território nacional. O espécime atribuído a D. Nuno Álvares Pereira, que se encontra no Museu Militar de Lisboa – pesem embora algumas reservas sobre a sua autenticidade – serviu de base para um sem-número de outros exemplares, (re)colocados em diferentes imóveis. São os casos do alçado principal da Igreja Matriz do Crato, entre a rosácea e a porta principal; em Borba, no exterior da Igreja da Orada; na porta lateral do recinto da capela de Nossa Senhora dos Remédios, na Sertã; ou no interior do Paço Ducal de Barcelos, embora este exemplar já esteja desconfigurado. Em 2012, foi inaugurado o Museu Municipal Martim Gonçalo de Macedo, em Macedo de Cavaleiros, que alude ao herói que defendeu a vida do Mestre de Avis, e onde se destaca a Batalha de Aljubarrota – onde está representada a espada de D. Nuno Álvares Pereira.

ly focused on identity symbology, which has prevailed

Lisboa, Museu Militar de Lisboa, réplica da espada atribuída ao Condestável 1 34 2

over time, consisting of two phases demarcating his military and religious character. The military symbols will be explored here essentially through weaponry, the coat of arms and the unmistakable personal standard, depicted in sculpture, painting and even in reproductions alluding to his evocation as a warrior and as Patron of the Infantry, whether in time or in space. In the social imagination, the most represented war object is the Constable’s sword, with a hollowed blade, which during the 20th century, most frequently in the 1940s, was replicated and set in different places throughout the country. The specimen attributed to Nuno Álvares Pereira, which is in the Lisbon Military Museum – despite some reservations about its authenticity, has served as the model for countless other specimens, (re)placed in different buildings. These are the cases in the Crato Mother Church, between the rose window and the main door; in Borba, outside Orada Church; at the side door of the Chapel of Nossa Senhora dos Remédios, in Sertã; or inside the Ducal Palace in Barcelos, although this copy is now disfigured. In 2012, the Martim Gonçalo de Macedo Municipal Museum was opened in Macedo de Cavaleiros, and it too has a replica of the Constable’s sword. The museum is named after the hero who defended the life of João I at the Battle of Aljubarrota.

Lisbon Military Museum, replica of the sword attributed to the Constable


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1. Crato, Igreja do Crato, Flor da Rosa, réplica da espada do Condestável 2. Crato, Igreja do Crato

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1. Crato, Crato Church, Flor da Rosa, replica of the Constable’s sword 2. Crato, Crato Church


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1. Borba, Igreja da Orada, réplica da espada do Condestável 2. Sertã, Nossa Senhora dos Remédios, porta lateral do recinto da capela, réplica da espada do Condestável 3. Lisboa, Museu Militar de Lisboa, esporas atribuídas ao Condestável 4. Borba, Igreja da Orada, pormenor do painel azulejar 5. Barcelos, Paço Ducal, réplica da espada do Condestável 6. Macedo de Cavaleiros, Museu Municipal Martim Gonçalo de Macedo, réplica da espada do Condestável 1. Borba, Orada Church, replica of the Constable’s sword 2. Sertã, Church of Nossa Senhora dos Remédios, side door of the chapel grounds, replica of the Constable’s sword 3. Lisbon Military Museum, spurs attributed to the Constable 4. Borba, Orada Church, tile panel detail 5. Barcelos, Ducal Palace, replica of the Constable’s sword 6. Macedo de Cavaleiros, Martim Gonçalo de Macedo Municipal Museum, replica of the Constable’s sword

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