COMO A VIDA ME PERCO RREU...
LEVI
GUERRA
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COMO A VIDA ME PERCORREU...
Levi Guerra
© Edição: By the Book, Edições Especiais Texto: Levi Guerra Revisão: Margarida Negrais Design: Atelier João Borges Impressão: Orgal ISBN: 978-989-53277-9-9 Depósito legal: XXXXXXX 2021
Edições Especiais Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa Portugal t/f: +351.213610997 www.bythebook.pt
ÍNDICE Dedicatória
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Capítulo I A apologia da terra natal e o existir da infância à adolescência
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Capítulo II Da ida para o Porto; a escolha da medicina e a vida académica até à formatura; a vida militar e o nascimento do filho, entre outros factos... (1947/1958)
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Capítulo III Passos da docência, os Internatos Médicos, o nascimento da primeira filha, a estada em Paris (1960/1961) e a defesa da Tese de Doutoramento
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Capítulo IV Defendida a Tese e terminados os Internatos, o que se seguiu e terminou na primeira ida à América
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Capítulo V Após o regresso da América: as dificuldades; a partida para África e a estadia lá
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Capítulo VI A vinda de Moçambique, as situações encontradas no Hospital Geral de Santo António, na Faculdade de Medicina e na sociedade. A segunda ida à América.
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Capítulo VII O novo regresso ao País. As novas provas de Agregação, agora a Medicina Clínica. A nomeação de Catedrático. A nova ida para o Hospital de Santo António e a Comissão de Serviço no ICBAS. O regresso à Faculdade e a integração no Corpo Clínico do Hospital de S. João
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Capítulo VIII A nomeação para a direção do Hospital de São João. A criação do Serviço de Nefrologia do Hospital de S. João. A Jubilação
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Capítulo IX S. Julião. A atividade clínica após a jubilação. A retrospetiva da pintura e na atualidade. O Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes
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Capítulo X Ab imo corde! No percurso final do meu existir-um hino à verdade.
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Vila Nova de Gaia 2021
Dedicatória Dedico este livro aos meus bisnetos Ana Neha, Tomás, João, Inês Mahi, Henrique e Luís que vivem e crescem longe de mim, e também aos que vierem ainda a ver a luz do dia, confiante de que serão no futuro pessoas muito dignas, honradas e de sã consciência.
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Capítulo I A apologia da terra natal e o existir da infância à adolescência I Minha Terra (1) de condes e barões, Nessa Beira Litoral implantada, Poucos dos teus terão sido vilões; Junto a formoso e calmo rio fundada, Deste à gesta homens de decisões, De rosto sério e alma bem lavada, Quais nascentes de saber e talento, Gente grande de coragem e invento. II À ousadia que me vejo empreender, Obra longa que em dez capítulos me embala, Me dou com vontade e forte querer... Da tinta me sirvo, que sempre fala... Peço-te, ó meu Deus, vem-me socorrer Em tal empresa que de mim se exala. Revelarei ajudas e segredos, A gratidão, os êxitos e os medos...
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III Sim, vou tentar prover mais justa história De quem honrosos gestos vi fazer, Para si enormes razões de glória Que se devem revelar e dizer. Força de consciência imperatória Que a lume, honra e justiça quer trazer A homens e mulheres muito ousados, Mas nunca devidamente apreciados.
(1) Águeda
IV Foi lá, entre esses, que nasci num dia, (2) Depois de em minha Mãe ser concebido. Ninguém, saber o meu sexo, podia. Tudo aconteceu sem um alarido. (3) Em grande expectativa se vivia; Ambiente feliz, não entristecido. Avós com o menino assaz contentes, (4) Anunciando a novidade, ridentes. V Cala-te, de vez, ó maldita voz, Que reprovaste coisas pequenas... Que fizeste um juízo vil e feroz Do caminho de meus Pais (5) que condenas, Causaste-lhes um sofrimento atroz... Fortes, ultrapassaram essas penas... Souberam, por atos nobres de honor, Dignificar o seu grito de amor. VI A reconciliação de Avós e Pais Deu-se por uma ação de inglesa Dama, (6) Por ela, por seu marido (7) ainda mais, Esse herói de África, de muita fama, Sua Torre e Espada consta nos anais Que a heroicidade aí bem se proclama. Paz assim gerada, obra de amigos Que tanto ajudaram, calando imigos.
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(2) Eu próprio (3) No Largo Conde de Águeda, hoje Pr. Elísio Sucena (4) Avós maternos, Ermelinda e Afonso (5) Rapto “consentido” de minha Mãe por meu Pai (6) D. Alice Celina Taylor de Melo (7) Tenente-Coronel Albano de Melo Pinto Veloso
Capítulo I
VII Tudo amainado, nasceu meu irmão (8) E o nome do seu avô lhe foi posto; E terá sido por isso que, então, Abrasados por um seu grande gosto De a outro filho darem geração, Respondem com vivo ardor ao proposto. Ao fim de nove meses lhes nasceu Esse seu filho ansiado que fui eu. VIII E sem desprezardes donde viestes, Gente corajosa! Quanto apostastes! Sempre por nós ao trabalho vos destes, Com firme denodo tudo arrostastes; Altos e nobres ideais erguestes E luminoso exemplo nos deixastes: Que o que na vida vale, sempre requer Bastante trabalho e constante querer. IX Reparai como meus pais e avós Preferiram a nossa formação, Como sendo o melhor bem para nós! Não temeram pela não sucessão Nos negócios (9), nunca algo atroz Em cada tomada de decisão; Que a sucessão se iria interromper Tal como, sem dor, veio a acontecer.
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(8) Engenheiro Afonso Correia Guerra (9) Meus Pais e Avós tinham a mercearia e negociavam em ovos, cereais e venda de gasolina num posto ou bomba da Shell.
X Egrégio bisavô e grande obreiro, Conhecido por Mestre Galinha; (10) No Brasil um arauto aventureiro, Regressado pobre, com o que tinha; Pai de Ermelinda (11), a que nasceu primeiro, Professor que prestígio detinha, Homem de princípios e valores, Experimentou da vida os sabores. XI José, o pai de meu avô Afonso, (12) Marido de Luísa, meus bisavós, Homem de comportamento não sonso, Foi corajoso, deixando os seus sós... Pra África partiu, sem ter um responso, Nem ter de desatar quaisquer nós... Triunfava na Beira, quando adoeceu... E, na viagem de regresso, morreu! XII Ribeiro Guerra de meu Pai proveio... Meu bisavô Ribeiro Guerra foi Bento de nome. Guilherme, sei-o, Seu filho e pai do meu pai, também foi Ribeiro Guerra. E quando isto leio, Uma saudade me invade e me dói... Muitos mais houve que ainda conheci, Com os apelidos que referi... XIII Atos de heroicidade e de bravura? Quantos? Por quem e onde praticados? Que triste é ficarem na noite escura Sem mais poderem ser exaltados... Também os gestos nobres de cordura Que bem mereceriam ser recordados. Não provim de assinalados barões Mas de gente séria de bons corações. (10 -Manuel Augusto da Silva Pinto (11) Minha Avó materna (12) Meu avô materno
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Capítulo I
XIV É certo que o silêncio a honra atesta! Sabe-se de raízes emergirem Das terras do rosmaninho e da giesta, Das altaneiras serras, daí surgirem Os que me geraram para esta gesta E a pé do Préstimo e Talhadas virem. Outros da Beira Alta terão chegado, Com coragem e um espírito animado. XV Agora mais coisas deles vou dizer: Ermelinda e Afonso, avós maternos, Ela, porte nobre, distinto ser; Ele, marceneiro de estilos modernos, Ambos optaram por mercearia ter Aberta nos verões e nos invernos; Ela, piedosa, linda e arejada, Ele, digno, de honradez comprovada. XVI Luísa e António, meus queridos pais! A Mãe foi única de duas filhas; (13) António foi o terceiro entre os mais. Sua Mãe, Rosa, tez alta, usava mantilhas, Prognata, seus dentes tais corais; Guilherme (14), o seu Pai, por alcunha o Guilhas, Monárquico até ao seu carnaz, Preso em Caxias, duro e pertinaz.
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XVII Levi, o irmão mais velho de meu Pai, Carinhoso com ele, muito sofre Dessa prisão, a alegria lhe subtrai... Adoece e morre, num surgir de chofre... Meu Pai, esquecer o irmão não vai; Desejo que guardou como num cofre: Ter um Levi como secundogénito... Grande sorte a minha, um frémito! (13) Minha Mãe teve uma irmã mais nova que faleceu ainda bebé. (14) Avô paterno, preso pelos republicanos por gritar na praça pública, com outros monárquicos, “Viva o Rei!”
XVIII O outro irmão de meu Pai era Eugénio, (15) Foi ele o meu Padrinho de batismo, Galã generoso e homem de génio, Cuidando bem de si, com comodismo, De bons hábitos preventores do sénio, Modesto, mas de grande realismo, Decidiu cedo ao Brasil demandar, E apenas duas vezes cá voltar. XIX Da vez última, marcas de si deixadas. Falámos. Quanto bem me forneceu! Lembro as recomendações por si dadas, Também a Parker 51 que me ofereceu, As esperanças em mim abonadas... A imensa força que isso me deu, Já então com dezasseis anos feitos! Contacto de preciosos proveitos... XX Doutros, a memória ninguém guardou, Caídos no maior esquecimento. Grande lamento que então me ficou! Quem não tem o real entendimento Do que isso de facto significou? Eu sei que Deus fará o julgamento Das obras por cada qual praticadas. Que bem, se estivessem assinaladas! XXI Dos familiares falei, pra os honrar... Sem arrogância, mas sim com verdade. Desejo agora de mim me ocupar, Do que fui e sou, mas com humildade, Pois, se de êxitos tidos posso falar, Não esqueço erros de pouquidade. Cumpri o viver, graças à Providência De Deus, a fonte da suprema ciência.
(15) José Eugénio Ribeiro Guerra
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Capítulo I
XXII Entrado na Escola (16), ainda pequeno, Logo bem a tudo me acostumei; Estava sempre atento e era sereno; Gostava de aprender, como provei; Mas a Escola não tinha clima ameno, Sobre o que já muitas vezes falei, Dado que vi o Professor (17) se irritar, Por vezes mesmo ao castigo chegar. XXIII Mas que justo juízo dele se faça. Tudo era empenho em muito ensinar, Como se reconheceu, uma graça Que toda a classe veio a proclamar. Coisa que da memória não mais passa, Antes a saudade nos faz recordar. Por isso ninguém fique muito admirado Que o tenha sempre lembrado e louvado. XXIV Aprendi, pra além do muito ensinado, O que é ter-se sentido de justiça, O seguir-se na vida sempre honrado, Nunca da consciência fazer caliça, Imitar nossos heróis do passado Que a opção pelo mais difícil atiça... Que a vida é alta montanha a enfrentar, Que requer denodo pra se escalar.
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XXV Anos muito importantes que me criaram Amor plo saber, desejo de ser, Recompensa pra os que me geraram... Ser “Alguém” útil, de nobre proceder, Na linha dos que memória deixaram, Um forte ideal de uma vida a crescer... Sempre uma equilibrada educação, Gera gente que enobrece a Nação...
(16) Escola Conde Ferreira, no adro da Igreja matriz (17) Professor Francisco Oleastro
XXVI Ainda na Primária, caí doente. Vi minha Mãe muito aflita por mim, Vendo que eu sofria com um mal crescente, Bem receosa que o mal fosse ruim. O clínico ela esperava, impaciente. Disso bem me lembro, tim-tim-por-tim. O médico (18) chegado, me observa e diz, Não é grave o que tem o seu petiz... XXVII Então, funda impressão me tocou, Ao ver minha Mãe mui tranquilizada. Crede, uma vontade em mim se gerou: Ser médico! Vocação despertada! Tal ansiedade não mais me largou E aí cheguei, de forma a ser contada. Quem poderá jamais contradizer Que a vocação cedo pode nascer? XXVIII Cedo aprendi a católica doutrina Ao frequentar classes da catequese, Na Igreja, qual coisa cristalina, Alimento da fé e da estese, Que, vista de hoje e se examina, Foi alicerce pra posterior exegese... Doutrina que foi meu grande suporte, Que a Fé é vida, mas o resto é morte. XXIX A Terra (19) foi de gente de devoção, Gente de princípios e de labor, Promotora da grande procissão Do Senhor dos Passos, no seu andor, Ainda a da Páscoa da Ressurreição. Exemplo que à minha Fé trouxe alor... Sem exemplos vivos, pois, toda a Fé De criança não se manterá de pé.
(18) Dr. António Costa (19) Águeda
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Capítulo I
XXX À minha Avó materna eu sei dever Esta religiosidade que tenho, A vivência com Deus, sem mesmo O ver, Razão na vida do meu desempenho. Quando descia e ao seu quarto ia ter, O que sempre fazia com grande empenho, A via, de pé, de cabeça curvada Ante o oratório, mui concentrada. XXXI Estava no mundo e a vida me esperava... Houve que prestar provas pra seguir: A admissão ao liceu se imperava, Ao Liceu de Aveiro a fui conseguir, Confiante e animoso continuava, Aberto caminho pra prosseguir. Frequentei os seis anos do liceu Na Terra e foi bem o que aconteceu... XXXII Foi naquela casa abrasileirada Que se albergava o colégio recente, (20) Casa no Outeiro localizada. Foi um polo liceal com muita gente, Corpo docente de muita nomeada, Grande êxito provado e bem patente. Tal era o Colégio de S. Bernardo, De que boas recordações inda guardo.
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XXXIII A liceu oficial se recorria, No fim de cada Ciclo, pra exame. Ao Liceu de José Estêvão se ia. É bem merecido que se proclame Que, pelos resultados, se dizia: “Que um ensino melhor se não reclame”! Venceu-se assim a má fé referente Ao ensino particular presente.
(20) Estava-se nos inícios da década de quarenta do século passado.
XXXIV Em Águeda o meu tempo terminou. Época de uma infância muito feliz, Vivendo com família que me amou. Gentes trabalhadoras, são cariz, Que me educaram e o tempo provou. Cresci brincando, vindo de sã raiz. Voou esse belo tempo passado, Ficou um amor de gratidão repassado. XXXV Passei lá ainda a minha adolescência Sem grandes perturbações juvenis. Foi tempo de crescer e ter vivência No comércio, como a dum aprendiz... Foi tempo pra apreciar a congruência De vida dos que foram minha raiz. Como sempre em tudo nos ensinavam, Assim pude provar que praticavam. XXXVI Lhes vi a seriedade e a honradez Em todo o negócio realizado. Nunca se prejudicar o freguês No que era medido ou no pesado. Pra riqueza não tinham avidez, Antes em tudo ser justo e honrado. Grande escola esta para toda a vida, Exemplo da sã doutrina seguida... XXXVII A alegria do trabalho, a motivação Que lá na mercearia se passava, Tinha só como principal razão Atender bem quem nela procurava, Além das compras, a muita atenção, Simpatia que nunca ali faltava. Sim, preocupação para bem servir, Lema pra vida que fez meu devir.
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