omnia sanctorum
Hist贸rias da Hist贸ria do Hospital Real de Todos-os-Santos e seus sucessores
omnia sanctorum Hist贸rias da Hist贸ria do Hospital Real de Todos-os-Santos e seus sucessores
e d i ç ã o
© By the Book | Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE T í T u l o
Omnia Sanctorum. Histórias da História do Hospital Real de Todos-os-Santos e seus sucessores
pa T r o C í n i o s
T e x T o s
Adriano Moreira, Ana Cristina Leite, Ana Quininha, António José de Barros Veloso, António Matoso, António Victor Azevedo e Silva, Augusto Martins, Carlos Alves Pereira, Dinis da Fonseca, Fernando Correia, Fernando Nolasco, Francisco George, João Dória Nóbrega, João Estrada, Jorge Penedo, José António Esperança Pina, José Luís Doria, José Miguel Caldas de Almeida, Lídia Gama, Luís Cunha Ribeiro, Luiz Damas Mora, Madalena Esperança Pina, Maria Augusta Sousa, Maria Luísa Villarinho Pereira, Rita Barata Moura, Teresa Neto, Teresa Sustelo e Vasco Reis d e s i g n
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pa g i n a ç ã o
Alunos do curso de Design de Comunicação, especialização Design Gráfico, turma 12.º I , ano lectivo 2009/2010, da Escola Artística António Arroio, orientado pelos professores da disciplina de Projecto e Tecnologias. As fotografias realizadas pela Escola Artística António Arroio foram executadas pelos alunos do curso de Comunicação Audiovisual, especialização de Fotografia, turmas 12.º K, 12.º L, 12.º M, ano lectivo 2009/2010, sob a orientação dos respectivos professores C o o r d e n a ç ã o
e d i T o r i a l
e
p r o d u ç ã o
Jorge Penedo | By the Book : Ana de Albuquerque, Maria João de Paiva Brandão T r a T a m e n T o
d e
i m a g e m
By the Book : Maria João de Moraes Palmeiro s u p e r v i s ã o
g r á f i C a
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a p o i o s
C o n T e ú d o s
By the Book : Margarida Oliveira r e v i s ã o
By the Book | Maria Benedita Rolo i m p r e s s ã o
Printer Portuguesa i s B n
978-989-97317-6-9 d e p ó s i T o
l e g a l
343 730/12
Edições Especiais, lda. Rua das Pedreiras, 16-4° 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 bythebook@sapo.pt www.bythebook.pt
A responsabilidade de textos e imagens deste livro é dos respectivos autores.
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HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS: UMA OBR A COM MAIS DE 500 ANOS
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INTRODUçãO
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PR EfáCIO
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PA LAV R AS PR ÉV IAS
• Teresa Sustelo
• Adriano Moreira • Jorge Penedo • Madalena Esperança Pina
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A COLINA DE SA NT’A NA. UM ESPAçO DE SAúDE EM LISBOA
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HOSPITA L R EA L DE TODOS-OS-SA NTOS. UMA OBR A MODER NA
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HOSPITA L DE SãO JOSÉ
70
HOSPITA L DE SãO LázARO E A ORTOPEDIA
78
HOSPITA L DO DESTER RO
100
• Luís Cunha Ribeiro
• Ana Cristina Leite
• António Matoso • Augusto Martins
• Luiz Damas Mora • Teresa Neto, Lídia Gama, fernando Correia
HOSPITA L DONA ESTEfâ NIA. 150 A NOS DE HISTóR IA
e João Estrada
• Dinis da fonseca
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MATER NIDA DE MAGA LHã ES COUTINHO
120
HOSPITA L DE AR ROIOS
126
HOSPITA L DE SA NTA MARTA
148
HOSPITA L DOS CAPUCHOS
• António Matoso
160
HOSPITA L CUR Ry CA BR A L
• Madalena Esperança Pina e fernando Nolasco
166
MATER NIDA DE DR . A LfR EDO DA COSTA
180
HOSPITA L DE TODOS-OS-SA NTOS. O R EGR ESSO AO fUTURO
190
O BA NCO DO HOSPITA L DE SãO JOSÉ
210
NOTíCIA DO ENSINO MÉDICO EM LISBOA ATÉ à fUNDAçãO DA U NIV ER SIDA DE, EM 1911
• Rita Barata Moura • francisco George e Rita Barata Moura
• João Dória Nóbrega • Vasco Reis
• Jorge Penedo
• José Luís Doria e Maria Luísa Villarinho Pereira 228
A HISTóR IA DA fACULDA DE DE CIêNCI AS MÉDICAS DA UNIV ER SIDA DE NOVA DE LISBOA E O CONTR IBUTO DOS HOSPITAIS CIV IS DE LISBOA
248
• José António Esperança Pina
O PROJECTO DE DESEN VOLV IMENTO ESTR ATÉGICO DA fACULDA DE DE CIêNCIAS MÉDICAS E O NOVO HOSPITA L DE TODOS-OS-SA NTOS
256
• José Miguel Caldas de Almeida
A ESCOLA DE ENfER MAGEM DE ARTUR R AVAR A E OS HOSPITAIS CIV IS DE LISBOA NO PROCESSO fOR MATIVO DOS ENfER MEIROS
• António Victor Azevedo e Silva
e Maria Augusta Sousa
280
SOCIEDA DE MÉDICA DOS HOSPITAIS CIV IS DE LISBOA
294
ARqUIVO E BIBLIOTECA DO HOSPITA L DE SãO JOSÉ
306
A DI áSPOR A DOS HOSPITAIS CIV IS DE LISBOA
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NOTAS BIOGR áfICAS
• Carlos Alves Pereira
• Ana Quininha
• António José de Barros Veloso
O que todos desejamos é, acima de tudo, servir melhor os cidadãos da região e do país, marcando de forma decisiva o nosso papel como um dos centros de excelência da Europa e mesmo de referência intercontinental. Sabemos a enorme responsabilidade que um investimento desta dimensão representa para os cidadãos. Sabemos das elevadas expectativas criadas e das dificuldades do caminho. Por vezes teremos que conviver com a maledicência, a crítica medíocre que nos tenta condicionar. Vivemos tempos em que a compatibilização dos recursos financeiros com a actividade hospitalar é um exercício muito difícil que tem de ser balizado por elevada consciência ética e rigor científico, enquadrado em modelos de organização de trabalho que premeiem o mérito, sejam flexíveis e adaptáveis aos novos conhecimentos e necessidades. Temos uma nobre missão, enquanto motores de uma nova cultura das organizações de saúde. Sabemos que o caminho está apenas a começar, mas a determinação – quando fundada no pensamento conceptual estruturado, no conhecimento e na vontade – vence todos os obstáculos. Estamos determinados a dar “corpo” a um projecto que marcará a história hospitalar portuguesa. Para o novo Hospital desenhámos um modelo inovador de prestação de cuidados. Será servido por uma plataforma técnica moderna, de elevado padrão de qualidade, que respeita necessidades especiais, nomeadamente o “espaço criança”. Tem, sobretudo, o privilégio de integrar um conjunto de profissionais de excelência, com provas dadas e altamente motivado para todos os desafios que se vão colocar. Todos nós, profissionais de saúde do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE e da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, envolvidos neste projecto desde o primeiro momento, estamos profundamente optimistas e muito reconhecidos a todos os que nos têm ajudado neste trajecto. Temos perfeita consciência que estamos a construir o futuro de muitas gerações. Sabemos que somos apenas os primeiros construtores deste “edifício” e que, depois de nós, outros virão para continuar esta obra. Estamos preparados para uma assistência de elevada qualidade, para o ensino de excelência, para a investigação translacional do mais elevado nível. Para ser avaliados e certificados, para promover uma cultura de exigência e rigor, fundada na qualidade e responsabilidade, premiando o mérito e o desempenho. Para a transparência de gestão, para a participação dos cidadãos na nossa actividade quotidiana, abertos à comunidade. O novo Hospital é um projecto que tem sido e será construído com paciência e sabedoria, com determinação, vontade e esperança. Estamos sempre na linha da frente com inabalável confiança, na defesa de um melhor futuro para a saúde em Portugal.
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prefácio a d r i a n o
m o r e i r a
Presidente da Academia das Ciências de Lisboa
A publicação desta obra dá-se numa data em que o conceito segundo o qual nenhuma responsabilidade presente, nenhuma pertença a qualquer instituição, incluindo a Nações e a Estados, podem ser assumidas a benefício de inventário: a narrativa do passado, mesmo que tenha a natureza de Velho Testamento, exige seguramente releitura, mas não consente esquecimento. Nesta data, a narrativa das iniciativas inspiradoras das instituições que genericamente cabem, nos dicionários históricos, na designação de “assistência pública”, e que nesta oportuna indagação têm por referência essencial a história do Hospital de Todos-os-Santos, vem ajudar a iluminar um tema essencial do Ocidente em crise, que é o do Estado Social e a sua relação com as escalas de valores que servem de “eixo da roda” à evolução das sociedades. Lembremos, em primeiro lugar, os Objectivos do Milénio, que na Cimeira que se realizou entre 6 e 8 de Setembro de 2000, em Nova Iorque, reunindo 189 países membros da ONU, destacou os seguintes: reduzir em dois terços a mortalidade das crianças com menos de cinco anos; reduzir em 75% a taxa de mortalidade maternal; combater o SIDA , dominar o paludismo e outras grandes doenças, começando a inverter a tendência actual, tudo objectivos a conseguir até 2015. Seja qual for a semântica dos analistas, está a falar-se de um “bem público mundial”. A evolução que esta investigação documenta mostra que num largo período, que os historiadores situam entre a fundação do Reino até ao fim do século XV, domina o espírito da caridade cristã, lembrando a Ordem dos Hospitalários, que seguiu a inspiração de São Bento, um dos fundadores da Europa, e que se instalou em Portugal pelos começos do século XII, vindo mais tarde a enfileirar ao lado das restantes Ordens Militares; o segundo período, que se inicia com a intervenção ostensiva do Estado, com D. João II a orientar-se para os grandes hospitais, fusão das pequenas instituições, sendo o Hospital de Todos-os-Santos o primeiro, e portanto sem que a referência cristã deixe de ser a marca dos valores; a partir da mudança radical que foi a refundação dos Estados nos séculos XIX e XX, orientados pelo liberalismo político, vai-se fortalecendo o conceito da responsabilidade directa do Estado, até que o conceito de “Estado Social” passou a ser inscrito nas Constituições, incluindo a actual Constituição Portuguesa de 2 de Abril de 1976. Esta obra surge quando os princípios e valores referenciados pela narrativa parecem entrar numa das situações que Deforges chamou “zones grises”: a chamada
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Constituição Europeia, que viria a ser chamada Tratado de Lisboa (2007) para evitar reacções nacionalistas, recusou a referência aos valores religiosos como parte do património imaterial europeu; todavia, o “Estado Social”, que abrange sobretudo o “ensino” e a “saúde”, é posto em causa e surge a tendência para excluir a sua definição dos textos constitucionais, esquecendo que não se trata de imperativos mas de uma “principiologia”, que também orienta os Objectivos do Milénio, da ONU, os quais obrigam o Estado português: fica-se com a impressão de que os proclamados “valores humanistas” estão em risco de seguirem o esquecimento a que foram votados os valores de origem religiosa. Isto numa data em que, segundo analistas respeitados, “as novas fronteiras da vida estão no centro do debate bioético” em que “a saúde progride globalmente no mundo, embora com grandes diferenças entre o Norte e o Sul”, designadamente por efeito da pandemia do SIDA , enquanto a “Life industry” procura lançar o “ domínio sobre o património genético do planeta”, e o liberalismo económico sem regras faz com que “o Estado continue presente na economia, mas à maneira de estratega e não de piloto” (Le Nouvel état du Monde, La Découverte, 1999). O desastre mundial, financeiro e económico, obriga a ver, ouvir, e não ignorar o conflito de valores, o relativismo que trocou o valor das coisas pelo preço das coisas, inaugurando um indiferentismo que não augura o êxito esperado pelos Objectivos do Milénio, salvo recorrendo ao apoio da narrativa da longa caminhada dos que fizeram do respeito pela saúde ora um dever decorrente de um imperativo religioso, ora decorrente de um imperativo humanista, ora de um dever cívico inscrito nas Constituições que assumiram o Estado Social, e sempre de um paradigma que sobreviveu a todas as mudanças: “cada homem é um fenómeno que não se repete na história da humanidade”. Daqui o seu valor único, para o qual se pede, alternada ou sucessivamente, a protecção de Todos-os-Santos, ou da “Igual Dignidade” como direito dos homens, ou do “Dever de Solidariedade” de um Estado servidor dos “bens universais”. Valor que fez dos servidores da saúde os hospitalários de todas as épocas, que primeiro cuidam dos carentes, e deixam para outros responsáveis o dever de se ocuparem dos encargos. àqueles não é possível fazer ignorar que o esquecimento desses valores equivale a propagar uma doença grave das sociedades, que é a morte da esperança.
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palavras prévias j o r g e
p e n e d o
Coordenador da Edição
A história do Hospital de Todos-os-Santos condiciona a história da assistência médica em Lisboa nos últimos cinco séculos. Com altos e baixos, com períodos de miséria e de glória a história do Hospital de Todos-os-Santos e de todos aqueles que se seguiram merece ser conhecida. Por motivos vários, a história da Medicina em Portugal, e em especial em Lisboa, nunca foi fruto de grandes investigações nem motivo de edições. Surgem como excepções a este facto as obras de Ferreira de Mira, Maximiano de Lemos, Mário Carmona, José Leone e, numa vertente mais específica, Barros Veloso. Esta constatação foi motivo de muitas conversas entre médicos dos antigos Hospitais Civis de Lisboa. Conversas que terminavam sempre na necessidade de consagrar dois projectos: a passagem à escrita daquilo que foi a História do Hospital de Todos-os-Santos à actualidade e a construção de um Museu da Medicina em Lisboa. Conversas que se arrastam há várias dezenas de anos, vontades e entusiasmos que têm passado entre gerações. A decisão de construir o novo Hospital Oriental de Lisboa, que no passado já foi chamado de Hospital de Todos-os-Santos em honra ao seu homónimo desaparecido no século XVIII, trouxe uma nova dinâmica a estas ambições. Muitas foram as conversas que me juntaram a João Carlos Rodrigues, Luiz Damas Mora, António Matoso, António Barros Veloso, Rita Barata Moura, entre outros. E assim surgiu um projecto ainda muito impreciso. Um projecto cedo anunciado ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE e à sua presidente, Teresa Sustelo. Um projecto entusiasticamente aceite e apoiado, logo patrocinado formalmente pelo Centro e, muito em particular, pela sua presidente. A ela deixo uma palavra muito especial pela liberdade de edição e pela disponibilidade que sempre demonstrou ao longo de todo este caminho. Foi então nomeado um grupo de trabalho, por mim coordenado, destinado a estruturar uma proposta de livro e que foi composto por Anabela Gama, Ana Luísa Gonçalves, João Estrada, João Silveira Ribeiro, Júlio Almeida, Luís Mota Capitão, Maria Francisca Figueira e Rita Barata Moura. Começou assim este livro que agora se publica. Um livro que não pretende ser uma obra final ou definitiva, mas sim um primeiro volume de uma história mais vasta que ainda não foi escrita. Ao escolher o seu esqueleto, várias foram as interrogações que nos assaltaram. Decidir temas e autores foi um processo complexo.
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Tivemos de fazer múltiplas opções, sabendo que estávamos certamente a cometer várias injustiças. Mas foi a nossa opção. Muito fica por fazer: a história do Hospital de Rilhafoles, o Dispensário de Alcântara e o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, para dar exemplos. Todos eles foram instituições que em determinado perío do da sua existência se cruzaram com a herança do Hospital de Todos-os-Santos. Foi no entanto nossa opção encontrar coerência no presente, leia-se como é constituído pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE . Vários são os temas horizontais que também podíamos ter escolhido: a história dos Hospitais Civis de Lisboa, o Património móvel do Centro Hospital de Lisboa Central, a relação entre hospitais e a Misericórdia de Lisboa, a evolução organizativa das diferentes instituições, o cruzamento entre política e Medicina, entre muitos outros. Mas essas mesmas dificuldades revelaram-se positivas, porque este livro não pretende ser um fim, mas, bem pelo contrário, uma obra de estímulo. De estímulo para surgirem mais obras sobre este tema. Cada capítulo que compõe este livro pode dar origem a um novo livro. E muitos são os temas que podem e devem originar novas investigações, novas teses, novos artigos e outras publicações. Ao longo do nascimento deste livro foi fácil constatar a imensidão de material nunca devidamente investigado. Da sua exploração e dissecação sairão certamente dados de inestimável valor para a elucidação da História da Saúde em Portugal. Desde o espólio do Hospital de Todos-os-Santos existente na Torre do Tombo, às centenas de artigos publicados na primeira metade do século XX até aos inúmeros artigos de jornal, a riqueza informativa e histórica é imensa. A que se junta uma história cravada na memória de alguns que constituem testemunhas vivas de tempos de glória e cujos testemunhos nunca passaram da sua memória e das tertúlias em que participaram. Este título é também uma homenagem a todos aqueles que durante séculos souberam dignificar e engrandecer a Medicina Portuguesa e que merecem um lugar de destaque na sua História. Começámos pois por desenhar um esqueleto do livro que se dividiu em dois grandes blocos: o primeiro em que falamos da história de cada um dos hospitais que constitui actualmente o CHLC ou que tiveram relações recentes com hospitais que fazem parte do Centro (Desterro e Arroios); o segundo bloco aborda temas horizontais aos vários hospitais que, pela sua importância, merecem um lugar de destaque. A decisão seguinte foi a de convidar os autores mais adequados para os escrever. A nossa opção foi a de tentar encontrar aqueles que tivessem ligações directas aos
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capítulos pelos quais ficariam responsáveis. E foi assim que se conseguiu a vasta plêiade de autores que connosco aceitaram percorrer este caminho. A todos, os meus agradecimentos pela disponibilidade graciosa suportada num grande entusiasmo e rigor. Ao iniciar este projecto constatámos a necessidade de fotografar os vários hospitais constituintes do Centro. Uma necessidade decorrente do facto de que o nosso arquivo fotográfico não respondia às necessidades, com a excepção do Hospital Dona Estefânia. Foi então lançado o desafio à Escola Artística António Arroio para connosco colaborar neste levantamento. Um desafio que foi prontamente aceite e mesmo ultrapassado. O âmbito do projecto rapidamente se alargou e passou a abranger as fases de captação de imagens fotográficas, criação do layout e execução da paginação. Um projecto que se inseriu no âmbito do desenvolvimento da componente curricular de Formação em Contexto de Trabalho e que foi realizado pelos alunos do 12.º ano das especializações de Fotografia e de Design Gráfico dos cursos de Comunicação Audiovisual e de Design de Comunicação. Ao director da Escola, arquitecto José Paiva, o nosso agradecimento pelo seu papel essencial no arranque deste projecto. Aos professores responsáveis pelo projecto, Bruno Santos e Filomena Garlito e aos professores João Ribeiro, Nuno Santos e Pedro Gil o nosso reconhecimento pela sua disponibilidade e profissionalismo. Ao Arquivo Municipal de Lisboa - núcleo fotográfico, Museu da Cidade e ao Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa o nosso agradecimento pela colaboração prestada. à equipa da By the Book o nosso profundo agradecimento pelo elevado profissionalismo e acompanhamento editorial deste projecto. Constituíram uma peça essencial em todo o processo e na estética final desta obra. Aos nossos patrocinadores, que cedo acreditaram neste projecto e sem os quais esta obra dificilmente seria editada, o nosso reconhecimento. Terminada a elaboração deste livro pensámos quem seria o melhor autor para o seu Prefácio. Quem melhor que o Professor Adriano Moreira, também ele a honrar o cargo de presidente da Academia das Ciências de Lisboa, à imagem de tantas das ilustres personagens médicas deste livro? O meu especial obrigado pela prontidão e inteligência das suas palavras. Omnia Sanctorum – Histórias da História do Hospital Real de Todos-os-Santos e seus sucessores é pois um projecto com história, a pensar no futuro. Honrado o Passado e honrado o Presente que figurará no mar da nossa História.
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Madalena esperança pina
A ColinA de SAnt’AnA. um eSpAço de SAúde em liSboA M a d a l e n a
As sete colinas que caracterizam a cidade de lisboa testemunham bem a sua história. Castelo, São Vicente, São Roque, Santo André, Santa Catarina, Chagas e Sant’Ana fazem parte da vida de uma cidade antiga que guarda, também, a história e a memória colectiva portuguesas. nas linhas que aqui se apresentam, no entanto, interessa-nos a última, a Colina de Sant’Ana, hoje também conhecida como Colina da Saúde. esta designação existe por duas razões. A primeira, por se tratar de uma zona da cidade na qual se concentram, de facto, várias instituições com ligação à saúde e a segunda, por se tratar de um caso de estudo português, mas também europeu, que tem concentrado o interesse de vários investigadores, interesse esse que tem produzido frutos, nomeadamente no que diz respeito à produção científica. de facto, a questão da colina e da sua ligação à saúde prende-se, principalmente, com a história hospitalar portuguesa. na realidade, quando o rei d. João ii (1455-1495) idealizou e pôs em prática a criação do Hospital Real de todos-os-Santos em 1492, não imaginou que seria o responsável por um fenómeno único,
e s p e r a n ç a
p i n a
que ultrapassaria, em larga medida, a magnitude do grande Hospital. o percurso histórico do Hospital de todos-os-Santos, cujos doentes, médicos e práticas de ensino médico e cirúrgico continuaram no velho Colégio de Santo Antão-o-novo, deu início à ocupação da Colina de Sant’Ana. o primeiro marco deste fenómeno científico, histórico e urbanístico seria o que hoje conhecemos como praça da Figueira, espaço ocupado pelo grande Hospital, cuja fachada se virava para o Rossio, onde aliás se preserva uma coluna da extensa fachada hospitalar, entre o movimento diário de uma montra de loja. As vicissitudes históricas que caracterizam todos-os-Santos levaram, como acima se disse, à ocupação da antiga instituição jesuíta, que receberia o Hospital Real de São José, homenageando assim o monarca reinante. Cedo faltou espaço a São José e cedo começou uma política de anexação de velhas instalações conventuais próximas. A primeira anexação terá sido São lázaro, velho lazareto, mais antigo que o próprio Hospital de todos-os-Santos. Seguiu-se o desterro, os Capuchos, Santa marta e Arroios, mais afastado fisicamente.
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A ColinA de SAnt’AnA. um eSpAço de SAúde em liSboA
2 Jardim do torel (foto: madalena esperanรงa pina) 3 Jardim braancamp freire, no campo dos mรกrtires da pรกtria (foto: madalena esperanรงa pina) 4 e 5 ascensor do lavra (foto: madalena esperanรงa pina)
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Madalena esperança pina
As obras tardavam, mas um acontecimento veio ajudar a sua concretização. A persistência de Miguel Bombarda para isso contribuiu, ao aceitar secretariar o XV Congresso Internacional de Medicina, que teve lugar em Lisboa, em Abril de 1906. O edifício foi acabado para receber as sessões científicas. Chegaram a Lisboa quase dois mil congressistas vindos um pouco de todo o mundo, entre os quais alguns notáveis da Medicina, que na sessão de abertura encheram a Sala Portugal da Sociedade de Geografia de Lisboa. Trata-se de um exemplo notável de sucesso científico, pelas conclusões que dele saíram, como a necessidade de criar uma maior e mais eficaz união entre os médicos e a necessidade de desenvolver aprofundados estudos sobre o cancro, mas também de um caso notável de sociabilidade científica . Na realidade, o XV Congresso Internacional de Medicina deixou marca indelével na Colina de Sant’Ana e no edifício que não chegou a acolher a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Recebeu sim, em 1911 e a partir das reformas da I República (1911-1926), a Faculdade de Medicina de Lisboa, que ali fez história até 1954. Nomes notáveis da Medicina por ali passaram, entre alunos e professores. No âmbito lúdico e da cultura portuguesa identificamos referências importantes como o “Vasco”, personagem ficcional de aluno de Medicina que protagonizou A Canção de Lisboa, obra cinematográfica de Cotinelli Telmo (1897-1948), datada de 1933. A partir de 1977, o topo do Campo dos Mártires da Pátria receberia a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, onde até aos nossos dias alunos de Medicina convivem quotidianamente com a história e as instituições da colina. São o seu património vivo. Por fim, na convergência de todos estes espaços e de todas as suas vivências, a estátua de José Thomaz Sousa Martins (1843-1897), erguida em 1904, que sucedeu à anterior, inaugurada em 1900.
A COLINA DE SANT’ANA. UM ESPAçO DE SAúDE EM LISBOA
Simboliza, com efeito, um testemunho ligado à Medicina, à saúde, à ciência e ao humanismo, indissociável da prática médica e de todas as práticas de saúde que ali tiveram o seu tempo e o seu espaço. Sousa Martins foi médico, professor e orador de excelência. Foi um intelectual da Medicina, nunca deixando de parte a sua dedicação aos doentes, que acabou por gerar o desenWAvimento de um culto. Sousa Martins relembra a história e a memória daquele espaço. Na Colina de Sant’Ana nasceram hospitais, institutos e escolas. Fizeram-se médicos e trataram-se doentes. Pela Colina da Saúde passaram principalmente as pessoas que fizeram de todos esses espaços instituições perpetuadas no tempo e na história da Medicina. agradecimentos Alberto Severino | Serviço de Meios Audiovisuais da Faculdade de Ciências Médicas/UNL.
bibliografia:
Bastos, Cristiana, “Omulu em Lisboa: etnografias para uma teoria da globalização”, Etnográfica, vol.2, Lisboa, 2001, pp. 303-324 Corpo, Estado, Medicina e Sociedade no tempo da I República, Centenário da República | Imprensa Nacional-Casa da Moeda : Lisboa, 2010 Pina, Madalena Esperança, Traços da Medicina na Azulejaria de Lisboa, Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Ciências Médicas | Universidade Nova de Lisboa : Lisboa, 2007 Garnel, Rita, Vítimas e Violências na Lisboa da I República, Imprensa da Universidade de Coimbra : Coimbra, 2007 Veloso, António Barros e Almasqué, Isabel, Hospitais Civis de Lisboa, História e Azulejos, Edições Inapa : 1996 Villarinho, Luísa, Um médico no Chiado, Dr. Villarinho Pereira (1879-1948), Lisboa, 2003
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6 estátua de sousa martins (foto: madalena esperança pina)
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ana Cristina leite
Hospital real de todos-os-santos. uma obra moderna a n a
“… tudo se faz de tal maneira que o nosso Hospital pode reivindicar a primazia sobre todos os Hospitais Reais, embora muito numerosos e célebres, que se encontram através de Espanha ou das restantes regiões do mundo cristão.” Damião de Góis, Urbis Olisiponis Descriptio, 1554
Lisboa na transição do século XV para o século XVI, assiste à construção de um dos seus mais importantes edifícios da época, o Hospital Real de Todos-os-Santos, que viria a funcionar durante 273 anos, acabando por ser demolido, em 1775, para cumprimento do plano pombalino da reconstrução da cidade após o Terramoto. Construção singular e vanguardista para o seu tempo, embora comprometida ainda com certos formalismos medievais, competia com outras instituições similares europeias, e foi desde logo mitificada e reconhecida pela sua utilidade cívica e social, funciona-
C r i s T i n a
l e i T e
lidade, monumentalidade e qualidade arquitectónica e pelo papel desempenhado no ordenamento do território urbano. Não admira pois que Damião de Góis, independentemente das intenções políticas e de propaganda régia, na sua obra Urbis Olisiponis Descriptio (Lisboa de Quinhentos), ao enumerar os “sete grandiosos edifícios” da capital, coloque logo a seguir à Igreja da Misericórdia, o Hospital. 1 Ou a curiosa e não desprezível comparação feita por Francisco de Monzón em 1544, entre este e o Templo de Jerusalém. 2 Já para não falarmos nos relatos de viajantes estrangeiros que consideravam ser este um dos melhores hospitais da Europa no século XVI, tanto pelo edifício como pela organização. De todos os edifícios hoje já desaparecidos é um dos que paradoxalmente melhor conhecemos, quer pela vasta documentação existente, descrições e iconografia, vestígios arquitectónicos, elementos decorativos e artefactos recuperados em descobertas ocasionais e em intervenções arqueológicas, quer pelas investigações desenvolvidas.
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HOSPITAL REAL DE TODOS-OS-SANTOS. UMA OBRA MODERNA
A históriA dA instituição 1 Uma das representações mais antigas do Hospital Real. Pormenor de iluminura com Panorâmica de Lisboa, atribuída a António de Holanda, inserida na Genealogia dos Reis de Portugal, de Simão de Bening, c. de 1530 (Londres, British Library) 2 O Hospital nos finais do século XVI. Pormenor de Panorâmica de Lisboa. Desenho anónimo de c. de 1570 (Holanda, Biblioteca da Universidade de Leiden) 3 Vista geral do Hospital Real. Pormenor de Perspectiva de Lisboa. Gravura anónima inserida na obra Civitates Orbis Terrarum de George Braunio, 1597 (CML, Museu da Cidade)
A decisão da construção de um grande hospital em Lisboa é do rei d. João ii (1455-1495) e data de 1479, ano em que o monarca obtém do papa sixto iV a bula Ex debito solicitudinis que autoriza a obra. A bula viria depois, mais tarde, a ser renovada em 1485, por inocêncio Viii. 3 das intenções de fundação ressalta desde logo a constatação do estado deficitário e de grande precariedade da assistência hospitalar em Lisboa na época. durante o período medieval, com os fracos recursos da Coroa e assumindo uma atitude de demissão das suas responsabilidades, a assistência resultava da iniciativa de particulares abastados, que à sua custa suportavam pequenos hospitais, hospícios e albergarias, entendidas como instituições espirituais, para doentes, pobres, peregrinos e crianças abandonadas. Este gesto estava muito ligado à ideia de caridade, de ostentação e a uma mentalidade individualista que promovia feitos de generosidade por razões de ordem religiosa, tendo como objectivo a salvação das suas próprias almas. também as corporações profissionais abriam os seus hospitais para apoio dos trabalhadores. Estas instituições, às quais se juntavam membros de ordens religiosas, eram totalmente sustentadas pelos bens dos seus fundadores que ditavam assim algumas regras, com poucos critérios sobre saúde. na maioria exagerava-se em obrigações religiosas (missas
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diárias e rezas) para salvação das suas almas, ou de familiares, como referimos, raramente para a salvação dos que lá estavam internados. Confundiam-se os conceitos de saúde e de assistência social, sendo por isso as instituições de carácter misto; eram designadas consoante a prevalência de uma ou outra actividade. A assistência médica era insuficiente, a capacidade de internamento reduzida e os recursos, por vezes, escassos. não existia, pois, uma estrutura centralizada e a construção de um grande hospital surge como a reforma desejada. Por outro lado, o renascimento traz consigo uma nova ideia de assistência médica hospitalar que leva a renovadas práticas médicas e à definição de uma nova tipologia de edifício, mais racional e funcional, e ao aparecimento de grandes hospitais na Europa, como o de siena (1440) ou o de Milão (1456). reforça-se o sentido laico e científico do exercício da Medicina, embora ainda não totalmente independentes do poder espiritual (e da igreja). talvez por isso mesmo, e apesar de alguns investigadores considerarem que as acções de d. João ii o definem como um “príncipe autocrático”, além do acto político régio, houve também um sentimento piedoso ligado à criação do hospital, como se deduz do próprio testamento do monarca: “Item porque minha tenção he de mandar fazer pelo amor de Deus hum Spital em Lixboa da vocação de
ana Cristina leite
todolos Santos para remédio meu sprital e corporale dos pobres enfermos…”. 4 Depois de reunidas as verbas necessárias e terem sido anexados cerca de quatro dezenas de antigas albergarias, hospícios e hospitais medievais de Lisboa e arredores, segundo alguns autores, ou cerca de duas dezenas segundo outras fontes, 5 transitando os seus bens, encargos e obrigações para o Hospital Real, a 15 de Maio de 1492, assistimos ao lançamento da primeira pedra, numa horta do Convento de São Domingos, terreno que ficava entre o Rossio, o Poço do Borratém e a Rua da Betesga. D. João II viria a falecer em 1495, vendo apenas da sua obra as “paredes emgallgadas”, 6 cabendo a D. Manuel I (1469-1521) a sua conclusão, incluindo de “todalas casas que estam na face do rossio desde a rua da bitesga, até ao mosteiro de S. Domingos” como nos reporta o cronista Damião de Góis. 7 Temos, pois, poucas certezas do evoluir dos trabalhos, mas é seguro afirmarmos que o Hospital não levou muitos anos a ser erguido, porque estão documentados quer os primeiros internamentos, bem como as primeiras nomeações régias de pessoal médico e do provedor, logo em 1502 e, dois anos mais tarde, D. Manuel atribuiu à instituição o Regimento do Esprital de Todo los Santos de El-Rey Nosso Senhor de Lisboa, 8 documento de gestão da instituição.
Assim, pelo menos desde 1504, estaria então a funcionar em pleno com três enfermarias, uma casa das boubas, uma casa de enjeitados e um albergue. Com a passagem dos anos, o Hospital viria a sofrer muitas intervenções promovidas pela Coroa, para dar resposta às necessidades clínicas, ao aumento de doentes (as enfermarias chegaram ao número de 20 nos inícios do século XVIII) ou simplesmente com a intenção de valorização ou reabilitação do edifício, nalguns casos na sequência das tragédias de que o edifício foi vítima. Em Outubro de 1601, um incêndio atinge a igreja do Hospital, destruindo o seu interior. Na descrição deste nefasto acontecimento feita por Pêro Roiz Soares, este refere que apenas “se salvarão as portas de madeira e as tirarão por causa de não cair o portall que he o mais cupioso dobras que se pode ver en toda a cristandade (…) e milagrosamente ficou em pee…”. 9 Num segundo incêndio, em 1750, que começa na dependência onde se aquecia a água para os banhos dos doentes, arde de novo a igreja e diversas dependências hospitalares, desde enfermarias, cozinha, residências dos funcionários e até a botica, e uma vez mais, “milagrosamente” a fachada da igreja é poupada. Tudo nos é descrito minuciosamente num opúsculo da época. 10 Nesta ocasião terá ficado inoperacional uma vasta área do Hospital, o que obrigou à evacuação de
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HOSPITAL REAL DE TODOS-OS-SANTOS. UMA OBRA MODERNA
4 o rossio e o Hospital real de todos-os-santos. painel de azulejos da 1.ª metade do século Xviii (cml, museu da cidade)
5 planta do Hospital real de todos-os-santos levantada em 1750. desenho a tinta da china aguarelado. guilherme paes de menezes e tomás roiz da costa (biblioteca nacional)
doentes que acabariam por ser instalados no Convento do Desterro enquanto se reparavam (primeiro) as zonas menos danificadas do edifício. Mas os estragos foram de tal ordem que se decidiu fazer obras de remodelação mais profunda, que incluíam planos de alargamento. Nesta ocasião sabemos ter a instituição recebido muitas doações de particulares para as obras, o que demonstra como era reconhecida a necessidade da instituição para Lisboa. Um Decreto de 6 Junho de 1752 reporta-se à compra de 14 propriedades na Rua da Betesga e Poço do Borratém entre os anos 1752 e 1754. 11
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Mas este plano nunca chegaria a ser posto em prática, nem o edifício chegaria a recompor-se totalmente, porque o Hospital (e toda a cidade de Lisboa) viria a ser atingido por uma nova catástrofe, o Terramoto de 1755. Os estragos foram de tal gravidade que durante três semanas os doentes internados permaneceram em tendas colocadas no Rossio, tendo sido depois distribuídos por uns celeiros e cocheiras nas Portas de Santo Antão, em casas de D. Antão de Almada e pelo Mosteiro de São Bento. 12 à semelhança de todas as medidas tomadas na sequência do Terramoto,
AnA CristinA Leite
as decididas para o Hospital foram céleres, enérgicas e eficazes: um ano depois funcionava com quatro enfermarias, passando a 19 enfermarias a partir de 1761, como se enuncia num Memorial, autêntico relatório em que se põe a par o conde de oeiras das medidas que se vinham implementando no edifício. 13 a igreja permanecia destruída e não voltaria a ser recuperada. a história deste Hospital real de todos-os-santos estava prestes a chegar ao seu término, porquanto um decreto de d. José i, datado de 1769, determinava a sua transferência para o então extinto Colégio Jesuíta de santo antão-o-novo, doado para o efeito. este edifício com características estruturais idênticas às de um convento, embora tivesse sofrido alguns danos, não demasiado extensos, com o terramoto (ruína total da igreja), com a sua arquitectura, a existência de uma enorme sacristia que supria a falta da igreja, as grandes alas articuladas à volta do claustro de um pátio, servia para ser transformado em hospital. esta decisão prende-se fundamentalmente com a necessidade de dar cumprimento à reconstrução de lisboa, que ia progredindo a partir do plano geral aprovado e promulgado pelo marquês de pombal em 1758, e dos vários projectos que a partir deste foram sendo desenvolvidos. todavia, na planta síntese que reproduz este plano, observa-se ainda a manutenção do Hospital (Planta Topográfica da Cidade de Lisboa arruinada também segundo o novo Alinhamento dos Architectos Eugénio dos Santos e Carlos Mardel), 14 o que demonstra a importância que este equipamento público tinha para lisboa e como esta era claramente reconhecida (um pouco à semelhança do programa de salvaguarda das principais igrejas). mas no Levantamento das Plantas das Freguesias de 1770, feito pelo sargento-mor José antónio monteiro de Carvalho (arquivo nacional da torre do tombo), a planta referente à Freguesia de santa Justa apresenta já a área do Hospital ocupada por um conjunto de quarteirões, mantendo-se apenas
são domingos (área ainda em projecto). só posteriormente se decidia a abertura de uma nova praça, por detrás do rossio, a praça da Figueira. a transferência para o Colégio Jesuíta tem lugar no mês de abril de 1755. deslocaram-se doentes, equipamentos e utensílios e o arquivo documental salvo das diversas catástrofes. 15 só os encargos assumidos na ocasião da fundação pelo Hospital real de todos-os-santos, no âmbito da assistência social, não são transferidos, passando uns para a misericórdia, outros para o estado. a nova instituição hospitalar passaria a ser designada de Hospital real de são José.
a redesCoberta do Hospital a partir do século XVi estabilizou-se um modelo de representação de lisboa. imagens tiradas do rio, com cunho ilustrativo, mas que permitem identificar e apreender a cidade na sua globalidade e distinguir nela os principais edifícios. este manancial iconográfico constitui um dos elementos auxiliares para o conhecimento do Hospital, ainda que algumas representações apresentem incorrecções. apesar do edifício se inserir na malha urbana, pelas suas dimensões, importância e monumentalidade,
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Hospital real de todos-os-santos. uma obra moderna
6 Planta da Reconstrução de Lisboa após o Terramoto com a inclusão do Hospital. Litografia colorida. Cópia do original de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel de 1758, desaparecida (CML, Museu da Cidade)
4 e 5 detalhes da sacristia da igreja de santo antão (foto: escola artística antónio arroio)
Entre eles, pela sua actividade pedagógica, citem-se Manuel José Teixeira (1826), Francisco de Assis Leite (1826), Jacinto José Vieira (1829) e António de Almeida (1761-1822). Pouco se sabe da organização interna e do movimento assistencial neste fim do século XVIII, descontando a circunstância de o Hospital de São José, na esteira do de Todos-os-Santos, ter continuado a ser a grande escola de Cirurgia do país.
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Igualmente, que nos 5 anos de 1793 a 1798, entraram no Hospital cerca de 85.000 doentes, tendo morrido 11%. 18 Também se desconhece o impacto que terão tido as Invasões Francesas (1807-1811) e, em maior período, a “semi-invasão” das tropas inglesas, mas é quase seguro que este estado de guerra não terá favorecido o progresso do Hospital, como de resto sucedeu com todas as instituições do país.
antónio Matoso
HOSPITAL DE SãO JOSÉ
PERíODO ENTRE 1811 E 1825 A relativa acalmia que se seguiu à retirada dos franceses permitiu que, em 1811, sob a administração de D. Francisco de Almeida Mello e Castro, conde de Galveias, fossem realizadas grandes obras de conservação e ampliação, incluindo uma nova cerca, o embelezamento da entrada do antigo colégio, com a colocação das estátuas dos apóstolos salvas das ruínas da igreja (e que ainda hoje ali existem) e a construção do actual pórtico de entrada – significativamente, o único monumento existente no país que comemora a derrota do general Massena e o fim das Invasões Francesas.
Continuaram, sob a administração de D. António da Câmara, enfermeiro-mor de 1812 a 1818, os melhoramentos no Hospital, nomeadamente a construção de um teatro anatómico que muito veio contribuir para o aperfeiçoamento do ensino e da prática cirúrgicas. Em 1810 o Hospital tinha 4 médicos e 9 cirurgiões e nele tinham dado entrada 13.000 doentes. 19 Em 1817, por Decreto de 10 de Março, a cadeira de Obstetrícia veio enriquecer o conteúdo do curso de Cirurgia, 20 ficando este constituído por 5 cadeiras: Anatomia, Operações e Ligaduras, Obstetrícia, Higiene e Patologia e Terapêutica.
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6 sacristia da igreja de santo antão (foto: escola artística antónio arroio) 7 porta da entrada para a sacristia (foto: escola artística antónio arroio)