Caderno SESUNILA n.04 - dezembro/2020

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100 anos de vkhutemas: mulheres, arte e revolução caderno sesunila n o04

foz do iguaçu dezembro de 2020 ISSN 2675-5564


Imagem da capa

Artista Vera Gitsevich Parque de cultura e lazer para o proletário colagem, 1932

caderno sesunila

Publicação semestral da Seção Sindical do ANDES Sindicato Nacional Docente na UNILA ISSN 2675-5564

SESUNILA Gestão 2018-2020 Andréia Moassab presidenta Clécio Mendes vice-presidente Senilde Guanaes secretária Patrícia Mechi secretária-adjunta Gilcélia Cordeiro tesoureira Juliane Larsen tesoureira-adjunta Colaboraram nessa edição Andréia Moassab, Celso Lima, Élen Schneider, Fran Rebelatto, Mario Mariano, Neide Jallageas, Nina Tedesco e Tatiane Rebelatto

Projeto gráfico e diagramação Maicon Rugeri

Organização Andréia Moassab

Curadoria de arte Maicon Rugeri e Andréia Moassab, com a colaboração de Neide Jallageas e Tatiane Rebelatto

SESUNILA - Seção Sindical do ANDES/SN na UNILA

Avenida José Maria de Brito, n° 1707, Anexo Alfa Coworking, Jardim das Nações, Foz do Iguaçu/PR, CEP: 85.864-320 e-mail: sesunila@gmail.com / telefone: (45) 99833-1074 Todo o material escrito pode ser reproduzido para atividades sem fins lucrativos, mediante citação da fonte.


editorial A quarta edição do Caderno SESUNILA registra o debate

proposto pela seção sindical em 2017 no evento comemorativo “A Revolução Russa e as Mulheres”, realizado na Fundação Cultural de Foz do Iguaçu. A atividade marcou os 100 anos da revolução socialista com exibição de filmes, debates e exposições. Em 2020, a publicação do caderno é também uma singela contribuição da seção sindical para comemorar os 100 anos dOS VKHUTEMAS (Ateliês Superiores de Arte e Técnica), das mais importantes escolas de arte do século XX. Os VKHUTEMAS eram as escolas de arquitetura e artes da revolução russa. Com um programa pedagógico inovador, elas inspiraram a famosa Bauhaus na Alemanha, que recebeu diversos docentes oriundos dos VKHUTEMAS. A modernidade ocidental “apagou” dos livros a experiência da escola soviética, que urge ser devidamente resgatada e estudada. Para a exposição “As Mulheres nas Artes Gráficas”, a SESUNILA trouxe a público cartazes concebido por mulheres, importantes artistas gráficas na URSS, com a intenção de problematizar a permanente ausência do reconhecimento do trabalho das mulheres na história das mais diversas áreas do conhecimento. Foi no sentido de provocar o debate e reverter este quadro que a SESUNILA expôs os cartazes de designers gráficas soviéticas. A curadoria dos trabalhos não foi tarefa fácil, pois quase sempre os prenomes são ocultados, dificultando a identificação das artistas mulheres.


Tivemos ainda a missão de traduzir, direto do russo, os textos que acompanhavam as imagens, para melhor contextualizar e compreender a força das mensagens. Todos os pôsteres selecionados tinham como tema as mulheres na revolução e foram feitos já no limiar do Realismo Socialista, quando se inicia a polêmica política de estado para a estética. Um ensaio visual com os pôsteres da exposição fecham a quarta edição do Caderno SESUNILA. Em paralelo aos pôsteres foi realizada a exposição “Arquitetura da Revolução” que contou com visita guiada de estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNILA, apresentando as maquetes feitas para atividade de ensino, em virtude dos 100 anos de Revolução Russa, sob orientação da professora Andréia Moassab. A pesquisa, num primeiro momento buscou aprender com os arquitetos empenhados em construir uma sociedade pautada pelo bem comum. Ao expor os trabalhos, partilhamos um raro material sobre projetos arquitetônicos tão importantes, porém tão pouco documentados e lembrados pelas escolas de arquitetura. A exposição de maquetes e plantas teve a intenção de cobrir um amplo leque de tipologias habitacionais, levando a público cinco obras Triângulos vermelhos em círculos, s/d Lyubov Popova




construídas na URSS nos anos 20 e uma, nos anos 40, na Europa, com clara influência do debate soviético: Gosstrakh (Moisei Ginzburg, 1926); Narkomfin (Moisei Ginzburg, 1928); Casa Melnikov (Konstantin Melnikov, 1929); Dom Kommuna (Ivan Nikolaev, 1931) e Unité d’Habitation (Le Corbusier, França, 1947). São todos projetos habitacionais preocupados em apresentar soluções para as mais diversas demandas do período, colaborando para questionar a noção tradicional de família e moradia. No que tange à produção audiovisual, foram escolhidos dois filmes de diretoras soviéticas que cobriam períodos distintos da revolução. O primeiro, “Queda da Dinastia dos Romanov” é de 1927, dirigido por Esfir Shub, uma das poucas diretoras mulheres a ser proeminente nos anos 1920. Sua obra dedicada ao documentário teve impacto considerável no meio. Com mais de uma dúzia de filmes, Shub ainda escreveu dois livros e foi considerada uma grande mestra da montagem. O outro filme foi “A Epopeia dos Anos de Fogo”, de 1961, dirigido por Yuliya Solntseva. A cineasta soviética foi a primeira mulher a ganhar um prêmio de direção em qualquer dos principais festivais de cinema europeu, tendo levado o prêmio de melhor direção em Cannes, naquele ano. Construção da força espacial, 1921 Lyubov Popova


Finalmente, na roda de conversa com o tema “100 Anos da Revolução Russa: Mulheres, Arte e Resistência”, contamos com Andréia Moassab, Marina Gouveia, Heloísa Gimenez e Virgínia Flores, cada uma tratando de aspectos distintos da revolução, a partir de suas áreas de conhecimento. Para encerrar o ano de 2020 e marcar os 100 anos das revolucionárias escolas de artes VKHUTEMAS, a SESUNILA faz um registro daquele evento e amplia seu debate, contando com a colaboração de professoras da base da SEUNILA, de outras seções sindicais e externas ao sindicato docente, contudo, parceiras das árduas trilhas da resistência no debate sobre as artes na sua relação indiscernível com a política. No primeiro texto do dossier, Neide Jallageas e Celso Lima abrem o caderno contando em breves linhas a história e os desafios dos VKHUTMAS, pesquisa sobre a qual a autora vem se dedicando já há muitos anos, cujo resultado merece ser conferido no livro que escreveu com Celso Lima, sobre a revolucionária escola de artes soviética, publicado em 2020 pela Kinoruss Editora. A seguir, Tatiane Rebelatto no texto “A arte gráfica revolucionária de Varvara Stepanova” nos apresenta a obra da artista russa, importante colaboradora do debate revolucionário nas artes, que acompanhou as profundas mudanças provocadas pela revolução. Em 1921, Stepanova já se dedicava às dimensões das artes diretamente vinculadas ao desenvolvimento revolucionário da sociedade, a partir

Desenho para tecido, 1920 Lyubov Popova



da produção têxtil, concebendo roupas que pudessem convergir estética e funcionalidade. Nesse sentido, foram abolidas as distinções de gênero e classe das vestimentas, em favor de uma roupa geométrica que libertasse o corpo. Da veste do corpo para as vestes do espaço, Andréia Moassab propõe uma incursão à arquitetura revolucionária, a partir dos principais debates encabeçados pelas mulheres arquitetas. A autora afirma que revisitar a experiência arquitetônica da Revolução Russa é tarefa fundamental e urgente para nos auxiliar a imaginar e conceber a arquitetura como um direito e não como mercadoria, a terra e o solo rural ou urbano como bem comum e, portanto, sujeitos a desenhos de paisagens muito distintos daqueles produzidos para a aferição de mais-valia e apropriação privada do trabalho socialmente necessário para a construção do espaço em que vivemos. Já Nina Tedesco explicita os motivos que a levaram a propor, em 2017, a mostra “Cinema Soviético de Mulheres”, realizada pela ADUFF. Ela nos conta que na indústria cinematográfica, estruturada naquela e estruturante daquela sociedade revolucionária que passava por profundas transformações, o complexo fenômeno das mulheres na URSS se manifestou tanto atrás das câmeras, posto que o país teve muitas diretoras em sua história, quanto nas narrativas e personagens levadas às telas. Fato que, lamentavelmente, ainda é pouco conhecido e debatido. Num dossier que trata de mulheres e ensino na revolução, não poderia faltar dois nomes cruciais: Alexandra Kollontai, que organiza o Primeiro Congresso de Mulheres Trabalhadoras de toda a Rússia e que mais tarde foi


Comissária do Povo para Assuntos do Bem-Estar Social, e Nadejda Krupskaia, que foi deputada do Comissariado para a Educação. Élen Schneider sugere uma retomada dos textos de Kollontai, pois sua teoria revolucionária gesta esperança, nos recordando que o sonho da revolução já foi uma realidade concreta para as mulheres trabalhadoras, mães e empobrecidas pelas crises sociais, políticas e econômicas em algum lugar do mundo. Por sua vez, Fran Rebelatto e Mario Mariano trazem para debate a contribuição fundamental da pedagoga revolucionária Nadejda Krupskaia que há um século debatia a educação na construção do socialismo. As reflexões e ações de Krupskaia colocaram em movimento a conexão entre o debate da política e da economia socialista, em suas linhas mais gerais, com a vida cotidiana da classe trabalhadora, os interesses das mulheres, a necessidade de educar o povo e socializar toda riqueza material e todo o conhecimento necessário para a construção de uma nova sociedade. Conhecer e revisitar sua obra é tarefa atual para quem defende a construção de uma Universidade Popular que atenda aos interesses da classe trabalhadora. Ao final do dossier apresentamos um ensaio visual com os pôsteres das artistas incluídas na exposição de 2017: Natalia Pinus (1901-1996), Nina Vatolina (1915-2002), Valentina Kulagina (192-1987) e Vera Gitsevich (1897-1976). Mais uma vez a SESUNILA segue contribuindo para o urgente debate sobre arte e política, ou melhor, acerca da indissociabilidade da política no fazer artístico e a importância seminal da disputa de sensibilidades para a superação do patriarcado-racistacapitalista.



sumário VKhUTeMAS: ensino, arte e revolução por Neide Jallageas e Celso Lima A arte gráfica revolucionária de Varvara Stepanova por Tatiane Rebelatto As mulheres e a arquitetura da revolução por Andréia Moassab Aproximações ao cinema soviético feito por mulheres por Nina Tedesco Amor e revolução em Alexandra Kollontai por Élen Schneider A pedadogia revolucionária de Nadejda Krupskaia por Fran Rebelatto e Mario Mariano As mulheres nas artes gráficas curadoria de Andréia Moassab e Fran Rebelatto

Desenho para tecido, 1923 Lyubov Popova

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

VkhUTEMAS: ENSINO, ARTE E REVOLUÇÃO1 Neide Jallageas Celso Lima

Neide Jallageas é ensaísta, curadora, artista e docente, doutora em Comunicação e Semiótica, e pesquisa arte e cinema russos há mais de vinte anos. Em 2020, recebeu o prêmio Biéli Slon da Guilda dos Historiadores e Críticos de Cinema da Federação Russa. Celso Lima é artista visual, com longa pesquisa em pigmentos têxteis e estamparia. Ambos foram curadores da exposição “VKHUTEMAS: Futuro em Construção 1918-2018”, premiada pela APCA em 2018, e assinam juntos o livro “VKHUTEMAS: desenho de uma revolução”, publicado em 2020, pela Kinoruss Edições e Cultura.

Deve-se enfatizar a diferença entre instrução e educação. Instrução é a transmissão de conhecimento pronto pelo professor a seu aluno. A educação é um processo criativo. Por toda a vida, a personalidade do indivíduo “se educa”, amplia-se, é enriquecida, se fortalece e se aperfeiçoa. — Anatóli Lunatchárski

Há exatos cem anos, em 1920, o nome Vkhutemas - Ateliês

Superiores de Arte e Técnica - anuncia uma das mais importantes revoluções artísticas e pedagógicas já ocorridas, com resultados visíveis até hoje na arte, no design, na arquitetura e nos museus e galerias de arte do mundo todo. A experiência teve origem na ampla Texto adaptado da introdução do livro VKHUTEMAS, de autoria de Neide Jallageas e Celso Lima, publicado em 2020 pela Kinoruss Edições e Cultura, para o Selo VKHUTEMAS. 1

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reforma do ensino ocorrida na Rússia pós-revolucionária. Tal reestruturação foi implementada pelo NARKOMPROS (Comissariado do Povo para a Educação), órgão criado pelo governo bolchevique imediatamente após a Revolução de 1917 e chefiado por Anatóli Lunatchárski, nomeado por Lênin. As atribuições do Narkompros ultrapassavam aquelas usuais de um Ministério de Estado burguês, pois ele foi concebido como um agente de mudanças sociais. Nesse sentido, objetivava-se que a educação tivesse como tarefa principal substituir os métodos acadêmicos elitistas para ampliar o seu foco e passar a atender a milhares de estudantes do campo, das fábricas e dos quartéis: um projeto ambicioso e que suscitou todo tipo de questionamentos e fortes embates. Até aquele momento, não havia no mundo nenhum modelo pedagógico que atendesse objetivos de tal envergadura. Contudo, era isso que o líder da nascente União Soviética tinha em mente para os cidadãos e cidadãs, de modo que, após a Revolução, tem início um conjunto de reformas que atingiu as desgastadas instituições e as velhas pedagogias em todos os níveis de ensino. É quando emergem experimentações radicais, que têm nos VKHUTEMAS uma iniciativa ímpar para o ensino superior das artes e das técnicas. A reorganização institucional do ensino de artes e técnicas em Moscou, sob o comando de Lunatchárski, compreendeu três fases com nomenclaturas e estruturas distintas: • 1918 SVOMAS (Ateliês Livres de Arte) substituem, logo após a Revolução, duas instituições imperiais – a Academia de Arte Industrial Strôganov e a Academia Imperial de Artes; 15


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Oficina da Faculdade de Pintura VKHUTEMAS, s/d

• 1920 VKHUTEMAS (Ateliês Superiores de Arte e Técnica), acrônimo para Víschie Khudôjestvenno-Tekhnítcheskie Masterskíe; na segunda fase da reorganização, os ateliês livres foram consolidados em uma instituição de nível superior; • 1927 VKHUTEIN (Instituto Superior de Arte e Técnica), acrônimo para Víschi Khudôjestvenno-Tekhnítcheski Institut; na terceira e última reforma, os VKHUTEMAS foram transformados em uma instituição de caráter eminentemente técnico, que foram, todavia, extintos em 1930.

A criação dos VKHUTEMAS objetivou formar uma variedade de profissionais, entre artistas, arquitetos e arquitetas oriundas da classe proletária, para desenvolver uma nova cultura artística capaz de se integrar à crescente produção industrial e ao desenvolvimento econômico e político do país. Essa tarefa audaciosa e desafiadora dentro de um 16


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regime recém-instaurado e ainda em processo de maturação colocou em xeque os cânones sobre a linguagem da arte, do desenho de objetos e da arquitetura, inclusive no interior do próprio Partido Comunista, que não raro mobilizou forças contrárias às propostas inovadoras do conjunto dos e das artistas, então denominados e denominadas massivamente como “futuristas” ou “esquerdistas”. Compreender tanto a criação quanto a extinção dos VKHUTEMAS-VKHUTEIN requer que tomemos contato com seu notável conjunto de pedagogias em suas múltiplas dimensões: histórica, política, filosófica e cultural. Isso porque os mestres e mestras que compuseram o corpo docente em todo o seu percurso eram muito variados em relação às suas ideias e posicionamentos frente aos desdobramentos pós-Revolução. Os frequentes embates repercutiram no funcionamento das faculdades, definiram os rumos do desenvolvimento da escola e concorreram para sua extinção. No livro “VKHUTEMAS: desenho de uma revolução”, a dimensão histórica dos movimentos artísticos articulados com os movimentos sociais e políticos a partir do século XVIII é colocada em relevo, num esforço de explanar as raízes de uma tradição de luta dos e das artistas pela emancipação social. Tais dimensões política, filosófica e cultural daqueles treze anos de experiência pedagógica são assinaladas como pontos de referência para possibilitar reflexões interconectadas com as pedagogias na arte, design e arquitetura. O nascimento dos VKHUTEMAS está indelevelmente vinculado à emergência de muitos movimentos artísticos, numa proliferação de -ismos: Futurismo, Suprematismo, 17


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Construtivismo, Produtivismo, Racionalismo, Funcionalismo, Realismo, Cèzannismo. Os variados -ismos, aos quais se vinculavam artistas, designers, arquitetos e arquitetas são amiúde tomados como um todo indistinto, genericamente denominado no Ocidente de vanguardas russas (ou, algumas vezes, vanguardas soviéticas). Já na Rússia Soviética, eram indiscriminadamente rotulados como “futuristas”. A escassez de informações sobre as atividades desses grupos no Ocidente foi inicialmente diminuída graças aos trabalhos de Alfred Barr, nos Estados Unidos, e de Vittorio De Feo e Camila Gray na Europa. Porém, em momentos distintos, a notável experiência pedagógica dos Vkhutemas foi completamente suprimida de suas publicações. O estudo mais completo e denso sobre essa escola russa continua sendo o do pesquisador Selim Khan-Magomiédov (1928-2011), um autor que se debruçou, durante muitos anos, sobre cerca de 150 arquivos dispersos e continua sendo uma matriz imprescindível para compreender os VKHUTEMAS. Vale destacar, ainda, o trabalho da australiana Sheila Fitzpatrick, pesquisadora que, em meados do século XX, realizou minuciosa investigação dos arquivos históricos da constituição do NARKOMPROS, concentrandose na figura sensível e generosa de seu Comissário, Anatóli Lunatchárski. Para Fitzpatck “seria difícil ler os primeiros documentos do Narkompros sem notar a emoção que sentiam os membros fundadores do comissariado, em um mundo que se buscava transformar para melhor”.

Ateliê Vera Mukhina, s/d Autoria desconhecida


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Finalmente, no primeiro capítulo, o livro demonstra ser crucial compreender, em termos de arte e ensino de arte, o peso da tradição tsarista da Academia Imperial de Artes em São Petersburgo, fundada no século XVIII e o impacto de sua transformação a partir dos SVOMAS e o rico debate que culminou na implantação dos VKHUTEMAS-VKHUTEIN. Não foi uma trajetória homogênea, tampouco livre de contradições. A constituição e funcionamento de cada uma das faculdades resulta de opções metodológicas imersas em tensões entre correntes conservadoras e de vanguarda, além de apresentar os mestres e as mestras mais destacados e destacadas, bem como as confluências e divergências entre os projetos e objetivos revolucionários que definiram tanto a produção quanto os rumos de cada uma das áreas. Sem perder de vista os acontecimentos históricos e os embates estéticos que atravessaram o desenvolvimento de cada uma das faculdades, é basilar tomar em conta o envolvimento cotidiano das pessoas que tornaram realidade muitas das transformações ocorridas. A trajetória dos Vkhutemas não é um fenômeno social que se desenvolveu autonomamente. pelo contrário, é uma dedicação de homens e mulheres que pretenderam revolucionar a arte e a vida. Conhecer mais a fundo o seu processo e suas miríades nos coloca em contato com numerosos documentos pouco examinados de vidas inteiras dedicadas ao sonho de um mundo melhor. Trata-se de um passo para a realização da urgente tarefa de resgatar essa experiência invisível, porém de fundamental importância para a compreensão da história da arte, do design e da arquitetura 20


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contemporâneos, quiçá arejando o fazer artístico-político em direção ao comum, em direção a possibilidades atuais e concretas de imaginar um mundo em que a exploração capitalista será um passado distante. Para saber mais: Livro Vkhutemas leitura de capítulos pela autora: https://bit.ly/3vQSFWP para adquirir: https://bit.ly/33recJx Exposição Vkhutemas: o futuro em construção (1918-2018), no SESC Pompeia: https://youtu.be/J_neKkpO-rg Vista da Exposição VKHUTEMAS: o futuro em construção (1918-2018), 2018 Goma Oficina, SESC Pompeia

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A ARTE GRÁFICA REVOLUCIONÁRIA DE VARVARA STEPANOVA Tatiane Rebelatto

Doutoranda em artes visuais, pesquisadora em arte na Revolução Russa.

A linha A linha forma uma forma, Ela marca, demarca e atravessa, Ela choca e rompe. Ela se configura no tecido: é a trama e o urdume – se cruzam e formam Ela se configura no desenho: é o ponto que forma a linha que forma a hachura – se cruzam e formam. É discreta e escancarada, Está em todas as formas, É fina, grossa, curva, É forte e transparente, É visível e invisível, Não funciona sozinha, só funciona tramada. Dizia Kandinsky: é ‘Varvara’, ‘Varvarismo’, ‘arte varvárico’ — Tatiane Rebelatto

Projeto para têxteis, 1924 Varvara Stepanova

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Varvara

Stepanova foi uma artista russa, muito engajada nas vanguardas artísticas da segunda década do século XX e importante colaboradora do debate revolucionário nas artes, que acompanhou as profundas mudanças provocadas pela Revolução Russa. Em 1921 Stepanova já se dedicava às dimensões das artes diretamente vinculadas ao desenvolvimento revolucionário da sociedade, afastando-se dos debates exclusivamente estéticos ou das artes como “atividades do espírito” – o que criou uma cisão nas vanguardas artísticas russas naquele período. Foi na produção têxtil que Stepanova julgou poder efetivamente contribuir no processo revolucionário, concebendo roupas que pudessem convergir estética e funcionalidade. Nesse sentido, foram abolidas as distinções de gênero e classe das vestimentas, em favor de uma roupa geométrica que libertasse o corpo. A ênfase no design têxtil mudaria radicalmente com a substituição derradeira das qualidades decorativas pela funcionalidade. Nessa busca pela funcionalidade, a linha foi um dos elementos visuais que se destacou e configurou a produção artística de Stepanova. No caso do design têxtil, a linha estava presente tanto na estrutura do tecido, em sua trama, 24


Varvara Stepanova em vestido desenhado por ela mesma, s/d

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quanto no desenho. No decorrer do percurso da artista e a partir do seu pertencimento em diferentes grupos artísticos, a linha foi sendo arranjada em experiências que acionavam mais do que o olhar, envolvia também o falar, ouvir e tocar. A linha também serviu para configurar um desejo de ruptura com a arte burguesa do passado. Seja no grafismo das estampas, de outras produções têxteis ou nos cartazes da revolução, a linha caracterizou as novas produções de artistas vanguardistas, como Varvara, na construção de uma sociedade socialista. O neto e biógrafo de Stepanova, Alexander Lavrentiev, a considerava uma artista multifacetada e frenética. Foi uma mulher artista que conviveu com uma formação tradicional, anterior à Revolução, pois mesmo ingressando nas academias, as mulheres eram limitadas a se dedicarem a determinadas expressões artísticas consideradas “inferiores” ou de pouco prestígio. Stepanova esteve ativa até o fim de sua vida, à frente de vários projetos, criou colagens, pinturas, xilogravuras, livros de poesias visuais futuristas, elaborou cartazes e revistas, escreveu textos sobre os princípios construtivistas e produtivistas e desenvolveu distintos projetos para vestuário, área em que é referência até os dias atuais. Ela também foi docente nos ateliês têxteis da escola de artes VKHUTEMAS - Ateliês Superiores de Arte e Técnica, que apesar da extrema importância, por conta da Guerra Fria, é pouco divulgada e debatida no ocidente até os dias de hoje. Stepánova atuou, ainda, como operária em uma fábrica de impressão sobre tecido em Moscou. 25


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novos objetos para a vida cotidiana, novas experiências e novas formas de comunicação. Nesse contexto foram criados os VKHUTEMAS, onde Stepanova será docente. Ao mesmo tempo, a artista atuará numa fábrica têxtil, garantindo a necessária interlocução constante do ensino com o processo produtivo. Nas suas estampas para tecido, o grafismo, além de contrastar com os florais das roupas tradicionais da época, comunicava a nova estética das vanguardas e era exemplo da importância que a linha e a simetria tinham nas criações dos e das construtivistas. Os e as artistas desse grupo defendiam um modo de fazer despersonificado, ou seja, por meio da linha feita com instrumentos como o compasso e a régua, precisas 26

Esboço de roupas para treino esportivo, 1923 Varvara Stepanova

Após frequentar a escola de Artes de Kazan, de 1910 a 1913, mudou-se para Moscou. Lá estudou pintura e em paralelo trabalhou como costureira e secretária. Nesse lugar conheceu Luibov Popova e Nadezhda Udaltsova. Ao contrário dessas duas artistas, Stepanova, por ser uma geração mais nova, participou dos experimentos futuristas que antes de 1917 já ensaiavam uma mudança no fazer e pensar as diferentes expressões artísticas. Juntando-se a esse grupo, ela produziu poesias visuais, ilustrações e livros. Após a Revolução de 1917, Stepanova junto a outros e outras artistas que aderiram à revolução, comprometeram-se em elaborar novas definições para as concepções de arte, artista e ensino de artes, propondo uma interligação ente o campo artístico e o processo revolucionário. Os e as construtivistas entendiam-se como trabalhadores artísticos ou ainda, como artistas construtores que deveriam criar


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e técnicas, a subjetividade e a individualidade do ou da artista não apareceriam, como era comum nas pinturas realistas. A autoria individual ou centrada na figura do artista gênio e no dom, bem como a obra como um objeto único, não condiziam com a nova realidade artística soviética. Para os e as construtivistas importava mais o processo de produção de uma obra, a experimentação, análise formal e a funcionalidade de um objeto, do que a autoria individual. Essas experimentações visavam a formular uma noção de arte de produção, a qual questionava a arte burguesa e desejava superá-la. Naquele contexto revolucionário, a arte de produção estava associada ao desejo de levar a arte para o campo da técnica e fazer da técnica uma dimensão artística. Através do vestuário geométrico, Varvara padronizou o corpo e criou roupas que se pautavam na funcionalidade, conforto e, especialmente, na indistinção de gênero e de classe social. A linha teve um papel primordial para os desafios enfrentados pelo novo vestuário, colaborando para estabelecer uma outra ideia de corpo. Além disso, esse elemento aparentemente tão singelo como a linha, foi

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transposta para a produção de cartazes e para as performances de agitação, configurando distintas maneiras de organização dos espaços. A linha, portanto, foi um elemento da linguagem visual que caracterizou o trabalho de diversos grupos do período revolucionário e a poética de Stepanova, tanto no sentido formal e composicional, quanto no sentido de romper com ideias burgueses e elitistas. Finalmente, embora alguns dos trabalhos de vestuário da artista remetessem ou fossem influenciados por projetos de vestuário da Europa Ocidental, suas criações em uniformes e roupas de trabalho estabeleceram modos de vestir, de consumir e pensar o corpo, que não pretendiam obedecer a lógica da moda Ocidental, regida pela novidade e pelo consumo, para a afirmação de posições sociais. Toda a obra de Stepanova é, por conseguinte, o resultado de um processo onde a interação de suas três atuações, artista-professora-operária, era possível de ser pensada para o desenvolvimento de novas

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Desenho têxtil em azul e laranja, 1924 Varvara Stepanova

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definições do que era ser artista e seu modo de produção em uma sociedade socialista. Sua casa, os ateliês dos Vkhutemas e a fábrica de tecido se mesclavam, um tornavase a extensão do outro. Nessas trocas entre os espaços e o acúmulo de experiências, que ocorreu por meio da participação em distintos grupos artísticos, serviram para configurar as práxis metodológicas e pedagógicas no ensino de artes soviético. Ela, seus contemporâneos e contemporâneas experimentaram e dedicaram-se na construção de modos inéditos de ver e de produzir arte. Stepanova dizia que cada artista naquele período poderia ter sua própria escola, com suas próprias ideias, pois todos os caminhos eram possíveis. Varvara Stepanova faleceu em 1958, em Moscou, dois anos após a perda de seu companheiro, o artista construtivista Alexander Rodchenko. Juntos tiveram uma filha, Varvara Rodchenko, que seguiu a carreira como artista visual até a sua morte, em 2019.

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Pontos no círculo, azul-petróleo e laranja, 1923 Varvara Stepanova

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Desenho têxtil, 1924 Varvara Stepanova

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Projeto para têxteis, 1924 Varvara Stepanova

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Desenho para tecido, 1924 Varvara Stepanova

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AS MULHERES E A ARQUITETURA DA REVOLUÇÃO Andréia Moassab - SESUNILA Arquiteta e urbanista, doutora em comunicação e semiótica. Professora do ILATTI.

Nos últimos anos tenho me dedicado a uma sociologia das

ausências em arquitetura, buscando demonstrar que aquilo que julgamos não existir em nossa área, isto é, a produção arquitetônica de mulheres, de pessoas negras ou, no caso, a produção arquitetônica das experiências revolucionárias, é, na verdade, ativamente produzido como não-existente. A produção da não-existência é, por um lado, um desperdício da experiência e, por outro lado, extremamente limitante para conceber espaços e arquiteturas não-hegemônicos, sobretudo para além do naturalizado desenho capitalista de mundo. Dito de outra forma, a invisibilidade da produção arquitetônica das mulheres, das pessoas negras e das práticas comunistas é algo constitutivo dos últimos séculos na produção de conhecimento na área, que urge ser revista. 36


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Ao desprezar o que arquitetos não-brancos e mulheres arquitetas vêm produzindo ou as experiências não pautadas pelo capitalismo, está-se, por exemplo, ignorando tecnologias e materiais construtivos econômica, social e ambientalmente mais adaptados, como ocorre na construção em terra largamente observada na arquitetura quilombola ou no rigoroso estudo de materiais feitos por Kostantin Miélnikov, em 1927, para a sua casa em Moscou. Ainda, é ignorada toda a riqueza coletiva no uso do espaço exterior doméstico observado nas comunidades africanas, afro-latinas e ameríndias. Em muitos modos de morar desconsiderados pela modernidade ocidental, o espaço doméstico não está circunscrito entre paredes. Diversas atividades cotidianas são feitas ao ar livre, como o preparo e cozimento dos alimentos, muitas vezes numa relação fundamental de troca intergeracional e comunitária, a qual é eliminada ao inserir a cozinha no interior da casa e fechá-la do contato social, forma própria de sociedades em que o preparo dos alimentos é uma função servil e recai sobre as mulheres, trabalhadoras domésticas ou donas de casa. Similarmente, fazemos quase ou nenhuma menção aos espaços de uso comunitário, como o tatakuá guarani ou a casa de farinha do nordeste brasileiro, os quais são inviáveis quando o solo é retalhado como mercadoria. De mesma maneira, a exiguidade do debate sobre a experiência arquitetônica que acompanhou a Revolução Russa tem nos impedido de imaginar e conceber a arquitetura como um direito e não como mercadoria, a terra e o solo rural ou urbano como bem comum e, portanto, sujeitos a 37


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desenhos de paisagens muito distintos daqueles produzidos para a extração de mais-valia e apropriação privada do trabalho socialmente necessário para a construção do espaço em que vivemos. É importante ter em conta o ineditismo daquela experiência revolucionária, que trazia como principal desafio para a arquitetura conceber e materializar a proposta comunal de vida socialista. Desenhar a moradia socialista pressupunha debater a família nuclear heteronormativa e patriarcal, tanto quanto a educação das crianças e a rotina dos trabalhos domésticos. Se as crianças vão para internato ou externato, se as cozinhas e lavanderias serão coletivas, se uma moradia atende a casais, todas essas questões impactam enormemente o espaço habitacional. Ao tensionar a noção tradicional de família e moradia, a arquitetura soviética demonstrou, na prática construtiva e espacial, possibilidades múltiplas de organização familiar e social, alojamento estudantil e moradia para trabalhadores e trabalhadoras. A experiência soviética consolida definitivamente a necessidade de equipamentos coletivos para desonerar o trabalho doméstico, sobretudo das mulheres – com inegável impacto nos projetos de moradia. As respostas arquitetônicas exploram cozinhas e lavanderias coletivas, creches, salas de estar e quartos de hóspedes comuns, entre outros1.

Alguns projetos seminais para o debate sobre moradia compuseram a exposição “Arquitetura da Revolução”, organizada em 2017 pela SESUNILA na Fundação Cutural de Foz do Iguaçu, para marcar os cem anos da Revolução Russa.

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Lembremos que um dos programas arquitetônicos centrais para a revolução foram os condensadores sociais, expressão cunhada pelo arquiteto Mosei Ginzburg em seu entendimento de uma arquitetura como instrumento social, a qual implodia os usuais programas arquitetônicos de antanho. Os condensadores sociais reuniam numa mesma edificação diversas funções da vida pública e coletiva, como foi experimentado no projeto do arquiteto para a unidade habitacional Narkomfin, de 1928. O edifício reunia distintas tipologias habitacionais e vários equipamentos coletivos como lavanderia, cozinha e copa comunitárias, berçário, biblioteca e zona de convívio com vestiário e banheiro. Narkomfin será a base do projeto de Le Corbusier para Marseille, realizado décadas mais tarde na França, muito mais conhecido, debatido e estudado do que o projeto original soviético. Também é um exemplo de condensador social, a Dom Kommuna ou a Casa Comunal do Instituto Têxtil, projetada por Ivan Nikolaev, em 1931. Num só equipamento, a Dom Kommuna reunia escola, alojamento e fábrica, para atender cerca de dois mil estudantes. Os clubes para os trabalhadores e trabalhadoras foram igualmente relevantes na paisagem construída soviética, tanto pelo desenho arquitetônico, como é o caso do projeto para o Clube Zuév, de Ilia Gólossov, para citar apenas este, como pelo ousado programa que incluía salas de leitura e de dança, ateliês de pintura e escultura, teatro ou espaço para esportes. Todas são experiências riquíssimas, lamentavelmente pouco conhecidas e debatidas no ocidente.

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Vale ressaltar, ademais, que ao visibilizar e creditar exclusivamente a arquitetura feita por homensbrancos-burgueses-urbanos está-se supervalorizando, ao mesmo tempo, a edificação e a atividade projetiva, que é apenas uma das muitas atuações profissionais em arquitetura e urbanismo. De modo geral, as arquitetas mulheres se destacam mais comumente por sua atuação em planejamento urbano, paisagismo, assessoria técnica, docência e crítica. Esta clivagem de gênero por subárea profissional é reveladora do sexismo na arquitetura. No mundo capitalista, o sexismo que lhe é estruturante acaba por impor menores remunerações a estas subáreas em comparação ao projeto arquitetônico, onde há, destarte, uma dominação masculina, melhores salários e maior reconhecimento público. Além disso, a supervalorizacao da edificação é própria de um mundo mediado pela mercadoria, pois o objeto arquitetônico falocentrado é uma síntese da arquitetura-mercadoria, sendo por isso mesmo tão valorizado e cultuado no patriarcado - racista - capitalista Pedro Arantes em seu livro “Arquitetura na Era Digital-Financeira” nos fornece pistas 40

Projeto para um cenário construtivista para uma tragédia, 1924 Alexandra Exter

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valorosas sobre o fetiche da exuberância formal decorrente de uma arquitetura exclusiva e assinada por grandes arquitetos “da moda”, cujo nome já é capaz de impregnar valor a operações rentistas. A edificaçãofalo garante, assim, a renda monopolista intrínseca à forma arquitetônica única e espetacular concebida por arquitetos brancos-burgueses-urbanos-do norte global. Provavelmente, é este o motivo de no mundo socialista soviético as arquitetas mulheres se destacarem nas mais diversas áreas de atuação profissional, inclusive em projeto de edificações, coordenando a concepção e construção de edifícios públicos, fábricas, usinas de energia, vilas e bairros inteiros na URSS. As diversas práticas arquitetônicas e atuação profissional distantes do objeto-falo-mercadoria são ignoradas, desprezadas, subalternizadas ou sequer são nomeadas. Resgatar a experiência das mulheres arquitetas da revolução russa, portanto, é um ato de resistência, ressignificação e inovação tanto para reinserir um debate sobre produção de espaço não pautada pelo capital, como para apontar possíveis caminhos criativos para a arquitetura de nosso tempo. Realizar essa sociologia das ausências, contudo, impõe enormes desafios, posto que é extremamente difícil obter no ocidente informações sobre arquitetura soviética, especialmente quando o tema é atravessado pela subalternização das mulheres. Em outras

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Solução de cor para um plano de parede, 1928 Vera Kolpakova

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palavras: ainda que custoso, é mais fácil conhecer Mosei Ginzburg, Konstantin Miélnikov e Ivan Nikolaev do que as arquitetas mulheres desse período. Um dos casos mais emblemáticos desta invisibilização é o da austríaca Margarete Schütte-Lihotzky, responsável pela revolucionária cozinha de Frankfurt, um marco na história do espaço doméstico. Foram construídas cerca de dez mil cozinhas nos anos 1920, um fenômeno da produção em série. Contudo, a cozinha foi apagada da história da arquitetura ou, pior, creditada equivocadamente a Ernst May, erro cometido inclusive por Leonardo Benévolo, cujos livros são bibliografia básica em grande parte dos cursos de arquitetura e urbanismo no Brasil. Margarete Schütte-Lihotzky foi uma reputada arquiteta comunista que começou sua trajetória na Alemanha de Weimar. Com a ascensão do nazismo no país, ela emigrou para a União Soviética, onde morou e trabalhou de 1930 até 1933 e por este motivo foi incluída na nossa seleção, junto às arquitetas Lydia Komarova, Liubov Zaliêsskaia e Tamara Katsenelenbogen todas formadas pelos VKHUTEMAS, que a despeito de complementarem 100 anos em 2020, ainda são extremamente pouco conhecidos no ocidente e também junto a Nina Vorotyntseva, egressa do Instituto de Engenheiros Civis de Moscou.

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LyDIA KOMAROVA 1902-2002 A arquiteta Lydia Komarova foi das mais importantes arquitetas do construtivismo russo. Egressa dos VKHUTEMAS, ela é uma das primeiras arquitetas do país, num curso que até então só era acessível aos homens. Durante seu percurso acadêmico se aprofundou nas principais correntes vanguardistas do período, tendo se afiliado à OSA [Sociedade de Arquitetos Contemporâneos], corrente do debate soviético que mais se dedicou à defesa da coletivização da vida familiar, em especial, na pesquisa sobre moradia e na concepção dos “condensadores sociais”. Komarova foi uma das editoras da Sovremiênnaia Arkhitektura [Revista Arquitetura Moderna], publicada pela OSA.

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Trabalho de graduação: Sede para a III Internacional Comunista, 1929 Lydia Komarova

Um de seus projetos mais conhecidos no ocidente é o edifício para a sede da III Internacional de Moscou, de 1929, um complexo administrativo de grande porte, que apresentou como trabalho de graduação. Audacioso e inovador, o desenho em anéis circulares maciços e concêntricos que compõem o edifício teria inspirado Frank Lloyd Wright em seu projeto para o Museu Guggenheim, nos eua, em 1959. Este projeto foi publicado em diversas revistas internacionais, fazendo com que Komarova de alguma maneira viesse a ser reconhecida no ocidente pelos seus desenhos expressivos. Nesta fase vanguardista, ela também apresentou projeto para o concurso do Palacio dos Soviets, em 1932, em colaboração com I. Vainshtein e Y. Mushinksy. 45


Trabalho de graduação: Sede para a III Internacional Comunista, 1929 Lydia Komarova

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Infelizmente, muitos de seus projetos vanguardistas não foram construídos. Com a ascensão de Stalín, os edifícios passaram a ser majoritariamente no “estilo imperial”. Não obstante, a arquiteta continuou trabalhando no país nas décadas seguintes, com diversos projetos construídos, entretanto, sem relação com o debate dos anos 1920. Em 1947, a arquiteta integrou o GIPROVUZ [Instituto Estatal para Projeto das Instituições Superiores de Ensino], tendo se especializado em edifícios para a Educação, com destaque para seus projetos para o Instituto Politécnico de Karaganda, Instituto de Mineração de Kemerovo e o edifício principal do Instituto Tecnológico de Moscou. Em 1984, a arquiteta foi reconhecida como “Arquiteta Honorífica da República Socialista Soviética” e em 2002, o Museu Shchusev celebrou o seu centésimo aniversário, com uma exposição de sua obra, na qual a arquiteta estava presente! Universidade Técnica de Karaganda, 1947 Lydia Komarova

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Liubov Zaliêsskaia foi uma importante paisagista socialista egressa dos VKHUTEMAS. Em seu projeto de conclusão de curso, uma proposta para o Parque da Cultura e Lazer, sob orientação de Nikolai Ladovsky, já estavam presentes os princípios norteadores de sua trajetória profissional e acadêmica, como o estímulo à experiência da paisagem por meio de um sistema de rotas e perspectivas. Em 1929, a arquiteta integrou a equipe de desenho de parques públicos do Conselho Central de Design e Gerenciamento, quando pode realizar o desenho paisagístico para o Parque Górki – destinado à Cultura e Lazer, objeto de sua graduação, que constitui desde então um marco para os espaços públicos socialistas.

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Plano geral do Parque da Cultura e Lazer, Trabalho de Conclusão de Curso, 1929. Liubov Zaliêsskaia

LIUBOV ZALIÊSSKAIA 1906-1979


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Nos anos seguintes Zaliêsskaia se incorpora ao escritório de projetos do Comissariado de Serviços Públicos, onde projetou parques urbanos de várias cidades: Cheliábinsk, Stalinogorsk (Novomoskovsk), Yegórievsk, Novgorod, Minsk e Chardzhou (Türkmenabat). No mesmo período se juntou à ASNOVA [Associação dos Novos Arquitetos] e participou de vários concursos de arquitetura para edifícios públicos e para o jardim botânico.

Plano geral do Parque da Cultura e Lazer em Novgorod, 1935 Liubov Zaliêsskaia

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A partir de 1939 Zaliêsskaia leciona no Instituto de Arquitetura de Moscou disciplinas como história dos jardins e parques, desenho da paisagem, desenho arquitetônico e urbanismo. Durante a II Guerra Mundial, a arquiteta atua profissionalmente nas repúblicas soviéticas da Ásia Central, desenvolvendo paisagismo e casas comunais. Essa experiência foi objeto de sua tese de doutorado que resultou no livro “Reverdecimento das Cidades de Ásia Central”, publicado em 1949. Sua conferência “Paisagismo da Capital”, de 1952, é um marco no debate de questões ecológicas em centros urbanos, a partir da discussão acerca da implantação de parques e reservas arborizadas nas cidades. Com estas reflexões, a arquiteta publica o livro “Esvedear as Cidades”, em parceria com Vera Aleksándrova, em 1957, até hoje referência no paisagismo urbano. No final dos anos 1960, Liubov Zaliêsskaia colabora na criação do Departamento de Arquitetura da Paisagem do Instituto de Arquitetura de Moscou, que dirigiu até o final de sua vida, em 1979. 50

Plano geral do projeto apresentado para o concurso Parque da Cultura e Lazer, Moscou, 1931 Liubov Zaliêsskaia e equipe


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Escada cascata em Kislovodsk, 1935 Liubov Zaliêsskaia e equipe Projeto para habitações e escritórios, VKHUTEMAS, 1926 Liubov Zaliêsskaia

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Cidade para Crianças, s/d Liubov Zaliêsskaia

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Projeto para teatro, 1932 Liubov Zaliêsskaia e equipe

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NINA VOROTYNTSEVA 1900-1930 Nina Vorotyntseva, egressa do Instituto de Engenheiros Civis de Moscou, foi uma arquiteta pioneira na busca de novos modelos espaciais – da moradia à fábrica – em resposta à realidade socialista. Recém-formada, a arquiteta colaborou com a fundação da OSA [Sociedade de Arquitetos Contemporâneos] em 1925, tendo apresentado trabalhos para a I Exposição de Arquitetura Moderna de Moscou, organizada em 1927 pela revista Sovremiênnaia Arkhitektura [Revista Arquitetura Moderna]. Nesse período, a arquiteta também realizou diversas pesquisas sobre habitação, que iriam embasar o desenvolvimento dos “condensadores sociais”. A partir desse trabalho investigativo precursor, Vorotyntseva participou, com a arquiteta Raisa Pollyak, do concurso para propostas de moradia comunal, as dom-kommuna, de 1926. O debate da arquiteta junto à OSA foi fundamental para mostrar as distintas possibilidades de organização do espaço doméstico de uma sociedade comunista, considerando as variáveis econômicas, coletivas, zonas comunais e facilidade de construção, além, evidentemente, de mostrar a importância de se investir em pesquisas na área. Em paralelo a seu interesse pela habitação, a arquiteta trabalhou em novos modelos para edifícios industriais nos escritórios do Stromstroy, ligados ao Conselho Econômico 54


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Supremo da URSS. Junto a V. Vladimirov e com a consultoria de L. Vesnin, Vorotyntseva foi responsável pelo projeto da fábrica de cimento de Kaspi, construída em 1929. Nesse mesmo ano realizou um de seus trabalhos mais significativos, o Instituto de Medicina Experimental Veterinária de Moscou, em colaboração com V. Vladimirov. Em 1930, a revista Sovremiênnaia Arkhitektura anunciou sua morte prematura. Com apenas seis anos de vida profissional, sua contribuição para os debates fundantes da arquitetura voltada para a construção da sociedade socialista soviética é inegável e pungente. Instituto de Medicina Veterinaria em Moscou, 1929 Nina Vorotyntseva

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Proposta para Concurso Amistoso1 de habitações comunais, 1926 Nina Vorotyntseva e Raisa Pollyak

Desenho adaptado de: D. MOVILLA; C. ESPEGEL. “Hacia la nueva sociedad comunista: la casa de transición del Narkomfin...”. N9 “Hábitat y habitar”. Noviembre 2013. Universidad de Sevilla. ISSN 2171–6897 / ISSNe 2173–1616 DOI: http://dx.doi.org/10.12795/ppa.2013.i9.02 1

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Concurso para a nova cidade de Magnitogorsk, 1930 Moisei Okhitovich, Mikhail Barshch, Nikolai Sokolov, Viacheslav Vladimirov, Nina Vorotyntseva

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TAMARA KATSENELENBOGEN 1894-1976 Tamara Katsenelenbogen estudou na primeira instituição superior para a educação técnica de mulheres do Império Russo, o Instituto Politécnico de Mulheres de São Petersburgo, tendo se graduado em arquitetura em 1916, uma das primeiras mulheres arquitetas da Rússia. Todavia, as profundas transformações sociais e tecnológicas daqueles anos a motivaram a regressar aos estudos em 1919, concluindo uma segunda graduação em arquitetura em 1923, pelo VKHUTEMAS de Petrogrado. Recém-formada, Katsenelenbogen integrou a equipe do arquiteto Grigori Simonov, tendo colaborado na conceitualização e construção experimental de alguns dos primeiros Zhilmassive - projetos de urbanização massiva – no contexto de reconstrução da periferia de Leningrado, junto à projetos-piloto para moradias de baixo custo para a classe trabalhadora. O escritório de Leningrado do STROIKOM (Comité para a Construção Estatal) selecionou seus projetos-piloto para serem executados, atendendo a quase 2 mil pessoas em regime comunal de moradia. 58


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Conjunto habitacional Kondratievsky, foto em vermelho à esquerda em 1940, à direita em 2020 e abaixo em 2015. Tamara Katsenelenbogen

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Merecem destaques ainda seus projetos habitacionais dos zhilmassive de Bateninsky e do Bolchevique, e a Casa dos Profissionais, concluída em 1937. A partir da década de 1930, muitos de seus projetos, à semelhança do ocorrido com Lydia Komarova, passam a adotar uma linguagem neoclássica, atendendo à nova política de estado para a estética. 60


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Conjunto habitacional Kondratievsky, acima e ao lado, sem data Tamara Katsenelenbogen Casa dos profissionais, sem data Tamara Katsenelenbogen

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MARGARETTE SCHÜTTE-LIHOTZKY

A austríaca Margarette SchütteLihotzky foi a primeira arquiteta mulher em seu país. Em seu aniversário de 100 anos confessou aos e às presentes que em “1916 ninguém teria concebido a ideia de uma mulher ser responsável por construir uma casa, nem mesmo eu”. Desde a graduação, Schütte-Lihotzky já ganhava prêmios por seus projetos e demonstrava profundo respeito pelo modo de vida das pessoas; a proximidade com os trabalhadores e trabalhadoras pobres a fez dedicar sua vida profissional a projetar para as massas. A arquiteta participou e foi responsável por vários projetos de habitação de interesse social logo após a I Guerra Mundial, sendo especialmente conhecida por conceber a “cozinha de Frankfurt”, nos anos 1920, projeto muitas vezes erroneamente creditado a Ernst May.

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Projeto para unidade habitacional na URSS, 1934 Margarete Schütte-Lihotzky e Hans Schimdt

1897-2000


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A cozinha de Frankfurt, 1927 Curta-metragem de Paul Wolff

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A cozinha de Frankfurt, num estreito espaço de 1,9 x 3,4 metros, foi a primeira cozinha planejada do mundo, desenvolvida com base no taylorismo, para aumentar a eficiência dos movimentos para o preparo da comida, diminuindo o esforço necessário para a tarefa. Desenhada para aproveitar ao máximo o espaço limitado disponível nos apartamentos dos trabalhadores e trabalhadoras da década de 1920, o modelo foi implantado em mais de 10 mil unidades habitacionais na Alemanha. Seus princípios são observados no planejamento das cozinhas domésticas até os dias de hoje. Mais tarde a arquiteta afirmaria que “estava convencida de que a independência econômica e a autorrealização das mulheres seriam um bem comum, e que, portanto, uma maior racionalização do trabalho doméstico era um imperativo”. 63


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Reprodução da cozinha de Frankfurt Margarete Schütte-Lihotzky

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Ao contrário de muitos arquitetos contemporâneos a seu início de carreira, os quais basicamente atendiam às elites, Schütte-Lihotzky optou por defender uma arquitetura social, com o objetivo de melhorar as condições de vida da classe trabalhadora. Comunista e ativista antifascista, a arquiteta se juntou à “Brigada May” na União Soviética, única mulher numa equipe de quase vinte profissionais. A brigada chegou a planejar dezenas de cidades no interior da URSS. Após a experiência soviética, a arquiteta comunista trabalhou na Turquia, de 1938 a 1941, onde fez projetos para escolas infantis em acordo com o método Montessori. Ela esteve presa durante a II Guerra, de 1941 a 1945, quando foi surpreendida pela Gestapo numa missão secreta na Áustria, como mensageira da resistência. Logo depois da guerra, Schütte-Lihotzky teve dificuldades de trabalho em seu país natal, apesar da necessidade de reconstrução, por conta de suas ligações comunistas. Entre as décadas de 1950 a 1970 a arquiteta prestou consultoria à Cuba, China e RDA. Apenas no final dos anos de 1970 seu trabalho foi reconhecido na Áustria, primeiro como ativista e depois, nos anos de 1980/1990, como arquiteta. Ela atuou ainda como urbanista 65


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e planejadora, com ampla participação nos CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna e foi militante da Federação de Mulheres Democráticas da Áustria. Mantendo suas convicções políticas até o fim de sua vida, em 1985, a arquiteta publicou o livro ““Erinnerungen aus dem Widerstand, das kämpferische Leben einer Architektin von 1938-1945” (Memórias da resistência, a luta da vida de uma arquiteta de 1938-1945), sobre sua experiência junto à resistência e durante sua prisão nos campos de concentração nazistas.

Casas 61 e 62, Werkbundsiedlung Viena, 1932 Foto de Martin Gerlach

Jardim de infância no 1 em Novokuznetsk, URSS, 1932

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De modo sintético apresentamos estas cinco arquitetas, com a intenção de instigar a curiosidade e vontade no leitor e leitora para melhor conhecerem as arquitetas e a arquitetura da revolução. É cada vez mais urgente retomarmos nossa capacidade de conceber um mundo fora dos auspícios do patriarcado-racistacapitalista, missão para qual o resgate das mulheres arquitetas da revolução e todo o rico debate subjacente é fulcral. É hora de ficarmos com a arquitetura e com a revolução!

Para saber mais: Livro Vkhutemas de Neide Jallageas e Celso Lima The Charnel House Alojamento para mulheres solteiras, 1928

https://thecharnelhouse.org Un día, una arquitecta https://undiaunaarquitecta2.wordpress.com In_visibilidad de las mujeres en la arquitectura https://www.facebook.com/ InVisibilidadDeLaMujerEnLaArquitectura 67


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APROXIMAÇÕES AO CINEMA SOVIÉTICO FEITO POR MULHERES Nina Tedesco - ADUFF

Doutora em Comunicação. Professora do Departamento de Cinema e Vídeo e do Programa de Pós- Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense.

Em agosto de 2017, a ADUFF lançou o edital “Ciclo 100 Anos

da Revolução Russa”. Ao invés de promover uma atividade própria sobre este “marco do protagonismo dos trabalhadores na construção de uma sociedade sem exploração e verdadeiramente igualitária e livre”, a seção sindical preferiu convidar “todos e todas docentes da Universidade Federal Fluminense a realizarem atividades como palestras, debates, exposições, exibições de filmes entre outras que tenham como tema a Revolução Russa e as múltiplas questões por ela suscitadas”. Entre as atividades selecionadas no edital estava a mostra Cinema Soviético de Mulheres, proposta por mim. Esfir Shib, 1932 Autoria desconhecida

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Vale destacar que, em seus primeiros anos, a Revolução Russa representou um enorme avanço na luta pela emancipação das mulheres. O país revolucionário foi o primeiro do mundo a garantir o aborto legal e gratuito, a facilitar o divórcio, a reconhecer outras formas de união para além do casamento formal e os direitos dos filhos ilegítimos, entre outras conquistas, como apontou Alexandra Kollontai em seus textos de 1918 e 1921, reunidos livro “Nova Mulher e a Moral Sexual”, publicado no Brasil em 2011. Com a ascensão de Stálin, boa parte das leis que garantiam as condições de desenvolvimento das mulheres foi alterada ou revogada. Ainda assim, as mulheres da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas tiveram, ao longo de suas décadas de existência, acessos pouco comuns a direitos, mesmo nos países ocidentais considerados mais “avançados”. Na indústria cinematográfica, estruturada naquela e estruturante daquela sociedade que passava por profundas transformações, o complexo fenômeno das mulheres na URSS se manifestou tanto atrás das câmeras, posto que o país teve muitas diretoras em sua história, quanto nas narrativas e personagens levadas às telas. Foi pensando nisso que propusemos ao edital da ADUFF, a mostra Cinema Soviético de Mulheres, realizada na Faculdade de Direito da UFF, entre os dias 28 a 30 de novembro de 2017. Diante das muitas possibilidades de curadoria que se apresentavam, optamos por construir um panorama, certamente incompleto, mas muito representativo, sobre as cineastas da URSS e o que foram capazes de fazer.

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Para abrir a mostra, escolhemos o filme “Queda da Dinastia dos Romanov” (1927), de Esfir Shub. Neste documentário, fica evidente porque Shub é figura fundamental para a montagem cinematográfica e para o chamado cinema de compilação, e precisa ser mais estudada e reconhecida do que foi até agora. Em nossa segunda sessão, exibimos “A Aldeia do Pecado” (1927), de Olga Preobrajiénskaia. Neste longa-metragem de ficção, esta pioneira russa, que iniciou sua carreira mesmo antes da Revolução de Outubro, mostra a violência de gênero recorrente na Rússia do início do século XX e também a emergência d’A Nova Mulher soviética. Da década de 1920, damos um salto para nos encontrarmos com “A Epopeia dos Anos de Fogo” (1961), de Iúliia Solntseva, primeiro filme de cineasta mulher a receber a Palma de Ouro de Melhor Direção no Festival de Cannes. Muito associada à trajetória de seu marido, o realizador Aleksandr Dovjenko, Solntseva também demonstrou importantes características próprias, as quais ainda carecem de visibilidade. Dos mesmos anos de 1960, programamos “Três Álamos na Rua Pliuchtchikha” (1968), de Tatiana Lióznova. Suas personagens, que explicitavam as contradições de ser mulher na URSS, levaram milhões de pessoas às salas de cinema. O filme teve uma bilheteria de mais 26 milhões de expectadores e expectadoras. Para encerrar a mostra, optamos por “Síndrome Astênica” (1990), de Kira Morátova, uma realizadora experimental e muito censurada, que passou por diversas fases em sua longeva carreira. É provavelmente a única diretora soviética que teve uma retrospectiva no Brasil, no Indie Festival de 2015. 71


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Ao longo do evento, ficou evidente para as participantes que era mais do que necessária uma publicação que tentasse materializar o que foram aquelas tardes e noites de espectatorialidade e debates1. Como resultado, organizamos o livro “Cinema Soviético de Mulheres”, que finalmente será publicado em 2021, com capítulos escritos principalmente por pesquisadoras mulheres: “A revolução será feminista ou não será: o legado marxista para a emancipação das mulheres”, de Ana Carolina Brandão Vazquez; “Entre a antiga e a Nova Mulher: uma análise de As babas de Riazan”, de Thaiz Senna; “Esfir Shub: editando el sentido de la revolución”, de Pablo Fontana; “Mulheres, projeto não realizado de Esfir Shub”, de minha autoria; “Lares opressores e mulheres no cinema de Tatiana Lióznova”, de Camila Vieira da Silva; “A terra prometida”, de Juliana Costa; “Diretora interrompida: a radicalidade lírica de Larissa Chepítko”, de Paula Vaz de Almeida; “A mulher soviética no pós-guerra: uma análise de Asas, de Debora Kaizer; e “A arte desnecessária de Kira Murátova”, de Ekaterina Vólkova Américo. Queda da Dinastia dos Romanov, 1927 Esfir Shub

Agradecemos muito às nossas debatedoras, fundamentais para que conseguíssemos não apenas exibir filmes, mas também refletir de forma qualificada sobre eles: Ana Carolina Brandão Vazquez, Camila Vieira da Silva, Fran Rebelatto, Juliana Costa, Liziane Correia, Taiani Mendes, Samantha Brasil, Thaiz Senna e Vanessa Teixeira de Oliveira.

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Tatiana Lióznova durante as filmagens de “17 momentos da primavera”, 1973 Foto: RIA Novosti

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Um dos principais debates que propomos no livro é a impossibilidade de pensar o cinema soviético quando se fica limitado aos seus nomes consagrados – os quais, como em quase todos os cânones, são apenas de homens. Não é mais aceitável seguir ignorando Olga Preobrajiénskaia, Esfir Shub, Tatiana Lióznova, Iúliia Solntseva, Larissa Chepítko, Kira Murátova e tantas outras. A relevância das diretoras da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas foi reconhecida pelo público, pela crítica e pelos festivais há várias décadas, e a influência de suas obras é visível na produção contemporânea de diversos países que integraram a URSS. Outro aspecto que nos orientou foi a necessidade de articular, a cada capítulo, indústria cinematográfica, questões de gênero e sociedade. Não acreditamos que em uma publicação com o tema cinema soviético de mulheres 74


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Kira Muratóva na filmagem de “Mudança de Destino, 1985 Foto: Royzman

algum destes aspectos possa ser pensado separadamente. E, no que tange à sociedade soviética, fizemos uma análise rigorosa das fontes utilizadas para escapar tanto das visões acríticas quanto das demonizadoras de um grande número de autores e autoras. Foram muitas as questões pessoais e políticas as quais impediram que o livro fosse lançado antes. No entanto, acreditamos que seus nove capítulos serão uma grande contribuição para o público brasileiro compreender melhor as questões de gênero na URSS, a partir das mulheres de cinema. Tais questões sem dúvida alguma trazem particularidades por pertencerem a uma sociedade que viveu uma revolução como a de 1917. Ao mesmo tempo, há nelas certa universalidade que permite pensar sobre realidades vividas por mulheres em todo mundo ainda hoje.

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A Aldeia do Pecado, 1927 Olga Preobrajiénskaia

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Alexandra Kollontai fala na tribuna da 2ª Conferência Internacional de Mulheres, 1921 RIA Novosti

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AMOR E REVOLUÇÃO EM ALEXANDRA KOLLONTAI Élen Schneider - sesunila

Doutora em sociologia. Docente do ILAESP.

Mesmo

transcorridos cento e três anos da Revolução Russa, de 1917, Alexandra Kollontai, em russo, Алекса́ндра Миха́йловна Коллонта́й, segue sendo uma inspiração de ciência e coragem para revolucionar a vida e a realidade. Sua teoria revolucionária gesta esperança, nos recordando que o sonho da revolução já foi uma realidade concreta para as mulheres trabalhadoras, mães e empobrecidas pelas crises sociais, políticas e econômicas em algum lugar do mundo. Apesar das contradições encontradas nos textos de Alexandra Kollontai, devido ao seu contexto histórico, seus escritos e práticas ainda são vanguarda. Assente numa vida de luta, ela escrevia para o futuro. Como uma das principais ideólogas da Revolução Russa, Kollontai enfrentou duramente a noção burguesa e patriarcal de amor, problematizou a livre sexualidade das mulheres e alocou as relações afetivas, de reprodução e criação no centro da consolidação da revolução, um fator que dá ainda mais sentido para trazer seus escritos ao presente, sobretudo a partir da obra “A Nova Mulher e a Moral Sexual”, publicado em 1918. 79


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Consciência de classe, sensibilidade à superexploração de trabalhadoras e trabalhadores, à fome e à guerra que acometia o seu povo e vários outros países, são alguns dos elementos vividos que levaram Kollontai a ser comunista e seguir construindo a organização de mulheres trabalhadoras livres, na Rússia. Em março de 1917, ao retornar do exílio imposto pelo regime czarista, ela encontra um cenário revolucionário e de forte organização das mulheres trabalhadoras, como as greves das trabalhadoras em fevereiro, que certamente foi um disparador da Revolução de Outubro, juntamente com a decisiva marcha de oito de março, na qual as mulheres reclamavam apoio dos operários e soldados para a luta. Sabemos que as mulheres não eram nem 30% das trabalhadoras até 1905. No entanto, em 1917, elas já eram praticamente a metade das pessoas trabalhadoras. Durante o período inicial de consolidação da revolução, Kollontai ocupou a função de Comissária do Povo ao BemEstar Social, sendo uma das dezessete principais lideranças do país, junto à presidência de Lênin. Os sentimentos, as relações sociais de camaradagem e a socialização do trabalho doméstico e da maternidade, foram seus temas centrais em “nova moral sexual” e “o amor camaradagem”. Seus ideais revolucionaram as vidas de muitas mulheres. A Rússia foi o primeiro país do mundo, em 1920, a legalizar o aborto em todas as circunstâncias e de forma gratuita1, em decreto escrito por Kollontai; assim como o direito ao divórcio, a criação de lavanderias e restaurantes públicos e comunitários, creches, igualdade no código trabalhista, entre 80


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outras revoluções que instigavam a mudança, em médio prazo, da cultura campesina/patriarcal e das concepções de família burguesa. Ela defendia transformar o trabalho doméstico em trabalho social, uma atividade essencial para a sociedade russa. Naquele momento e contexto da Revolução Russa, Kollontai recobrou o sentido das mulheres como seres coletivos, como sujeitas comunitárias e como dirigentes. Nessa acepção, as revolucionárias russas fizeram importante enfrentamento ao feminismo burguês, que mundialmente estava reivindicando questões individuais e de manutenção da burguesia, pautado pelo sufrágio e pela igualdade no poder (dos homens), sem sequer tocar no trabalho doméstico e nos fardos da reprodução social e da maternidade desassistida. Era violenta a postura das mulheres burguesas que seguiam empenhando-se pela representatividade no poder, enquanto a maioria da população aguentava a fome e sobrevivia à miséria e ao desemprego massivo. O aporte de Alexandra Kollontai para a revolução Russa vai mostrar que a reprodução da “vida cotidiana”, “vida privada”, ou “vida pessoal” tem a ver com a luta de classes e quais relações teriam as alianças afetivas da família, as relações amorosas, a moral sexual, com a luta revolucionária. Entretanto, em 1936 a Rússia liderada por Stalin, volta a criminalizar o aborto e a devolver, para o centro da política, a defesa da família, nos moldes semelhantes à família burguesa. Este é também o ano de morte simbólica de Alexandra Kollontai, que permaneceu praticamente exilada em carreira diplomática até a sua morte, em 1952. Sob o comando de Stalin nove ex-Comissários do povo foram executados em 1937-1938. Apenas três comissários do povo, da formação com a presidência de Lênin, permaneceram vivos após 1938. É somente em 1954 que o aborto volta a ser descriminalizado e ainda enfrenta questionamentos ortodoxos e conservadores.

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Nova Moral Sexual e Amor Camaradagem Até 1921, a Rússia ainda tinha um patriarcado campesino que influenciava consideravelmente a sociedade. Por este motivo, as relações patriarcais/capitalistas de exploração ainda não estavam tão arraigadas como as conhecemos hoje, evidenciadas no mito do amor materno, ou instinto materno, na família burguesa autocentrada ou na exploração no trabalho patriarcal e racista. Com as crises desde 1915, as famílias russas estavam rompendo-se, e o capitalismo começava a deteriorar as relações afetivas. Nesse contexto e no pós-revolução, Alexandra Kollontai pondera: por que não criar uma sociedade na qual a unidade não seja familiar, mas sim comunal? Dessa forma, em “Nova Mulher e a Moral Sexual”, Kollontai enfrentou a ideologia burguesa, calcada na solidão moral, no individualismo, na concorrência e no egoísmo. Especificamente no seu texto “O amor e a nova moral”, a teórica marxista explicitou como a moral sexual contemporânea está destinada à posse e à escravização das mulheres ao matrimônio, fundamentado em conceitos da hipocrisia burguesa: a indissolubilidade, as leis ou a moral do casamento para a vida toda; e a propriedade, a posse absoluta de um dos cônjuges pelo outro. Apesar do discurso corrente valorizar as escolhas individuais na vida privada, a autora demonstra que a dupla moral burguesa consistia em negar às mulheres, os privilégios sexuais individuais dos homens, já que a sociedade burguesa não podia considerar 82


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as mulheres como independentes da célula da família. Isto é, se um homem intelectual burguês, cientista ou político, se apaixona e até casa com a sua cozinheira, a sua personalidade não era questionada pela sociedade. No caso de uma mulher fazer o mesmo, “nossa hipócrita sociedade burguesa julgará sua escolha da seguinte forma: até onde desceu essa mulher?” Alexandra Kollontai demonstra como o amor adquiriu diferentes concepções hegemônicas e funções políticas no decorrer da história, já que deixou de ser um instinto biológico de reprodução e passou a corresponder a uma “pressão monstruosa das relações econômicas e sociais”. Assim também se criam ideais de relações sexuais e famílias, como por exemplo, a família artesã da idade média, que era uma unidade de produção, regida não pelo amor, mas pelo trabalho. O amor começa a aparecer com a moral burguesa, quando a família se torna uma “unidade de consumo e guardiã do capital acumulado”, ou seja, tirava-se proveito do amor como um meio de consolidar laços familiares. O amor no capitalismo é o da posse absoluta, não somente do corpo, mas da alma, das vontades e dos desejos do outro ou da outra. Para Kollontai, os homens daquele tempo eram formados pela prostituição e estavam acostumados a submeter com carícias forçadas, sem “nem sequer tenta[r] compreender a múltipla atividade a que se entrega a mulher amada durante o ato sexual”. O amor verdadeiro, considerado por ela saudável e engrandecedor, chocava-se com o mundo individualista. Kollontai entendia que num contexto em que prevalece a moral da propriedade individual, é difícil que o amor livre 83


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seja suficientemente forte para ajudar aquela sociedade a sair da crise da moral sexual a qual enfrentava. A colaboração, essencial na sociedade feudal e da sua economia comunal, foi ultrapassada pelo princípio da concorrência da propriedade privada. A humanidade teria ficado perdida, durante vários séculos, entre os dois códigos sexuais e apenas uma parte da população teria experimentado a crise sexual. O campesinato da Rússia teria vivenciado a crise sexual somente de forma indireta, pois ficou aferrado aos códigos morais tradicionais e burgueses. Por essa razão, Kollontai refutou as relações sexuais de união livre naquele então, já que “o homem atual não tem tempo de amar”, pois a união livre demandaria demasiado tempo, sendo complicada naquele ambiente de tamanha exploração, no qual as pessoas trabalhavam onze a doze horas por dia. Nas palavras de Kollontai: “nossa sociedade, fundada sobre o princípio da concorrência, sobre a luta, cada vez mais dura e implacável, pela subsistência, para conquistar um pedaço de pão, um salário ou um ofício, não deixa lugar ao culto do amor”. Entretanto, “a tentativa dos intelectuais burgueses de substituir o matrimônio indissolúvel pelos laços mais livres, mais facilmente desligáveis [...] atinge as bases da estabilidade social da burguesia”, que são a família monogâmica baseada no conceito de propriedade.

Soldados do Exército Vermelho dão beijo fraternal camarada pós derrota do nazismo, ao fim da Segunda Guerra Mundial, imagem de Stalin ao fundo, 1945 Autoria desconhecida

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Já na classe operária, a maior liberdade na união era, para Kollontai, totalmente compatível com as suas tarefas históricas fundamentais e até derivariam delas. Um membro da sociedade proletária deveria atuar em greves, participar em todo momento possível da luta e em tarefas comunitárias e públicas. Essa conduta implicaria em relações livres e de solidariedade, sem que as mulheres estivessem presas aos compromissos da família de modelo burguês, responsáveis pela reprodução social. A revolução da moral sexual consistia em acumular potencial de enfrentamento à crise moral, para combater, nas relações proletárias, o egocentrismo extremado, a ideia de propriedade das pessoas entre si e o conceito da desigualdade entre os sexos no aspecto psicofisiológico. O amor revolucionário seria nutrido pela revolução da moral sexual e das relações afetivas e familiares. O amor camaradagem seria a consequência de uma reeducação das relações afetivas, criando uma psicologia voltada ao público e ao coletivo, o que exigiria certo acúmulo e também a direção das mulheres, como coletividade, na construção da nova moral sexual. Igualmente, tal amor compunha a ideia de solidariedade para além de um conjunto de interesses, como “laços sentimentais e espirituais estabelecidos entre os membros da mesma coletividade trabalhadora”, levando a sociedade a desenvolver uma capacidade para o potencial do amor. “A ideologia proletária procura educar e reforçar em cada um dos membros da classe operária sentimentos de simpatia diante dos sofrimentos, das necessidades dos seus camaradas de classe” e daí derivaria a capacidade de amar. 86


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Sob esta perspectiva, necessariamente haveria a desaparição da família nos moldes patriarcais e burgueses. O amor materno e filial como era dado, também deveria desaparecer. As comunidades seriam a unidade social. Kollontai sabia que haveria muito temor nessa revolução, em especial por parte das mulheres, medo da violência dos homens, ou da violência e possível desamparo que sofreriam seus filhos e filhas.

A transformação do trabalho doméstico e de cuidados em trabalho social O ideal do amor da classe operária estaria baseado na colaboração no trabalho. Kollontai percebeu, nesse momento histórico de crise e revolução, que o trabalho doméstico, como a maternagem, paternagem, a alimentação, higienização, cuidados de saúde etc, é trabalho social, com atividades que ampliam o entendimento da prática de reprodução social. Portanto, este não é um trabalho somente biológico ou de atividades cotidianas, nas quais a divisão sexual e desigual do trabalho imperam sobre as mulheres. Pelo contrário, constituise em tarefas físicas, emocionais e mentais, necessárias para a manutenção da vida social. Essa manutenção da vida social seria organizada através das comunidades, e não somente pelas mulheres. 87


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A revolução significaria, consequentemente, perder o privilégio da propriedade privada das mulheres: do tempo delas, das jornadas de trabalho delas, da decisão sobre seu tipo de trabalho, suas tarefas sociais, sua sexualidade... Atualmente, a manutenção da força do trabalho é feita de forma não paga (ou mal remunerada) e não valorizada social e economicamente e continua sendo realizado massivamente pelas mulheres, a medir pelo aumento destas no trabalho informal, precarizado e flexibilizado. No capitalismo colonial e/ou dependente na América Latina, temos visto agravaremse as desigualdades através do racismo e das relações sociais ainda patriarcais. Mesmo com a socialização do trabalho doméstico, através das várias políticas iniciadas na Rússia, as tarefas da casa de uma família proletária seguiam sendo realizadas por mulheres nos serviços públicos. Essa contradição demonstrou que a mudança não poderia vir de um quadro capitalista com bases patriarcais, criado pelos homens. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a Rússia capitalista/ patriarcal/campesina se dissolvia, esperava-se que as relações que eram definidas pelos homens esposos, pais, estadistas ou patrões também se dissipassem, com a extinção desses papéis sociais. Desse ideal de nova moral sexual, somente tivemos oportunidade de conhecer os germens, as sementes, prontamente arrancadas daquela terra.

“Abaixo a escravidão da cozinha! Dê-me um novo estilo de vida”, 1929 Cartaz de Grigóri Shegal

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A quem e a qual sistema o ‘amor’ serve? Frente aos paradoxos dos dias de hoje, que retroalimentam as relações sociais, a moral e a vida com os parâmetros patriarcais-capitalistas-racistas-coloniais/ dependentes, permanecem as memórias de batalhas, lutas, teorias revolucionárias e práticas de vida que ensaiaram e até implementaram a liberação das mulheres. A mulher russa “sexualmente emancipada”, combatente contra os mecanismos de opressão da luta de classes, sexos e sexualidades, é extraordinária. Sua teoria revolucionária é indispensável. Com ela, seguimos perguntando: como as relações que entendemos ser de amor, são também impactantes nas relações da luta de classes, de reprodução das opressões, na política e na divisão sexual, racial e social do trabalho? A quem e a qual sistema o ‘nosso amor’ serve? A resposta geralmente é duríssima de ser sentida e dita. Nas palavras de Alexandra Kollontai: é imperdoável uma atitude de indiferença de uma das tarefas essenciais da classe trabalhadora. É inexplicável e injustificável que o vital problema sexual seja relegado, hipocritamente, ao arquivo das questões puramente privadas.

Para saber mais: Livro A nova Mulher e a Moral Sexual de Alexandra Kollontai

“Mulheres: sua educação é uma garantia de emancipação”, 1920 Cartaz de Natalia Iznar

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A PEDADOGIA REVOLUCIONÁRIA DE Nadejda KRUPSKAIA Fran Rebelatto - sesUNILa Mario Mariano - ADUFVJM

Fran Rebelatto é doutoranda em cinema. Professora do ILAACH. Mario Mariano é licenciado em Ciências Biológicas, mestre em Educação. Professor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Ambos são militantes do Movimento por uma Universidade Popular no ANDES.

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defesa de uma Universidade Popular que atenda aos interesses da classe trabalhadora deve se caracterizar como uma dimensão da tarefa mais geral de superação do capitalismo. Nesse sentido, deve significar a defesa de um projeto de universidade anticapitalista, antipatriarcal, antirracista e antilgbtfóbico. Só à classe trabalhadora, com sua rica história de enfrentamento contra as formas de exploração e opressão do capitalismo, importa a transformação radical de toda a vida social, o que implica pensar e transformar também a educação e, por consequência, também a universidade. 92


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Cabe resgatar nesse curto espaço textual a contribuição fundamental da pedagoga e revolucionária bolchevique Nadejda Krupskaia (1869-1939), que há um século debatia a educação na construção do socialismo. Krupskaia fez parte da vitoriosa Revolução Russa de 1917, que significou a materialização do poder e dos interesses da classe trabalhadora naquele lado do planeta e impregnou processos similares por todo os cantos do globo. A Revolução Russa, inclusive, teria forte influência nos eventos que culminaram na Reforma de Córdoba, em 1918, na Argentina. Os ventos soviéticos também teriam impactado as reflexões sobre educação, do comunista cubano Julio Antonio Mella, na década seguinte, a partir da contribuição de Nadejda Krupskaia. A pedagoga, dirigente do partido Bolchevique, se incubiu, dentre os diversos desafios enfrentados na construção do Estado Proletário Soviético, de transformar radicalmente a educação da classe trabalhadora naquele país. No Brasil, seu pensamento pode ser conferido no livro “A construção da pedagogia socialista” e no prefácio à edição russa do livro “Escola Comuna”, publicados em 2017 e em 2013, respectivamente, ambos pela editora Expressão Popular. As reflexões e ações de Krupskaia colocaram em movimento a conexão entre o debate da política e da economia socialista, em suas linhas mais gerais, com a vida cotidiana da classe trabalhadora, os interesses das mulheres, a necessidade de educar o povo e socializar toda riqueza material e todo conhecimento necessário para a construção de uma nova sociedade. Mesmo não tratando diretamente da universidade, 93


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Krupskaia defende que a formação das professoras e professores esteja profundamente ligada ao exame científico e crítico da realidade social, da educação como parte da sociabilidade humana, do desenvolvimento do ser humano desde a mais tenra idade, suas formas de aprender e o que melhor se produziu na experiência humana de ensinar: “A escola deve ajudar a criar e fortalecer a nova juventude, deve formar os lutadores por um futuro melhor, os criadores dele”. Ainda antes dos processos revolucionários, Krupskaia escreveu o texto “Deve-se ensinar “coisas de mulher” aos meninos?” no qual aponta a inequidade de gênero nos afazeres domésticos e a sua relação com a educação, defendendo uma escola livre de preconceitos. Mais do que isso, ela afirma ao final: desejo de ser útil, de realizar bem a função que lhe foi atribuída, o entusiasmo pelo trabalho farão com que o menino logo se esqueça do seu desdém pelas “coisas de mulher”. É claro que seria ridículo esperar grandes consequências de se ensinar “coisas de mulher” aos meninos, mas trata-se de um daqueles detalhes que compõem o espirito geral da escola e aos quais é preciso atentar.

Em diversos outros escritos, Krupskaia segue debatendo sobre as mulheres e sobre a maternidade, enfatizando a importância de uma educação voltada para a emancipação da mulher e em prol de condições de igualdade com os homens. Neste sentido, a pedagoga advogou para que o Estado protegesse a gravidez, a maternidade, o parto e o puerpério, com a criação de creches e jardins da infância, bem como, junto a demais companheiras, defendia a legalização do aborto e o amplo uso de contraceptivos. Nadejda Krupskaia integrou o Comissariado do Povo de Instrução Pública, tendo colaborado com Anatóli Lunatcharski no desenvolvimento do novo sistema educacional soviético. 94


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Ela acreditava ser preciso destruir a antiga escola e criar uma outra que fosse capaz de responder às exigências do sistema socialista nascente, assegurando a continuidade do ensino do básico ao superior, sempre gratuito e aberto à totalidade da população. A pedagoga teve um papel central nos esforços governamentais para a eliminação do analfabetismo. Durante os primeiros anos da revolução, Krupskaia produziu dezenas de publicações. Um de seus textos mais marcantes nesse período foi “Educação Pública e Democracia”, de 1917, no qual reitera que enquanto a organização do ensino permanece nas mãos da burguesia, o trabalho escolar será uma arma dirigida contra os interesses da classe trabalhadora. Somente a classe trabalhadora pode converter o trabalho na escola ‘num instrumento para a transformação da sociedade contemporânea.

Ao longo de toda a sua vida Nadejda Krupskaia trabalhou na implantação e desenvolvimento da educação marxista, tendo publicado inúmeros textos, participado ativamente de diversos órgãos do governo e recebido vários prêmios, até o final de sua vida, aos 70 anos. Cabe destacar que a revolucionária russa defendia uma educação internacionalista, capaz de ligar os e as jovens da classe trabalhadora de todo o mundo, desafio esse tão bem expresso, por exemplo, na Escola Latino-Americana de Medicina em Cuba, que forma jovens de diversas nacionalidades e que, na conjuntura atual, são parte dos médicos e médicas formadas na ilha socialista a combaterem a COVID-19 em diferentes países. Acreditamos que hoje, a defesa da Universidade Popular deve ser feita como parte desse longo caminho das lutas revolucionárias, reunindo tudo aquilo que aprendemos 95


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com Nadejda Krupskaia e outros pensadores, pensadoras e tantas outras fontes de enfrentamento à exploração capitalista. Seguindo essa trilha, o Movimento por uma Universidade Popular, que também atua no ANDES/SN, organiza trabalhadoras, trabalhadores e estudantes das instituições de ensino superior no Brasil, em articulação com a luta mais ampla pela construção de outro projeto societário, por um projeto de universidade em que a formação e a produção de conhecimento respondam aos desafios da construção da emancipação humana. No ANDES/SN, o Movimento Por uma Universidade Popular pode ser conhecido por meio das páginas no Youtube, Facebook onde são divulgados os debates organizados a partir de quatro pilares: 1. Movimento Docente; 2. Universidades: Crises e perspectivas; 3. Teoria Social e 4. Conjuntura em Debate. Especificamente sobre a colaboração de Nadejda Krupskaia, vale a pena resgatar o programa transmitido em 28 de maio de 2020, pelo canal do youtube do MUP no ANDES/SN. Importante destacar, por fim, que o movimento também faz parte da construção de outras entidades de ensino, por meio do Movimento Por Uma Escola Popular no Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (MEP no SINASEFE), e por meio da Rede Tecnológica Federal de Extensão Popular (RETEP), que reúne professores/as dos institutos federais brasileiros. Todas essas frentes têm como objetivo a construção de uma Educação Popular que atenda aos interesses urgentes da classe trabalhadora brasileira. 96


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Nadejda Krupskaia em discurso durante a guerra civil russa, 1920 Autoria desconhecida

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AS MULHERES NAS ARTES GRÁFICAS curadoria Andréia Moassab - SESUNILA Fran Rebelatto - SESUNILA

Fechamos a quarta edição do Caderno SESUNILA, 100 Anos

de Vkhutemas: Mulheres, Arte e Revolução com os pôsteres da exposição realizada no final de 2017, na Fundação Cultural de Foz do Iguaçu. Na ocasião, a SESUNILA levou a público cartazes concebido por mulheres, importantes artistas gráficas na URSS, com a intenção de problematizar a permanente ausência do reconhecimento do trabalho das mulheres na história das mais diversas áreas do conhecimento. De um modo geral, muito pouco se debate sobre a produção artística soviética dos anos 1920 e início da década seguinte, não obstante os VKHUTEMAS terem sido das maiores escolas de arte e arquitetura na Europa, na época. Somada à pouca pesquisa sobre arte soviética no período, em parte decorrente da divisão do mundo com a Guerra Fria, há um total desconhecimento da colaboração de mulheres designers, arquitetas e artistas para pensar o 98


mundo revolucionário socialista. Muitas delas, inclusive, egressas dos VKHUTEMAS um dos temas centrais desse dossier temático. A invisibilidade da produção das mulheres é um fato no sistema de valoração nas artes visuais, profundamente androcêntrico, eurocêntrico e racista, no qual apenas muito recentemente algum esforço tem sido envidado para visibilizar o trabalho das revolucionárias da imagem na União Soviética de então. Foi no sentido de provocar o debate e reverter este quadro que a SESUNILA expôs os cartazes de Natalia Pinus (1901-1996), Nina Vatolina (1915-2002), Valentina Kulagina (19021987) e Vera Gitsevich (1897-1976). Todos eles traziam temas relacionados às mulheres na revolução, já no limiar do Realismo Socialista, quando se inicia a polêmica política de estado para a estética. 99







exposição a revolução russa e as mulheres, 2017


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PARA SABER MAIS SOBRE A REVOLUÇÃO RUSSA NAS SEÇÕES SINDICAIS DO ANDES/SN

Dez Dias que Abalaram o Mundo Entrevista feita pela ADUFF com Luiz Fernando Lobo, diretor da peça de mesmo nome, que celebrou o centenário da Revolução Russa https://bit.ly/3gyI8Ly

Os 100 anos da revolução russa O programa Ponto de Pauta, da SEDUFSM entrevista o historiador Luiz Dario Teixeira https://bit.ly/3sNPZqW

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N ad e j d a K r u p skai a e a c o nstru ção de u ma U niv e r sid ade Po pu lar Programa de estréia do canal do Movimento por uma Universidade Popular no ANDES/SN, no qual são apresentadas as diversas influências e inspirações históricas para a construção da Universidade Popular hoje, como Nadejda Krupskaia, a Reforma de Córdoba, José Mariátegui, Julio Mella, entre outros e outras

https://youtu.be/7zpJz0ZtBtA

contatos sesunila Celular e WhatsApp (45) 99833-1074 SESUNILA no Facebook e-mail: sesunila@gmail.com

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