universidade, carreira docente e racismo caderno sesunila no01 foz do iguaรงu junho de 2019 ISSN 2675-5564
Imagem da capa Artista Nona Faustine Over My Dead Body performance, 2013
caderno sesunila
Publicação semestral da Seção Sindical do ANDES Sindicato Nacional Docente na UNILA ISSN 2675-5564
SESUNILA Gestão 2018-2020 Andréia Moassab presidenta Clécio Mendes vice-presidente Senilde Guanaes secretária Patrícia Mechi secretária-adjunta Gilcélia Cordeiro tesoureira Juliane Larsen tesoureira-adjunta Colaboraram nessa edição Ângela Maria de Souza, Geranilde Costa e Silva, Marcos de Jesus Oliveira, Rodrigo Pereira, Rosineide Freitas
Projeto gráFico e diagramação Maicon Rugeri
Organização Andréia Moassab
Curadoria de arte Maicon Rugeri e Andréia Moassab
SESUNILA - Seção Sindical do ANDES/SN na UNILA
Avenida José Maria de Brito, n° 1707, Anexo Alfa Coworking, Jardim das Nações, Foz do Iguaçu/PR, CEP: 85.864-320 e-mail: sesunila@gmail.com / telefone: (45) 99833-1074 Todo o material escrito pode ser reproduzido para atividades sem fins lucrativos, mediante citação da fonte.
editorial Este caderno especial da SESUNILA é um registro e um
desdobramento da atividade “Universidade, Carreira Docente e Racismo”, realizada pela seção sindical em novembro de 2018. Na ocasião contamos na mesa com docentes da SESUNILA, da UNILA e com a convidada especial Geranilde Costa e Silva da UNILAB. A mesa-redonda se inseriu no âmbito da luta antirracista promovida pelo ANDES/SN e da própria SESUNILA, uma seção sindical que tem trabalhado desde sua primeira gestão numa compreensão de que a luta laboral é indiscernível da luta antirracista e contra o patriarcado, uma vez que a exploração do trabalho incide com mais contundência sobre as mulheres, as pessoas negras e indígenas e, especialmente, sobre as mulheres negras. Foi nesse contexto que em setembro de 2017 a SESUNILA lançou em Foz do Iguaçu a cartilha do ANDES “Contra todas as formas de assédio, em defesa dos direitos das mulheres, das/os indígenas, das/os negras/os e das/os LGBT”, com a presença de uma das organizadoras, a professora Adriana Dalagassa, da coordenação do GTPCEGDS - Grupo de Trabalho de Políticas de Classe, questões Étnicorraciais, Gênero e Diversidade Sexual.
Série Bastidores, 1997. Artista Rosana Paulino.
Para compor o primeiro Caderno SESUNILA, ora apresentado, além dos/as colegas que participaram da mesa realizada em novembro, convidamos a professora Rosineide Freitas, da ASDUERJ, e o professor Rodrigo Pereira, da UFBA, que têm um histórico de luta dentro do sindicato nacional pela inserção qualificada na pauta sindical do combate ao racismo. No 38o Congresso do ANDES, realizado em janeiro de 2019, um dos principais avanços na pauta antirracista foi a inclusão da ampla defesa da efetiva implementação nas universidades da lei 12.990/14, a qual reserva 20% das vagas em concursos públicos para as pessoas negras. O Congresso avançou também com outros compromissos na luta antirracista, com previsão para breve da realização de um seminário e uma cartilha específica sobre o racismo, enquanto uma luta estrutural para o sindicalismo, já que o racismo no Brasil organiza o capitalismo e a exploração do trabalho no país.
Com o objetivo de registrar a memória do debate na SESUNILA, os cinco textos que compõem o caderno trazem questões reflexivas sobre o contexto nacional e sindical, somado a contundentes relatos de vivência das pessoas negras no âmbito acadêmico, na UNILA e na UNILAB: A luta antirracista no sindicato nacional docente, por Rosineide Freitas;
População negra e educação superior, por Rodrigo Pereira; A cor/raça do homo academicus no Brasil, por Marcos de Jesus Oliveira; Uma mulher negra nas encruzilhadas da vida acadêmica, por Ângela Souza; e A UNILAB e a perspectiva afrocentrada do curso de pedagogia, por Geranilde Costa e Silva. Ao final do volume estão os links para materiais do ANDES e da SESUNILA sobre o tema. Convidamos a todos/ as docentes a se apropriarem do debate. Afinal, cabe a nós docentes e, em específico, os e as docentes da UNILA, na luta organizada, avançarmos na compreensão de como o racismo incide nas relações de trabalho locais, de modo a vislumbrar as estratégias para combatê-lo, em defesa da categoria docente na UNILA e no contexto nacional.
Portals, 2016. Artista Njideka Akunyili Crosby.
sumário A luta antirracista no sindicato nacional docente por Rosineide Freitas População negra e educação superior por Rodrigo Pereira A cor/raça do homo academicus no Brasil por Marcos de Jesus Oliveira Uma mulher negra nas encruzilhadas da vida acadêmica por Ângela Souza A UNILAB e a perspectiva afrocentrada do curso de pedagogia por Geranilde Costa e Silva O debate racial no canal youtube da SESUNILA Cartilha diversidade andes Documentário andes “Narrativas Docentes: memória e resistência negra”
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A luta antirracista no sindicato nacional docente Rosineide Freitas - ASDUERJ Mestre em Educação. Docente da UERJ
Sou uma mulher, preta, trabalhadora, professora do Ensino
Superior Público e esta caracterização nunca fez tanto sentido e se apresentou tão devida. O trabalho, pra mim, é condição de vida, sem ele não me realizo. É a partir do trabalho que torno possível a reprodução da vida e me compreendo no mundo. Ser uma mulher preta me impõe a luta no sentido mesma da coletividade, da organização, do mover-se nas estruturas, do rompimento com o óbvio, com o que é dado e naturalizado, da oposição às opressões. Trabalhar no Ensino Superior Público, a meu ver, exige, para além dos requisitos acadêmicos e científicos, empatia, compromisso político com a formação da classe trabalhadora, engajamento na luta pela sua defesa e muito mais trabalho! São a partir destas compreensões que tento me forjar cotidianamente. Na minha leitura, fazer parte de uma categoria profissional, neste momento histórico que vivemos, impõe a luta. Luta pela manutenção de direitos, luta em defesa do nosso local de trabalho, que no nosso caso deve ser 8
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tão caro à classe trabalhadora. Neste sentido, penso que, para a defesa da universidade pública se faz necessário o reconhecimento e radicalização do seu caráter popular, no que se refere ao acesso e permanência, ao conhecimento produzido e ao diálogo com a sociedade. Esta conjuntura nos impõe a luta com intencionalidade e responsabilidade contra o racismo e o machismo, da forma mesma da luta que comecei a descrever a pouco. Reconhecer que somos uma sociedade fundada no racismo estrutural e no patriarcado é compreender a centralidade do combate das diferentes expressões das opressões de raça e de gênero. Opressões estas que se apresentam, com maior ou menor intensidade, em todas as universidades públicas, nas relações interpessoais e institucionais. Pensar sobre o caráter popular das universidades públicas deve estar diretamente associado à práticas inclusivas, responsáveis, posicionadas politicamente e marcadamente antirracista e antimachista. A luta daquela que vive do seu trabalho, penso, deve passar pelo seu sindicato. Sendo quem sou, estar organizada sindicalmente, para além do engajamento político-pedagógico e de pesquisa e extensão, conduz à ampliação das possibilidades de luta em defesa da universidade pública enquanto locus de trabalho, de formação para a classe trabalhadora, e de transformação de sujeitos e realidades. O encontro com o movimento docente, espaço de militância recente para mim, revelou uma história de lutas, a intransigência na defesa da educação pública com financiamento estatal, e uma crescente na conscientização de que é preciso radicalizar o pertencimento classista e o combate ao racismo e machismo. 9
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A história recente do nosso sindicato nacional de docentes do ensino superior, ANDES/SN, revela o movimento de articulação entre as lutas específicas da categoria e da universidade, com a responsabilidade e engajamento de um sindicato classista às pautas e enfrentamentos do campo progressista e de esquerda, marcadamente anticapitalista, de princípios antimachistas e antirracistas. Organizado em Grupos de Trabalho (GT), o ANDES/SN tem no seu GT de Políticas de Classe, Etnias, Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) um espaço importante para as discussões, formação e elaboração de ações para o enfrentamento das opressões de raça, gênero e sexualidade. A compreensão da importância das políticas de cotas e ações afirmativas conduziu os debates e as pautas relacionadas ao enfrentamento ao racismo para um outro patamar e aproximou e aproxima, cada vez mais, docentes negros/as, para além de não negros/as, à organização sindical e à construção de estratégias de luta. A elaboração da Cartilha do GTPCEGDS, com capítulos dedicados à discussão sobre o combate ao racismo, reflete o caminho acertado do nosso sindicato de produzir registros, debates, formação para a base sobre o tema. A produção do documentário “Narrativas Docentes: memória e resistência negra”, evidenciou que a ocupação da educação superior pela população negra foi resultado da sua resistência e um contraponto de que o debate racial seja secundário. As discussões étnico-raciais vêm ganhando destaque e contornos estratégicos, envolvendo mais seções sindicais e pessoas na proposição de atividades e orientações de ações. 10
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A consequência deste momento foi possível ser percebida no nosso congresso anual. A Lei de cotas para os concursos públicos federais, Lei 12.990/14 foi título de textos de resolução nos 37o e 38o Congressos, culminando, este ano, na orientação às seções sindicais para o acompanhamento e engajamento na luta para sua efetiva implementação nos futuros editais para o quadro docente das universidades. As comissões de heteroidentificação, ligadas ao sistema de cotas étnico-raciais dos vestibulares e ENEM foram também alvo de debate, sendo aprovado um TR que indica a participação no processo de debates no âmbito das Comissões, no sentido de ampliação do sistema de cotas e reflexões em torno das ações afirmativas. Relativamente a produção de materiais, uma cartilha exclusiva sobre o racismo e seu enfrenteamento deverá ser produzida em breve, contendo o histórico do debate encampado pelo ANDES/SN e as pautas contemporâneas e os avanços tidos no debate. A compreensão, já institucionalizada no âmbito da direção nacional e cada vez mais incentivada junto às seções sindicais, de que as mulheres mães devem ter garantidas as condições de participarem dos espaços formativos e decisórios do sindicato com estrutura para seus/suas filhos/ as dependentes foi ratificada e reforçada no nosso congresso anual. A reflexão sobre o impacto da lógica patriarcal na condução do sindicato provocou um importante debate sobre a paridade na direção nacional e nas regionais e, por unanimidade, a paridade foi regulamentada, sinalizando o avanço do sindicato neste debate, com consequência e ações efetivas. 11
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Penso que as resoluções e ações destacadas acima estão ligadas diretamente ao combate ao racismo e machismo estruturais, e que aproximam o nosso sindicato às pautas e debates do campo progressista e de esquerda e dá consequência ao posicionamento classista com o qual nos identificamos. As lutas encampadas por estas resoluções ampliam as formas de inserção no movimento docente e abrem campos de ação e atuação para a categoria A participação nas reuniões dos GTs e a organização dos GTs locais qualificam a luta e contribuem para a articulação da nossa atuação acadêmica e profissional com a militância sindical. Estar organizada no meu sindicato, na minha seção sindical, eu, professora preta, me torna mais forte, me faz uma sujeito coletiva, amplia meus horizontes de análise e de luta, me coloca em contato com diferentes estratégias de enfrentamento do racismo e machismo estruturais e estruturantes da sociedade, e que se expressam também nas nossas universidades. Deixo, por fim, para além de um breve relato de quem sou, do que penso, e minhas impressões sobre a atuação no nosso sindicato relativas às pautas de raça e gênero, um convite à quem me lê, de se somar à sua seção sindical e ao nosso sindicato nacional! Saudações em luta!
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POPULAÇÃO NEGRA E A EDUCAÇÃO SUPERIOR Rodrigo Pereira - UFBA
Doutor em Educação. Docente da faculdade de Educação da UFBA
Historicamente, a Universidade Brasileira foi um projeto das
elites econômicas. Ao longo do tempo várias foram as formas de impedir que os filhos da classe trabalhadora tivessem garantido o acesso à própria educação superior, reservandolhes, não por opção, e como limite, o ensino técnico-profissional para o trabalho simples e estranhado. No contexto pós constituição o que assistimos, por um lado, foi a consolidação no texto legal da educação como um direito mas, por outro, a fraca regulamentação do ensino privado e, mais adiante, com a Lei de Diretrizes e Bases, uma diversificação das IES jamais vista na história. Naquele tempo o governo Fernando Henrique Cardoso rompe com o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e, na prática, mantém as universidades, mesmo que sucateadas, como instituições de pesquisa, portanto, sustentadas pelo tripé, e autoriza instituições de ensino, sem compromisso com 13
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a pesquisa e a extensão, instituições de serviços orientadas pelo lucro e pouco comprometidas, salvo raras exceções, com uma educação de qualidade. Essa estratégia do governo FHC, em conjunto com os chamados tubarões do ensino, serviu para assimilar parte significativa da demanda por acesso à educação superior que, mesmo as instituições não sendo públicas, tiverem facilidades governamentais para se popularizem e romperem as barreiras das capitais, regiões metropolitanas e, por fim, serem interiorizadas, com um elemento atrativo, o baixo custo. Esse processo foi acompanhado de variadas iniciativas do governo federal a partir de expressivas transferências de verbas públicas para iniciativa privada das quais, a mais expressiva, é o FIES que, na realidade, viabilizou o processo de financeirização da educação superior na qual a fusão dos grupos Kroton e Anhanguera é uma das maiores expressões. Porque estamos resgatando esse histórico: por considerar que os movimentos acima, embora tenham de fato democratizado o acesso de parcelas mais vulneráveis da população, foram feitos a partir de interesses privadosmercantis que não tem compromisso na oferta de uma educação de qualidade, sugerindo que aos pobres pode-se oferecer uma educação também pobre. Felizmente, como nos ensinou Gramsci, todos nós podemos ser filósofos, basta que tenhamos condições de acesso ao conhecimento para tornarmo-nos e, o povo negro e pobre têm superado as inúmeras barreiras cotidianas impostas pelas próprias instituições demonstrando que nossa resistência também se materializa em ótimos desempenhos 14
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acadêmicos, o que não se resume apenas em boa notas, mas também em capacidade de lutar pela qualidade, se organizar em coletivos de bolsistas e pressionar por condições de permanência nestas instituições. Quando falamos de parcelas vulneráveis, de pobres, não estamos falando no abstrato, a classe trabalhadora nesse país tem cor e tem gênero, e não podemos abstrair que as estratégias do capital, com suas peculiaridades brasileiras, estão sustentadas nos pilares racistas e machistas que ainda teimam em perdurar-se. Portanto, à população negra foi reservada a instituição privada, de baixo custo e qualidade duvidosa. Só que agora com a licença estatal de cobrar-lhes mérito, porque afinal, já lhes foram dadas as oportunidades... Ocorre que a população negra não se contentou com medidas paliativas do Estado e com o processo de democratização do acesso apenas pela via privada. O movimento negro, em conjunto com outros movimentos sociais, foi além. Era preciso mudar as estruturas das universidades públicas brasileiras, para que os pretos e pobres ocupassem aquele espaço. E foi no âmbito da reestruturação das IFES que o debate de cotas étnico-raciais para ingresso na educação superior se impôs como uma reivindicação central do movimento. Assim, a aprovação da Lei nº 12.711/2012 que reserva 50% cotas para estudantes de escolas públicas nas universidades e institutos federais combinando critérios econômicos e étnicoraciais, é a materialização de uma política de ação afirmativa que sempre ocupou parte das reivindicações do movimento negro e do conjunto de movimentos sociais progressistas. Esse instrumento foi essencial para mudar a composição 15
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daquelas instituições, garantindo que parcelas da sociedade, historicamente excluídas, ocupassem um espaço que é seu por direito. As políticas de ações afirmativas não pararam por ai, garantido o acesso foi necessário viabilizar as condições de permanência dessa população que, após mais de 500 anos, agora ingressava na universidade, contudo, dado histórico de segregação e inequidade, não tinha condições de se manter nela. Nesse contexto, as políticas de permanência, no âmbito do Plano Nacional de Assistência Estudantil foram essenciais para assegurar o direito à educação superior, sobretudo, dos negros e pobres. Contudo, as políticas de ação afirmativa ainda encontram entraves e limitações. Entraves estes que comprometem parte da conquista, incluindo aí fraudes nos processos, contradições das comissões de heteroidentificação, falta de compreensão sobre a própria lei – a exemplo da desinformação em torno do direito de concorrer, concomitante, às vagas de cotas e em ampla concorrência, entre outros. Por seu turno, as limitações tem haver com as dimensões do racismo estrutural em uma sociedade capitalista, que se materializa em diversas estratégias, a exemplo do racismo institucional e, no campo da produção do conhecimento, no epistemicídio e invisibilização de formulações teóricas, autoras e autores negros. Elemento que causa um distanciamento de parcela dos estudantes que entraram nas instituições de educação superior públicas, mas que não se sentem representados em um espaço que não entende suas culturas, anseios, temáticas, realidade econômica e social, ancestralidades. Um espaço16
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ambiente que foi preparado para atender um outro público, uma outra parcela da população que não a parte de sua maioria: negra e popular. Acredito ser nesse contexto que deva ser debatida a lei de cotas para ingresso no serviço público federal e sua efetiva implementação nas universidades e institutos federais. Estudos do IPEA demonstram que, ainda em 2014, os servidores públicos federais ativos, negros e negras, ocupavam cerca de 50% dos cargos de nível auxiliar, esse percentual diminuía para cerca de 30% nos cargos de nível intermediário e, não chegavam a 20% no nível superior, em um país cujo 50,7% da população se autodeclara negra ou parda. Pois bem, a lei 12990/2014 determina a reserva de 20% de vagas nos concursos no âmbito do serviço público. Além disso, o Supremo Tribunal Federal ao atestar a constitucionalidade da lei, em 2018, deixou nítida sua intenção e abrangência. No embargo declaratório de aplicabilidade da lei o órgão diz o seguinte: “a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos 17
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durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas”. De tal forma que, o que vem acontecendo na realidade das universidades públicas, é o observado no item iii que destacamos. Ou seja, ao fragmentar as vagas por cursos, departamentos e áreas específicas, por meio de vários editais ou da não aplicabilidade da lei em editais gerais que mantém a fragmentação, as instituições operam na lógica do racismo estrutural e, mais, fortalecem mecanismos de racismo institucional invisibilizando o povo negro em seu interior, assim como o distanciamento de uma parcela significativa dos estudantes que não se veem representados num corpo docente excessivamente branco que, muitas das vezes, se apega ao debate meritocrático, para não reconhecer suas próprias limitações de lidar com uma nova realidade na composição da instituição e, também, esconder seus racismos e preconceitos. Dados do último censo do INEP apontam que negros representam 1,4% do universo de professores do ensino superior, demostrando o quanto é necessário avançar para que, no mínimo, tenhamos plenas condições de aproximar o corpo docente ao percentual de negros em cada uma das regiões brasileiras. Contudo, essa luta não tem sido fácil. Mas experiências de aplicabilidade da lei tem sido construídas no âmbito da autonomia da Universidade mas também do olhar atento ao que diz a legislação. Há experiências como o sorteio das áreas que deverão ser reservadas as vagas destinadas ao concurso, e outras opções mais estruturadas como foi o caso da Universidade 18
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Federal da Bahia que aprovou, em dezembro de 2018, a regulamentação da Lei. Na UFBA as vagas são reservadas no âmbito do edital geral (ex.: 100 vagas no total, 20 vagas reservadas). No primeiro momento verificam-se as áreas com mais de duas vagas e aplica-se a reserva. Não alcançando o número total de vagas à serem reservadas, após as aprovações dos candidatos e candidatas, elabora-se uma lista dos que optaram pela reserva, independente de sua área de conhecimento, para que eles ocupem as primeiras posições de sua área, até que se ocupem o número total de vagas reservadas, garantido assim, diferente da metodologia do sorteio, que a reserva seja aplicada independentemente da quantidade de vagas para uma área específica2 e 3, sempre resguardado o procedimento de heteroidentificação. Um avanço metodológico que pode servir de inspiração para outra IES a fim de implementação e aperfeiçoamento. A regulamentação da Lei na UFBA, é um avanço considerável se observada o quadro atual das IES públicas que ainda não desenvolveram estratégias para efetiva implementação da reserva de vagas, contudo, a lei garante um piso, não um teto. É relevante o debate para que a proporção de docentes nas IES seja equivalente à proporção desta população no conjunto da sociedade, respeitando as proporcionalidades regionais, assim, mantem-se o debate e a reivindicação para que avancemos nos concursos públicos para que alcancemos tais percentuais. Em seu último congresso o ANDES Sindicato Nacional aprovou a luta pela efetiva implementação da lei de cotas acompanhando, vias suas seções sindicais, os órgãos 19
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deliberativos responsáveis por esta questão a fim de pressionar pela aplicabilidade da lei. É fundamental que nossa categoria possa compreender a importância e a dimensão estrutural dessa luta. Ao movimentarmos a estrutura racista incrustada na universidade, daremos também importante contribuição para movimentar um dos pilares da opressão e exploração de classe na sociedade. E essa é uma tarefa de todos nós pois, não basta não ser racista, é preciso que sejamos anti-racista.
Segundo os itens 10.1, 10.2 do edital MEC/UFBA 02/2018 para ingresso na carreira de magistério superior: “10.1 As áreas de conhecimento que possuam a partir de três vagas terão reserva automática para candidatos negros e as áreas de conhecimento que possuam a partir de cinco vagas terão reserva automática para candidatos com deficiência, de acordo com o § 1o do Art. 1o da Lei no 12.990/2014 e na forma do § 2o do Art. 5o da Lei no 8.112/1990, bem como na forma do § 1o do Art. 1o do Decreto no 9.508/2018” e continua: “10.2 Para as demais áreas de conhecimento, depois de aprovado, o candidato com deficiência ou negro melhor classificado em sua área de conhecimento, será reclassificado em lista única em ordem decrescente, independentemente da área de conhecimento, de acordo com a sua nota final (média aritmética das notas finais atribuídas pelos examinadores), elaborada com vistas a garantir que o número de vagas reservadas previsto em lei seja atendido”. 2
O Item 10.5 do mesmo edital deixa afirmado que: “10.5 Os candidatos com deficiência, bem como os candidatos negros, enquadrados no item 10.2 ocuparão a primeira vaga respectiva, ainda que esta seja a única e as suas classificações não lhes garantam a primeira posição, desde que tenham sido aprovados” 3
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Ntozakhe II, Parktown, 2016. Artista Zanele Muholi.
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A cor/raça do homo academicus no Brasil Marcos de Jesus Oliveira - UNILA
Doutor em sociologia. Docente do ILAESP. Ex-secretário da SESUNILA na gestão 2016-18. Participou da mesa-redonda “Universidade, Carreira Docente e Racismo”, organizada pela SESUNILA em novembro de 2018.
Embora
tenha havido, nos últimos anos, um ligeiro crescimento de pesquisas sobre a raça/cor dos/as docentes universitários no Brasil, ainda faltam investigações que discutam o papel da universidade na (re)produção das desigualdades étnico-raciais no país de forma mais ampla. Tal debate é essencial, pois as universidades públicas são uma das principais instituições de formação da chamada “nobreza de Estado”, desempenhando um papel bastante significativo na reprodução e/ou na transformação de desigualdades de várias ordens. Por muito tempo, tratou-se a questão racial como “o problema do negro no Brasil”; no entanto, algumas importantes contribuições advindas, sobretudo, das ciências sociais, romperam com tal concepção e passaram a abordar o efeito do racismo não apenas nos negros, mas também nos brancos. Indagar-se sobre o efeito do racismo sobre os brancos é indagar-se sobre como estes se beneficiam das desigualdades 22
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raciais, (re)produzindo seus privilégios históricos. Os estudos sobre a branquitude servem para retirar o branco de seu suposto lugar universal, do lugar de um sujeito não-marcado e não-racializado. A perspectiva acima ajuda a entender a barreira quase instransponível que tem sido o acesso do negro na docência superior a despeito das políticas de ações afirmativas nos últimos anos. Abaixo os dados revelam a disparidade entre brancos e não-brancos na carreira do magistério superior das principais universidades do país:
Tabela1: Docentes negros nas principais universidades brasileiras em 2003
Fonte: CARVALHO, 2004.
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Pelos dados, é possível perceber que os docentes negros da USP representam em torno de 1%. Embora tenha se passado mais de uma década desde quando os dados da tabela acima foram coletados, pouco mudou, pois, conforme gráfico abaixo, o perfil racial dos docentes da Universidade de São Paulo de 2015 continua em torno deste mesmo 1%, ou seja, um perfil majoritariamente de docentes brancos naquela que é amiúde tomada como a mais importante instituição de ensino superior do país: Gráfico 1: Docentes da USP por raça/cor em 2015
Fonte: MARTINS, 2018.
No que diz respeito à presença de docentes negros na pós-graduação, o número também é bastante reduzido, sobretudo, se considerarmos o contingente populacional negro no Brasil. Abaixo segue gráfico sobre a docência negra nos cursos de pós-graduação em Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia, Ciência Política e Relações Internacionais) creditados pela CAPES: 24
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Gráfico 2: Docentes nas Ciências Sociais por raça/cor em 2018
Fonte: CANDIDO; FERES JÚNIOR; CAMPOS, 2018.
Na Universidade Federal da Integração LatinoAmericana (UNILA), há uma esmagadora presença de docentes brancos ainda que, em sua missão, entre outras coisas, esteja o diálogo interepistêmico, o que poderia ser ensejado com uma maior presença de docentes negros e indígenas: Gráfico 3: Docentes efetivos da UNILA por raça/cor em 2018
79%
26%
2%
1,3%
Fonte: PROGEPE/UNILA, 2018.
25
1,3%
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Muitos outros dados poderiam ser destacados aqui como, por exemplo, o acesso de negros às bolsas de pesquisa do CNPq ou a presença de docentes negros em programas de pós-graduação na área de exatas e ciências naturais. No entanto, creio que os apresentados acima são suficientes para sinalizar a importância e a urgência de debates sobre como garantir o direito de aceder à docência superior por parte de negros e negras. Trata-se não apenas de uma necessidade histórica de justiça social, mas também de justiça e de descolonização epistêmicas. E por descolonização do espaço universitário, entendo, na esteira de Jorge de Carvalho (2018), como uma intervenção em sua constituição em todos os níveis: no corpo discente, no corpo docente, no formato institucional, no modo de convívio e na sua conformação epistêmica geral (cursos, disciplinas, ementas, teorias, pedagogias etc.). A presença de docentes negros no ensino superior é um passo importante na descolonização pela possibilidade de produzir outras agendas de ensino e de pesquisa assim como outros formatos para vida universitária e, com isso, contribuir para mudanças e transformações no cenário de desigualdade étnico-racial no país de forma mais ampla.
CANDIDO, M. et al. Raça e gênero nas ciências sociais: o perfil da pós-graduação no Brasil; Boletim OCS, 1, set. 2018. CARVALHO, J. As ações afirmativas como resposta ao racismo acadêmico e seu impacto nas ciências sociais brasileiras. Série Antropologia, 358, 2004. CARVALHO, J. “Encontro de saberes e cotas epistêmicas: um movimento de descolonização do mundo acadêmico brasileiro”. In: BERNARDINO-COSTA, J. et al. (orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018. MARTINS, L. Perfil racial dos docentes da USP analisa baixo índice de professores negros. Disponível em: https://paineira.usp.br/aun/index.php/2017/03/23/ perfil-racial-dos-docentes-da-usp-analisa-baixo-indice-de-professores-negros/. Acessado em 06/10/2018.
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Uma Mulher Negra nas encruzilhadas da vida acadêmica Ângela Maria de Souza - SESUNILA
Doutora em antropologia, docente do ILAACH. Participou da mesa-redonda “Universidade, Carreira Docente e Racismo”, organizada pela SESUNILA em novembro de 2018.
Os desafios da vida acadêmica vão muito além de nossa
rotina de trabalho, nossa produção acadêmica, atividades administrativas, publicações, lattes atualizado, avaliações e tudo mais. Se você é uma Mulher Negra, além de todos estes desafios, temos que enfrentar ainda as relações perpassadas por práticas machistas e racistas que fazem parte de nosso cotidiano. Desafios que causam danos, dores, doenças, na grande maioria das vezes vividas e sentidas em silêncio e na mais absoluta solidão. Ser uma Mulher Negra é vivenciar uma solidão cotidiana no espaço acadêmico, muitas vezes gerado pela “surdez” e pela “cegueira” de nossos(as) colegas. Trago estas reflexões para discutirmos nesta mesa, intitulada “Universidade, Carreira Docente e Racismo” e gostaria de começar minha fala exatamente pela discussão sobre o racismo. E saliento que não há e não pode haver neutralidade ou passividade diante do racismo. Todas(os) somos responsáveis. Quero fazer referência a Fanon quando 27
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ele nos diz que “O problema negro não se limita ao dos negros que vivem entre os brancos, mas sim ao dos negros explorados, escravizados, humilhados por uma sociedade capitalista, colonialista, apenas acidentalmente branca.” Quero ressaltar aqui que a universidade, a academia é este lugar em que poucos “negros vivem entre brancos”. Somos uma minoria num espaço de produção intelectual, num espaço de poder. Contraditoriamente, vivemos num país de maioria negra, a maioria que Fanon coloca como negros “ explorados, escravizados, humilhados por uma sociedade capitalista, colonialista”. Este é o negro que faz parte, em grande peso dos temas e “objetos” de estudo de nossos(as) colegas brancos(as). Viver este paradoxo faz parte da existência de nossa vivência nos espaços acadêmicos. Ao mesmo tempo, em que nossos colegas brancos(as), na sua grande maioria, não querem refletir sobre esta contradição, ou, quando refletem, é como se não fizessem parte dela, analisam este contexto como se fossem seres que estão além desta contradição, como se não fossem, eles mesmos, geradores desta situação. É como se estivessem refletindo sobre a vivência de pessoas negras, vistas nestes contextos, como menos humanos, ou não tão humanos quanto um(a) acadêmico(a) branco. Ser uma Mulher Negra na academia, é viver nestes dois mundos, o que nos gera uma grande tensão, especialmente quando viemos das periferias pobres onde estão a grande maioria da população negra brasileira. As pessoas brancas precisam refletir sobre os lugares que ocupam na estrutura racista de nossa sociedade, ou melhor, pensar (e agir) sobre qual é a sua responsabilidade para modificarmos esta estrutura. 28
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Mesmo tendo consciência de nossa condição enquanto cidadãs(ãos) negras(os), o confronto com o racismo nos torna negras(os) a partir de uma lógica construída pela perspectiva escravocrata-colonialista. Levanto esta questão porque este “tornar-se negro” é resultado de um enfrentamento do racismo. Muitos de nós nos confrontamos com o significado de sermos negros(as) quando nos deparamos com o racismo, quando sofremos em nossos corpos e mentes seus impactos. E nos atinge psicologicamente de forma contundente, como Fanon nos mostra. E isso se acirra em sociedades construídas numa lógica de branqueamento, como a brasileira. Quero localizar a universidade como um dos principais espaços em que o branqueamento e a branquitude estão materializados. E quero citar três momentos em que vivenciei estas experiências na Universidade enquanto docente, Mulher e Negra. Sou uma Mulher, Negra, da periferia e um das primeiras da família a entrar na universidade como estudante e a única docente numa universidade pública. Desde que coloquei meus pés, pela primeira vez neste espaço, me deparo com o racismo, seja enquanto estudante, pesquisadora, docente ou gestora, o que já somam mais de 30 anos. E poderia aqui relatar inúmeras situações por mim vivenciadas, mas quero me ater a alguns exemplos mais recentes. Atuando na docência, fui participar de uma reunião na sala de uma colega que trabalha com direitos humanos para discutirmos questões de trabalho e, tal foi minha surpresa, quando me deparo com um quadro de um navio negreiro emoldurado na parede em frente a sua mesa de trabalho. Aquela imagem me aterrorizou. Me perguntava, sem conseguir falar, como alguém usa um quadro de um 29
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navio negreiro como objeto de decoração? O que a autoriza a fazer isso, ser uma mulher branca? Será que ela, trabalhando com direitos humanos não consegue perceber a violência ali presente? Será que ela percebia o significado daquele ato? O que ela, além de branca, com sobrenome de descendência europeia, que no sul possui um forte simbolismo ligado a uma política de branqueamento, pretendia com aquele quadro tão perverso? Eu não consegui verbalizar minha angustia e perplexidade. Durante muito tempo fiquei com aquela cena em minha mente. Hoje percebo que aquele quadro estava dentro de um cenário de “normalidade” que exclui e violenta quem não é uma pessoa branca, ou seja, Eu. Esta violência é cotidiana e silenciosa. Se eu tivesse falado para ela sobre meu incômodo, será que ela entenderia? Ser uma mulher branca é ter privilégios sim e refletir sobre eles é determinante. O discurso não é suficiente, a prática precisa ser minimamente coerente com sua argumentação intelectual, tão rebuscada e sedutora, mas vazia. O segundo exemplo que trago foi uma situação que ocorreu no período em que fui Pró-Reitora de Extensão. Um “colega”, durante uma reunião da Comissão Superior de Extensão, depois de um longo discurso sobre uma das pautas da reunião, me questiona: “porque eu, homem branco, não posso ser pró-reitor de extensão”? Ao ouvi-lo o impacto foi grande. Mais uma vez fiquei perplexa. Mas, neste momento o que me assustou ainda mais foi o silêncio dos demais “colegas”. Cheguei a duvidar do que tinha acabado de ouvir, o que ocorre em muitos casos de racismo. Mas eu e mais um colega negro ouvimos a mesma frase sim. O que significa 30
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Série Re-existindo, 2004. Artista Renata Felinto.
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que somente duas pessoas negras tenham percebido o que estava acontecendo? Ali estava explícita a pouca importância dada a uma situação como esta, típico de muitos de nossos colegas que presenciam racismo e machismo em silêncio. Ali estava naturalizado o racismo e o machismo sem qualquer questionamento, alguns nem perceberam ou ignoraram. Ou seja, todos contribuíram com a atitude de nosso “colega”. Com certeza este homem branco não faria este questionamento a uma mulher branca, a um homem negro ou indígena e muito menos a um homem branco, mas, sentiu muita tranquilidade para questionar uma mulher negra. O que lhe deu esta tranquilidade? A resposta está no silêncio. Sua atitude foi legitimada pelo silêncio dos colegas ali presentes naquela reunião, em torno de umas 12 a 15 pessoas. Esta situação explicitou o incômodo que ele sentia em ter uma mulher negra naquele espaço. Ou seja, ele, como homem branco, explicitava seu racismo e machismo livremente, porque o incomodava o lugar que eu, mulher negra, ocupava na hierarquia acadêmica. Independente do lugar que ele ocupava, sua atitude estava aqui sendo respaldado por sua condição enquanto homem branco e também com sobrenome de origem europeia, que ele tanto sublinha quando se apresenta. Em outras palavras, um homem branco desfrutando de seus privilégios. Incômodo. Causamos incômodo por ocuparmos lugares/espaços, como a docência numa universidade pública. Exatamente porque estes espaços “são concebidos” para serem “ocupados” por pessoas brancas. E ao ocuparmos estes lugares sempre nos veem como “fora do lugar”, como se estes espaços não pudessem ser ocupados por pessoas 32
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negras, especialmente as mulheres. E somos duplamente marcadas em nossos corpos de mulheres negras, pelo racismo e pelo machismo. Mas nossos corpos também são marcados por serem os lugares da pobreza, que é a terceira situação que aqui trago na fala de uma colega branca, que durante uma discussão sobre as questões de gênero na Universidade, reforçava em sua fala que por eu ser uma mulher negra, em mim também estava marcada a pobreza. Gênero, Raça e Classe marcam nossos espaços dentro da universidade. Ou seja, somos interseccionalmente vistas dentro das Universidades, mas isso não potencializa nossas lutas políticas no diálogo enquanto pessoas negras. Ao contrário, todos estes vetores que nos discriminam são usados como formas de opressão sempre que precisam, de forma velada ou explicitamente, como fez o homem branco. Estas três situações fizeram parte das minhas relações de trabalho com pessoas brancas, duas mulheres e um homem, colegas de universidade, todas com sobre nomes de descendência europeia. Estas três pessoas possuem um discurso de abertura para as discussões raciais, de gênero e classe mas, seus atos, suas ações reforçam opressões que, nós negras, lutamos arduamente para combater. Trabalhar com estas situações e modificá-las necessita empenho dos dois lados. Mas parece algo tão distante e, nestes casos, o silêncio é ensurdecedor. São situações que geraram muitas angústias, tristezas, dores, até porque as três situações que narrei ocorreram em espaços com a presença de outras pessoas, em sua grande maioria pessoas brancas, que em nada, ou muito pouco, se sentiram atingidas. 33
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É óbvio que estas são apenas três das inúmeras situações que eu poderia aqui relatar e que minhas/meus colegas negras(os) e indígenas vivenciam corriqueiramente. Em muitos casos, só temos consciência de que foi uma ato racista ou machista, ou os dois juntos, algum tempo depois. Por isso não é fácil reagir, até porque a reação pode gerar ainda mais agressões e ofensas. Sabemos da grande dificuldade que as pessoas, a maioria delas, têm, para compreender como funciona o racismo, como ele se embrenha nas estruturas de poder, e, ao mesmo tempo, nos atos mais corriqueiros e “banais”. Lutar contra a naturalização destes atos é uma guerra diária que nos causa insônia, sofrimento, angústia, distúrbios. Nossos corpos padecem. E esta é uma das perversidades do racismo. Conseguir trabalhar estas questões é determinante, mas, nada disso tem sentido se ficarmos falando somente entre pares. O racismo é um problema de toda a sociedade, não somente das pessoas negras e/ou indígenas. Mudar esta direção é determinante para refletir sobre nossas/suas práticas e gerar mudanças. Lelia Gonzalez, uma importante intelectual negra, bastante invisibilizada no espaço acadêmico, tensionou o movimento feminista ao expor seu racismo e tensionou o movimento negro ao expor seu machismo. Dois movimentos do qual faço parte e que muito me ensinaram nesta trajetória de vida. Mas quero acrescentar aos aprendizados que Lelia Gonzalez nos traz, que os sindicatos e as Universidades, como muitos outros espaços, precisam ser ainda mais tensionados a partir desta dupla/tripla perspectiva. Apesar de todo o discurso, não conseguimos visualizar mudanças contundentes, a não 34
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ser aquelas resultados de lutas da própria população negra, como as Ações Afirmativas, por exemplo. O trabalho das pessoas negras, mulheres, indígenas é muito bem vindo para somar na luta, mas os cargos representativos, os espaços de poder e visibilidade são sempre, ou quase sempre, ocupados por pessoas brancas, principalmente os homens, é só analisarmos a gestão da grande maioria das nossas universidades. E quando uma pessoa negra ocupa um destes cargos, é sempre exceção, e, muito provavelmente, depois deste(a) não se sabe qual será o(a) próximo(a). Importante também citar que, enquanto mulheres negras, somos muito mais cobradas e punidas em nossos espaços de trabalho. Nossas ações e atitudes possuem significados muito distintos quando comparados a ações de homens e demais pessoas brancas. E isso é opressão. É muita opressão. Nós negras e negros somos sempre exceção num país de maioria negra e isso explicita o racismo em todos os espaços sociais e a universidade é um deles. No nosso caso, considero ainda mais grave, já que discutimos, teorizamos e sabemos muito bem quais as consequências de uma sociedade racista. Mas, ao contrário do que discursamos, não temos práticas que possibilitem mudanças consideráveis na estrutura social. A universidade continua reproduzindo práticas patriarcais e racistas. É necessário entender que o racismo não é um problema de pessoas negras, é um problema de toda a sociedade, assim como o machismo não é um problema somente das mulheres, e que discutir suas consequências não são suficientes se não tivermos ações concretas. Temos que 35
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ser seres da ação, da prática. É necessário transgredir, como afirma Bell Hooks. Para finalizar, quero trazer um poema que para mim é muitíssimo importante, um poema que fala de Mulheres Negras mas que fala também das pessoas brancas nas relações com estas mulheres. Considero a poesia uma forma privilegiada para este debate, mas assim como em outros espaços, estas poesias, produzidas por Mulheres Negras, ainda são pouco conhecidas ou reconhecidas1. É o caso de uma das maiores escritoras que temos na atualidade, Conceição Evaristo, com seu poema Vozes-Mulheres, que trago ao lado. Quero aqui citá-la, para ressaltar que seu reconhecimento é parcial e tardio. Sua produção literária e sua trajetória de vida não se separam e são importantes instrumentos para refletirmos sobre as questões raciais e de gênero que tanto nos afetam. Trago este poema porque me vejo nele, assim como vejo todas as mulheres que lutaram e lutam para que eu estivesse neste espaço e escrevendo este texto.
Trabalhei com três destes poemas, de Conceição Evaristo, Shirley Campebell Barr e Victória Santa Cruz no artigo Diálogos Interseccionais: ancestralidade e poesia na resistência de mulheres Negras. In: GÓES, Luciano (org.) 130 anos de (des)Ilusão: a farsa abolicionista em perspectiva desde olhares marginalizados. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2018. 1
CRENSHAW, K. Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Driscriminação Racial relativos ao Gênero. Estudos Feministas, 1/2002. EVARISTO, C. Poemas da Recordação e outros movimentos. Rio de Janeiro: Malê, 2017. FANON, F. Pele Negra Máscaras Brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008. GONZALEZ, L. Por um feminismo Afro-latino-americano. Caderno de Formação Política do Círculo Palmarino. n.1. 2011. GONZALEZ, L. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984. HOOKS, B. Ensinando a transgredir. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.
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Vozes-Mulheres Conceição Evaristo A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. ecoou lamentos de uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo. A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela
A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem – o hoje – o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância O eco da vida-liberdade. 37
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A UNILAB E A PERSPECTIVA AFROCENTRADA DO CURSO DE PEDAGOGIA Geranilde Costa e Silva - unilab
Doutora em Educação. Docente da UNILAB. Participou da mesa-redonda “Universidade, Carreira Docente e Racismo”, organizada pela SESUNILA em novembro de 2018.
A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-brasileira – UNILAB, foi criada em 2010 por meio da Lei Federal nº 12.289, sendo uma instituição de ensino superior que tem sua gênese fincada em princípios básicos, que são, primeiro contribuir para a formação, difusão e aprimoramento de profissionais que atuam, especialmente, região do Maciço de Baturité, no Ceará, e do Recôncavo Baiano Adotando, portanto, uma participação significativa na região, ao desenvolver o projeto de formação mão-de-obra, nas áreas de Bacharelado em Humanidades, Formação de Professores, Tecnologias Sustentáveis, Saúde, dentre outras, por meio de uma educação antirracista de base africana e afro-brasileira. E segundo, o da cooperação internacional 38
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solidária envolvendo Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, além de Timor Leste, na Ásia. Cabe destacar a presença na UNILAB de estudantes oriundos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe. Redenção, no Ceará, foi escolhida para sediar a UNILAB devido ao papel histórico-político que desenvolveu frente ao fim do tráfico negreiro, sendo reconhecida como a primeira cidade do país, na época Vila do Acarape, a promover a abolição da escravatura negra, cinco anos antes da sua oficialização no Brasil. Contraditoriamente, são muitos os relatos de africanos/as e/ou negros/as, incluindo discentes e docentes, que revelam ser vítimas de racismo e/ou presenciar práticas racistas na cidade. A dissertação de mestrado da pesquisadora redencionista Joanna Farias, “Cadê o preto que estava aqui? Presença e alocação de escravizados em vila de Acarape e Baturité (1870-1884)”, demonstra que se um lado as sociedades abolicionistas locais se empenharam em promover a libertação negra em 1883, não se pode dizer o mesmo quanto à inclusão do/a negro/a como sujeito/a pleno/a de direito. Uma evidência histórica dessa exclusão é o fato de somente no século seguinte as autoridades locais fincarem na cidade elementos que rememorassem tal feito, como o Monumento Negra Nua (fig.1). O monumento, localizado na entrada de Redenção, traz uma mulher negra cativa nua, em posição de agradecimento aos seus “donos” pela liberdade, distorcendo e/ou negando a luta de negros e negras pela liberdade. Além de colocar a mulher negra em uma situação 39
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de desrespeito, uma vez que associa sua imagem aos prazeres sexuais. Outro exemplo é o Museu Senzala Negro Liberto, criado em 2003, que permite, segundo o dono do espaço, conhecer como se dava as relações entre os/as negros/as e seus/suas donos/as (fig. 2 e 3). Figura 1. Monumento Negra Nua, do artista plástico cearense Eduardo Pampola
Figura 2. Entrada do Museu Senzala Negro Liberto.
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Figura 3. Interior do Museu Senzala Negro Liberto.
Em outras palavras, o tema da abolição da escravatura negra é romantizado e colonizado, tendo como consequência, primeiro, a ilusão da inexistência do racismo em Redenção, e segundo, um desconhecimento histórico sobre a presença negra na cidade, que é fruto da ausência dessas questões na educação básica, bem como no ensino superior. Por sua vez, a presença de estudantes e docentes negros/as na região, em função da UNILAB, tem revelado o racismo por meio de denúncia desses/as, seja como vítima e/ou como observador/a. O estudante guineense Mustafa Bari, do curso de Pedagogia, revela que: Ao conversar com uma pessoa do Ceará, ela às vezes te faz cada pergunta que você nunca poderia imaginar que uma pessoa desse mundo ia perguntar. Indagações do tipo: “- Vocês vieram para o Brasil de cavalos?”; “-Vocês moravam com leões?” ou ainda: “-Foi aqui que vocês começaram a vestir roupas?”... enfim, é cada tipo de pergunta que me deixou muito assustado, cheguei até a pensar: Como dizer que o Brasil é um país muito mais avançado que Bissau se as pessoas tem esse pensamento sobre África? Isso é Racismo, preconceito e discriminação e são práticas tão vivas no Brasil que às vezes dá até medo de continuar a morar aqui.
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Outro estudante guineense, do curso de Sociologia, mostra o racismo dentro da própria universidade: Em maio de 2014 cheguei ao Brasil, no estado Ceará. Nos primeiros meses tive dificuldades para me adaptar a essa nova realidade sem falar das divisões dentro da sala, ou seja, africanos/as de um lado e brasileiros/ as do outro, o que evidenciava manifestação do racismo dentro de uma universidade pública que pretende ser de integração luso afro-brasileira.
Frente a essas questões, tendo plena consciência da necessidade de construir uma educação não racista é que o curso de Pedagogia decidiu pelo afrocentrismo, enquanto referencial teórico-metodológico para desenvolver a formação de pedagogos/as não racistas.
A proposta curricular afrocentrada do curso de pedagogia da UNILAB
Fundamentar
o Projeto Político Pedagógico do curso de Pedagogia no afro-centrismo é apontar para a criação de uma educação antirracista, que propõe práticas pedagógicas voltadas à uma educação ética entre negros/as e não-negros/ as, em especial aqueles e aquelas que se reconhecem como brancos/as. Essa educação tem por ética o pensamento do psiquiatra negro Frantz Fanon, quem defendia que às pessoas negras está o direito de poder tomar consciência de uma nova possibilidade de existir, ao mesmo tempo que em levaria o grupo de brancos/as reconhecer “a manutenção do status quo, isto é, a conservação dos privilégios que o grupo branco obtém – mesmo quando na condição de pobreza – é devido ao racismo estrutural”. 42
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Uma
proposta
pedagógica
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deve
“partir em primeiro lugar dos conhecimentos em educação elaborados ao menos nos países da integração UNILAB em África”. Significa, ainda, priorizar “os conhecimentos em educação pertinentes ao universo diaspórico negro, com ênfase no Brasil” e “contemplar os saberes ditos ‘clássicos ou universais’ elaborados pelo pensamento educacional europeu”. Nesse sentido, os princípios norteadores do projeto político-pedagógico do curso são: a construção de uma educação antirracista pautada no escopo decolonial, que se disponha a romper com os pensamentos gravados nas mentes e corpos por gerações, de modo a reconhecer o pensamento dos povos originários e de diáspora forçada como epistemologias legítimas para a cultura dos povos colonizados;
•
• o reconhecimento do lugar histórico e socialmente atribuído
– dar-se conta de que o racismo é algo estrutural e que dessa forma determina o lugar social, econômico e psicológico de negros/as e brancos/as; ao ser negro
• a compreensão do/a negro/a como participe de uma história e cultura brasileira marcada pelas africanidades; • a desconstrução da falácia da democracia racial que
supõe uma igualdade racial, em que negros e brancos, tem direitos e oportunidades equivalentes. a valorização da ancestralidade; o território como lugar de saber que dão espaço para a vida e seus significados à história de um grupo, que permitem que um coletivo se diferencie dos demais.
• •
43
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•
- reconhecendo e valorizando o conhecimento que é produzido e repassado por meio da a tradição oral
oralidade, seja da fala ou dos sons manifestados pelos elementos da natureza ou pelos instrumentos musicais ou não; o reconhecimento do corpo como fonte espiritual e racional de saberes; o respeito à religiosidade como fonte de sabedoria. Por meio da religiosidade compreende-se o valor e o significado de cada elemento e de cada ser presente na Terra; a circularidade, princípio oriundo da compreensão de religiosidade: eu sou por meio do outro, isto é, tudo que atinge a mim também atinge ao outro; o ubuntu, guiando os valores civilizatórios de base africana e afro-diaspóricos numa abordagem atualizada, ligada à vida cotidiana, que busque fazer uma ciência que dê
• • • •
conta do hoje... do agora! Não se trata, pois de um pensamento focado ou ligado ao passado ou a um tempo perdido... ou ainda algo voltado apenas ao campo da contemplação, portanto, sem exigência ou possibilidade de ação. Ao adotar-se o ubuntu como base epistêmica, o curso assenta-se nos (a) valores civilizatórios de base africana e afrodiaspóricos; (b) nos temas de interesses da população afro-brasileira e africana, e, (c) nas questões específicas ao campo da formação do/a pedagogo/a. Por conseguinte, as ações do curso se voltam a uma produção acadêmica que permite a estudantes brasileiros/as e africanos/as pensar, discutir e propor alternativas para os problemas educacionais tendo como referência também seus lugares de origem. 44
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Como se pode imaginar, a execução desse PPC tem se revelado um grande desafio ao seu corpo docente, uma vez que todos/as, estudantes e docentes, tiveram uma formação escolar e/ou acadêmica sedimentada em uma educação eurocêntrica, tornando necessário o entendimento da nova lógica epistemológica, pedagógica e metodológica. Tal empreitada requer todo um esforço intelectual e didáticopedagógico de seus/suas docentes para que os/as estudantes brasileiros/as e africanos/as percebam a atualidade desses valores enquanto Estatuto Filosófico Africano. Trata-se de uma proposta de vida coletiva, EU-NÓS, alicerçada pelo respeito ao cosmo e tudo que nele há (seres vivos e não vivos). Daí a necessidade de se pensar o passado, o presente e futuro como instâncias interligadas de poder/fazer, pois no passado, foi possível ou se pôde fazer ... O presente é o tempo do agora... tempo do fazer e o futuro está sendo proposto no presente, no tempo do agora! Nesse sentido, a Filosofia Africana Ubuntu reafirma que temos responsabilidade individual (EU) e coletiva (NÓS) sobre a direção do mundo nas suas instâncias indissociáveis: passado-presente-futuro. O filósofo moçambicano José Castiano diz que esse modo ubuntuista de pensar a relação do ser humano no e com o Tempo determinando a relação Eu-Nós, é na verdade um tipo de narrativa com pretensão universalista. Contudo, se difere dos modelos eurocentristas de narrativas, uma vez que está assentada na Ética. Isto é, a valorização do Eu-Nós é uma atitude política para abordar os problemas que atingem a humanidade. Castiano afirma que é exatamente em função desse processo moderno de negação da 45
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humanidade e capacidade intelectual das pessoas africanas, que as filosofias, as africanas se mostram como um clamor por reconhecimento da humanidade e que se armam em sua dimensão radicalmente política. Seja por resistir à negação política da humanidade e da capacidade filosófica dos povos africanos, seja porque para o pensamento tradicional africano, seja porque não é possível dissociar as dimensões da experiência humana, de modo que todas as questões são ao mesmo tempo epistemológicas, morais, políticas, estéticas, lógicas e ontológicas, uma vez que vê o mundo de mateira totalmente interligada. Por fim, o curso de Pedagogia busca formar pedagogos/ as negros/as e não-negros/as para atuarem de forma ética, política e pedagógica na Educação de seus lugares de origem, mirando as questões gerais e específicas pertinentes aos países da integração UNILAB. Frente à vivência desse projeto político-pedagógico, tenho particularmente experienciado dificuldades no campo da formação docente que vão desde a resistência de alunos/ as e/ou docentes em assumirem a existência e/ou a prática do racismo dentro e fora da escola à rejeição desses/as em refletir e abandonar referenciais eurocêntricos de ensinoaprendizagem que modulam corpo-mente para uma produção acadêmica racista. Dessa forma aponto como alternativa para o enfrentamento coletiva do racismo a promoção de atitudes que garantam a vida baseada no EU-NÓS, pois assim seremos capazes de construir instituições não racista que valorizem a diversidade ali presente. Sendo essa uma luta 46
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a ser encampada não apenas pela universidade, como é o caso da UNILAB, mas por outras instituições, a exemplo dos sindicatos, que são historicamente instituições que por meio de processos formativos buscam levar os/as trabalhadores/ as a desmitificarem as condições aviltantes do mundo do trabalho. De modo que esses processos formativos sindicais também podem dar conta de tratar do racismo, sexismo, dentre outras mazelas.
BRASIL. UNILAB/MEC. Projeto Pedagógico Curricular do curso de Pedagogia, 2016. CARDOSO, L. O branco ante a rebeldia do desejo: um estudo sobre a branquitude no Brasil. Tese de Doutorado. São Paulo: UNESP, 2014. CASTIANO, J. Filosofia Africana: da Sagacidade à Intersubjectivação com Veiga. Maputo: Educar, Universidade Pedagógica, 2015. CASTIANO, J. Referenciais da Filosofia Africana. Em busca da intersubjectivação. Maputo: Ndjira, 2010. FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. FARIAS, J. CADÊ O PRETO QUE ESTAVA AQUI? Presença e alocação de escravizados em vila de Acarape e Baturité (1870-1884). Dissertação de Mestrado. Redenção: UNILAB, 2018. MUNANGA, K. Kabengele Munanga, professor. In: Geledés: África e sua diáspora, 2017. SILVA, G. et. al. O desenvolvimento pessoal-intelectual – docente e discente – referencializado no conceito de desenvolvimento de Joseph Ki-Zerbo. In: SILVA, G. (org). Experiências em ensino, pesquisa e extensão na universidade: caminhos e perspectivas. Vol. 4. Fortaleza: Imprece, 2019. SILVA, G.et a.. No passado, no presente a Construção do futuro: estudantes guineenses da pedagogia da Unilab - Olhando Guiné-Bissau desde o Brasil. In: SILVA, G. et all. Ensino, Pesquisa e Extensão na UNILAB: caminhos e perspectivas. Vol. 2. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2017.
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debate racial no canal youtube da SESUNILA universidade, carreira docente e racismo
Para acessar, clique na imagem ou use o link: https://youtu.be/eXXDARm9YmM 48
em defesa dos/as docentes negros/as
Para acessar, clique na imagem ou use o link: https://youtu.be/Y42jmYtPaQs
A importância do feminismo negro para a luta sindical e classista
Para acessar, clique na imagem ou use o link: https://youtu.be/d687Y1Qj2BQ 49
dossier universidade, carreira docente e racismo
subalternidade e luta de classes: uma perspectiva a partir do feminismo negro
Para acessar, clique na imagem ou use o link: https://youtu.be/0JHxwoOyvyU
Cartilha diversidade andes Para acessar, clique na imagem ao lado ou use o link: http://portal.andes.org.br/ imprensa/documentos/ imp-doc-1669293546.pdf
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documentário ANDES “Narrativas Docentes: memória e resistência negra”
Para acessar, clique na imagem ou use o link: https://youtu.be/bR8mXCuFeR8
contatos sesunila Celular e WhatsApp (45) 99833-1074 SESUNILA no Facebook e-mail: sesunila@gmai.com 51