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A cor/raça do homo academicus no Brasil

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Expediente

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Marcos de Jesus Oliveira - UNILA Doutor em sociologia. Docente do ILAESP. Ex-secretário da SESUNILA na gestão 2016-18. Participou da mesa-redonda “Universidade, Carreira Docente e Racismo”, organizada pela SESUNILA em novembro de 2018.

Embora tenha havido, nos últimos anos, um ligeiro crescimento de pesquisas sobre a raça/cor dos/as docentes universitários no Brasil, ainda faltam investigações que discutam o papel da universidade na (re)produção das desigualdades étnico-raciais no país de forma mais ampla. Tal debate é essencial, pois as universidades públicas são uma das principais instituições de formação da chamada “nobreza de Estado”, desempenhando um papel bastante significativo na reprodução e/ou na transformação de desigualdades de várias ordens. Por muito tempo, tratou-se a questão racial como “o problema do negro no Brasil”; no entanto, algumas importantes contribuições advindas, sobretudo, das ciências sociais, romperam com tal concepção e passaram a abordar o efeito do racismo não apenas nos negros, mas também nos brancos. Indagar-se sobre o efeito do racismo sobre os brancos é indagar-se sobre como estes se beneficiam das desigualdades 22

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raciais, (re)produzindo seus privilégios históricos. Os estudos sobre a branquitude servem para retirar o branco de seu suposto lugar universal, do lugar de um sujeito não-marcado e não-racializado. A perspectiva acima ajuda a entender a barreira quase instransponível que tem sido o acesso do negro na docência superior a despeito das políticas de ações afirmativas nos últimos anos. Abaixo os dados revelam a disparidade entre brancos e não-brancos na carreira do magistério superior das principais universidades do país:

Tabela1: Docentes negros nas principais universidades brasileiras em 2003

Pelos dados, é possível perceber que os docentes negros da USP representam em torno de 1%. Embora tenha se passado mais de uma década desde quando os dados da tabela acima foram coletados, pouco mudou, pois, conforme gráfico abaixo, o perfil racial dos docentes da Universidade de São Paulo de 2015 continua em torno deste mesmo 1%, ou seja, um perfil majoritariamente de docentes brancos naquela que é amiúde tomada como a mais importante instituição de ensino superior do país:

Gráfico 1: Docentes da USP por raça/cor em 2015

Fonte: MARTINS, 2018.

No que diz respeito à presença de docentes negros na pós-graduação, o número também é bastante reduzido, sobretudo, se considerarmos o contingente populacional negro no Brasil. Abaixo segue gráfico sobre a docência negra nos cursos de pós-graduação em Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia, Ciência Política e Relações Internacionais) creditados pela CAPES: 24

Fonte: CANDIDO; FERES JÚNIOR; CAMPOS, 2018.

Na Universidade Federal da Integração LatinoAmericana (UNILA), há uma esmagadora presença de docentes brancos ainda que, em sua missão, entre outras coisas, esteja o diálogo interepistêmico, o que poderia ser ensejado com uma maior presença de docentes negros e indígenas:

Gráfico 3: Docentes efetivos da UNILA por raça/cor em 2018

79%

26%

2% 1,3% 1,3%

Muitos outros dados poderiam ser destacados aqui como, por exemplo, o acesso de negros às bolsas de pesquisa do CNPq ou a presença de docentes negros em programas de pós-graduação na área de exatas e ciências naturais. No entanto, creio que os apresentados acima são suficientes para sinalizar a importância e a urgência de debates sobre como garantir o direito de aceder à docência superior por parte de negros e negras. Trata-se não apenas de uma necessidade histórica de justiça social, mas também de justiça e de descolonização epistêmicas. E por descolonização do espaço universitário, entendo, na esteira de Jorge de Carvalho (2018), como uma intervenção em sua constituição em todos os níveis: no corpo discente, no corpo docente, no formato institucional, no modo de convívio e na sua conformação epistêmica geral (cursos, disciplinas, ementas, teorias, pedagogias etc.). A presença de docentes negros no ensino superior é um passo importante na descolonização pela possibilidade de produzir outras agendas de ensino e de pesquisa assim como outros formatos para vida universitária e, com isso, contribuir para mudanças e transformações no cenário de desigualdade étnico-racial no país de forma mais ampla.

CANDIDO, M. et al. Raça e gênero nas ciências sociais: o perfil da pós-graduação no Brasil; Boletim OCS, 1, set. 2018. CARVALHO, J. As ações afirmativas como resposta ao racismo acadêmico e seu impacto nas ciências sociais brasileiras. Série Antropologia, 358, 2004. CARVALHO, J. “Encontro de saberes e cotas epistêmicas: um movimento de descolonização do mundo acadêmico brasileiro”. In: BERNARDINO-COSTA, J. et al. (orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018. MARTINS, L. Perfil racial dos docentes da USP analisa baixo índice de professores negros. Disponível em: https://paineira.usp.br/aun/index.php/2017/03/23/ perfil-racial-dos-docentes-da-usp-analisa-baixo-indice-de-professores-negros/. Acessado em 06/10/2018.

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