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A luta antirracista no sindicato nacional docente

Rosineide Freitas - ASDUERJ Mestre em Educação. Docente da UERJ

Sou uma mulher, preta, trabalhadora, professora do Ensino Superior Público e esta caracterização nunca fez tanto sentido e se apresentou tão devida. O trabalho, pra mim, é condição de vida, sem ele não me realizo. É a partir do trabalho que torno possível a reprodução da vida e me compreendo no mundo. Ser uma mulher preta me impõe a luta no sentido mesma da coletividade, da organização, do mover-se nas estruturas, do rompimento com o óbvio, com o que é dado e naturalizado, da oposição às opressões. Trabalhar no Ensino Superior Público, a meu ver, exige, para além dos requisitos acadêmicos e científicos, empatia, compromisso político com a formação da classe trabalhadora, engajamento na luta pela sua defesa e muito mais trabalho! São a partir destas compreensões que tento me forjar cotidianamente. Na minha leitura, fazer parte de uma categoria profissional, neste momento histórico que vivemos, impõe a luta. Luta pela manutenção de direitos, luta em defesa do nosso local de trabalho, que no nosso caso deve ser

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tão caro à classe trabalhadora. Neste sentido, penso que, para a defesa da universidade pública se faz necessário o reconhecimento e radicalização do seu caráter popular, no que se refere ao acesso e permanência, ao conhecimento produzido e ao diálogo com a sociedade. Esta conjuntura nos impõe a luta com intencionalidade e responsabilidade contra o racismo e o machismo, da forma mesma da luta que comecei a descrever a pouco. Reconhecer que somos uma sociedade fundada no racismo estrutural e no patriarcado é compreender a centralidade do combate das diferentes expressões das opressões de raça e de gênero. Opressões estas que se apresentam, com maior ou menor intensidade, em todas as universidades públicas, nas relações interpessoais e institucionais. Pensar sobre o caráter popular das universidades públicas deve estar diretamente associado à práticas inclusivas, responsáveis, posicionadas politicamente e marcadamente antirracista e antimachista. A luta daquela que vive do seu trabalho, penso, deve passar pelo seu sindicato. Sendo quem sou, estar organizada sindicalmente, para além do engajamento político-pedagógico e de pesquisa e extensão, conduz à ampliação das possibilidades de luta em defesa da universidade pública enquanto locus de trabalho, de formação para a classe trabalhadora, e de transformação de sujeitos e realidades. O encontro com o movimento docente, espaço de militância recente para mim, revelou uma história de lutas, a intransigência na defesa da educação pública com financiamento estatal, e uma crescente na conscientização de que é preciso radicalizar o pertencimento classista e o combate ao racismo e machismo.

A história recente do nosso sindicato nacional de docentes do ensino superior, ANDES/SN, revela o movimento de articulação entre as lutas específicas da categoria e da universidade, com a responsabilidade e engajamento de um sindicato classista às pautas e enfrentamentos do campo progressista e de esquerda, marcadamente anticapitalista, de princípios antimachistas e antirracistas. Organizado em Grupos de Trabalho (GT), o ANDES/SN tem no seu GT de Políticas de Classe, Etnias, Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) um espaço importante para as discussões, formação e elaboração de ações para o enfrentamento das opressões de raça, gênero e sexualidade. A compreensão da importância das políticas de cotas e ações afirmativas conduziu os debates e as pautas relacionadas ao enfrentamento ao racismo para um outro patamar e aproximou e aproxima, cada vez mais, docentes negros/as, para além de não negros/as, à organização sindical e à construção de estratégias de luta. A elaboração da Cartilha do GTPCEGDS, com capítulos dedicados à discussão sobre o combate ao racismo, reflete o caminho acertado do nosso sindicato de produzir registros, debates, formação para a base sobre o tema. A produção do documentário “Narrativas Docentes: memória e resistência negra”, evidenciou que a ocupação da educação superior pela população negra foi resultado da sua resistência e um contraponto de que o debate racial seja secundário. As discussões étnico-raciais vêm ganhando destaque e contornos estratégicos, envolvendo mais seções sindicais e pessoas na proposição de atividades e orientações de ações.

A consequência deste momento foi possível ser percebida no nosso congresso anual. A Lei de cotas para os concursos públicos federais, Lei 12.990/14 foi título de textos de resolução nos 37 o e 38 o Congressos, culminando, este ano, na orientação às seções sindicais para o acompanhamento e engajamento na luta para sua efetiva implementação nos futuros editais para o quadro docente das universidades. As comissões de heteroidentificação, ligadas ao sistema de cotas étnico-raciais dos vestibulares e ENEM foram também alvo de debate, sendo aprovado um TR que indica a participação no processo de debates no âmbito das Comissões, no sentido de ampliação do sistema de cotas e reflexões em torno das ações afirmativas. Relativamente a produção de materiais, uma cartilha exclusiva sobre o racismo e seu enfrenteamento deverá ser produzida em breve, contendo o histórico do debate encampado pelo ANDES/SN e as pautas contemporâneas e os avanços tidos no debate. A compreensão, já institucionalizada no âmbito da direção nacional e cada vez mais incentivada junto às seções sindicais, de que as mulheres mães devem ter garantidas as condições de participarem dos espaços formativos e decisórios do sindicato com estrutura para seus/suas filhos/ as dependentes foi ratificada e reforçada no nosso congresso anual. A reflexão sobre o impacto da lógica patriarcal na condução do sindicato provocou um importante debate sobre a paridade na direção nacional e nas regionais e, por unanimidade, a paridade foi regulamentada, sinalizando o avanço do sindicato neste debate, com consequência e ações efetivas.

Penso que as resoluções e ações destacadas acima estão ligadas diretamente ao combate ao racismo e machismo estruturais, e que aproximam o nosso sindicato às pautas e debates do campo progressista e de esquerda e dá consequência ao posicionamento classista com o qual nos identificamos. As lutas encampadas por estas resoluções ampliam as formas de inserção no movimento docente e abrem campos de ação e atuação para a categoria A participação nas reuniões dos GTs e a organização dos GTs locais qualificam a luta e contribuem para a articulação da nossa atuação acadêmica e profissional com a militância sindical. Estar organizada no meu sindicato, na minha seção sindical, eu, professora preta, me torna mais forte, me faz uma sujeito coletiva, amplia meus horizontes de análise e de luta, me coloca em contato com diferentes estratégias de enfrentamento do racismo e machismo estruturais e estruturantes da sociedade, e que se expressam também nas nossas universidades. Deixo, por fim, para além de um breve relato de quem sou, do que penso, e minhas impressões sobre a atuação no nosso sindicato relativas às pautas de raça e gênero, um convite à quem me lê, de se somar à sua seção sindical e ao nosso sindicato nacional! Saudações em luta!

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