Solicitadoria e Ação Executiva | Estudos #6

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Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

SOLICITADORIA E AÇÃO EXECUTIVA ESTUDOS #6 DEZEMBRO 2018 – DEZEMBRO 2019

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LABOR IMPROBUS OMNIA VINCIT 5


FICHA TÉCNICA 6


SOLICITADORIA E AÇÃO EXECUTIVA ESTUDOS #6 dezembro 2018 – dezembro 2019

Ficha Técnica Diretor Paulo Teixeira Editor Francisco Serra Loureiro Colaboraram nesta edição Cláudio Cardoso, Fernanda Pereira, Fernando Manuel da Silva Rodrigues, Isa Pereira, Pedro Ribeiro Pinto e Susana Alcina Pinto Conselho Geral Tel. 213 849 200 | Fax. 213 534 870 | geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 | Fax. 222 054 140 | c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 | c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 | Fax. 213 534 834 | c.r.lisboa@osae.pt Design Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Periodicidade Anual ISSN 2182-9225 Depósito legal 358745/13 Registo na ERC com o n.º 126587 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63 | 1250-038 | Lisboa N.º de contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução www.osae.pt Os trabalhos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. ESTATUTO EDITORIAL disponível em http://osae.pt/pt/pag/OSAE/estatutos-editoriais/1/1/1/361

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ÍN DI CE 8


Nota introdutória ...................................................................... 11

A Ação Inibitória no âmbito das Cláusulas Contratuais ........................... 13

As Áreas Urbanas de Génese Ilegal .................................................. 31

Do Regime Contributivo dos Trabalhadores Independentes ..................... 45

Partilha .................................................................................. 69

Anexos ................................................................................... 89

Proposta de um modelo de contabilidade para o Agente de Execução ..... 91

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Nota introdutรณria

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Nota introdutória A edição, que agora vem a lume, resulta, sobretudo, de um esforço humilde e contínuo de colaborar na administração da Justiça através de contributos que, dignificando e prestigiando a nossa classe, promovam realmente o seu aperfeiçoamento e especialização profissionais, fomentando, ainda, o desenvolvimento de algumas matérias jurídicas mais relevantes para o exercício das nossas profissões. Esta «paráfrase» intencional de algumas das nossas atribuições estatutárias elucida-nos do sentido e propósito da publicação destes Estudos que, num futuro que imaginamos próximo, terá a colaboração permanente de várias Instituições de Ensino Superior, por forma a reforçar o carácter científico da mesma. A recente criação do Instituto de Formação da Ordem – o Instituto de Formação Botto Machado – enquadra-se plenamente nos desígnios avençados e pretende-se que seja um marco na consolidação da qualidade das nossas publicações e, especialmente, da nossa formação, inicial e contínua.

Paulo Teixeira 1º Vice-Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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A Ação Inibitória no âmbito das Cláusulas Contratuais Gerais

Isa Pereira Jurista e Mestranda em Direito – Especialização em Ciências Jurídico – Administrativas e Tributárias

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I. INTRODUÇÃO Hodiernamente o consumidor é mais informado e conhecedor dos seus direitos, conferindo-lhe, assim, a capacidade de efetuar escolhas mais ajustadas e adequadas para as quais é importante salvaguardar a necessária informação. Tem acesso a informação diversa, é um consumidor atento a causas e mais exigente. Os litígios nas relações entre consumidores e agentes económicos têm vindo a aumentar face à desigualdade entre as partes, por exemplo, na celebração de contratos. O nosso objetivo principal consiste na apreciação e desenvolvimento da Ação Inibitória, no âmbito das Cláusulas Contratuais Gerais1, onde serão abordados os aspetos gerais mais relevantes à luz do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro2 e da Diretiva n.º 93/13/CEE do Conselho de 05 de Abril de 1993, que tem como princípio basilar a proteção do consumidor / aderente, nos contratos de conteúdo pré-formulados, sem negociação, bem como a relação da Lei com o princípio da liberdade contratual e o princípio da boa-fé contratual. É inegável que se atentarmos na realidade da sociedade em massa que vivemos, facilmente conseguimos perceber que a posição contratual das partes e a forma de contratar alterou significativamente, sendo que a liberdade contratual do consumidor é prática e meramente aparente, estando este numa posição vulnerável no que respeita às relações de consumo, nomeadamente nos contratos que se apresentam com cláusulas rígidas e pré-determinadas, não permitindo a sua alteração. Estas cláusulas, que normalmente são inseridas nos contratos de adesão3, entre outros, restringem a liberdade de escolha do aderente, em que o diálogo contratual é inexistente e dá lugar a um compêndio de cláusulas pré-elaboradas pelas empresas.

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A nossa ordem jurídica dispõe de um diploma que regula as “cláusulas contratuais gerais” - o Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 (que foi modificado, a fim de ficar em conformidade plena com a Diretiva 93/13/CE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, pelo DL. n° 220/95, de 31 de agosto, e pelo DL. n.º 249/99, de 7 de julho). Este diploma define (art.º 1.° e n.º 1) as “cláusulas contratuais gerais” como as que são “Elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar”. O legislador de 1999 estipulou que tal regime se aplica também, no que toca ao controlo da inclusão das cláusulas no contrato e ao controlo do conteúdo destas inseridas em “contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar” (art.º 1.º e 2.º). 2 O preâmbulo do DL n.º 446/85, de 25/10 consagra que: “A existência de monopólios, oligopólios, e outras formas de concertação entre as empresas, aliados à mera impossibilidade, por parte dos destinatários, de um conhecimento rigoroso de todas as implicações dos textos a que adiram, ou as hipóteses alternativas que tal adesão comporte, tornam viáveis situações abusivas e inconvenientes. O problema da correção das cláusulas contratuais gerais adquiriu, pois, uma flagrante premência”. 3 Os contratos de adesão surgiram num contexto de amplitude da sociedade moderna, que viu a necessidade de harmonização / padronização contratual. Os contratos de adesão costumam ser assim caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente, e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente”. (ASCENÇÃO) Oliveira Ascensão – “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. III, pág.364. Contrato de adesão – “É aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respetivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” (VARELA, 7ª edição) – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, 262. Tais contratos contêm por via de regra – “Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão” (TELLES)– Galvão Telles, “Direito das Obrigações” – 6ª edição, 75.

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Nesta senda, a proteção do aderente nos contratos pré-formulados, faz-se de três formas: consagração do dever de comunicação e informação por meio de controlo de inserção; controlo do conteúdo das cláusulas4; e, no campo processual, a proibição da utilização futura de certas cláusulas contratuais gerais, através da ação inibitória5 com finalidades preventivas, sendo este o mecanismo que iremos desenvolver. No intuito de nos aproximarmos de tal objetivo, procuramos esclarecer os motivos que reclamam a presença da ação inibitória no Direito do Consumidor e os termos da sua aplicação, sem esquecer algumas questões processuais inerentes a essa ação.

II. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR Atendemos à importância de, antes de nos focarmos na ação inibitória, alcançarmos uma noção do que se deve entender ser um “Consumidor”. O artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) ocupa-se dos direitos dos consumidores, declarando que eles “têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos”; O n.º 3 desta disposição estabelece que “as associações de consumidores e as cooperativas de consumo têm direito, nos termos da Lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores, sendo-lhes reconhecida legitimidade processual para defesa dos seus associados ou de interesses coletivos ou difusos”. Ao Estado incumbe “garantir a defesa dos interesses e os direitos dos consumidores” conforme artigo 81.º alínea i) da CRP. Importa ainda ter em consideração o artigo 52.º n.º 3 da CRP, que atribui o direito de ação popular “incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores […]”.6

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Como ensina Carlos Ferreira de Almeida (ALMEIDA, 2005), in Direito do Consumo, 2005, pág. 125, aduz que: “O princípio da livre composição do conteúdo contratual assentava no paradigma da negociação efetiva e individual de todo o conteúdo. Este paradigma, que nunca passou de um modelo ideal e abstrato, tornou-se insustentável com as novas modalidades de comercialização introduzidas e progressivamente utilizadas a partir dos fins do século XIX. Passou desde então a ser evidente que, na maior parte dos contratos, a negociação se circunscrevia para uma das partes à alternativa entre aderir ou não aderir às cláusulas predispostas pela outra e, quase sempre, preparadas para aplicação numa multiplicidade de contratos”. 5 No sentido de adotar instrumentos adequados e eficazes para erradicar as cláusulas abusivas da prática negocial que envolva a intervenção dos consumidores (parte negocial mais fraca). 6 A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 60.º “institui os consumidores (bem como as suas organizações específicas) em titulares de direitos constitucionais. […] A proteção constitucional dos consumidores, que no texto originário da Constituição estava inserida na constituição económica, surge agora localizada em sede de direitos fundamentais […] Esta requalificação constitucional dos direitos dos consumidores não é, de resto, senão um reflexo do crescimento da importância dos consumidores, no contexto dos <direitos de terceira geração>, tanto a nível nacional como a nível da UE, bem como do desenvolvimento e codificação do direito do consumo”. (MOREIRA)

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Não sendo incontroversa nas doutrinas europeias, a noção de consumidor é-nos dada pelo artigo 2.º da Lei da Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho7) onde se considera “consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”. A Lei inicial de Defesa do Consumidor (Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto)8 enunciava os direitos deste, previa e definia o estatuto das associações de defesa do consumidor e criava o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor9. A Lei atual, que revogou a anterior, enuncia também os direitos dos consumidores, relativamente aos quais dispõe o respetivo artigo 16.º que “sem prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, qualquer convenção ou disposição contratual que exclua ou restrinja os direitos atribuídos pela presente lei é nula”, podendo apenas ser invocada pelo consumidor ou pelos seus representantes e, admite-se que o consumidor opte pela manutenção do contrato, quando só algumas das suas cláusulas forem nulas, nos termos da disposição que tem vindo a citar-se. A Lei em vigor ocupa-se, tal como acontecia com a anterior, do estatuto e do regime das associações dos consumidores, equiparando a estas as cooperativas de consumo. Finalmente, os artigos 21.º e 22.º dispõem acerca do Instituto do Consumidor e do Conselho Nacional do Consumo;10

III. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO CONSUMIDOR A proteção internacional do consumidor e a necessidade de harmonização da legislação interna dos países surge no sentido de equilibrar as relações jurídicas estabelecidas entre o fornecedor de produtos e serviços e o consumidor. No sentido de adoção de políticas públicas e leis adequadas à realidade do mercado, tendo como propósito a proteção do consumidor, destaca-se aqui como um dos principais pontos, a mensagem do Presidente John F. Kennedy, a 15 de Março de 1962, no Congresso dos Estados Unidos da América sobre a importância do consumidor na economia e a necessidade de protegê-lo11. Com a crescente globalização e desenvolvimento do comércio internacional, os Estados tomaram consciência da 7

Retificada pela declaração de retificação n.º 16/96, de 13 de novembro -, alterada pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril. 8 Foi a Lei n.º 29/81, de 22 de agosto, que, inovatoriamente, se ocupou inicialmente do regime jurídico da tutela do consumidor, enunciando um conjunto de direitos que cabem a estes e prevendo uma série de medidas destinadas a prevenir riscos a que se encontram expostos no comércio jurídico. 9 Cuja orgânica foi definida pelo decreto regulamentar n.º 8/83, de 05 de fevereiro, alterado pelo decreto regulamentar n.º 67/86, de 28 de novembro. 10 Este foi regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 154/97, de 20 de junho. O enquadramento jurídico dos poderes conferidos pela Lei n.º 24/96, de 31/07 ao Instituto do Consumidor foi estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 234/99, de 25 de junho. 11

http://www.consumersinternational.org/our-work/wcrd/.

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necessidade de proteger os consumidores dos abusos dos fornecedores de bens e serviços e assumiram o dever de lhes garantir especial proteção legal. O dia 15 de março é comemorado como dia Mundial da proteção do consumidor em razão da mensagem transmitida pelo Presidente John F. Kennedy no Congresso dos Estados Unidos da América. A mensagem influenciou a proteção internacional do consumidor, uma vez que a ONU baseou toda a regulamentação da matéria no referido pronunciamento12. Assim, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) adotou, por consenso, a Resolução n.º 39/24813, em 16 de Abril de 1985, conferindo aos direitos do consumidor, legitimidade e reconhecimento internacional. A Resolução n.º 39/248 da ONU foi modificada pela Resolução n.º 1999/7, de 26 de julho de 1999, do Conselho Económico e Social da ONU, com a finalidade de incluir disposições relativas ao consumo sustentável das presentes e futuras gerações quanto aos aspetos económicos, sociais e ambientais. Em jeito de conclusão, a proteção do consumidor é essencial para regular o funcionamento do mercado. A constitucionalização dos direitos do consumidor por diversos países nas últimas décadas, elevando-os, inclusive, à categoria de direitos fundamentais, é considerada como fator positivo para a harmonização da tutela do sujeito no plano internacional. Finalmente, a proteção internacional do consumidor demanda esforço comum dos países no sentido de reconhecer a vulnerabilidade do consumidor e assim afirmar direitos básicos como o direito à informação adequada e clara sobre todas as caraterísticas e riscos dos produtos e serviços.

IV. BREVE ANÁLISE DA DIRECTIVA 93/13/CEE DO CONSELHO DE 05 DE ABRIL DE 1993, RELATIVA ÀS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS CELEBRADOS COM OS CONSUMIDORES. Tendo em conta a grande relevância jurídica em vários países, incluindo Portugal, os contratos de adesão foram regulados no âmbito europeu através da Diretiva 93/13/CEE do Conselho de 5 de abril de 1993. Todavia, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, já regulamentava as cláusulas contratuais gerais no ordenamento jurídico português, por inspiração no Direito Alemão.14 Sendo o consumidor um sujeito carecido de tutela, na citada Diretiva, a propósito da proteção do consumidor, este ganha o seu próprio espaço, proclamando-se como

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http://www.un.org/documents/ga/res/39/a39r248.htm.

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(MACHADO, 1988) MIGUEL NUNO PEDROSA MACHADO, “Sobre Cláusulas Contratuais Gerais e o Conceito de Risco”, 1988, p.37, explica que o AGB-Gesetz constitui um modelo direto do nosso Decreto-Lei n.º 448/85, de 25 de outubro. Sustenta, ainda, que “enquanto a lei portuguesa é produto da iniciativa do legislador, que pretendeu concretizar aquilo que já decorria dos princípios fundamentais do Código Civil, sem esperar qualquer solicitação jurisprudencial ou qualquer prévia elaboração dogmática caracteristicamente nacional, na Alemanha Ocidental o que se passou foi o inverso: pode dizer-se ter existido aí uma verdadeira relação de causa-efeito entre os estudos doutrinários e a prática fundamental, por um lado, e a formação dos parágrafos do AGBG, por outro.”

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essencial a necessidade de eliminar as cláusulas abusivas dos contratos celebrados entre profissionais e consumidores. A este propósito, consumidor é “aquele sujeito que atua com fins que não pertencem ao âmbito da sua atividade profissional”. (SÁ, 2001 p. 25) O ponto nuclear desta Diretiva é a instituição de um sistema de sindicância baseado no conceito de cláusulas abusivas, que “do ponto de vista objetivo, o propósito é atingir cláusulas que não tenham sido objeto de negociação individual […] uma vez que o instrumento comunitário não se limita ao campo das condições predispostas para uma pluralidade de contratos, pretendendo antes submeter a uma intervenção fiscalizadora cláusulas ou contratos individuais não negociados”. (SÁ, 2001 p. 26) Posto isto, percebe-se que a lei portuguesa utiliza a terminologia cláusulas contratuais gerais para tratar da problemática do modo de contratação em que as cláusulas contratuais são elaboradas previamente, por uma das partes, sem que a outra possa interferir, ficando o aderente limitado a aceitá-las. A diretiva europeia já se refere no assunto utilizando a expressão de cláusulas abusivas nos contratos de adesão. Neste sentido, para proteger e facilitar a aquisição de bens ou serviços, por parte do consumidor, e como forma de alcançar uma tutela mais eficaz, são necessários meios adequados para pôr termo à vigência de cláusulas abusivas em contratos em que uma das partes seja um consumidor. (SÁ, 2001 p. 55)

V. DA ACÇÃO INIBITÓRIA15 A ação inibitória, classifica-se, em termos processuais, como uma ação declarativa de condenação (prestação de facto negativo) onde se pretende, essencialmente, que se adote instrumentos adequados e eficazes para erradicar, de facto, as cláusulas abusivas do tráfego negocial que envolva a intervenção de consumidores e assim a tutela daqueles consumidores para que possam aderir a um contrato pré-formulado pela outra parte, e impedir a utilização futura de cláusulas proibidas por lei16, para desta forma superar os

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A ação inibitória tem uma vertente cívico / social, um fim dissuasor, o seu regime acautela interesses difusos de consumidores/aderentes que muitas vezes toleram a lesão dos seus direitos por estarem em causa individualmente valores de pouca monta que não justificam o incómodo de ações judicias, mas que num somatório de contraentes indeterminados – contratos de adesão – a que a ação inibitória interessa, é da maior relevância como meio de defesa dos consumidores, parte mais fraca em tal relação jurídico-contratual. Qualificada à luz da sua natureza jurídica, a ação inibitória analisa-se numa fiscalização preventiva que se consubstancia, nas palavras de Ribeiro de Faria, numa “ação condenatória de prestação de facto negativo” que tem como efeito direto a não inclusão em futuros contratos singulares das cláusulas objeto da decisão transitada em julgado; 16

O art. 25º (ação inibitória) estatui – “As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.°, 18.º, 19.º, 21.° e 22.° podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efetiva em contratos singulares”. O art. 32º consigna: “1 - As cláusulas contratuais gerais objeto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas. 2 - Aquele que seja parte, juntamente com o demandado vencido na ação inibitória, em contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, nos termos referidos no número anterior, pode invocar a todo o tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória”.

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“inconvenientes de um controlo apenas a posteriori com efeitos circunscritos ao caso concreto sub Júdice” (MONTEIRO, 1986). Entre os direitos atribuídos aos consumidores e às associações que os representam encontra-se o direito de ação inibitória “destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor […], que, nomeadamente: a) Atentem contra a sua saúde e segurança física; b) Se traduzam no uso de cláusulas gerais proibidas; c) Consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei”. Com efeito, com o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, o legislador confrontado com um fenómeno de tráfego negocial de massas, procurou salvaguardar o contraente mais fraco, protegendo-o de cláusulas abusivas e suscetíveis de ocasionar um desequilíbrio entre os contraentes, posto que a contratação baseada em condições negociais gerais tem implícita uma certa posição de poder do utilizador das cláusulas decorrente do próprio modo de formação do contrato. Com tal desiderato, foram traçadas, no essencial, formas de assegurar a tutela dos interesses dos contraentes mais desprotegidos, contra cláusulas contratuais absolutamente proibidas ou relativamente proibidas pela via da fiscalização ex post do controlo incidental (declaração de nulidade no quadro de apreciação de um contrato singular) e da fiscalização ex ante do controlo abstrato17 (ação inibitória). Perfilhando a posição de Almeno de Sá e citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Abril de 2002, “(…) a fiscalização das condições gerais processa-se, em primeiro lugar na forma de controlo incidental, isto é, no âmbito de um litígio referente […]”. 17 Porque com a ação inibitória se visa a defesa do consumidor, particularmente quando existe recurso a contratos de adesão, também a Lei n.º 24/96, de 31 de julho, prevê no art. 10º, nº 1, o recurso à ação inibitória visando prevenir, corrigir e fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor previstas na lei nomeadamente as que impliquem o uso de cláusulas contratuais gerais do citado diploma. As ações inibitórias para tutela dos interesses difusos dos consumidores encontram-se genericamente previstas nos arts. 52º da CRP e, no âmbito do consumo, no art. 10º, nº 1 da Lei de Defesa do Consumidor e no art. 25º do Dec. Lei nº 446/85, de 25 de outubro relativo às cláusulas contratuais gerais. É assegurado o direito de ação inibitória destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor consignados na presente lei, que, nomeadamente: a) atentem contra a sua saúde e segurança física; h) se traduzam no uso de cláusulas gerais proibidas; c) consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei. (PRATA, 2010) Ana Prata, in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, -2010 – edição Almedina – pág.593 em comentário ao art.25º escreve, “Optou a lei por uma fiscalização abstrata judicial que ultrapassasse as limitações ou deficiências do controlo a posteriori, dependente da iniciativa do aderente e circunscrito, quanto aos efeitos, ao concreto litígio. Fiscalização confiada aos tribunais, o que, diz-se, se tem as desvantagens de a iniciativa depender de sujeitos privados, e da morosidade, tem as contrapartidas de isenção, de adaptabilidade às realidades de mercado que vão surgindo e de independência que estes garantem relativamente a qualquer órgão administrativo”. (FARIA) Jorge Ribeiro de Faria, “Direito das Obrigações”, vol. I, pág.210, qualifica, a ação aqui prevista como uma ação condenatória numa prestação de facto negativa, em suma, na não utilização de cláusulas contratuais. (RIBEIRO, 2003) Sousa Ribeiro, “O Problema do Contrato-As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual”, Almedina, 2003, pág. 496, ensina – “O objeto de tutela da ação de condenação ao cumprimento desse dever não é, assim, a esfera jurídica de uma determinada pessoa, individual ou coletiva, mas o interesse da generalidade de contraentes a que apenas sejam utilizadas no tráfego CCG lícitas”.

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a cláusulas de um contrato concluído entre determinado utilizador e o seu parceiro negocial. Estão em jogo uma ou várias estipulações referentes a um concreto contrato celebrado entre dois sujeitos, que se opõem num diferendo onde se questiona a vigência ou validade de tais estipulações”. “Ao lado deste tipo de fiscalização, funciona um processo abstrato de controlo, destinado a erradicar do tráfico jurídico condições gerais iníquas, independentemente da sua inclusão efetiva em contratos singulares. Consagrouse, com esta finalidade preventiva, o sistema da ação inibitória: visa-se que os utilizadores de condições gerais desrazoáveis ou injustas sejam condenados a abster-se do seu uso ou que as organizações de interesses que recomendem tais condições aos seus membros ou associados sejam condenadas a abandonar essa recomendação”. (Processo n.º 01ª3417, Relator Conselheiro Alípio Calheiros, disponível em www.dgsi.pt). A ação inibitória visa, como se referiu, as cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura, independentemente da sua inclusão efetiva em contratos singulares. Ou seja, pretende-se com este tipo de ações, uma condenação em prestação de facto negativo: a não utilização da cláusula proibida por decisão judicial. O artigo 405.º do Código Civil consagra o princípio da liberdade contratual, ou seja, dentro dos limites que o Direito põe à autonomia privada, as partes podem contratar, como entenderem, dentro ou fora dos tipos que a lei e a prática lhes oferecem, e combinar ou modificar esses mesmos contratos. A liberdade contratual que não se reflete nos contratos-tipo, em que o consumidor, regra geral, limita-se a subscrever formulários em que estão inseridas cláusulas pré-redigidas por um contraente mais forte, insuscetíveis de discussão, aos quais se limita a aderir. Cláusulas «elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respetivamente, a subscrever ou aceitar (…)» conforme artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro. A este propósito referem os Professores Almeida Costa e Menezes Cordeiro (COSTA, et al., 1995) que «as cláusulas contratuais gerais visam moldar a vontade dos intervenientes nos negócios jurídicos a que as mesmas respeitam. Estes subscrevendo-as, como proponentes, ou aceitando-as, como declaratários, assumem posições negociais que, no todo ou em parte, lhes correspondem. As cláusulas contratuais gerais manifestam as características seguintes: a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes

de

surgir

a

declaração

que

as

perfilha;

b)

apresentam-se

rígidas,

independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem 10 possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatárias.» (in Cláusulas Contratuais Gerais, 1995, Almedina, Pág. 17). Acompanhando Almeno de Sá, diremos que em termos sintéticos as cláusulas contratuais gerais surgem como estipulações predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação

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individualizada ou possibilidade de alterações singulares. Pré-formulação18, generalidade e imodificabilidade aparecem, assim, como características essenciais do conceito. Característica que, de resto não devem ser tomadas como elementos autónomos ou isolados, mas antes como aspetos parcelares de um todo: elas só ganham sentido na unidade conceitual, sendo certo que todas elas reciprocamente se implicam, a sua autonomização tem aqui meros intuitos analíticos. Visa-se, fundamentalmente, um regulamento negocial uniforme, que vai formar o conteúdo de diversos contratos futuros. O cliente é confrontado com cláusulas que devem servir para uma pluralidade de negócios homogéneos e que, por isso, não comportam uma lógica de alterabilidade consoante o caso singular. Do que se trata, em rigor, é de um intencionado pré-condicionamento do programa contratual, que afasta da raiz a ideia de uma negociação capaz de influir na modelação do respetivo conteúdo. O que está, de resto, em consonância com os propósitos de racionalização, certificação e uniformização que marcam a essência do fenómeno, no quadro da lógica tipicamente empresarial, que recorre a este particular modo de contratação. (SÁ) (in Cláusulas Contratuais Gerais e Diretiva Sobra Cláusulas Abusivas, Almedina, 2.ª Edição Revista e aumentada, págs. 212 e 213). No âmbito das cláusulas proibidas, expressamente previstas no diploma legal supramencionado, estabeleceu-se uma clara distinção entre cláusulas consideradas absolutamente proibidas e cláusulas consideradas apenas como relativamente proibidas. A classificação de uma cláusula como relativamente proibida depende da apreciação da situação negocial concreta onde a mesma está inserida, pelo que uma mesma cláusula pode ser proibida em determinados contratos e válida noutros. Torna-se assim necessário um juízo valorativo próprio sobre a cláusula com base nos pontos de partida fornecidos pelos conceitos indeterminados da previsão legal. Remetem-nos, assim, as normas legais para o quadro negocial padronizado, em que a valoração ter-se-á de fazer, não com referência ao contrato concreto ou as circunstâncias desse caso, mas sim pelo tipo de negócio em causa e os correlativos elementos normativos. Assim, não estão em apreciação os interesses individuais dos intervenientes diretos no contrato, mas os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente envolvidas nos negócios de idêntica espécie, tudo balizado pelo princípio da boa-fé.

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As cláusulas contratuais gerais apresentam-se como «proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar» ( (Cordeiro, 2000) Cf. Professor Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, 2000, Almedina, pág. 415), apresentando, pois, como características próprias a predisposição unilateral, a rigidez e a generalidade (Cf. Professores Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in obra citada, pág. 18), sendo certo que a «expressão “cláusula contratual” é perfeitamente equivalente a elemento do texto do contrato» (ALMEIDA, 2005), “Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico”, II, Almedina, Pág. 893).

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No que às cláusulas absolutamente proibidas concerne, não existe margem para esse particular juízo valorativo, pois estas são sempre proibidas, seja qual for o instrumento contratual onde são inseridas. Do que vai dito, estipula o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, que a interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais devem ser feitas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam. O artigo 10.º da Lei de Defesa do Consumidor, concretamente o n.º 2 dessa disposição, prevê que a sentença proferida em ação inibitória possa ser acompanhada da condenação em sanção pecuniária compulsória, a fim de incentivar o demandado a respeitar e cumprir a sentença, sem prejuízo da indemnização a que possa haver lugar. Preceitua ainda o artigo 13.º do mesmo diploma, atribui legitimidade ativa19 para intentar esta ação quer aos consumidores diretamente lesados, quer aos consumidores e suas associações, ainda que não diretamente lesados, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, quer ainda ao Ministério Público e ao Instituto do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, coletivos ou difusos. A Lei n.º 25/2004, de 8 de julho, procede à transposição da Diretiva n.º 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores. Esclarece o artigo 1.º n.º 1 desta Lei que as suas normas se aplicam à ação inibitória prevista no artigo 10.º da referida Lei n.º 24/96, bem como à ação popular contemplada na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto [que regula o direito de participação procedimental e de ação popular], destinadas a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos dos consumidores.

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Neste sentido: Decreto-lei 446/85, no seu “Artigo 26.º - Legitimidade ativa 1 - A ação destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais só pode ser intentada: a) por associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no âmbito previsto na legislação respetiva; b) por associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos legalmente constituídas, atuando no âmbito das suas atribuições; c) Pelo Ministério Público, oficiosamente, por indicação do Provedor de Justiça ou quando entenda fundamentada a solicitação de qualquer interessado. 2 - As entidades referidas no número anterior atuam no processo em nome próprio, embora façam valer um direito alheio pertencente, em conjunto, aos consumidores suscetíveis de virem a ser atingidos pelas cláusulas cuja proibição é solicitada.” Sublinhado nosso. Lei 24/96 de 31/07, no seu “Artigo 13.º - Legitimidade ativa Têm legitimidade para intentar as ações previstas nos artigos anteriores: a) os consumidores diretamente lesados; b) Os consumidores e as associações de consumidores ainda que não diretamente lesados, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto; c) O Ministério Público e a Direção-Geral do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, coletivos ou difusos.” Sublinhado nosso.

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A) DA PUBLICIDADE DA DECISÃO Nos termos do artigo 30.º n.º 220 do DL 446/85, de 25/10, a pedido do autor, pode o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição pelo modo e durante o tempo que o tribunal o determine. Como salienta o acórdão da Relação de Lisboa, de 11 de maio de 2000, “a condenação em dar publicidade à sentença (…) não é uma sanção, mas antes um meio que o legislador encontrou de divulgar a sentença ao maior número de pessoas dado o interesse do público em geral e de todos os que contrataram na base das cláusulas contratuais gerais em causa na obtenção da ação inibitória. Assim, a publicidade da sentença corporiza um interesse público que as ações inibitórias têm em vista, como resulta até do tipo de entidade a quem a lei confere legitimidade para propor a respetiva ação. A tal interesse público deve submeter-se o interesse particular do eventual prejuízo para a imagem da Ré junto dos consumidores decorrente dessa publicação” (processo n.º 0029336, Relator Desembargador Narciso Machado, disponível em www.dgsi.pt). A este propósito defendem os Professores Mário Júlio de Almeida e Costa e António Menezes Cordeiro, em anotação ao então artigo 29.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 446/85 – correspondente ao atual artigo 30.º n.º 2 do mesmo diploma – “O disposto no n.º 2 oferece especial interesse no campo da publicidade das decisões judiciais que proíbam o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais. A difusão do conhecimento dessas decisões é um dos suportes de eficácia do sistema criado pelo presente diploma.» (in obra citada, pág. 61). Transportando esta linha de raciocínio, Almeno de Sá considera que «face ao receio da publicidade negativa que sempre resultará da publicação de uma sentença condenatória, as empresas tenderão, em regra, a corrigir ou a ajustar as suas condições gerais, tendo em conta as decisões entretanto proferidas contra outras empresas, eventualmente já publicadas e remetidas ao competente serviço de registo – o Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça.21 » (in obra citada, págs. 119 - 120). 20

Acórdão n.º 249/2000, do Tribunal Constitucional – Não julga inconstitucional a norma contida no artigo 30.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, na redação do Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de agosto, que prevê que seja dada publicidade à sentença condenatória por utilização de cláusulas contratuais gerais legalmente proibidas. 21 A criação e manutenção de um registo das cláusulas contratuais gerais declaradas nulas pelos tribunais pela DGPJ, resulta da conjugação dos artigos 34.º e 35.º do RJCCG, e da Portaria n.º 1093/95, de 06 de Setembro, que atribuiu ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça a organização e a manutenção atualizada daquele registo (o Gabinete de Direito Europeu foi substituído nas suas competências pelo Gabinete para as Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação, em 2001, e, posteriormente, pelo Gabinete de Relações Internacionais da DGPJ, em 2007. Em 2012 a DGPJ disponibilizou uma nova versão do registo de cláusulas contratuais abusivas, com melhorias consideráveis em relação ao registo disponibilizado na década de 1990. Nomeadamente, criaram-se condições de maior normalização na forma como a informação é carregada e indexada, bem como condições de maior visibilidade, passando a estar referenciada juntamente com as restantes bases de dados jurídico-documentais do Ministério da Justiça, sitas em www.dgsi.pt, assegurando-se, desta forma, que é do conhecimento do maior número possível de profissionais da área da justiça.

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Isto para além de a divulgação junto do público do teor decisório da sentença ser veículo da plena efetividade dos direitos – de defesa ou de ação – dos aderentes, em processo em que seja parte o demandado vencido em ação inibitória. E isso mesmo se reflete, de forma acrescida, na posterior Lei de Defesa do Consumidor – Lei n.º 24/96, de 31 de julho, com alteração mais recente introduzida pela Lei n.º 47/2014, de 28/07. No confronto do qual refere Almeno de Sá que a situação ter-se-á alterado, em termos de se poder dizer que, não só não é mais necessária a iniciativa do autor, como a publicitação da sentença passa agora a ser obrigatória. De facto, embora não se referindo apenas à ação inibitória respeitante a cláusulas contratuais gerais (pois compreende igualmente a área das práticas lesivas dos interesses do consumidor no domínio da saúde e da segurança física e ainda as práticas comerciais expressamente proibidas pela referida lei-quadro), o artigo 11.º n.º 3 determina que transitada em julgado, a decisão condenatória será publicitada a expensas do infrator, nos termos fixados pelo juiz. E nem se diga que o legislador não teve em conta o regime próprio da ação inibitória referente às cláusulas contratuais gerais pois, logo o número seguinte do mesmo preceito se refere expressamente a tal regime – e para dizer, acentue-se, que tratando-se de cláusulas contratuais gerais, aplicar-se-ão ainda mais duas normas, concretamente o disposto no artigo 31.º, referente à proibição provisória, e o disposto no artigo 32.º, respeitante às consequências da proibição definitiva. (in obra citada, págs. 119 - 120). Sendo a ação inibitória vocacionada para o futuro e dirigida essencialmente ao infrator / demandado, o seu fim é a proteção do consumidor que, pela via da publicação da decisão judicial proferida numa ação inibitória, aquele fica informado e poderá fazer a sua opção de contratar ou não contratar, com quem predispõe cláusulas proibidas, pelo que, só razões muito excecionais, se determinaria que se omitisse a publicidade da decisão. Ainda, na sua atual redação, os artigos 34.º e 35.º preveem que os tribunais, num prazo de trinta dias, remetam para serviço público a designar, cópias das decisões transitadas em julgado que tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares. Em execução da referida determinação, a Portaria n.º 1093/95, de 6 de setembro, incumbe o Gabinete para as Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação) de organizar e manter atualizado o registo das cláusulas consideradas abusivas nos termos anunciados. No entanto, no que respeita ao registo das decisões judiciais transitadas em julgado que proíbam o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais, bem como aquelas que declaram a nulidade de cláusulas já inseridas em contratos singulares, foi o Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de janeiro, que instituiu tal regime. A este respeito Almeida da Costa defende que “pretende-se estabelecer um sistema que assegure o conhecimento

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fidedigno e acessível a tais decisões” (COSTA, 1999). Todavia, basta consultar a base de dados do respetivo serviço22 para percebermos que poucos foram os tribunais que deram cumprimento a esse registo. Pese embora esta fiscalização preventiva tenha sido confiada ao sistema judicial, em detrimento de um órgão administrativo, tem-se verificado que a doutrina é unânime nessa opção, porquanto esta forma de resolução de litígios é menos célere, analogamente com a resolução extrajudicial ou arbitral destas ações. É uma ação declarativa de condenação que segue a forma de processo comum, mas na prática traz alguns inconvenientes, designadamente a morosidade de decisão, bem como a exigência de uma maior preparação técnica dos tribunais. Uma das vantagens é a isenção total de custas23, no entanto entende-se que é uma isenção subjetiva pois apenas beneficia o autor da ação. Posto isto, e em jeito de conclusão, os artigos 29.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro e o artigo 11.º n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31 de julho, preveem isenções subjetivas de custas que apenas abrangem os autores da ação inibitória, ficando assim os réus sujeitos à condenação em custas em caso de procedência da ação.

VI. CONCLUSÃO Moveu-nos o objetivo de compreender uma das formas de tutela do consumidor que o legislador consagrou como ação inibitória, a par do intuito que persegue: a salvaguarda dos direitos e interesses dos consumidores, considerado nestas relações contratuais o elo mais fraco, uma vez que as empresas que utilizam os contratos de adesão, como forma de contratar, são conhecedoras das fragilidades e/ou da falta de conhecimentos técnicos da maioria dos aderentes, para lhes impor o clausulado com conteúdo rígido, cabendo a ele (consumidor) abster-se ou aderir, em situações que por vezes significa renunciar a um serviço essencial e, portanto, opção esta praticamente impossível. O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10 estabelece três tipos de controlo das cláusulas contratuais gerais: o de inserção, o de conteúdo e o processual (artigo 25.º e seguintes). Ao longo deste estudo foi explorada e enunciada a proteção que o consumidor tem, seja a nível nacional, seja internacional, e aflorou-se um dos meios preventivos e fiscalizadores que restringem / proíbem o surgimento de abusividades prejudiciais aos aderentes destes serviços, designadamente através da ação inibitória. Têm legitimidade ativa, para intentar esta ação, as associações de defesa do consumidor, associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos, e ainda o Ministério Público, 22

http://www.dgsi.pt/jdgpj.nsf?OpenDatabase&Start=1. A este respeito, João Alves refere que “o art.º 29º nº 1 do DL 446/85 e o art.º 11º nº 1 da Lei 24/96 consagram isenções subjetivas de custas que apenas abrangem o (s) autor (es) da ação inibitória, ficando o(s) Réu(s) sujeitos à condenação em custas em caso de procedência da ação”. Consultado em http://www.verbojuridico.net/doutrina/consumidor/inibitoria_custas.html. 23

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oficiosamente, por indicação do Provedor de Justiça ou a pedido de qualquer interessado, conforme artigo 26.º do citado DL. No que concerne à legitimidade passiva, esta ação pode ser intentada contra quem proponha ou aceite contratos que incluam essas cláusulas contratuais gerais, contra quem as recomende a terceiros, bem como contra várias entidades que predisponham das mesmas cláusulas, conforme consta do artigo 27.º. Uma vez que a fiscalização preventiva destas cláusulas foi entregue ao poder judicial, em vez do administrativo, consagra o artigo 28.º que o tribunal competente para esta ação é aquele onde se localiza o centro da atividade principal do demandado. O facto de ter sido incumbido aos tribunais judiciais a apreciação e decisão destes litígios, comporta algumas desvantagens, nomeadamente a morosidade destes processos, bem como a falta de preparação mais técnica neste âmbito. Cremos que se poderia apostar em mecanismos e entidades de resolução alternativa de litígios (RAL) para apreciação de ações inibitórias, porquanto são entidades autorizadas pelo Estado para dirimir litígios de consumo, localizando-se estas em todo o território nacional, (CICAP, TRIAVE, entre outras)24, onde em grande parte dos litígios, essas entidades apreciam e julgam contratos onde são inseridas cláusulas contratuais gerais. Reiteramos ainda que se deveria alargar o âmbito de apreciação das ações inibitórias aos tribunais arbitrais do consumo, porquanto são compostos por Juízes Árbitros e juristas com formação específica em Direito do Consumo, estando assim mais vocacionados para a apreciação destes litígios, porquanto as questões que incluam cláusulas contratuais gerais, são proeminentes nos contratos de consumo. No entanto, e em jeito de conclusão, a ação inibitória é uma ação declarativa de condenação que segue a forma de processo comum e está isenta de custas. Após o trânsito em julgado da decisão que proíbe a inclusão dessas cláusulas em novos contratos, não pode o demandado vir a incluir, posteriormente, essas cláusulas noutros contratos que venha a celebrar, nem as recomendar a terceiros. Se o demandando infringir a obrigação de se abster de utilizar ou de recomendar cláusulas contratuais gerais que foram objeto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, poderá ser condenado ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 33.º do DL.

BREVE NOTA: Este trabalho encontra-se redigido de acordo com as regras do novo acordo ortográfico e de acordo com a norma internacional para a elaboração de referências bibliográficas, ISO 690:1987. Palavras-chave: Consumidor, cláusulas contratuais gerais, ação inibitória.

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Sobre estas entidades: http://www.wsenglish.pt/download/ral.pdf

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LEGISLAÇÃO Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (5.ª versão – Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17.12); Diretiva n.º 93/13/CEE do Conselho de 05 de Abril de 1993; Constituição da República Portuguesa (Decreto de 10 de Abril de 1976 – 8.ª versão – Lei n.º 1/2005, de 12.08); Código Civil (Decreto-Lei 47344/66, de 25.11 – 74.ª versão – Lei n.º 48/2018, de 14.08); Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto (2ª versão – Retificação n.º 114-B/95, de 31.08); Decreto-Lei n.º 249/99, de 07 de Julho; Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (6.ª versão – Lei n.º 47/2014, de 28.07); Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro; Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio (5.ª versão – Decreto-Lei n.º 242/2012, de 07.11); Diretiva n.º 2002/65/CEE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro; 19 Declaração de Retificação n.º 16/96, de 13 de Novembro; Declaração de Retificação n.º 199-B/91, de 21 de Setembro; Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto (Revogada pela Lei n.º 24/96, de 31.07); Decreto Regulamentar n.º 8/83, de 05 de Fevereiro; Decreto-Lei n.º 154/97, de 20 de Junho; Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro (14ª versão – Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29.04); Portaria n.º 328/2000, de 09 de Junho; Portaria n.º 1093/95, de 06 de Setembro; Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (3ª versão – Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10); Lei n.º 25/2004, de 08 de Julho; Diretiva n.º 98/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de Maio; Resolução n.º 39/248, de 16 de Abril de 1985 ONU; Resolução n.º 1999/7, de 26 de Julho de 1999, do Conselho Económico e Social da ONU;

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BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Ferreira de. 2005. Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico. s.l. : Almedina, 2005. p. 893. Vol. II. ASCENÇÃO, OLiveira. Teoria Geral do Direito Civil, . p. 364. Vol. III. Cordeiro, Menezes. 2000. Tratado de Direito Civil Português. 2ª edição. s.l. : Almedina, 2000. p. 415. Vols. Tomo I - Parte Geral. COSTA, Almeida e CORDEIRO, Menezes. 1995. Cláusulas Contratuais Gerais. s.l. : Almedina, 1995. p. 17. 20 COSTA, Almeida. 1999. Síntese do Regime Jurídico Vigente das Cláusulas Contratuais Gerais. Lisboa : Universidade Católica, 1999. p. 28. Dray, Guilherme Machado. 2002. Breves Notas sobre o Ideal de Justiça Contratual e a Tutela do Contraente mais Débil. 2002. p. 80. Vol. I, Publicado no Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão Telles. FARIA, Jorge Ribeiro de. Direito das Obrigações. p. 210. Vol. I. Liz, Jorge Pegado. 2012. Algumas Reflexões a Propósito do Direito dos Consumidores à Informação. 2012. pp. 335 - 353. MACHADO, Miguel Nuno Pedrosa. 1988. Sobre Cláusulas Contratuais Gerais e o Conceito de Risco,. 1988. p. 37. Monteiro, António Pinto. 2001. Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais: Problemas e Soluções, pp. 1106 - 1107. 2001. MONTEIRO, Pinto. 1986. Contratos de Adesão - O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais instituído pelo DL n.º 446/85. s.l. : ROA,, 1986. p. 761. MOREIRA, J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL. Constituição da República Portuguesa. 4.ª Revista. s.l. : Coimbra Editora. Vol. I. Pinto, Paulo Mota. 2005. Teoria Geral do Direito Civil. 4ª edição. s.l. : Almedina, 2005. p. 124. PRATA, Ana. 2010. Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais. s.l. : Almedina, 2010. p. 593. RIBEIRO, Sousa. 2003. O Problema do Contrato - As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual. s.l. : Almedina, 2003. p. 496. SÁ, Almeno de. 2001. Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas. s.l. : Livraria Almedina - Coimbra, 2001. TELLES, Galvão. Direito das Obrigações. 6.ª. p. 75. 21 VARELA, Antunes. 7ª edição. Das Obrigações em Geral. 7ª edição. p. 262. Varela, Pires de Lima e Antunes. Código Civil Anotado. s.l. : Almedina. Vol. IV.

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WEBGRAFIA www.dgsi.pt Processo n.º 01ª3417 e Processo n.º 0029336; http://www.verbojuridico.net/doutrina/consumidor/inibitoria_custas.html http://www.consumersinternational.org/our-work/wcrd/ http://www.un.org/documents/ga/res/39/a39r248.htm http://www.un.org/documents/ga/res/39/a39r248.htm http://www.wsenglish.pt/download/ral.pdf

LISTA DE SIGLAS E BREVIATURAS: Art.º - Artigo Al. – Alínea Cf. – Conferir / Conforme CC – Código Civil CICAP – Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto CRP – Constituição da República Portuguesa Vol. – Volume N.º - Número DL – Decreto-Lei Pág. – Página RAL – Resolução Alternativa de Litígios ONU – Organização das Nações Unidas TRIAVE - Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo. do Vale do Ave / Tribunal Arbitral

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As Áreas Urbanas de Génese Ilegal

As Áreas Urbanas de Génese Ilegal Perspetiva Teórica e Prática

Susana Alcina Pinto Solicitadora

Pedro Ribeiro Pinto Jurista

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As áreas urbanas de génese ilegal, também designadas por loteamentos ilegais, são uma realidade em Portugal. A sua existência é tão abundante que o legislador sentiu necessidade de criar um regime jurídico aplicável a estes espaços com vista à sua legalização. Curiosamente, este diploma surge na sequência de uma petição, cujo parecer da Comissão de Petições, aprovado por unanimidade, veio a reconhecer-se a necessidade de adoção de medidas legislativas especificas para a reconversão dos bairros de génese ilegal. Tal diploma veio a ser aprovado pela Lei n.º 91/95, de 2 de setembro. Mas qual a razão de ser da existência de loteamentos ilegais? Qual o procedimento de reconversão? É essa análise que aqui se pretende efetuar.

Perspetiva teórica Considera-se ÁREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL (AUGI), os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção e que, nos respetivos planos municipais de ordenamento do território, estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável.1 Qualquer análise sobre as AUGI implica necessariamente perceber, ainda que sumariamente, a origem da primeira lei dos loteamentos urbanos, o Decreto-Lei n.º 46.673 de 29 de novembro de 1965. Conforme se pode perceber pela análise do preâmbulo do diploma, a elevada procura de habitação importava o parcelamento ou fracionamento de antigas quintas e entendeu-se que esta operação dependia de planeamento, ficando sujeita a controlo administrativo, uma vez que esse fracionamento implicava um grande encargo para o erário público, pois, posteriormente, os municípios eram chamados a criar infraestruturas.2 Desde essa data, antes de lotear, o particular passou a estar sujeito a determinadas obrigações, designadamente cedências de terreno ao domínio público para arruamentos ou zonas verdes e criação de infraestruturas.3 Até esta data o fracionamento era efetuado por negócio jurídico, através do qual o proprietário transmitia parcelas a desanexar de um prédio. 1

Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 2 Jun. 2011, Processo 3703/07. Os municípios pouco ou nada puderam fazer para impedir o surto de loteamentos ilegais que não desejavam, porque era sobre eles que, mais cedo ou mais tarde, iriam recair as reivindicações das populações residentes para a construção de infraestruturas, para as quais a administração local não tinha as verbas necessárias. RODRIGUES, António José – Loteamentos Ilegais. Áreas Urbanas de Génese Ilegal - AUGI. 3.ª Edição. Coimbra: Almedina, 2005, pp. 8; 3 Atualmente, nos termos do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, as designadas «Obras de urbanização» constituem as obras de criação e remodelação de infraestruturas destinadas a servir diretamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, eletricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva. 2

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O conceito de loteamento ficou definido naquele diploma, no artigo 1.º, segundo o qual o loteamento é «a operação ou o resultado da operação que tenha por objeto ou tenha tido por efeito a divisão em lotes de um ou vários prédios fundiários situados em zonas urbanas ou rurais, para a venda ou locação simultânea ou sucessiva, e destinados à construção de habitações ou de estabelecimentos comerciais ou industriais». Apesar de inovadora, a primeira lei dos loteamentos urbanos não resolveu o problema que se pretendia resolver pois, na vigência deste diploma a falta de licença não acarretava a nulidade do negócio jurídico através do qual se vendiam parcelas de terreno a desanexar de prédios, ferindo-o de simples anulabilidade e sujeitando o infrator a penas de multa. Este conceito, contudo, só alcançou projeção verdadeiramente significativa após a publicação do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho. Por um lado, redefine-se o conceito de loteamento no sentido de que se trata da operação que tenha por objeto ou simplesmente por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, destinados imediata ou subsequentemente à construção e, por outro lado, cominou com a nulidade a celebração de qualquer negócio jurídico (e não apenas a compra e venda) que tivesse por objeto, ou simplesmente como efeito, a divisão de um prédio em lotes sem que fosse emitido o correspondente alvará. Os diplomas subsequentes mantiveram este entendimento.4 Não obstante haver exceções, designadamente a introduzida pelo Decreto-Lei 194/83, de 17 de maio, segundo a qual no caso de haver projeto de construção aprovado aquando do negócio jurídico, não era considerado loteamento, o certo é que estamos numa fase de transição do Regulamento Geral das Edificações Urbanas5, em que por um lado uma parte significativa das edificações é ilegal e, por outro lado, a venda não era precedida da aprovação de um projeto. Assim, a celebrar-se um negócio jurídico através do qual se procedesse à divisão de um prédio necessariamente estaria ferido de nulidade. Neste contexto, os proprietários interessados em transmitir as parcelas encontraram uma forma de o fazer, ainda que de modo ilegal, como se verá, através do regime da compropriedade. Os especuladores passaram a vender as propriedades rústicas em parcelas de avos. Tal significava que o que era vendido era uma parte indivisa de um prédio, registrável como uma compropriedade. Mas, ao contrário do que se prevê no regime da compropriedade em que cada um dos comproprietários tem uma parte indivisa sobre o todo, nestas vendas os avos correspondiam a uma parte certa e determinada, com área e confrontações, procedendo-se a um fracionamento físico do prédio, após a qual os proprietários davam início às construções. Estas construções eram ilegais e não licenciáveis pois, o município só poderia licenciar se houvesse um parcelamento prévio

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Parecer do Conselho Consultivo do IRN n.º R. P. 146/2006 No que respeita aos períodos de vigência do diploma, em que nos aglomerados urbanos é 1951 e na restante área do município dependeu de deliberação do município. 5

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através de um loteamento. Ora, neste caso, sendo um loteamento ilegal as construções eram efetuadas à margem de qualquer controlo por parte do município. Estas construções eram efetuadas com recursos próprios, faseadamente e a baixo custo. Acontece que, pelo menos desde a década de oitenta, a transmissão desses prédios ficou impedida, pois passou a ser exigível a menção no respetivo contrato da existência de autorização de utilização. O legislador bloqueou esta proliferação de vendas de parcelas em avos e consequente criação de loteamentos ilegais através de um novo regime em matéria de loteamentos, o Decreto-Lei n.º 400/84, que fez depender de parecer da Câmara Municipal favorável a constituição de compropriedade ou o aumento de compartes nos prédios rústicos. A legalização destes loteamentos ilegais, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 91/95, era regulada pelo Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de novembro. Neste diploma destacava-se o fenómeno dos bairros clandestinos, como um fenómeno em larga escala nas envolventes dos grandes centros urbanos, como um problema urbanístico e social grave, constituindo uma primeira etapa do legislador na procura de soluções para a problemática e na procura de uma forma de atenuar as suas consequências, seja através da sua legalização, manutenção temporária ou demolição.6 No entanto, a sua aplicação era inviável, uma vez que obrigava a acordo de todos os comproprietários em todos os aspetos relativos à legalização. Como se vai ver o regime de reconversão das AUGI veio resolver esse problema com maiorias deliberativas nas Assembleias Gerais dos comproprietários. Este mesmo diploma manteve a exigência quando à constituição da compropriedade ou aumento de compartes relativamente a prédios rústicos, o qual depende de aceitação prévia do município. Assim cabe ao município controlar as compropriedades que, ao longo do tempo, se vão estabelecendo.

Perspetiva Prática Como vimos na perspetiva teórica do presente artigo, as designadas áreas urbanas de génese ilegal (AUGI)7, constituem um caso paradigmático no âmbito das operações de loteamento, obras de urbanização e edificação, surgiram à margem da lei e tiveram maior expressão entre décadas de 70 a 90. A título de exemplo, no município de Loures as AUGI “correspondem a 6,4 por cento do seu território e aloja 30 por cento da população do Município”8, coisa semelhante ocorre nos municípios de Sintra, Amadora, Cascais, Oeiras e Lisboa.

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BICA, Diana Belisa Vermelho; A Eternização Das Áreas Urbanas De Génese Ilegal, p. 23. (2017), disponível em https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/downloadFile/1407770020545749/Dissertacao.pdf 7 Designação formal introduzida pela primeira vez na letra da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro. 8 Dados divulgados na página institucional da Câmara Municipal de Loures, publicação completa em https://www.cm-loures.pt/AreaConteudo.aspx?DisplayId=895.

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Não obstante a ilegalidade no plano urbanístico destes loteamentos, a verdade é que foram construídos centenas de bairros na periferia das grandes urbes, designadamente, na grande Lisboa e Porto, sendo que grande parte destes bairros não estavam sequer dotados das elementares infraestruturas para o fornecimento de serviços de eletricidade, água, saneamento básico e telecomunicações, nem tão pouco estavam dotados de um sistema viário adequado. Assim, os proprietários dos lotes integrados nestes bairros formaram associações de moradores de cariz civil e sem fins lucrativos, cujo escopo essencial era o de promover a legalização do respetivo bairro, porém, depararam-se com diversas dificuldades práticas e jurídicas para o conseguir. De forma sucinta podemos dizer que os diplomas que regulavam as matérias das operações de loteamento até o ano de 1995, tinham uma natureza repressiva relativamente às práticas de loteamento ilegal, no entanto, não resolviam as questões materialmente consolidadas no tempo no âmbito da legalização das edificações até então concluídas, pois estas passavam pelo mesmo crivo como se de uma nova urbanização se tratasse. Neste contexto foi elaborada a Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, que estabeleceu um regime excecional9, relativamente à reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal e que se contrapunha ao regime geral, o Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, que sujeitava a licenciamento municipal todas as ações que tinham por objeto ou simplesmente tinham por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, destinados, imediata ou subsequentemente, à construção10, obrigando ainda a uma operação de loteamento a aprovar pela câmara municipal competente11, proibindo também quaisquer operações preparatórias, designadamente a destruição de vegetação ou de elementos construídos, a simples preparação do terreno por meio de terraplenagens, marcações de qualquer tipo ou colocação de estacas ou outros elementos que indiciem a divisão em lotes ou parcelas, que não fossem efetuadas ao abrigo de uma operação previamente licenciada12. Simultaneamente, a lei das AUGI, alem de conter um regime excecional, estabelece, também, um regime especial no que concerne à divisão de coisa comum aplicável às AUGI constituídas em regime de compropriedade até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro13. Ora, como podemos constatar, o regime geral no âmbito de operações de loteamento era completamente inadequado para a questão concreta das áreas urbanas de génese ilegal, pois, apenas regulava um procedimento para loteamentos a constituir e não para 9

As regras excecionais definem um regime jurídico contrário àquele que conta da regra geral, cf. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Estudo do Direito, Almedina, Coimbra, 2012, 226 ss. 10 Cfr. Artigo 1.º n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro. 11 Cfr. Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro. 12 Cfr. Artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro. 13 Cfr. Artigo 2.º da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro.

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loteamentos materialmente divididos e com edificações neles implementadas ao arrepio de qualquer licenciamento. Com a entrada em vigor da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, a primeira grande novidade foi em relação à legitimidade ativa dos loteadores ilegais para requererem uma operação de loteamento junto da edilidade, nestes termos, as tais Associações de Moradores constituídas até então, deixaram de ser competentes para promover o processo de reconversão urbanística, surgindo pela primeira vez neste âmbito a figura sui generis, a Administração Conjunta, sujeitando a esta, todos os prédios integrados na mesma AUGI e que

a

mesma

administração

é

assegurada

pelos

respetivos

proprietários

ou

14

comproprietários . Já a segunda grande novidade é a previsão do dever de reconversão15, que constitui um dever dos respetivos proprietários ou comproprietários para procederem à reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI, e neste dever é incluído o pagamento pelos proprietários e comproprietários dos montantes relativos à liquidação de despesas efetuadas pela administração no âmbito da reconversão, sendo que o seu não pagamento, poderia implicar de imediato uma cobrança coerciva por parte da administração conjunta16, pois a menção expressa em ata da assembleia dos proprietários e comproprietários dos valores em dívida constituía, e constitui, título executivo, podendo os devedores serem demandados celeremente em ação executiva. Antes de mais, convirá descrever o âmbito de aplicação material da Lei das AUGI, considera esta lei que AUGI, serão “os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, e que, nos respetivos planos territoriais, estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável (…)”17, considerando-se também como AUGI “os prédios ou conjuntos de prédios parcelados anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 46 673, de 29 de novembro de 1965, quando predominantemente ocupados por construções não licenciadas”18. Por outro lado, o perímetro em si, daquilo que se considera territorialmente como AUGI no âmbito de cada processo de reconversão, é delimitado pela câmara municipal que fixa a modalidade de reconversão19. Esta poderá ser por iniciativa dos particulares, matéria tratada nos artigos 17.º-A a 30.º-A, ou, por iniciativa municipal, tratada nos artigos 31.º a 34.º. Na prática, a delimitação do perímetro pode ser constituída pela totalidade de um 14

Cfr. Artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro. Cfr. Artigo 3.º da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro. 16 “A fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo”, cfr. n.º 5, artigo 10.º da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro. 17 Cfr. Artigo 1.º n.º 2 da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro. 18 Cfr. Artigo 1.º n.º 3 da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro. 19 Cfr. Artigo 1.º n.º 4 da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro. 15

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bairro concreto, definido como uma única AUGI, ou pode ser uma seleção de um determinado conjunto de lotes seguindo algum critério ou justificação, a título de exemplo, por mera comodidade sujeitar a reconversão, não o bairro inteiro, mas apenas uma rua e os lotes que a compõe. Esta delimitação é extremamente importante, pois, após a sua aprovação pela edilidade, fica definido quais são os proprietários ou comproprietários que lá estão integrados, sendo estes, e não outros, os membros que têm assento na assembleia constitutiva, que brotará o poder originário e constituinte da administração conjunta, e, após cumprimento de todos os formalismos previstos para a sua realização, a saber, a convocatória deverá ser elaborada com a antecedência mínima de 30 dias e enviada a quem nela tenha direito a participar (os proprietários e comproprietários inscritos no registo predial da zona delimitada como AUGI), mediante registo postal e aviso de receção20. Quanto ao aviso convocatório da assembleia constitutiva ser ou não obrigatoriamente afixado na sede da junta de freguesia e publicado num dos jornais de divulgação nacional conforme é referido no número 3 do artigo 11.º, podemos dizer que numa primeira leitura, parece que o legislador só quis impor este regime para as convocatórias das assembleias subsequentes e não na constitutiva, mas na nossa opinião, não parece ser de seguir este entendimento, assim, numa argumentação a minori ad maius e também por interpretação a contrário21, é nosso parecer que, à cautela sob pena de invalidade da convocatória e todos os efeitos que daí possam advir, se siga este regime, pois, se numa convocatória para uma assembleia comum o legislador impõe uma afixação de edital na junta de freguesia e publicação em jornal nacional, por maioria de razão esse regime será de se aplicar, tanto na assembleia constitutiva da administração conjunta como na assembleia de divisão de coisa comum, pois são seguramente as assembleias chave e que originarão os maiores efeitos, numa a sujeição dos proprietários e comproprietários à administração conjunta e noutra a deliberação do fim do regime da compropriedade. Esta lei define a natureza jurídica da Administração Conjunta e serve também de “estatutos”, no sentido impróprio do termo, da mesma, definindo os órgãos que a compõem e quais as suas atribuições, quem são os seus titulares e as respetivas competências. O regime jurídico das AUGI confere à Administração conjunta a capacidade judiciária22, dispondo de legitimidade ativa e passiva23 nas questões

20

Artigo 11.º n.º 7 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. Introdução ao direito e ao discurso legitimador, João Batista Machado, Almedina, 13.ª impressão, Coimbra, 2002, 187 ss. 22 A capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos, o preceito estabelece a correspondência entre a capacidade judiciária e a capacidade do exercício de direitos, querendo significar que possuem igualmente total capacidade de exercício de direitos, cfr. J.A. Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, 95 ss. 23 Terá legitimidade como autor (ativa) se for ela a quem juridicamente pode fazer valer a pretensão perante o réu e terá legitimidade como réu (passiva), se for ela a pessoa a que juridicamente se pode opor à pretensão do autor, cfr. J.A Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, 101 ss. 21

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emergentes das relações jurídicas em que seja parte24. Vejamos então como a Lei das AUGI estrutura os órgãos da administração conjunta, são três, (1) a assembleia de proprietários ou comproprietários, (2) a comissão de administração e (3) a comissão de fiscalização25. Numa primeira abordagem verificamos que não temos o órgão da mesa de assembleia que é comum nas associações e sociedades comerciais, este órgão é integrado nas atribuições da comissão de administração, conforme artigo 14.º e 15.º, onde o seu presidente tem atos próprios resultantes da lei, o de receber notificações, presidir à assembleia

e

representar

a

administração

conjunta

perante

as

entidades

26

administrativas . A comissão de administração é formada por número ímpar de três a sete membros, sendo um deles o presidente e outro o tesoureiro cuja missão é superintender nas contas de administração, a comissão é pela natureza das suas competências o órgão executivo ou diretivo, pois gere na prática os destinos da administração conjunta. O catálogo de atribuições resulta expressamente do artigo 15.º, competindo à comissão de administração, entre outros atos, os de celebrar contratos, elaboração de propostas à assembleia, elaboração de contas, movimentar contas bancárias, emissão de declarações de dívida ou não dívida dos proprietários. Outro aspeto importante é que a comissão de administração do mesmo modo que é eleita pela assembleia, pode ser destituída pela mesma por violação dos deveres gerais e especiais decorrentes da Lei das AUGI, não obstante, o seu mandato, pode ser duradouro, ou seja, não é necessário ser revalidado anualmente, coisa que acontece na comissão de fiscalização que é anual o seu mandato. Uma curiosidade relativamente da comissão de administração, é que diferentemente do que acontece na assembleia e na comissão de fiscalização, os seus titulares, não têm necessariamente de ser proprietários ou comproprietários, podendo até, nas assembleias que tenham um número de interessados igual ou inferior a 15, as competências da comissão de administração podem ser atribuídas a um administrador único, por deliberação da assembleia constitutiva, conforme resulta do número 5 do artigo 8.º. Quanto à assembleia de proprietários e comproprietários, já vimos quem lá tem assento, sendo as suas atribuições as resultantes expressamente no artigo 10.º, que na prática são aquelas que comummente qualquer assembleia é acometida, sendo na nossa opinião a mais importante atribuição a elaboração de atas, que, preenchidas determinadas menções obrigatórias, poderem servir de títulos executivos contra os violadores do dever de reconversão, referimo-nos ao incumprimento do pagamento das comparticipações das despesas, naturalmente. No que concerne à comissão de fiscalização, é integrada por três representantes dos proprietários ou comproprietários, conforme artigo 16.º-A, sendo um deles o presidente, 24

Artigo 8.º n.º 7 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. Artigo 8.º n.º 2 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. 26 Artigo 14.º n.º 3 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. 25

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situação interessante, pois, embora não resulte expressamente da lei, estes representantes têm o seu lugar na assembleia e com direito a voto, por outro lado, são também titulares do órgão da comissão de fiscalização com atos próprios. Coisa não poderia ser diversa, pois, caso desta nomeação resultasse um impedimento de assento na assembleia, a composição da assembleia era diferente daquilo que resulta da lei, pois, os proprietários são legítimos membros da assembleia e poder exercer o seu direito de voto. Outro aspeto de grande importância, é o momento que antecede à constituição da administração conjunta que tem que ver com o registo predial e as respetivas inscrições dos proprietários no artigo, pois, muitos destes registos são da década de 70, e convirá confirmar previamente se efetivamente os proprietários estão registados, é que por muito estranho que possa parecer, temos visto situações em que determinados possuidores de um determinado lote, não terem o nome averbado no registo de propriedade, um dos motivos mais usuais é por estes mesmos possuidores, na altura que adquiriram o lote, efetuaram um registo provisório na CRP, por algum motivo pendente, que não foi mais tarde verificado e entretanto caducou, ora, isto causa uma irregularidade que há que ser sanada junto da conservatória antes de se constituir a administração conjunta. No que concerne às contas da administração conjunta, as anuais, intercalares e finais deverão ser elaboradas de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade, com as necessárias adaptações, e subscritas também por um técnico oficial de contas, a designar pela comissão de administração27, porém, se aprovação das contas anuais, intercalares, cujo movimento do respetivo exercício exceda (euro) 50 000 e a aprovação das contas finais da administração dependem da certificação prévia por revisor oficial de contas ou por

uma

sociedade

de

revisores,

igualmente

a

designar

pela

comissão

de

28

administração . Nestes termos, a Lei das AUGI obriga a uma contratação de um Técnico Oficial de Contas, e, em certas situações, deverá também contratar um Revisor Oficial de Contas. Na prática este regime, obriga que ainda que numa administração conjunta em que não haja atividade financeira, enquanto a mesma não for extinta, as contas ainda que de que valor zero, obrigam a que sejam subscritas por um TOC, o que implica sempre um custo. Quanto ao processo de reconversão, a Lei n.º 91/95 nos artigos 17.º-A e seguintes, prevê o regime excecional de reconversão, e é aqui que começam verdadeiramente os trabalhos da comissão de administração, que apoiada com uma equipa técnica de arquitetura e engenharia, irá efetuar o pedido de licenciamento da operação de loteamento de acordo com o mencionado no artigo 18.º, que prevê taxativamente os elementos que deverão fazer parte da instrução do processo. Nesta fase decorre um 27 28

Artigo 15.º n.º 2 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. Artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro.

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trabalho essencialmente técnico com elementos a apresentar de grande complexidade, designadamente o levantamento topográfico e a planta de síntese do loteamento pretendido. Aprovada a operação de loteamento, o procedimento exige que sejam aprovadas as obras de urbanização de acordo com a submissão de projetos das redes viárias, de eletricidade, de águas e de esgotos, no entanto, esta fase pode ser em certos casos ser dispensada pela câmara municipal, caso seja reconhecido pelas entidades gestoras das redes que as mesmas já existem e estão em condições de funcionamento29, coisa que é frequente acontecer, pois muitos dos bairros de génese ilegal, já estão dotados das suas infraestruturas básicas para a prestação de serviços, sendo fornecidos do respetivo serviço - eletricidade, água, saneamento básico, gás e telecomunicações – e em funcionamento há décadas. Nestes casos é pratica corrente serem juntos documentos para comprovação da existência de infraestruturas tais como faturas destes prestadores de prestadores de fornecimentos, juntamente com termos de responsabilidade da sua instalação e pareceres de conformidade. Outra grande dificuldade prática é o regime previsto no artigo 6.º que obriga que em função da aplicação de determinados parâmetros e índices de construção, a administração conjunta ceda áreas de terreno destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos30, no entanto, quando as parcelas que devam integrar gratuitamente o domínio público de acordo com a operação de reconversão forem inferiores às que resultam do regime jurídico aplicável há lugar à compensação prevista no n.º 4 do artigo 44.º do regime jurídico da urbanização e edificação31, ou seja, há lugar ao cumprimento de uma compensação urbanística que pode ser efetuada em espécie ou em numerário, sendo nesta ultima modalidade ao pagamento de um montante calculado de acordo com uma formula32 aplicada em função da área da operação de loteamento, número de lotes a constituir, cujo valor apurado pode atingir centenas de milhares de euros, situação que pode ser extremamente delicada pois em regra estes bairros com décadas de existência tem moradores que na sua maioria já são aposentados e vivem de pensões. A alternativa a esta situação é consultando o regulamento municipal local relativamente aos processos de reconversão das AUGI e o regulamento municipal de taxas, que podem prever regimes de isenção especiais que devem ser solicitados. Estando a operação de loteamento e as obras de urbanização aprovadas, é elaborado o pedido de loteamento e na sua sequência a Câmara Municipal emite o respetivo alvará de loteamento nos termos previstos no artigo 28.º e 29.º da Lei das AUGI, devendo o alvará 29

Artigo 18.º n.º 3 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. Artigo 6.º n.º 1 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. 31 Artigo 6.º n.º 4 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. 32 A título de exemplo, vide o regulamento municipal de urbanização e edificação de Lisboa, www.cmlisboa.pt/fileadmin/VIVER/Urbanismo/urbanismo/planeamento/pdm/novo0ut2013/ea/RMUEL.pdf, onde no artigo 63.º B explica a formula no caso do município de Lisboa. 30

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ser registado na descrição predial da área de prédio integrado na AUGI em questão, conforme o regime previsto no artigo 30.º., devendo-se ter também atenção às obrigações fiscais previstas no artigo 30.º-A, nomeadamente a apresentação da declaração modelo 1 para efeitos de inscrição do lote na matriz a que se refere o artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis. Após a aprovação do alvará de loteamento, no que respeita às obrigações fiscais, deve-se participar, numa primeira fase, ao serviço de finanças apenas os novos lotes constituídos que estão devolutos (ou seja, sem edificações), pois, para os lotes que possuem edificações, como é sabido, é necessário que haja uma previa aprovação da edificação ali existente de modo a que se entregue no serviço de finanças a planta de síntese e outros dados com valores exatos relativamente a áreas do edifício, terreno entre outros detalhes que apenas se sabem e documentam após a obtenção da respetiva licença de utilização, ficando assim a caderneta predial em conformidade com o edifício. Como vimos no inicio, a Lei das AUGI estabelece também um regime especial de divisão da coisa comum, regime importante, pois estes bairros, em regra, estão sob o regime de compropriedade e após a obtenção do alvará de loteamento há que proceder à divisão da coisa comum, podendo ser consensual, em conformidade com o alvará do loteamento ou a planta de implantação do plano de pormenor, por acordo de uso, sem prejuízo do recurso à divisão por escritura pública33, ou, pode, ainda, ser divido por decisão judicial. No caso de haver consenso maioritário para pôr fim ao regime de compropriedade é convocada uma assembleia extraordinária para divisão de coisa comum por acordo de uso, onde deverá ser mencionada na ordem de trabalhos precisamente essa proposta que irá ser submetida a aprovação, devendo ser cumpridos rigorosamente os formalismos da convocatória, desde afixação em edital na junta de freguesia, onde previamente irá ficar disponível para consulta pública os elementos previstos no n.º 8 artigo 11.º, e ainda a afixação do edital em jornal oficial. Nesta assembleia de divisão de coisa comum é também aprovada a minuta do texto da escritura pública (de acordo com o alvará) que irá ser lavrada, com a descrição das adjudicações de cada lote ao comproprietário correspondente e outros detalhes que a tornam extremamente extensa e que merece o maior cuidado na sua elaboração. Convirá, que previamente haja um contato com o notário que irá lavrar esta escritura, verificando se a minuta está em conformidade com as normas registrais.34 Será também conveniente que seja incluído na ordem de trabalhos 33

Artigo 36.º n.º 1 da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. Note-se que alternativamente à escritura, a divisão de coisa comum pode ocorrer por documento particular autenticado, nos termos do previsto no Decreto-lei n.º 116/2008, de 4 de julho. Tal como resulta do n.º 2 do artigo 23.º do referido diploma legal “Todas as disposições legais, regulamentares ou outras que pressuponham ou exijam a celebração de escritura pública para a prática de actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis ou outros equivalentes àqueles em relação aos quais se torna esta forma facultativa são entendidas como pressupondo ou exigindo a celebração de escritura pública ou a autenticação do documento particular que formaliza o acto”. Assim as referências no diploma das Augi quanto a escritura pública devem ser entendidas ao 34

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que o presidente e o tesoureiro, farão a outorga da escritura em representação dos proprietários e comproprietários por uma questão de mera comodidade, evitando as dificuldades práticas de se reunir dezenas de pessoas num determinado local e hora para assinar a escritura. Vimos assim, en passant, o regime jurídico das áreas urbanas de génese ilegal previsto na Lei n.º 91/95, de 02 de setembro. Existem imensos detalhes que numa leitura mais atenta do regime fará compreender melhor este procedimento. Este regime legal ajuda a resolver um problema urbanístico com décadas de existência e envolve uma complexidade de áreas jurídicas como o direito de propriedade e compropriedade, das sucessões, do registo predial ou do fiscal. Acresce ainda a complexidade técnica de âmbito de arquitetura e engenharia, não esquecendo a vertente da contabilidade subscrita por TOC ou ROC.

abrigo desta norma, bem como a referência a notário deve ser entendida como titulador em sentido amplo. Não obstante o referido não é pacifico que seja admissível a utilização da forma de documento particular autenticado como uma das formas escolhida para a divisão coisa comum, esta é uma matéria que tem sido controvertida em tribunal (Acórdãos do STJ de 06-12-2016, processo 886/15.4T8SXL.L1.S1 e TRL de 21-04-2016, processo 886/15.4T8SXL.L1-2), precisamente por a lei das AUGI´s não referir expressamente esta forma especial para a divisão de coisa comum, suscitando-se a sua invalidade. Podemos em tese argumentar de que o regime da divisão de coisa comum das AUGI´s é um regime especial e que o artigo 23.º do decreto-lei que instituiu o documento particular autenticado poder considerar-se como uma norma geral que não a teve eficácia na alteração redação da lei das AUGI, no entanto é discutível e fica em aberto esta temática para melhor reflexão.

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Do Regime Contributivo dos Trabalhadores Independentes

Do Regime Contributivo dos Trabalhadores Independentes Abordagem teórico-prática à sua reforma

Cláudio Cardoso Solicitador Licenciado em Solicitadoria Licenciado em Contabilidade Mestre em Direito Tributário

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I. Aproximação ao tema O Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro aprovou um pacote de significativas alterações ao RTI, materializando o programa de intenções do XXI Governo Constitucional para o sector e que para o efeito foi autorizado pela Assembleia da República1. A matriz teleológica subjacente às alterações introduzidas ao RTI prende-se, essencialmente, com o combate à precariedade nas relações laborais, o incremento da proteção social dos trabalhadores independentes, a indexação do montante das contribuições a um referencial de rendimentos mais recente, maior aderência da obrigação contributiva aos rendimentos reais dos trabalhadores, estabilidade das carreiras contributivas e reforço da equidade na repartição do esforço contributivo entre os trabalhadores independentes e entidades contratantes. Preliminarmente, cumpre sinalizar que o presente diploma iniciou vigência em 10/01/2018, porém, a grande parte das suas disposições produzirão efeitos, somente, a partir de 01/01/20192. Todavia, como é apanágio do estudo dos tributos, importa de antemão conhecer as alterações e respetivos efeitos projetados por este regime, por forma a, atempadamente, planear e acautelar a carreira e obrigação contributivas dos trabalhadores independentes evitando remedeios, que por extemporâneos, certamente acarretarão prejuízos contributivos. Por razões de conveniência expositiva optamos por segmentar a explanação deste pacote de alterações em dois dos três eixos fundamentais da relação de segurança social: relação jurídica de vinculação ao sistema e relação jurídica contributiva, deixando a abordagem das alterações à relação jurídica prestacional para oportunidade futura3.

II. Delimitação do âmbito pessoal 1.

Alojamento local e entidades contratantes

No que diz respeito ao âmbito subjetivo do regime ressalta a introdução de uma cláusula de exclusão expressa dos titulares de rendimentos da categoria B decorrentes exclusivamente da atividade de alojamento local em moradia ou apartamento, conforme definido em regime jurídico próprio4. Assim, neste particular, é derrogada a cláusula geral do artigo 133.º, n.º 1, al. a) do CRC no sentido que, pese embora sujeitos passivos da categoria B de IRS5, os titulares de rendimentos provenientes, exclusivamente, da atividade de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento, encontram-se

1

Cfr. artigo 96.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro. Com exceção das alterações relativas ao regime das entidades contratantes que retroagem efeitos a 1 de janeiro de 2018, cfr. art. 8.º do Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro. 3 Para uma abordagem a estes conceitos V. CARDOSO, Cláudio, Considerações sobre a vinculação ao regime geral dos trabalhadores independentes e ao regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, Escola de Direito da Universidade do Minho, in http://tributarium.net/index.html , 2017, pág. 5 e seguintes. 4 Cfr. Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto. 5 Podendo, contudo, optar pelas regras de apuramento de rendimento coletável da categoria F. 2

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excluídos do âmbito pessoal do RTI. Todavia, a presente exclusão não opera oficiosamente, devendo o trabalhador independente requere-la por escrito, juntando os elementos comprovativos da sua aplicação nos termos do número 1 do art. 54.º-C do RCRC. É que, a modalidade de alojamento local não é objeto de recolha na declaração de início de atividade fiscal e, por conseguinte, não integra a comunicação oficiosa dos serviços da AT à instituição de segurança social competente prevista no art. 143.º do CRC. Por outro lado, visando mitigar os “falsos recibos verdes” e incrementar a proteção social destes e dos verdadeiros trabalhadores independentes, procede-se ao alargamento do conceito de entidades contratantes. Com efeito, já a partir de 01/01/2018, passam ser incluídas neste regime todas pessoas singulares ou coletivas empresariais que beneficiem de mais de 50% do valor total da atividade de um dado trabalhador independente, reduzindo-se o anterior limite mínimo de 80%. Em exceção ao regime das entidades contratantes mantêm-se [incompreensivelmente] os advogados e solicitadores que por força do seu sistema privativo de previdência encontram-se, automaticamente, excluídos do regime geral dos trabalhadores independentes ex vi art. 139.º, n.º1, al. a) do CRC. É de salientar que da conjugação do alargamento do conceito de entidade contratante com as novas regras de determinação da BIC e respetiva taxa, parece resultar uma entorse ao princípio da segurança jurídica, mormente da não retroatividade fiscal6, na medida que estas entidades poderão vir a ser confrontadas com uma obrigação cujo facto gerador não

podia,

em

tempo

devido,

ser

comutado

pela

norma

legal

vigente7.

Exemplificativamente, se uma dada entidade, no decurso do ano de 2017, planeou a repartição da contratação de serviços de trabalhadores independentes de modo a não ser abrangida pelo REC, pode vir, à letra da lei, ser confrontada com uma obrigação contributiva na qualidade de entidade contratante, por haver beneficiado de mais de 50% da atividade de trabalhador independente, quando, ao momento dos factos tributários, de acordo com a norma vigente, não recairia no âmbito de incidência pessoal do REC. Pese embora discordando da forma, panfletária em detrimento da segurança jurídica inerente ao ato legislativo, o Instituto da Segurança Social, I.P. logrou esclarecer: “para os rendimentos de 2017 ainda se apura as Entidades Contratantes (EC) tendo em consideração a percentagem de 80% do valor total da atividade do trabalhador independente, com a taxa contributiva respetiva de 5%”8/9. Destarte, aqueles 6

A jurisprudência tem reconhecido natureza fiscal às contribuições sociais a cargo das entidades empregadoras e entidades contratantes, a este propósito V. Ac. TCA do Sul nos processos n.º 04139/10, de 01/03/2011 e 240/13.2BEFUN, de 23/03/2017. 7 Ideia reforçada pela circunstância do art. 8.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro situar a produção de efeitos das novas taxas contributivas a cargo das entidades contratantes a partir de 1 de janeiro de 2018. 8 Cfr. Guia Prático Entidades Contratantes, Instituto da Segurança Social I.P., Lisboa, 2018, pág. 10. Disponível para consulta em www.seg-social.pt. 9 Saliente-se que o referido documento (guia prático) não constitui regulamento interno de natureza interpretativa nos termos dos arts. 68.º-A do CPPT e 56.º da LGT, com ou sem eficácia geral e abstrata na aceção de atos

47


contribuintes que sejam notificados para pagamento de contribuição relativa a 2017 por haverem beneficiado de mais de 50% a 80% da atividade de trabalhador independente, não devem deixar de reclamar graciosamente ou impugnar o ato tributário com fundamento na sua inconstitucionalidade.

III. Alterações à relação jurídica de vinculação Por vinculação entende-se a relação jurídica estabelecida entre as pessoas singulares e coletivas e o sistema previdencial de segurança social, tendo como objeto a determinação dos titulares do direito à proteção social do sistema previdencial da segurança social, bem como dos sujeitos das obrigações10. Podemos definir a vinculação como o procedimento, enquanto conjunto de atos administrativos lógica e intencionalmente ordenados, que visa o estabelecimento da conexão de determinada pessoa ao sistema previdencial de segurança social. Dito procedimento, assenta em três atos administrativos: 1º Identificação do interessado no sistema de segurança social (atribuição de número de identificação social); 2º Inscrição do interessado na instituição de segurança social competente (centro distrital da área do domicílio) e; 3º Enquadramento do interessado no regime contributivo legalmente aplicável. 2.

Produção de efeitos do enquadramento

Ao objeto do presente trabalho importa, sobretudo, a análise ao procedimento de enquadramento, visto ser nesta fase administrativa da vinculação que se registam alterações. Destarte, a dimensão temporal do regime é alvo de redefinição, passando a prever-se a impossibilidade do diferimento dos efeitos do primeiro enquadramento do trabalhador. Em articulação com as novas regras contributivas, que adiante daremos nota, o novo regime prevê que o primeiro enquadramento do trabalhador produzirá efeitos no primeiro dia do 12.º mês posterior à data de início de atividade para efeitos fiscais. Contrariamente ao que sucede atualmente, a produção de efeitos do primeiro enquadramento contributivo independerá da circunstância do rendimento relevante anual do trabalhador ultrapassar 6 vezes o valor do IAS (€2.573,40) no primeiro ano de atividade. Com esta alteração pretende-se a consolidação e prolongação das carreiras contributivas dos trabalhadores independentes, possibilitando um preenchimento dos prazos

de

garantia

de

acesso

às

prestações

contributivas

mais

proficiente,

nomeadamente no que diz respeito às pensões de velhice que atualmente depende da normativos do artigo 112.º da CRP, pelo que não é vinculativo para os serviços da Segurança Social, nem invocável perante estes pelos contribuintes, porquanto resume-se a um documento particular de cariz meramente informativo. 10 Cfr. art. 6.º e 7.º do CRC.

48


verificação de 15 anos, seguidos ou interpolados, de contribuições para a segurança social. Por outro lado, a eliminação do diferimento dos efeitos do enquadramento não embarga a tutela do mínimo de existência fiscal do trabalhador. Pois, para casos de rendimentos percebidos muito baixos ou até sua inexistência durante o primeiro ano, está prevista uma contribuição mínima de €20,00 mensais (art. 165.º, n.º 1 do CRC), visando-se, assim, a manutenção da carreira contributiva sem elevado ónus financeiro do contribuinte. Subsiste, contudo, o direito de opção de antecipação de produção de efeitos do primeiro enquadramento, a requerimento do trabalhador, relativamente ao 12.º mês posterior ao início da atividade. No que tange à produção de efeitos em virtude do reinício de atividade não se registam alterações face ao regime vigente. 2.1.

Demonstração

cronológica

da

produção/cessação

de

efeitos

do

enquadramento 

Início de atividade até 31/12/2018 – Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro

Primeiro enquadramento Em caso de início de atividade fiscal durante o mês de junho de 2018, o enquadramento no RTI produzirá efeitos a 01/07/2019 (primeiro dia do 12.º mês seguinte), conquanto que o rendimento relevante do trabalhador, após esse período, ultrapasse 6 vezes o valor do IAS11 (€2.573,40)12. Por outro lado, caso o trabalhador proceda ao início da atividade a partir do mês outubro (inclusive) de 2018, a produção de efeitos ocorrerá no dia 01/11/2019, pois esta verificar-se-á em data posterior a setembro, enquadrando-se na previsão normativa do art. 145.º, n.º 2, al. a) do CRC. De todo o modo, em qualquer das situações, é conferida a faculdade de o trabalhador requerer a antecipação da produção de efeitos do enquadramento na circunstância do rendimento relevante anual ser igual ou inferior a 6 vezes o valor do IAS ou em data anterior às previstas no número dois do art. 145.º do CRC13. Enquadramento subsequente Estando em causa reinício atividade independente (retoma de atividade antiga ou início de uma nova atividade) por trabalhador que já tenha possuído enquadramento no RTI, o novo enquadramento produzirá efeitos no primeiro dia do mês em que se verifica o reinício, conforme número 3 do art. 145 do CRC. Contudo, há que asseverar, caso a cessação de atividade haja ocorrido no decurso dos 12 primeiros meses ao enquadramento anterior, a contagem do prazo do número 1 do art. 145.º do CRC é suspensa, continuando a partir do primeiro dia do mês do reinicio da atividade, 11

O valor do IAS a vigorar no ano de 2018 é de €428,90, cfr. Portaria n.º 21/2018, de 18 de janeiro. Cfr. redação anterior do art. 145.º, n.º 1 e 2, al. b) do CRC. 13 Cfr. redação anterior do art. 146.º do CRC. 12

49


conquanto que este ocorra nos 12 meses seguintes à cessação e sem prejuízo do exercício da opção de antecipação da produção de efeitos do enquadramentos. Ilustrativamente: Suspensão contagem do prazo (art. 145.º, n.º4 CRC)

Início atividade 01/06/2018

Reínicio atividade 01/03/2019

01/11/2018 Cessação atividade

Início da Contagem do prazo (art. 145º, n.º 4 CRC)

01/10/2019 Produção de efeitos do enquadramento

Recomeço da contagem do prazo (art. 145.º, n.º 4 CRC)

Início contagem do prazo (art. 145.º, n.º 1 CRC)

Cessação do enquadramento A cessação de enquadramento no RTI verifica-se com a cessação do exercício da atividade por contra própria, com a comunicação oficiosa da AT da cessação em IRS e/ou IVA do trabalhador14, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte ao da cessação da atividade para efeitos fiscais, conforme disposto no art. 148.º do CRC cuja redação mantêm-se imune às atuais alterações. Recomeço da contagem do prazo (art. 145.º, n.º 4 CRC)

Início de atividade após 01/01/2019 – Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro

Primeiro enquadramento De acordo com o novo sistema vinculativo, o primeiro enquadramento do trabalhador ocorre, impreterivelmente, no primeiro dia do 12.º mês seguinte ao início de atividade, independentemente do rendimento relevante anual demonstrar-se inferior a 6 vezes o valor do IAS. Assim, relativamente ao trabalhador que haja iniciado atividade no mês de junho de 2019, o seu enquadramento no RTI produzirá efeitos no primeiro dia do 12.º mês seguinte ao início de atividade, ou seja, no dia 1 de julho de 2020. Enquadramento subsequente e cessação de enquadramento O Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiros não regista alterações nesta matéria, pelo que se remete para os considerandos supra expostos.

IV. Alterações à relação jurídica contributiva Não obstante as relevantes alterações introduzidas à vinculação ao RTI, a pedra angular desta reforma reside no seu novo sistema contributivo, pelo que sobre este enfocar-nos14

De salientar é que o impulso procedimental de cessação de atividade para efeitos fiscais tanto pode ser da iniciativa do contribuinte, como de iniciativa oficiosa da AT nas circunstâncias previstas nos arts. 34.º do CIVA e 114.º do CIRS.

50


emos com superior detalhe. A relação jurídica contributiva15 nasce da produção de efeitos do enquadramento no respetivo regime previdencial (RTI), e tem por objeto o pagamento das contribuições e quotizações dos beneficiários/contribuintes do sistema previdencial de segurança social16. Todavia, a obrigação contributiva do RTI não se esgota na pecunia contributiva, abrangendo, nos termos dos artigos 151.º, n.º 1 do CRC, a obrigação de declaração dos valores correspondente(s) à(s) atividade(s) exercida(s). Neste quesito verifica-se que o CRC aproxima duas obrigações de natureza tributária diversa à luz da LGT (artigo 31.º): a obrigação de pagar a contribuição (principal) e as obrigações declarativas (acessórias). Sendo que em ambas as dimensões, formal e material, da obrigação contributiva se inscrevem alterações de regime. 3.

Breve consideração dogmática17

As contribuições para a segurança social assumem-se de natureza comutativa, na medida que pressupõem uma contraprestação administrativa presumivelmente aproveitável pelo trabalhador, que visa financiar. A obrigação contributiva assenta, assim, numa relação de base sinalagmática entre o dever jurídico de contribuir18 e o correspetivo direito subjetivo de formação continuada às prestações contributivas19. Porém, há que acautelar, as contribuições para a segurança social não preenchem o tipo tributário de taxa, pois, ao contrário deste, o sinalagma entre o valor da contribuição e o da contraprestação não é individualizado, efetivo, nem economicamente proporcional. Não se trata de uma comutatividade pura, mas parcial, nem de uma comutatividade económica, mas jurídica. É que, as prestações contributivas apresentam-se como direitos subjetivos futuros (dependem do cumprimento de determinados prazos de garantia de descontos), eventuais (o seu direito está condicionado a verificação dos riscos sociais tipificados - situação de desemprego involuntário, idade de acesso à pensão de velhice, doença etc.) e não constituem produto direto do esforço contributivo do seu titular, na medida que o sistema previdencial português adotou o regime de repartição20 – princípio da solidariedade intergeracional – onde os atuais contribuintes do sistema encontram-se a pagar as atuais prestações em pagamento. As contribuições previdenciais aproximam-se, assim, do conceito objetivo de imposto, pois que a contraprestação que visam financiar é parcialmente difusa relativamente ao

15

Relação de matriz obrigacional ou creditícia. Cfr. art. 11.º do CRC. 17 Pese embora a matriz marcadamente prática subjacente a este trabalho, dada a natureza das matérias que se seguem, consideramos que a sua abordagem, em termos coerentes e esclarecedores, pressupõe o seu prévio enquadramento teorético e conceptual. 18 E o correlativo poder-dever do credor público exigir a contribuição. 19 Razão pela qual o art. 262.º do CRC dispõe que os beneficiários que completem 70 anos de idade e não preencham o prazo de garantia para atribuição da pensão por velhice, têm direito ao reembolso das quotizações pagas. 20 Cfr. art. 8.º, n.º 2, al. c) da LBSS. 16

51


seu [pretenso] titular. A este respeito tem-se assistido, nos últimos tempos, à introdução de limites máximos e índices de regressividade no valor das prestações contributivas, contrariando-se, assim, o esquema comutativo clássico dos seguros sociais. É o que acontece, talvez o exemplo mais visível, com as prestações por desemprego, onde se fixa um teto máximo para o seu valor – 2,5 vezes o valor da IAS – sem que a montante seja acompanhado com por um plafonamento contributivo21, cuja finalidade assenta no desincentivo à ociosidade do trabalhador desempregado. Por outro lado, é de salientar que o esforço contributivo dos trabalhadores (dependentes ou independentes) não se destina, exclusivamente, ao financiamento do custo técnico das prestações cujo direito encontra-se em formação, mas, também, ao financiamento de políticas ativas de emprego e formação profissional via orçamento do IEFP, dos custos administrativos dos institutos da Segurança Social e, mormente, ao esforço de solidariedade de base laboral, nos termos do art. 8.º, n.º 2 al. b) da LBSS. Atualmente o legislador não se basta com as possibilidades que proporcionalidade pura da taxa contributiva encerra, na concretização da capacidade contributiva22. Com efeito, conferiu à relação contributiva um conteúdo funcional equivalente à relação de imposto23, pela qual o Estado – além do financiamento do subsistema previdencial – prossegue à correção das assimetrias sociais, promoção de igualdade de oportunidades e diferenciação positiva dos sujeitos com menor nível de rendimentos. A solidariedade de base laboral materializa-se num verdadeiro canal redistributivo de rendimentos, pelo qual atribui-se progressivamente mais de prestação a quem menos pode e menos a quem mais pode. Desde 2007 que a solidariedade laboral adquire expressão máxima nas pensões de invalidade e velhice24, tendo por base o princípio da diferenciação positiva das taxas de substituição das pensões a favor dos beneficiários com patamares de rendimentos mais baixos (art. 63.º, n.º 3 da LBSS). A diferenciação positiva é operacionalizada, nos termos do art. 29.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela aplicação de uma taxa de formação, variável entre 2,0% e 2,3% por ano, à remuneração de referência, em função dos anos civis da carreira contributiva e do montante da remuneração de referência. Destarte, um contribuinte

21

Outro exemplo, porventura menos mediático, prende-se com as pensões de velhice calculadas ao abrigo das antigas regras da remuneração de referência, isto é, de acordo com a média das dez melhores remunerações dos últimos quinze anos de vida do contribuinte, para as quais o legislador introduziu um teto máximo fixado em 12 vezes o valor do IAS (cfr. art. 101.º Do Decreto-Lei, n.º 187/2007, de 5 de outubro). 22 V. COSTA CABRAL, Nazaré da, Contribuições para a Segurança Social, Natureza, Aspectos de Regime e de Técnica e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos IDEFF n. º 12, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 65 e seguintes. 23 Porém, contrariamente ao sistema fiscal (art. 103.º da CRP), a conceção da função redistributiva do subsistema previdencial da Segurança Social tem origem meramente legal (arts. 8.º, n. º 2, al. a) e b), 10.º e 63.º, n.º 3 da LBSS), o que permite, desde logo, a sua reformulação ou supressão por maioria parlamentar, dispensando-se, assim, o difícil consenso político subjacente a uma revisão constitucional, cfr. art. 284.º e seguintes da CRP. 24 Até à publicação do Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro a solidariedade laboral encontrava, também, expressão nos escalões contributivos do RTI, na medida que os escalões mais elevados eram progressivos relativamente à base de incidência apurada no ano civil anterior, a este respeito V. explicação constante da nota de rodapé número 33.

52


com menores recursos económicos poderá lograr alcançar uma taxa de substituição máxima se possuir uma carreira contributiva longa, contrariamente a um contribuinte economicamente mais robusto, ainda que uma longa carreira contributiva, pois, como resulta do número 1, do art. 31.º do citado diploma, as taxas de formação para as carreiras mais longas (21 ou mais anos) é regressiva por referência ao valor da respetiva remuneração de referência. À face do que se deixou escrito, e muito mais se poderia escrever, entendemos a obrigação contributiva enquanto figura tributária a meio caminho entre a taxa e o imposto, ora laborando sob alçada do princípio da equivalência e da comutatividade, ora submetendo a sua atividade ao princípio da capacidade contributiva. Pelo que é sob este binómio jurídico-conceptual que deve reger-se qualquer aproximação ao estudo da obrigação contributiva da relação de segurança social. 4.

A relação contributiva. Da declaração ao apuramento contributivo 4.1. Dimensão formal

Conforme se adiantou, a componente formal da obrigação contributiva foi alvo de alteração - o que em muito se ficou a dever à introdução do novo sistema contributivo indexado aos rendimentos do trabalhador independente no último trimestre. A partir de janeiro de 2019, verificar-se-á um incremento substancial nas obrigações declarativas dos trabalhadores independentes enquadrados no regime simplificado de IRS, passando da atual declaração anual (Anexo SS), para 4 declarações trimestrais e duas anuais: 

Quatro declarações trimestrais a entregar, via eletrónica, até ao último dia dos meses de abril, julho, outubro e janeiro, relativamente ao valor dos rendimentos associados à prestação de serviços e à produção/venda de bens, cfr. art. 151.º-A, n.º 1 e 3 do CRC e art. 57.º-B do RCRC;

Uma declaração anual de confirmação dos rendimentos obtidos ano civil anterior, a entregar, via eletrónica, no mês de janeiro, cfr. art. 151.º-A, n.º 5 do CRC e art. 57.º-B do RCRC;

Uma declaração anual a entregar conjuntamente com a declaração Modelo 3 IRS, no prazo estabelecido pelo CIRS, contendo o valor dos rendimentos obtidos no ano civil anterior, relativos a prestações de serviços a pessoas singulares sem atividade empresarial e por pessoa coletiva ou singular com atividade empresarial, bem como os associados à venda e produção de bens, cfr. art. 152.º do CRC e art. 58.º do RCRC.

Relativamente aos sujeitos enquadrados no regime da contabilidade organizada, sem prejuízo do direito de opção pelo regime trimestral, encontram-se adstritos, somente, à entrega da declaração anexa a modelo 3 IRS a que aludo o artigo 152.º do CRC.

53


À face dos novos deveres de cooperação impostos aos trabalhadores independentes, interrogamo-nos sobre a razoabilidade e o mérito da criação de uma declaração anual ex novo de confirmação dos rendimentos trimestralmente declarados. É que, subsistindo, como subsiste, a obrigação de declaração anual de atividade a entregar conjuntamente com declaração Modelo 3 IRS e cujo conteúdo funcional – declaração rendimentos anuais do trabalhador independentes e respetivo controlo para efeitos do REC25 – corresponde, em larga medida, ao da nova obrigação, fica, em nosso entender, esvaziada de sentido prático a obrigação reportada pelo número 5 do art. 151.º-A do CRC. Entendemos esta dupla obrigação anual declarativa como injustificada e excessiva oneração do sujeito passivo que, por isso, é suscetível de contender com os princípios da simplicidade, economia procedimental26, eficiência e proporcionalidade que enformam o procedimento tributário (arts. 55.º da LGT e 46.º do CPPT) de cuja aplicação é subsidiária à relação jurídica contributiva nos termos do art. 3.º, al. a) e c) do CRC. Por outro lado, não podemos

olvidar

que

a

introdução

desta

[nova]

obrigação

anual

resultará,

necessariamente, num indesejado incremento do caudal jurídico, potenciador de precariedade e insegurança das liquidações e da revisão anual de rendimentos27 por eventuais divergências aritméticas entre os valores anuais declarados, na ocorrência de infrações por incumprimento no prazo ou omissão da entrega de declaração28 e, não menos importante, no aumento dos custos administrativos da atividade independente. Concluindo, consideramos que o legislador deverá reponderar a componente formal da obrigação contributiva de modo a expurgar, da mesma, a imposição da prática de atos inúteis e promovendo o aproveitamento do conteúdo das obrigações de similar natureza. 4.2.

Dimensão material

A componente formal da obrigação contributiva é alvo ajustamento no sentido de conferir uma superior uma adesão do quid contributivo ao rendimento real do trabalhador independente. Abordaremos, agora, as “novas” e “antigas” regras de apuramento da contribuição quanto ao rendimento relevante, base de incidência e taxa contributiva.

25

Com relevante interesse V, art. 162.º, n.º 5 e 6 do CRC, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro. 26 Como ensina o ilustre professor Joaquim Freitas da Rocha, a simplicidade e economia procedimental significam a prevalência e atuações desburocratizadas e a proibição da prática de atos inúteis ou dilatórios, cfr. FREITAS DA ROCHA, Joaquim, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 90. 27 Nos termos do art. 164.º-A do CRC. 28 Nos termos do art. 151.º-A, n.º 8 do CRC a violação do presente dever de cooperação constitui uma contraordenação leve punida com coima de €50 a €250 e praticada por negligência e de €100 a 500€ se praticada com dolo, cfr. art. 233.º, n.º 1 do CRC.

54


i. 

Até 31/12/201829 Rendimento relevante

No que toca ao RTI vigente até 31/12/2018, o artigo 163.º do CRC rege que a BIC corresponde ao escalão de remuneração determinado por referência ao duodécimo do rendimento relevante nos termos do artigo 162.º do mesmo código. Com efeito, pelo menos no patamar conceptual, o rendimento relevante aproxima-se ao conceito de matéria coletável em sede de impostos sobre o rendimento, isto é, consubstancia-se na delimitação e recorte do valor do rendimento sujeito à incidência contributiva, que no caso das contribuições servirá para determinar a base e escalão contributivo aplicável ao trabalhador. O rendimento relevante do trabalhador independente enquadrado no regime simplificado de IRS30 é determinado de acordo com o art. 162.º, n.º 1 do CRC, nomeadamente: 

Para os prestadores de serviços, 70% do valor total das prestações de serviços no ano civil imediatamente anterior ao momento de fixação da base de incidência contributiva (art. 162.º, n.º1, al. a));

Para os rendimentos comerciais e industriais, 20% dos rendimentos associados à produção e venda de bens no ano civil imediatamente anterior ao momento de fixação da base de incidência contributiva (art. 162.º, n.º 1, al. b)).

Em caso do trabalhador independente encontrar-se enquadrado no regime da contabilidade organizada31 em sede de IRS, o rendimento relevante corresponderá ao lucro tributável, sempre que este resulte inferior ao valor apurado pela aplicação dos coeficientes do número 1 do art. 162.º por força do número 3 do mesmo preceito legal32.

Da aplicação dos referidos coeficientes, ou do lucro tributável apurado consoante o caso, resulta o rendimento relevante, cujo duodécimo permitirá aferir o escalão de remuneração constitutivo da base de incidência contributiva, sobre a qual será aplicada a respetiva taxa. Ao duodécimo do rendimento relevante, convertido em percentagem do IAS, corresponde o escalão de remuneração cujo valor seja imediatamente inferior.

29

As referências efetuadas aos normativos do CRC e RCRC neste subcapítulo correspondem às redações vigentes anteriormente à data publicação do Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro – grosso modo a redação correspondente à Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro. 30 Nos termos dos artigos 28.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 31.º do CIRS (rendimento ilíquido < €200.000,00). 31 Nos termos dos artigos 28º., n.º 1, al. b) 32.º do CIRS (rendimento ilíquido> €200.000,00, ou por opção do sujeito passivo). 32 O rendimento relevante é apurado pela instituição competente da Segurança Social, com base na comunicação, com base nos valores declarados para efeitos fiscais, mediante a comunicação destes pela AT, cfr. Artigo 162.º, n-º 5 do CRC e artigo 62.º do RCRC.

55


Assim, para os prestadores de serviços (enquadrados no regime simplificado de IRS) o escalão

de

remuneração

aplicável

corresponderá

ao

escalão

cujo

valor

seja

imediatamente inferior. Expressão aritmética do art. 163.º, n.º 2 do CRC (Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro): çõ

ó é

ç

çã

ó é á

ó é

(limite minino da BIC: 2.º escalão, cfr.

art. 163.º, n .º 4 do CRC) 

Apuramento da base de incidência contributiva 1ª Etapa: determinação do rendimento

O

rendimento

relevante

(anual)

é

relevante

determinado nos seguintes termos:

(similitude com a técnica fiscal usada no

a) 70% do valor total de prestação de

IRS)

serviços no ano imediatamente anterior ao da fixação da base de incidência; b)

20%

dos

rendimentos

associados

à

produção e venda de bens no ano civil imediatamente anterior ao da fixação da base de incidência; c)

Trabalhadores

organizada:

Valor

com do

contabilidade

lucro

tributável

quando este seja inferior ao valor resultante da aplicação dos coeficientes anteriores. 2ª Etapa: apuramento do duodécimo do

Divisão do rendimento relevante anual por

R.R.

12 meses.

Etapa:

duodécimo

correspondência do

R.R.

contributivo em % do IAS

ao

do

escalão

A base de incidência é composta por 11 escalões

de

remuneração

convencional

determinados em função do IAS.

No quadro infra, apresenta-se os escalões contributivos RTI, assim como a sua expressão no respetivo valor a pagar a título de contribuição, nos termos do número 3 do art. 163.º CRC.

56


Escalão33

Remuneração convencional em % do IAS 34

(€421,32)

Tradução na Contribuição mensal (29,6%)

1 x IAS

421,32

€ 124,71

1,5 x IAS

631,98

€ 187,06

2 x IAS

842,64

€ 249,42

2,5 x IAS

1.053,30

€ 311,77

3 x IAS

1.263,96

€ 374,13

4 x IAS

1.685,28

€ 498,84

5 x IAS

2.106,60

€ 623,55

6 x IAS

2.527,92

€ 748,26

8 x IAS

3.370,56

€ 997,68

10º

10 x IAS

4.213,20

€ 1.247,10

11º

12 x IAS

5.055,84

€ 1.496,52

Flexibilidade de escolha da base de incidência contributiva

Visando precaver as oscilações próprias dos rendimentos auferidos pelos trabalhadores independentes, o art.164.º, n.º 1 e 2 CRC possibilitava, mediante requerimento do trabalhador, a aplicação de um escalão contributivo entre os dois imediatamente superiores ou imediatamente inferiores ao que lhe seja aplicável nos termos do art. 163.º CRC. Consagrações relativas à capacidade económica individual

α. Redução oficiosa do escalão de base de incidência mínimo – Escalão 035 Quando o rendimento relevante do trabalhador independente revelar-se igual ou inferior a 12 vezes o valor do IAS (€5.055,84), a base de incidência contributiva é fixada oficiosamente em 50% do valor do IAS, traduzindo-se numa contribuição mensal no valor de €62,35. Escalão 0 = (50% x 421,32) = 210,66 x 29,6% = €62,35 β. Isenção da obrigação de contribuir por baixos rendimentos O atual RTI prevê uma isenção objetiva da obrigação de contribuir para aqueles trabalhadores que não atinjam um determinado patamar de rendimentos. Na verdade

33

Note-se que além da proporcionalidade contributiva presente no “antigo” RTI, nos escalões mais elevados este regime comporta, também, uma dimensão progressiva, não por via de taxas progressivas, como sucede com o IRS, mas pela própria progressividade na fixação escalões contributivos cimeiros. Se bem repararmos, a partir do 5º e 8º escalão contributivo a diferença para o escalão imediatamente inferior passa de 0,5 IAS para 1 IAS e de 1 IAS para 2 IAS, respetivamente. 34 A base de incidência contributiva é fixada anualmente em outubro e produz efeitos nos 12 meses seguintes (artigo 163.º, n.º 5). 35 O trabalhador independente pode renunciar à sua fixação oficiosa, sendo posicionado no 1º escalão contributivo (artigo 164.º, n.º 4 CRC).

57


esta isenção surge-nos como um afloramento do princípio fiscal da capacidade contributiva no domínio da relação jurídica de segurança social, numa alusão à tutela do mínimo de existência fiscal. Assim, quando se tenha verificado o pagamento de contribuições pelo período de um ano resultante de rendimento relevante igual ou inferior a 6 x IAS (€2.527,92), é concedido o direito à obrigação de contribuir nos termos do artigo 157.º, n.º 1, al. a) CRC.  As

taxas

Taxa contributiva contributivas

a

vigorar

até

31/12/2018, são, segundo o art. 168.º do CRC de 29,6% para a generalidade dos TI, de 28,3% a cargo dos produtores agrícolas cujos rendimentos provenham unicamente da atividade agrícola, de 34,75%para os empresários em nome individual e dos

DESAGREGAÇÃO DA TCG DO RTI Taxa Contributiva Global: - Custo técnico das prestações - Administração -Solidariedade laboral* - Politicas ativas de emprego

29,6% 27,03% 0,68% 1,33% 0,58%

*Função redistributiva do sistema: Concretiza o princípio da diferenciação positiva (arts. 10.º e 63.º, n.º 3 LBSS)

titulares de EIRL e respetivos cônjuges e de 5% para as entidades contratantes. 4.2.2. 

Após 01/01/201936 Rendimento relevante

O apuramento do quid contributivo continua sendo, largamente, tributário do conceito de rendimento relevante. Porém, agora, o referencial temporal do rendimento relevante segmenta-se trimestralmente. O rendimento relevante deixa, assim, de reportar-se aos rendimentos percebidos no ano civil anterior37, para ser determinado com base nos rendimentos dos três meses imediatamente anteriores ao mês da declaração trimestral a que respeita o número 1 do art. 151.º-A do CRC. Relativamente aos trabalhadores enquadrados no regime simplificado de IRS, o legislador optou pela manutenção dos coeficientes precedentes, ou seja: 70% do valor total da prestação de serviços e 20% dos rendimentos associados à produção e venda de bens, consoante o número 1 do art. 162.º do CRC. A este respeito é de salientar a manutenção da relevante concessão ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que o rendimento relevante continua sendo apurado por dedução das percentagens (art.162.º, n.º1 CRC) que se consideram despesas presumivelmente necessárias à obtenção do rendimento do trabalhador independente, numa clara reminiscência do princípio do rendimento liquido38.

36

As referências efetuadas neste subcapítulo aos normativos do CRC e RCRC correspondem às redações dadas pelo Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro. 37 No que tange ao regime simplificado. 38 A respeito deste princípio V. NABAIS, José Casalta, Direito Fiscal, 8.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2015páginas 155 e seguintes.

58


No que concerne ao trabalhador abrangido pelo regime da contabilidade organizada do IRS, o referencial do rendimento relevante continua a ser o lucro tributável apurado no ano civil anterior, independentemente de resultar inferior à aplicação dos suprarreferidos coeficientes, como sucedia até então39 (art. 162.º, n.º 3 do CRC), sem prejuízo do direito de opção pelo apuramento trimestral. Não é apenas ao nível da incidência temporal contributiva do RTI que se registam alterações, também ao nível da incidência objetiva, isto é, do conteúdo do rendimento relevante, se impõem alterações de fundo. Destarte, ao abrigo do dispositivo do art. 162.º, n.º 4 do CRC, vem o RCR estabelecer no seu art. 62.º, n.º 3 que, salvo opção pela sua consideração nos termos do número 4, são excluídos no apuramento do rendimento relevante os seguintes rendimentos: os obtidos com a produção de eletricidade para autoconsumo ou através de unidades de pequena produção a partir de energias renováveis; os obtidos ao abrigo de contratos de arrendamento e arrendamento urbano para alojamento local em moradia ou apartamento40; de subvenções ou subsídios ao investimento41; provenientes de mais-valias realizadas e provenientes de propriedade intelectual ou industrial. Por outro lado, a matéria coletável imputada aos sócios das sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal, considera-se valor de prestação de serviços.  Base de incidência contributiva Com o “novo” RTI é abandonado o atual sistema de escalões contributivos indexados ao IAS42. De acordo com as regras do novo regime, o apuramento da BIC passa a aferir-se, exclusivamente, através do rendimento relevante apurado nos respetivos períodos declarativos (trimestre ou ano), sobre a qual é aplicada a taxa contributiva. Nos termos do art. 163.º, n. º 1 do CRC a BIC mensal corresponderá à terça parte do rendimento relevante apurado em cada período declarativo (trimestre), produzindo efeitos no próprio mês e nos dois seguintes43. Por sua banda, a BIC mensal dos trabalhadores abrangidos pelo regime de contabilidade organizada corresponderá ao duodécimo do rendimento relevante apurado no ano civil anterior, com o limite mínimo de 1,5 vezes o valor do IAS, sendo fixada no mês de outubro44 para produzir efeitos no ano civil seguinte, conforme estipulado pelo art.

39

V. ponto 4.2.1. do presente trabalho. Fica por esclarecer o sentido e alcance pretendido com esta exclusão via decreto-regulamentar, uma vez que esta espécie de rendimentos já se encontra fora do âmbito pessoal do RTI ex vi art. 139.º, n.º 1, al. f) do CRC. 41 Por regra subsídios e apoios concedidos para aquisição de ativos fixos tangíveis e intangíveis direta ou indiretamente afetos à atividade operacional do trabalhador. 42 V. tabela de escalões contributivos no ponto 4.2.1. do presente trabalho. 43 Para trabalhadores independentes abrangidos pelo regime simplificado de IRS ou que tenham exercido o direito de opção pelo regime de apuramento trimestral do rendimento relevante. 44 Do sobredito retira-se que, no caso de primeiro enquadramento de trabalhador com contabilidade organizada ou de alteração para o regime da contabilidade organizada em sede de IRS em 2019, este será tributado pelo regime 40

59


163.º, n.º 3 do CRC. De salientar são as especiais cautelas introduzidas no procedimento de apuramento da BIC dos trabalhadores com contabilidade organizada45, mormente a introdução daquele limite mínimo. Com efeito, esta limitação consubstancia-se numa cláusula específica anti-abuso cujo mérito e bondade46 são, quanto a nós, de indiscutível pertinência. Não obstante os fins meritórios, não podemos olvidar que dita disposição anti-abuso é operacionalizada mediante uma presunção legal implícita em matéria de incidência tributária47. Com efeito, o legislador presume que – mesmo na ausência de lucro tributável ou prejuízo fiscal - o trabalhador independente com contabilidade organizada aufere, mensalmente, o valor mínimo de €643,35 [1,5 x €428,90]48. Ora, inversamente ao que sucede na relação jurídica privada, no domínio tributário, em matéria de normas de incidência, o art. 73.º da LGT proíbe a possibilidade de existência de presunções inilidíveis, não labora aqui, portanto, a dicotomia entre presunções legais ilidíveis e inilidíveis perpetrada pelo art. 350.º, n.º 2 do CC. Em matéria de incidência tributária todas as presunções legais admitem, sempre, prova em contrário. Assim entendidas as coisas, no momento em que a BIC de 1,5 vezes o valor do IAS seja notificada ao trabalhador independente, e esta resulte superior ao duodécimo do seu lucro tributável, este poderá reclamar ou impugnar judicialmente o ato tributário de fixação da BIC juntando, para o efeito, os registos contabilísticos e fiscais comprovativos da situação financeira e fiscal ou, alternativamente, lançar mão do procedimento para elisão de presunções do art. 64.º do CPPT49. Esta interpretação é a que melhor adere ao princípio da prevalência do substrato económico dos factos tributários sobre a sua forma, enunciado pelo art. 11.º, n.º 3 da LGT e, por outro lado, ao princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários e não se compagina com a existência de casos especiais de tributação do lucro tributável somente a partir de janeiro de 2021, pois que só em outubro de 2020 ser-lhe-á notificada a BIC com base no lucro tributável de 2019, apurado em 2020 nos termos do disposto nos artigos 60.º e 77.º do CIRS. O que, consequentemente, poderá implicar sérias iniquidades, em sede da obrigação contributiva, para os trabalhadores abrangidos pelo regime da contabilidade organizada, especialmente aqueles que registem valores elevados de inputs na sua atividade, na medida em que o seu rendimento relevante desconsiderará, àquela data, as despesas da atividade que ultrapassem as percentagens previstas no art. 162.º do CRC. 45 O que não constitui novidade deste regime. Com efeito, já assim sucedia nas anteriores regras contributivas, na medida em que aos trabalhadores abrangidos pelo regime da contabilidade organizada seria fixado como limite minino a BIC correspondente ao 2.º escalão contributivo (art. 163.º, n.º 4 do CRC na sua antiga redação). 46 A introdução deste freio anti-abuso visa o cerceamento de situações de evasão e fraude tributárias, mediante a produção de resultados contabilísticos artificiais com o intuito de subtrair-se à tributação. 47 Sujeita, portanto, a reserva de lei material e formal, nos termos do art. 103.º da CRP. 48 Trata-se, na verdade, de uma presunção legal imperfeita, na medida em que o legislador não parte de um qualquer facto ou indício conhecido para firmar aquele valor mínimo, como se extrai da definição normativa de presunção do art. 349.º do CC. 49 Na circunstância do trabalhador não pretender lançar mão dos procedimentos contenciosos em causa, seja por ociosidade ou seja por prever a sua improcedência, poderá, no prazo concedido na notificação da fixação da BIC, exercer o direito de opção pela aplicação do regime de apuramento trimestral do rendimento relevante nos termos do número 3 do art. 164.º do CRC. Esta possibilidade apresenta-se de particular interesse para aqueles trabalhadores que prevejam baixos outputs da atividade para o ano civil subsequente, pois poderão reduzir o valor da contribuição mensal até aos €20,00.

60


com base em valores fictícios em situações em que é conhecido ou é apurável o valor real da BIC: como a tributação de rendimentos inexistentes conduziria a que quem os não auferiu fosse tributado como que os teve e tal ofende o princípio da igualdade, é sempre possível demonstrar e/ou comprovar a realidade dos rendimentos, ilidindo-se, assim, a presunção implícita do art. 163.º, n.º 3 do CRC50. Dito isto, consideramos que a ideia de tributação com base na ficção do lucro tributável do trabalhador é constitucionalmente aceitável, uma vez que é a lei que o presume, mas só pode acontecer porque se presume que o valor do lucro tributável ficcionado é o que melhor corresponde à realidade, admitindo-se sempre a prova de que há dissonância entre o lucro ficcionado e o real, procurando-se, desta forma, desvelar a verdade material dos factos tributários, como comanda o art. 58.º da LGT. Expressão aritmética do art. 163.º, n.º 1 e 2 do CRC (Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro):

á

çã

ç

çã

ç

á

51

Repare-se que em resultado abandono do sistema de escalões contributivos, gera-se um reforço da fiscalidade proporcional subjacente ao RTI, ocorrendo que, agora, a taxa contributiva incide, diretamente sobre o duodécimo ou a terça parte do rendimento relevante anual ou trimestral, respetivamente52. O procedimento de apuramento da contribuição é, assim, simplificado e diretamente proporcional ao rendimento relevante do trabalhador, expurgado que está da fase de posicionamento no escalão contributivo. Por outro lado, o abandono do escalonamento contributivo parece implicar um desinvestimento no sistema de solidariedade laboral contributiva53/54, não a sua supressão, pois seria ilegal à luz da LBSS, mas a diminuição da sua intensidade. É que, como demos nota, o sistema de 11 + 1 escalões contributivos até então vigente, impunha 50

Para maior desenvolvimento desta matéria V. LEITE DE CAMPOS, Diogo, SILVA RODRIGUES, Benjamim e LOPES DE SOUSA, Jorge, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada (4ª Edição ed.), Encontro da Escrita Editora, Lisboa, 2012, pág. 649 e seguintes. 51 Com o limite mínimo de 1,5 vezes o valor do IAS. 52 Consoante estejamos perante trabalhador independente abrangido pelo regime da contabilidade organizada ou pelo regime simplificado do IRS. 53 A este da solidariedade de base laboral V. ponto 3 do presente trabalho. 54 Não que isso colida com o princípio da capacidade contributiva.

61


uma certa progressividade da obrigação contributiva, não por via de taxas como sucede no IRS, mas pelos escalões de base de incidência contributiva. Com efeito, até ao 5.º escalão inclusive, estes progrediam numa razão de 0,5 vezes o valor do IAS, entre o 6.º e o 8.º escalão inclusive, a razão de progressão duplica para 1,0 vezes o valor do IAS e, partir do 9.º até ao 11.º escalão a razão de progressão passava a ser de 2,0 vezes o valor do IAS. Se consideramos que a solidariedade laboral é financiada mediante a aplicação de uma [sub]taxa fixa da TCG à BIC55, fácil fica de entrever a redução do canal redistributivo de rendimentos estre os trabalhadores financeiramente mais abonados e os mais desfavorecidos do RTI. Flexibilidade de escolha da base de incidência contributiva

Considerando as oscilações e imprevisibilidades inerentes à atividade independente, aquando de qualquer declaração trimestral, o trabalhador pode optar pela fixação de um rendimento relevante superior ou inferior até 25%56 ao apurado, conforme art. 164.º, n.º1 e 2 do CRC57. Por sua banda, ao trabalhador sujeito ao regime de contabilidade organizada é conferido o direito de opção pelo regime de apuramento trimestral do rendimento relevante, ficado sujeito às respetivas obrigações declarativas a partir do mês janeiro. 

Consagrações relativas à capacidade económica individual §. Redução oficiosa da BIC e isenção de contribuir por baixos rendimentos

Visando a consolidação das carreiras contributivas, sempre que se verifique a inexistência de rendimentos ou o valor das contribuições por força do rendimento relevante apurado seja inferior a €20,00, é fixada, nos termos do art. 163.º, n.º 2, a BIC que corresponda aquele valor, ou seja, sempre que o rendimento relevante trimestral seja igual ou inferior a €280,37 [(€20,00/21,4%) x 3] é fixada a BIC mensal de €93,45. Se, porém, em janeiro do ano seguinte verificar-se a manutenção da situação supra descrita, é concedido, nos termos do art. 157.º, n.º 1, al. d) do CRC e sem prejuízo de renúncia, o direito à isenção de contribuir enquanto se mantiverem aquelas condições, tutelando-se o mínimo de existência fiscal do trabalhador.  Isenção de contribuir por cumulação com atividade por conta de outrem58

55

V. desagregação da atual TCG constante do ponto 4.2.1 do presente trabalho e art. 51.º do CRC. A operar em intervalos positivos ou negativos de 5%. 57 Desde que se verifique inexistência de acumulação de atividade independente com atividade por conta de outrem, pois que, de acordo com o art. 163.º, n.º 4 do CRC com a redação dada pelo art. 333.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, a opção disposta pelo número 1 do art. 164.º é inaplicável à parcela de rendimentos excedentes ao limite da isenção prevista pelo art. 157.º, n.º 1, al. a) do CRC. 58 Não confundir com o instituto dos trabalhadores em regime de acumulação do art. 129.º CRC, o qual se insere no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem. 56

62


Outra inovação introduzida no RTI diz respeito à obrigação contributiva dos trabalhadores que cumulem atividade profissional por conta de outrem com atividade independente. A este respeito, mantém-se a precedente isenção de contribuir para o RTI, contudo, limitada. Nos termos do art. 157.º, n.º1, al. a) do CRC a isenção circunscreve-se, agora, ao rendimento relevante mensal médio apurado trimestralmente inferior a 4 vezes o valor do IAS (€1.715,60)59. O excedente do rendimento relevante médio mensal sobre aquele limite constituirá a BIC para efeitos do RTI, sendo sujeito a tributação nos termos gerais, como se retira do número 4 do art. 163.º do CRC e do art. 59.º do RCRC. Sinteticamente, o trabalhador que acumule atividade por conta de outrem com atividade independente (abrangida pelo regime simplificado de tributação), encontrar-se-á isento de contribuir por força desta, na medida que não ultrapasse €1.715,60 de rendimentos mensais da atividade independente. Caindo por terra, assim, a ideia originária oriunda dos sectores mais à esquerda da atual maioria parlamentar, de revogar integralmente a isenção in casu. Solução que, pessoalmente, nos pareceria a mais razoável por razões de proporcionalidade e igualdade social e de acesso ao mercado de trabalho 

Taxa contributiva

Relativamente às taxas contributivas desconhecendo-se, até ao momento, a respetiva desagregação, não mais nos resta que sinalizar a sua diminuição percentual, a saber60: 21,4% para a generalidade dos trabalhadores independentes (incluindo, agora, trabalhadores agrícolas); 25,2% a cargo dos empresários em nome individual e titulares de EIRL e respetivos cônjuges e; 7% e 10% para as EC que beneficiem entre mais de 50% até 80% e da atividade de trabalhador independente e mais de 80%. 4.3.

Casos práticos: liquidação da obrigação contributiva segundo os dois

regimes

A)

Liquidação da obrigação contributiva de trabalhador independente, com

um rendimento anual/trimestral bruto de €17.000,00 (€12.000,00 de prestação de serviços e €5.000,00 da venda de bens), enquadrado no regime simplificado de IRS.

59

Conquanto que se encontrem reunidos os demais pressupostos legais à concessão da isenção nos termos do art. 157.º do CRC: o exercício das atividade independente e dependente sejam prestadas a empresas distintas e fora do âmbito de uma relação de domínio ou grupo; o exercício da atividade dependente determine o enquadramento obrigatório noutro regime de proteção social que cubra a totalidade do âmbito material do RTI e; o valor da remuneração mensal média considerada para o outro regime de proteção social seja no mínimo 1 vez o valor do IAS (€428,90). 60 Cfr. nova redação do art. 168.º do CRC.

63


Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro De scritivo

Valore s

Apurame ntos

Normativo C RC

€ 12.000

Prestação de Serviços

€ 5.000

Vendas R.R. ano civil anterior

[(12.000 x 70%) + (5.000 x 20%)] = €9.400

art. 162.º, n.º 1

Duodécimo do R.R.

9.400/12 = € 783,33

art. 163.º, n.º 1

€783,33/421,32 = 1,86 - 2º escalão (150%x421,32= €631,98) Base de incidência oficiosa: 1º escalão (100% x €421,32)

Escalão aplicavel (%IAS)

421,32 x 29,6% = € 124,71

Aplicação da taxa Contribução mensal Opção

art. 163.º, n.º 2 art. 168.º, n.º 1

€ 124,71

art. 155.º

Direito de optar um dos dois escaloes imediatamente inferiores ou superiores.

art. 164.º, n.º 1 e 2

Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro De scri ti vo Prest ação de Serviços

Val ore s

Apurame ntos

Normati vo C RC

€ 12.000 € 5.000

Vendas R.R. t rimest ral

[(12.000 x 70%) + (5.000 x 20%)] = €9.400

art . 162,º, n.º 1

1/3 do R.R.

9.400/3 = 3.133,33

art . 163,º, n.º 1

Aplicação da t axa

3.133,33 x 21,4% = €670,53

art . 168.º, n.º 1

Cont ribução mensal Opção

€ 670,53 Direit o de opt ar pela fixação de um R.R. superior ou inferior at é 25%.

B)

art . 155.º art . 164.º, n.º 1 e 2

Liquidação da obrigação contributiva de trabalhador que acumule

atividade por conta de outrem com atividade independente abrangida pelo regime simplificado, pressupondo o cumprimento dos requisitos dispostos no art. 157.º do CRC. Rendimentos auferidos trimestralmente a título de prestação de serviços no valor de €22.000,00, e remuneração mensal, ao abrigo de relação laboral, no valor de €800,00.

Repare-se que, ao abrigo do anterior regime, este trabalhador encontrava-se isento da obrigação de contribuir pela totalidade dos rendimentos auferidos no âmbito da atividade independente. Por outro lado, é de realçar que o novo regime de isenção da obrigação de contribuir por acumulação de atividade por conta de outrem com atividade independente era, originariamente, circunscrita aos trabalhadores cujo rendimento relevante mensal fosse apurado trimestralmente. Todavia, com a nova redação conferida aos arts. 157.º,

64


n.º 1, al. a) e 163.º, nº 4 do CRC pelo art. 233.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro61, a presente isenção da obrigação de contribuir foi alargada aos trabalhadores independente cujo rendimento relevante seja apurado anualmente, ou seja, de acordo com o lucro tributável – vg. regime da contabilidade organizada. Suprimindo-se, porém, o direito de opção pela fixação de um rendimento relevante 25% superior ou inferior para os trabalhadores que recaiam nesta situação.

V. Conclusões Com o presente labor pretendeu-se, partindo do regime contributivo anterior, efetuar uma prognose à reforma do RTI. Não se procurou um estudo exaustivo de todas as dimensões e vicissitudes jurídicas, axiológicas e conceptuais do regime, o que, aliás, revelar-se-ia tarefa impossível atenta a natureza da publicação, mas uma exposição e reflexão prospetivas daqueles que consideramos ser os pontos âncora da reforma trazida agora a lume. Destacamos, enfim, as seguintes conclusões práticas62 da reforma ao RTI: 1. Exclusão do âmbito de aplicação pessoal do RTI dos trabalhadores que aufiram rendimentos da categoria B do IRS provenientes, exclusivamente, da atividade de alojamento local em moradia ou apartamento. Dita exclusão não se aplica aos rendimentos de alojamento local sob a modalidade dos denominados hostels. 2. Alargamento do conceito de entidade de contratante: entidades que beneficiem no mesmo ano civil de mais de 50% do valor total da atividade de trabalhador independente. 3. A manutenção, incompreensível, da desarticulação entre o RTI e o regime previdencial da CPAS no que concerne às entidades contratantes. A este respeito dever-se-á ponderar intervenção legislativa no sentido da aplicação do REC aos advogados e solicitadores que, no âmbito da sua profissão, prestem a sua atividade exclusiva, ou maioritariamente, a uma única entidade. Revertendo o valor da contribuição a pagar pela EC para a proteção social na eventualidade de desemprego destes profissionais, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março com as ulteriores alterações. 4. Produção de efeitos obrigatória do primeiro enquadramento no RTI no primeiro dia do 12.º mês seguinte ao início da atividade fiscal: eliminação do diferimento da produção de efeitos do primeiro enquadramento em função do nível de rendimentos auferidos.

61 62

Que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2019. As conclusões de cariz reflexivo e conceptual encontram-se discorridas ao longo do trabalho.

65


5. Novo referencial temporal do rendimento relevante para trabalhadores não abrangidos pelo regime da contabilidade organizada: abandono do sistema de escalões contributivos e indexação da BIC aos rendimentos auferidos nos três meses imediatamente anteriores. 6. Exclusão material do rendimento relevante dos rendimentos obtidos com a produção de eletricidade para autoconsumo ou através de unidades de pequena produção a partir de energias renováveis; os obtidos ao abrigo de contratos de arrendamento e arrendamento urbano para alojamento local em moradia ou apartamento; de subvenções ou subsídios ao investimento; provenientes de mais-valias realizadas e provenientes de propriedade intelectual ou industrial (sem prejuízo da opção pela sua consideração). 7. Introdução de um limite máximo para a BIC mensal de 12 vezes o valor do IAS (€5.146,80), ou seja, um teto contributivo máximo de €1.101,42 [(12 x €428,90)x 21,4%] e; de um limite mínimo para a BIC dos trabalhadores abrangidos pelo regime da contabilidade organizada de 1,5 vezes o valor do IAS, ou seja, uma contribuição mínima de €137,68 [(1,5 x €428,90) x 21,4%]. 8. Limitação da isenção da obrigação de contribuir por acumulação de trabalho por conta de outrem com atividade independente relativa ao rendimento relevante mensal médio apurado trimestralmente de valor inferior a 4 vezes o IAS (€1.715,60) – consideramos injustificada e inadequada a manutenção desta isenção, por atentatória à neutralidade que o sistema previdencial deveria assumir no mercado de trabalho, produzindo discriminações contributivas inter trabalhadores independentes. 9. Previsão de uma contribuição mínima no valor de €20,00 para situações de perceção rendimentos muito baixos ou na sua inexistência, sem prejuízo da isenção da obrigação de contribuir na circunstância de se manter aquele nível de rendimentos durante um ano. 10. Introdução de novas taxas contributivas: 21,4% para a generalidade dos trabalhadores independentes (incluindo, agora, trabalhadores agrícolas); 25,2% a cargo dos empresários em nome individual e titulares de EIRL e respetivos cônjuges e; 7% e 10% para as EC que beneficiem entre mais de 50% até 80% e da atividade de trabalhador independente e mais de 80%.

Artigo redigido em 17/10/2018 segundo o novo acordo ortográfico. Adenda efetuada em 05/01/2019 em conformidade com a Lei do Orçamento do Estado para 2019..

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68


Partilha Partilha Notas JurĂ­dicas e Fiscais

Fernanda Pereira Oficial de Registos Mestre em Solicitadoria

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Sumário: I. Nota Introdutória. II. A Partilha e os Seus Efeitos. 1. Forma 2. Natureza da Partilha. 3. Implicações Fiscais. 3.1. Incidência. 3.2. Renúncia de Tornas. 3.3. Partilha em Vida. 3.4. Partilha de Património Societário. 3.5. Dívidas Fiscais. 4. O Registo Predial. III. Conclusões

I. Nota Introdutória 1

Decorre da noção legal o pressuposto lógico e óbvio do fenómeno sucessório que é a morte de uma pessoa. Neste sentido, as normas legais que tratam o fenómeno da sucessão visam regular um específico tipo de relações que se verificam após a morte de alguém e têm como objetivo final a determinação do destino a dar ao seu património. Património este, que pode ficar indiviso por certo prazo, mas que irrenunciavelmente, qualquer herdeiro tem direito de exigir a partilha, acabando assim com aquela indivisão. 1 Artigo 2024.º do Código Civil Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam. Sabe-se que a sucessão por morte é um modo de aquisição da propriedade e que os efeitos da partilha retrotraem-se à data da abertura da herança. Mas, será que a natureza da partilha pode influenciar a perfeição deste negócio jurídico? Este negócio jurídico está sujeito a uma forma. Se o objeto da partilha forem imóveis é a forma escrita, ficando, no entanto, circunscrito ao conhecimento das partes. Pelo que, para que os factos resultantes da partilha se tornem conhecidos e oponíveis perante terceiros é necessário proceder ao seu registo. Todavia, para combater a evasão e fraude fiscais o Estado serve-se do título para arrecadar receita e do registo para controlar a arrecadação dessa mesma receita, daí que nenhum ato sujeito a encargos de natureza fiscal, como é o caso da partilha de imóveis, pode ser definitivamente registado sem que se mostrem pagos ou assegurados os direitos do fisco.

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“Artigo 2024.º do Código Civil Diz sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.”

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II. A Partilha e os Seus Efeitos 1.

Forma

Com a morte abre-se o fenómeno sucessório que consiste, como dispõe o artigo 2024.º do Código Civil, no chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam. Para tanto, há que apurar quem são os chamados, o mesmo é dizer quem tem título de vocação sucessória. A título de exemplo, se o de cujus falecer no estado de casado e com filhos, sem deixar testamento ou disposição de última vontade, serão chamados o cônjuge sobrevivo2 e os seus filhos. A prova das pessoas que sucedem ao de cujus é feita através da habilitação de herdeiros, que pode ser obtida por via notarial3, registal4 ou judicial. Isto é, a habilitação pode ser realizada por escritura pública, em qualquer cartório notarial ou em alternativa através do procedimento simplificado de sucessão hereditária, em qualquer Conservatória do Registo Civil; em processo de inventário, atualmente tramitado nos cartórios notariais, aproveitando-se as declarações ali prestadas pelo cabeça de casal; e, no âmbito de um processo judicial, através um incidente de habilitação de herdeiros, sendo que estes incidentes de habilitação apenas têm eficácia dentro do processo em que foram deduzidos e não servem de habilitação fora desses mesmos processos. São as chamadas habilitações ad litem. A habilitação, independentemente da modalidade escolhida, constitui um ato preparatório da partilha, e pode ser feita previamente (em ato autónomo) ou em conjunto com a partilha. Como ato preparatório, dela devem constar todos os elementos que se tornem necessários a um correto cálculo dos quinhões hereditários, designadamente, se existe disposição por morte, pré-morte ou repúdio de algum dos herdeiros, tendo em vista o direito de representação. Deve, também, constar a indicação se concorrem à herança apenas irmãos germanos ou, também, irmãos consanguíneos ou uterinos.5 Além disso, é também necessária a informação acerca da alienação de quinhões hereditários, havendo-a, ou repúdio ou renúncia à herança. Até à partilha, a herança está indivisa, sabendo-se apenas que cada herdeiro tem direito a uma quota ideal. Sendo que, havendo património comum do casal, o cônjuge sobrevivo tem direito à meação conjugal mais o quinhão hereditário6 os filhos têm direito ao quinhão hereditário. Isto como um todo e não se reportando estas quotas a cada bem individual. Pelo que, a

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No entanto, atualmente torna-se relevante pensar no regime da renúncia à condição de herdeiro, instituído pelo Artigo 1707.º-A, aditado ao Código Civil, pela Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto. 3 Artigo 84.º do Código do Notariado 4 Artigos 210.º-O do Código do Registo Civil 5 Vide, FERREIRINHA, Fernando Neto, Manual de Direito Notarial, 2016, p. 656 6 Atualmente não pode ser esquecida a norma constante do artigo 1707.º-A do CCivil.

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forma (ato) de acabar com esta indivisão do património é a partilha, convertendo a quota ideal de cada herdeiro em bens certos e determinados. No que às partilhas diz respeito, a prática notarial tem-se defrontado, nomeadamente, com os seguintes casos de partilhas, como nos indica Neto Ferreirinha7, que passamos a citar: “A partilha da herança, derivada da morte de pessoa física que, ao longo da vida, conseguiu juntar ou conservar um determinado acervo de bens – artigo 2101.º e ss. do CCivil; A partilha do casal, resultante da dissolução do casamento por divórcio, separação de pessoas e bens ou da simples separação judicial de bens - artigos 1689.º, 1770.º, 1788.º, 1790.º, 1794.º e 1795.º-A do CCivil; e, A partilha em vida, baseada em doações entre vivos a favor de algum ou de alguns presuntivos herdeiros legitimários dos doadores com o consentimento dos outros, a fim de eles procederem imediatamente à repartição entre si dos bens doados – artigo 2029.º do CCivil”. No que toca a partilha da herança, determina o artigo 2101.º do CCivil que qualquer coherdeiro ou cônjuge meeiro tem o direito de exigir partilha quando lhe aprouver e que este direito é irrenunciável. Quanto às entidades competentes para realizar a partilha, o artigo 2102.º do CCivil, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2013, de 05 de março, estabelece que havendo acordo dos interessados, a partilha é realizada nas conservatórias ou por via notarial, e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos em lei especial. Há quem tenha levantado uma questão relacionada com a alteração deste preceito. Pois, no caso de haver acordo entre os interessados, deixou de constar “a partilha pode fazerse extrajudicialmente” – redação dada pelo Dec.-Lei n.º 227/94, de 08 de setembro - e passou a constar que “a partilha é realizada nas Conservatórias ou por via notarial” – redação dada pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho e que se manteve com Lei n.º 23/2013, de 05 de março. Quanto à realização nas Conservatórias, não há dúvida pois é realizada no “Balcão das Heranças”, através de um procedimento simplificado. Já quanto à “via notarial” surgiu a d vida se efetivamente se restringia aos cartórios notariais e consequentemente aos notários a competência para a realização destas partilhas. Esta dúvida também é levantada por Neto Ferreirinha8 que refere que quando este preceito falava em forma extrajudicial, não havia dúvida que a partilha podia ser feita por escritura pública ou por documento particular autenticado (resultado do Dec.-Lei n.º 116/2008, de 04 de julho, artigo 22.º, alínea f)), cabendo na competência dos notários, serviços de registo, advogados, solicitadores e câmaras do comércio e indústria.

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FERREIRINHA, Fernando Neto, Manual de Direito Notarial, 2016, pp. 644, 645 FERREIRINHA, Fernando Neto, Manual de Direito Notarial, 2016, pp. 645-647

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Porém, este autor9 questiona o que é que o legislador quereria dizer com a expressão “via notarial”? Que somente os notários – e não as outras entidades a quem a lei atribuiu funções notariais poderiam titular as partilhas, havendo acordo das partes? Ao que responde dizendo que a lei não clarifica o significado atribuído a esta expressão, o que leva a haver quem entenda que a exigência da via notarial implica obrigatoriamente a intervenção de um notário como única entidade competente para a titulação desses atos e quem considere que essa exigência implica a utilização de um instrumento com intervenção de uma entidade com funções notariais e com observância das normas constantes no Código do Notariado. Neto Ferreirinha é do entendimento que é no mínimo estranho a posição do legislador e conclui que “a questão é melindrosa e, por isso, merecedora de esclarecimentos por via legal ou jurisprudencial, mas seguramente que os notários sempre terão competência para titular os negócios jurídicos das partilhas.” Quanto a nós, não nos restam dúvidas, pois o n.º 1 daquele preceito foi alterado pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, que aprovou o regime jurídico do processo de inventário, posteriormente revogado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de março, ambas depois do Dec.-Lei n.º 116/2008, de 04 de julho, que veio reforçar as competências atribuídas a outras entidades para exercerem funções notariais, além dos notários, referindo expressamente no artigo 22.º, sob a epígrafe “Forma dos atos”, que “sem prejuízo do disposto em lei especial, só são válidos se forem celebrados por escritura pública ou documento particular autenticado os seguintes atos:” Dentre outros constam “f) As divisões de coisa comum e as partilhas de patrimónios hereditários, societários ou outros patrimónios comuns de que façam parte coisas imóveis”. Ora, assim sendo deve ler-se “via notarial” como sendo “por quem exerce funções notariais” e já não restam d vidas quanto à competência para a realização das partilhas por acordo, que podem ser notários, conservadores, oficiais de registo, advogados, solicitadores e câmaras do comércio e industria. Defendemos que as partilhas, tal como nos refere Neto Ferreirinha10, podem ser realizadas por acordo entre os interessados, nas Conservatórias (inicialmente apenas Conservatórias do Registo Civil, mas posteriormente nas Conservatórias do Registo Predial onde foi implementado o balcão de heranças e partilhas) através de procedimento simplificado; nos cartórios notariais através de escritura pública ou documento particular autenticado; nos serviços de registo, por advogados, solicitadores e câmaras de comércio e indústria, através de documento particular autenticado; e, na falta de acordo ou qualquer dos casos previstos nas alíneas b) e c), do artigo 2102.º do CCivil, por meio de inventário, que é tramitado, obrigatoriamente, nos cartórios nos termos da Lei n.º 23/2013, de 23 de março. 9

FERREIRINHA, Fernando Neto, Manual de Direito Notarial, 2016, p. 646 FERREIRINHA, Fernando Neto, Manual de Direito Notarial, 2016, p. 647

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2. Natureza da Partilha Questão delicada é a de saber qual a natureza jurídica da partilha, pois como vamos constatar isso irá refletir-se em termos de titulação e, consequentemente, em termos registais. O artigo 1316.º do CCivil refere os vários modos de aquisição da propriedade, sendo que entre eles encontra-se a “sucessão”. Pelo que dispõe o artigo 1317.º, al. b) do CCivil o momento da aquisição do direito de propriedade no caso de sucessão por morte é o da abertura da sucessão, sendo que se abre no momento da morte do seu autor como determina o artigo 2031.º do CCivil. Em anotação a estes artigos 1316.º e 1317.º, Pires de Lima e Antunes Varela11 vêm afirmar que “um negócio de partilha não constitui um modo de aquisição da propriedade, visa apenas concretizar em bens certos e determinados o direito (anterior) do herdeiro a uma quota ideal da herança”. Afirmam que o modo de aquisição é a sucessão por morte, tendo a partilha uma função meramente “declarativa” ou “certificativa”. Daí o artigo 2119.º do CCivil estabelecer que “feita a partilha cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos.” E no que respeita ao momento da aquisição da propriedade esta considera-se adquirida, pelos herdeiros ou legatários, no momento da abertura da sucessão, que como já referimos é o da morte do seu autor. É, também, neste momento que os herdeiros e legatários são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido como prescreve o artigo 2032.º do CCivil, e como referem estes autores, embora não adquiram o domínio pela aceitação, os efeitos retrotraem-se ao momento da abertura, como consta do artigo 2050.º do CCivil. Também Cristina Araújo Dias12 ao referir-se aos efeitos e natureza da partilha e aludindo ao que consta no artigo 2119.º do CCivil, menciona que feita a partilha cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos. Afirma esta autora que “isto implicará que os atos de disposição praticados por cada um dos co-herdeiros sobre bens que venham a ser-lhe adjudicados na partilha são válidos (o que decorre do artigo 895.º do CCivil)”. Diz esta mesma autora que é daqui que resulta a defesa por alguns autores (Pereira Coelho, Capelo de Sousa e Jorge Duarte Pinheiro) a natureza declarativa da partilha, visto que através dela apenas são declarados direitos que já lhe cabiam desde a morte do autor da herança. Para outros autores (Flamínio Martins, Luís Lopes e Capelo de Sousa), como nos mostra Cristina Dias, a norma do artigo 2119.º do CCivil e a retroatividade aí prevista visa apenas assegurar a continuidade das relações jurídicas do autor da herança, evitando interregnos. Dado que o direito sobre os bens que a partilha atribui aos herdeiros não 11 12

LIMA, Pires de e VARELA, Antunes, Código Civil Anotado, Volume III, 1987, pp. 121,122 DIAS, Cristina Araújo, Lições de Direito das Sucessões, 2012, pp. 141,142

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lhes pertencia ainda, sendo antes titulares de um outro direito, a partilha tem natureza constitutiva, uma vez que a partilha aparece como título constitutivo dos direitos sobre os bens. Esta autora13 é da opinião que não pode dizer-se que a partilha é meramente declarativa, apesar de o direito do herdeiro sobre os bens da herança não ser um direito novo que nasça com a partilha, uma vez que se constitui no momento da abertura da herança. Contudo, dado que o direito do herdeiro antes da partilha não é o mesmo que tem depois da partilha - antes era contitular da herança e depois passa a um direito aos bens em concreto (apesar de na sua base estar o mesmo direito), a partilha tem a natureza modificativa. Oliveira e Ascensão14 vem falar da “pretensa natureza declarativa da partilha” e afirma que uma questão que tem sido debatida, nomeadamente na doutrina nacional, é a natureza jurídica a atribuir à partilha. Releva para o efeito o artigo 2119.º do CCivil, sob a epígrafe “retroatividade da partilha”, que estabelece que, após a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos. Diz este autor, que “é sobretudo esta retroatividade que tem estimulado os autores nas suas construções”, atribuindo-se à partilha a natureza de declarativa ou atributiva. Afirmando, que “no primeiro caso, diz-se que é um ato declarativo, uma vez que apenas declara que aqueles bens pertenciam ao herdeiro desde a abertura da sucessão; para a segunda corrente a partilha é um ato constitutivo, uma vez que atribui ao herdeiro um direito que ainda não lhe pertencia.” Este mesmo autor15 afirma que não se deve colocar a hipótese de com a partilha se pretender declarar um direito que existia já e sempre fora do herdeiro, desde a abertura da herança. Torna-se claro que alguma coisa existe de constitutivo na partilha; que ela vem modificar de certo modo a ordem jurídica. Daí este autor16 pensar e negar a natureza atributiva da partilha, pois não se atribui outro direito ao herdeiro diferente do que tinha antes. E conclui que “a partilha não é um ato meramente declarativo de um direito preexistente, pois que após ela o direito de cada co-herdeiro não fica inalterado; nem um ato atributivo de um direito aos bens, pois o beneficiado já o tinha.” Oliveira Ascensão17 defende, então, que a partilha é um ato modificativo, uma vez que altera situações jurídicas preexistentes. Ou seja, o objeto e o conteúdo dos direitos preexistentes são alterados, implicando a cessão do estado de indivisão, extinguindo-se a possibilidade de atuação em conjunto sobre a herança.

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DIAS, Cristina Araújo, Lições de Direito das Sucessões, 2012, p. 142 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil Sucessões, 2000, pp. 543-547 15 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil Sucessões, 2000, p. 544 16 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil Sucessões, 2000, p. 545 17 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil Sucessões, 2000, p. 546 14

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Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela18 que vêm afirmar que sendo certo que o direito do herdeiro sobre a herança existe desde a sua abertura e não com a partilha, pelo que não se tratando de um negócio atributivo ou constitutivo, também não é um negócio meramente declarativo ou recognitivo, trata-se pois de um ato meramente modificativo ou de conversão. Isto porque “a partilha converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo a uma parcela determinada no todo”. Também neste sentido Carvalho Fernandes19 que refere que a partilha não sendo para o herdeiro um facto aquisitivo, tem eficácia modificativa, uma vez que “em lugar do direito que lhe estava atribuído e que concorria com os demais herdeiros sobre a herança, enquanto universalidade, por efeito da partilha o herdeiro passa a ter um direito, em titularidade singular, sobre bens determinados – ou sobre dinheiro se houver tornas – que representam o valor da sua quota”20. Pelo que existe uma modificação quanto ao objeto, quanto ao conteúdo e quanto à titularidade do seu direito. Sendo que, a verdadeira natureza da partilha, ou seja, como diz este autor, a eficácia que lhe corresponde é pois, modificativa. Para Capelo de Sousa21 a partilha da herança tem carácter marcadamente declarativo, afirmando que esta se limita a determinar ou materializar os bens que compõem o quinhão de cada herdeiro na herança até então indivisa, retroagindo os seus efeitos à data da abertura da herança. E refere que cada um dos herdeiros recebe diretamente os seus direitos do de cujus e não dos restantes herdeiros, “não tendo a partilha um carácter constitutivo ou translativo pois a aquisição hereditária não decorre de recíprocas alienações e aquisições entre os co-partilhantes.”22 Este autor23 afirma ainda que não é através da partilha que se opera a transferência da propriedade, tendo em conta o seu carácter declarativo e não constitutivo ou translativo. Assim, tendo em conta as afirmações de Capelo de Sousa24, para quem a partilha tem carácter declarativo e esta não opera a transferência de propriedade; as afirmações de Oliveira Ascensão25, que apesar de atribuir carácter modificativo à partilha, ao referir-se ao direito de cada herdeiro na herança que se amplia qualitativamente e restringe-se quantitativamente, implica só por si que a partilha não seja título translativo da propriedade; e, a doutrina do IRN (relevante para quem titula e para quem regista), designadamente através do parecer P.º n.º R.P. 222/2010 SJC-CT26, depois da exposição 18

LIMA, Pires de e VARELA, Antunes, Código Civil Anotado, Volume VI, 1998, p. 195, 196, nt. 4 FERNANDES, Luís A. Carvalho, Lições de Direito das Sucessões, pp. 358-360 20 FERNANDES, Luís A. Carvalho, Lições de Direito das Sucessões, p. 360 21 SOUSA, Rabindranath Capelo de, Lições de Direito das Sucessões, pp. 238-242 22 SOUSA, Rabindranath Capelo de, Lições de Direito das Sucessões, p. 239 23 SOUSA, Rabindranath Capelo de, Lições de Direito das Sucessões, p. 241 24 SOUSA, Rabindranath Capelo de, Lições de Direito das Sucessões, p. 241 25 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil Sucessões, 2000, p. 546 26 Consultado em http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2010 19

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das várias correntes de opiniões, algumas já por nós referidas, considera que a partilha tem a natureza declarativa, como se pode ler na página nove, na conclusão “A partilha de herança reveste natureza declarativa, limitando-se a concretizar os bens que compõem o quinhão hereditário de cada herdeiro na herança indivisa, cuja sucessão se abriu com a morte do de cujus – cfr. O disposto nos artigos 2031.º, 2050.º, n.º 2, e 2119.º, todos do Código Civil”, colocamos a seguinte questão: fará sentido a intervenção na partilha do cônjuge do herdeiro, casado no regime da comunhão de adquiridos, para prestar o seu consentimento ao ato? Não nos parece que tal tenha que acontecer, uma vez que na partilha não se opera a transmissão da propriedade, tendo esta, natureza declarativa. Aliás, também não exigimos para titular a partilha (documento necessário para o herdeiro levar o seu direito ao registo) a apresentação da autorização de utilização, no caso de esta ter por objeto prédios urbanos e para os quais seja exigida a autorização de utilização, uma vez que não se trata de uma verdadeira transmissão de prédios. Pelo que, não faz sentido aplicar por analogia o previsto no artigo 1682.º-A do CCivil. Seguindo assim este raciocínio, no título de partilha seria dispensada a intervenção do cônjuge

do

herdeiro,

não

havendo

lugar

à

advertência

da

anulabilidade

e

consequentemente o registo seria qualificado como definitivo. Porém, não é isso que acontece na prática diária. A partilha carece sempre da intervenção do cônjuge do herdeiro, sob pena de anulabilidade. Podendo, no entanto, confirmar o ato posteriormente, levando, deste modo, o direito ao registo, sem a necessidade de o mesmo ser qualificado como provisório por natureza. Aliás, existe um parecer do IRN, proferido no âmbito do Proc. n.º 89/93 R.P.4 e publicado no Boletim dos Registos e do Notariado, 1/2002, II Caderno27 e um acórdão do Tribunal da Relação do Porto - Ac. do TRP de 05/11/2015 – Proc. 139/14.5TBVCD.P128, que defendem a necessidade do consentimento do cônjuge do herdeiro na partilha que tenha por objeto imóveis, aplicando-se por analogia aquele artigo 1683.º-A do CC. O acórdão cita até aquele parecer do IRN, que refere que não está em causa a natureza da partilha mas que se tratam de “situações que pela sua repercussão económico-jurídica no património familiar necessitam do acordo dos cônjuges na sua resolução. Sempre que o legislador entende que o ato ou negócio jurídico é importante para a economia do casal e o interesse da família, que se pode traduzir numa perda patrimonial para a sustentação desta, exige, para sua inteira validade, o consentimento de ambos os cônjuges, mesmo que os bens que constituem o objeto desses atos tenham a natureza de bens próprios.”

27

Consultado em http://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/legislacao/publicacao-de-brn/docs-brn/2002/brn-1-de2002. 28 27 Consultado em https://outrosacordaostrp.com/2016/02/11/ac-do-trp-de-05112015-proc-13914-5tbvcd-p1.

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Falámos de partilha de herança, mas se falarmos de partilha de património conjugal, em que um dos ex-cônjuges e partilhante seja, aquando da realização da mesma, casado no regime da comunhão de adquiridos, aplica-se o mesmo raciocínio. Abrimos aqui um parêntesis, para referir que Neto Ferreirinha29 afirma que a partilha de património conjugal tem efeito translativo, e por isso, se tiver por objeto um prédio urbano, exigir-se-á, em relação a esse prédio a autorização de utilização, bem com a Ficha Técnica de Habitação. Discordamos completamente desta exigência, independentemente da natureza que se queira dar à partilha, pois trata-se de uma consequência da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges e não de um ato translativo. No mesmo sentido o parecer proferido no âmbito do Processo 123/2010 SJC-CT30, que afirma que a exigência da apresentação de autorização de utilização dos prédios construídos depois da entrada em vigor do RGEU não encontra norma que a justifique, visto que o Dec.-Lei n.º 281/99, de 26 de julho, exige a prova da existência da licença de utilização perante a entidade tituladora, apenas no caso de transmissão da propriedade e com o intuito de combater a construção clandestina e de preservar os interesses do consumidor adquirente. Regressando à necessidade do consentimento do cônjuge do herdeiro/partilhante casado no regime da comunhão de adquiridos, há jurisprudência31 relacionada com o processo de inventário e a necessidade da citação dos cônjuges destes herdeiros para a concretização da partilha, em sentidos opostos. Assim, O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora reconhece ao cônjuge o direito de ser citado para os termos do inventário e convocado para a conferência de interessados; e, O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto refere-se à natureza da partilha e conclui que se trata de um direito próprio, quanto aos termos e efeitos de tal “modificação”, pelo que parece que o cônjuge herdeiro é inteiramente livre e autónomo, não dependendo as suas decisões, seja na partilha judicial seja na extrajudicial, de consentimento do seu cônjuge. Assim, após uma longa exposição da natureza da partilha e dos seus efeitos (referindo inclusive doutrina do IRN), vem concluir que ficou suficientemente demonstrado que o cônjuge de herdeiro casado no regime de comunhão de adquiridos não é interessado direto na partilha e que, apesar do interesse conjugal, a lei não contempla a sua chamada e intervenção a qualquer ato do inventário. 29

FERREIRINHA, Fernando Neto, Manual de Direito Notarial, 2016, p. 676 http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/civil/2010/p-r-p-123-2010-sjcct/downloadFile/file/ctprp123-2010.pdf?nocache=1318944829. 31 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 1625/09.4TBPNF-A.P1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 706/13.4TBABT.E1, consultados em: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3d4d44912f223dfd80257b2100422666?OpenD ocument; e, http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/e7bec3e1e77242d18025813e00524102?OpenD ocument 30

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3. Implicações Fiscais 3.1. Incidência No que toca a implicações fiscais inerentes às partilhas, relevam aqui dois impostos – o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e imposto do selo (IS). O IMT incide sobre a transmissão onerosa de imóveis situados em território nacional. Integra o conceito de transmissão a título oneroso, o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de partilhas, como determina o artigo 2.º, n.ºs 1, 2 e 5, al. c) do CIMT. Torna-se relevante referir que desde 1 de Janeiro de 2009, há uma exclusão de tributação em sede de IMT, no que concerne às partilhas do património conjugal. Ou seja, o n.º 6, do artigo 2.º do CIMT32 determina que o disposto na alínea c), do artigo 5.º não é aplicável sempre que o excesso da quota-parte resultar de ato de partilha por efeito de dissolução do casamento que não tenha sido celebrado sob o regime de separação de bens. Para nós, a última parte deste preceito, seria desnecessária, pois só há partilha se os bens forem comuns, isto é, se o regime for o da comunhão de adquiridos e os bens forem adquiridos, por compra, na constância do matrimónio (artigo 1724.º, b) do CCivil) ou se o regime for o da comunhão geral, onde todos os bens integram o património comum (artigo 1732.º do CCivil). No regime da separação de bens nunca haverá partilha, tendo em conta o estatuído no artigo 1735.º do CCivil, pois não há bens comuns, havendo quando muito compropriedade. Mas, regressamos à partilha de bens imóveis, resultante da dissolução do casamento. De forma a dissipar dúvidas sobre o enquadramento em sede de IMT e IS surgiu a circular 9/200933. Esta circular veio esclarecer que não há lugar a sujeição de IMT, nos casos em que o excesso da quotaparte resultar de ato de partilha por efeito da dissolução do casamento, operada por divórcio. Sendo que, no que toca às relações patrimoniais entre os cônjuges, a separação judicial de bens ou separação judicial de pessoas e bens, encontra-se legalmente equiparada ao divórcio, dissolvendo-as definitivamente. Pelo que, o âmbito da exclusão de IMT tem aplicabilidade nas partilhas do património conjugal, resultantes da dissolução do casamento por divórcio, separação de bens ou separação de pessoas e bens. Contudo, estas partilhas do património conjugal estão sujeitas a imposto de selo da verba 1.1. da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), uma vez que esta verba abrange todas as aquisições onerosas de bens imóveis, aplicando-se as regras do IMT.

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Norma aditada pelo artigo 97.º da Lei n.º 64-/2008, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado 2009) Consultada em: https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/Circul ar%2010-2009.pdf 33

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Quanto à incidência subjetiva o imposto é devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens (artigo 4.º, a) do CIMT). O valor tributável é determinado nos termos do artigo 12.º do CIMT, mais precisamente de acordo com a regra 11.ª, sendo o imposto calculado tendo em conta o valor patrimonial ou o valor que tiver servido de base à partilha. No que ao valor tributável diz respeito não podemos esquecer o constante no artigo 12.º, n.º 5, al. h) do CIMT. Este preceito tem relevância quando há encargos (ex. hipoteca) o que maioritariamente acontece nas partilhas do património conjugal. Ora, se o valor patrimonial ou atribuído for inferior ao dos encargos, para efeitos de imposto este valor irá cumular com o valor dos encargos e será este que servirá de base à liquidação. Pois entende-se que o partilhante irá adquirir o imóvel pelo valor patrimonial ou atribuído e irá assumir o encargo34. Para que isto não aconteça, ao imóvel terá que se atribuir pelo menos o valor do encargo35. Importa ainda referir que na determinação do valor tributável tornam-se relevantes as regras especiais previstas no artigo 13.º do CIMT, no caso de haver adjudicações de usufruto ou direito de uso e habitação ou nua propriedade, ou até mesmo no caso de se levar à partilha apenas um destes direitos. As taxas são as constantes do artigo 17.º do CIMT. Aqui também se torna importante referir que o montante do excesso de tornas pode estar isento de IMT36, no caso de ser adjudicado um imóvel destinado exclusivamente para habitação própria e permanente e se este tiver valor igual ou inferior a 92.407,00 euros. Caso o valor do imóvel, destinado exclusivamente a habitação própria e permanente ou habitação, seja superior, aplicarse-ão as taxas previstas nas alíneas a) e b), calculando-se desta forma o valor devido de IMT e aplicando-se à proporção do excesso de tornas do aquirente. A competência para a liquidação, vem enumerada no artigo 21.º do CIMT. No caso de transmissões por partilha judicial ou extrajudicial, a liquidação do IMT é sempre promovida pelo serviço de finanças competente para a liquidação do imposto do selo (artigo 21.º, n.º 3), com base em instrumentos legais (cfr. artigo 23.º aplicável ao IS ex vi do artigo 23.º, n.º 4 do CIS), devendo o seu pagamento ser efetuado nos 30 dias posteriores ao ato da partilha (artigo 36.º, n.º 7). Todavia, se o ato de partilha for realizado no âmbito de um procedimento simplificado, o serviço de registo procede à promoção da liquidação e do pagamento dos impostos relativos à partilha, nos termos declarados pelo contribuinte, de acordo com artigos 210.º-F, n.º 1, d), do CRCivil, para as partilhas de herança e, 272.º-B, n.º 1, b), do CRCivil, para as partilhas do património conjugal. Esta promoção da liquidação e cobrança, por parte do serviço de registo, é feita tendo em conta a legislação fiscal e a doutrina administrativa da AT. Existem, 34

VPT – 75.000,00 euros, VD – 75.000,00 euros, Encargos – 80.000,00 euros – Há cumulação nos termos do artigo 12.º, n.º 5, h). 35 VPT – 75.000,00 euros, VD – 80.000,00 euros, Encargos – 80.000,00 euros. 36 35 Será sempre tributado em sede de imposto de selo – Verba 1.1. Da TGIS.

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concretamente, instruções administrativas, onde se incluem os ofícios circulados, circulares, instruções de serviço, informações vinculativas, entre outras. Há quem entenda que as instruções administrativas emitidas pela AT apenas vinculam a administração fiscal, porém, João Taborda da Gama37 sustenta que “as orientações genéricas têm eficácia externa, uma eficácia intencional, vinculando, na medida da sua força própria, além da Administração, os particulares e os tribunais. Esta tese decorre da função atual das orientações genéricas, do seu regime jurídico e da necessidade de proteção jurídica dos contribuintes.” Sustentação esta que defendemos e na qual nos apoiamos.38 3.2. Renúncia de Tornas Relacionado com o recebimento de tornas devidas pela partilha, há um desiderato que iremos analisar de seguida. A Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto, veio proibir o pagamento em numerário e obrigar à utilização de meio de pagamento específico em transações que envolvam montantes iguais ou superiores a 3.000,00 euros (ou o seu equivalente em moeda estrangeira), sendo aditado o artigo 63.º-E à LGT.39 Referir ainda que também é proibido o pagamento em numerário de impostos cujo montante exceda 500,00 euros. Importa dizer que esta lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 23 de agosto de 2017 e produziu efeitos relativamente aos pagamentos realizados após a sua entrada em vigor, ainda que as transações que lhe deram origem fossem anteriores. Relacionada com esta lei, há uma outra, que é a Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, que aprovou o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE). Esta lei veio alterar, nomeadamente, o Código do Notariado, aditando os n.ºs 5 e 6, ao artigo 47.º e o Código do Registo Predial, aditando a al. g) e o n.º 5 ao artigo 44.º. Assim, desde 20 de novembro de 2017 (data da sua entrada em vigor), deve consignar-se no instrumento destinado a titular atos sujeitos a registo (ex. partilha de imóveis), sempre que esteja em causa o pagamento de uma quantia, a indicação do momento em que tal ocorre e do meio de pagamento utilizado (tendo sempre em conta o constante do artigo 63.º-E da LGT). Porém, quando estamos a falar em partilha de imóveis, levantam-se alguns problemas, relacionados com o pagamento de tornas. Desde logo, pensando no valor patrimonial tributário dos imóveis que se reflete nas contas da partilha. Se, por um lado, o valor 37

GAMA, João Taborda da, Tendo Surgido Dúvidas sobre o Valor das Circulares e Outras Orientações Genéricas…, in OTERO, Paulo, ARAÚJO, Fernando, GAMA, João Taborda da, Estudo em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, 2011, p. 157 38 Quer na parte fiscal, quer na parte notarial e registal. 39 “Artigo 63.º-E da LGT (…) 4 - Para efeitos do cômputo dos limites referidos nos números anteriores, são considerados de forma agregada todos os pagamentos associados à venda de bens ou prestação de serviços, ainda que não excedam aquele limite se considerados de forma fracionada.”

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patrimonial de imóveis dos prédios urbanos, em resultado das novas regras de avaliação, se encontra muito próximo do valor de mercado, por outro, o valor patrimonial dos prédios rústicos (mesmo com a atualização que é feita para efeitos de IMT/IS, como determina a Portaria n.º 1337/2003, de 5 de Dezembro), afasta-se muito do valor do mercado. Isto leva a um desequilíbrio nas contas das partilhas por acordo, onde uma maioria das vezes não há lugar a tornas efetivas, servindo a partilha, apenas, para acabar com a indivisão do património. Como atualmente, em cumprimento daquelas Leis n.ºs 92/2017 e 89/2017, tem que se consignar no instrumento a forma de pagamento e nunca pode ser em dinheiro se o montante a pagar ou a receber foi igual ou superior a 3.000,00 euros, leva a que os partilhantes renunciem às tornas devidas. Esta renúncia, para efeitos fiscais, equipara-se a uma doação, que mais não é do que uma transmissão gratuita, sendo assim tributada em sede de imposto de selo. Assim, estamos perante um facto tributário em sede do imposto do selo, sujeito às taxas da verba 1.2. da TGIS, sem prejuízo da sua isenção nos casos referidos no artigo 6.º do CIS. É isto mesmo que refere a informação vinculativa - processo n.º 2015001598 - IVE n.º 911440 e a Informação n.º 1003/2012 da DSIMT-AT. O facto de não receberem nada a título de tornas, considera-se que renunciam às tornas41. Esta renúncia é considerada uma doação (transmissão gratuita) feita àquele partilhante que teria que pagar as tornas, constituindo assim uma realidade sujeita a imposto de selo ao abrigo do disposto na verba 1.2. da TGIS, nascendo desta forma uma obrigação fiscal. Esta obrigação prende-se com a participação que deverá ser efetuada nos termos do artigo 26.º do CIS, nomeadamente quanto ao prazo - até ao 3.º mês seguinte ao do nascimento desta obrigação42. Se for apenas um dos partilhantes a renunciar às tornas esta participação irá originar uma liquidação e cobrança de imposto de selo. Este pagamento é efetuado de acordo com as regras do artigo 45.º, do CIS. Assim, dependendo do valor, poderá ser dividido em prestações (no máximo de 10 e com o mínimo de 200,00 euros por prestação), ou pago pela totalidade, sendo que neste caso haveria lugar a um desconto de 0,5%, se o fizesse até ao fim do segundo mês seguinte ao da notificação. Havendo vários partilhantes a renunciar, terão que haver tantas participações (processos) quantos os renunciantes, promovidas pelo serviço de finanças da residência do doador (artigo 25.º do CIS), gerando desta formas várias liquidações, sendo o pagamento efetuado de acordo com o estatuído no artigo 45.º do CIS. Se esta 40

Consultada em: http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/patrimonio/selo/Documents/IS _IV_9114.pdf 41 Neste sentido, informação vinculativa 2015001598 - IVE n.º 9114, consultada em: http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/patrimonio/selo/Documents/IS _IV_9114.pdf 42 Partilha realizada no dia 10 de outubro de 2018 – terá que ser feita a participação até ao final do mês de janeiro de 2019.

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renúncia fosse efetuada por pai/mãe em favor de um filho ou vice-versa, em resultado da isenção, não haveria lugar a pagamento de imposto. Também não há lugar a pagamento de imposto relativo à Verba 1.1. uma vez que não se trata de “doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis”. Para se proceder ao registo dos factos sujeitos a registo predial, resultantes de uma partilha, o pedido de registo terá que ser acompanhado dos DUCs de IMT e de IS, de forma a garantir que foram cumpridas as obrigações fiscais. Nos casos em que houve excesso de quota-parte, os DUCs e respetivos pagamentos ou DUCs comprovativos das isenções técnicas e, nos casos em que foram adjudicados imóveis, mas não houve excesso de quota-parte, os DUCs a zero. Como já foi referido a competência para esta liquidação de IMT e IS é do serviço de finanças, feita com base em documentos oficiais. Ao ser efetuada esta liquidação nos serviços de finanças deixa de ser da competência do conservador ou oficial de registo no âmbito da fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais, apreciar se a liquidação dos impostos incidiu sobre o valor tributável determinado no documento da partilha. Neste sentido, o parecer do IRN proferido no Proc.º n.º R.P. 54/2010 SJC-CT.43 Referir ainda que aquela obrigação fiscal decorrente da renúncia de tornas, para efeitos de registo não tem que se mostrar cumprida, pois o ato sujeito a encargos de natureza fiscal que vai ser objeto de registo é a partilha e não a eventual doação. Além de que, o objeto da transmissão gratuita é valor monetário e não prédio, logo irrelevante em termos de registo predial, como se depreende da parte final do n.º 2, do artigo 72.º do Código do Registo Predial. Daí que, numa partilha, nestes termos, efetuada no BHDP, apenas se liquidam o IMT e o IS, e se procede à cobrança dos impostos sobre o excesso de quota-parte que ao adquirente pertencer em bens imóveis44. 3.3. Partilha em Vida Importa deixar aqui uma nota relacionada com a “partilha em vida” – assim designada pelo artigo 2029.º do CCivil. De forma a clarificar dúvidas e a uniformizar procedimentos em relação ao enquadramento em sede de IMT, foi, por despacho de 2016/12/05, sancionado o seguinte entendimento, vertido na Instrução de Serviço n.º 40046 – Série I, de 16-02-2017, emanada do Gabinete da Subdiretora-Geral da Área dos Impostos sobre o Património: A partilha em vida tem um conteúdo concetual próprio, envolvendo um complexo negocial para além da doação, pois inclui vários elementos e tem efeitos definitivos e substitutivos em relação aos bens dela objeto; O Código do IMT não possui uma definição própria de partilha, pelo que acolhe o conceito do Código Civil; O Código 43

Consultado em: http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2010/p-r-p-54-2010-sjcct/downloadFile/file/ctrp054-2010.pdf?nocache=1318242460.47 44 43 Pese embora a advertência para o cumprimento da obrigação de participar aquela transmissão gratuita.

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Civil usa o conceito de partilha para diversos efeitos, incluindo a partilha por morte, a partilha em vida, a partilha do património societário, a partilha do património conjugal e a partilha dos bens em caso de morte presumida; O CIMT sujeita a imposto “o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, em ato de divisão ou partilhas”. Pelo que, a utilização do conceito de partilha no plural se destina a nele incluir todos os atos de partilha previstos na lei civil. Assim, a aquisição de imóveis em atos de partilha em vida integra-se tipicamente no âmbito da sujeição de IMT, nos termos da al. c) do n.º 5, do artigo 2.º do CIMT. 3.4. Partilha de Património Societário Quando se trata de uma partilha de património societário – adjudicação de imóveis aos sócios, no que toca a IMT e a IS as regras são outras e é disto que nos vem dar conta a informação vinculativa – Processo 201000602 - IVE n.º 56045. Assim, tal como “o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de partilhas”, “a adjudicação dos bens imóveis aos sócios na liquidação das sociedades” integra o conceito de transmissão de imóveis, de acordo com o artigo 2.º, n.º 5, al. e) do CIMT. A regra para determinar o valor patrimonial encontra-se estabelecida no artigo 12.º, n.º 4, regra, 12.ª, pelo que o sócio a quem forem adjudicados os imóveis irão pagar IMT com referência ao valor patrimonial tributário ou ao valor com que o imóvel entrou para o ativo da sociedade, consoante o que maior. Quanto ao momento do pagamento do IMT, por não ter enquadramento no artigo 36.º do CIMT, é aplicável a regra geral do pagamento, ou seja, a prevista no artigo 22.º, n.º 1 do CIMT, pelo que a liquidação do IMT deve preceder o ato ou facto translativo dos bens. 3.5. Dívidas Fiscais Se houver dívidas, o serviço de finanças coloca obstáculos à liquidação do IMT/IS e emissão dos respetivos DUCs. Presencialmente, interpelando os interessados para o pagamento das dívidas, impedindo a liquidação. Por meios eletrónicos, através da mensagem “não é possível proceder à liquidação do IMT, por favor dirija-se ao serviço de finanças”, mas com o mesmo propósito. Pelo que, no caso de existirem dívidas fiscais por parte de qualquer dos herdeiros, não podem, designadamente, os serviços de registo no âmbito do Balcão da Heranças e Divórcios com Partilhas, liquidar os respetivos impostos, devendo as mesmas ser pagas junto da AT, por imposição desta. Ora, não podemos aceitar esta conduta por não ter qualquer base legal. Compreende-se que o momento da partilha é o adequado para o fisco efetuar a cobrança daquelas dívidas. A eventual penhora do quinhão hereditário do herdeiro devedor não tem a eficácia deste modus 45

Consultada em: http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/patrimonio/cimt/Documents/I VE%20560%20-%20602_2010%20-%20partilha%20adjudicacao%20de%20imoveis%20aos%20socios.pdf

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faciendi. Porém, por mais louvável e compreensível que seja a atitude adotada, deve a mesma ser repudiada por a lei a não prever. 4. O Registo Predial 4. O Registo Predial O sistema registal português é um sistema de registos de direitos e não de documentos. Isto quer dizer que o registo está preparado para responder, em cada momento, a quem pertence certo prédio e que encargos incidem sobre ele, ou seja, está preparado para publicitar a situação jurídica sobre o prédio, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário. Justificam a inclusão do sistema de registo português no sistema de registo de direitos, o facto de ser enformado por diversos princípios como sejam, além de outros, os da legitimação de direitos, do trato sucessivo, da fé pública e da legalidade. Em obediência ao princípio da legalidade, sempre que é feito um pedido de registo, deve o conservador qualificá-lo. Qualificar significa fazer um “julgamento” acerca do que é pedido, em obediência ao princípio da legalidade, previsto no artigo 68.º. O conservador aprecia a viabilidade do pedido de registo, em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores. Neste juízo de qualificação deve verificar especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos neles inscritos. O conservador não se limita a registar um facto só porque foi feito um pedido de registo. Ao contrário, tem a obrigação de apreciar a legalidade do pedido, quer este resulte de negócio jurídico, de decisão judicial ou administrativa. É em consequência deste juízo de qualificação que o sistema registal produz as presunções previstas no artigo 7.º do qual resulta que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”. A qualificação traduz-se num dever que implica, como já se disse: a) aplicar ao caso concreto as disposições que lhe são aplicáveis; b) verificar o que já está registado, para verificar se estão cumpridos os princípios da legitimação de direitos e do trato sucessivo, isto é, se se verifica a intervenção do titular definitivamente registado como exige o n.º 4, do artigo 34.º do CRPredial; c) verificar a legitimidade dos interessados, o mesmo é dizer, o conservador deve verificar se quem solicita o registo o pode fazer, seja porque tem legitimidade para tal, nos termos dos artigos 36.º, 37.º, 38.º ou em sede de representação, nos termos do artigo 39.º; d) deve, também, verificar a identidade do prédio, que consiste em verificar se o prédio que consta dos documentos e da descrição predial é o mesmo. Por outro lado, deve verificar se o princípio da harmonização entre a descrição e a matriz, previsto nos artigos 28.º e seguintes não se encontra violado; e)

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finalmente, o conservador deve verificar se o facto submetido a registo é válido, quer quanto à forma quer quanto à substância. A parte final do artigo 68.º não deixa dúvidas a este respeito quando refere “… a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos”. Além disso, o conservador deve, igualmente, averiguar se as obrigações fiscais resultantes do facto submetido a registo estão ou não cumpridas. Na verdade, o Estado Português serve-se, também, do sistema registal para combater a fraude e a evasão fiscais. Por isso, nenhum ato sujeito a encargos de natureza fiscal pode ser definitivamente registado sem que se mostrem pagos ou assegurados os direitos ao fisco, como dispõe o artigo 72.º. Não compete ao conservador apreciar da correta liquidação de encargos, mas apenas verificar se os mesmos se encontram assegurados, como já foi referido. Tendo em conta que o ato de partilha está sujeito a encargos de natureza fiscal não pode ser definitivamente registado sem que se mostrem pagos ou assegurados os direitos ao fisco, como dispõe o artigo 72.º, n.º 1 do CRPred. Em relação às obrigações fiscais, cujo cumprimento é verificado na qualificação dos registos, entende-se que a tributação, como doação, pelo facto de se prescindir de tornas, não impede a qualificação do registo de aquisição em definitivo. O “ato sujeito a encargos de natureza fiscal” que vai ser objeto de registo é a partilha e não a doação resultante da renúncia das tornas, pelo que apenas devem ser verificados a liquidação e pagamento (se a ele houver lugar) decorrentes da partilha de bens imóveis e não outra que surgiu em resultado de um ato de vontade dos interessados, originado no decurso da partilha, mas que enclausura em si um outro contrato – contrato de doação. Também não é de aplicar o disposto n.º 3, mesmo sendo esta doação uma transmissão gratuita, pois este processo de liquidação aqui referido tem por objeto prédios (como resulta da própria redação) e não valores monetários, que estão implícitos à referida doação.46 Curiosa é a opção do legislador quanto aos princípios da legitimação de direitos e trato sucessivo. Na verdade, ainda que a partilha tenha como objeto prédios não descritos ou prédios descritos mas inscritos a favor de pessoas diversas do autor da herança, pode sempre ser feita, como se vê da alínea a), do n.º 2, do artigo 9.º do CRPred. Por outro lado, os prédios partilhados, mas ainda por descrever, podem ser registados imediatamente a favor do herdeiro, sem necessidade de inscrição prévia como permite o n.º 3, do artigo 34.º do CRPred.

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Neste sentido informação do Helpdesk – Balcão das Heranças e Divórcios com Partilha, divulgada em 10 de maio de 2013, aos Serviços de Registo, a qual tinha em anexo o Processo CN 73-2011 – Tornas – Efeitos em Imposto de Selo, disponível na Intranet do IRN.

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III. Conclusões 1. A partilha é o ato que tem como desiderato por fim à indivisão do património, resultante da abertura de uma herança e chamamento dos seus herdeiros com título de vocação sucessório; 2. O excesso de tornas em bens imóveis é considerada uma transmissão onerosa, e, por isso, sujeita a IMT; 3. A renúncia de tornas, em termos fiscais, é considerada uma doação, por conseguinte sujeita ao cumprimento de determinadas obrigações fiscais; 4. O registo predial destina-se a dar publicidade aos factos sujeitos a registo para que os mesmos sejam oponíveis perante terceiros; 5. A partilha representa uma exceção ao princípio da legitimação de direitos, previsto no Código do Registo Predial; 6. A perfeição do ato de partilha de imóveis, permite o registo definitivo dos factos resultantes da mesma.

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Anexos

ANEXOS 89


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Proposta de um modelo de contabilidade para o

Agente de Execução

Proposta de um modelo de contabilidade para o Agente de Execução Um contributo para a transparência da conta-cliente

Fernando Manuel da Silva Rodrigues Mestre em Solicitadoria

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PROPOSTA DE UM MODELO DE CONTABILIDADE PARA O AGENTE DE EXECUÇÃO UM CONTRIBUTO PARA A TRANSPARÊNCIA DA CONTA- CLIENTE

Fernando Manuel da Silva Rodrigues

Orientador: Professor Doutor José Manuel Teixeira Pereira Co-orientadora: Professora Doutora Irene Maria Portela

Dissertação apresentada ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, para obtenção do Grau de Mestre em Solicitadoria Barcelos, Dezembro 2012

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PROPOSTA DE UM MODELO DE CONTABILIDADE PARA O AGENTE DE EXECUÇÃO UM CONTRIBUTO PARA A TRANSPARÊNCIA DA CONTA- CLIENTE

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PROPOSTA DE UM MODELO DE CONTABILIDADE PARA O AGENTE DE EXECUÇÃO UM CONTRIBUTO PARA A TRANSPARÊNCIA DA CONTA- CLIENTE

Fernando Manuel da Silva Rodrigues

Orientador: Professor Doutor José Manuel Teixeira Pereira Co-orientadora: Professora Doutora Irene Maria Portela

Barcelos, Dezembro 2012

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RESUMO Passados quase dez anos de prática de atos correspondentes ao exercício profissional no âmbito da Agencia de Execução, pode-se com alguma legitimidade concluir acerca da grande responsabilidade em que se move o agente de execução. Atendendo a que este profissional se movimenta nos limites do direito fundamental à propriedade dos executados e dos exequentes, em constante e próximo relação com o Juiz do Tribunal, como legítimo e importante operador da justiça, levanta-se todos os dias a necessidade de definir como é que se há de demonstrar de forma rigorosa o registo fiável dos principais movimentos contabilísticos para explicar com clareza e transparência a conta-cliente. A conta-cliente é um espaço da total responsabilidade do agente de execução e é relativamente à qual ele tem de responder em caso de violação dos seus deveres deontológicos e contratuais. A indefinição que resulta da ausência de legislação e regulamentação eficaz ao nível da fiscalidade e do regime de prestação de contas da atividade do agente de execução coloca graves questões de segurança jurídica e de transparência. Por sua vez a Comissão para Eficácia de Execuções deve proceder à fiscalização prévia da atividade do agente de execução, e esta tarefa está irremediavelmente hipotecada enquanto não houver um modelo contabilístico que permita de imediato dar a conhecer todos os seus movimentos da conta-cliente de forma a dar um plano real dos processos/ações executivas/clientes e as fases em que os mesmos estão. Procurar este relatório imediato como uma fotografia em tempo real da situação dos processos em mãos e do volume de negócio do escritório foi motivação suficiente para encontrar uma solução para este problema, que em rigor é um problema que o legislador deixou em aberto, porque não resolveu a questão do que entende por “dispor de contabilidade organizada obrigatória” deixando que o profissional das ações executivas preenchesse essa lacuna no dia-a-dia, através de uma gestão doméstica da sua atividade. Palavras-chave: “agente de execução”, “ação executiva”, “contabilidade organizada”, “modelo contabilístico” e “transparência”.

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ABSTRACT After almost ten years of practice of acts corresponding to the professional exercise in the context of the Execution Agent, we can with some legitimacy to conclude about the great responsibility that is to be an Execution Agent moving the enforcement law. Since this professional moves within the limits of the fundamental right to property of the debtor and the creditor, in constant and close relationship with the judge of the Court, as a legitimate and an important operator of Justice, arises every day the need to define how it will demonstrate rigorously the reliable registration of the main accounting movements to explain with clarity and transparency the Client Account. The Client Account is a space of full responsibility of the enforcement agent and in respect of which it has to respond in the event of a breach of ethics and contractual duties. The uncertainty that results from the absence of effective laws and regulations at the level of taxation and of the system of accountability of the activity of enforcement agent puts serious questions of legal security and transparency. The Commission for the efficacy of the executions in turn to effectiveness of prior surveillance should be carried out Executions of the activity of the enforcement agent, and this task is hopelessly mortgaged while there is an accounting model that enables you to immediately make known their every move of the Client Account to give a real plan of executive actions/processes/clients and the phases in which they are. Search this report immediately as a real-time photo of the situation at hand and processes of the business volume of the Office, was enough motivation to find a solution to this problem, which strictly speaking is a problem that the legislature left open, because it has not resolved the question of what is meant by "have an organized accounting record" letting the professional executive actions fill this gap in the day-by-day through a domestic management of its activity. Key words: “execution agent”, “executive action”, “organized accounting”, “accounting model” and “transparency”.

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AGRADECIMENTOS Começo por expressar o meu profundo agradecimento aos Professores Doutores José Manuel Teixeira Pereira e Irene Portela pelo privilégio que me concederam, aceitando a orientação da presente dissertação e incentivando-me para levar por diante este projeto. À minha amiga Drª. Márcia Passos por, nos meus momentos de desânimo, ter sempre uma palavra de incentivo e encorajamento, sempre acreditando nas minhas capacidades para gerir escasso tempo para conciliar todas as minhas atividades, aos serviço das diferentes funções enquanto Agente de Execução, Membro da Comissão de Fiscalização da CPEE, Coordenador de Estágios de Solicitadores e Agentes de Execução, Vice-Presidente do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores e Vice- Presidente do Conselho de Formação da Câmara dos Solicitadores, com a exigência e a capacidade para concluir este projeto. Evitar a deceção, perante tamanha manifestação de confiança, foi motivação adicional. Muito obrigado. Ao Dr. João Rafael Carvalho, meu amigo e duplamente estagiário – Solicitador e Agente de Execução – que, apesar da sua juventude, pela sua competência, dedicação e lealdade me transmitiu sempre a tranquilidade profissional necessária para concluir projetos e planos de estudo, salvaguardando muito bem o meu escritório durante as minhas frequentes ausências e indisponibilidades. Nunca o esquecerei! Muito obrigado. Aos meus colegas de curso e profissão pelo apoio e incentivo para continuar mesmo quando parecia impossível conciliar o plano de estudo com as exigentes competências profissionais e múltiplos afazeres enquanto dirigente da Câmara dos Solicitadores. Finalmente, o especial e justo agradecimento à Edviges, dedicada companheira que sempre me apoiou e incentivou, mesmo nos momentos mais difíceis do nosso já longo percurso em comum, sempre demonstrando a sua solidariedade e compreensão, transmitindo-me a tranquilidade necessária para me dedicar a este projeto.

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LISTA DE SIGLAS

CC

Código Civil

CIRC

Código do Imposto sobre Redimentos Coletivos

CPC

Código do Processo Civil

CRP

Constituição da República Portuguesa

ECS

Estatuto da Câmara dos Solicitadores

EOA

Estatuto da Ordem dos Advogados

RCP

Regulamento das Custas Processuais

LISTA DE APLICAÇÕES INFORMÁTICAS CITIUS – Aplicação para desmaterialização dos processos nos tribunais judiciais GPESE – Gestão Processual de Escritório de Solicitadores de Execução HABILUS – Aplicação informática dos tribunais SISAAE – Sistema Informático de Suporte à Actividade dos Agentes de Execução

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ÍNDICE INTRODUÇÃO A MOTIVAÇÃO PARA A REFORMA DA AÇÃO EXECUTIVA 1.1. Da crise da justiça 1.2. Da reforma da Ação Executiva 1.3. Da transparência no âmbito da Ação Executiva 1.4. Da transparência da Conta-Cliente CAPITULO II AS FUNÇÕES DO AGENTE DE EXECUÇÃO 2.1. Os Deveres do Agente de Execução ao serviço da justiça 2.2. A Fiscalização da atividade do Agente de Execução e o Controlo da CPEE 2.3. O Dever de possuir uma contabilidade organizada ao abrigo do artigo 123º ECS CAPITULO III O SNC APLICADO À ATIVIDADE DA AGÊNCIA DE EXECUÇÃO 3.1 O surgimento do Sistema de Normalização Contabilística 3.2 Âmbito e conceitos fundamentais das Demonstrações Financeiras 3.4. Contabilização de alguns atos praticados pelo agente de execução 3.5. Vantagens e Limitações do modelo proposto CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO Enquanto o Estado Português é confrontado pela necessidade de tentar solucionar a enorme e crescente pendência judicial, à qual não é estranho o recurso das empresas à ação executiva para recuperação dos seus créditos, com particular destaque para o crédito concedido à habitação, ao consumo, serviços de telecomunicação e seguros. É reconhecido o contributo importante da ação executiva na crescente pendência judicial e a influência que na crescente pendência daquela tem, a vasta panóplia de títulos executivos existentes no ordenamento jurídico português. Reconhecida é também a apetência das instituições bancárias e financeiras para conceder créditos à habitação e ao consumo, motivadas pelo elevado spread - diferença entre taxa de juros ativos e passivos – potenciado pela legítima aspiração dos portugueses para recuperar de um longo período de carência no acesso a bens e serviços reconhecidos como essenciais a um tipo de vida condigno inserido na sociedade atual, fatores que muito contribuíram para a facilidade na obtenção de créditos, titulados por contratos com força executiva. Associadas às razões históricas que contribuíram para a proliferação de contratos com força executiva na posse dos credores, com particular incidência nas instituições bancárias e financeiras, está a grave crise económica e financeira global que muito contribuiu para o aumento da taxa de desemprego com consequências diretas no incumprimento dos contratos e consequente escalada no número de ações executivas intentadas. Não obstante a complexidade do problema optou-se, na tentativa de diminuir a pendência judicial e o descongestionamento dos próprios tribunais, pela criação da figura do “Agente de Execução” com consequências ao nível do aumento dos meios de trabalho privados ao serviço das funções públicas do Estado, na aplicação da justiça. Todavia, não só não se atuou na base do problema como se deixou a figura do Agente de Execução mal definida, desde a reforma introduzida pelo Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março. Considerada por vezes como uma nova profissão e outras como uma função exercida por Oficiais de Justiça ou Solicitadores de Execução, manteve-se a indefinição que as próprias alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 226/200, de 20 de Novembro não clarificaram, aumentando até a confusão ao definir como condição para candidatura e acesso à atividade, ser o candidato solicitador ou advogado devidamente inscrito na respetiva Câmara e Ordem Profissional. Durante este longo trajeto de mais de oito anos, ao Agente de Execução foi administrada formação com particular incidência em Processo Civil, nas Custas Processuais, em Direitos Fundamentais dos Cidadãos, Ética e Deontologia e ainda dado a conhecer a Informática – nomeadamente a aprendizagem sobre a utilização da plataforma GPESE/SISAAE - com vista ao apuramento das suas competências técnicas, em matérias consideradas nucleares para o exercício da atividade de agente de execução. Por outro lado, de referir as alterações

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legislativas, materializadas nas alterações ao Código do Processo Civil e ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores e ainda em toda a regulamentação relevante introduzida pelas várias Portarias publicadas, visando sempre idêntico propósito, o apuramento das competências técnicas nas referidas matérias. Todavia

inexiste

legislação,

regulação

específica

no

que

diz

respeito

à

gestão/administração da conta-cliente. Esta omissão legislativa demonstra que o Estado falta ao dever de legislar. O Estado ainda não legislou sobre esta nova profissão denominada de “O Agente de Execução”. Trata-se da existência de uma profissão nova cujo conteúdo funcional não se confunde com o das profissões de “Solicitadores” ou “Advogados” ou ainda com as tradicionais funções dos funcionários judiciais. Avaliando, ao longo de quase dez anos de prática de atos correspondentes ao exercício profissional do âmbito da Agencia de Execução, que a indefinição funcional traz consequências perniciosas e perigosas, até mesmo porque o âmbito em que se move o agente de execução é traçado de grande responsabilidade, na medida em que afeta o direito fundamental à propriedade dos executados/exequentes, determinou-se pela necessidade de definir uma forma de registo rigoroso e fiável os principais movimentos contabilísticos para explicar com clareza e transparência a conta-cliente. A indefinição que resulta da ausência de legislação e regulamentação eficaz ao nível da fiscalidade e do regime de prestação de contas da atividade do agente de execução coloca graves questões de segurança jurídica e de transparência. Como membro fiscalizador da CPEE - Comissão para Eficácia de Execuções, não foi difícil perceber até que ponto a desorganização e falta de registo das operações contabilísticas pode ser determinante para o insucesso na atividade de agente de execução. Enquanto Agente de Execução que se sujeita à fiscalização prévia por parte da CPEE, foi fácil de ver que a atividade do agente de execução carece de um modelo contabilístico que lhe permita, na hora em que lhe é solicitado pelo órgão fiscalizador, de dar a conhecer todos os seus movimentos/registar os movimentos da conta-cliente de forma a dar um plano real dos processos/ações executivas/clientes e as fases em que os mesmos estão. Este relatório imediato como uma fotografia em tempo real da situação dos processos em mãos e do volume de negócio do escritório foi motivação suficiente para encontrar uma solução para este problema, que em rigor é um problema que o legislador deixou em aberto, porque não resolveu a questão do que entende por “dispor de contabilidade organizada obrigatória” deixando que o profissional das ações executivas preenchesse essa lacuna no dia-a-dia, através de uma gestão doméstica da sua atividade. A observação da ausência de um registo histórico válido, a ausência de um modelo contabilístico foi leit motiv do presente trabalho. Por outro lado, coloca-se como hipótese de investigação saber se a existência de um único modelo de organização contabilística poderia responder simultaneamente às necessidades de informação por parte da gestão e à determinação da matéria coletável em sede de IRS e demais obrigações legais, bem como em última análise, ao controlo da atividade do agente de execução.

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Através desta hipótese de investigação surge a possibilidade de averiguar se a existência de um modelo contabilístico oficial permite o controlo do saldo dos processos, possibilitando ao agente de execução ou a quem liquide o seu escritório, conhecer o saldo de cada processo a cada momento, e pelo somatório destes, permite comparar estes valores com as contas bancárias obrigatórias. A proposta apresentada determina alguns ajustes no código das contas de lançamento e na organização de diários permitindo que a contabilidade corresponda ao desiderato suprareferido e cumpra as necessidades e exigências Estatutárias e Regulamentares da Câmara dos Solicitadores e do Colégio da Especialidade. Uma contabilidade organizada em geral, e uma adequada contabilidade de cada processo em particular, pode permitir que a qualquer momento o Agente de Execução conheça o valor do seu património e o valor que consta na conta corrente de cada um dos processos que tramita, dando informações exatas sobre o volume de negócio do seu escritório, esclarecendo em tempo todas as questões que podem ser levantadas em sede de fiscalização preventiva da CPEE, e ainda, permite ao Agente de Execução tem uma noção de quanto pode gastar/investir/ sem colocar em risco a sua atividade profissional.

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CAPITULO I

A MOTIVAÇÃO PARA A REFORMA DA AÇÃO EXECUTIVA

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1.1. Da crise da justiça O apelo ao consumo potenciado pela facilidade na obtenção de crédito foi massivamente procurado pelos cidadãos de parcos recursos e falta de especialização profissional, tendo rapidamente sido confrontados perante a impossibilidade de cumprimento das suas obrigações negociais. Acresce que a utilização dos recursos financeiros destinados à especialização da mão de obra provindos dos Fundos Comunitários Europeus não foram fiscalizados tendo dado origem - muitos casos foram referenciados e muitos outros não identificados – a projetos fraudulentos, como por exemplo os Cursos de Formação Profissional que nunca existiram ou que simplesmente não tinham qualidade. Por outro lado, o investimento dos fundos comunitários estruturantes em meios para a produção em série e à própria robótica originou um aumento da taxa de desemprego - também este potenciado pela melhoria de condições sociais, nomeadamente pela atribuição de subsídios de desemprego – levando à desativação de unidades de produção, redução de efetivos e ao desaparecimento de muitos serviços do sector primário da economia. Todas estas mudanças, e outras, constam de vários estudos sociológicos, originando o maciço recurso aos tribunais e à pendência de ações executivas, reforçando as bases da motivação acrescida para produzir alterações legislativas sucessivas e rápidas, ou seja, múltiplas e expressas num curto período de tempo, na tramitação da ação executiva. A racionalização dos recursos afetos aos serviços da justiça motivou a reforma da ação executiva com o claro objetivo de promover maior celeridade na obtenção de decisões judiciais, para mais eficácia do sistema, usando a simplificação dos processos, a desjudicialização dos atos praticados e o recurso obrigatório aos meios informáticos, como modus operandi completamente institucionalizado. A criação de programas de gestão das secretarias judiciais e a implementação de rotinas mais simples e lineares, mais próximas dos cidadãos no preenchimento das peças processuais “online” acontece no quadro de uma enorme panóplia de medidas de modernização da administração pública. É no âmbito da reforma profunda do setor público que se tomaram estas medidas de aproximação com o setor privado visando maior eficiência, mais economia e eficácia com ganhos também para a transparência. De fato, a implementação de rotinas e de canais próprios para a prática de determinados atos com a estandardização de taxas e de fases processuais ao alcance de um “clique”, sem despesas de deslocação, numa proximidade absoluta, leva a que o cidadão prefira o recurso imediato ao serviço p blico “online”. O Estado passa a ser uma entidade “online certificante” sem filas de espera, sem horários estreitos, sem funcionários antipáticos e intimidantes, o que causa no cidadão “cliente” um sentimento de confiança, de suporte imediato, afastando-o de outros fornecedores de serviços, confiando na celeridade, gratuitidade ou preço mais

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competitivo, descomplexidade do serviço oferecido. Estas medidas representam reais ganhos económicos, poupança de tempo e a noção de que a necessidade será suprida obedecendo a um recurso técnico logico, rigoroso e justo. Perante o dispositivo “online” o cidadão deixou de refletir sobre o serviço pretendido, sentindo-se ao abrigo dos humores de algum funcionário, entregando a sua petição ao serviço básico, imediato, eficaz, económico, eficiente e “logico”, isento dos fantasmas kafkianos. Este sentimento de tratamento justo desenvolveu a crença de que os serviços são transparentes, imparciais, “limpos” de trocas de favores. Por outro lado, atrás da máquina que cuida de reler as informações fornecidas passou

a

existir

alguém

simpático,

atencioso,

preocupado,

que

vai

resolver

imediatamente o problema, e caso não o resolva, poderá fazer uma reclamação, que entendida como uma queixa vai desbloquear o serviço, providenciar a imediata solução do “caso”. Neste quadro de profunda modernização e de perspetiva acerca da justiça processual ou do que podemos designar de “procedimentalização simplificada da justiça” tem como elemento central a “A Reforma da Ação Executiva” que “per se” é a “mudança de paradigma”. O Legislador foi obrigado a repensar num período de tempo abreviado a dinâmica da ação executiva. Depois da primeira reforma em 2003, passados apenas dois anos, aprovou várias medidas de desbloqueio do funcionamento da ação executiva, face ao congestionamento dos tribunais. A criação de procedimentos de cobrança rápidos e eficazes para o credor diminui os atrasos nos pagamentos e contribui para a dinamização da economia. Pode ainda lerse no preâmbulo da Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, que “ uma percentagem muito relevante do número de ações judiciais refere-se a processos executivos que visam executar sentenças ou aceder à via judicial para executar um outro tipo de título executivo. Com efeito, 41,1 %, 36,1 % e 36,9 % das ações judiciais foram, em 2005, 2006 e 2007, respetivamente, processos executivos cíveis. Decorridos mais de cinco anos desde a entrada em vigor da Reforma da Ação Executiva e após a adoção de medidas que permitiram desbloquear as ações, foi possível fazer um balanço acerca do funcionamento do modelo adotado, e concluiu-se que o modelo deveria ser ainda melhorado em função da eficácia e da celeridade, pelo menos na parte extrajudicial das ações executivas. Surgiram inovações orientadas para a simplificação das execuções e para a eliminação de formalidades processuais consideradas inúteis. Esta perspetiva levou à prossecução de várias mudanças processuais. No quadro deste novo conceito de ação executiva, o Juiz passou a atuar principalmente em situações de conflito ou em que a relevância da questão o determine. É chamado a

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proferir despacho liminar, apreciar uma oposição à execução ou à penhora, verificar e graduar créditos, julgar reclamações, impugnações e recursos dos atos do agente de execução ou decidir questões que este suscite, e é dispensado relativamente a questões de mera troca de informação burocrática entre o mandatário, o tribunal e o agente de execução. O agente de execução vê o seu papel reforçado, sem prejuízo de um efetivo controlo judicial por parte do Juiz, podendo agora aceder ao registo de execuções, introduzir e atualizar diretamente dados sobre estas. É-lhe permitido realizar todas as diligências relativas à extinção da execução, (art.º 45º, nº 2 e artigo 46-A, nº 1 da Portaria 331-B/2009 de 30 de Março e artigo 806º, n.º 3 CPC) remetendo-a para o arquivo através de um envio eletrónico de informação ao tribunal, sem necessidade de intervenção judicial ou da Secretaria do Tribunal. O agente de execução passa a exercer uma função determinante no combate às pendências judiciais1. Permite-se (e no caso das partes terem mandatário é obrigatório a entrega por meios eletrónicos sob pena de pagamento de multa – ex vi do artigo 3 da Portaria 331B/2009 de 30 de Março) também, que o requerimento executivo seja enviado e recebido por via eletrónica, assegurando-se a sua distribuição automática ao agente de execução, sem necessidade de envio de cópias em papel, (veja-se o artigo 21º-A da Portaria 114/2008 de 6 de Fevereiro e artigo 4º da Portaria 331-B/2009) proporcionando grandes benefícios para os utilizadores da justiça. É uma forma de ter um serviço mais barato, não só porque beneficia de redução da taxa de justiça e de outros benefícios no âmbito da legislação referente às custas judiciais, como também, porque o envio através desta aplicação não acarreta qualquer custo ou despesa para o exequente. Finalmente, e no sentido de agilizar a execução das sentenças condenatórias em pagamento de uma quantia certa, permite-se ao autor, na petição inicial ou em qualquer momento do processo, declarar que pretende executar imediatamente a sentença. Nestes casos inicia-se a execução automaticamente após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ex vi do artigo 48º da Portaria 331-B/2009 de 30 de Março. Por outro lado, os Advogados passaram a poder aceder à função ou profissão de agente de execução, o que levou à definição do modelo e das condições para assegurar aos agentes de execução a formação adequada ao desempenho destas funções. Ora esta medida implicou também alterações ao regime de incompatibilidades, impedimentos e suspeições dos agentes de execução, restringindo as condições de exercício desta profissão, com a finalidade de garantir mais transparência e confiança no sistema. Também a eficácia das execuções e do processo executivo preocuparam o legislador, e passou a permitir-se que o exequente substitua livremente o agente de 1

Recentemente, e a título ilustrativo pode referir-se a aprovação em Conselho de Ministros, no dia 08/11/2012, de medidas urgentes de combate às pendências de processos judiciais in http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministro-da-presidencia-e-dos-assuntosparlamentares/documentos-oficiais/20121108-cm-comunicado.aspx, consultado em 10/11/2012.

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execução, (artigo 808º, n.º 6 CPC, ex vi, artigo 7º da Portaria 331-B/2009 de 30 de Março) no pressuposto de que este é o principal interessado no controlo da eficácia da execução No entanto, o agente de execução fica onerado com um dever de informação acrescido e com o reforço do controlo disciplinar dos atos por si praticados, por um órgão de composição plural, apto a exercer uma efetiva fiscalização, a Comissão para a Eficácia das Execuções2.

1.2. Da reforma da Ação Executiva A reforma da Ação Executiva operada pela alteração introduzida pelo Decreto- Lei nº. 38/2003, de 8 de Março visou, tal como se pode ver do preâmbulo combater “a excessiva jurisdicionalização e rigidez que tem obstado à satisfação, em prazo razoável, dos direitos do exequente. Os atrasos do processo de execução têm-se assim traduzido em verdadeira denegação de justiça, colocando em crise o direito fundamental de acesso à justiça”. Com a entrada em vigor em 15 de Setembro de 2003, do referido Decreto-Lei nº. 38/2003, de 8 de Março, criou-se o especial “novo paradigma da ação executiva” (dentro da reforma geral da justiça) assente na simplificação e desjurisdicionalização de um conjunto de atos transferidos da esfera do juiz para a de um novo interveniente processual: o agente de execução. A ação executiva, apesar da reforma operada em 2003, manteve-se ligada ao tribunal3, atribuindo ao agente de execução – solicitador de execução, inspirado no “huissier de justice”, ou oficial de justiça – a competência para a direção e prática de um conjunto de atos, que, tradicionalmente eram da competência do juiz, sem quebra, da reserva jurisdicional e do controlo judicial. Visava-se através da reforma um leque de alterações substanciais que iriam marcar para sempre a operacionalidade da justiça executiva: libertar os tribunais para a função de julgar; criar secretarias de execução nas comarcas onde o caudal de entradas de ações executivas as justificasse; a figura do agente de execução para a tramitação do processo, em substituição mas sob controlo do juiz; o Registo Informático de Execuções do qual constariam os fluxos das ações executivas pendentes, bem como o registo das findas e a lista pública das execuções4. Mas é essencialmente na fase da penhora, na versão que resultou da reforma da ação executiva de 2003, que a intervenção do agente de execução mais incidiu, permitindo-lhe investigar o património do devedor através da consulta direta de várias bases informáticas de dados e realizar as penhoras. Tratou-se de uma reforma ambiciosa, complexa, cuja concretização e aplicação 2 3 4

Relativamente às competências da CPEE ver http://www.cpee.pt Veja-se o preâmbulo do DL n.º 38/2003, de 08/03. Veja-se a Portaria 313/2009 de 30 de Março

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foi rodeada de inúmeras dificuldades, cuja descrição sumária aqui se apresenta5:

a) O requerimento executivo online de preenchimento demorado e complexo; b) A falta de depósitos públicos, dificultando a penhora de bens móveis com remoção e todas as dificuldades que a venda desse tipo de bens implica;

c) A ausência da penhora de saldos bancários através de meios eletrónicos, que apesar de ser um dos meios mais esperados para acautelar o direito do credor, nunca foi permitida;

d) O insuficiente número de solicitadores de execução em exercício de funções, já que a grande maioria tinha a sua inscrição suspensa a requerimento do próprio;

e) E por outro lado, a concentração dos Solicitadores de Execução nos grandes centros urbanos;

f) A insuficiente divulgação das funções do solicitador de execução, com um profundo desconhecimento da amplitude e do significado da sua atividade;

g) As dificuldades, os constrangimentos, as protelações na obtenção de colaboração dos vários serviços públicos e judiciais, relativamente aos elementos de identificação e do património dos executados;

h) A ausência de um regime fiscal próprio e adequado à atividade do agente de execução; Perante estas “razões de bloqueio”, foram devidas algumas intervenções intercalares: nomeadamente visou-se a resolução do atraso na autuação e distribuição de elevado número de ações por meios eletrónicos nos Juízos Cíveis de Lisboa e Porto; permitiu-se o acesso direto às bases de dados das Finanças, da Segurança Social, dos Serviços de Identificação Civil e do Registo Nacional de Pessoas Coletivas; agilizaram- se as penhoras de bens com coadjuvação dos agentes da autoridade. Neste âmbito, foi publicada a Lei nº. 60-A/2005, de 30 de Dezembro, para descongestionar os tribunais, dispensando-se do pagamento das custas, as ações findas por desistência do pedido, confissão, transação ou compromisso arbitral apresentados até 31 de Dezembro de 2006. Em continuum foram publicadas alterações ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores e ao Código de Processo Civil, através da Lei nº. 14/2006, de 26 de Abril, modificando-se a competência territorial dos “Solicitadores de Execução”, permitindo ao exequente escolher qualquer um dos inscritos em qualquer comarca. Foi instituído o dever da utilização dos meios telemáticos na comunicação entre a secretaria judicial e os solicitadores de execução, ex vi do artigo 10º da Portaria 331B/2009 de 30 de Março Foram criados novos Juízos de Execução, por exemplo em Guimarães, Oeiras e

5

Conforme se pode ver sumariamente no DL n.º 38/2003, de 08/03.

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noutras localidades6. Publicou-se

um

Manual

de

Boas

Práticas,

contendo

um

conjunto

de

recomendações sobre a prática de atos e diligências do processo executivo, visando estabilizar procedimentos e homogeneizar entendimentos relativos a determinadas fases da tramitação processual. A necessidade de reforçar o papel do agente de execução ditou a adoção de várias medidas7, como as que a seguir se apontam: - permitir o acesso ao registo de execuções e o acesso às bases de dados ainda não disponíveis; - atribuir competências para fazer todas as diligências relativas à extinção da execução; - prescindir da necessidade de remeter ao tribunal os relatórios sobre as causas de frustração da penhora; - permitir o envio do requerimento executivo somente por via eletrónica ao agente de execução; - alterar o regime remuneratório dos agentes de execução incentivando a concretização de execuções; - criar uma lista pública disponibilizada na Internet com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis pertencentes ao executado; Toda esta série de alterações de procedimentos visou implementar práticas simplificadoras, necessárias para agilizar a ação do agente de execução. A simplificação das execuções, através da eliminação de formalidades e ações judiciais consideradas desnecessárias, explicadas pela lista pública de execuções frustradas, permitia concomitantes medidas potenciadoras do descongestionamento dos tribunais. A adoção de um sistema de tramitação processual extrajudicial, com remessa direta do requerimento executivo ao agente de execução, sem autuação, permitia que este pudesse decidir pela remessa ou não do processo ao Juiz. Por sua vez, o Juiz ficou liberto destas tarefas para, através de despacho judicial, debruçar-se sobre situações de conflito efetivo, ou sobre a relevância ou não de proferir despacho liminar, podendo apreciar oposições à execução/penhora, verificar e graduar créditos reclamados, e julgar reclamações dos atos do agente de execução. Em simultâneo, as competências do agente de execução ampliam-se, cabendolhe apreciar os requerimentos das partes, nomeadamente sobre a redução ou a isenção

6

Veja-se o DL n.º 250/2007, de 29 de Junho, consultado in http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=918&tabela=leis em 08/06/2011. 7 Ver manual de boas práticas do Agente de Execução in http://www.cpee.pt/Manual_AE/, consultado em 08/06/2011.

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da parte penhorável do vencimento8. A reforma passa pelo reconhecimento da necessidade de aumentar o número de agentes de execução, abrindo o acesso à profissão da agência de execução aos advogados. Prevê-se ainda a criação de Centros de Arbitragem com poderes para praticar atos típicos do processo executivo. Em resumo, a reforma da Ação Executiva9, assentou na simplificação e na desjurisdicionalização de um conjunto de atos transferidos da esfera do juiz para a de um novo interveniente processual: o Agente de Execução10. Acerca desta questão “no regime oriundo do Decreto Lei 38/2003, era agente de execução, não só o solicitador de execução, mas também, na sua falta ou impossibilidade, o oficial de justiça11”. A reforma da Ação Executiva pelo Decreto Lei 38/2003, de 8 de Março sofreu novas alterações introduzidas através do Decreto Lei 226/2008 de 20 de Novembro e pelas Portarias 331-B/2009, 313/2009 e 312/2009, todas de 30 de Março. Perante a rápida assimilação da tramitação da reforma da ação executiva, o número de processos executivos intentados pelos mandatários judiciais de cerca de 155.000 para cerca de 230.000, fixando-se nos períodos de 2006, 2007 e 2008 (apesar da conjuntura económica) em número de execuções estável entre 200.000 e 215.000. Atualmente, as funções e as competências específicas da agência de execução são desempenhadas por solicitadores ou por advogados sob a fiscalização da Comissão para a Eficácia das Execuções (CPEE) exceto no caso do exequente beneficiar do apoio judiciário na modalidade de atribuição de agente de execução, que nesse caso é obrigatoriamente desempenhado por oficial de justiça, determinado segundo as regras de distribuição – artigo 35-A da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho a ditado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto. Fora dos casos de apoio judiciário, só pode exercer as funções de agente de execução o solicitador ou o advogado que, sendo solicitador, não esteja abrangido por qualquer das restrições previstas no artigo 78º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS), e por outro lado, como advogado, se não estiver abrangido por qualquer das restrições previstas no artigo 181º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), nem tenha sido condenado em pena disciplinar superior a multa, no exercício da solicitadoria ou da advocacia e tenha concluído, com aproveitamento, o estágio de agente de execução (artigo 117º do ECS). Cabe ao agente de execução, em regra, efetuar todas as diligências de execução, incluindo as citações, notificações e publicações, liquidar créditos aos credores e efetuar

8

Veja se o artigo 824º, n.º 5, 6 e 7 do CPC, com a redação do DL n.º 226/2008, de 20/11. Implementada pelo DL nº. 38/2003, de 8 de Março. 10 As competências do Agente de Execução no âmbito da Ação Executiva saíram reforçadas com as alterações ao Código do Processo Civil, introduzidas pelo Dec. Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro e pela Portaria nº. 331-B/2009, de 30 de Março. 11 in Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Depois da Reforma da Reforma, 5ª Edição, Coimbra Editora, 2009, paginas 24 e seguintes; 9

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imediatamente todos os pagamentos nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nos termos e para os efeitos do artigo. 808º nº1 e 2 do Código do Processo Civil (CPC). Resumindo, Lebre de Freitas12 explica as opção do legislador relativamente ao novo conteúdo funcional do Juiz através das alterações legais, descrevendo que “… o Juiz exerce funções de tutela, intervindo em caso de litígio surgido na pendência da execução (art. 809º/1,b CPC), e de controlo, proferindo nalguns casos despacho liminar (controlo prévio aos actos executivos: arts. 809º/1, a CPC e 812º-D CPC) e intervindo para resolver dúvidas (artº. 809º/1,d CPC), garantir a proteção de direitos fundamentais ou matéria sigilosa (arts. 840º/3, 848º/3, 850º/1, 861º-A/1 todos do CPC) ou assegurar a realização dos fins da execução (arts. 862º-A/3 e 4, 88º6-C/3, 893º/1, 901º-A/a e 2, 905º/2 todos do CPC), mas deixou de ter a seu cargo a promoção das diligências executivas, não lhe cabendo, nomeadamente, em regra, ordenar a penhora, a venda ou o pagamento, ou extinguir a instância executiva. A prática destes atos, eminentemente executivos, bem como, em geral, a realização das várias diligências do processo de execução, quando a lei não determine diversamente, passaram a caber ao agente de execução (art. 808º/1 e 10 CPC)”. Lebre de Freitas (2009) reforça a mudança dos pesos da balança concluindo: “foi assim deslocado para um profissional liberal o desempenho dum conjunto de tarefas, exercidas em nome do tribunal, sem prejuízo da possibilidade de reclamação para o juiz dos atos ou omissões por ele praticados (art. 809º/1 CPC)”. Ora nesta fase, o papel do “Solicitador de Execução” no processo executivo resultava na prática numa desjudicialização da função da justiça do Estado e ainda segundo a explicação de Lebre de Freitas “a sua existência, sem retirar a natureza jurisdicional ao processo executivo, implica a sua larga desjudicialização (entendida como menor intervenção do juiz nos atos processuais) e também a diminuição dos atos praticados pela secretaria. Não impede a responsabilidade do Estado pelos atos ilícitos que o solicitador de execução pratique no exercício da função, nos termos gerais da responsabilidade do Estado pelos atos dos seus funcionários e agentes”

13

Ora, “Diversamente do que se passa com a competência do juiz de execução, cuja intervenção é excecional, a competência do agente de execução é a regra geral. Assim, por disposição expressa do artº. 808º/1 CPC, cabe ao agente de execução, em regra (salvo quando a lei determine diversamente) efetuar todas as diligências do processo, incluindo as citações, notificações e publicações a que haja lugar. São competências do agente de execução: recusar o requerimento executivo (artº 811º/1, CPC – função da secretaria até à alteração introduzida pelo DL 226/2008, 20 de Novembro; remeter o processo ao juiz para a prolação de despacho liminar (artº.812º-D, 12

Veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa número 29357, cujo relator foi Gilberto Jorge de 11/03/2010 publicado em www.dgsi.pt/.../ consultado em Outubro de 2012. 13 Lebre de Freitas, A Ação Executiva, Depois da Reforma da Reforma 5ª edição, Coimbra Editora, 2009, páginas 24 e seguintes

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CPC); citar o executado, o cônjuge deste e os credores com garantia real; proceder às averiguações necessárias para encontrar bens suscetíveis de penhora; proceder às penhoras; sustar a execução quando e quanto aos bens em que pendam penhoras anteriores (artº. 871º/2, CPC); decidir alguns incidentes de levantamento (artº. 847º/1, CPC) ou de alteração do âmbito da penhora (artº. 824º/4 e 5, CPC); desempenhar as funções de depositário dos bens penhorados; determinar a modalidade da venda dos bens penhorados e fixar o respetivo preço base ─ artº. 886º-A, CPC; realizar ou autorizar a venda antecipada de bens, nos termos do artº. 886º-C, CPC; nomear o encarregado da venda ou mesmo, desempenhar, ele próprio, as funções de encarregado da venda ─ artºs 905º/2 e 906º/2, ambos do CPC; julgar extinta a execução, quando se mostre satisfeita voluntariamente ou coercivamente a obrigação ou quando ocorra outra causa extintiva da instância executiva, nomeadamente por falta de bens, tudo nos termos do artº. 919º/1, do CPC.” 14

1.3.

Da transparência no âmbito da Ação Executiva O exercício das funções de agente de execução insere-se no âmbito específico

da ação executiva – isto quer dizer que aquele conjunto de atos – impulsos processuais que devem ser praticados pelo agente de execução são fonte de responsabilidade contratual, além de responsabilidade extracontratual, delitual, e disciplinar, pelo que se entende naturalmente que o exercício desta profissão deve ser rodeado de um acréscimo de garantias de transparência. O âmbito e o exercício da profissão de Agente de Execução ou das funções relativas à atividade da Agência de Execução são uma fonte de responsabilidade contratual, pelo que naturalmente o seu desempenho envolve um complexo conjunto de atos técnicos e jurídicos. Além disso, a atividade do Agente de execução nada tem de rotineiro, pelo contrário, é uma atividade muito variável, composta de atos muito complexos e de outros meramente imediatos, ou seja, se por um lado, o agente de execução pode ver-se a braços com processos judiciais morosos e exigentes, por outro lado, terá certamente processos extremamente simples, que requerem atos mecânicos, repetitivos e sem ciência, mas cuja execução célere, eficiente, e pontual dita a eficácia e o sucesso do processo judicial. Quer haja grande complexidade processual ou pelo contrário causas de menor complexidade, esta atividade implica necessariamente uma relação direta, próxima e efetiva com um grande caudal de entradas de dinheiro ou de valores. Ora, esta relação com valores patrimoniais, não patrimoniais, mobiliários, dinheiro, contas bancárias, divisas, títulos, bens sujeitos a registo, bens perecíveis ou não, jóias, coisas…etc é uma relação necessariamente “fugaz”, “dinâmica” cujos 14

Paiva, E. Cabrita, E. (2009) O Processo Executivo e o Agente de Execução, pagina 29 e seguintes .

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movimentos de transferência exigem certeza jurídica, titularidade, exequibilidade, liquidez, celeridade…e acima de tudo transparência. A prática de um ato, de um impulso processual, de um impulso técnico, de um ato mecânico…. de um mero telefonema…. pode viabilizar o sucesso ou o insucesso na execução de um direito, de um bem, ditando o êxito ou o fracasso do agente de execução na prossecução do seu trabalho. A relação com o dinheiro que é por si só uma fonte de energia, muitas vezes apenas visível num ecrã de um computador…como um número, uma quantia com zeros, é uma relação extremamente volátil e efémera na medida em que os meios eletrónicos estão ao serviço quer de quem executa as dividas e de quem se exime ao pagamento das mesmas. Se por um lado, se pode contar que o agente de execução pratica os atos necessários para investigar, descobrir bens em nome do executado, por outro lado, este já terá diligenciado todos os esforços para encobrir a sua relação com os mesmos. É nesta tensão exequente/executado que o Agente de Execução vai “gerir” ou “mediar (judicialmente)”, administrar o direito com o Juiz, encontrar espaço para executar a sua função, o que torna o agente de execução um transmissor direto de direitos/deveres e simultaneamente um transmissor de valores. Nesta complexidade do feixe de deveres funcionais é fácil reconhecer que a transparência é uma exigência absoluta no âmbito do exercício de cada uma das funções, sob pena de o agente de execução poder ser responsabilizado perante a CPEE em sede de fiscalização. Mas a transparência no uso e na forma como os valores são geridos à volta do processo executivo (no sentido de conjunto de atos que visa à produção de um resultado: a recuperação de um crédito por parte do exequente) também é uma exigência externa, ou seja, o agente de execução deve prestar contas do andamento do processo, dos depósitos e das transferências que faz ao exequente ou ao seu mandatário. Os processos de execução são processos que implicam a movimentação de quantias de dinheiro, de uma dispersão de fontes (mandatários, clientes, executados, tribunais, bancos…etc) pelo que a sua gestão de forma transparente implica necessariamente a intervenção e a racionalização dos meios humanos e técnicos específicos, de forma a manter a clareza contabilística e a clareza das relações processuais subjacentes a esta atividade que podemos classificar de “ponta”15. A exigência de clareza, de transparência, de prestação de informação rigorosa e imediata acerca do estado das contas-clientes (conta do executado e conta do exequente) à CPEE, que é o órgão fiscalizador da atividade do agente de execução implica uma organização/gestão/administração do escritório do agente de execução que apenas se 15

N.A: Uma atividade de “ponta” por estar na ponta da relação jurídica, na verdade a atividade do Agente de Execução situa-se na maior parte das vezes no fim da cadeia das relações jurídicas. De “ponta” por ser uma atividade ou profissão relativamente recente com poucos anos de existência. De “ponta”, por ser em relação ao exercício da solicitadoria generalista, uma especialização cujo desempenho implica uma série de condicionalismos e condições de exercício cuja existência condiciona muito o seu acesso, e o seu exercício.

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coaduna com a implementação de um modelo de contabilidade, de forma a permitir a exigida funcionalidade e rigor na demonstração dos movimentos contabilísticos. O exercício da agência de execução resulta da necessidade de promover a efetividade da ação executiva – cuja entrada massiva de processos com baixo valor - pelo que a sua existência tem particular sentido no que se refere à pendência de inúmeras ações e explica de alguma forma a morosidade e o consequente custo da justiça. Não quer dizer com isto que a pendência de ações nos tribunais se deva exclusivamente às ações executivas, mas o massivo recurso à ação executiva por parte das instituições bancárias e financeiras de crédito ao consumo, operadoras de telecomunicações e seguradoras, provoca a notória acumulação de litigância de baixo valor, cuja complexidade processual implica a concentração de meios humanos especializados, de meios técnicos, de recursos dos serviços da justiça (Juízes, funcionários, etc), produzindo um resultado que efetivamente pesa no que se refere ao funcionamento dos tribunais em especial, e à função de administrar a justiça como função do Estado em geral. O volume de entrada de processos executivos adquire dimensões tais, que consideradas, terá proporções potenciadoras de novos problemas como a própria negligência e irresponsabilidade dos intervenientes. Situação que pode estar muito ligada à falta de transparência, correndo o risco de ser uma fonte insuspeita de corrupção com prejuízos elevadíssimos para a sociedade portuguesa em geral. Como é notório, a existência da corrupção é sempre rodeada do maior silêncio, e a sua progressão, contaminação acabam sempre por ser descobertas tardiamente com riscos enormes para a credibilidade e para a eficácia do funcionamento da justiça, além de repercussões gravíssimas na vida de cada cidadão. A falta de transparência é quase sempre motivada pela falta de rigor nas contas e pela existência de movimentos fraudulentos, para proveito e uso pessoal, desvio de fundos, apropriação indevida de quantias, pagamento de favores, fuga aos impostos, todo o tipo de atos ilícitos que lesam o património alheio, e no caso particular, o património do exequente, do executado, do tribunal, do fisco. A falta de transparência pode ser o resultado de uma gestão descuidada e meramente desorganizada, mas neste caso também a necessidade de adotar um modelo de gestão contabilística é imprescindível para que o agente de execução tenha a noção de quanto é que pode dispor para a sua vida pessoal e de quanto é que o seu escritório está a faturar em termos de volume de negócio/trabalho/rentabilidade no exercício das suas funções versus gastos ou despesas. O agente de execução muitas vezes é um solicitador que acabou por fazer a especialidade de Agencia de Execução para diversificar as suas fontes de rendimento, além de ser solicitador generalista ou além de ser advogado. Normalmente (não obstante, haver casos em que o seja), o agente de execução não acumula a formação (não a função simultânea porque isso seria uma incompatibilidade para o exercício da

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profissão de agente de execução) de Técnico Oficial de Contas (TOC) ou de Revisor Oficial de Contas, ou de fiscalista, pelo que tem de necessariamente socorrer-se de quem tenha esta formação ou limitar-se a ter um escritório com uma contabilidade rudimentar, com contas bancárias separadas para não confundir as fontes patrimoniais. Porém esta forma simplificada de trabalhar, de tratar contabilisticamente os seus movimentos não permite que o agente de execução possa ter de imediato, caso o necessite, um balanço dos montantes e dos movimentos imutáveis aos processos quer do lado do(s) exequente(s), quer do lado do(s) executado(s). Ora esta situação de impossibilidade de informar imediatamente a situação dos movimentos contabilísticos do escritório pode fazer incorrer o agente de execução em responsabilidade disciplinar pela CPEE. O Estatuto da Câmara dos Solicitadores, no seu artigo nº 123º, n.º1, alínea g) diz que o Agente de Execução deve possuir uma contabilidade organizada segundo um modelo aprovado pelo Conselho Geral. Ora, até à data o Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores não aprovou nenhum modelo, constituindo esta verificação mais uma motivação para a construção do modelo contabilístico apresentado no presente estudo. O objeto do presente trabalho consubstancia-se precisamente na elaboração de um modelo contabilístico que corresponde aos usos contabilísticos normais e às necessidades de transparência e eficiência no exercício das funções de agente de execução, cuja inexistência é uma lacuna na organização do escritório do Agente de Execução.

1.4. Da transparência da Conta-Cliente A transparência da ação executiva, além de ser uma exigência pública, cívica de responsabilidade pelo bem comum e pela democracia, a transparência na ação executiva é também uma exigência indisponível aquando da colaboração/ação na prossecução da administração da justiça por todos os agentes judiciais. Razão de ordem: Impõe-se apresentar formalmente a hipótese de investigação que norteou este trabalho: “o Agente de Execução deve (man)ter uma contabilidade organizada que seja transparente no exercício das suas funções”. Nos termos do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, “Além dos outros deveres deontológicos, o Agente de Execução tem o dever de possuir contabilidade organizada de acordo com o modelo a aprovar pelo Conselho Geral”, nos termos e para os efeitos do artigo 123º nº 1 al. g) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, sendo que o

114


incumprimento desse dever constitui uma infração disciplinar (131-A, nº 2 al. e) do mesmo Estatuto. Ora, considerar esta situação, implica que se esclareça o que o legislador estatutário da Câmara dos Solicitadores entendeu por “contabilidade organizada” em primeiro lugar. Em segundo lugar, esclarecer se o modelo de “contabilidade organizada” cominado

pelo

legislador

estatutário

corresponde

ao

dever

legal

de

possuir

“contabilidade organizada” para efeitos fiscais. Nesta situação, há ainda a considerar várias questões. Ora, se corresponde ao Agente de Execução o dever legal de ter “contabilidade organizada” deve-se analisar a lei fiscal para saber se o “agente de execução” é um dos sujeitos passivos previstos pelo artigo º 123º do CIRC, ou se, por outro lado, faz parte das restantes categorias fiscais que podem optar pelo regime simplificado ou pela contabilidade organizada. E, a ser assim, nesta segunda hipótese deveria concluir-se que, ao olhar para o Estatuto da Câmara dos Solicitadores, que não faz sentido o art.º 131-A, nº2 al. e), que comina a falta de contabilidade organizada com efeitos disciplinares. Ainda, por outro lado, se é de um dever fiscal que se trata, abrangido pelo artigo 123º do CIRC, o agente de execução sem contabilidade organizada incorre em responsabilidade fiscal, além de responsabilidade disciplinar. Mas a ser assim, a contabilidade do agente de execução segue o modelo contabilístico fiscal, e os rendimentos dos agentes de execução são enquadrados no modelo da contabilidade organizada, com todos os deveres acrescidos subjacentes, o que significa que carece de sentido fazer impender sobre o Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores a obrigação de aprovar um modelo próprio. Em ambos os casos, quer o artigo 123º al. g) , quer o artigo 131-A, nº2 al.e) do Estatuto carecem de sentido. Finalmente, se a violação do dever de possuir uma “contabilidade organizada” de acordo, com o modelo aprovado pelo Conselho Geral, é considerado uma fonte de responsabilidade disciplinar, violando requisitos de transparência na gestão das contascliente, estaremos perante uma omissão legal. O requisito da transparência visa uma rápida, fácil e correta leitura dos registos a débito e a crédito, mas a sua existência não foi regulamentada não obstante de impender sobre o legislador o dever de legislar/regulamentar, o que não fez. O dever de legislar e de regulamentar eficazmente as funções e o âmbito do exercício das atividades deste “novo” profissional liberal criado pelo Ministério da Justiça – a figura do Agente de Execução – não foi cumprido integralmente, deixando um halo perigoso numa plataforma de relações complexas, o que constitui um espaço aberto à fraude e à falta de transparência. A má, irregular ou fraudulenta gestão das contasclientes é para o agente de execução uma fonte de responsabilidade disciplinar nos

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termos do regulamento. Esta responsabilidade vai para além do juízo de desvalor do comportamento culposo no exercício das suas funções, porque o Agente de Execução devia ter rodeado do cumprimento de acrescidos cuidados no modo como presta os seus serviços. Na verdade, a prestação deste serviço consubstancia atos cuja exigência na execução deve basear-se no rigor, na clareza e na idoneidade pelo fato de se tratar da gestão de quantias alheias, inalienáveis para fins pessoais e ainda da prossecução de um serviço público. Apesar de o legislador determinar que a obrigatoriedade de ter “contabilidade organizada” deve-se ser executada nos termos definidos pelo Conselho Geral, a ausência da regulamentação permanece. Nestas circunstâncias a falta de um modelo a seguir configura uma omissão legislativa e regulamentar gravíssimas. Considerando que a maior parte dos processos disciplinares resultam de irregularidades praticadas na gestão das contas-clientes16,

resulta

incoerente

que

o

Conselho

Geral

considere

que

o

comportamento do agente de execução arguido configure uma violação dos deveres atinentes à gestão da conta-cliente, se as regras de gestão a cumprir, simplesmente, inexistem. É evidente que se a(s) conta(s)- cliente(s) está a descoberto porque o agente de execução delapidou os seus montantes, agindo com culpa, incorrerá em responsabilidade disciplinar, civil e mesmo penal, mas esta constatação significa que a situação chegou ao limite, sem que nada se tivesse feito para controlar ou evitar o esbanjamento e a fraude da(s) Conta(s)-cliente(s). Havendo um modelo de contabilidade organizada, perante indícios de discrepâncias nas contas, de movimentos injustificados e de prenúncios de má gestão, podia-se prevenir e impedir a prática de fraudes ou de outros crimes equivalentes. Logo que o agente de execução deixe de poder face aos compromissos financeiros, nomeadamente transferir as quantias cobradas com a realização dos atos de execução e assegurar os pagamentos devidos, é possível detetar atos de gestão incorreta da contas-clientes. Só por si esta possibilidade constitui uma importante medida preventiva, uma salvaguarda para evitar prejuízos para os exequentes, para os próprios agentes de execução e para o Estado. Passada uma década sobre a reforma de 2003 que criou a figura do “solicitador de execução”, predecessor do agente de execução, e o legislador permanece passivo e omisso no cumprimento da sua obrigação de melhorar, atualizar, aperfeiçoar ou corrigir as normas fiscais, contabilísticas, complementares na prestação de contas, mesmo conhecendo os riscos, as dificuldades e os obstáculos que estes profissionais tem de enfrentar para demonstrar a eficácia da sua ação, a sua valência no combate ao endividamento e a sua eficácia na cobrança de créditos junto dos executados. Contrariando todos os cuidados legais que presidiram à criação da figura do agente de 16

Veja-se a informação estatística apresentada em gráfico pela CPEE, in http://www.cpee.pt/media/uploads/pages/Processos_Disciplinares.pdf, consultado em 20/03/2012.

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execução, registaram-se casos de ilícitos criminais por causa da gestão lesiva de agentes de execução, cujos prejuízos ascendem a milhares de euros, sem que se tivesse ainda tomado medidas sérias no sentido de suprir esta omissão no regime estatutário. É imperioso definir este modelo de “contabilidade organizada” de forma a assegurar a transparência nas contas-clientes e permitir fiscalizações preventivas e efetivas de forma a limitar ao mínimo possível a possibilidade do espetro da fraude e da apropriação indevida. Segundo Gomes Canotilho17, a omissão não consiste “na ausência total ou parcial da lei, mas na falta de adaptação ou aperfeiçoamento das leis existentes”; “esta carência ou défice de aperfeiçoamento das leis assumirá particular relevo jurídicoconstitucional quando, da falta de «melhorias» ou «correções», resultem consequências gravosas para a efetivação de direitos fundamentais”. As reais consequências pela ausência de normas contabilísticas e regulamentação eficaz, para cumprimento do dever do agente de execução prestar contas e eficiente fiscalização pelo órgão com competência disciplinar e fiscal, fazem-se sentir através do desgaste na credibilidade dos agentes de execução. De fato, isto é uma presunção, porque as reais consequências individuais e coletivas, a nível disciplinar, criminal e patrimonial (civil) ainda não podem ser quantificadas porque não existe registo oficial. De igual modo, também as implicações sobre o património dos agentes de execução por contra-ordenações fiscais em sede de IRS, IVA, IS e IMT, ainda estão por contabilizar, tanto no âmbito do exercício individual da atividade, como quando o agente de execução pertence a uma sociedade de agentes de execução. A indefinição, conduz à falta de rigor e esta ao desleixo, ao facilitismo abrindo uma janela de oportunidades para a prática de atividades ilícitas que no momento da criação e do reconhecimento legal destas funções devia ter sido vedada. O próprio intervalo de tempo decorrido – entre 2003 até à data – sem a devida clarificação, e definição regulamentar produz efeitos nefastos na apreciação e na ponderação da responsabilidade para efeitos criminais e civis. A preocupação do legislador centrou-se na regulamentação da tramitação processual da ação executiva, na atribuição das competências ao agente de execução e na definição das funções que lhe foram adstritas, deixando em aberto a questão do controlo interno/externo da mesma. A fiscalização foi remetida a dois órgãos externos, à Câmara dos Solicitadores e à CPEE, mas a forma, o processo de execução desta fiscalização, o sistema de operações fiscalizadoras não foi eficaz perante as necessidades reais, quer para efeitos disciplinares, quer para efeitos criminais. Por outro lado, foi a omissão, pela falta de adaptação ou aperfeiçoamento das 17

Gomes Canotilho (1997) Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Almedina, páginas 1033 e seguintes.

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normas existentes sobre estas matérias de organização, colaterais talvez, à reforma da ação executiva, pertencentes ao domínio da contabilidade, da fiscalidade e da regulação da prestação de contas que mais contribui para a morosidade processual da justiça. De facto, por cada agente de execução que cessou a atividade (por suspensão ou por expulsão na consequência de procedimentos disciplinares, por morte), os processos executivos ficaram parados por tempo imprevisível – um número também indefinido meramente intuitivo em função da distribuição feita – até que se complete a liquidação do escritório, operação que pode levar anos a concluir. Assim, à responsabilidade civil extracontratual do Estado-Legislador, por omissão de atos legislativos, em violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem, prevista no artigo 22º da CRP, acresce o risco da responsabilidade do Estado-Juiz por atraso na justiça, consubstanciando uma violação do direito fundamental da tutela jurisdicional prevista nos nºs. 4 e 5 do artigo 20º da CRP.

118


CAPITULO II AS FUNÇÕES DO AGENTE DE EXECUÇÃO

119


2.1. Os Deveres do Agente de Execução ao serviço da justiça Os Agentes de Execução estão vinculados a disposições normativas acrescidas e especiais do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, em relação aos solicitadores (generalistas), porque o exercício das suas funções, tal como já foi dito neste estudo, implica uma responsabilidade direta no que diz respeito a valores que não lhes pertencem, mas cuja existência é a base da sua atividade: - são os responsáveis pelos valores que são cobrados no âmbito da ação executiva. O Artigo 123.º especifica os deveres do agente de execução18: a)

Praticar diligentemente os atos processuais de que seja incumbido, com

observância escrupulosa dos prazos legais ou judicialmente fixados e dos deveres deontológicos que sobre si impendem; b)

Submeter a decisão do juiz os atos que dependam de despacho ou

autorização judicial e cumpri-los nos precisos termos fixados; c)

Prestar às partes os esclarecimentos que lhe forem solicitados sobre o

andamento das diligências de que seja incumbido; d)

Prestar ao tribunal os esclarecimentos que lhe forem solicitados sobre o

andamento das diligências de que seja incumbido; e)

Prestar contas da atividade realizada, entregando prontamente as quantias,

objetos ou documentos de que seja detentor por causa da sua atuação como agente de execução; f)

Arquivar e conservar durante 10 anos todos os documentos relativos às

execuções ou outros atos por si praticados no âmbito da sua função nos termos de regulamento a aprovar pelo Conselho Geral; g)

Ter contabilidade organizada de acordo com o modelo a aprovar pelo

Conselho Geral; h)

Não exercer nem permitir o exercício de atividades não forenses no seu

escritório; i)

Apresentar a cédula ou cartão profissional no exercício da sua atividade;

j)

Utilizar os meios de identificação e de assinatura reconhecidos e

regulamentados pela Câmara, designadamente assinatura eletrónica;

l)

Utilizar meios de comunicação eletrónicos nas relações com outras

entidades públicas e privadas, designadamente com o tribunal;

m)

Ter um endereço eletrónico nos termos regulamentados pela Câmara;

18

O artigo 123º nº1 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores com a redação que lhe foi dada pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 226/2008 de 20-11-2008, que procedeu à Revisão do Processo Executivo e do Regime das Execuções.

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n)

Contratar e manter seguro de responsabilidade civil profissional de

montante não inferior a € 100 000;

o)

Registar por via eletrónica, junto da Câmara dos Solicitadores, o seu

depósito de bens penhorados nos termos de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça;

p)

Desempenhar diligentemente as funções de patrono no segundo período de

estágio dos agentes de execução. Na panóplia de deveres do agente de execução, o legislador realça a sua preocupação com o dever de celeridade, de certeza, de confiança, de diligência, de preparação técnica e de conhecimento deste profissional. No entanto, prevê entre estes deveres de procedimento/de vertente processual na sua relação com o Juiz do processo, com o Tribunal, com a Câmara dos Solicitadores, com as entidades públicas e privadas com quem interage, um outro conjunto de deveres. Estes são de gestão relativos à dimensão económica/financeira do exercício da profissão/função de agente de execução que tem a ver com a contabilidade do escritório – os registos contabilísticos dos movimentos das contas-clientes – ou seja, os deveres de entrega pronta das quantias, objetos ou documentos detidos por causa do exercício das suas funções19 e de ter uma contabilidade organizada20. A preocupação pela transparência, pela honestidade e isenção levou o legislador a reforçar os cuidados com os movimentos das contas, prevendo no artigo 124º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores um conjunto específico de deveres relativos à existência das “Contas-clientes” do agente de execução. Assim, o agente de execução deve, numa instituição de crédito21, possuir duas contas-clientes22 à sua ordem23, uma com a menção da circunstância de se tratar de uma conta-cliente dos exequentes24 e a outra com a menção de se tratar de uma conta-cliente dos executados25. Nestas contas, devem obrigatoriamente ser feitos os seguintes movimentos26: 19

Vide al. e) Vide al. g) 21 As constas-clientes são tituladas por agente de execução regularmente inscrito, junto de instituição de crédito que celebre protocolo para esse efeito com a Câmara dos Solicitadores, de agora em diante designada por “Banco” nos termos do nº 2 do artigo 2º do Regulamento das Contas Clientes nº 286/2012 de 30 de Agosto. 22 Denominadas por “CClientes” nos termos do artigo 2º nº1 do Regulamento das Contas–Clientes nº 286/2012 de 30 de Agosto. 23 Todos os outros serviços que não decorram dessa qualidade devem ser mantidos (leia-se registados) em contas-clientes diferenciadas, nos termos do nº9 do artigo 124º, não obstante isso decorrer a contrário sensu do nº 1 e 2. 24 Abreviadamente designada por CCexequentes, destinada a movimentar os valores entregues pelo exequente ou por terceiros que atuem em nome e por conta deste, para pagamento de honorários, de despesas ou efetuar adiantamentos por conta destas e daqueles, nos termos da al. b) do artigo 2º nº1. 25 Denominada ou designada abreviadamente por “CCexecutados”, destinada a movimentar todos os valores entregues pelo executado ou por terceiros por conta deste, nos termos do artigo 2º, nº1, a). 26 Relativamente aos movimentos de “débito das contas-clientes” o Estatuto da Câmara dos Solicitadores vem dizer no nº 10 do artigo 124º que … são efetuados ou autorizados através de aplicação 20

121


Na conta-cliente dos exequentes, todas as quantias recebidas destinadas a

a)

preparos, despesas e honorários; Na conta-cliente dos executados, todas as quantias recebidas e destinadas

b)

ao pagamento da quantia exequenda e demais encargos com o processo. É obrigatório o registo informático de todos os movimentos das contas-clientes do agente de execução efetuados no âmbito de cada processo, devendo ser observadas as demais normas e procedimentos definidos em regulamento aprovado pelo Conselho Geral27. O registo informático de todos os movimentos das contas-clientes do agente de execução efetuados no âmbito de cada processo é disponibilizado ao exequente ou executado, 28

solicitado .

respetivamente, Os

suportes

preferencialmente por documentais

e

via

informáticos

eletrónica, sempre

que

das

são

contas-clientes

obrigatoriamente disponibilizados, pela instituição de crédito e pelos agentes de execução, à comissão de fiscalização prevista na presente secção, bem como ao instrutor de processo disciplinar. A gestão das contas-clientes dos agentes de execução merece por parte da Câmara dos Solicitadores e dos agentes de execução um cuidado muito especial. Importa aumentar a transparência na forma como são geridos os valores confiados aos agentes de execução, assegurando-se que, a todo o momento, seja possível identificar a que processos executivos são afetos a cada um dos movimentos, sejam estes a crédito ou a débito. Visa-se aumentar a segurança, simplificar a gestão do escritório do agente de execução e tornar mais eficaz a fiscalização, garantindo procedimentos simples e céleres quando se transferem processos entre agentes de execução, seja por falecimento, cessação voluntária de funções ou pela aplicação de uma medida sancionatória ou cautelar. Neste sentido, o artigo 3º nº 4 do Regulamento nº 386/2012 de 30 de agosto prevê a possibilidade de a CPEE, na qualidade de órgão competente disciplinarmente poder impor limitações à movimentação das contas clientes em resultado de decisão disciplinar ou de medida cautelar, nomeadamente quando sejam detetados comportamentos que indiciem práticas ilícitas.

informática aprovada pelo Conselho Geral”, o que efetivamente acontece desde a aplicação do Regulamento nº 386/2012 de 30 de agosto. Nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º e do n.º 4 do artigo 124.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 88/2003, de 26/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto -Lei n.º 226/2008 de 20 de novembro, o conselho geral da Câmara dos Solicitadores aprovou o Regulamento das Contas–Clientes, que por sua vez revogou o regulamento da conta clientes de solicitador de execução n.º 201/2007, de 16 de agosto, e que veio introduzir regras no sentido de implementar a Portaria n.º 308/2011, de 21 de dezembro, que alterou a portaria 331 B/2009, de 30 de março, impondo novas regras para movimentação das contas clientes, atualizando, reforçando as regras impostas à movimentação das contas-cliente de agentes de execução. O regulamento nº 386/2012 veio portanto estabelecer as normas para a abertura, a movimentação, a gestão e o encerramento das contas-clientes dos agentes de execução. 27 Nº4 do artigo 124º 28 Nº5 do artigo 124º

122


Por outro lado, o artigo 124º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores prevê que sem prejuízo do acesso às contas-clientes, na sequência de fiscalizações promovidas pelos órgãos competentes, a Câmara dos Solicitadores, em colaboração com os órgãos de fiscalização, pode criar mecanismos de análise que visem a deteção e a prevenção de fraudes nas contas clientes dos agentes de execução, podendo sujeitar os movimentos a débito de valor superior a cinquenta mil euros, ou destinados a contas bancárias situadas em países estrangeiros, à fiscalização prévia. A Câmara dos Solicitadores pode ainda inserir na aplicação informática SISAAE/GPESE os mecanismos adicionais de validação de débitos nas contas-clientes que considere relevantes e que contribuam para a simplificação da atividade do agente de execução29.

2.2.

A Fiscalização da atividade do Agente de Execução e o Controlo da CPEE Este acréscimo de responsabilidade do agente de execução, formalizado legalmente

nos artigos 123º e 124º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, entre outros, relativos ao exercício de funções desta especialidade, traduz um especial dever de cuidado do agente de execução na gestão dos valores/quantias que movimenta no âmbito de impulsos processuais da ação executiva. Ora, difícil é controlar este fluxo de movimentos, de transferências, de depósitos e de débitos. Pela prática de atos que visem a execução efetiva da divida através do pagamento da mesma, o agente de execução pode praticar um conjunto de atos (débitos e créditos) que mais não são do que transferências de quantias para as contas-cliente cujo percurso/destino deve ser consentâneo com os deveres do agente de execução relativamente à gestão do processo. Mas controlar estes fluxos de depósitos e débitos pode ser uma tarefa impossível se o agente de execução não for honesto, e apesar de haver controlo, pode haver forma de usar em proveito próprio os fundos afetos aos processos, através da falsificação dos montantes a cobrar (inflacionando ou inventando despesas, cobrando quantias a título de atos processuais que nunca foram praticados, cobrando custas inexistentes, ordenando pagamentos para NIBs forjados, etc) quer relativamente ao seu destinatário, quer relativamente ao seu montante, através de esquemas e maquinações sem limites. Esta possível e eventual apropriação indevida, este desvio de quantias das contas-clientes em proveito próprio configura a prática de um crime, ou de vários crimes, pelo que é à Comissão para a Eficácia das Execuções (CPEE) que compete controlar, fiscalizar este comportamento fraudulento e lesivo do agente de execução. Esta comissão foi criada para efeitos de disciplina em matéria de fiscalização e de disciplina dos agentes de execução através do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro. 29

Ver n.º 3 do artigo 7º do Regulamento n.º 386/2012 de 30 de Agosto.

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Entre outros deveres, o Agente de Execução deve: - Prestar contas da atividade realizada, entregando prontamente as quantias, objetos ou documentos de que seja detentor por causa da sua atuação como agente de execução; - Ter contabilidade organizada de acordo com o modelo a aprovar pelo Conselho Geral; A forma como o agente de execução cumpre estes deveres deve ser avaliada pela Comissão para a Eficácia das Execuções (CPEE). A CPEE é responsável pela disciplina dos agentes de execução, pelo acesso e admissão a estágio, pela avaliação dos agentes de execução estagiários. Esta comissão tem um conjunto de competências disciplinares, nomeadamente, proceder a inspeções e fiscalizações dos agentes de execução, instruir os processos disciplinares instaurados contra estes profissionais e aplicar as respetivas penas, como por exemplo, destituir o agente de execução com fundamento em atuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever que lhe seja imposto pelo respetivo estatuto e finalmente decidir as questões relacionadas com os impedimentos e suspeições dos agentes de execução. O acesso eletrónico da CPEE à informação disponível no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais (Citius) e no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais dos agentes de execução (SISAAE) está regulamentado na portaria n.º 2/2012 de 2 de janeiro30. Esta Portaria regulamenta também a prática de atos pela 30

A portaria nº 2/2012 de 2 de janeiro regulamenta o acesso eletrónico da Comissão para a Eficácia das Execuções (CPEE) à informação disponível no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais (Citius) e no sistema de informação de suporte à atividade dos agentes de execução (SISAAE) referida no presente diploma e a prática de atos pela CPEE nestes sistemas de informação, estabelecendo-se ainda a comunicação eletrónica com os agentes de execução e, em determinados casos, com o tribunal e com as partes que pratiquem atos por via eletrónica. O acesso eletrónico da CPEE à informação disponível nos sistemas de informação Citius e ao SISAAE e a prática de atos nestes sistemas destina -se a agilizar o exercício das competências que lhe são legalmente atribuídas em matéria disciplinar e de fiscalização do agente de execução, permitindo: (a) Consultar a tramitação processual e o respetivo histórico; (b) Obter as informações estritamente necessárias sobre a atividade dos agentes de execução; (c) Executar eletronicamente as suas decisões; (d) Comunicar eletronicamente com o tribunal, com as partes que pratiquem atos por via eletrónica e com os agentes de execução. O acesso eletrónico da CPEE à informação disponível nos sistemas de informação Citius e SISAAE efetua-se através de credenciais de acesso fornecidas pelas respetivas entidades gestoras, sendo a prática de atos pela CPEE nos referidos sistemas efetuada por recurso a certificação digital, com aposição de assinatura digital. Cada ato efetuado contém a qualidade do utilizador, com base em certificado digital ou nos elementos de autenticação, sendo o certificado digital disponibilizado pela Câmara dos Solicitadores a cada um dos interessados previstos no número seguinte, em cumprimento dos requisitos de certificação digital eletrónica. Para efeitos de instrução do procedimento relativo à destituição de agentes de execução, o Citius e o SISAAE disponibilizam a informação constante do processo de execução em causa, o registo de cada diligência, notificação e ato processual praticados pelo agente de execução cuja destituição está em causa, incluindo as datas de receção no processo judicial das comunicações do agente de execução dirigidas ao tribunal e de receção das comunicações pelo agente de execução no SISAAE. O envio à CPEE, pelo tribunal ou pelo exequente que pratique os atos por via eletrónica, do pedido de destituição do agente de execução e a notificação da decisão da CPEE ao tribunal e ao exequente que pratique os atos por essa via, realizam -se preferencialmente por via eletrónica, sendo a notificação dirigida pela CPEE ao agente de execução para se pronunciar sobre o pedido de destituição e a pronúncia do agente de execução relativamente a esse pedido realizadas pela mesma via. A decisão de destituição de agente de execução num determinado processo de execução é diretamente executada pela CPEE no SISAAE, o que implica a desassociação do agente de execução destituído do processo judicial em causa, ficando a

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CPEE diretamente nos sistemas de informação em causa, os quais são geridos, respetivamente, pelo Ministério da Justiça e pela Câmara dos Solicitadores. Esta Portaria veio permitir à CPEE aceder por todos os meios à gestão/administração da conta-cliente por parte do agente de execução por se entender da gravidade para o agente de execução, e para a própria profissão/função da agência de execução o registo indevido/abusivo, a delapidação/descapitalização/desorganização (para não falar de crime de peculato) dos vários ex-agentes de execução (agora suspensos) relativo à contacliente. Assim a par da disponibilização pelo Citius e SISAAE da informação referente aos atos processuais praticados pelos agentes de execução, regulamentou-se o acesso à informação respeitante à movimentação de fundos das contas–clientes detidas pelo agente de execução efetuada no âmbito de cada processo, e ainda a possibilidade de comunicar com os demais operadores judiciários por via eletrónica e executar as suas decisões de forma direta no SISAAE. Desta forma, introduz-se um maior grau de transparência e de eficiência nos procedimentos adotados por todos os intervenientes no processo executivo, prevenindo-se a prática de expedientes dilatórios, e obtendo-se ganhos em termos da celeridade da tramitação processual, eficácia das execuções e poupança de recursos administrativos e financeiros. Na sua atividade fiscalizadora a CPEE, nos termos da parceria com o Ministério da Justiça e com a Câmara dos Solicitadores, através do Citius e do SISAEE respetivamente, a CPEE vai ter acesso31: a)

à lista de todos os processos de execução a cargo do agente de execução

fiscalizado, identificados pelo respetivo número de processo; b)

ao histórico de todos os processos de execução a cargo do agente de

execução fiscalizado, incluindo as datas de receção no processo judicial das informação disponível para consulta no processo. A aplicação de medidas cautelares aos agentes de execução em sede de processo disciplinar, em especial, a suspensão preventiva de funções e o bloqueio dos movimentos a débito das contas-clientes, o SISAAE disponibiliza a seguinte informação: (a) A contacorrente discriminada de cada processo de execução; (b) Em cada processo de execução, os movimentos efetuados na conta -cliente dos exequentes, contendo todas as quantias recebidas e destinadas a preparos, despesas e honorários do agente de execução arguido; (c) Em cada processo de execução, os movimentos efetuados pelo agente de execução arguido na conta –cliente dos executados, contendo todas as quantias recebidas e destinadas ao pagamento da quantia exequenda e demais encargos com o processo; (d) Os movimentos efetuados na conta-cliente dos exequentes e na conta-cliente dos executados, pelo agente de execução arguido. A CPEE notifica por via eletrónica o agente de execução da instauração de processo disciplinar, no caso de se verificar falta de provisão em qualquer contacliente ou se houver indícios de irregularidade na respetiva movimentação, e, ainda do prazo para corrigir ou sanar a irregularidade sob pena de aplicação de medidas cautelares, bem como, da aplicação das medidas cautelares consideradas necessárias quando a irregularidade não for corrigida ou sanada nas 48 horas previstas para o efeito, notificando pela mesma via os agentes de execução que assumam a responsabilidade das execuções em curso e a gestão das respetivas contas-clientes a cargo do agente de execução suspenso preventivamente de funções. O agente de execução arguido envia por via eletrónica o requerimento de resposta à notificação da CPEE. A decisão de aplicação pela CPEE da medida cautelar de suspensão preventiva de funções de agente de execução por mais de 10 dias é diretamente executada pela CPEE no SISAAE, o que implica a desassociação do agente de execução suspenso preventivamente de funções de todos os processos judiciais a seu cargo e a agregação do agente de execução designado pela CPEE para assumir a responsabilidade das execuções em curso e gestão das respetivas contas-clientes, ficando a informação disponível para consulta no respetivo processo 31 Vide artigo 10º da portaria nº 2/2012 de 2 de janeiro.

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comunicações do agente de execução dirigidas ao tribunal. Estamos efetivamente perante uma forma de fiscalização especial ou especifica pela forma como é levada a efeito, e que a CPEE designa de “Fiscalização desmaterializada/online”32. Numa abordagem liminar, podemos dizer que esta “atividade de fiscalização online” se consubstancia na possibilidade da CPEE, através de acesso eletrónico ao Citius/Habilus e ao SISAAE, disponibilizados respetivamente pelo Ministério da Justiça e pela Câmara dos Solicitadores, verificar o número de processos judiciais pendentes a cargo de cada agente de execução, dos atos processuais e executivos praticados em cada processo executivo, além do apuramento da duração (média) de cada processo executivo, e do levantamento contabilístico dos processos executivos que se encontram “parados” e há quanto tempo, e da análise dos movimentos da conta-cliente executado, tudo usando o suporte eletrónico, com as vantagens de obter informações exatas, verdadeiras, atuais, sem gastos em papel, sem possibilidade de serem manipuladas, forjadas ou falsificadas33, o que aumenta consideravelmente o grau de certeza na atividade sempre espinhosa da descoberta da verdade, quer para o instrutor do processo disciplinar, quer para o arguido, quer para os “queixosos”, que nesta fase são a própria Câmara dos Solicitadores e eventualmente a CPEE.34 Através da contribuição dos dados destas duas plataformas a CPEE pode promover a instrução dos processos disciplinares e aplicação das penas aos agentes de execução, quando for caso disso. Na instrução dos processos disciplinares dos agentes de execução e aplicação das respetivas penas disciplinares, o Citius disponibiliza o histórico de cada processo de execução, incluindo as datas de receção no processo judicial das comunicações do agente de execução dirigidas ao tribunal. Por outro lado, o acesso ao SISAAE permite obter o registo de cada diligência, notificação e ato processual praticado pelo agente de execução arguido em cada processo de execução, incluindo as datas de receção das comunicações pelo agente de execução no SISAAE, além da data em que o agente de execução cessou funções e o número de processos disciplinares pendentes na Câmara dos Solicitadores em relação ao agente de execução arguido no processo ou

32

In relatório da fiscalização da CPEE 2009/2010 consultado em www.cpee.pt em junho de 2012 A descoberta da verdade material, mais do que a verdade formal passa inevitavelmente pela produção de provas, ora quer o decurso do tempo, quer as vicissitudes pelas quais os sujeitos passam podem produzir distorções na produção/obtenção da prova, sendo que os recursos aos presentes suportes eletrónicos pode ser uma forma de ultrapassar esta atividade espinhosa…a não ser que esta “falsificação/reprodução/distorção de dados seja praticada pelo próprio administrador do sistema…num quadro de corrupção, de peculato ou de outros crimes do catálogo…branqueamento de capitais…tudo é possível…ainda que seja mera especulação… 34 Poderíamos levantar a questão de a Câmara dos Solicitadores e de a CPEE se constituírem assistentes no processo em caso de processo-crime. Fora esta hipótese, sempre se pode dizer que quando um agente de execução não faz bem o seu trabalho, quando viola os seus deveres, quando se apropria indevidamente das contas-clientes lesa frontalmente todos os agentes de execução, suja todos os que exercem esta profissão, esta função cujo “bom nome”, “imagem” devem a todo o custo ser preservados. Estão frescos na memória do coletivo os escândalos a este propósito. 33

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processos disciplinares. As penas disciplinares aplicadas ao agente de execução arguido são registadas e se no processo disciplinar houver indícios de irregularidade na movimentação das contasclientes ou falta de provisão em qualquer destas, o SISAAE disponibiliza toda a informação sobre as diligências e em consequência todo o fluxo de atos processuais praticados35 e o histórico completo, “biográfico”, do agente de execução, de forma a permitir o design de um quadro geral e específico sobre as atividades promovidas e sobre cada um dos atos praticados (ou omitidos) o que facilita a imediata descoberta de qualquer irregularidade, o urgente apuramento do grau de culpa e o apuramento dos danos produzidos com muita clareza, certeza jurídica, exatidão contabilística e celeridade com rigor probatório. Por outro lado ainda, e reforçando todo este arsenal de recolha de provas, o agente de execução substituto também colabora para o processo de descoberta da verdade, fazer um relatório sobre a situação dos processos executivos a cargo do agente de execução substituído (artigo 129º n.º 4 do ECS), com os respetivos acertos de contas, que cujo dever tem de enviar por via eletrónica à CPEE, que no âmbito da instrução e caso o entenda, pode notificar eletronicamente o agente de execução substituído e o agente de execução substituto para prestar os esclarecimentos relativos a todo o acervo de declarações juntas ao processo (artigo 8º, n.º 4 da Portaria 2/2012 de 2 de Janeiro). O agente de execução na qualidade de “arguido” por seu lado deve apresentar a sua defesa, proceder ao envio de elementos e dirigir requerimentos adicionais de prova que entenda relevantes para a sua defesa, com o fim da descoberta da verdade e com vista a carear para o processo tudo o que lhe for favorável por via eletrónica também, com o objetivo de não prejudicar o principio da celeridade e o principio da simplicidade e da descoberta da verdade, para que o processo possa ser justo e não causar danos pela demora, ou acabar por ser um estigma para o próprio agente de execução que se vê privado de exercer a sua atividade caso tenha sido suspenso preventivamente. No caso de aplicação a agente de execução de pena disciplinar de suspensão por período superior a 10 dias, ou de pena disciplinar de expulsão, a CPEE comunica o fato, preferencialmente por via eletrónica, ao tribunal e ao exequente que pratique os atos também por via eletrónica, sendo a decisão diretamente executada pela CPEE no SISAAE, o que implica a desassociação do agente de execução de todos os processos judiciais a seu cargo, ficando a informação disponível para consulta no processo36, o

que se

compreende porque o legislador entendeu que, se efetivamente o arguido se serviu do suporte eletrónico para praticar o ato ilícito e culposo, também deve atender as suas consequências disciplinares pela mesma via, prosseguindo também uma exigência de 35 36

Vide artigo 9º da portaria nº 2/2012 Vide artigo 11º da portaria nº 2/2012

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transparência do processo disciplinar, e o conhecimento público para os outros agentes de execução, os outros intervenientes no processo executivo e os membros da Câmara dos Solicitadores, com efeitos dissuasores para quem tenciona violar os seus deveres, ou não os tenciona cumprir atempadamente.

2.3.

O Dever de possuir uma contabilidade organizada ao abrigo do artigo 123º ECS O agente de execução deve possuir numa instituição bancária “banco” abertas

duas contas clientes: uma designada CCexecutado e uma designada CCexequente.37 Mas esta exigência de “gestão bancária” é uma questão cuja importância é transversal a toda a atividade do agente de execução. O agente de execução deve ter duas contas, mas estas contas devem ser geridas de acordo com um modelo contabilístico que lhe permita de fato apresentar um balanço e um balancete relativo aos movimentos das contas de forma a permitir a leitura rigorosa e objetiva dos movimentos efetuados pelo agente de execução. Há aqui duas grandes preocupações na gestão das contas do agente de execução: Em primeiro lugar o agente de execução deve demonstrar que efetivamente toda a sua atividade é legal e transparente aos órgãos de fiscalização da CPEE em caso de inspeção do escritório, Mas em segundo lugar e caso o escritório não seja objeto de fiscalização, o agente de execução deve manter a sua contabilidade organizada permitindo que o TOC – Técnico Oficial de Contas possa reconhecer e atribuir as várias verbas à rubrica contabilística a que pertencem, por forma a ter uma ideia exata dos movimentos contabilísticos do escritório do agente de execução. Este profissional, o agente de execução, também está obrigado a pagar impostos sobre a sua atividade, tal como todos os profissionais liberais ou não. Ou seja, o não é apenas um dever interno de organização do escritório do agente de execução, é também um dever externo de dar conta dos resultados obtidos com a atividade, além de dar contas da mesma para efeitos de liquidação de impostos, sob pena de ser sujeito a responsabilidade fiscal e tributária. (fiscalmente só esta obrigado ao regime de contabilidade organizada os previstos no art.º 123º do CIRC, as restantes podem optar pelo regime simplicado ou pela contabilidade organizada. Será que o facto do estatuto – art.º 123º/1 g) dizer “que tem que ter uma contabilidade organizada”, é suficiente para a administração fiscal agir junto dos agentes de execução que não possuam esta contabilidade? Não deveria esta obrigação constar dos códigos sobre o rendimento? Será 37

Nos termos do artigo g) do artº. 123º “ter contabilidade organizada de acordo com o modelo a aprovar pelo Conselho Geral”. Do artigo 124º do Estatuto Da Câmara dos Solicitadores e do artigo nos termos do artigo 2º nº1 do Regulamento das Contas–Clientes nº 286/2012 de 30 de Agosto.

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que o termo “contabilidade organizada” previsto no estatuto visa o mesmo sentido/alcance que tem para efeitos contabilísticos ou, apenas pretende que o Agente de execução tenha uma contabilidade (com organização) que permita ao órgão fiscalizador controlar todos os movimentos contabilísticos das contas-clientes, de forma rápida e eficaz?). O que acontece por exemplo, é que, se o agente de execução pedir na prática uma provisão para tratar de uma execução; a quantia pedida envolverá verbas destinadas ao pagamento das despesas do escritório com o processo, outras destinadas ao pagamento das custas com o processo, e ainda outras destinadas às diligências a efetuar de acordo com a fase (1, 2 e 3)38 em que o processo está. Será necessário clarificar o modo como o agente de execução gere as quantias recebidas e o modo como fez a gestão das quantias entregues na dinâmica da gestão das várias fases, cuja inexatidão/omissão acerca dos registos contabilísticos pode induzir o agente de execução à assunção de premissas erradas na incapacidade de descortinar o estado efetivo das contas. O risco de sobreposição, confusão e omissão de registos dentro do conjunto dos movimentos efetuados é elevado, e a longo prazo pode fazer incorrer o agente de execução em prejuízo económico e perdas cuja descoberta posterior no tempo pode pôr em risco a continuidade do agente de execução no exercício das suas funções. É imprescindível portanto manter este registo fidedigno: - quanto é que se gastou desde o início do processo até a data. - quanto é que se gasta com o que se deve fazer, e - quanto é que se poderá gastar previsivelmente ainda com o processo; Acresce ainda neste aspeto que o agente de execução é um gestor de negócios em nome do exequente/do mandatário do exequente e as despesas com o processo na fase de execução devem ser preliminarmente acordadas com o aquele, porque lhe caberá decidir se vale a pena avançar, ou seja, decidir sobre a oportunidade de executar a dívida e até onde pode ir em função da previsibilidade de cobrança. 38

Medidas para a eficácia da Ação Executiva, introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 226/2008, de 20 de Novembro e pela Portaria nº. 331-B/2009. O sistema de tramitação da ação executiva passa a extrajudicial, reservando-se para o juiz a intervenção provocada e dirimir incidentes, correndo os processos nos escritórios dos agentes de execução, a quem são cometidas novas competências, destacando-se a seguinte tramitação: A FASE 1 é constituída pelos seguintes atos: (1) A Recusa de recebimento do requerimento executivo (artº. 811º/1 CPC); (2) A Remessa do processo para despacho liminar, suscitando a intervenção do juiz (cfr. Artºs. 234-A/s e 812º-D do CPC); (3) Citação prévia (incluindo do executado se não forem encontrados bens) 812ºC do-CPC; (4) Pesquisas para identificação de bens e direitos penhoráveis; (5) Envio ao exequente de relatório das diligências para identificação de bens; (6) Pedido de provisão para a fase seguinte; A FASE 2 é constituída pelos seguintes atos: (7) a penhora de bens e/ou direitos; (8) a citação de Credores; (9) a citação de terceiros (cônjuges, titulares inscritos no registo); (10) o pedido de provisão para a fase seguinte; E a FASE 3 inclui (11) a venda; (12) a adjudicação; (13) os pagamentos; (14) a Elaboração da conta; (15) a extinção da execução).

129


Neste aspeto também é esperado do agente de execução um juízo de bom senso, orientado pela economicidade da sua ação, pela prudência e por um ditame de pronuncio mais ou menos certo do resultado possível no fim do processo, ou seja, acerca da utilidade do mesmo, evitando atos prescindíveis, supérfluos ou mesmo inconvenientes. O abuso de atos inúteis traz custos/despesas desnecessários, cuja existência pode ser uma fonte de responsabilidade disciplinar e contratual para o agente de execução. Se efetivamente este aconselha o exequente ou o seu mandatário na prossecução com a execução usando de reserva mental acerca da nulidade do resultado com a mesma, facilmente se descobrirá que o agente de execução não foi de todo em todo idóneo, isento, diligente, responsável e sério na sua atividade. O agente de execução terá violado os seus deveres deontológicos e incorrerá em responsabilidade perante a CPEE, além de que deverá ressarcir o exequente dos prejuízos causados. É fácil concluir que a utilização de um modelo contabilístico, com aprovação do Conselho Geral nos termos do artigo 123 n.º 1 alínea g) Estatuto da Câmara dos Solicitadores, será um instrumento imprescindível para a boa gestão do escritório do agente de execução. Desde logo, o agente de execução pode ser o primeiro a ser nomeado para tratar do processo, mas o processo pode já ser reencaminhado por um mandatário do exequente que tenha ficado (in)satisfeito com o trabalho de um colega39, ou seja, no âmbito de uma substituição. O agente de execução substituto tem de fazer as contas relativas ao processo, tem de conferir o que já foi gasto no processo, os atos que já foram praticados, e determinar o que é necessário ainda fazer para atingir o resultado pretendido. A determinação do saldo do processo (o balanço dos movimentos e o registo 39

A possibilidade de o Agente de Execução ser livremente substituído durante o curso de um processo executivo foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008 de 20 de Novembro, nos termos dos artigos 7.º com consagração nos artigos 808.º n.º 6 do Código de Processo Civil, com reflexos no Estatuto da Câmara dos Solicitadores e da Ordem dos Advogados. No decurso de uma acção executiva, o Exequente pode abertamente e sem invocação de qualquer motivo atendível proceder/requerer a substituição do Agente de Execução que está adstrito ao processo, por outro de sua escolha ou dependente de designação dos órgãos competentes da Câmara dos Solicitadores. Contrariamente ao regime legal atualmente em vigor, os processos entrados em juízo desde 15 de Setembro de 2003 até 30 de Março de 2009 (data de entrada em vigor das alterações ao Processo Executivo), a modificação processual da qualidade do Agente de Execução apenas poderia ocorrer mediante delegação total do processo ou por sua destituição em virtude de violação dos seus deveres deontológicos. O agente de execução apenas poderia ser retirado o processo executivo em curso na concreta medida em que, da sua atuação, resultasse a violação grosseira ou negligente dos deveres deontológicos e/ou processuais, conforme consagrava o art. 808.º n.º 4 do C.P:C. A apreciação da conduta competia ao Magistrado a quo, sem prejuízo da posterior apreciação e sujeição quanto a efeitos disciplinares, pela Câmara dos Solicitadores. Esta diferença de tramitação contrasta com a destituição judicial plasmada na antiga redação do artigo 808.º, n.º4 (que conduzia também à obrigatoriedade de instauração de um processo disciplinar, nos termos do artigo 130.º do ECS”). A diferença é a total ausência de motivação factualmente positivada e consagrada para que outro Agente de Execução ocupe a posição processual de outro, só relevando para o Exequente. Num juízo meramente discricionário poderá o Exequente/Mandatário exercer livremente o seu direito de substituir o agente de execução inicialmente nomeado ou designado oficiosamente, devendo o agente de execução substituído e o A.E. substituto dar cumprimento ao preceituado no art. 129.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores e nos termos do art. 7.º da Portaria 331-B/2009 de 31 de Março. Esta alteração legislativa tem como objetivo uma maior agilização processual: permitir ao Exequente proceder à alteração do Agente de Execução por outro de sua escolha e a promoção da eficácia e da celeridade processual das execuções.

130


das transações) é uma obrigação do agente de execução substituto, não obstante conviesse que o agente de execução substituído apresentasse um balanço e um balancete com as operações relativas ao processo, sendo este um argumento a ser usado por maioria de razão. Até para se proteger em relação a alguma ação de responsabilidade civil e/ou disciplinar, no caso de indícios de ter delapidado as contas-clientes (CCexecutado e CCexequente), de vir a ser acusado de gestão danosa, de desleixo em relação aos seus deveres deontológicos na condução do processo. Não tendo havido comunicação entre o agente de substituição substituído e o substituto, a não ser o a comunicação acerca de saber se as contas estão liquidadas nos termos do artigo 109º, alínea l), ex vi, artigo 123º, n.º 1 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, será sempre difícil e incerta a alocação das despesas aos movimentos efetivamente realizados, o que consubstancia de imediato a necessidade de ter uma contabilidade organizada, como se aponta, não apenas para salvaguardar o substituído, mas também o agente de execução substituto que vai tomar conta de um processo que em princípio findará nas suas mãos, correndo elevados riscos por não deter o controlo do fluxo de débitos e créditos realizados. Meramente a título de exemplo, se o processo for complexo, pode acontecer que o agente de execução substituto fique numa situação difícil de dever justificar documentalmente despesas que …não teve… mas que presume terem sido feitas à ordem do processo, sob pena de justificar montantes que são injustificáveis. A fiscalização das contas-clientes dos Agentes de Execução deve ser iniciada pela análise de um mapa de controlo dos movimentos40. Por aqui pode ser verificado a que processos correspondem os movimentos existentes, devendo constar dos processos os comprovativos de todos os movimentos de modo a que, por amostragem ou por qualquer outro modo que a Equipa/ Comissão de Fiscalização da CPEE o entenda fazer, possam ser verificados os diversos movimentos, permitindo assim obter conclusões sobre os valores existentes na conta. Ora, atendendo ao conjunto vastíssimo de elementos que a CPEE pode analisar nas suas atividades de fiscalização convirá certamente ao agente de execução não correr riscos desnecessários e estar munido de uma contabilidade organizada baseada num “modelo contabilístico” claro e completamente definido em função das necessidades dos agentes de execução. Trata-se da urgência em apresentar um modelo contabilístico básico para sustentar a contabilidade organizada do escritório do agente de execução com as suas especificidades que permita fornecer de imediato, com rigor contabilístico todos as informações pretendidas, ou seja, que permita:

40

-

Verificar as reconciliações bancárias, a sua periodicidade e a sua correção;

-

Rever a última reconciliação efetuada para averiguar da eventual existência

In relatório da fiscalização da CPEE 2009/2010 consultado http://www.cpee.pt/media/uploads/pages/RELATORIO_ANUAL_ACTIVIDADES_CPEE_2010_2011.pdf página 147.

em

131


de itens de reconciliação antigos em aberto;

-

Verificar se a movimentação efetuada nas contas-clientes cumpre o disposto

no Regulamento das Contas Clientes de Agente de execução;

-

Efetuar Analisar os movimentos a crédito das contas-clientes

-

Analisar os valores que pareçam excessivos para a atividade exercida;

-

Ver balancete e analisar a conta corrente dos processos.

Por outro lado, se a contabilidade estiver organizada, o agente de execução estará preparado para qualquer eventualidade na medida em que será também muito fácil e simples ter um escritório organizado e corresponder imediatamente às exigências de fiscalização e controlo por parte da CPEE:

a)

A existência para cada um dos processos de um dossier em papel ou em

suporte eletrónico com toda a informação do processo devidamente organizada;

b)

A existência de um suporte adequado para todos os atos, procedimentos e

despesas registadas na conta corrente do processo;

c)

A verificação do valor dos atos e procedimentos realizados de acordo com o

disposto na legislação aplicável;

d) e)

A inexistência de atos ou despesas registadas em duplicado; A realização de pagamentos efetuados de acordo com o disposto no

Regulamento da Conta Clientes do Agente de Execução;

f)

A inexistência de pagamentos ao Agente de Execução e a terceiros para além

dos valores provisionados pelo Exequente, ou de quantia exequenda recebida; (com a Portaria 308/2011 de 21 de Dezembro os pagamentos tem todos que ser efetuados por IUP – identificador único de pagamento. Atualmente, a aplicação informática não permite fazer pagamentos sem previamente estar no processo o valor igual ou superior ao que vamos transferir).

g)

A existência de um suporte adequado ao pagamento dos honorários e

despesas do processo;

h)

A análise do balancete com a antiguidade do saldo dos movimentos em

aberto (se o agente de execução não disponibilizar esta informação e no pressuposto que o SISAAE permite extrair esta informação) e questionar itens antigos em aberto, nomeadamente, os itens credores (os itens credores referem-se a recebimentos do exequente e do executado).

i)

A existência de um balanço dos fundos existentes.

132


2.4.

O conceito de “contabilidade organizada” para o Conselho Geral da CS Das alterações introduzidas no Estatuto da Câmara dos Solicitadores através do

Decreto-Lei nº. 226/2008, de 20 de Novembro, destaca-se o dever do agente de execução previsto na alínea g) do artº. 123º “ter contabilidade organizada de acordo

com o

modelo a aprovar pelo Conselho Geral”. Não sendo o Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores um órgão com competências próprias em matéria de contabilidade, nem possuindo os Agentes de Execução competência especifica em matéria contabilística, e atentos os deveres a que se encontram sujeitos relativamente à prestação de contas dos valores e bens à sua guarda no exercício da sua atividade investido de funções públicas, tinha sido mais do que justificado que os Estatutos da Câmara tivessem previsto um modelo de contabilidade universal, único para todos os profissionais do exercício da solicitadoria, e dentro deste modelo de forma específica contemplar o registo das atividades dos profissionais que exercem funções de agência de execução. Daqui resultaria que os agentes de execução estariam sujeitos a um plano de contas de modelo único oficial e de âmbito nacional. Um modelo que permitisse prestar contas às partes, ao Juiz do Processo, ao Representante do Ministério Público, à Administração Fiscal, a terceiros interessados e, de um modo geral a todos os clientes, fornecedores, entidades bancárias e trabalhadores, de forma única, adequada e de leitura e interpretação universal. Ora em decorrência da alteração ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores aprovado pelo Decreto-Lei nº. 226/2008, de 20 de Novembro, através da introdução do dever do agente de execução de “ter contabilidade organizada de acordo com o modelo a aprovar pelo Conselho Geral”, nos termos e para os efeitos da alínea g) do artº. 123º, justifica-se por dupla razão a necessidade de adotar um modelo contabilístico que tenha uma valência prática, com efeitos úteis na organização e na gestão do escritório como também, e como vimos já, para todos os efeitos legais. Esta

alteração

legal,

que

à

partida

poderia

passar

despercebida

no

multidimensional quadro dos deveres compreendidos no exercício da função da agência e execução, foi implementada com uma celeridade impressionante, quando comparada com a atividade do solicitador generalista41. Poder-se-ia pensar que o legislador teria acrescentado este dever “ como mais um conselho de organização e de gestão de um escritório”, e não como um preceito determinante do exercício daquela. Em 2011, a Portaria nº 308 de 21 de Dezembro regulamenta esta questão, indicando no preâmbulo que “ é imperioso incutir aos Agentes de Execução a relevância que deve ser dedicada à contabilidade processual e ao controlo das contas cliente do 41

Solicitador generalista, como um conceito sem conte do….mas que leva agora entendido como uma profissão residual em função desta especialidade).

133


agente de execução, considerando-se a necessidade de frequentemente se auditar processos na perspetiva contabilística/financeira, não só pela cessação de funções do agente de execução em determinado processo, como pela liquidação total do escritório por cessação de funções, situação que implica a determinação do saldo existente em cada processo, conciliando o somatório dos saldos apurados com as disponibilidades existentes nas contas bancárias “contas-cliente executado e exequente”. Exigências de controlo e de transparência na gestão dos processos executivos geridos pelo agente de execução determinaram a necessidade de criar um único modelo de

organização

contabilística,

com

a

funcionalidade

múltipla

de

responder

simultaneamente às necessidades de informação por parte da gestão, e de controlo por parte da atividade do agente de execução. A portaria nº 308/2011 apresentava já esse modelo de gestão, após a introdução de ajustes no código das contas relativo ao lançamento e à organização de diários para permitir que a contabilidade do escritório, em especial que a conta-cliente correspondesse às necessidades de controlo e de transparência. Em ultima ratio o que se pretendia é que preenchesse com sucesso as exigências estatutárias, regulamentares e disciplinares relativas às funções do agente de execução. A importância de que o agente de execução detenha uma contabilidade organizada em geral, e uma adequada contabilidade de cada processo em particular, é significante porque são instrumentos de gestão e de organização do escritório que permitem que a qualquer momento o Agente de Execução visualize com rigor o valor do seu património e o valor que consta na conta corrente de cada um dos processos que tramita. A questão abordada no presente trabalho de investigação é muito simples e tem esta razão de ser muito significante: o agente de execução movimenta somas de dinheiro que não lhe pertencem, e das quais não se deve apropriar para fins pessoais, sob pena de estar a cometer um ato fraudulento disciplinarmente punível, pelo que a sua idoneidade, a sua honestidade pode ser colocada em evidência a qualquer momento. Havendo a necessidade de estar em situação de mostrar que é um profissional responsável e cumpridor, o agente de execução deve poder a qualquer momento prestar prova/conta de que tem as contas organizadas e que sabe exatamente quanto é que o seu escritório tem e quanto é que está alocado aos processos executivos. A cooperação entre o Ministério da Justiça e a Câmara dos Solicitadores, na qualidade de entidades que do Plenário da CPEE e gestoras dos sistemas informáticos CITIUS e SISAAE, respetivamente, levou a que se regulamentassem medidas vertidas na Portaria nº 2/2012 de 2 de janeiro, concretizando as recomendações do Plenário da CPEE com vista ao funcionamento efetivo da ação executiva. A CPEE reforçou a agilização do exercício das suas competências de disciplina e de fiscalização da atividade dos agentes

134


de execução exercidas legalmente pela CPEE, em especial, em matéria de decisão acerca de impedimentos legais e suspeições.42 A CPEE passa a poder intervir nos sistemas informáticos CITIUS e SISAAE, nomeadamente, (a) consultar a tramitação processual de cada processo judicial e o respetivo histórico; (b) obter informações necessárias sobre a atividade dos Agentes de Execução nos processos judiciais a seu cargo; (c) Comunicar eletronicamente com os Magistrados, as Partes ou os seus Mandatários Judiciais e com os Agentes de Execução; (d) Executar diretamente as decisões da CPEE, assegurando a sua imediata e efetiva produção de efeitos43. A CPEE pode aceder imediatamente por via eletrónica a todos os registos das movimentações das contas-clientes exequentes e das contas-clientes executados, e fiscalizar a atividade dos Agentes de Execução “em tempo real”, porque acede a todos os registos das movimentações realizados nas contas-correntes no âmbito de cada Processo Judicial; A CPEE pode ainda ter acesso eletrónico e trimestral à lista dos processos executivos e dos Agentes de Execução pelos mesmos responsáveis, que não estejam a ser tramitados há mais de 3 (três) meses, a contar da data da prática da última diligência ou ato processual44. A CPEE implementou com a Portaria n.º 2/2012, de 2 de Janeiro a concretização das Recomendações n.º s 7, 8, 28 e 29, dirigidas ao Ministério da Justiça45 e em simultâneo as Recomendações n.º s 55, 64 e 69, dirigidas à Câmara dos Solicitadores46, todas elas referentes à promoção da transparência e ao controlo da ação executiva. 42

Ver preâmbulo da Portaria n.º 2/2012, de 2 de janeiro. Vide Portaria n.º2/2012, de 2 de janeiro. 44 Vide portaria nº 2/2012 A Portaria n.º 2/2012, de 2 de Janeiro, no sítio da CPEE na Internet, no campo “LEGISLAÇÃO E REGULAMENTOS / LEGISLAÇÃO”, em http://www.cpee.pt/media/uploads/pages/Portaria_2_2012_de_2_de_Janeiro.pdf consultado em Fevereiro de 2012. 45 As recomendações indicadas: recomendação 7-Desenvolvimento do Perfil próprio da CPEE no CITIUS – Rec.Julho.2010; recomendação 8 - Desenvolvimento no CITIUS de um mecanismo automático de desassociação do agente de execução suspenso de atividade por mais de dez dias pela CPEE, ou alvo da pena disciplinar de expulsão pela CPEE, e possibilidade de associação de outro agente de execução, em cada um dos processos executivos que estavam a cargo do agente de execução suspenso ou expulso (cfr. n.º 2 do artigo 125.º do ECS e artigo 8.º da Portaria n.º331-B/2009, de 30 de Março) – Rec.Julho.2010; recomendação 28-Previsão do acesso directo/electrónico da CPEE à vista que o Mandatário Judicial do Exequente tem no CITIUS, em todos os processos de um determinado Agente de Execução – Rec.Novembro.2011; recomendação 29-Colocação de “informação e alarmes electrónicos automáticos” no CITIUS, que serão enviados à CPEE sempre que o processo executivo esteja parado há mais de X meses (a determinar pela CPEE) – Rec.Novembro.2011; 46 Recomendação 55 - Criação do perfil da CPEE no SISAAE, permitindo o exercício das suas competências legais através de comunicação electrónica (comunicação electrónica entre a CPEE e cada Agente de Execução e a execução directa das decisões da CPEE) – Rec.Julho.2010; recomendação 64 Colocação de “informação e alarmes electrónicos automáticos” no SISAAE, que serão enviados à CPEE sempre que o processo executivo esteja parado há mais de X meses (a determinar pela CPEE) – Rec.Novembro.2011; recomendação 69 - Disponibilização no CITIUS ou de um acesso electrónico ao SISAAE, que permita ao Juiz, às partes, aos Mandatários Judiciais e à CPEE a visualização da contacorrente dos processos executivos (conciliação entre a conta-cliente e os actos processuais praticados pelo Agente de Execução) – Rec.Novembro.2011. 43

135


CAPITULO III

O SNC APLICADO À ATIVIDADE DA AGÊNCIA DE EXECUÇÃO

136


3.1 O surgimento do Sistema de Normalização Contabilística Na sequência do Regulamento n.º 1606/02, a Comissão de Normalização Contabilística (CNC) aprovou em 15 de Janeiro de 2003 um “Projeto de Linhas de Orientação de um Novo Modelo de Normalização Contabilística Nacional”, no qual propôs a aplicação do normativo do IASB (com as devidas adaptações) às restantes empresas não abrangidas pelo regulamento. Tendo por base aquele Projeto, a Comissão de normalização Contabilística aprovou em Julho de 2007 o novo “Sistema de Normalização Contabilística” (SNC), através do Decreto-Lei nº 158/2009, de 13 de Julho, que por sua vez revogou o POC e demais legislação complementar47, e que entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2010. O Decreto-Lei nº 158/2009 de 13 de julho vem explicar no seu preâmbulo todas as alterações pelas quais passou o modelo nacional de normalização contabilística para as empresas comerciais e industriais e outra. O POC foi, entretanto, objeto de sucessivas alterações, essencialmente motivadas pela necessidade de adaptação do modelo contabilístico nacional a instrumentos jurídicos comunitários. Assim de todas as alterações destaca-se a introduzida pelo Decreto -Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2003/51/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, relativa à modernização das diretivas contabilísticas48. No presente decreto-lei reafirma- se tal opção, agora no quadro do Sistema de Normalização Contabilística. O Regulamento (CE) n.º 1606/2002 veio estabelecer a adoção e a utilização, na Comunidade, das normas internacionais de contabilidade — International Accounting Standards (IAS) e International Financial Reporting Standards (IFRS) e interpretações conexas — International Financial Reporting Interpretations

Committee

(SIC/IFRIC),

dando,

assim,

resposta

às

crescentes

necessidades em matéria de relato financeiro no contexto das profundas alterações ocorridas nos últimos anos na conjuntura económica e financeira e que se traduzem, designadamente, pela concentração de atividades empresariais a nível nacional, europeu e mundial, desenvolvimento de grandes espaços, regionalização e globalização dos mercados financeiros e das bolsas de valores; liberalização do comércio e globalização da economia; internacionalização das empresas, criação de subsidiárias, fusões, aquisições, empreendimentos conjuntos e alianças estratégicas. Adicionalmente, o acompanhamento da dinâmica de adoção, pela UE, das normas internacionais de contabilidade, tendo em 47

Durante a vigência do POC-89, foram publicadas 29 Directrizes Contabilísticas e 5 Interpretações Técnicas (para além de alguns Decretos-leis, dos quais se destaca o DL n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro) que deixaram de vigorar desde de 1 de Janeiro de 2010, com a entrada em vigor do novo SNC. 48 Que alterou as Directivas n.os 78/660/CEE, 83/349/CEE, 86/635/CEE e 91/674/CEE, do Conselho, relativas às contas anuais e às contas consolidadas de certas formas de sociedades, bancos e outras instituições financeiras e empresas de seguros visando assegurar a coerência entre a legislação contabilística comunitária e as normas internacionais de contabilidade (NIC), em vigor desde 1 de Maio de 2002. Através deste decreto -lei, o Estado Português exerceu a opção prevista no artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, com respeito à aplicação das normas internacionais de contabilidade.

137


vista a sua absorção no quadro contabilístico nacional, que se pretende atualizado, apela a que se adotem procedimentos normativos suficientemente flexíveis. O legislador concluiu que “assim, a normalização contabilística nacional deverá aproximar-se, tanto quanto possível, dos novos padrões comunitários, por forma a proporcionar ao nosso país o alinhamento com as diretivas e regulamentos em matéria contabilística da UE, sem ignorar, porém, as características e necessidades específicas do tecido empresarial português. E, acrescenta, “consequentemente, procede -se à revogação do POC e legislação complementar criando-se o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que vem na linha da modernização contabilística ocorrida na UE que é constituído pelos elementos fundamentais que se enunciam em seguida. O preâmbulo do Decreto-Lei explica ainda que se trata de um «Código de contas», traduzido numa estrutura codificada e uniforme de contas, que visa acautelar as necessidades dos distintos utentes, privados e públicos, e alimentar o desenvolvimento de plataformas e bases de dados particulares e oficiais. Em que “as «Normas contabilísticas e de relato financeiro» (NCRF), núcleo central do SNC, adaptadas a partir das normas internacionais de contabilidade adotadas pela UE, cada uma delas constituindo um instrumento de normalização onde, de modo desenvolvido, se prescrevem os vários tratamentos técnicos a adotar em matéria de reconhecimento, de mensuração, de apresentação e de divulgação das realidades económicas e financeiras das entidades”. O Decreto-Lei n.º 158/2009 de 13 de julho ainda define que, conceptualmente, o SNC caracteriza-se por determinadas linhas mestras essenciais, como seja um corpo de normas coerente com as normas internacionais de contabilidade em vigor na UE e, por outro lado, com as atuais versões das quarta e sétima diretivas comunitárias sobre contas, respetivamente, de entidades individuais e grupos de sociedades. Em conexão com o primeiro aspeto indicado, o SNC é um instrumento moderno ao serviço daquelas empresas portuguesas que, não tendo valores mobiliários admitidos à negociação num mercado regulamentado, têm uma dimensão, uma estrutura de capitais ou uma presença em determinadas atividades que as colocam em pleno ambiente globalizado de negócios, parceiros e fontes de financiamento. Com capitais públicos ou privados, existe um significativo universo de grandes e médias empresas e grupos nacionais que carecem de produzir e divulgar demonstrações financeiras adequadas aos vários mercados onde operam ou onde se financiam. Tendo em conta as entidades a que se destina o SNC, no processo de adaptação das normas internacionais de contabilidade houve a preocupação de, sem distorcer a homogeneidade, a qualidade e a coerência globais, eliminar tratamentos pouco ou nada aplicáveis à realidade nacional e evitar níveis de exigência informativa porventura excessivos. Por outro lado, é criada uma norma especificamente destinada às entidades de menor dimensão que, assente na mesma filosofia de conceitos

138


e orientada pelos mesmos requisitos técnicos de referência, permite delimitar e simplificar num único documento, mais acessível e de mais fácil aplicação, as exigências contabilísticas mais comuns a esse universo. Assegura-se, assim, inteira compatibilidade e coerência entre os normativos aplicáveis aos seguintes três grandes grupos de entidades que operam em Portugal: Empresas com valores cotados que aplicam diretamente as normas internacionais de contabilidade; Restantes empresas dos sectores não financeiros, que aplicarão as NCRF; Empresas de menor dimensão que aplicarão a NCRFPE. É criada, deste modo, uma estrutura que pretende assegurar a coerência horizontal entre as normas, e, quanto às entidades a que se aplica, viabilizar uma fácil comunicabilidade vertical sempre que alterações na sua dimensão impliquem diferentes exigências de relato. Resumindo, trata-se de um modelo baseado nas normas do IASB adotadas na UE, garantindo a compatibilidade com as Diretivas Contabilísticas Comunitárias, sendo por isso criadas Normas Contabilísticas de Relato Financeiro (NCRF). É um modelo no qual se atende às diferentes necessidades de relato financeiro, pelo que foi criada uma norma destinada a entidades de pequena dimensão (NCRF-PE), com necessidades de relato mais reduzidas. Foi ainda criado um regime de Normalização contabilística para entidades do Sector não lucrativo (aprovado pelo DL 36-A/2011), que faz parte integrante do SNC. O normativo contabilístico português passou, de uma forma autónoma, a contar com um regime especial simplificado de normas e informações contabilísticas aplicáveis às microentidades (regime aprovado pelo DL 36-A/2011), que não é parte integrante do SNC, mas que recorre a conceitos e procedimentos contabilísticos enunciados por este. Deste modo, Portugal passou a dispor de normativos contabilísticos distintos. Às empresas cujos valores mobiliários estejam admitidos à negociação num mercado regulamentado de qualquer Estado Membro da União Europeia é aplicável o normativo contabilístico do IASB (NIC/NIRF e respetivas Interpretações) adotado na UE, por força do Regulamento 1606/2002. Às restantes empresas (exceto do sector da banca e seguros) é aplicável o SNC (modelo geral), e como tal as NCRF e respetivas interpretações, se bem que as entidades de menor dimensão possam adotar a NCRF-PE compreendida no SNC. Ainda sob a alçada do SNC é criado um regime de normalização para as entidades do sector não lucrativo (NCRF-ESNL). 3.2

Âmbito e conceitos fundamentais das Demonstrações Financeiras Nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 3º do Decreto–lei nº 158/2009, de 13 de Julho, o SNC

é de aplicação obrigatória às seguintes entidades: 

Sociedades abrangidas pelo Código das Sociedades Comerciais;

139


Empresas individuais reguladas pelo Código Comercial;

Estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada;

Empresas públicas;

Cooperativas;

Agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de interesse económico;

Entidades s/ fins lucrativos → NC-ESNL (aprovado pelo DL 36A-2011)

Outras entidades que, por legislação específica, se encontrem sujeitas ao POC ou venham a estar sujeitas ao SNC.

Analogamente ao que ocorria no nº 5 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 410/89, de 21 de Novembro (POC), o artº 10º do Decreto-lei que aprova o SNC, prevê uma cláusula de dispensa da sua aplicação a pessoas que, exercendo a título individual qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola, não realizem na média dos últimos três anos um volume de negócios superior a 150.000 €. Regime (opcional) para as Pequenas Entidades: No artigo 9º do Decreto-Lei que aprova o SNC, alterado pela Lei n.º 20/2010 de 23 de agosto, estabelecem-se as condições para que entidades com pequena dimensão possam optar por não aplicar o conjunto total de NCRF, mas apenas a NCRF-PE. Em conformidade com o nº 1 do artº 9, as entidades que não ultrapassem dois dos três limites seguintes podem optar pela aplicação da NCRF-PE (cujas contas não estejam sujeitas obrigatoriamente a CLC e que não integrem o perímetro de consolidação de uma entidade que apresente DF´s consolidadas): Total do balanço: 1.500.000€ Total das vendas líquidas e outros rendimentos: 3.000.000€ Nº de trabalhadores empregados em média durante o exercício: 50. Note-se que a adoção da NCRF-PE não é uma imposição, mas uma opção, podendo sempre as entidades, qualquer que seja a sua dimensão, aplicar o conjunto completo de NCRF. Um dos principais objetivos das demonstrações financeiras é o de proporcionar informação acerca da posição financeira e do desempenho financeiro de uma entidade que seja útil a uma vasta gama de utilizadores na tomada de decisões económicas. Para satisfazer este objetivo, as demonstrações financeiras proporcionam informação de uma entidade sobre os elementos que abordaremos nos subpontos seguintes.

140


Quanto aos elementos da posição financeira, destacam-se três: 

Ativo

Passivo

Capital Próprio

Ativo A alínea a) do §49 da EC do SNC define ativo como: “recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros”. Partindo desta definição podemos apontar três características básicas de um ativo, como sejam: Recurso controlado pela entidade: no sentido da entidade poder dispor dos rendimentos resultantes do elemento ou da contribuição do mesmo para os resultados da entidade;

-

Resultado de acontecimentos passados: a expectativa de transações a realizar ou de compromissos futuros a confirmar, não se traduz num ativo;

-

Fluir benefícios económicos futuros: “são o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, para o fluxo de caixa e equivalentes de caixa para a entidade” (§52 da EC do SNC). A definição de ativo dada no SNC assenta nos benefícios económicos futuros resultantes de um elemento. Esses benefícios económicos futuros podem chegar à entidade de várias formas, dependendo do uso ou utilização dada ao ativo, que pode ser (§54 da EC do SNC):

-

Usado isoladamente ou em combinação com outros ativos na produção de bens ou serviços para serem vendidos pela entidade;

-

Trocado por outros ativos;

-

Usado para liquidar um passivo;

-

Distribuído aos proprietários da entidade. Como características não básicas, ou não essenciais para que um elemento seja classificado como ativo, temos as seguintes:

-

A forma como um ativo pode surgir na entidade é diversa, mas a sua existência é independente do modo como este surge (por exemplo, pode ser a título gratuito ou a título oneroso);

-

O “corpo físico” não é essencial para a existência de um ativo; ou seja, um elemento não tem de ser tangível ou corpóreo para ser reconhecido como ativo;

141


-

A propriedade legal de um elemento não é imprescindível para que esse seja reconhecido como ativo, mas sim o que é determinante é o controlo dos benefícios resultantes do ativo (por exemplo: bens em regime de leasing). Passivo A alínea b) do §49 da EC do SNC define passivo como “uma obrigação presente da entidade proveniente de acontecimentos passados, da liquidação da qual se espera que resulte um exfluxo de recursos da entidade incorporando benefícios económicos”. Atendendo à definição de passivo podemos dizer que o passivo possui três características essenciais, a saber:

-

Obrigação presente: “dever ou responsabilidade para agir ou executar de certa maneira” (§59 da EC do SNC); “uma obrigação surge somente quando o activo é entregue ou a entidade entra num acordo irrevogável para adquirir o activo” (§60 da EC do SNC);

-

Resultado de acontecimentos passados (§62 da Ec do SNC);

-

Resulte num exfluxo de recursos: a fim de cumprir uma obrigação presente, a entidade deverá de dispor de recursos incorporando benefícios económicos. A forma como um passivo, ou uma obrigação presente, é liquidado pode ocorrer de diversas maneiras, a saber (§61da EC do SNC):

a) Pagamento a dinheiro; b) Transferência de outros ativos; c) Prestação de serviços; d) Substituição dessa obrigação por outra, ou e) Conversão da obrigação em capital próprio. Note-se que podem existir passivos cuja mensuração implique o recurso a valores estimados, contudo se esses satisfizerem a definição de passivo poderão ser classificados como tal, apesar do seu valor ser estimado. Capital Próprio A alínea c) do §49 da EC do SNC define capital próprio como “o interesse residual nos ativos da entidade depois de deduzir todos os seus passivos”. Quanto aos elementos do desempenho financeiro, destacam-se dois elementos: 

Rendimentos

Gastos

142


Rendimentos A alínea a) do §69 da EC do SNC define rendimentos como “aumentos dos benefícios económicos durante o período contabilístico na forma de influxos ou aumentos de ativos ou diminuições de passivos que resultem em aumentos no capital próprio, que não sejam os relacionados com as contribuições dos participantes no capital próprio”. A definição dos rendimentos engloba dois outros conceitos, a saber (§§72-75):

-

Réditos: Provêm do decurso das atividades correntes (ou ordinárias) de uma empresa (Por exemplo: vendas, prestação de serviços, juros, dividendos, rendas, etc).

-

Ganhos: “Representam outros itens que satisfaçam a definição de rendimentos e podem, ou não, provir do decurso das atividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade” (§73 da EC do SNC). Como também representam aumentos em benefícios económicos não são de natureza diferente dos réditos. Por exemplo, são ganhos os que provêm da alienação de ativos não correntes. Gastos A alínea b) do §69 da EC do SNC define gastos como “diminuições nos benefícios económicos durante o período contabilístico na forma de exfluxos ou deperecimentos de ativos ou na incorrência de passivos que resultem em diminuições no capital próprio, que não sejam as relacionadas com distribuições aos participantes no capital próprio”. Os gastos englobam dois outros conceitos, como sejam (§§76-78):

-

Gastos: resultam do decurso das atividades ordinárias ou correntes da entidade; por exemplo, incluem o custo das vendas, os salários, as depreciações, etc.

-

Perdas: representam outros itens que satisfaçam a definição de gastos e que podem, ou não, surgir no decurso das atividades correntes da entidade. Como também representam diminuições nos benefícios económicos não são de natureza diferente dos gastos; estas incluem, por exemplo, as que provêm da alienação de ativos não correntes, as resultantes de sinistros, entre outras. 3.3 Modelo de Plano de Contas adaptado do SNC para a atividade do Agente de Execução É

possível

num

único

modelo

de

organização

contabilística

responder

simultaneamente às necessidades de informação por parte da gestão e à determinação da matéria coletável em sede de IRS e demais obrigações legais, bem como ao controlo da atividade do agente de execução. Pelo que é possível ao agente de execução “ter contabilidade organizada de acordo com o modelo a aprovar pelo Conselho Geral” nos termos e para os efeitos da alínea g) do artº. 123º da alteração aos Estatutos da Câmara

143


dos Solicitadores aprovada pelo Decreto-Lei nº. 226/2008, de 20 de Novembro. Assim, torna-se imperioso incutir aos Agentes de Execução a relevância que deve ser dedicada à contabilidade processual e ao controlo das contas cliente do agente de execução, atenta a necessidade de com frequência se auditar processos na perspetiva contabilística/financeira, não só pela cessação de funções do agente de execução em determinado processo, como pela liquidação total do escritório por cessação de funções, situação que implica a determinação do saldo existente em cada processo, conciliando o somatório dos saldos apurados com as disponibilidades existentes nas contas bancárias “contas-cliente executado e exequente. O controlo do saldo dos processos permitirá ao agente de execução ou a quem liquide o seu escritório, conhecer o saldo de cada processo a cada momento e pelo somatório destes comparar com as contas bancárias obrigatórias. Com a proposta apresentada efetuam-se alguns ajustes no código das contas de lançamento e na organização de diários que irão permitir que a contabilidade corresponda ao desiderato supra referido e cumpra as exigências Estatutárias e Regulamentares da Câmara dos Solicitadores. Uma contabilidade organizada em geral, e uma adequada contabilidade de cada processo em particular, permitirá que a qualquer momento o Agente de Execução conheça o valor do seu património e o valor que consta na conta corrente de cada um dos processos que tramita. De seguida apresenta-se uma proposta de Plano de Contas nos termos do SNC, contemplando as principais contas utilizadas pelos agentes de execução.

12 – Depósitos bancários 1201 – Banco alfa (gestão do escritório)

12.1 – Banco Millennium-Bcp 12.1.1 – Conta-cliente Exequente 12.1.2 – Conta-cliente Executado 21 – Clientes 21.1 – Clientes c/c 21.1.1.500000001 – Exequente – Banco x, Sa 21.1.1.500000002 – Exequente – Loja y, Lda 21.1.1.500000003 – Exequente – Luís Alírio 21.1.1.500000004 – Exequente – Financeira Z, Sa

144


24 – Estado e outros entes públicos 24.1 – Imposto sobre o rendimento 24.1.1 – Pagamentos por conta 24.1.2 – Retenção na fonte 24.1.2.50000001 – Exequente – Banco x, Sa 24.1.2.50000002 – Exequente – Loja y, Lda 24.1.2.50000003 – Exequente – Luís Alírio 24.1.2.50000004 – Exequente – Financeira Z, Sa

24.2 – Retenção de Impostos s/ Rendimentos 24.2.1 – Trabalho Dependente 24.2.2 – Trabalho Independente 24.2.2.100000001 – Ag. Execução C. Freitas 24.2.2.100000002 – Ag. Execução Maria Bernardina 24.2.2.100000003 – Senhorio – António Fagundes 24.2.2.100000004 – Avaliador – Alfredo Cunha 24.2.2.100000005 – Serralheiro – José Silva

24.3 – Imposto sobre o valor acrescentado 24.3.2 – Iva dedutível 24.3.3 – Iva liquidado 24.3.5 – Iva apuramento 24.3.6 – Iva a pagar 24.3.7 – Iva a recuperar 27 – Outras contas a receber e a pagar 27.6 – Adiantamentos por conta de Honorários e Despesas 27.6.500000002 – Loja y, Lda

27.8 – Outros devedores e credores 27.8.1 – Valores a recuperar 27.8.1.001230921 – Processo nº. 123/09.2TBMAI 27.8.1.327680561 – Processo nº. 32768/05.6TBGDM 27.8.1.000380961 – Processo nº. 38/09.6TBPRD

27.8.2 – Entidades Depositantes 145


27.8.2.500000010 – Entidade Patronal beta, Lda 27.8.2.500000020 – Banco B, SA – Penhora de saldos bancários 27.8.2.500000030 – Comprador de bem penhorado x, Lda 28 – Diferimentos 28.2 – Rendimentos a reconhecer 28.2.1 – Atos praticados 28.2.1.327680561 - Processo 32768/05.6TBGDM 28.2.1.001230921 – Processo 123/09.2TBMAI 28.2.1.000380961 – Processo 38/09.6TBPRD

6…. GASTOS Apenas os custos não diretamente relacionados com processos devem ser movimentados nesta classe, nos termos previstos no SNC: Exemplos: Fatura mensal dos CTT Fatura mensal pelo consumo de eletricidade Ordenados e encargos sociais Os custos diretamente relacionados com um determinado processo – comprovativo da despesa emitido em nome do exequente - devem ser movimentados a débito da conta: 27.2.1.2 – Despesas elegíveis a recuperar Exemplos: Pagamento de Registo de Penhora Automóvel Pagamento de Remuneração Bancária (artº. 861º-A, nº. 12 do CPC)

72 – Prestações de Serviços 72.1 – Honorários – Fase 1 72.2 – Atos Praticados em Processo Executivo 72.2.1 – Portaria 708/2003 72.2.2 – Portaria 331-B/2009

72.3 – Honorários finais em Processo Executivo 72.3.1 – Portaria 708/2003 72.3.2 – Portaria 331-B/2009

72.4 – Honorários por citações/notificações 72.4.1 – Portaria 708/2003 72.4.2 – Portaria 331-B/2009

72.5 – Outras

146


3.4.

Contabilização de alguns atos praticados pelo agente de execução Para exemplifica a aplicação do plano de contas proposto, faz-se de seguida a

simulação de alguns registos representativos de factos patrimoniais que podem ser praticados pelos agentes de execução. Considera-se para efeitos de abertura de escrita que o agente de execução abriu uma conta bancária na CGD para a gestão do seu escritório, com recurso a capital próprio que se designa como Capital Individual:

1)

Depósito CGD - 1.000,00 €

Contabilização:

2)

A Débito – 1201 –

1.000,00 €

A Crédito – 51.1 –

1.000,00 €

Transferência bancária – Fase 1

Pela identificação da transferência bancária, na conta-cliente exequente, relativa ao valor da fase 1: Contabilização:

3)

A Débito – 1211 –

127,50 €

A Crédito – 2111500000001 -

127,50 €

Pela contabilização do recibo de quitação do valor da Fase1:

Pressupostos: Agente de Execução é sujeito passivo de IVA; Entidade Pagadora está sujeita a retenção de IRS;

Honorários Fase 1

127,50 €

Iva à taxa de 23%

29,33 €

Retenção de IRS à taxa de

(27,41 €)

21,5% Total:

129,42 €

Contabilização: A Débito – 2111500000001 -

129,42 €

A Débito – 2412500000001 -

27,41 €

A Crédito – 721A Crédito - 2433-

127,50 € 29,33 €

147


4)

Pela retirada dos honorários da fase 1:

Contabilização:

5)

A Débito – 1201

-

127,50 €

A Crédito – 1211

-

127,50 €

Pela Contabilização de Despesas, comprovadamente relacionadas com o processo

32768/05.6TBGDM: Pagamento de registo de penhora s/ veículo – 33,00 € Pagamento de Remuneração Bancária – 5,10 € (nº. 12 do Artº. 861º-A do CPC)

Contabilização: A Débito – 211150000001 –

33,00 €

A Crédito – 1211-

33,00 € e,

A Débito – 2111500000001–

5,10 €

A Crédito – 1211-

5,10 €

6) Pela Contabilização de Despesas, comuns a vários processos: Exemplo 6.1 – Compra de papel 12,30 €, com iva incluído à taxa de 23%, paga por banco; Exemplo 6.2 – Fatura mensal dos CTT, no valor de 150,00 €, paga pelo banco; Exemplo 6.3 – Reparação – 50,00 € c/ Iva incluído - veículo de serviço ligeira de passageiros, pago pelo banco; Contabilização:

6.1

Compra de papel

10,00 €

IVA à taxa de 23%

2,30 €

Total

12,30 €

148


A Débito – 6233 –

10,00 €

A Débito – 2432 –

2,30 €

A Crédito – 1201 – 12,30 €

6.2

6.3

Factura dos CTT

150,00 €

A Débito - 6262 –

150,00 €

A Crédito – 1201 –

150,00 €

Reparação do veículo

50,00 €

A Débito – 6226 –

50,00 €

A Crédito – 1201 –

50,00 €

7) Pelos atos praticados em processos executivos: (Tarifas aplicáveis nos termos da Portaria e 331-B/2009 – Anexo I)

7.1 – Auto de penhora diligência externa

- 81,60 €

7.2 – Citação após penhora (co-executado)

- 20,40 €

7.3 – Auto de penhora de veículo

- 25,50 €

Contabilização:

7.1 – Auto de penhora diligência externa A Débito - 2111500000002 –

81,60 €

A Crédito 2821001230921 –

81,60 €

7.2 - Citação postal após penhora (co-executado) A Débito - 2111500000001 –

20,40 €

A Crédito - 2821327680561 –

20,40 €

149


7.3 – Auto de penhora do veículo: A Débito - 2111500000001 –

25,50 €

A Crédito - 2821327680561 –

25,50 €

8) Notificação dirigida à Entidade Patronal “A” que, respondeu, confirmando a obrigação de proceder aos descontos e depósitos: 8.1)

Processo nº.123/09.2TBMAI;

Limite da penhora: 5.000,00 euros; Contabilização:

8.2)

A Débito: 2782500000010 –

5.000,00 €

A Crédito: 2781001230921–

5.000,00 €

Transferência Bancária relativa à Penhora de Créditos, realizada pela Entidade Patronal “A”:

Processo nº.123/09.2TBMAI; Limite da penhora: 5.000,00 euros; Contabilização: A Débito: 2781001230921 –

4.500,00 €

A Crédito: 2782500000010 –

4.500,00 €

e, A Débito: 1212 -

4.500,00 €

A Crédito: 2111500000002 -

4.500,00 €

9) Identificada a transferência bancária, na conta-cliente exequente, relativa a um pedido de reforço de provisão, no valor de 200,00 €, emite-se o correspondente recibo de quitação: Pela emissão do documento de quitação do reforço de provisão:

Para actos praticados

81,60 €

Para actos/despesas a praticar

115,45 €

IVA à tx 23% s/ 200,00 €

45,32 €

Retenção de IRS (21,5%)

(42,37 €)

Total

200,00 €

150


Contabilização:

A Débito – 1211 -

200,00 €

A Débito – 2412500000002 -

42,37 €

A Crédito – 2433 -

45,32 €

A Crédito – 7222 –

81,60 €

A Crédito - 276500000002 -

115,45 €

Pela regularização do lançamento efetuado em 7.1)

A Débito – 2821001230921 –

81,60 €

A Crédito - 2111500000002 -

81,60 €

BALANCETE APÓS CONTABILIZAÇÃO DAS SIMULAÇÕES Conta

Designação

Saldos Devedores

Credores

1201

Caixa Geral de Depósitos

915,20

12.11

Conta-cliente-Exequente

161,90

12.12

Conta-cliente-Executado

4.500,00

2111500000001

Banco X, S.A.

2111500000002

Loja, Lda.

2412500000001

Banco X, S.A.

27,41

2412500000002

Loja, Lda.

42,37

85,92 4.500,00

151


2432

Iva Dedutível

2433

Iva Liquidado

276500000002

Adiantamentos-Loja, Lda.

115,45

2781001230921

Proc.123/09.2TBMAI

500,00

2782500000010

Entidade Patronal, Lda.

2821327680561

Proc. 32768/05.6TTBGDM

51.1

Capital Individual

6226

Conservação e Reparação

50,00

6233

Material de Escritório

10,00

6262

Comunicação

721

Honorários Fase1

7222

Actos Praticados–P.331-B/2009

Totais

2,30 74,65

500,00 45,90 1.000,00

150,00 127,50 81,60 6.445,10

6.445,10

ANÁLISE DO BALANCETE

 Meios Financeiros Líquidos: Do depósito inicial, o Agente de Execução pagou despesas de expediente geral do escritório, cujo custo no valor de 212,30 € é superior aos honorários retirados no valor de 127,50 €, reduzindo as disponibilidades na conta bancária do escritório para 915,20 €; A conta-cliente Exequente revela uma disponibilidade de 161,90 €, correspondente ao adiantamento do exequente “Loja, Lda.” no valor de 200,00 € deduzido das despesas comprovadas referentes ao registo da penhora do veículo no valor de 33,00 € e ao pagamento de remunerações bancárias no valor de 5,10 €; A Conta-cliente Executado revela um saldo positivo de 4.500,00 € correspondente à

152


recuperação parcial do crédito exequendo do processo 123/09.5.6TBGDM;

 Contas a Receber e a Pagar: O Banco X, S.A., deve 85,92 €, referente aos atos praticados (citação após penhora do co-executado e ao auto de penhora de veículo) e às despesas realizadas com o pagamento do registo da penhora do veículo e despesas bancárias pela notificação para a penhora de saldos bancários, no âmbito do processo 37268/05.6TBGDM; O Exequente “Loja, Lda.” é credor de 4.500,00 €, referente ao valor recuperado pela penhora no vencimento do executado; As retenções de IRS realizadas ao Agente de Execução pelo Banco X, S.A. no valor de 27,41 € e pela Loja, Lda. no valor de 42,37 €, encontram-se evidenciadas nas contas 2412500000001 e 241500000002;

 Contas a Receber e a Pagar O Processo 32768/05.6TBGDM acusa saldo negativo de 45,90 €, evidenciado na conta 2821327680561, relativo aos dois atos praticados pelo Agente de Execução (citação postal do co-executado e Auto de Penhora do veículo, sem provisão; A Exequente “Loja, Lda.” é credora de 115,45 €, correspondente ao valor provisionado para atos e despesas a realizar; O Processo 123/09.2TBMAI tem saldo negativo de 500,00 €, evidenciado na conta 2781001230921, proveniente da recuperação de 4.500,00 € dos 5.000,00 € expectáveis; À Entidade Patronal, Lda. ainda falta descontar e depositar a quantia de 500,00 €, conforme evidência o saldo da conta 2782500000010, para concluir o processo pela recuperação total do limite de penhora que lhe foi indicado no valor de 5.000,00 €, havendo depositado 4.500,00 €; No período em apreciação, a diferença de Iva é favorável ao Estado e, após apuramento, será de 72,35 € o valor a pagar, correspondente à diferença contabilizada entre Iva Liquidado (74,65 €) e o Iva Dedutível (2,30 €);

 Capital, reservas e resultados transitados O Capital inicial do Agente de Execução é de 1.000,00 €. A variação ocorrerá sempre que exista reforço ou redução por entradas ou saídas de capital ou, no final do exercício, após apuramento dos resultados líquidos, na proporção dos lucros não levantados ou dos prejuízos sem reforço de capital;

153


Relação entre Gastos e Rendimentos durante o período em análise: O Agente de Execução gastou: Conservação

e

Reparação

de

50,00 €

Veículo Material de Escritório

10,00 €

Despesas de Comunicação

150,00 €

210,00 €

e, obteve os seguintes rendimentos:

3.5.

Honorários (Fase1)

127,50 €

Honorários (Atos praticados)

81,60 €

209,10 €

Vantagens e Limitações do modelo proposto As principais vantagens do modelo proposto integrado na contabilidade organizada

são as seguintes: 

Uma organizada e adequada contabilidade de cada processo permitirá que a qualquer momento o Agente de Execução conheça o valor que consta na conta corrente de cada um dos processos que tramita.

Uma contabilidade organizada permite a necessária separação entre o património particular do Agente de Execução (honorários e reembolso de despesas a que o mesmo tem direito) e o património de Terceiros (provisões recebidas em excesso ao valor dos honorários e quantias exequendas recuperadas e ainda não devolvidas).

Uma contabilidade organizada permite um maior controlo sobre a atividade do agente de execução. Sendo respeitados os pressupostos subjacentes e as características qualitativas da informação financeira, a contabilidade contribuirá para criar um ambiente dissuasor de tentativas de fraude.

Com o modelo proposto é possível o controlo do saldo dos processos, permitindo ao agente de execução conhecer o valor de cada processo a cada momento, possibilitando, por exemplo, o conhecimento das importâncias relativas aos atos já praticados, os valores provisionados e despesas a realizar bem como os valores já recuperados. O único inconveniente é a necessidade de recursos, mais humanos que materiais,

para implementar e elaborar a contabilidade. Num pequeno escritório com poucos movimentos/processos pode ficar dispendioso. Para aqueles negócios de razoável ou significativa dimensão é imprescindível.

154


CONCLUSÃO Na tentativa de intervir, reduzindo a elevada pendência de processos judiciais e na morosidade da justiça que já então se fazia sentir, para a qual muito contribuiu a enorme variedade de títulos executivos e as razões históricas que incrementaram o consumo do cidadão português potenciado pela facilidade na concessão de crédito bancário, surge a reforma da ação executiva com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº. 38/2003, de 8 de Março que introduziu no ordenamento jurídico português um novo agente judiciário, o Agente de Execução a quem foram conferidas funções públicas sem com isso perder a sua condição de profissional liberal, numa clara intenção de desjurisdicionalizar, dispensando o juiz para a sua principal missão de julgar e aplicar a lei, fazendo-se em tempo útil, justiça! Todavia, não conseguiu o legislador prever as razões, endógenas como a racionalização dos recursos afetos aos serviços da justiça que se dispersam na gestão de processos pendentes e em meras rotinas de controlo e movimentação dos mesmos, associados ao efeito que a própria intervenção para solucionar os problemas, não raras vezes apenas os consegue deferir para momento, serviço ou rotinas diversas e consequente necessidade para voltar a intervir, nomeadamente em espaço, meios e recursos humanos e, exógenas potenciadas por uma crise económica e financeira com forte impacto no crescimento da taxa de desemprego e graves consequências ao nível do incumprimento de contratos com força executiva bastante, o que motivou ainda maior recurso à ação executiva e consequente aumento da pendência. Rapidamente se concluiu pela necessidade de proceder a alterações, com particular incidência na redução dos constrangimentos detetados, pela falta de Juízos de Execução e deficiente distribuição dos Solicitadores de Execução, causando vazios nas comarcas do interior e, pela necessidade de clarificar as funções dos vários intervenientes com particular destaque para as funções do Juiz e do Agente de Execução. A par desse trajeto, foi necessário percorrer também um longo percurso na agilização de procedimentos com recurso aos meios informáticos tanto ao nível da comunicação telemáticas e depósito de documentos, como ao nível do acesso a bases de dados para identificação dos executados e do seu património. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei 226/2008, de 20 de Novembro e da Portaria 331-B/2009 de 30 de Março, procurou o legislador introduzir medidas que influenciasse diretamente a tramitação processual civil, reduzir constrangimentos, alterando o Estatuto da Câmara dos Solicitadores para criar a Comissão para a Eficácia das Execuções com poder disciplinar e de Fiscalização sobre os Agentes de Execução e alargando o campo de recrutamento destes, abrindo vagas para admissão a Solicitadores e Advogados, procurando com todas essas e outras intervenções pontuais, contribuir para melhorar a eficácia da reforma.

155


Todavia, ficou o legislador aquém do que dele esperariam os Agentes de Execução em matéria de clarificação de matérias colaterais à tramitação processual civil, cuja omissão contribui para o desperdício de recursos operacionais e financeiros que poderiam e deveriam ser aplicados ao serviço da recuperação. De facto, a violação do dever de regular eficazmente a profissão “Agente de Execução” quer em matérias fiscais, quer em relação ao seu dever de prestar contas. De facto, as profissões de Solicitador e Advogado apenas servem como condição inicial para definir a formação básica dos candidatos a Agentes de Execução, porquanto não só não se encontram as funções do Agente de Execução definidas na Lei do Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores como não se encontram sujeitos, ao contrário daqueles, ao dever de guardar sigilo profissional. Trata-se de facto de uma nova profissão liberal, o Agente de Execução que, tal como os Técnicos de Contas, Revisores Oficiais de Contas e Administradores de Insolvência estão sujeitos a exame de admissão e têm origem em profissões diversas, deveria constar da Tabela de Atividades do artigo 151º do Código de Imposto de Rendimentos de Pessoas Singulares. Acresce que, tal omissão poderá obstar a que aos sócios de uma sociedade de Agentes

de

Execução

com

origem

nas

diferentes

profissões

de

origem

Advogado/Solicitador – possa ser aplicada uma solução diversa da aplicada fiscalmente aos que exerçam a sua atividade inseridos numa sociedade de Agentes de Execução com origem em profissões idênticas – Advogado/Advogado ou Solicitador/Solicitador. Enquanto a estes últimos se aplica o regime de transparência fiscal por estarem coletados com a mesma profissão, aos primeiros por se encontrarem fiscalmente registados com profissões diferentes não se aplica aquele regime fiscal. Também o regime de contabilidade e da prestação de contas aplicável ao Agente de Execução, que no exercício de funções públicas é detentor de bens e valores que movimenta a favor do exequente, a seu favor e a favor de terceiros, provenientes de penhoras e provisões para actos e despesas a realizar ao serviço da justiça, justifica norma específica. De facto, deve o Agente de Execução, o Exequente, o Executado, a Comissão para a Eficácia de Execuções, o Juiz e Terceiros com interesse na execução, conhecer com rigor as regras, as obrigações e os meios necessários ao controlo e transparência da profissão, tanto a nível processual como a fiscal e financeiro, com recurso ao SNC – Sistema de Normalização Contabilística. A omissão, ainda que seja pela falta de adaptação ou aperfeiçoamento das normas existentes, ao longo de mais de oito anos de atividade, contribui para a desresponsabilização, para a perda de credibilidade individual e coletiva, para odiosas oportunidades de elementos menos escrupulosos ou rigorosos na gestão e todos esses motivos para os atrasos na justiça motivados pela enorme dificuldade na liquidação dos

156


escritórios dos Agentes de Execução por cessação voluntária ou coerciva das funções. Incorre no risco de responsabilidade civil extracontratual o Estado Português, tanto pela omissão ao seu dever de legislar ou aperfeiçoar, como pelos atrasos da justiça a que dá causa pela omissão. Com o modelo proposto integrado na contabilidade organizada será possível que a qualquer momento o Agente de Execução conheça o valor que consta na conta corrente de cada um dos processos que tramita, permitindo a necessária separação entre o património particular do Agente de Execução (honorários e reembolso de despesas a que o mesmo tem direito) e o património de Terceiros (provisões recebidas em excesso ao valor dos honorários e quantias exequendas recuperadas e ainda não devolvidas). De referir também que uma contabilidade organizada permite um maior controlo sobre a atividade do agente de execução. Sendo respeitados os pressupostos subjacentes e as características qualitativas da informação financeira, a contabilidade contribuirá para criar um ambiente dissuasor de tentativas de fraude.

157


Bibliografia Textos de apoio:

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Acórdão STJ de 17.04.2008, acedido em 01.09.2013 em www.dgsi.pt Acórdão TRL de 11.03.2010, acedido em 01.09.2013 em www.dgsi.pt

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Acordão TRL de 11.03.2010, acedido em 01.09.2013 em www-dgsi.pt

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CARLOS, M. O Segredo Profissional do Advogado (09/2004), Prémio Bastonário Doutor Adelino Palma Carlos;

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De QUADROS, Fausto. A responsabilidade civil extracontratual do Estado – problemas

gerais

(02/2012),

acedido

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01.09.2013

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http://www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-eeventos/anexos/sections/informacao-e-eventos/anexos/prof-doutor-faustode/downloadFile/file/Fq.pdf?nocache=1210675906.12,

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Despacho de carácter vinculativo, proferido pelo Director-Geral dos Impostos (2009/12/28), Processo nº 3716/2008

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Despacho de Dispensa de Segredo Profissional nº. 2/2008, proferida pelo Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados;

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Manual de Procedimentos de Apreciação Liminar e de Processo Disciplinar da CPEE

2009/2010,

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01.09.2013

em

http://www.cpee.pt/media/uploads/pages/manual_de_apreciacao_liminar_e_pr ocesso_disciplinar_2009-2010.pdf

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Manual

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de Fiscalização – CPEE 2009/2010, in 2012

http://www.cpee.pt/media/uploads/pages/manual_de_procedimentos,

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-

Relatório Breve do Observatório Permanente da Justiça sobre os Bloqueios ao Andamento

dos

Processos

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Propostas

de

Solução,

in

http://opj.ces.uc.pt/pdf/08.pdf

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Sentenças Proferidas em 12 e 18 de Março de 2009, pela Mmª. Juiz Drª Paula Monteiro do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua, processo nº 279/07.7TAPRG;

Legislação:

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Aviso nº 15652/2009, de 7 de Setembro, Estrutura Conceptual do SNC.

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Aviso nº 15653/2009, de 7 de Setembro, NI do SNC.

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Aviso nº 15654/2009, de 7 de Setembro, NCRF-PE do SNC.

158


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Aviso nº 15655/2009, de 7 de Setembro, NCRF do SNC.

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Aviso nº 6726-A/2011, de 14 de Março, NC-ME

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Aviso 6726-B/2011, de 14 de Março, NC - ESNL

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Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8 de Março, in http://www.dre.pt;

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Decreto-Lei n.º 226/2008 de 20 de Novembro, in http://www.dre.pt;

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Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, Sistema de Normalização Contabilística (SNC), com alteração da Lei 20/2010, de 23 de Agosto

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DL 36-A/2011, de 9 de Março, Regime de Normalização Contabilística para Microentidades

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DL 36-A/2011, de 9 de Março, Regime de Normalização Contabilística para Entidades do Sector Não Lucrativo

-

Estatuto da Câmara dos Solicitadores, Sistema de Normalização Contabilística

-

Portaria 331-B/2009 de 30 de Abril

-

Portaria nº 986/2009, de 7 de Setembro, modelos de demonstrações financeiras de acordo com o SNC.

-

Portaria nº 1011/2009, de 10 de Setembro, Código de Contas do SNC.

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Portaria nº 104/2011, de 14 de Março, modelos de demonstrações financeiras para ME

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Portaria nº 107/2011, de 14 de Março, Código de Contas para ME

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Portaria nº 105/2011, de 14 de Março, modelos de demonstrações financeiras e mapas para ESNL

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Portaria nº 106/2011, de 14 de Março, Código de Contas para ESNL

Referências Bibliográficas:

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Amorim, J.C. (2010). Sistema de Normalização Contabilística, Grupo editorial Vida Económica.

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Correia, J.M (2007). Transparência fiscal das sociedades profissionais, Fisco, nº 7 in Basto, José Guilherme Xavier, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora.

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Eduardo P.; Helena C. O Processo Executivo e o Agente de Execução (2009). Coimbra Editora.

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Ferreira, F.A. Curso de Processo de Execução (2009). 11ª Edição, Edições Almedina.

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