Sollicitare n.º 40

Page 1


Rita Alarcão Júdice

Ministra da Justiça

REPORTAGEM

Tribunais Judiciais das Comarcas dos Açores e da Madeira

ENTREVISTA

Rosa Lima Ponto de Contacto da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial

REPORTAGEM

E.P. Leiria – Jovens | Inclusus Plantar a mudança. Colher um futuro diferente.

FICHA TÉCNICA

SOLLICITARE

REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Diretor Paulo Teixeira

Editor Francisco Serra Loureiro

Redatores principais

Ana Filipa Pinto, André Silva e Joana Gonçalves

Colaboram nesta edição: Álvaro Romba, Ana Cunha, Anabela Veloso, Beatriz Ferraz, Débora Oliveira Ferreira, Débora Riobom dos Santos, Filipa Conde, Hugo Olivença, Miguel Ângelo Costa, Nicolau Vieira, Rúben Pinto, Sérgio Freitas Grilo, Susana Antas Videira e Telma Afonso

Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt

Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt

Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt

Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt

Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt

Impressão:

Lidergraf, Sustainable Printing Rua do Galhano, n.º 15 4480-089 Vila do Conde

Tiragem: 6 500 Exemplares

Periodicidade: Três vezes por ano ISSN 1646-7914

Depósito legal 262853/07

Registo na ERC com o n.º 126585

Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa

N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126

Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt

Estatuto editorial:

Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes.

Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.

Bastonário

Paulo Teixeira

Assembleia Geral

Presidente: Aventino Lima (Lisboa)

1.ª Secretária: Elizabeth Costa (Lisboa)

2.º Secretário: Pedro de Aguiar Fernandes (Setúbal)

Conselho Geral

Presidente: Paulo Teixeira (Matosinhos)

1.ª Vice-Presidente: Edite Gaspar (Lisboa)

2.º Vice-Presidente: Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz)

3.ª Vice-Presidente: Diana Silva Queiroz (Vila Franca de Xira)

1.ª Secretária: Tânia Fernandes (Albufeira)

2.ª Secretária: Natércia Reigada (Lagos)

Tesoureiro: Mário Couto (Vila Nova de Gaia)

Vogais: João Coutinho (Figueira da Foz), Susana Mareco (Coimbra), João Salcedas (Torres Novas), Ramiro dos Santos (Coimbra), José Cardoso (Penafiel)

Conselho Superior

Presidente: Fernando Rodrigues (Maia)

Vogais: Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira), José Guilherme Pinto (Maia), Valter Jorge Rodrigues (Moita), Beatriz Tavares do Canto (Ponta Delgada), Rafael Parreira (Leiria), Isabel Carvalho (Vila Nova de Famalicão), João Reduto (Guarda), Cláudia Cerqueira (Viana do Castelo), João Soares Rodrigues (Oliveira de Azeméis), Maria Luísa Cabeçudo (Tavira)

Conselho Fiscal

Presidente: Alberto Godinho (Tomar)

Secretário: José Luís (Coimbra)

Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores Presidente: Delfim Costa (Barcelos)

Vice-presidente: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria)

Vogais: Leandro Siopa (Pombal), Carina Jiménez Reis (Oeiras), Marcelo Ferreira (Covilhã)

Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução

Presidente: Duarte Pinto (Porto)

Vice-presidente: Filipa Gameiro (Alcanena)

Vogais: Clara Apolinário (Lisboa), Tânia Mendes Silva (Alcobaça), Sandra Gonçalves Oliveira (Cantanhede)

Conselho Regional do Porto

Presidente: Nicolau Vieira (Gondomar)

Secretária: Cecília Mendes (Paredes)

Vogais: Marta Baptista (Santa Maria da Feira), Paulo Miguel Cortesão (Maia), Mariela Pinheiro (Barcelos)

Conselho Regional de Coimbra

Presidente: Anabela Veloso (Santa Comba Dão)

Secretário: Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede)

Vogais: Edna Nabais (Castelo Branco), Graça Isabel Carreira (Alcobaça), Bruno Monteiro Branco (Condeixa-a-Nova)

Conselho Regional de Lisboa

Presidente: Débora Riobom dos Santos (Odivelas)

Secretário: João Pedro Amorim (Lisboa)

Vogais: José Jácome (Lagos), Carla Matos Pinto (Torres Vedras), Marina Campos (Sintra)

A revista institucional da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução chegou à 40.ª edição. São 40 números desta publicação de peso e de história da nossa Ordem. A Sollicitare, com páginas reservadas à vida da OSAE e das profissões, abre portas ao universo da Justiça e leva mais longe a marca dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Esta revista faz parte da vida da Ordem e a vida da Ordem está, sem dúvida, espelhada nestas 40 edições que, embora diferentes e refletindo o seu tempo, cumprem a mesma missão.

E, neste número redondo, em que se tenta relatar o que foram as nossas Jornadas de Estudo, temos a honra de contar com uma entrevista à Senhora Ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice. Uma partilha, com os nossos leitores, do trabalho que há a fazer em prol do melhor funcionamento da Justiça, sendo reconhecida a necessidade de reformas que possam acelerar os tempos de decisão. Muito obrigado, Senhora Ministra, pela disponibilidade para receber a nossa equipa e pela inesgotável colaboração que mantém com esta casa.

E porque o acesso à Justiça e aos Tribunais é um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa, quisemos, nesta edição, expandir horizontes e conhecer as realidades dos Tribunais dos Açores e da Madeira. Duas comarcas, dois arquipélagos, duas realidades, a mesma missão: trabalhar, diariamente, para uma melhor Justiça. O meu agradecimento aos Senhores Presidentes dos Tribunais Judiciais das Comarcas dos Açores e da Madeira por estes preciosos testemunhos.

Mas não ficámos por aqui: mergulhados num permanente processo de globalização, a Justiça vê-se confrontada com novas exigências, que se renovam a cada instante, e o seu funcionamento efetivo passou a depender do diálogo e da cooperação para lá das fronteiras. É neste contexto que surge a Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial (RJECC), no âmbito da qual Rosa Lima, Juíza Desembargadora no Tribunal da Relação de Lisboa, exerce as funções de Ponto de Contacto. Nesta entrevista à Sollicitare, que só podemos louvar, ilustram-se os desafios e as oportunidades que revestem esta

Paulo Teixeira

Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

realidade, cada vez mais presente e notada no dia a dia dos profissionais e dos cidadãos.

Entrem ainda, connosco, no Estabelecimento Prisional de Leiria – Jovens e fiquem a conhecer um projeto que, procurando contribuir para a reinserção destes jovens, dá origem ao vinho Inclusus. Uma ideia inovadora, que cria pontes e que tem dado frutos.

Já no âmbito interno, destaco a entrevista com Francisco Serra Loureiro, Diretor do Instituto de Formação Botto Machado da OSAE, que nos fala da permanente necessidade de atualização de conhecimentos e da inesgotável missão que é pensar a formação dos associados. E, claro, convido-vos a conhecer a história e a arte do Solicitador Eduardo Barbosa.

Ainda a propósito das Jornadas de Estudo, que aconteceram no passado mês de setembro, na Figueira da Foz, chamo a atenção para a reportagem dedicada ao setor da pesca, tão marcante nesta região do país, bem como para a entrevista com a jornalista Cristina Esteves, que, mais uma vez, moderou os nossos debates e a quem muito agradeço pelo profissionalismo com que sempre nos brinda.

Assim se faz a 40.ª edição da nossa Sollicitare. Uma revista que, independentemente do número, é sempre feita do esforço de muitos: da equipa do Gabinete de Comunicação e Relações Externas da OSAE, sempre empenhada em desenhar e cumprir uma grelha que cative e surpreenda, aos diversos colaboradores que, número após número, dedicam tempo e conhecimento a produzir tantos e tão interessantes artigos. Que assim continue a ser por muitas e boas edições, pois não temos dúvidas de que, nesta revista, temos um dos nossos melhores cartões de visita. E temos, acima de tudo, um registo ímpar da nossa história e do quanto continuamos a ambicionar para o nosso futuro.

4

Rita Alarcão Júdice

Entrevista com a Ministra da Justiça

Inclusus

Plantar a mudança. Colher um futuro diferente.

Reportagem no E.P. Leiria - Jovens

Fotografia capa Alfredo Matos

22 14 36

Jornadas de Estudo dos Solicitadores e Agentes de Execução 2024

Reportagem sobre o encontro que decorreu nos dias 20 e 21 de setembro, no Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz

Rosa Lima

Entrevista com a Juíza

Desembargadora e Ponto de Contacto da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial

Labor Improbus Omnia Vincit SOLLICITARE 40 / OUTUBRO 2024 – JANEIRO 2025

Tribunais Judiciais das Comarcas dos Açores e da Madeira

Reportagem

Francisco Serra

Loureiro

Entrevista com o Diretor do Instituto de Formação Botto Machado da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

EDITORIAL 1

PROFISSÃO

"O Provedor dos Utentes dos Serviços" por Susana Antas Videira 35

"Revisão de Sentença Estrangeira: A (in)suscetibilidade de revisão e confirmação de escritura pública declaratória de união estável" por Débora Oliveira Ferreira 58

"Direito de Retenção –Sua Aplicabilidade e Restrições" por Telma Afonso 66

Solicitadores ilustres / Bartolomeu Pinheiro por Miguel Ângelo Costa 68

"A influência das redes sociais e o seu papel na Solicitadoria" por Álvaro Romba 81

Tecnologia / "A revolução tecnológica e o cadastro predial" por Ana Cunha 83

Cristina Esteves

Entrevista com a jornalista

Conselho Regional de Lisboa

Presidente da CAAJ recebeu Bastonário da OSAE 59

Bastonário da OSAE recebido pelo Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça 67 OSAE acolheu conferência internacional “Créditos monetários e garantia de ativos” 90

REPORTAGEM Mar Eterno O setor da pesca na Figueira da Foz e no país 70

“Gostaria de deixar como legado uma efetiva humanização da Justiça”

RITA ALARCÃO JÚDICE

Ministra da Justiça

ENTREVISTA ANA FILIPA PINTO / FOTOGRAFIA ALFREDO MATOS

A luz de Lisboa e a vida que enche o Terreiro do Paço anunciam o início de mais um dia. E, dentro dos edifícios, onde muito da vida do país se decide, também se sente esse começo de mais um dia. Mais um dia em que governar, nas palavras de Rita Alarcão Júdice, Ministra da Justiça, terá de significar “ouvir” para que, depois, melhores decisões possam ser tomadas. Tendo assumido a pasta em abril, reconhece que há trabalho a fazer em prol do melhor funcionamento da Justiça e que essa é a “vontade” e o objetivo para o qual têm trabalhado desde o primeiro dia. No entanto, e apesar de apontar a necessidade de reformas que possam “encurtar os tempos de decisão dos processos, recuperar pendências e acelerar os processos”, não deixa de assinalar o quanto os cidadãos respeitam os tribunais, sendo a independência do poder judicial “uma característica do nosso sistema” e que está “bem enraizada na nossa sociedade”.

Os minutos passam, o Terreiro do Paço parece cada vez mais preenchido, mais cheio de vida a acontecer. E, quando voltar a estar vazio, mais um dia terá passado no cumprimento da missão que dá sentido a cada instante e faz valer a pena: “A vida mudou, e tinha mesmo de mudar. (…) Mas é um custo implícito nestas funções, que tem outras recompensas. A maior delas é poder fazer efetivamente algo para mudar o país para melhor e achar que estou, com a minha equipa, a conseguir fazê-lo”.

Tomou posse em abril deste ano. A vida mudou profundamente? Que hábitos e gostos procura (e procurará) manter?

A vida mudou, e tinha mesmo de mudar. No plano pessoal, a maior mudança foi a perda de privacidade e a exposição pública. Mas é um custo implícito nestas funções, que tem outras recompensas. A maior delas é poder fazer efetivamente algo para mudar o país para melhor e achar que estou, com a minha equipa, a conseguir fazê-lo. Tento manter algum resguardo na vida familiar e pessoal, e tento manter a proximidade com as amizades de sempre.

E que marcos destaca nestes meses de governação?

Quando o Governo foi empossado, a generalidade dos comentadores vaticinava-lhe um fim prematuro. Depois o que mais se comentava era o ritmo legislativo acelerado, a quantidade de decisões já tomadas e de como o Governo tem condições e estabilidade para governar. Acho que essa é a principal mudança – não tendo uma maioria absoluta, o Governo mostra segurança, solidez,

capacidade de governar, só possível porque existe um enorme espírito de solidariedade e entreajuda entre os diversos membros do governo e respetivas equipas.

Sobre a Agenda Anticorrupção, um desses marcos, e aproveitando um dos assuntos abordados nas nossas Jornadas de Estudo: a prioridade em Portugal já passa pela prevenção? Medidas como a regulamentação do lobbying e a pegada legislativa demonstram isso mesmo?

A Agenda Anticorrupção expressamente prevê medidas que visam tornar mais difícil o caminho de quem não atua com ética e integridade na vida pública – como disse, e bem, a regulamentação do lóbi e a pegada legislativa. Mas também no que respeita à educação e formação. A educação é essencial na construção e fortalecimento da democracia e do Estado de direito. Sem prejuízo, não sejamos ingénuos, a persuasão é muito mais eficaz se o crime não compensar. Achamos, por isso, que o novo regime da perda alargada de bens será um aliado muito eficaz para assegurar que a corrupção não compensa.

No âmbito de matérias como esta e no que ao funcionamento da Justiça diz respeito, sente que ainda há uma grande discrepância entre perceção e realidade?

Se a perceção existe, o problema existe. Neste caso, talvez a diferença entre perceção e realidade não seja tão importante. Se as pessoas acham que a corrupção está espalhada em larga escala, então vão ser mais tolerantes com o fenómeno e menos exigentes e também menos vigilantes.

Segundo um inquérito feito pelo Instituto de Políticas Públicas e Sociais (IPPS) do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, a Justiça é a instituição pública mais mal avaliada pelos portugueses. No entanto, de acordo com um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com dados de 2023, cerca de 50% dos portugueses diziam confiar nos tribunais e no sistema judicial, sendo o nível de confiança nos tribunais e no sistema judicial maior do que no parlamento e no

A educação é essencial na construção e fortalecimento da democracia e do Estado de direito.

Governo. Isto demonstra o impacto do que são os contextos e, nomeadamente, do que são as notícias a cada momento?

Nem tudo está bem na Justiça, mas nem tudo funciona mal. A Justiça pode ser lenta, por vezes cara, mas as pessoas respeitam os Tribunais, mesmo quando não concordam com alguma decisão. A independência do poder judicial é uma característica do nosso sistema e está bem enraizada na nossa sociedade. Há formas de melhorar o funcionamento da Justiça, essa é a nossa vontade e é para o que temos trabalhado desde o primeiro dia que assumimos funções.

Como é sabido, a última revisão dos estatutos das Ordens

Profissionais e a forma como foi conduzida pelo anterior governo não foram isentas de críticas, muito pelo contrário. A revisão era uma das metas PRR, cujo cumprimento condicionava a libertação de verbas e teve impacto na regulamentação de diversas profissões. Não compete ao Ministério mudar a lei geral, mas, como não poderia deixar de ser, estamos sempre disponíveis para apoiar a análise e ponderação de mudanças que possam contribuir para o melhor funcionamento do estado de direito e das profissões.

Ouvir, negociar e decidir têm sido ações permanentes (e conectadas entre si) ao longo destes meses?

Não quero ser juíza em causa própria, mas não são uma, nem duas, nem três as pessoas ou entidades que dizem que, ao fim de muitos anos, é a primeira vez que são recebidos pela Ministra da Justiça. A minha agenda não está fechada para ninguém. Os problemas existem e são muitos. Não se resolvem sem ouvir aqueles que são mais afetados. Só ouvindo se torna possível fazer os diagnósticos corretos e tomar as melhores decisões. Isso é governar, isso é o que é exigível a quem tem o poder executivo. É isso que estamos a fazer.

No que toca à OSAE e aos seus associados, o acesso ao apoio judiciário por parte de solicitadores e agentes de execução é um assunto com margem para negociação? Em relação ao mandato judicial, também as suas regras estão em condição de serem revistas e ajustadas às exigências dos tempos que vivemos? E quanto à tabela de honorários de agentes de execução e ao modelo de distribuição de processos, a atualização também poderá estar em cima da mesa? Como é sabido, não são temas contemplados no pro-

grama do Governo, que, na área da Justiça, é extenso e muito exigente. Uma ponderação futura exigirá uma análise cuidada e detalhada, tendo por base uma visão integrada do sistema de acesso ao direito e aos tribunais.

A última revisão dos estatutos das Ordens Profissionais e, por conseguinte, da Lei dos Atos Próprios de Advogados e Solicitadores trouxe alguns desafios e dificuldades. Algumas mudanças poderão ser revisitadas e afinadas?

Como é sabido, a última revisão dos estatutos das Ordens Profissionais e a forma como foi conduzida pelo anterior governo não foram isentas de críticas, muito pelo contrário. A revisão era uma das metas PRR, cujo cumprimento condicionava a libertação de verbas e teve impacto na regulamentação de diversas profissões. Não compete ao Ministério mudar a lei geral, mas, como não poderia deixar de ser, estamos sempre disponíveis para apoiar a análise e ponderação de mudanças que possam contribuir para o melhor funcionamento do Estado de direito e das profissões.

A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) tem sido motivo de debate dentro das

Qualquer reforma que não contribua para encurtar os tempos de decisão dos processos, recuperar pendências e acelerar os processos não pode ser considerada uma verdadeira reforma.

profissões que integra. No caso dos associados da OSAE, em assembleia convocada para o efeito, a possibilidade de livre escolha (entre CPAS e Segurança Social) foi a opção mais defendida. Qual o acompanhamento previsto para esta questão por parte do Governo?

O Governo nomeou uma comissão com o objetivo de analisar e ponderar os modelos de integração, com base nos resultados apurados pela auditoria e no relatório de um grupo técnico entretanto criado. Não podemos abdicar de estudar o assunto detalhadamente para tomar a melhor decisão para todos.

Nos tempos que correm e face ao que já viveu neste universo, o que considera que seria a grande reforma da Justiça em Portugal? Poderia implicar o recurso a soluções como a inteligência artificial ou sente que a grande reforma continuaria a ter de passar, acima de tudo, pelas pessoas?

Aquilo de que as pessoas mais se queixam é da lenti-

dão da Justiça. Qualquer reforma que não contribua para encurtar os tempos de decisão dos processos, recuperar pendências e acelerar os processos não pode ser considerada uma verdadeira reforma. A tecnologia pode ajudar, mas o essencial são as pessoas – em quantidade e em qualidade – que trabalham com a Justiça.

Por fim, que legado gostaria que fosse deixado na Justiça pelo XXIV Governo?

Gostaria de deixar como legado uma Justiça conduzida por pessoas motivadas, com um processo de rejuvenescimento em curso, com um grande sentido de serviço público e que vissem o seu esforço reconhecido.

Gostaria de deixar como legado um país em que a Justiça fosse um fator de competitividade da economia, por ser mais célere e eficaz.

Gostaria de deixar como legado uma efetiva humanização da Justiça, nas suas diversas áreas de atuação. Uma Justiça mais próxima dos cidadãos e que saiba cuidar dos mais frágeis.

Condições exclusivas e diferenciadas para todos os associados.

Aponte a câmara do telemóvel para o código QR e aceda ao site:

Nós somos especialistas em seguros para particulares e empresas, com foco em proteção à saúde, oferecendo diversas opções para atender às necessidades individuais.

Inclusus

Plantar a mudança. Colher um futuro diferente.

A vindima aconteceu assim que setembro chegou. E, na Quinta Lagar D’El Rei, aqueles seis hectares de vinha, tal e qual tela, preparam-se para os tons de outono. Aqui, onde não se avistam apenas os muros, ergue-se o Estabelecimento Prisional de Leiria (E.P. Leiria-Jovens), responsável por acolher jovens entre os 16 e os 21 anos de idade, e produz-se a uva que dará origem ao vinho Inclusus. Sempre na esperança de, no futuro, vir a colher a mudança.

REPORTAGEM ANA FILIPA PINTO / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA

O"E estou a aprender a gostar de trabalhar, que era algo que não acontecia lá fora. Quando sair, não quero ficar na moleza. Agora sei o que é trabalhar.”
AUGUSTO MATEMBA

estabelecimento existe há mais de 70 anos. Sempre teve vinhas. E sempre teve a mesma missão: receber jovens para o cumprimento de pena de prisão. Quando nasceu, recebeu esta missão, a qual se mantém até aos dias de hoje”, explica Joana Patuleia, Diretora do estabelecimento prisional, que recorda, com satisfação, as raízes da parceria com a Adega Mãe, que deu origem à marca Inclusus. “A Adega Mãe já havia manifestado interesse em trabalhar com a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. O Estabelecimento Prisional, ao ter conhecimento dessa situação, foi ao encontro da Adega Mãe, procurar este apoio no sentido de poder desenvolver esta atividade. Já tínhamos produção de vinho, mas queríamos dar o salto. Queríamos engarrafar, queríamos melhorar todo o método de produção. E queríamos, claro, valorizar o trabalho dos jovens, criar mais postos e garantir formação nesta área.”

Era o que queriam. Foi o que conseguiram. “Esta parceria foi um impulso muito importante. Antes apenas vendíamos vinho a granel. A partir desta parceria, conseguimos engarrafar vinho e ter outras oportunidades.” Hoje, da produção total, 40% da uva segue para a Adega Mãe. O restante fica no estabelecimento para produção do vinho que, depois, será vendido em bag in boxes. “Temos todo o interesse em que assim seja. Até porque, sendo uma área à qual os jovens nem sempre estão muito habituados, temos interesse em possibilitar que adquiram competências neste campo.”

A 30 de agosto de 2024, o E.P. Leiria-Jovens tinha afetos 193 reclusos, com idades entre os 16 e os 25 anos. Isto porque, caso os jovens estejam integrados em algum projeto, formação ou atividade que se considere relevante para o processo de reinserção, poderão permanecer neste estabelecimento para lá dos 21 anos de idade. Deste universo, 104 estavam preventivos e apenas 8 eram reincidentes. Maioritariamente de nacionalidade portuguesa, os concelhos de residência com maior expressão estão localizados em áreas urbanas. Da totalidade dos reclusos presentes no E.P., mais de 50 já estiveram institucionalizados e/ou em centros educativos. E, estando cerca de 30% da população condenada em regime aberto, a maior parte dos crimes praticados encaixa nas tipologias “crimes contra património” e “crimes contra pessoas”.

Sorin Dorot e Augusto Matemba são dois destes jovens. Ambos com 22 anos de idade, estão aqui, neste estabelecimento prisional, há cinco e há três anos de vida, respetivamente. De luvas postas e tesoura de poda na mão, vindimar, para estes jovens, é também sinónimo de convívio e contacto com a natureza. “É como se não fosse um trabalho”, reforça Sorin. Dono de um talento especial para fazer beatbox, que mostra sem esforço nem timidez, foi aqui que encontrou espaço e incentivo para o aperfeiçoar e para desvendar sonhos e objetivos: “Aqui

já fiz várias coisas. Trabalho nas obras, já trabalhei na vinha, já fiz Ópera na Prisão, já trabalhei como barbeiro. Também já tive uma experiência de calceteiro. Mas o que mais gosto é cortar cabelo”. Augusto também não hesita em dar voz ao que aqui aprendeu e que extravasa ofícios e áreas do saber: “Aprendemos um pouco de cada coisa. Também estou nas obras, estou agora a terminar o curso de mesa e bar… E estou a aprender a gostar de trabalhar, que era algo que não acontecia lá fora. Quando sair, não quero ficar na moleza. Agora sei o que é trabalhar”.

Das parcerias com escolas de Leiria, procurando garantir a continuidade no modelo de ensino e no processo de aprendizagem, à busca de abordagens que possam trazer melhores resultados e mais motivação – como é o caso do RAP Nova Escola -, aqui há sempre vontade de acolher e desenvolver novos projetos. “Temos muitos projetos além, obviamente, da aposta na escolaridade e na formação! Na agricultura, temos a vinha e os hortícolas. Temos uma loja aberta ao público, que geralmente funciona uma vez por semana, temos estufas e até temos um protocolo com o Banco Alimentar, o qual, como é um projeto de cariz solidário, cativa muito os jovens. E, em breve, vamos receber hortas verticais. Temos um outro projeto, com uma cooperativa, a Aproximar, que também é muito interessante: uma unidade de criação de grilos, destinados à alimentação humana e animal. Ainda não avançámos com a comercialização, mas já temos a unidade de produção, licenciamento e certificação. Depois temos outras iniciativas, a outros níveis. Porque queremos que haja essa intervenção holística, envolvendo várias competências. E contamos com o apoio decisivo do Município de Leiria. Temos yoga, râguebi, o Turning Blueum projeto transnacional, também promovido pela Aproximar e que procura sensibilizar os jovens para o que são as atividades ligadas ao mar. E, na área das artes, temos várias residências artísticas e programas, como é o caso da Ópera na Prisão. Requalificámos, aliás, o pavilhão Mozart. A arte pode ser efetivamente transformadora”. Por assim ser, este mesmo projeto, “Ópera na Prisão”, que corresponde a uma iniciativa pioneira da Sociedade Artística Musical dos Pousos (SAMP), foi recentemente selecionado para representar Portugal no concurso ao Prémio Europeu de Prevenção da Criminalidade (ECPA), promovido pela European Crime Prevention Network (EUCPN) e dedicado, em 2024, à prevenção da reincidência.

“Há quem diga que há males que vêm por bem e eu acho que foi isso que aconteceu comigo. Eu disse ao meu pai que ia sair daqui com os estudos. Na rua não queria, fiz aqui quase tudo”, remata Sorin. Afinal, tal como quando se poda a vinha, na ânsia de garantir que volte a dar frutos, também aqui se planta a esperança num amanhã melhor. “Há um valor fundamental que é a crença na capacidade de mudança do ser humano. Queremos trabalhar com estes jovens e proporcionar-lhes uma vida dife-

“Há quem diga que há males que vêm por bem e eu acho que foi isso que aconteceu comigo. Eu disse ao meu pai que ia sair daqui com os estudos. Na rua não queria, fiz aqui quase tudo.”

rente e melhor. É isto que mobiliza toda a equipa. Quem trabalha nesta área tem de acreditar, mesmo quando a experiência coloca isso à prova. Temos de perceber que a reincidência envolve uma série de fatores. Não está em causa apenas o trabalho desenvolvido no estabelecimento prisional. Há a história que antecede a vinda para aqui e há o que vem a seguir. E há um contexto, de onde vêm e para onde, normalmente, vão. (…) O ideal seria conseguirmos garantir uma intervenção que pudesse envolver também a comunidade, a escola e a família. Porque, por vezes, trabalhar o indivíduo não chega.”

Carregando, tantas vezes, uma bagagem também marcada pelo insucesso escolar, pela marginalização e por vários entraves de cariz socioeconómico, é aqui que acabam por encontrar a oportunidade de se desfazerem de parte desse peso que os faz curvar e os impede de encarar a vida olhos nos olhos. “Habitualmente, quando chegam, não iniciam logo estes trabalhos. Os jovens que estão no regime mais benévolo, o regime aberto, é que são colocados nestas atividades. Portanto, quando chegam ao estabelecimento, iniciam outro tipo de atividades, mais ligadas à escolaridade e à formação profissional. Depois de fazerem essa formação e de terem um tempo de pena cumprido, iniciam estes trabalhos e projetos. Já estão numa fase mais adiantada do cumprimento de pena, com mais maturidade, com mais competências pessoais e sociais… Falamos de uma fase de construção da identidade, do futuro. E muitos destes jovens têm aqui, no estabelecimento, a primeira oportunidade de construir um futuro.”

Este projeto, o qual, graças à parceria com a Adega Mãe, ganhou um novo fôlego, é um deles e conta muito sobre as sementes que, por aqui, se lançam à terra e à vida. “Além de os jovens lá poderem ir fazer visitas e receber formação, a Adega Mãe dá ainda todo o apoio em matéria de comunicação. Criámos juntos a marca. Hoje temos o Inclusus by Adega Mãe e o Inclusus by Quinta Lagar D’El Rei. E continuamos a evoluir. Por exemplo, agora temos um novo rótulo. Porque sentíamos que o anterior, embora fosse muito agradável e moderno, não

transparecia a origem do vinho. Este é mais forte, dá nas vistas, faz querer parar e perceber o que está em causa. Tem uma série de mensagens: o jovem, o sonho, a liberdade… A libertação! É um rótulo forte e reconhecemos que o é propositadamente. Queremos que as pessoas se apercebam de que é um vinho produzido num estabelecimento prisional, fruto do trabalho destes jovens.”

E, da vinha para um lagar que já soma tanto tempo, não passa despercebido o quanto esta iniciativa, com tanto de passado quanto de futuro, envolve todo o estabelecimento. “Os trabalhos são orientados e acompanhados pelos nossos guardas. Ou seja, fazem parte do corpo da guarda prisional e, além dessas funções, estão disponíveis para desempenhar o papel de mestres. Porque é preciso estar disponível. Quando são contratados não é para tratar das vinhas, nem para fazer vinho. É para fazer segurança.” Algo que fazem com um gosto inegável, que se nota nas palavras e nos olhares. “É um prazer. É uma responsabilidade, claro, mas é um prazer poder ensinar o que sei a estes jovens. É muito enriquecedor podermos partilhar conhecimentos de uma vida. Se eles quiserem aprender, eu quero muito ensinar. Basta demonstrarem interesse e vontade. E ainda se vai encontrando esse interesse e essa vontade”, partilha David Lestro, guarda prisional neste estabelecimento. Já Vítor Camás, também membro do corpo da guarda prisional, confessa muito aprender, diariamente, sobre algo que já fazia parte da sua vida, realçando que, nomeadamente quando o calendário é definido pela própria natureza, além do gosto,

“Há um valor fundamental que é a crença na capacidade de mudança do ser humano. Queremos trabalhar com estes jovens e proporcionar-lhes uma vida diferente e melhor. É isto que mobiliza toda a equipa.”

“Queremos

mesmo criar condições para que eles possam garantir a sua reinserção com êxito. Eu procuro transmitir-lhes que esta dificuldade, que estão a encontrar na vida, pode ser transformada numa oportunidade.”

“é preciso ter disponibilidade. Mas, quando as coisas correm bem, é muito gratificante. É bom chegarmos ao final de novembro, fazermos as análises, podermos provar o vinho e termos um bom resultado”.

E, mais do que no vinho, o qual, segundo Joana Patuleia, “é procurado por clientes que valorizam o que está associado à produção, registando boas vendas e permitindo que o que delas resulta seja reinvestido no projeto”, aqui trabalha-se por bons resultados nas vidas destes jovens e, consequentemente, no funcionamento da sociedade. “Queremos mesmo criar condições para que eles possam garantir a sua reinserção com êxito. Eu procuro transmitir-lhes que esta dificuldade, que estão a encontrar na vida, pode ser transformada numa oportunidade. Aqui têm acesso a diversas ferramentas que po-

dem utilizar para perceberem as suas potencialidades, os seus dons… É uma descoberta! É essa a possibilidade que lhes queremos dar com o devido acompanhamento.” Algo que acontece ao longo de todo o percurso, o qual, sendo longo, está longe de ser fácil. Um percurso que, até ao regime aberto, atravessa três pavilhões e diferentes etapas: “No regime comum, encontramos o pavilhão de observação, onde ficam quando entram, para que possamos conhecê-los melhor, o pavilhão simples e, por último, o pavilhão maior. A evolução é sempre esta. O objetivo é chegar ao ‘maior’, porque chegar lá significa que demonstraram bom comportamento, precedendo a colocação em regime aberto. Se, estando no pavilhão maior, há registo de um episódio de mau comportamento, acontece o retrocesso. Ao longo deste caminho, temos de trabalhar aspetos como a consciencialização e o valor da vida. É um processo que demora e que envolve vários técnicos. E não podemos esquecer que estão numa fase da vida que ainda se reveste de muita imprevisibilidade.”

No final deste caminho estará o início de outro: a reinserção. “Sempre foi uma preocupação. Poderá nem sempre ter havido essa perceção no exterior, mas o sistema prisional português sempre foi muito humanista, sempre demonstrou muita abertura ao exterior. Continuamos a evoluir nesse sentido. E não poderia ser de outra forma. Porque se, durante o cumprimento da pena, não procurarmos criar condições para que, depois, seja diferente, nada feito… Ou seja, se tivermos apenas a preocupação da segurança e de os manter recluídos, isso não vai trazer uma mudança e a reincidência aumentará. Portanto, sempre com a aposta na segurança e na disciplina, temos de ter foco no tratamento prisional. A sociedade

espera que asseguremos o cumprimento da pena, mas também que façamos algo para proporcionar a mudança. Creio que foi sempre esta a missão e acredito que continuamos a evoluir nesse sentido”, assinala Joana Patuleia, que, não negando os desafios do futuro, também não deixa de reafirmar que há muito que está nas mãos destes jovens: “Costumo dizer-lhes que tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que tudo depende deles. A má é que tudo depende deles. Isto é, tudo depende deles para o bem e para o mal. Podemos dar as oportunidades, mas tem de haver vontade de as agarrar”. Isso torna-se ainda mais evidente quando se clarifica que, terminado o cumprimento da pena, termina também a missão do estabelecimento. E, na maioria das vezes, dado o estigma que temem enfrentar, estes jovens partem com o desejo de fechar a porta e deixar para trás o que aconteceu. Um facto que corrobora o quanto continua a fazer sentido procurar parcerias como a cultivada com a Adega Mãe: “A marca Inclusus e esta parceria ajudam-nos a desconstruir o estigma enraizado. Este projeto tem sido divulgado e temos tido, como retorno, essa mesma avaliação… As pessoas encaram este projeto de uma forma muito positiva porque tem esta vertente da transformação pessoal. E sentimos que há admiração e curiosidade quando descobrem que existe este projeto. O nome também foi uma construção muito feliz. Porque Inclusus é isto mesmo, é incluir. E o nosso trabalho, tal como este projeto, ambiciona contribuir para essa inclusão social”, sublinha a Diretora do estabelecimento, já perto do edifício onde, no seu gabinete, a cada novo dia, procura tomar decisões que, sendo justas, ajudem a fazer Justiça. Há seis anos à frente do Estabelecimento Prisional de Leiria - Jovens, mas com uma carreira ligada à gestão dos estabelecimentos prisionais e à reinserção, Joana Patuleia não usa meias-palavras quando verbaliza o orgulho que tem na equipa que a acompanha e o quanto se sente realizada a trabalhar nesta área. “Gosto muito de trabalhar aqui. Poder pensar no futuro destes jovens, poder contribuir para que seja diferente… Realiza-me profissionalmente.”

A manhã passou e perdeu-se a conta aos passos e à conversa. Em cima da mesa, enquanto memórias e anseios se encontram e cruzam, estão cachos de uvas da vinha da Quinta Lagar d’El Rei. E do Estabelecimento Prisional de Leiria - Jovens. São doces, tão doces que contrastam com a amargura das histórias de quem aqui, um dia, entra para ficar. Mas, por outro lado, de tão doces que são, lembram o quanto tudo poderá ser diferente quando, um dia, for o dia de sair em liberdade. E, como se ouviu junto à vinha, sem muros por perto e na voz de um dos jovens, “o futuro vai ser diferente. Com toda a certeza”.

Jornadas de Estudo dos Solicitadores e Agentes de Execução 2024

Figueira da Foz acolheu associados em dois dias de trabalhos, partilha e sorrisos

O dia amanheceu soalheiro na Figueira da Foz e, no ar, o cheiro da maresia misturava-se com a ansiedade e a alegria pela chegada de mais umas Jornadas de Estudo. Pelas 9h00, o Centro de Artes e Espetáculos (CAE) abriu as suas portas aos cerca de 350 solicitadores, agentes de execução, funcionários forenses e estudantes de Solicitadoria de todo país que disseram “sim!” ao convite feito pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) para fazer parte deste grande evento, o qual une a classe para discutir e analisar as grandes questões que se colocam às profissões.

REPORTAGEM JOANA GONÇALVES

Feita a acreditação, já com recurso à aplicação móvel das Jornadas de Estudo 2024 – uma das grandes novidades desta edição – e com o estômago reconfortado por um pequeno-almoço de boas-vindas, rapidamente outros sentidos se elevaram ao serem guiados por um momento musical com o  Grupo Sing Mind Voices, da Escola de Artes do CAE, que roubou as atenções de todos os participantes para o Grande Auditório. E foi já neste espaço que, pelas 11h00, teve início a cerimónia de abertura. Perante uma plateia repleta e entusiasta, integrada também por representantes de diversas entidades e organizações,  María Dolores Cantó Cánovas, Vice-tesoureira do Consejo General de Procuradores de España e Presidente da Comissão de Tecnologias (em representação do Presidente Juan Carlos Esté-

vez),  Jean-Pierre Herbette, Vice-presidente da Union Internationale des Huissiers de Justice (em representação do Presidente Marc Schmitz), e Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, deram as boas-vindas aos participantes, congratulando a forte adesão a eventos como este, sinal de uma classe interessada em contribuir para  uma melhor Justiça, uma Justiça pelo cidadão e para o cidadão.

María Dolores Cantó Cánovas  tomou a palavra para agradecer o convite para estar presente nestas Jornadas, “sinal da excelente relação que existe entre a OSAE e o Consejo General de Procuradores de España”. No seu discurso, sublinhou a importância da aposta na formação e na atualização de conhecimentos “para dar qualidade ao trabalho e ao serviço que prestamos ao cidadão e à sociedade”.

Agradecendo o caloroso acolhimento e a oportunidade para estar presente neste evento,  Jean-Pierre Herbette  salientou também a “excelente parceria” que existe entre a OSAE e a UIHJ: “As relações entre a UIHJ e a OSAE são excelentes e assentam numa parceria construída ao longo dos anos, baseada na confiança mútua e num compromisso partilhado de reforço da nossa profissão. Encontrámos sempre na OSAE uma parceira fiável e dinâmica, que partilha a nossa visão do futuro

“As relações entre a UIHJ e a OSAE são excelentes e assentam numa parceria construída ao longo dos anos, baseada na confiança mútua e num compromisso partilhado de reforço da nossa profissão.”

Jean-Pierre Herbette

do huissier de justice. Juntos, conseguimos implementar muitos projetos inovadores destinados a modernizar as nossas práticas, preservando, simultaneamente, os valores fundamentais que definem a nossa profissão. É essencial que continuemos a trabalhar de mãos dadas, pois só unindo forças é que poderemos enfrentar os desafios que temos pela frente”.

A fechar esta sessão, o Bastonário da OSAE,  Paulo Teixeira, começou por deixar uma palavra de apoio e de solidariedade a todos os afetados pelos incêndios que fustigaram o país e marcaram aquela semana. Palavras que se estenderam aos bombeiros e forças de segurança que “partem sem pensar duas vezes e estão, dia e noite, na primeira linha de combate”. Em jeito de homenagem às vítimas, todos se levantaram e fez-se um minuto de silêncio.

O Bastonário da OSAE agradeceu a todos os que se deslocaram até à Figueira da Foz para “analisar, debater, pensar alto (…), sempre em prol do cidadão, sempre em prol da Justiça”.

No seu discurso inaugural, o Bastonário da OSAE agradeceu ainda a todos os que se deslocaram até à Figueira da Foz para “analisar, debater, pensar alto (…), sempre em prol do cidadão, sempre em prol da Justiça”. Paulo Teixeira aproveitou o momento para dar conta dos principais anseios que têm norteado o trabalho da Ordem e que merecem a atenção por parte da tutela. Questões como o acesso ao Direito, designadamente o apoio judiciário na modalidade de atribuição de agente de execução e, também, a possibilidade de exercício por parte de solicitadores, a incoerência decorrente da última revisão da Lei dos Atos Próprios de Advogados e Solicitadores, “cujo espírito não se coaduna com os limites impostos às ações cíveis assumidas por solicitadores”, e necessidades como a eliminação da incompatibilidade do exercício da

solicitadoria com a mediação imobiliária, a revisão da tabela remuneratória de Agentes de Execução (AE), a eliminação da possibilidade de substituição do AE pelo exequente, ou o seu ajustamento mediante a nomeação do AE substituto através de meios eletrónicos e aleatórios, e a avaliação da intervenção destes profissionais noutros procedimentos, nomeadamente nos Tribunais Administrativos, foram alguns dos pontos salientados.

Chegou então o primeiro grande momento de reflexão e de debate da manhã. A responder à questão “Alterações na habitação: há alicerces sólidos?” esteve  Ana de Campos Cruz, Diretora da Direção de Programas de Apoio à Habitação do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).

Centrando a sua intervenção nos programas, instrumentos e incentivos para a promoção da oferta e procura

habitacional, Ana de Campos Cruz começou por explicar o contexto nacional: “A ausência de políticas de habitação consistentes, a degradação das edificações, a pouca aposta em reabilitação e o parco apoio dado ao arrendamento” são alguns dos fatores que ajudam a explicar, na sua opinião, a crise na habitação.

Sobre os programas de apoio à habitação que existem atualmente, destacou o Programa de Apoio ao Arrendamento, o Programa Arrendar para Subarrendar, o Porta 65 Jovem, o Apoio Extraordinário à Renda e o 1.º Direito.

Outra das novidades destas Jornadas passou por dar voz aos associados da OSAE, que, a partir das perguntas apresentadas, por outros colegas, através da aplicação, foram convidados a partilhar as suas perspetivas sobre cada assunto em análise. Assim, neste primeiro momento, Beatriz Ferraz, Solicitadora, e João Magalhães, Agente de Execução, responderam a algumas das principais dúvidas remetidas, dando exemplos de situações que lhes chegam, diariamente, aos escritórios.

A fechar a manhã, houve tempo para debater as recentes alterações no âmbito da habitação. Com moderação de  Cristina Esteves, jornalista, que acompanhou todos os debates destas Jornadas, sentaram-se frente a frente  Dulce Lopes, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e  Virgílio Machado, Conservador de Registos. Ambos os intervenientes concordaram que existe, no nosso país, uma falta de soluções estruturais que possam dar uma resposta efetiva ao problema da habitação. “São precisos instrumentos que permitam uma melhor regularização fundiária e urbanística. Além disso, é premente incentivar situações de relocalização com os mesmos direitos”, o que é fundamental, por exemplo, em casos de catástrofe, salientou Dulce Lopes

A burocracia e a falta de meios para aplicar as alterações legislativas estiveram também em análise: “Os legisladores fazem leis muito boas, mas esquecem-se de que são necessários recursos técnicos e humanos para as cumprir”, lembrou  Virgílio Machado. Por outro lado, há leis que, na teoria, parecem excelentes, mas que, na prática, se demonstram “muito confusas e sem aplicação”. O Conservador deu o exemplo da Lei do Cadastro. Para resolver esta questão seria necessário “juntar profissionais como professores, engenheiros, arquitetos e solicitadores. Juntar o conhecimento teórico e prático para ajudar o legislador a fazer um diploma que realmente se possa executar e seja benéfico para o país”.

Questionada sobre os problemas em matéria de arrendamento para estudantes e jovens, Dulce Lopes considera que as recentes alterações ao arrendamento jovem fazem todo o sentido, embora “colocar todos os ovos no arrendamento não seja a solução”.

Após o almoço, que decorreu no Casino da Figueira da Foz e que permitiu recuperar energia para os painéis da tarde, foi então hora de perceber se “A Justiça é tão glo-

Uma das novidades destas Jornadas passou por dar voz aos associados da OSAE, que, a partir das perguntas apresentadas, por outros colegas, através da aplicação, foram convidados a partilhar as suas perspetivas sobre cada assunto em análise.

bal quanto a aldeia?”. Rosa Lima, Juíza Desembargadora e Ponto de Contacto (PC) Português da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial (RJECC), começou por explicar o papel do Ponto de Contacto e os instrumentos comunitários mais utilizados. De seguida, centrou a sua intervenção no papel dos agentes de execução no Regulamento (UE) 2020/1784 - citações e notificações: “Os agentes de execução foram designados por Portugal como uma das «entidades de origem», ou seja, têm competência para transmitir atos judiciais ou extrajudiciais para efeitos de citação ou notificação noutro Estado-membro (…). Foram também designados como uma das «entidades requeridas», ou seja, têm competência para receber atos judiciais ou extrajudiciais provenientes de outro Estado-Membro”.

“Alterações na habitação: há alicerces sólidos?”

foi o primeiro tema abordado nas Jornadas de Estudo 2024.

A Juíza Desembargadora abordou ainda as Ações de Pequeno Montante (Regulamento 861/2007) e o Procedimento Europeu de Injunção de Pagamento (Regulamento 1896/2006) e explicou como pode um agente de execução socorrer-se do apoio do PC e em que situações o pode fazer: “Sempre que um profissional da OSAE verifique haver constrangimentos na tramitação de um pedido de cooperação (enviado ou recebido), pode requerer ao Juiz do processo ou ao Oficial de Justiça que solicite ao PC da RJECC colaboração no sentido de, junto do congénere de outro Estado-Membro, se apurar o estado da diligência e, após, informar em conformidade”.

O painel ficou completo com os testemunhos de  Miguel Graça, Solicitador, e de  Pedroso Leal, Agente de Execução, que foram os responsáveis por dar alguns exemplos práticos daquilo que foi anteriormente explicado, nomeadamente de casos em que é possível recorrer a mecanismos como o procedimento eu-

ropeu de injunção de pagamento, o título executivo europeu ou o certificado sucessório europeu.

Terminadas as intervenções, seguiu-se o momento de debate, que contou com as perspetivas de  Filomena Rosa, Presidente do Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), de Renato Gonçalves, Presidente do Órgão de Gestão da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), e de  Paulo Rios de Oliveira, Vogal Executivo do Conselho de Administração da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).

Cristina Esteves  introduziu o debate perguntando, a Filomena Rosa, como é que o IRN tem lidado com o aumento dos pedidos de atribuição de nacionalidade. “A nacionalidade tem sido um grande desafio, porque a lei tem mudado e porque somos – e bem – um país muito aberto a todos. Em 2022, por exemplo, os pedidos aumentaram, mas os funcionários diminuíram. Por isso, o investimento nesta matéria tem de ser um investimento na tecnologia”, afirmou Filomena Rosa. A Presidente deu nota da recente criação de uma nova plataforma digital que já está a facilitar todo o processo e que, muito em breve “trará resultados visíveis”.

Abordando a digitalização no trabalho dos auxiliares da justiça, nomeadamente dos agentes de execução, Renato Gonçalves sublinhou a necessidade da formação tanto do lado dos profissionais, como do lado do cidadão: “Vivemos num mundo globalizado e cheio de instrumentos que podem facilitar o acesso à Justiça. Mas se estes não são conhecidos, não são utilizados”.

Paulo Rios de Oliveira, por parte da AICEP, partilhou que ainda há um grande caminho a percorrer em termos de formação jurídica nas empresas portuguesas, em particular nas PME: “É tão importante que as empresas conheçam o seu mercado, como é importante que saibam como se podem defender em termos jurídicos”. E, para isso, podem contar com a ajuda de profissionais como os solicitadores, frisou.

Os trabalhos continuaram com o tema “Corrupção e branqueamento de capitais: prevenir é a prioridade?”. A responder esteve Luís Ortega, Conselheiro Especial do Presidente da UIHJ e Presidente da Comissão Internacional do Consejo General de Procuradores de España, que, dando voz a uma visão internacional deste assunto, afirmou que, “enquanto profissionais de execução (…), temos contacto com dinheiro, com capitais, com investimentos, com pagamentos, com cobranças, com créditos monetários, com retenções de saldos, etc. E temos também a possibilidade, em alguns países onde representamos os nossos clientes, de sermos autorizados a gerir diretamente os seus pagamentos e cobranças. Isto signi-

“A Justiça é tão global quanto a aldeia?” e “Corrupção e branqueamento de capitais: prevenir é a prioridade?” foram os temas

que marcaram a tarde do primeiro dia de Jornadas.

fica que somos os protagonistas absolutos de qualquer problema ou de qualquer medida que possamos implementar para combater o branqueamento de capitais”.

Quanto à intervenção do Solicitador e do Agente de Execução,  Sara Mafalda Lima, Solicitadora,  José Cardoso, Agente de Execução, e  Susana Antas Videira, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Representante da OSAE no Comité Executivo da Comissão de Coordenação das Políticas de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo, analisaram a forma como podem os associados fazer a diferença neste campo e quais as obrigações que devem cumprir enquanto profissionais.

No último debate do dia participaram Luís Guimarães de Carvalho, Consultor-coordenador em representação do Mecanismo Nacional Anticorrupção – MENAC,  Nuno Matos, Membro da Delegação Portuguesa do Grupo de Ação Financeira Internacional e do Secretariado Técnico Permanente da Comissão de Coordenação de Políticas de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo, e  Conceição Gomes, Coordenadora Executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa e investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Luís Guimarães de Carvalho  chamou a atenção para os riscos de corrupção que recaem sobre os políticos e sobre as sociedades desportivas. A propósito destas últimas, acrescentou que “muitos dos riscos que existem não envolvem os clubes grandes ou de primeira liga. Na maior parte de vezes, estão dissimulados em competições de menor nível desportivo. Ao contrário do que muitos imaginam, há, inclusive, uma modalidade de enormes riscos que é o ténis”. O Consultor-coordenador partilhou ainda que o MENAC, desde junho, recebeu, no seu canal de denúncias, cerca de 30 participações e que, dessas 30, uma foi encaminhada para o Ministério Público.

Para  Nuno Matos, os solicitadores estão expostos à corrupção e a prevenção é fundamental. “Se todos fizermos o nosso trabalho, estamos a facilitar o combate à corrupção e ao branqueamento de capitais. Daí a importância de cada um de nós”.

Na opinião de  Conceição Gomes, “o conceito de corrupção é muito lato e podemos estar a falar de realidades e perceções muito diferentes. Por isso, na elaboração de medidas de combate, é importante compreender todas elas. E a sociedade também tem de compreender a sua concretização. Caso contrário, descredibilizamos as reformas”.

Mesmo ao cair do pano, e porque as questões relacionadas com a conciliação da vida profissional, pessoal e familiar estão na ordem do dia e importa, cada vez mais, refletir sobre elas,  Liliana Dias,

Membro do Conselho de Especialidade de Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações da Ordem dos Psicólogos Portugueses, foi responsável por uma palestra que procurou consciencializar para as boas práticas individuais e organizacionais no domínio da conciliação da vida profissional, pessoal e familiar.

“O trabalho e a vida pessoal são áreas coexistentes”, começou por referir. Por isso, é fundamental “estabelecer prioridades e negociar as suas necessidades com a organização e com a família”. De seguida, a Psicóloga partilhou várias dicas que podem ajudar a ter uma vida mais harmoniosa.

Concluídos os trabalhos, seguiu-se o jantar na Quinta da Salmanha, ao qual se juntaram os acompanhantes dos participantes, depois de um dia passado a conhecer a cidade da Figueira da Foz e os seus encantos.

Liliana Dias, Membro do Conselho de Especialidade de Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações da Ordem dos Psicólogos Portugueses, foi responsável por uma palestra que procurou consciencializar para as boas práticas individuais e organizacionais neste domínio.

Depois do merecido e necessário descanso, foi com um sorriso no rosto que os associados da OSAE começaram a chegar, pela manhã, ao Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz.

Pelas 10h30,  Eduardo Vera-Cruz Pinto, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maria Manuel Leitão Marques, Presidente do Conselho Geral do Instituto Politécnico de Coimbra e Professora Catedrática Jubilada da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, subiram ao palco para debater aquele que é um dos temas mais atuais (e complexos) no mundo jurídico e no panorama nacional: a necessidade de uma reforma na Justiça.

Sob o mote “Reformar a Justiça: por onde (re)começar?” e com moderação, uma vez mais, de  Cristina Esteves,  Eduardo Vera-Cruz Pinto  começou a sua intervenção por afirmar que “temos uma Justiça muito pouco justa. Uma Justiça que tarda é uma injustiça”. Para o Professor, a primeira reforma deve ser feita nos “estudos de Direito nas universidades: temos de começar a mudar a mentalidade, os planos de estudo. A universidade, se não estiver à frente do seu tempo, não presta. Ensinar Direito como instrumento da Justiça: essa é a verdadeira reforma que deve ser feita”.

Para  Maria Manuel Leitão Marques, “os grandes sistemas reformam-se mapeando as situações críticas com grande detalhe (…). Neste momento, há uma perceção negativa sobre o sistema. Há a perceção de que é moroso e há algum fundamento nessa perceção, o que é muito grave”. Questionada sobre as vantagens do uso de novas ferramentas tecnológicas na área da Justiça, a Professora afirmou que “a tecnologia é muito útil se for usada para transformar e se for usada com conta, peso e medida e com rigor ético. A inteligência artificial pode ser um auxiliar extraordinário. O que não pode é fazer a sentença em vez do juiz”.

Eduardo Vera-Cruz Pinto, Maria Manuel Leitão Marques e Paulo Teixeira subiram ao palco para debater aquele que é um dos temas mais atuais (e complexos) no mundo jurídico e no panorama nacional: a necessidade de uma reforma na Justiça.

A morosidade da Justiça foi também abordada por Paulo Teixeira No entanto, segundo o Bastonário, “não podemos correr o risco de generalizações. A Justiça tem os seus trâmites e os seus tempos próprios”. Paulo Teixeira afirmou ainda que não tem tido nenhuma manifestação de desagrado no que diz respeito às ideias que a Ordem tem proposto à tutela: “Sentimos que somos revolucionários e reformistas. A postura desta Casa foi, será e continuará a ser contribuir para as soluções. Não somos nem seremos parte do problema. Quanto às reformas, venham elas que nós estaremos sempre prontos”.

Terminado este momento, e com os ponteiros do relógio a avançarem rapidamente, foi tempo de assistir ao “Espaço OSAE”, no qual  Duarte Pinto, Diretor do Instituto de Tecnologia e Inovação da OSAE, apresentou três novos projetos, que trarão inúmeros benefícios aos associados: a plataforma de envio de SMS em bloco, a qual irá fortalecer e simplificar a comunicação com os associados; a disponibilização da cédula profissional na plataforma ID GOV, desmaterializando e facilitando o acesso a este documento em qualquer circunstância, a partir do telemóvel ou do tablet, sem comprometer a segurança do cidadão; e, ainda, a vinheta digital, a qual, apesar de ainda exigir algum trabalho no campo dos regulamentos, vai trazer ganhos diversos, nomeadamente em prol da sustentabilidade, da transparência, do rigor. “Este caminho da inovação tem-nos distinguido nos últimos 20 anos e continuará a marcar a diferença naquilo que nós fazemos no panorama nacional.”

Este caminho da inovação tem-nos distinguido nos últimos 20 anos e continuará a marcar a diferença naquilo que nós fazemos no panorama nacional.

Duarte Pinto

Feita uma pausa para café, foi tempo de assistir à apresentação “A cooperação entre a OSAE e a Estrutura de Missão para a Recuperação de Processos Pendentes na AIMA, I.P.”, por Luís Goes Pinheiro, Coordenador-geral da Estrutura de Missão para a Recuperação de Processos Pendentes na AIMA. I.P.

“A Estrutura de Missão foi criada para resolver um volume muito significativo de pendências que a AIMA herdou e que ascendem a 400 mil processos”, começou por referir. “Há uma componente absolutamente crítica que é a instrução de processos e aqui é urgente o apoio de profissionais qualificados para garantir que a análise jurídica dos pedidos de autorização de residência é feita da melhor forma possível. Neste âmbito, a AIMA vai socorrer-se do apoio da OSAE e da Ordem dos Advogados. Este é um caminho que tem sido trilhado com as Ordens, de forma muito empenhada, e que permite, hoje, afirmar, com toda a certeza, que os Solicitadores e os Advogados serão parceiros absolutamente essenciais da AIMA na instrução de processos”, frisou Luís Goes Pinheiro, deixando ainda, na sua intervenção, o anúncio do arranque do período de inscrições e o agradecimento a todos os profissionais.

A adivinhar o final destas Jornadas, na sessão de encerramento, Paulo Teixeira fez um balanço destes dois dias “intensos”, preenchidos por um programa cujos temas “mais do que pertinentes, são atuais, são parte do nosso dia a dia. Enquanto profissionais e enquanto cidadãos”.

O Bastonário da OSAE garantiu, também, que os Solicitadores e os Agentes de Execução estão e estarão sempre empenhados em ser parte da solução, em continuar a fazer mais pela Justiça e pelas pessoas.

“Estamos aqui para resolver. (…) E não nos cansamos de ser assim.

Pelo contrário. É um vício de que nos orgulhamos, digamos assim. (…)

Porque esta é a imagem que queremos que o cidadão tenha dos nossos associados e da nossa Ordem: queremos estar sempre mais à frente, atentos, curiosos e sem medo de testar. Conformados é que não. O espírito tem sido, é e continuará a ser este. Um espírito que também fez estas Jornadas.”

Paulo Teixeira, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Deixando ainda uma palavra de agradecimento a todos os presentes e a todos os que trabalharam para que estas Jornadas fossem um sucesso, Paulo Teixeira quis terminar recordando o legado de  José Carlos Resende, também ele um apaixonado por eventos como este. “Se hoje aqui estamos, também o devemos, indiscutivelmente, a ele”, afirmou, seguindo-se uma emocionada salva de palmas.

Para encerrar estas Jornadas, foi chamado ao palco  Pedro Santana Lopes, Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz: “Agradeço ao Senhor Bastonário por ter escolhido a Figueira da Foz para receber estas Jornadas de Estudo. Tenho muita honra e orgulho por vos receber neste Centro de Artes e Espetáculos”.

Cumprido o programa e concluída mais uma edição das Jornadas de Estudo, foi então tempo de festejar na Quinta da Pintoura e de torcer para que, para o ano, possamos voltar a estar todos juntos. Até lá!

O Provedor dos Utentes dos Serviços

Susana Antas Videira

por todos, reconhecida a importância de existirem soluções, mesmo no contexto das profissões autorreguladas, que promovam a salvaguarda e a defesa dos interesses dos destinatários dos serviços prestados pelos membros das associações públicas profissionais. Com efeito, cinquenta anos volvidos desde o 25 de abril de 1974, a estrutura administrativa, em Portugal, tornou-se infinitamente mais complexa. Os órgãos não judiciais de fiscalização e de controlo multiplicaram-se e ganharam outra relevância. O Estado de direito conheceu afirmação plena. Por outro lado, nos tempos atuais, a sociedade enfrenta uma série de desafios e complexidades que tornam a defesa dos interesses dos cidadãos uma questão crucial. Em primeiro lugar, a globalização e a interconexão: vivemos num mundo cada vez mais globalizado, em que a interconexão aumenta a complexidade das questões enfrentadas pelos cidadãos, tornando necessária uma atuação coordenada e colaborativa para a defesa dos seus interesses.

Depois, a rápida mudança tecnológica: o avanço acelerado da tecnologia transforma profundamente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Novas tecnologias potenciam assinaláveis benefícios, mas também geram dificuldades, que se prendem, entre outras, com a salvaguarda da privacidade, da segurança cibernética e do acesso equitativo aos meios tecnológicos e à informação.

Em terceiro lugar, as desigualdades sociais e económicas: o acesso desigual a recursos, oportunidades e serviços pode deixar certos grupos de cidadãos em situações de extrema vulnerabilidade.

Em quarto lugar, a complexidade das instituições e dos processos de tomada de decisão.

Finalmente, os desafios ambientais e de sustentabilidade ou responsabilidade.

Em síntese, a arduidade deste nosso tempo, marcada pela globalização, pela rápida mudança tecnológica, pelas desigualdades sociais e económicas, pela complexidade dos processos e dos desafios a que estamos convocados, destaca a importância crítica de existirem soluções, como o provedor – entendido como aquele que provê à justiça que falta - , para oferecer especial proteção a quem dela mais precisa, ou a quem, pela sua especial condição, se encontra particularmente exposto às consequências nocivas de práticas de má prestação de serviços.

Para proteger, no fundo, os mais vulneráveis…

Por outras palavras, perante este quadro, tão diverso e tão complexo, parece inelutável que a existência, também no contexto das Ordens Profissionais, de instrumentos vários que elevem a proteção dos cidadãos que recorrem aos serviços prestados pelos membros das associações públicas profissionais se afigura como positiva.

Com efeito, para que a salvaguarda dos direitos seja, como tem constantemente afirmado a Sr.ª Provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral, uma “cultura vivida”, uma “realidade observável” e não uma [mera] afirmação pleonástica de princípio ou uma proclamação em normas gerais e abstratas, importa promover soluções que garantam a proteção desses mesmos direitos, entre as quais se conta o provedor dos destinatários dos serviços, conforme, aliás, já havia sido estatutariamente reconhecido pela OSAE, ainda antes da alteração promovida pela Lei n.º 7/2024, de 19 de janeiro.

Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
“A

RJECC representa uma estrutura fundamental na criação de um espaço judiciário europeu ‘sem fronteiras’.”

ROSA LIMA

Juíza Desembargadora e Ponto de Contacto da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial

ENTREVISTA ANA FILIPA PINTO / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE

Da ambicionada Aldeia Global a um Globo que, de repente, parece mesmo uma Aldeia, foi um instante. E um clique. Neste processo de mudança acelerado, profundo e permanente, a Justiça foi confrontada com exigências sem par e o seu funcionamento efetivo passou a depender do diálogo e da cooperação para lá das fronteiras, bem como do pleno cumprimento da expressão “União Europeia” (UE). É neste contexto, de desafios e oportunidades, que surge a Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial (RJECC), no âmbito da qual Rosa Lima, Juíza Desembargadora no Tribunal da Relação de Lisboa, exerce, desde janeiro de 2022, as funções de Ponto de Contacto. Convicta de que só o esforço conjunto poderá permitir a “criação de um único ‘idioma’ que exprima uma Europa mais justa e segura” e evidenciando a importância da continuidade da aposta na formação e nas ferramentas tecnológicas, nesta entrevista, Rosa Lima salienta os avanços já alcançados e o quanto a aplicação do Direito Comunitário deixou de ser uma exceção nos tempos que correm e no dia a dia dos profissionais ligados à Justiça. Tempos em que, na sua perspetiva, impera uma “visão muita mais globalizada e universal da Justiça, (…) imbuída de maior sensibilidade e preocupação, como se toda a Justiça da União coubesse numa pequena aldeia”.

Aproveitando um dos grandes temas das Jornadas de Estudo dos Solicitadores e Agentes de Execução 2024: a Justiça já é tão global quanto a aldeia? Ou as Leis de cada país acabam mesmo por ainda ser, muitas vezes, como idiomas distintos?

Metaforicamente falando, podemos dizer que, por força do «primado do direito da UE» e do seu «efeito direto», a Justiça da UE é cada vez mais uma “cidade” onde, no trilho do respeito pela história, cultura e tradições de cada uma das suas “aldeias”, se almeja a aplicação uniforme e sistemática de regras e valores invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como os princípios de liberdade, democracia, igualdade e Estado de Direito. Esse é o caminho e prioridade na criação deste “espaço comum”, o qual respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguística, para o que muito tem contribuído um esforço conjunto e recíproco de todos os Estados-Membros da UE na criação de um único “idioma” que exprima uma Europa mais justa e segura.

De que forma poderemos explicar o papel da rede judiciária europeia em matéria civil e comercial?

A missão passa por contribuir para essa dimensão “sem fronteiras” da Justiça, designadamente no espaço europeu?

A decisão que criou a rede judiciária europeia em matéria civil e comercial – RJECC - (Decisão 2001/470/CE do Conselho, de 28 de maio de 2001, alterada pela Decisão 568/2009/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009) faz parte de um conjunto de políticas da UE com o objetivo de concretizar o “Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça”, visando aproximar as autoridades judiciárias dos diferentes Estados-Membros e instituir meios de colaboração entre as mesmas. A RJECC tem, assim, como objetivos principais os de reforçar, acelerar, simplificar e melhorar a cooperação judiciária, em matéria civil e comercial, entre os países da UE, facilitando, desta forma, o tratamento de casos transnacionais. É, pois, uma importante estrutura informal e flexível, composta por pontos de contacto em cada Estado-Membro, atualmente com mais de 500 membros, entre os quais, associações que representam os profissionais diretamente envolvidos na aplicação do direito da União e de instrumentos internacionais de direito civil e comercial a nível nacional nos Estados-Membros, como é o caso da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE). Nas suas vertentes de reforço da cooperação entre autoridades, com o intuito de ajudar as pessoas envolvidas em processos civis e comerciais de natureza transnacional, de acesso e partilha de experiências sobre a aplicação do direito da UE, com vista a identificar as fraquezas e a explorar formas de reforçar o mesmo e, bem assim, de identificação de soluções que facilitem a aplicação prática dos instrumentos legais da UE, a Rede

representa uma estrutura fundamental na criação de um espaço judiciário europeu “sem fronteiras”. E traz benefícios “palpáveis” para todos os cidadãos da União.

E quanto ao cargo de Ponto de Contacto, que prioridades estabeleceu ao assumir esta função? Tendo por referência tudo quanto acabei de referir, uma das prioridades que logo coloquei em prática foi a de elaborar um Projeto Europeu com a finalidade de dar a conhecer o papel do Ponto de Contacto da RJECC a todos os juízes e oficiais de justiça da área civil e comercial e, por outro lado, levar informação atualizada sobre os instrumentos da UE, através de sessões de curta duração, abrangendo todos os tribunais do nosso país (Improve Justice Court to Court – IJC2C). Tal projeto, com a duração de 24 meses, veio a ser aprovado pela Comissão Europeia, estando já em fase de execução desde 1 de janeiro de 2024 e com um feedback muito positivo por parte dos seus destinatários.

A RJECC tem, assim, como objetivos principais os de reforçar, acelerar, simplificar e melhorar a cooperação judiciária, em matéria civil e comercial, entre os países da UE, facilitando, desta forma, o tratamento de casos transnacionais.

Ser uma voz agregadora de diferentes anseios é um desafio ou o consenso é o mais frequente?

O consenso deve ser sempre o objetivo quando estamos integrados numa “União” cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões devem estar suportadas por valores comuns a todos, tais como: a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres. Sendo a RJECC um instrumento criado pela UE para melhorar, acelerar, simplificar e facilitar a cooperação judiciária efetiva, cabe aos seus Membros, como é o caso dos Pontos de Contacto da Rede, o desafio de encontrar uma solução consensual, que sirva os objetivos da União e, ao mesmo tempo, respeite a diversidade interna de cada Estado-Membro.

Em que áreas sente que há mais passos a dar para que seja mais simples fazer Justiça mesmo quando há fronteiras envolvidas?

Penso que a área da formação por parte dos operadores judiciários nacionais pode e deve ser melhorada, pois só assim é garantida a aplicação correta do Direito da União. Não é, pois, de olvidar os incentivos que a UE disponibiliza para as atividades de formação ao abrigo de programas financeiros pertinentes. Acrescento, ainda, a necessidade de combater um certo estigma que ainda paira de que se trata de matérias que só excecionalmente aparecem. Por fim, considero igualmente importante haver uma certa empatia com o Direito da União! A formação contínua, adequada e atualizada, e o necessário incentivo à sua frequência são, com certeza, os passos mais importantes para “desmistificar” e “simplificar” a Justiça sem fronteiras.

E que avanços destacaria como os mais impactantes dos últimos anos? A tecnologia tem sido uma aliada?

A intervenção pertinente, necessária e adequada por parte do legislador da UE, em matérias de política de cooperação judiciária civil, para facilitar o exercício de direitos através das diversas fronteiras, para aproximar as autoridades judiciárias dos diferentes Estados-Membros, para instituir meios de colaboração entre as mesmas e para fomentar a coordenação e compatibilidade entre as várias ordens jurídicas. Em estreita articulação com o legislador da UE, saliento, também, o papel que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vem desempenhando ao optar por uma interpretação uniforme e autónoma dos conceitos utilizados nos vários instrumentos jurídicos que integram a cooperação judiciária em matéria civil. Destaco, igualmente, a celeridade, a abertura e a continuidade no diálogo, entre os vários povos da UE, focado na resolução dos conflitos transnacionais, garantindo, assim, uma aplicação uniforme dos instrumentos legislativos em toda a UE, para o que muito têm contribuído os Membros da RJECC. Na efetivação desse diálogo, além da forma presencial, os avanços tecnológicos (designadamente ao nível das plataformas digitas) vieram possibilitar e fomentar a sua continuação, encurtando todas as distâncias geográficas. Prova

de que a tecnologia tem sido, indiscutivelmente, uma aliada neste caminho é a já existência do Regulamento (UE) 2023/2844 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2023, relativo à digitalização da cooperação judiciária e do acesso à justiça em matéria civil, comercial e penal com incidência transfronteiriça (entra em vigor a 1 de maio de 2025, com exceção dos atos mencionados nos artºs. 3.º e 4.º e a que se refere o art.º 10.º/3) e que vem alterar certos atos no domínio da cooperação judiciária. Muito haveria a dizer sobre este Regulamento. Porém, deixo aqui a nota de que se trata de um regulamento que procura melhorar a eficiência e a eficácia dos processos judiciais e facilitar o acesso à Justiça mediante a digitalização dos canais de comunicação existentes, o que deverá conduzir a economias de custos e de tempo, pretendendo-se abranger as pessoas singulares, as entidades jurídicas e as autoridades competentes dos Estados-Membros, assim como reforçar a confiança nos sistemas judiciais.

Penso que a área da formação por parte dos operadores judiciários nacionais pode e deve ser melhorada, pois só assim é garantida a aplicação correta do Direito da União.

Olhando para as áreas de intervenção de solicitadores e agentes de execução, esses avanços foram visíveis e notados no dia a dia destes profissionais?

Uma das funções do Ponto de Contacto é assegurar a coordenação entre os membros da rede a nível nacional, para o que organiza reuniões trimestrais, nas quais, além de outros assuntos, são instados os diversos membros a partilhar as suas dúvidas quanto à aplicação correta do Direito Comunitário e a darem sugestões para facilitar a sua aplicação. O que nos tem sido transmitido, tanto nas reuniões com os membros nacionais, como através dos nossos congéneres, e o que temos percecionado pelos processos transfronteiriços, que têm passado no Ponto de Contacto da RJECC, é que os profissionais da OSAE têm acompanhado a par e passo esses avanços legislativos, jurisprudenciais e tecnológicos, o que logo ressalta da facilidade com que se adaptam aos mesmos, como tem acontecido, por exemplo, em matéria de citação e notificação e na prática dos atos executivos, denotando uma excelente familiarização no uso das mais modernas e inovadoras ferramentas eletrónicas.

Qual a importância da parceria com entidades como a OSAE na implementação do e-CODEX?

No âmbito das políticas incrementadas pela União, com vista a simplificar e facilitar a cooperação judicial transfronteiriça, surge o e-CODEX (e-Justice Communication via Online Data Exchange) – Regulamento (UE) 2022/850 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2022. O sistema e-CODEX é o principal instrumento desenvolvido até à data para assegurar o intercâmbio eletrónico transfronteiriço rápido, direto, interoperável, sustentável, fiável e seguro de dados relacionados com processos, entre as autoridades competentes, permitindo evitar a substituição ou alterações dispendiosas dos sistemas informáticos já estabelecidos nos Estados-Membros. Como parte deste sistema informático descentralizado, o Regulamento veio criar um «ponto de acesso eletrónico europeu», que será alojado no Portal Europeu da Justiça e que funcionará como um balcão único das informações e serviços judiciais da União. Por sua vez, esse «ponto de acesso eletrónico europeu» estará ligado a um ponto de acesso interoperável no contexto do sistema informático descentralizado. A Comissão suportará todos os custos com o ponto eletrónico europeu e os custos da instalação, funcionamento e manutenção dos componentes do sistema informático descentralizado sob sua responsabilidade. Mas é da responsabilidade de cada Estado-Membro, ou entidade que opera um ponto de acesso e-CODEX, suportar os custos de instalação, funcionamento e manutenção dos pontos de acesso ao sistema informático descentralizado que estão sob a sua responsabilidade, bem assim os custos de criação e adaptação dos seus sistemas informáticos nacionais ou,

Da esquerda para a direita: Carlos Rosado, Assessor Jurídico, Rosa Lima, Ponto de Contacto da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, e Tiago Silva, Assessor Jurídico.

se for o caso, de outros sistemas informáticos, a fim de os tornar interoperáveis com os pontos de acesso, e, ainda, os custos da sua gestão, funcionamento e manutenção. Neste contexto de responsabilidades e custos repartidos, parece-nos que a criação de um “único ponto de acesso ao e-CODEX” traria largas vantagens financeiras para todos os nacionais envolvidos e simplificaria a implementação deste Regulamento. Pelo que qualquer parceria entre as várias entidades, profissionais de justiça e autoridades competentes nacionais, designadamente com a OSAE, fará todo o sentido.

Como avalia a implementação dos regulamentos europeus de citação/notificação e de arresto de contas bancárias?

O que poderia ser melhorado?

Avalio de forma muito positiva, assim todos os Estados-Membros consigam implementar, a curto prazo, um sistema informático descentralizado enquanto meio de comunicação obrigatório a utilizar para a transmissão e

receção de pedidos, formulários e outras comunicações, o que irá obrigatoriamente acontecer já em 2025, no âmbito do Regulamento (UE) 2020/1784, respeitante às citações e notificações.

Poderia melhorar o “diálogo” entre as várias instituições responsáveis pela implementação do referido sistema informático, num esforço mais inclusivo de todos os que terão de trabalhar nessa ferramenta. Por parte do Ponto de Contacto da RJECC, destaco que tal assunto tem vindo a ser discutido entre todos os membros nacionais nas várias reuniões, sempre com o intuito de ultrapassar quaisquer barreiras que obstaculizem a implementação efetiva do referido sistema informático.

De que forma podem a OSAE e os seus Associados contribuir para a prossecução da missão do Ponto de Contacto?

A OSAE detém um papel primordial no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil e comercial, sendo uma das associações que representa profissionais dire-

A OSAE detém um papel primordial no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil e comercial, sendo uma das associações que representa profissionais diretamente envolvidos na aplicação do direito da União e de instrumentos internacionais de direito civil e comercial.

tamente envolvidos na aplicação do direito da União e de instrumentos internacionais de direito civil e comercial. Neste sentido, uma correta aplicação do Direito da União e a adoção de procedimentos que facilitem, simplifiquem e acelerem a resolução de casos transfronteiriços garantirão o acesso efetivo dos cidadãos e empresas à Justiça. Esta “missão”, que é comum a todos os Membros Nacionais da RJECC, só pode ter sucesso se baseada numa relação sólida de ajuda mútua entre a OSAE e o Ponto de Contacto da RJECC, o que, felizmente, acontece em Portugal.

Foi nomeada para este cargo em 2021. Muito mudou desde então na sua visão sobre uma Justiça sem fronteiras e tão global quanto a aldeia?

A experiência no exercício deste cargo obviamente que modificou a visão que tinha destas matérias, a qual assentava num contacto esporádico no âmbito dos tribunais, o que não sucede atualmente, pois todos os dias chegam ao Ponto de Contacto solicitações relacionadas com as matérias da cooperação judiciária europeia nas áreas do civil e do comercial. Além desta nova experiência, também o quotidiano social mudou, diversificou-se! A realidade tornou-se multipolarizada e o mundo ficou mais próximo, fruto, por um lado, do desenvolvimento acelerado e exponencial das novas tecnologias de informação e de comunicação e, por outro, do fluxo cada vez mais crescente de correntes migratórias na europa e noutros continentes, a demandar cada vez mais intervenção dos profissionais nestas áreas da cooperação judiciária. Vivemos um tempo que exige uma rápida adaptação a novos conceitos ou a conceitos muito diferentes dos que conhecíamos, onde não há mais lugar para conceitos estanques e rígidos! E prova disso é a quantidade de vezes que o legislador europeu intervém para fazer essa adaptação às novas realidades. Todas estas circunstâncias contribuíram para a criação de uma visão muita mais globalizada e universal da Justiça, sem quaisquer limites geográficos ou preconceitos de qualquer natureza, imbuída de maior sensibilidade e preocupação, como se toda a Justiça da União coubesse numa pequena aldeia!

Ordem para Conversar

Acompanhe todos os episodios nas plataformas Spotify e Youtube

Protocolo AIMA – OA/OSAE

A implementação de um protocolo que pode fazer a diferença na vida das pessoas e do país

Celebrado a 5 de março de 2024, o protocolo entre a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AIMA), a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e a Ordem dos Advogados está agora a dar os seus primeiros frutos. Foram cerca de 750 os solicitadores que apresentaram a sua candidatura para prestarem serviços de natureza jurídica à AIMA, no âmbito da instrução de processos de concessão de autorizações de residência e renovações de autorização de residência pendentes, motivo de enorme orgulho para o Bastonário Paulo Teixeira: “Estou certo de que vamos ter uma intervenção decisiva na resolução de um problema com impactos diretos nas vidas das pessoas e na imagem do país. Ou

seja, mais uma vez, os associados desta Casa estão a ser chamados para fazer parte da solução. E isso só nos pode deixar orgulhosos e convictos do reconhecimento que, diariamente, com o nosso trabalho, temos vindo a alimentar e a cimentar junto da sociedade”.

De recordar que a OSAE tem vindo a manter, desde março, um diálogo de cooperação com a AIMA e com a Estrutura de Missão para a Recuperação de Processos Pendentes, entretanto criada para resolver o histórico dos mais de 400 mil processos de regularização pendentes de análise. “A cada oportunidade de diálogo, evidenciámos a preparação dos nossos associados, mas também a sua idoneidade e forte dimensão ética e deontológica. Quisemos dizer 'presente' – a OSAE e os associados inscritos – num processo que, além de excecional e temporário, representa, acima de tudo, uma oportunidade de serviço à causa pública e defesa dos direitos humanos”, salienta Paulo Teixeira.

Em termos práticos, a instrução dos processos de autorizações de residência e de renovações de autorização de residência implica, no essencial, a análise da informação comprovativa recolhida pela AIMA, a promoção da audiência prévia e a elaboração da competente proposta de decisão administrativa. Para o Bastonário, “sendo os senhores/as solicitadores/as profissionais altamente qualificados/as e tendo em consideração a elevada competência técnica, bem como o conhecimento e experiência nesta matéria, cumprida a frequência da devida formação ministrada pela Estrutura de Missão e após os primeiros processos, crê-se que possa ser breve o tempo despendido na análise dos mesmos”. Já os benefícios, esses, são muitos: “Além de tudo o que já foi elencado, estamos a reforçar a capacidade de resposta da administração pública, tendo em vista assegurar o respeito pela dignidade humana”.

Assim, ao abrigo deste protocolo e do respetivo regulamento de seleção, após o sorteio, ocorrido no passado dia 2 de outubro, os primeiros candidatos seriados frequentaram uma ação de formação que integrou três sessões, as quais tiveram lugar nos dias 8, 9 e 10 de outubro. Estes profissionais – solicitadores, advogados e advogados-estagiários –, que cumpram os requisitos previstos e após a celebração do contrato com a AIMA, receberão,

de acordo com o previamente indicado, um mínimo de 20 e um máximo de 200 processos mensais.

Na breve cerimónia que assinalou o arranque das ações formativas, a qual contou com a participação dos Bastonários das duas Ordens Profissionais, Paulo Teixeira e Fernanda de Almeida Pinheiro, marcaram também presença o Secretário de Estado Adjunto da Presidência, Rui Armindo Freitas, o Presidente do Conselho Diretivo da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, Pedro Portugal Gaspar, e o Coordenador-Geral da Estrutura de Missão para a Recuperação de Processos Pendentes na AIMA, Luís Goes Pinheiro.

Na sua intervenção, além do agradecimento ao Governo, à AIMA e à Estrutura de Missão, o Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, dirigiu ainda uma palavra de gratidão aos solicitadores que, “tal como aconteceu na reforma da ação executiva e na construção do cadastro predial, vão, mais uma vez, fazer parte da solução”. Reforçando que a defesa do cidadão é a missão que os associados da OSAE diariamente procuram cumprir, Paulo Teixeira salientou a importância dos passos dados, sempre em prol de “mais e melhor Justiça, ao acesso de todas e de todos e num tempo que não a torne injusta. E para que, no lugar de um problema, surja uma solução, surja confiança no país e esperança no futuro”.

Quanto aos demais candidatos inscritos que preencham os requisitos definidos no regulamento aplicável ao procedimento, a Estrutura de Missão informa que “serão convocados para as próximas ações de formação, a realizar oportunamente em formato exclusivamente online, de acordo com as necessidades de instrução de processos que resultem do atendimento que está a ser realizado e em função da posição que ocupem na ordem resultante do sorteio, sendo que todos os que submeteram a sua candidatura foram já notificados desta posição”.

Duas comarcas, dois arquipélagos, duas realidades, a mesma missão: uma melhor Justiça para todos

Os Juízes Pedro Soares de Albergaria e Filipe Câmara são, respetivamente, Presidentes dos Tribunais Judiciais das Comarcas dos Açores e da Madeira. Numa época em que a palavra “descentralização” está tão em voga, quisemos conhecer as realidades destas duas comarcas que, estando tão próximas, estão também tão distantes dos centros de decisão. Em comum, os dois presidentes têm o tempo em que estão à frente dos respetivos Tribunais –quatro anos – e as preocupações: dão nota de recursos humanos exíguos e da degradação do imobiliário. Mas, apesar da insularidade e das peculiaridades que daí advêm, o balanço é positivo: a pendência global dos tribunais tem vindo a diminuir e as taxas de resolução processuais atingem números superiores a 100%.

Partimos, então, à descoberta das duas comarcas. Começamos pelos Açores. “A Comarca dos Açores tem uma óbvia peculiaridade: é insular e, sobre isso, arquipelágica, abrangendo nove ilhas. De acordo com o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, «a cada ilha, com exceção do Corvo, deve corresponder, pelo menos, um juízo do tribunal de primeira instância.» Pois bem, essa circunscrição compreende 18 juízos espalhados por oito ilhas, com exceção do Corvo, cuja jurisdição cabe ao Juízo Local Genérico de Santa Cruz das Flores. A esses juízos acresce, apenas para efeitos de gestão, o Tribunal de Execução de Penas dos Açores. Em termos de dimensão, o Tribunal Judicial da Comarca Açores é um tribunal de dimensão média, a nível nacional, contando com 32 a 36 juízes, aos quais acresce a magistrada judicial titular do Tribunal de Execução de Penas dos Açores. Do ponto de vista do edificado, logo se perceberá, em razão da feição arquipelágica, que o tribunal se posta, em dimensão, na tabela superior das comarcas do país”, refere Pedro Soares de Albergaria, Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores.

Palácio da Justiça de Ponta Delgada
Palácio da Justiça do Funchal

Já a Comarca da Madeira “tem jurisdição sobre as ilhas da Madeira e do Porto Santo e é composta por cinco núcleos: Funchal, com nove juízos especializados, entre os quais um juízo de execução, com 21 lugares de juiz; Santa Cruz, com dois juízos especializados e dois lugares de juiz; Ponta do Sol, com um juízo e um lugar de juiz; Porto Santo, com um juízo e um lugar de juiz (estes dois últimos juízos de competência genérica e atualmente agregados para efeitos de movimento de juízes); e São Vicente, juízo este de proximidade. Está dotada de um quadro atual de 24 juízes efetivos, 26 magistrados do Ministério Público e 143 funcionários (39 dos quais afetos aos serviços do Ministério Público), com uma média anual de entradas, registadas desde 2020, de 12.500 processos. O núcleo do Funchal funciona como epicentro, ou seja, onde estão concentrados todos os juízos centrais”, explica Filipe Câmara, Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira. E, apesar da insularidade que as une, falamos de comarcas muito diferentes, até mesmo nas realidades com que lidam. “A Comarca da Madeira é uma comarca com alguma dimensão, atenta a média anual de entradas, podendo ser considerada, neste aspeto, uma comarca média, mas com uma grande diversidade de espécies processuais, que espelha o tecido industrial/comercial/social do arquipélago, ligado essencialmente ao turismo, que desencadeia um forte crescimento no setor imobiliário e dos serviços/restauração. Daí as especializações dentro da área cível, com ênfase para os juízos de comércio e de execução. Assim, as maiores entradas de processos registam-se na área cível, com relevo para os processos executivos (de natureza cível e criminal), processos de maior acompanhado e, nos últimos anos, processos de inventário.”

Já nos Açores, o Juiz Presidente dá-nos conta de uma grande heterogeneidade: “O Tribunal Judicial da Comarca dos Açores tem jurisdição sobre uma realidade muito heterogénea, que vai desde a ilha do Corvo, com uma população limitadíssima e com um recorte marcadamente rural, até à ilha de São Miguel, que, ao lado de uma resiliente ruralidade, comporta já traços bem (e cada vez mais acentuadamente) urbanos (…). Há também fenómenos distintos conforme as ilhas. Como exemplo, e como curiosidade, verifica-se que, em São Miguel, são raros os litígios relevantes do domínio sobre terrenos rústicos (direitos reais), mas são comuns aqueles em que está implicada uma discussão sobre aspetos obrigacionais a respeito desses mesmos terrenos (arrendamento rural). Nos Açores, o perfil da litigiosidade é não apenas globalmente diversificado, como é diversificado se tivermos por referência, comparando-as, as diferentes ilhas. Temos de tudo: contratos de diversa natureza, questões de direito do consumidor, muitos inventários e ações de maior acompanhado; na área criminal, feitos tipicamente rurais ao lado de alguma criminalidade mais sofisticada,

“O núcleo do Funchal funciona como epicentro, ou seja, onde estão concentrados todos os juízos centrais.”

FILIPE CÂMARA , Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira

“Nos Açores, o perfil da litigiosidade é não apenas globalmente diversificado, como é diversificado se tivermos por referência, comparando-as, as diferentes ilhas.”

PEDRO SOARES DE ALBERGARIA , Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores

Sede do Tribunal (Açores)
Sala de audiências do Palácio de Justiça de Ponta Delgada
Sala de audiências da Sede do Tribunal (Açores)

nomeadamente tráfico de estupefacientes e crimes económico-financeiros”, avança Pedro Soares de Albergaria. Embora as realidades sejam diferentes, ambos os presidentes consideram que o balanço do trabalho desenvolvido é positivo. No que aos Açores diz respeito, e de acordo com os dados disponibilizados pela comarca, a pendência global do tribunal tem vindo a diminuir, não apenas desde 2020, mas desde a reforma de 2014. Do mesmo modo, o tempo necessário para conclusão de um processo tem vindo a diminuir desde 2020, de resto atingindo, em 2023 (os últimos dados conhecidos), o valor recorde de 174 dias (em 2015, era de 440 dias). “Evidentemente, estes resultados, que são objetivos, não são pertinentes apenas à prestação do presidente do tribunal e dos órgãos de gestão em geral. São, sobretudo, fruto de árduo trabalho de juízes e oficiais de justiça”, salienta o Juiz Presidente.

Mas, porque nem tudo são rosas, há também aspetos menos positivos a destacar, cuja resolução, de acordo com Pedro Soares de Albergaria, depende de terceiros, “em especial da superestrutura da administração da Justiça (DGAJ e IGFEJ)”, e no âmbito dos quais os órgãos de gestão de comarca têm meros poderes de promoção: manutenção de edifícios e outros bens materiais e afetação de recursos humanos, em especial oficiais de justiça. “É aqui que o balanço se mostra menos positivo, sendo necessárias múltiplas intervenções em vários edifícios afetos ao tribunal, algumas urgentes, em especial numa comarca em que a ação do mar e demais elementos é sobejamente conhecida. O mesmo se dirá dos oficiais de justiça, cronicamente em défice, parecendo não se compreender que uma comarca com feição insular coloca singulares problemas de escala que não se podem resolver, como é, porventura, possível em contexto de continuidade geográfica.”

Desafios que são, na sua generalidade, idênticos aos sentidos pela Comarca da Madeira. “À semelhança das demais comarcas do país, a Comarca da Madeira debate-se com dois problemas essenciais, cuja resolução extravasa as suas competências: a falta de funcionários, agravada pela subdimensão do respetivo quadro e do envelhecimento da classe, e a degradação acentuada do respetivo imobiliário, ambos decorrentes da falta de investimento por parte da tutela, situações que condicionam o trabalho que lhe é exigido. No entanto, a comarca tem conseguido, até ao momento, e desde a sua criação, em setembro de 2014, ainda que com dificuldades crescentes, dar uma resposta positiva, registando taxas de resolução geral superiores a 100%, quer na estatística oficial, quer na estatística da secretaria, resultado extensível à generalidade dos juízos, onde se destaca, além de outros, o juízo de execução do Funchal, com registo de taxas de resolução anual superiores a 130%”, refere Filipe Câmara.

Ainda neste contexto, o Juiz Presidente aproveita a

oportunidade para destacar a importância do trabalho desenvolvido pelos agentes de execução na Comarca da Madeira, fundamental para que se atinjam as taxas acima referidas e para garantir a eficácia e a eficiência dos serviços. Por tudo isto, “o acesso à Justiça, por parte dos serviços da comarca, está garantido, tendo sido possível, até ao momento, responder de forma adequada e atempada às pretensões/exigências das pessoas que recorrem aos nossos serviços, sendo a opinião generalizada que o nosso funcionamento é equilibrado e eficaz”. Nos Açores, há uma outra visão sobre o que são os desafios e obstáculos sentidos diariamente: “Creio que os escolhos para um mais satisfatório acesso ao Direito residem menos no quadro de magistrados e oficiais de justiça existentes (apenas uma das ilhas, na qual é pressuposto ter juiz residente, está, por medida de gestão, privada dele – a Graciosa –, sendo o serviço totalmente assegurado pelos magistrados de São Roque do Pico) do que na cobertura do arquipélago por outros profissionais do foro, em especial advogados e solicitadores, que, na verdade, condicionam, e em termos essenciais, o acesso ao direito”. Pedro Soares de Albergaria dá mesmo conta de que, de acordo com o último relatório de gestão (relativo ao ano 2023), as ilhas do Corvo, Flores e Pico não contam com qualquer solicitador residente. Para o Juiz Presidente, os solicitadores e os agentes de execução são profissionais que, “tendo em conta as funções que lhes são legalmente cometidas, dão um contributo muito relevante para o acesso ao Direito e à Justiça (…). Isso será especialmente relevante, precisamente, como acima referi, nas ilhas mais pequenas e mais carecidas de recursos humanos dessa natureza”.

Num contexto marcado por desafios e mudanças permanentes, que também se fazem sentir na Justiça, a última pergunta foi exatamente sobre a marca que ambos os presidentes gostariam de deixar na sua comarca face ao que é, hoje, a realidade do país e das regiões autónomas. As respostas são, uma vez mais, complementares. Filipe Câmara confessa que a aceitação do cargo de Juiz Presidente não visou deixar qualquer marca na comarca, tal como a escolha de ser Juiz, pelo que pretende, com o seu trabalho, transmitir o seu compromisso e dedicação à Justiça. “O resto, se houver, virá por acréscimo”, acrescenta. Dos Açores, pela mão de Pedro Soares de Albergaria, vem o desejo de contribuir para que se possa deixar a marca “de uma Justiça fiável, próxima do cidadão, que cumpre com sobriedade, sem mediatismos e protagonismos impróprios”.

No fundo, uma melhor Justiça para todos é a marca ambicionada por todos aqueles que, diariamente, a servem. E, dia após dia, esse desejo renova-se e espelha os anseios dos cidadãos e do país. De todo o país. Um país que, embora encerre em si muitas especificidades e idiossincrasias, partilha esta missão sem hesitações.

Inovação

Três novos projetos, inúmeros benefícios para os associados

O investimento em soluções tecnológicas, que facilitem o dia a dia dos associados e promovam um trabalho mais eficaz e eficiente junto dos cidadãos, sempre foi, e continuará a ser, um dos grandes objetivos da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e do seu Instituto de Tecnologia e Inovação (ITI).

Assim sendo e porque o caminho da inovação não para, foram apesentados, nas Jornadas de Estudo 2024, três novos projetos que, muito em breve, serão uma realidade e, certamente, o início de novas apostas da OSAE.

Plataforma de envio de SMS

De forma a facilitar a comunicação entre a OSAE e os seus associados, encontra-se em desenvolvimento uma plataforma que irá permitir o envio de mensagens SMS em massa para os Solicitadores e os Agentes de Execução. Este serviço, que tornará mais rápido e eficaz o envio de informação, utilizará o sistema Gateway de SMS da Agência para a Modernização Administrativa (AMA). Nas palavras de Duarte Pinto, Diretor do ITI, trata-se de “um método simples, amplamente conhecido por todos, que não necessita de acesso à internet e que permitirá uma comunicação mais clara e eficaz”.

Através desta plataforma, os associados poderão receber, nos seus telemóveis, via SMS, entre muitas outras comunicações, palavras-passe de acesso às plataformas da Ordem, informações como a retoma da disponibilidade dos sistemas, caso haja, por exemplo, uma intervenção, ou, ainda, a nota do cancelamento inesperado ou do reagendamento de um evento ou formação,

Cédula profissional na aplicação móvel id.gov.pt

Correspondendo a um anseio partilhado, em breve estará garantida a disponibilização do cartão da cédula profissional de associado da OSAE na aplicação móvel id.gov.pt.

“Atualmente, a OSAE já partilha os dados profissionais dos seus associados com a AMA, no âmbito do Sistema de Certificação de Atributos Profissionais – SCAP. Isto permite que o associado, através do seu Cartão de Cidadão ou da Chave Móvel Digital, se autentique ou assine na qualidade de Solicitador e/ou Agente de Execução. Mas não é suficiente. Por isso, estamos a preparar, em articulação com a AMA, a disponibilização destes dados profissionais, associados ao cartão da cédula profissional, na aplicação móvel id.gov.pt”, explica Duarte Pinto. Assim, ficará facilitado o acesso a este documento em qualquer circunstância, a partir do telemóvel ou do tablet, sem comprometer a segurança do cidadão.

Vinhetas digitais

A desmaterialização e a digitalização são, cada vez mais, objetivos presentes e prioritários nas missões assumidas por empresas e instituições. A OSAE não é exceção. Partindo desta certeza, a Ordem está a trabalhar para disponibilizar um mecanismo de geração de vinhetas digitais, as quais, após um trabalho levado a cabo no âmbito dos regulamentos, poderão ser uma alternativa às atuais vinhetas em papel, aumentando o leque de soluções ao dispor dos associados.

O processo, realizado em articulação com a Imprensa NacionalCasa da Moeda (INCM), irá passar pela geração de um QR Code que conterá toda a informação relevante sobre o documento em causa, incluindo os dados do associado, garantindo a sua licitude . Aliás, por questões de segurança, apenas uma aplicação específica da INCM permitirá a leitura dos dados contidos no QR Code e o posterior acesso ao documento assinado por esta via.

De acordo com Duarte Pinto, “este processo vai trazer ganhos diversos, nomeadamente nos campos da sustentabilidade, da transparência e do rigor”.

CONSELHO REGIONAL DO PORTO “O fim é apenas o começo de uma nova jornada”

Este mandato do Conselho Regional do Porto (CRP) da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) destacou-se pela implementação de um vasto conjunto de iniciativas com o objetivo de fortalecer a classe, promover a proximidade entre os associados e melhorar a eficácia dos serviços prestados pelos solicitadores e agentes de execução na região. O mandato, liderado por uma equipa comprometida com a inovação e a modernização, foi marcado por ações voltadas para a valorização profissional, aprimoramento das competências e defesa do interesse público.

Formação e aperfeiçoamento profissional

Uma das preocupações deste mandato foi a formação contínua dos associados inscritos. O Conselho Regional do Porto organizou diversos encontros, debates e conferências, com temas que foram desde a prática processual, em áreas emergentes, até à adoção de novas tecnologias. Estas iniciativas visaram não apenas a atualização de conhecimentos, mas também o reforço de competências para lidar com os desafios trazidos pelas alterações legislativas e pelas novas dinâmicas do mercado.

Entre as formações mais procuradas estiveram as que abordaram a prática processual, a resolução extrajudicial de litígios e o reforço das competências individuais. Através da presença de personalidades conceituadas, o Conselho Regional do Porto conseguiu diversificar a

oferta formativa, mantendo a qualidade e a pertinência dos conteúdos.

Proximidade com a comunidade

Com a constante preocupação em reforçar o vínculo entre a classe e a comunidade, o Conselho Regional do Porto promoveu o papel dos solicitadores e dos agentes de execução. Este esforço de comunicação foi garantido nos inúmeros eventos em que esteve presente, com o objetivo de aproximar os profissionais da população e aumentar o conhecimento sobre os seus serviços.

Foram realizadas sessões de atendimento público nas instalações do Palácio da Justiça, na cidade do Porto, nas quais os cidadãos puderam obter informações sobre procedimentos legais e receber aconselhamento em matérias jurídicas. Estas iniciativas demonstraram a importância de uma assistência jurídica de proximidade, permitindo aos cidadãos mais vulneráveis, ou em situações de conflito, o acesso a uma primeira orientação jurídica qualificada.

Valorização e defesa da classe

Durante este mandato, o Conselho Regional do Porto destacou-se também na defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus membros. Foram desenvolvidos esforços para garantir uma maior valorização das profissões, além de um combate constante à concorrência desleal e à prática ilegal de atos reservados aos solicitadores e agentes de execução.

Houve ainda um diálogo contínuo com as autoridades judiciais e administrativas, no sentido de melhorar as condições de trabalho dos profissionais. O Conselho Regional do Porto interveio ativamente na elaboração de propostas que visam a desburocratização de processos e o reforço da eficiência dos serviços, em colaboração com o Conselho Geral da OSAE.

Inovação e digitalização

Com o avanço das tecnologias e a necessidade crescente de modernizar os serviços prestados, a digitalização tornou-se uma das principais prioridades do Conselho Regional do Porto. O uso de plataformas digitais e de ferramentas de gestão de processos foi amplamente incentivado, tanto na formação dos profissionais, quanto na sua implementação prática.

O Conselho Regional do Porto apoiou os membros na adaptação às novas ferramentas tecnológicas. A desmaterialização de documentos e a automatização de certos procedimentos administrativos foram algumas das áreas que receberam maior atenção, com o objetivo de reduzir os tempos de resposta e aumentar a eficiência.

Desafios e perspetivas finais

Apesar dos avanços alcançados, este mandato não esteve isento de desafios. O Conselho Regional do Porto enfrentou dificuldades decorrentes das mudanças legislativas e da complexidade crescente dos processos, além

de um cenário socioeconómico marcado pela incerteza e pela crise. No entanto, a capacidade de adaptação e a resiliência demonstrada pelos solicitadores e agentes de execução foram determinantes para manter a qualidade e a celeridade dos serviços prestados.

A caminho do final do mandato, o balanço das atividades realizadas pelo Conselho Regional do Porto revela um período de intenso trabalho, marcado pela aposta na formação, inovação e na defesa intransigente dos interesses da classe e da comunidade. As sementes, plantadas durante este ciclo, darão certamente frutos nos próximos anos, consolidando ainda mais o papel dos solicitadores e dos agentes de execução como figuras-chave no sistema de Justiça português.

Conclusão

Neste mandato, o Conselho Regional do Porto reforçou o compromisso com a modernização, a valorização profissional e o serviço público. As ações implementadas consolidaram a posição dos solicitadores e dos agentes de execução como intermediários essenciais no acesso à Justiça e colocaram a inovação e a proximidade ao cidadão no centro das suas prioridades. Encerramos um ciclo com orgulho pelo que construímos, mas também com a convicção de que o trabalho ainda não acabou. Nunca acabará. E o próximo ciclo trará, certamente, novos desafios, mas também a oportunidade de aprofundar e expandir os avanços já alcançados.

CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA

Sete anos, dois mandatos e tanto aconteceu.

É com um misto de emoções que escrevo este artigo, aquele que será o meu último artigo na qualidade de Presidente Regional. Um projeto diferenciado, a nossa Sollicitare, que espero que se mantenha com vigor e cheio de novidades para quem nos lê.

Ao longo dos dois mandatos, tive a honra e o privilégio de, em conjunto com pessoas extraordinárias, servir a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) enquanto Presidente do Conselho Regional de Coimbra (CRC). Este percurso, que teve início em 2018 e foi renovado em 2022, não foi simplesmente uma experiência de liderança, foi igualmente uma experiência enriquecedora e transformadora e, sem dúvida, um processo de profundo crescimento pessoal e profissional. Agora, ao escrever este último artigo enquanto Presidente do CRC, é com uma gratidão imensa, um orgulho enorme e a humildade de sempre que faço um balanço deste trajeto.

Desde o início, o CRC estabeleceu como uma das principais prioridades a proximidade com os associados e a promoção da transparência nas nossas atividades. A nossa profissão, tantas vezes desafiada e testada pelas adversidades do tempo, exigia que se estreitassem laços com os colegas, que se soubesse ouvir e, sobretudo, responder às necessidades dos associados.

A criação do “Itinerário de Proximidade” foi uma das primeiras medidas concretas nesse sentido. Através deste projeto, visitámos vários concelhos da nossa região, reunindo com os Chefes dos Serviços de Finanças e Conservadores de Registos, ouvindo diretamente os nossos colegas e abordando temas como a ação executiva e o combate à procuradoria ilícita.

Esta proximidade permitiu reforçar laços institucionais e sensibilizar para os desafios da nossa profissão. O sen-

timento de comunhão, que nasceu destes encontros, e a confiança que fomos construindo foram, sem dúvida, muito gratificantes, com notório proveito para todos nós.

Ao longo do primeiro mandato, também promovemos, em colaboração com outros órgãos, fóruns em todos os distritos da nossa área de competência, permitindo que os nossos colegas tivessem acesso direto a debates sobre temas de extrema relevância para o futuro da nossa classe.

A organização de sessões de esclarecimento sobre as plataformas eletrónicas da OSAE e a fiscalização da atividade profissional, em colaboração com o Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE) e com apoio da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), foi igualmente um pilar essencial deste primeiro ciclo.

Outro ponto que nos enche de orgulho, e inspirados pela enorme resiliência que os colegas manifestaram, foi a forma como, durante a pandemia COVID-19, nos adaptámos e continuámos a dar apoio aos nossos membros, organizando os mais variados eventos em formato online, garantindo que o CRC permanecia ao lado dos associados num dos momentos mais desafiantes da nossa história recente.

Todas essas ações só foram possíveis graças à colaboração incansável de uma equipa dedicada e comprometida, à qual deixo o meu profundo agradecimento: ao Leandro, ao Amílcar, à Edna e à Graça. O sucesso deste projeto de proximidade deve-se, sem dúvida, à confiança e participação dos nossos associados, que sempre responderam com interesse e entusiasmo às nossas iniciativas.

Ao assumir o segundo mandato, em 2022, reforçámos o compromisso de manter a energia e determinação que pautaram o nosso trabalho até então. Entre os marcos

deste período, destaco a criação da Biblioteca José Carlos Resende, em 2023, na sede do CRC, em Coimbra, e que será inaugurada no dia 22 de novembro. A data escolhida coincide com o dia da inscrição de José Carlos Resende, como Solicitador, na então Câmara dos Solicitadores. Este projeto representa não só um espaço de partilha de conhecimento, mas também uma homenagem ao Bastonário José Carlos Resende, cujo legado permanecerá vivo no seio da OSAE.

Além disso, e porque sentimos que a nossa profissão estava a atravessar um período de mudanças significativas, continuámos a promover a proximidade, desta vez através do ciclo de eventos “Aproximar para Construir”. Esperamos que possa ser uma das heranças assumidas pela próxima equipa eleita para o CRC, sob este mote ou outro idêntico, pois é uma prova viva daquele que deverá ser sempre o nosso compromisso: ser um CRC próximo dos associados — não apenas como uma ideia, mas como uma prática que traz resultados concretos, permitindo um contacto mais eficaz com a Ordem. E, por isso, a cooperação com os Tribunais da região também se manteve como um dos eixos centrais da nossa atuação, com o objetivo de melhorar as condições de trabalho dos Solicitadores e Agentes de Execução.

Nenhum destes projetos, nenhum destes marcos seria possível sem o apoio de uma equipa incansável e dedicada, a quem renovo os meus agradecimentos: ao Amílcar, à Edna, à Graça e ao Bruno. O sucesso de qualquer liderança reside, antes de mais, na força do coletivo. E reforço o agradecimento aos Colaboradores da OSAE, a todos eles e elas, deixando, no entanto, um especial obrigado ao Armando, à Carina, à mais recente integrada na equipa, a Patrícia, e ao André. Foram pessoas cruciais nestes dois mandatos. Bem assim como a colaboração com os demais órgãos, que, no global, foram fundamentais na consolidação do nosso Conselho Regional. Foi com o apoio das nossas Delegações, Distritais e Concelhias, dos demais Representantes, de cada um dos nossos associados, Solicitador e/ou Agente de Execução, dos nossos Estagiários, que connosco começaram este percurso, e dos funcionários forenses, que fomos conhecendo os desafios e crescendo nesta caminhada.

Ao longo destes anos, uma das nossas preocupações foi sempre fortalecer a cooperação entre os diferentes órgãos da Ordem e promover a interação com a sociedade civil. A colaboração com os Conselhos Regionais, de Lisboa e do Porto, bem como com o Conselho Geral e Colégios Profissionais, nomeadamente nos “OSAE por perto” e em eventos como a Gala de Natal, a Caminhada pelos Passadiços do Paiva, o Torneio Inter-regional, en-

tre muitos outros, reforçou o espírito de união e partilha que considero essencial para o fortalecimento da nossa classe.

Do mesmo modo, momentos como a nossa participação no Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, em parceria com a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (APDC), e as intervenções junto do Fórum Regional do Centro das Ordens Profissionais (FoRCOP) demonstraram o compromisso do CRC com temas de interesse social mais alargado, sempre com o intuito de afirmar a importância da nossa profissão no seio da comunidade.

Ao olhar para o futuro, tenho a plena consciência de que a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução enfrenta vários desafios. A transformação digital, a interoperabilidade que se impõe, a crescente complexidade legislativa, a constante necessidade de adaptação e a permanente permeabilidade a novas áreas de atuação são realidades que continuarão a exigir de todos nós uma postura proativa, de evolução e, acima de tudo, colaborativa.

Acredito que o futuro da OSAE deve alicerçar-se, pois, em dois grandes pilares: a participação ativa dos seus associados e a capacidade de adaptação aos novos tempos. Uma Ordem só pode prosperar se todos nós, enquanto classe, estivermos envolvidos nas suas decisões e na vida interna. Só assim poderemos continuar a fortalecer a nossa classe, mantendo uma Ordem que seja, simultaneamente, próxima dos seus membros, dinâmica nas suas ações e representativa da importância dos Solicitadores e Agentes de Execução na sociedade.

Chego ao final deste mandato com a certeza de que demos o nosso melhor, em prol da valorização da nossa profissão e da união entre todos. Quanto a mim, permitam-me partilhar que, com esta experiência, aprendi que a verdadeira liderança não se faz de decisões solitárias, mas de um trabalho conjunto, alicerçado na confiança e no respeito mútuo. Deixarei o cargo com uma enorme gratidão e humildade, consciente de que cada passo dado foi fruto de um esforço conjunto, de uma equipa que, como eu, se dedicou com afinco à missão de fazer do Conselho Regional de Coimbra uma casa de proximidade, transparência e excelência. A todos os que estiveram ao meu lado nesta caminhada, o meu mais sincero agradecimento.

Sete anos, dois mandatos e tanto aconteceu. E este artigo, longe de conseguir ser um resumo, é um até breve, pois esta missão que é ser Solicitadora e o compromisso com a nossa Ordem, mais do que deveres, serão sempre sinónimos de orgulho, amor e devoção.

CONSELHO REGIONAL DE LISBOA

Aprendizagem, orgulho e gratidão

TEXTO DÉBORA RIOBOM DOS SANTOS

Presidente do Conselho Regional de Lisboa

O último artigo deste mandato, mais curto do que o previsto, é uma reflexão sobre o percurso trilhado nestes três anos e um profundo agradecimento à equipa que me acompanhou, não só aos membros dirigentes do Conselho Regional de Lisboa, João Pedro Amorim, Carla Matos Pinto, Marina Campos e José Jácome, mas também às nossas Colaboradoras, Dília Sousa, Carla Coutinho, Anabela Botinas e Filipa Silva, às nossas Delegações Distritais e respetivas equipas, às nossas Concelhias e representantes.

Relembrar como começou este mandato gera em mim uma forte emoção. Tanta que não consigo sequer conter as lágrimas. A vitória, uma lança em África, e o que, a seguir, vivi fizeram-me crescer e conhecer o poder da lealdade, da entreajuda, da amizade e não só.

Candidatei-me pela mão do José Carlos Resende, a quem fiz tantas perguntas. Tantas que estou certa de que o cansei. Mas tinha medo do desconhecido, medo de não ser capaz, de não estar à altura. Incentivou-me sempre e descansou-me, dizendo que eu iria aprender muito e que ele estaria sempre ali. Hoje não está, mas a verdade é que esteve sempre que lhe liguei, transmitindo calma e sabedoria. E, neste momento, reconheço o que já aprendi e, também por isso (mas não só), terá o meu eterno obrigada.

A equipa do Conselho Regional de Lisboa tinha um objetivo amplo, com muitas ideias, muita vontade de fazer e de concretizar, que se mantém e manterá até ao final do mandato. No entanto, quando entrámos pela primeira vez nas instalações do Conselho Regional, nem sabíamos por onde começar.

Contámos com o apoio da nossa equipa residente: a Anabela Botinas, para quem os associados são tudo e

que procura sempre encontrar a melhor solução para os seus problemas; a Carla Coutinho, que tanto sabe sobre os Agentes de Execução e os empregados forenses; e a Filipa Silva, que é a primeira voz que os futuros associados conhecem, porque trata dos temas de estágio e dos estagiários.

A equipa residente ficou mais rica neste mandato com a entrada da Dília Sousa. É inexcedível. Tem um conhecimento profundo da nossa casa, tem sempre uma perspetiva e uma palavra positiva, vontade de ajudar, de criar harmonia, e é o apoio dos dirigentes do Conselho Regional de Lisboa, mas também das Delegações Distritais.

Obrigada a esta equipa desafiante e desafiadora.

Coordenar as atividades das Delegações Distritais foi também muito gratificante, não só pelo contacto mais próximo com colegas que não conhecíamos, mas também pela oportunidade de conhecer, de perto, o dia a dia dos profissionais de cada região, de perceber as diferentes formas de atuação dependendo da zona do país, de debater ideias, de criar laços, de sentir que, afinal, pertencemos a uma grande família profissional e que a distância é apenas a desculpa para quando não queremos fazer o esforço de estar perto.

O Conselho Regional de Lisboa tentou organizar eventos em todas as suas Delegações Distritais, mas a verdade é que a antecipação das eleições prejudicou duas das suas delegações – Madeira e Beja. Aos seus associados e às Delegadas, Fátima Barros Ferreira e Marta Palma, pedimos as nossas mais sinceras desculpas. Esperamos que, no próximo mandato, possam ser as primeiras delegações distritais a receber eventos.

E já que falamos dos nossos Delegados Distritais… Aos nossos Delegados Distritais de Santarém (Carlos Órfão),

Lisboa (Carla Mestre), Évora e Portalegre (Carla Franco Pereira), Beja (Marta Palma), Setúbal (Nuno Godinho), Faro (Maria José Santos), Açores (Marta Couto) e Madeira (Fátima Barros Ferreira) e às suas equipas, um agradecimento pelas iniciativas que promoveram na V/região, pela disponibilidade e pela ajuda que deram nos eventos regionais.

Quero agradecer também à colega Anabela Veloso (Presidente do Conselho Regional de Coimbra) e ao colega Nicolau Vieira (Presidente do Conselho Regional do Porto) pelo trabalho de equipa que realizámos neste mandato. Demos pequenos e grandes passos e a união que demostrámos, em prol dos nossos associados, foi verdadeira e isso ficou patente na nossa Gala dos Conselhos Regionais. O futuro será outro, mas queremos que fique escrito, para memória futura, que estes três Conselhos Regionais, apesar das suas diferenças, da sua diversidade, conseguiram, sem ceder, conversar, debater e encontrar pontos de convergência em prol dos associados. Obrigada!

À minha equipa e para a minha equipa…. Tudo!

A diferença e a diversidade de idades, na experiência de vida e profissional, nas crenças, nos objetivos caracterizam esta equipa. Mas foi exatamente isso que procurei. Queria uma equipa opinativa, que me dissesse a verdade, que me desse várias perspetivas, que me desafiasse. Foram exímios. A maioria das reuniões terminaram comigo extenuada.

Mas soube sempre que, acontecesse o que acontecesse, estariam ali para me apoiar e para nos amparar. E isto não tem preço. A honestidade dói, mas a lealdade cura.

Os vogais, José Jácome, Marina Campos e Carla Matos Pinto, foram essenciais para trazer a experiência e o co-

nhecimento, vivido na primeira pessoa, sobre a evolução das profissões de Solicitador e de Agente de Execução ao longo dos anos. É essencial conhecermos o nosso passado e saber o que se fazia melhor, o que melhorámos e o que ainda temos a melhorar. Trouxeram a experiência das suas regiões, a alegria às reuniões e a vontade de poder melhorar a vida dos colegas. Obrigada!

O João Pedro Amorim, secretário do Conselho Regional, ofereceu a juventude, a irreverência, o saber estar, a comunicação e a assertividade. É importante perceber onde os jovens querem estar e que profissionais querem ser. Foi um dos pilares, fortes, do Conselho Regional de Lisboa. Obrigada!

É essencial que os jovens oiçam os mais experientes. É essencial que os mais experientes oiçam os mais novos. A evolução da profissão faz-se através da boa comunicação.

Aos associados do Conselho Regional de Lisboa, que estiveram presentes e participaram nas iniciativas que organizámos, deixo um especial agradecimento. Sei que grande parte das vezes deixaram os escritórios, alteraram marcações, preteriram o descanso e a vida familiar… Mas a existência desta organização só faz sentido se os seus associados participarem e se interessarem pela sua dinâmica.

Só podemos exigir dos outros se tivermos também a capacidade de dar à profissão.

Resta-me desejar, para o Conselho Regional de Lisboa, que possa cumprir e recuperar muitas das suas funções, porque tem capacidade técnica e humana para ajudar os associados e fazer crescer a instituição.

Foi uma honra ser Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução. Muito obrigada!

REVISÃO DE SENTENÇA

ESTRANGEIRA:

A (in)suscetibilidade de revisão e confirmação de escritura pública declaratória de união estável.

Como consabido, qualquer decisão provinda do Brasil, apenas terá eficácia e produzirá efeitos na ordem jurídica portuguesa, após revista e confirmada pelo competente Tribunal da Relação. Em crise a problemática questão abordada pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de setembro de 2020 (Processo n.º 1884/19.4YRLSB.S1) e de 20 janeiro de 2022 (Processo n.º 151/21.8YRPRT.S1), os quais se pronunciaram sobre a revisão e confirmação da afamada declaração exarada por escritura pública, lavrada por autoridade administrativa estrangeira – “tabelião”, cujo teor declaratório, prestado pelos interessados, visa asseverar a união estável destes, desde determinada data (inclusive com a permissibilidade dos consortes consignarem data anterior à do ato). Atentemos ao sumário do citado primeiro acórdão, que ora se transcreve: “Uma ESCRITURA PÚBLICA DE DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, outorgada no TABELIÃO DE NOTAS que refere ‘Os contratantes reconhecem expressamente, o fato de estarem vivendo como se casados fossem, desde janeiro de 2005’ e que, ‘Assim o disseram, dou fé, pediram-me e lhes lavrei este instrumento, o qual feito e lido em voz alta, foi achado conforme, aceitaram, outorgam e assinam, juntamente com as testemunhas, a todo ato presentes’, é suscetível de ser revista e confirmada, nos termos dos arts. 978.º e ss. do CPC”. Em sentido antagónico, se pronunciou o acórdão do STJ, de 20 de janeiro de 2022, cujo sumário (igualmente) se transcreve, a bem do bom entendimento do presente: “A escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil não constitui uma decisão revestida de força de caso julgado que recaia sobre direitos privados; daí que não seja susceptível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos dos arts. 978.º e ss. do Código de Processo Civil”. O díspar entendimento jurisprudencial culminou na confirmação do recorrido entendimento do acórdão último, acordando-se no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em uniformizar jurisprudência – vide, o acórdão do STJ n.º 10/2022, de 24 de novembro. Compreendamos, da fundamentação resulta, em suma, que tal declaração exarada por escritura pública, lavrada perante a aludida autoridade administrativa estrangeira – “tabelião”, limita-se a confirmar as declarações prestadas pelos interessados, sem que tal entidade tenha sobre ela feito incidir qualquer juízo vinculativo, com força de caso julgado, razão pela qual não se poderá reconhecer que tal documento - cognominado de “escritura pública” - esteja compreendido, enquanto “decisão”, pelo normativo decorrente do disposto no artigo 978.º, n.º 1, de Código Processo Civil (português). Por outras palavras e de forma simplista, apenas deverá ser valorado enquanto meio probatório - sujeito à

Débora Oliveira Ferreira Solicitadora

livre apreciação do julgador -, não possuindo, pelo dito, força de caso julgado, não alcançando, por conseguinte, a virtualidade necessária para ser confirmado/revisto pelos tribunais portugueses.

Pela relevância de que se reveste, em especial quanto à destrinça das suas indagações, face o eventual ingresso de tais factos no registo civil português, aqui se dá breve nota do parecer do conselho consultivo (N.1/CC/2024). Pacífico é, a questão principal não visava a exigência ou desnecessidade da revisão e confirmação de escrituras públicas de divórcios ou separações consensuais ou de conversão de separação em divórcios celebrados no Brasil, para posterior ingresso de tais factos no registo civil português.

Ora, bem andou o referido parecer quando, relativamente às dúvidas, pontuou que o acórdão em crise - uniformador de jurisprudênciaexclusivamente se debruçou sobre a declaração de união estável, prestada perante entidade estrangeira. Pese embora tratemos de matéria sensível, dados os fins que, não raras vezes, pretendem alcançar os convivas, entre a situação jurídica familiar denominada por “união estável” e as demais referidas “existe uma diferença fundamental”.

Prosseguindo o raciocínio reiterado pelo mencionado parecer, do ordenamento jurídico brasileiro, extrai-se que a declaração dos interessados, contida em escritura pública, não pode nunca ser facto constitutivo da união estável. Dúvidas parecem, agora, não subsistir: “há uma diferença fundamental entre a constituição e a extinção da situação familiar, a regra de que as escrituras públicas declaratórias de união estável não são suscetíveis de revisão e de confirmação concilia-se ou harmoniza-se, sem dificuldade, com a regra de que as escrituras públicas extintivas das relações familiares da união estável sejam suscetíveis de revisão e de confirmação pelos tribunais portugueses (…)”. O que valerá por dizer que as escrituras públicas de divórcio, de dissolução consensual ou de extinção consensual de união estável são suscetíveis (sim) de revisão e de confirmação pelos nossos tribunais, não decorrendo do entendimento que as escrituras públicas declaratórias de união estável sejam suscetíveis igualmente de revisão. Não obstante, em nosso humilde entendimento, podem os interessados, ao abrigo da legislação brasileira, “lançar mão” da faculdade prevista, designada por “conversão de união estável em casamento”, mediante pedido dos próprios ao juiz e ingresso no Registo Civil.

Presidente da CAAJ recebeu Bastonário da OSAE

O Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), Paulo Teixeira, foi recebido, no dia 3 de setembro, pelo novo presidente da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), Renato Gonçalves. Nesta reunião participaram também o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Duarte Pinto, e Emanuel Vieira, membro da nova equipa da direção da CAAJ.

Além da apresentação de cumprimentos, foram debatidos diversos assuntos com interesse para as duas instituições. Nas palavas de Paulo Teixeira, "a reunião correu muito bem e a OSAE, perante esta nova equipa, só pode estar muito expectante e otimista em relação ao futuro e ao reforço dos laços de cooperação em prol da defesa dos interesses do cidadão".

“O

IFBM é uma peça essencial na vida da OSAE e na vida de qualquer profissional.”

FRANCISCO SERRA LOUREIRO

Diretor do Instituto de Formação Botto Machado da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Reconhecendo que o “vício do conhecimento” tem de fazer parte daquela que é a natural forma de estar numa profissão ligada à Justiça, Francisco Serra Loureiro, Solicitador, Vice-Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e Diretor do Instituto de Formação Botto Machado (IFBM) da OSAE, assume a sua paixão por ensinar e aprender diariamente.

Abraçou a direção do IFBM no início de 2022, mas, antes, já tinha desempenhado o cargo de vice-diretor. Conhece a Casa, viveu os desafios da pandemia, colaborou na construção de soluções que ficaram. E, hoje, tem a certeza de que o futuro exigirá uma permanente capacidade de adaptação, tendo sempre em vista corresponder à inesgotável necessidade de atualização e preparação de quem escolhe ser Solicitador ou Agente de Execução.

Falamos de um instituto que está no coração da OSAE e que tem de trabalhar com todos os órgãos, de todo o território. O que representa, hoje, o Instituto de Formação Botto Machado na vida da OSAE?

Esta resposta, na verdade, deveria ser dada por quem está do lado de lá: os associados. Mas não há dúvidas: hoje, o IFBM assume um papel essencial na vida da OSAE. O Instituto já existia antes de eu fazer parte da direção do mesmo, primeiro como vice-diretor e, depois, como diretor. Mas, em qualquer altura, o IFBM foi e é muito importante para os associados, procurando chegar a todo o território, corresponder às duas profissões e acompanhar as constantes alterações legislativas. Ou seja, em bom rigor, o IFBM é uma peça essencial na vida da OSAE e na vida de qualquer profissional porque contribui para que consigamos prestar um melhor serviço ao cidadão e, assim, levar a Justiça a bom porto.

E, no dia a dia dos associados, também representa um selo e um garante adicional da qualidade do serviço prestado por Solicitadores e Agentes de Execução?

Obviamente. É um selo de qualidade para a associação e para os profissionais. Está tudo relacionado. Se os Solicitadores e os Agentes de Execução cumprirem a sua missão com rigor e qualidade, a Ordem engrandece. Por outro lado, se a Ordem cresce e ganha visibilidade junto do cidadão, isso também será positivo para os profissionais, cada vez mais reconhecidos na sociedade. Portanto, com boa formação, o profissional poderá prestar um serviço melhor, estará mais preparado e capacitado para corresponder a quem o procura.

Quase que se poderá deixar uma espécie de alerta a quem sonha abraçar esta profissão… Jamais se deixa de estudar, certo?

Não, jamais. Costumo dizer isto mesmo nas sessões de estágio: não vão parar de estudar. Até porque, muitas vezes, o que estamos a ensinar e a aprender hoje, amanhã poderá ser diferente. Portanto, sim, terão de estar sempre atentos ao Diário da República e a todas as questões regulamentares, muitas vezes revestidas de especificidades territoriais.

Essa importância também se evidencia nos números?

Ou seja, os números refletem a aposta da OSAE na formação?

Tem existido um claro aumento no que toca a interessados em frequentar as ações de formação promovidas. E é um aumento consolidado. Formações específicas, formações práticas, que permitam agilizar o pensamento e com aplicação direta no exercício da profissão. Falamos de formações que, efetivamente, nos permitem estar preparados para enfrentar o dia a dia.

As metas estabelecidas, quando abraçou esta missão, estão a ser alcançadas?

Acho que o balanço é positivo, mas as metas não estão alcançadas. E não estão por uma razão muito simples: é um processo contínuo e as metas renovam-se. Sairei em breve, mas a Ordem e o IFBM irão continuar, os associados continuarão a ter necessidades no campo da formação, temos de continuar a ser capacitados. Ou seja, nunca há propriamente uma meta fechada. Se conseguimos ter uma boa oferta formativa? Sim. Agora, se estou satisfeito? Não, isso nunca estarei. E tentarei sempre contribuir para estes objetivos.

E sobre esta missão… A pandemia trouxe uma nova forma de olhar e de a cumprir? E, nesse esforço de adaptação, houve mudanças que ficaram?

Não é meu, mas aplica-se muito bem… Temos duas soluções quando surge uma tempestade: chorar e lamentar ou optar por outra perspetiva e procurar vender lenços de papel. Ou seja, perante uma dificuldade, que nos obrigou a fechar salas e a adiar o modelo presencial, tivemos de nos virar para o universo digital. É claro que, no início, custou, estranhámos… E eu assumo que continuo a ser um grande defensor do modelo presencial: mais interativo, garante mais foco. No entanto, surgiu uma realidade nova e nós conseguimos potenciar isso. Conseguimos reduzir custos para as pessoas, conseguimos chegar a mais gente, independentemente do local onde o formando estivesse, dispensando deslocações e gastos. E, claro, para que os resultados sejam alcançados, bastará as pessoas, no conforto da sua casa ou do seu escritório, optarem por estar focadas na formação como se esta fosse presencial. Portanto, a pandemia trouxe uma nova realidade, foi difícil, mas, hoje, o modelo que ficou desse tempo é a regra. E, atualmente, o que se revela mais desafiante acaba por ser a recuperação do modelo presencial.

Isto é, sentem que as formações à distância, recorrendo a plataformas, podem fazer toda a diferença quando é preciso garantir a atualização rápida de conhecimentos?

Sem dúvida. E quando falamos de algo mais estrutural, que envolva mais debate, reflexão, como é o caso das conferências, já faz mais sentido aplicarmos o modelo presencial, para que as pessoas possam pensar em conjunto. Agora, quando falamos de alterações que acontecem diariamente e precisamos de ter as pessoas atualizadas, nada melhor do que termos formações a custos reduzidos e que chegam a todo o país “num clique”. O digital trouxe, sem dúvida, mais celeridade na aprendizagem e robusteceu a nossa resposta aos associados.

O futuro terá então de passar por um modelo híbrido? Tem, sem dúvida. A dificuldade poderá passar agora

por quebrar o hábito que existe em torno do digital. Seja pelo conforto e facilidade, seja por implicar menos gastos. Mas sim, tem de passar pelo modelo híbrido e, cada vez mais, por uma forte articulação com os vários órgãos da OSAE. Por exemplo, quando regressámos ao modelo presencial, procurámos fazê-lo de forma diferente. E, em vez de sermos nós a definir os temas, foi em articulação com os Delegados Distritais que identificámos as necessidades de formação de cada região. Afinal de contas, as realidades de cada zona do país são diferentes, apresentam especificidades. E, assim sendo, também faz sentido promover formação distinta, que sirva efetivamente os associados. Ou seja, mediante esta interação com os diferentes órgãos, conseguimos retomar o modelo presencial, corresponder aos associados e, consequentemente, aos cidadãos.

A colaboração interinstitucional também tem sido essencial na garantia de formação atualizada e inovadora?

Ainda temos de fazer mais neste campo. Temos de trabalhar mais com outras Ordens Profissionais, por exemplo. No entanto, demos passos. Realço, por exemplo, a colaboração com o Instituto dos Registos e do Notariado e com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Isto permitiu-nos trazer mais-valias para ambos os lados: formação especializada, graças à participação dessas mesmas instituições, e reforço da articulação e da comunicação no momento da prestação dos serviços

Tem existido um claro aumento no que toca a interessados em frequentar as ações de formação promovidas. E é um aumento consolidado. Formações específicas, formações práticas, que permitam agilizar o pensamento e com aplicação direta no exercício da profissão. Falamos de formações que, efetivamente, nos permitem estar preparados para enfrentar o dia a dia.

que envolvem o recurso a estas instituições, porque conseguimos estar todos alinhados. Ou seja, aqueles profissionais vão ficar a par do que é expectável acontecer quando precisarem de interagir com aquele serviço. Isto é muito importante para agilizar o funcionamento, para alinhar interpretações e entendimentos, para reduzir a probabilidade de ocorrência de problemas e para que, mais uma vez, todos consigamos garantir melhores respostas aos cidadãos.

Sentem que, mais do que uma obrigação, os associados da OSAE encaram a formação como uma necessidade e, até, como um gosto?

É um vício positivo, que devemos ter porque a atualização legislativa é permanente. Ainda há pouco tempo, num casamento, estava com vários colegas numa mesa e, quando demos por nós, tínhamos o Diário da República aberto e lá estávamos a debater. Para quem gosta disto, deixa de haver apenas uma obrigação e acaba por ser um prazer ter a oportunidade de saber mais, de perceber melhor, de analisar a partir de outras perspetivas. No entanto, apesar de tudo, será sempre uma obrigação porque os profissionais têm o dever de se atualizarem permanentemente. O sucesso das formações que promovemos reflete o cumprimento desta obrigação e o que me parece ser um gosto inerente ao perfil dos associados desta Casa.

E há alguma forma de os associados fazerem chegar propostas de temas para novas formações?

Foi uma das primeiras decisões tomadas quando abracei este desafio. Pouco depois de assumir funções, disponibilizámos um formulário permanente e que permite, a qualquer associado, indicar áreas em que sente que faz falta haver formação. Vamos recebendo respostas e procurando articulá-las para, depois, desenharmos formações que consigam ir ao encontro dessas expetativas. Além disto e como já referi, ainda temos o essencial contributo das Delegações, que, conhecendo os colegas e os contextos, nos fazem chegar informações valiosas para a definição da melhor estratégia formativa em cada região.

Alguém que chega ao estágio, vindo da faculdade, onde, e bem, esteve a aprender a perceber o Direito, não vai estar imediatamente preparado para praticar atos com os quais só contactamos no exercício da profissão. Tem é de conseguir fazer ligações às bases do Direito já adquiridas e compreender a razão e a raiz das coisas. Por isso é que, no estágio, é tão importante a figura do patrono.

O país, embora pequeno, apresenta necessidades muito variadas no campo da formação?

Sim, sim. Por exemplo, no Algarve, no Porto e em Lisboa encontramos muito a temática do “investimento estrangeiro”. No entanto, questões cadastrais são mais comuns no norte e no interior. Depois há especificidades, nomeadamente no campo das plataformas e sistemas, mas também no que toca às realidades que encontramos e que marcam o dia a dia nos escritórios.

Quanto ao estágio, também neste campo, a OSAE e o IFBM têm procurado (e conseguido) acompanhar as exigências em constante mutação?

Isso é, aliás, uma das grandes preocupações dos estagiários: “vamos responder perante o quê?” Pois, vão responder perante a legislação que está em vigor. E é claro que tem de haver bom senso no momento da avaliação, porque, na verdade, nenhum profissional está imediatamente preparado para interpretar e aplicar uma alteração. E é por isso que o estudo é constante. Afinal de contas, como já disse, eu, hoje, estou preparado, mas, amanhã, posso já não estar porque as coisas mudaram. Alguém que chega ao estágio, vindo da faculdade, onde, e bem, esteve a aprender a perceber o Direito, não vai estar imediatamente preparado para praticar atos com os quais só contactamos no exercício da profissão. Tem é de conseguir fazer ligações às bases do Direito já adquiridas e compreender a razão e a raiz das coisas. Por isso é que, no estágio, é tão importante a figura do patrono. Tão importante quanto exigente! E é tão bom assistir de perto à evolução dos nossos estagiários e, também, do espírito de entreajuda entre eles, algo que, aliás, é basilar ao longo de toda a nossa carreira.

O IFBM tem procurado abrir as suas portas a outros profissionais da Justiça e, também, aos cidadãos (lembremos o caso da formação sobre a plataforma e-Leilões). Foi um objetivo desde o primeiro momento? O feedback tem sido positivo?

Pegando no exemplo do “e-leilões”, o mais marcante, o balanço só pode ser positivo. Gerimos a plataforma e, com esse conhecimento, estamos a preparar os cidadãos para a utilizarem devidamente e usufruírem de todas as suas potencialidades. Mas, na verdade, pensando ao contrário, também faz todo o sentido os nossos associados frequentarem formações fora da sua área. O ensino deve ser o mais diversificado possível e, se bebermos informação de mais fontes, só temos a ganhar com isso. Além de tudo isto, nestas interações com outras instituições, damos a conhecer o IFBM, a OSAE e as profissões que representamos. É, sem dúvida, mais uma forma de cumprirmos a nossa missão perante a sociedade.

Por fim e face ao já vivido, por onde considera que vai passar o futuro da formação na OSAE?

Este é um trabalho eternamente inacabado. Vai ser um desafio constante e a renovação de ciclos será sempre positiva para que surjam ideias novas, abordagens disruptivas. E, também neste campo, não podemos ignorar o impacto dos avanços tecnológicos, como é o caso da inteligência artificial (IA). Mais uma vez: ou nos conformamos e deixamos a IA comandar, ou conseguimos que seja uma ferramenta ao nosso serviço. Atendendo às alterações legislativas e à evolução de um mundo cada vez mais digital e menos analógico, a formação vai ser, como disse, um desafio constante. Mas estou otimista e, pela história da OSAE, sei que o futuro será positivo e feito de oportunidades.

Direito de Retenção –Sua Aplicabilidade e Restrições

Está em vigor, desde 25 de agosto, o Decreto-Lei n.º 48/2024, de 25/07, por meio do qual o legislador veio restringir a então prevalência absoluta do direito de retenção de bens imóveis sobre a hipoteca, ainda que previamente registada, mediante a alteração de redação dos números 1 e 2 do art.º 759.º do Código Civil (doravante C.C.).

As alterações vertidas refletem, à luz do preâmbulo do referido diploma, um reforço da posição do credor hipotecário ante o titular do direito de retenção, após aquela data, na exata medida em que a prevalência deste último fica condicionada ao preenchimento de concretos pressupostos, a saber:

– Realização de despesas com o imóvel em ordem à sua conservação ou aumento do seu valor.

Para o efeito, designadamente no que diz respeito ao recurso a meios probatórios, deverá o titular do direito de retenção alegar e demonstrar, em sede própria, que o crédito de que é detentor tem subjacente o reembolso de despesas por si efetuadas, por um lado. E, por outro, que essas mesmas despesas se traduziram numa efetiva conservação do bem imóvel ou no incremento do respetivo valor.

Donde, a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca que incida sobre um mesmo imóvel apenas opera acaso o titular daquele venha revelar que o seu crédito tem correlação com despesas ínsitas ao bem em causa, as quais consubstanciam benfeitorias necessárias ou úteis, nos termos do disposto no art.º 216.º do C.C.

A ratio legis prende-se com o propósito de obstar ao locupletamento de um credor hipotecário sobre o titular do direito de retenção, em face das despesas em que este último possa ter incorrido, colocando-se o acento tónico no reforço do credor hipotecário, invertendo, em sede de graduação, a prevalência daquele direito, no âmbito do conjunto de reformas conducentes à agilização dos processos de insolvência e resgate de empresas (conforme preâmbulo do respetivo diploma).

Tendo por assente que o direito de retenção pressupõe a conexão entre um determinado crédito e a coisa objeto de retenção, à luz do vertido no art.º 754.º do C.C., poder-se-á estabelecer um paralelo, a título exemplificativo, com o exercício do direito por banda do arrendatário sobre o imóvel que este detenha. Tal concretizar-se-á numa recusa da sua obrigação de restituição, mesmo após o fim do contrato, ante a existência de um crédito de que o senhorio seja devedor face ao arrendatário e que esse mesmo crédito tenha resultado de despesas realizadas pelo inquilino no imóvel ou de danos ocorridos no mesmo em prejuízo daquele.

Mais especificamente, o arrendamento, enquanto mecanismo de tutela do arrendatário, permite-lhe a lícita rejeição do cumprimento da sua obrigação de entrega do imóvel após o término do prazo contratual, traduzida na retenção do locado para si até que lhe seja satisfeito o crédito de que é devedor aquele que exige a entrega do mesmo, nomeadamente, o senhorio.

Transpondo esse mesmo raciocínio para a nova redação do art.º 759.º do C.C., infere-se que a prévia realização de despesas, que se mostrem indispensáveis

Telma Afonso Colaboradora do Conselho Superior da OSAE

à conservação do imóvel ou que tenham contribuído para o aumento do seu valor, é conditio sine qua non para o exercício do direito de retenção de um imóvel. De resto, em linha com a decisão plasmada no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 2 de maio de 2024, processo n.º 1913/19.1T8VNF-A.G, cujo sumário se transcreve na parte aplicável:

“ «II - Para que exista direito de retenção (art. 754º do C.Civil) devem estar preenchidos três requisitos:

1) que o devedor detentor detenha licitamente a coisa que deve entregar a outrem [cfr. art. 756º/a) do C. Civil];

2) que o devedor detentor seja, simultaneamente, credor daquele a quem deve restituir a coisa;

e

3) que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (debitum cum re junctum) nas condições definidas no citado art. 754º (despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados;

III - Quanto a este terceiro requisito, são duas as circunstâncias cuja verificação, em alternativa, a lei faz depender a existência do direito de retenção: para que a recusa da entrega da coisa seja legítima é necessário que o crédito do retentor sobre o titular da coisa (dono ou seu legítimo possuidor) advenha (tenha como causa) de «despesas feitas por causa dela» ou de «danos por ela causados».”

Em suma, pese embora o pressuposto para o exercício legítimo do direito de retenção já contemplasse a realização de despesas conexas com o bem, tal não se repercutia na prevalência daquele direito sobre a hipoteca, no que aos bens imóveis diz respeito. Situação que o legislador veio acautelar com a recente alteração legislativa, em ordem à graduação dos credores do devedor, com enfoque na posição do credor hipotecário.

Bastonário da OSAE recebido pelo Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça

Decorreu no dia 10 de setembro, no Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, uma reunião com o Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), Paulo Teixeira, e o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Duarte Pinto. Este encontro foi agendado tendo em vista a discussão sobre a aplicação do novo regime das citações e notificações eletrónicas.

Convocada para abordar a proposta de lei de autorização ao Governo para regular a citação e notificação por via eletrónica das pessoas singulares e das pessoas coletivas, visando determinar que a citação e notificação das pessoas coletivas é, em regra, efetuada por via eletrónica, Paulo Teixeira salientou a importância desta reunião, “designadamente tendo em conta os contributos remetidos, em momento oportuno, pela OSAE, em que, entre outras, se sinalizava a preocupação com a eventual necessidade de desenvolvimentos com reflexos nos sistemas e plataformas geridos por esta Ordem. E, sobre isto, ficou também clara a disponibilidade da OSAE para colaborar com o Ministério da Justiça nesse diagnóstico e atuação, em prol da plena interoperabilidade e da sua cabal operacionalização”.

“Falamos no reforço da aposta na desmaterialização e na tramitação eletrónica do processo e da prática dos atos, com relevo para a citação e para as notificações, ambicionando favorecer a celeridade, a transparência, a eficiência e a adequação às exigências de uma sociedade em constante e rápida mutação. Ora, a OSAE não pode, naturalmente, deixar de se rever nesta intenção, assinalando como tecnicamente adequada a opção de se assumir, por lei de autorização legislativa e decreto-lei autorizado, a presente alteração legislativa. No entanto, não deixámos de sinalizar, novamente, algumas dúvidas cuja análise mais detalhada poderá ter lugar aquando do processo de aprovação”, sublinhou o Bastonário da OSAE, no seguimento de uma avaliação positiva deste interesse em dialogar e auscultar os envolvidos.

SOLICITADORES ILUSTRES

BARTOLOMEU PINHEIRO SOLICITADOR DE CAUSAS

…é culpa o não ter culpa, eu culpa tenho. Mas se a culpa que tenho não é culpa, para que me usurpais com impiedade o crédito, a esposa e a liberdade? *

Sempre atento aos negócios dos seus clientes, facultando empréstimos monetários a quem necessitasse dos seus valimentos, a vida familiar e profissional do Solicitador de Causas Bartolomeu Pinheiro, natural de Vila do Conde, com escritório e residência na Rua do Vigário, em Santo Estevão de Alfama, local onde afluíam os seus clientes, naquela Lisboa sob o domínio filipino, correu sem sobressaltos até aos 61 anos de idade, no ano de 1637 (1).

No fatídico dia 4 de abril de 1637, os familiares da Inquisição deram-lhe ordem de prisão pelo crime continuado da prática de judaísmo. Ora, Bartolomeu Pinheiro, cristão-velho, era viúvo de Isabel Gonçalves, cristã-nova, com quem teve quatro filhos. No entanto, a sua falecida mulher já tinha mais duas filhas de um anterior casamento.

Vivia-se num tempo da União Ibérica, sob o reinado de Filipe IV, em guerra com quase toda a Europa: na Flandres, revolta da Catalunha, Itália e noutros países como França, na Guerra dos 30 anos (1618/1648). Os cofres do Estado espanhol estavam exangues e o seu primeiro-ministro, o todo-poderoso Conde Duque de Olivares, centralizou todo o poder em Madrid, pretendendo acabar com as dinastias repartidas e transformando-as numa só. Nesta unificação não escapou o domínio sobre o tribunal da Inquisição portuguesa. Assim, o seu controlo passava pelo governo espanhol, apesar dos protestos dos bispos portugueses. O dinheiro não dava para tudo.

Apesar de muito criticado pelo seu livro (2), António José Saraiva, em “Inquisição e Cristãos-Novos”, afirmava que a Inquisição portuguesa esteve na origem da multiplicação de judeus, enquadrando o diferendo entre a luta da antiga nobreza com a burguesia nascente, pelo que todos aqueles que enriquecessem com negócios rentáveis eram acusados de serem judeus, somente com a intenção do lhes extorquir os seus bens. Portanto, tivemos aqui uma espécie de coligação entre “a fome e a vontade de comer”: quer o Estado espanhol, quer a Inquisição portuguesa, quais lobos famintos, procuravam as fortunas para as esbulharem dos seus legítimos proprietários e, ao mesmo tempo, manter o status quo vigente (3).

Daí até acusarem todo o banqueiro ou grande proprietário de ser judeu… Foi um passo.

Como acima descrevo, Bartolomeu Pinheiro, cristão-velho, homem do Norte, que foi casar a Torres Novas – à data, um grande núcleo criptojudeu (4) –com uma cristã-nova, foi a presa fácil da Inquisição.

E tudo começou pela prisão de Isabel G. Sequeira, sobrinha da falecida mulher de Bartolomeu Pinheiro, que, não resistindo à tortura, delatou todos os seus primos, enteadas e filhos do Solicitador.

Aqui, o foco estava todo virado para B. Pinheiro, com vista ao confisco do seu património. Mas como o prender se ele era cristão-velho? E, à data, desde os tempos do Filipe II, era proibido o casamento entre cristãos-novos e cristãos-velhos?

Na elaboração da sua habilitação, o promotor da acusação requereu à Inquisição de Coimbra, como distrito inquisitorial de Vila de Conde, para indagar a origem familiar do réu. A certidão veio negativa. Ninguém o conhecia como cristão-novo.

Foram, então, presas as duas enteadas e os seus quatro filhos que, sob tortura, “confessaram” que o réu seguia a Lei de Moisés, guardava os sábados, não comia carne de porco, coelho, lebre e peixe com pele.

Outra testemunha (Simões Dias), também sob tortura, afirmou que o réu era portador do Sêfer (5) e, na Páscoa, o Seder (6).

No processo, há referências a empréstimos que, como é óbvio, nunca foram pagos.

O réu sempre negou. Com 61 anos de idade e com as torturas aplicadas, facilmente teria confessado. Nunca o fez. Mas o objetivo da Inquisição estava cumprido e a sentença diz-nos tudo: “(…) declarar o Réu Bartolomeu Pinheiro por concedido crime de heresia e apostasia e que foi, no caso presente, herege e apostata da nossa Santa Igreja Católica e incorreu em sentença de excomunhão maior, com confiscação de todos os seus bens, aplicados ao fisco e Casa Real, e nas mais penas em direito como consta as semelhantes estabelecidas. E por herege, apostata, negativo e pertinaz, o condenado vai ser relaxado à Justiça Secular, a quem pedem com muita instância, se ajam de modo benigno e cuidadosamente e não se proceda à pena de morte, nem efusão de sangue.” (7).

Claro… Matar para quê, se já tinham o que queriam?! Tudo se resumia ao vil metal.

notas:

* António José da Silva – O Judeu.

1 e 7 – Proc. 7656 ANTT

2 – Inquisição e Cristãos-Novos, A. J. Saraiva

3 – História dos Cristãos-Novos Portugueses, Lúcio de Azevedo

4 – Para saber mais, recomendo o livro “Os Judeus em Torres Novas” de António Mário Lopes dos Santos.

5 – Sêfer: rolos da Torá (Pentateuco)

6 – Seder: Jantar da Páscoa Judaica, comemorando o êxodo do Egito.

Miguel Ângelo Costa Solicitador

MAR ETERNO

REPORTAGEM

ANA FILIPA PINTO / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE

Os barcos estão de volta ao porto de pesca da Figueira da Foz. O dia, que, para tantos, mal parece ter começado, já vai longo para aqueles homens de pele enrugada e salgada pela vida que escolheram. Ou pela vida que os escolheu. Muitos deles nascidos e criados ao som das ondas, com os pés na areia, têm a alma e o coração com âncora largada sobre a terra e sobre o mar. São pescadores e, com o seu trabalho, alimentam as pessoas e o crescimento do país.

Aqui, neste barco, pratica-se a arte do cerco. As gaivotas denunciam o que veio à rede em mais uma noite de trabalho e, para alcançar a embarcação “Mar Eterno”, é preciso contornar os contentores onde se guarda o peixe e o sustento. Aliás, sem a agilidade de quem consegue dar passos firmes em alto mar, aquele último salto, do cais para o barco, traz hesitação. Uma palavra que, a cada nova partida, tem de ser mergulhada no esquecimento. “O que é que nos passa pela cabeça? Apanhar peixe. E quanto mais cedo, melhor, para virmos embora.” Quem o diz é Josué Coentrão, pescador das Caxinas, que, embora não aprecie títulos, na voz dos colegas é apresentado como “Mestre”.

Com 44 anos de idade, Josué defende que, havendo “praia e peixinho”, fica mais fácil ser feliz. “Anda ao mar” desde os 15. E nem tudo, nesta história, se conta com o provérbio português “filho de peixe sabe nadar”: “A vida é muito exigente. Mas há o gosto, uma família que tem barcos… Mas tenho primos que nunca meteram os pés no mar. Isto nasce com a pessoa. E há quem venha para a pesca sem qualquer ligação ao setor…”

Um ímpeto que, tal como um barco entre ventos e marés, tem de resistir a tantas e tão grandes provações. “Os acidentes que acontecem e que, muitas vezes, são autênticas tragédias têm, apesar de tudo, de ser encarados como algo que pode acontecer. Temos de continuar a ir para o mar, a nossa vida é esta. Temos de conseguir superar, mas a verdade é que o sentimento fica cá sempre. Porque surge sempre a pergunta ‘se tivermos um acidente, quem é que nos vem salvar?’…”

Embora convicto de que há muito que pode e deve ser melhorado, nomeadamente no que toca à garantia de recursos e à articulação entre entidades com responsabilidades na matéria, Josué não desiste. Persiste e insiste em partir. Todas as noites. “Temos uma rotina. Sair, tentar capturar e vir embora. Saímos por volta das dez, onze, meia-noite, dependendo da pesca que queremos fazer… Há peixes que se consegue capturar mais a uma hora do que a outra. Temos de os conhecer bem. Como agem, do que mais gostam, profundidade… Temos de conhecer a natureza. Há peixes que é muito difícil apanhar. O carapau negro, por exemplo! E nem sempre o valor reflete o trabalho.” Um trabalho de coragem que, sendo difícil de rotular com um preço, acaba por também ser recompensado pela beleza do que acontece no mar e dos postais

que ficam entre histórias e memórias. “O nascer-do-sol, o pôr-do-sol… Já assistimos a momentos fantásticos. Já encontrámos golfinhos, tartarugas… São imagens que poucos poderão vir a ver como nós já as vimos.”

Os pescadores conhecem a natureza e procuram protegê-la, não esquecendo o quanto a sobrevivência do setor depende dela e de uma prática sustentável. E, perante os impactos e efeitos das alterações climáticas, Josué não tem dúvidas de que é preciso mais diálogo entre pescadores, investigadores e governantes, tendo em vista identificar os novos desafios e ajustar políticas e estratégias. “Há ciclos. A sardinha tem sempre ciclos. Os mais velhos diziam que eram sete anos bons, sete anos maus. Por exemplo, foi nesses sete anos maus que aconteceu a paragem na pesca da sardinha. Agora, estamos nos sete anos bons e temos sardinha para dar e vender. E torna-se difícil explicar este boom. Mas há algumas diferenças e têm impactos, claro. Antigamente havia mais nortadas, mais vento norte, a temperatura da água está diferente… É importante que conversemos todos.”

“A

pesca não vai acabar, vai haver sempre alguém. Eu tenho 44 anos e vou andar nisto até aos 70, 80! Só se a saúde não me deixar… Nem que venha numa cadeirinha de rodas! Temos gruas!”

JOSUÉ COENTRÃO

É importante para quem trabalha nas pescas e estratégico para o desenvolvimento socioeconómico do país, pois o peso do setor fica evidente nos números. Segundo as Estatísticas da Pesca 2023, publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística, no ano passado estavam licenciadas 3 728 embarcações, menos 147 que em 2022, sendo que, no que toca ao número de pescadores, estavam registados 14 125, não revelando uma grande alteração face ao ano anterior. Também em 2023, “foram capturadas pela frota portuguesa 171 235 toneladas de pescado, um aumento de 3,3% na produção da pesca nacional, face ao ano anterior. O acréscimo global do volume de pesca resultou exclusivamente do maior volume de capturas em águas nacionais (+8,6%), uma vez que as capturas em pesqueiros externos diminuíram 14,4% face a 2022. O pescado transacionado em lota gerou uma receita de 339 794 mil euros, um aumento de 1,3% relativamente ao ano 2022”. Já no campo do comércio internacional, “as exportações de ‘Produtos da pesca ou relacionados com esta atividade’ atingiram 1 366,5 milhões de euros (+4,2% face ao ano anterior; +17,1% em 2022), em contraciclo com o decréscimo registado na globalidade das exportações de bens (-1,1%; +23,2% em 2022)”. E se dúvidas houvesse

sobre a relevância do setor das pescas, bastaria “pensarmos na pandemia… Os pescadores não pararam e isso está bem presente na memória das pessoas. Este setor, todo o setor primário, não teve oportunidade de parar. Não podia!”, recorda Josué Coentrão.

Enquanto a conversa navega à vista, na proa do barco cuja tripulação pode chegar aos 20 elementos, a carga segue o seu percurso até ao consumidor. “Esta noite foi só sardinha.” E, sem querer, as lembranças continuam a vir à tona. “Muito mudou desde que comecei a trabalhar. Há muito mais tecnologia. Agora posso saber tudo: a corrente, o tamanho do peixe… O GPS trouxe uma lufada de ar fresco às pescas e, hoje, consigo ver um cardume a 2000 metros! Antes era pelas gaivotas e pelos alcatrazes. Mas a verdade é que trabalhei com pessoas com muita experiência. Ninguém chega aqui a saber tudo, a experiência é muito importante. Os aparelhos agora estão muito evoluídos, mas o saber e o que ficou dos mais velhos conta muito. Eu contactei com três gerações: uma que já estava prestes a deixar o mar e a ir para a reforma, outra que está agora a ir para a reforma e os mais novos. E é brutal a diferença entre elas…”, revela Josué, reconhecendo que, embora “nunca tenha apanhado um susto para lá das grandes quantidades de peixe na rede”, já passou “maus tempos” no mar. “Não há nada que não passe. Mas é uma profissão difícil… E torna-nos muito ausentes. Passo mais tempo com os meus tripulantes do que em minha casa. Faço por parar sempre no mês de dezembro, tiro uns dias com a minha mulher e as minhas três filhas. Estão habituadas. Não conhecem outra realidade. Mas, felizmente, não faltei aos nascimentos e nunca faltei a um aniversário. E é uma coisa espetacular nós podermos acompanhar, estar presentes. Há muitos pescadores que vão para longe e aí é muito mais difícil…” E, perante uma casa onde o género feminino tem maioria, não falta curiosidade em perceber qual o papel das mulheres num setor que ainda é de homens. “Há mulheres em terra. Tenho a minha irmã e a minha mulher a preparar redes. No mar, é mais raro. Na pesca local, ao norte, há mulheres mestres e que têm barcos. E também há uma ou outra mais para Sines, que vão com os maridos.” Mas, não se conhecendo o amanhã, a verdade é que os desafios do presente podem alterar este cenário: “Poderá haver dificuldade na mão de obra… Temos mui-

tos pais que pedem aos filhos para não irem para o mar e também há muitas burocracias para vir para a pesca. Há muita gente que vem de fora e há quem queira vir para o mar… Mas, para isso, tem de conseguir tirar a cédula. E quem tem de trabalhar para alimentar a família? Como é que faz?” Perante estes obstáculos e sendo certo que “nem tudo que vem à rede é peixe”, Josué acredita que é decisivo criar incentivos, desburocratizar o acesso à profissão e assegurar informação ao consumidor.

O motor é ligado e junta-se à sinfonia que por ali paira, entre as máquinas que “vieram tirar esforço ao pessoal” e as vozes de quem continua a ter força para dar vida ao setor. Dentro do barco, apesar do leme permane-

cer, agora são muitos os botões que têm de se conhecer e dominar. Tal como os mapas digitais, com registos que só os seus autores percebem e sabem interpretar. A seguir, apertado o nó que prende a embarcação, aqueles homens poderão regressar a casa, onde, quiçá, haverá sardinhada em família. No entanto, na bagagem, entre a audácia e o respeito ao mar, levarão sempre a certeza de uma nova partida e de um futuro para o setor das pescas: “A pesca não vai acabar, vai haver sempre alguém. Eu tenho 44 anos e vou andar nisto até aos 70, 80! Só se a saúde não me deixar… Nem que venha numa cadeirinha de rodas! Temos gruas!” Vistas bem as coisas e já com os pés assentes em terra, talvez a vontade destes homens, a bordo do Mar Eterno, seja tão eterna quanto o mar que também sentem como casa.

Moldando a vida com arte e justiça

EDUARDO BARBOSA

Solicitador e artesão

Eduardo Barbosa cresceu em terra de ceramistas. Por aqui, esta arte acaba por se confundir com a vida. Entre artesãos que, com as mãos e o engenho, dão forma ao que, até então, só existia no seu imaginário, a vida ganha cores e vidrados que quase não parecem reais. E fazem querer ficar quem, afinal, quer mesmo viver com esta arte. Quem, afinal, quer mesmo fazer viver esta arte.

Foi o que aconteceu com Eduardo que, hoje, com a licenciatura em Solicitadoria e a inscrição ativa na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, continua a moldar, no seu atelier, a vida e as vidas de quem leva mais uma peça. Porque, tal como contam as suas palavras, de portas e mentes abertas, em tudo pode viver a inspiração.

ENTREVISTA ANA FILIPA PINTO / FOTOGRAFIA Arquivo pessoal

Qual é a história da sua paixão por esta arte?

Acredito que a paixão por esta arte já nasceu comigo, ou, pelo menos, começou a manifestar-se desde tenra idade. Recordo-me que, desde muito cedo, com 5 ou 6 anos, já gostava de moldar e construir coisas com o barro, desde carros a figuras dos desenhos animados. Também tentava replicar o que os adultos faziam.

Mais tarde, já na adolescência, recordo-me de fazer algumas peças como passatempo, principalmente durante as férias escolares, sendo que, mais tarde, comecei a participar em exposições sazonais de venda, levadas a cabo por municípios e associações. Sempre fui recebendo, por parte do público, um feedback muito positivo. Finalmente, em 2023, decidi iniciar a minha aventura profissional nesta arte, com a participação na Mostra de Artesanato e Cerâmica de Barcelos, uns dos melhores certames de artesanato do país.

Crescer por aqui é crescer com esta arte?

Faz parte da vida das pessoas?

Inevitavelmente sim, ou, pelo menos, existe uma maior probabilidade de termos contacto com esta arte. Arrisco mesmo dizer que a maioria dos que cresceram por cá têm um ou mais familiares que trabalharam em empresas ligadas à cerâmica. No meu caso, por exemplo, os meus pais, os artesãos Eduardo e Jesus Pias, sempre estiveram ligados à cerâmica, primeiramente com uma unidade fabril, com produção em série, e, mais tarde, no artesanato.

A freguesia de Galegos São Martinho sempre foi conhecida por ser terra de ceramistas, como se pode perceber pelo nome do nosso clube de futebol: “Os Ceramistas”. Esta é a terra de uma das maiores referências do artesanato português e, para muitos, a que mais influenciou e contribuiu para o que hoje se conhece como o Figurado de Barcelos. Falo, como é óbvio, da grande artesã Rosa Ramalho.

O que é que distingue o Figurado de Barcelos?

E o que é que mais o encanta nesta arte?

Na minha perspetiva, o Figurado de Barcelos distingue-se, inevitavelmente, pela imaginação, criatividade e excelência dos artesãos barcelenses. Eles são a peça central de toda esta arte. Conseguem transportar do seu imaginário e concretizar manualmente, com o seu traço identitário, verdadeiras obras de arte. O que mais me encanta nesta arte, além de tudo o que advém desse mundo imaginário, é a vivacidade das cores e dos vidrados, que, como elementos decorativos, se destacam onde quer que sejam expostos ou exibidos, captando sempre o olhar de miúdos e graúdos.

Como é que se pode descrever o processo de produção de uma peça?

O primeiro momento é sempre aquele em que surge a ideia de fazer uma determinada peça. Depois, gosto de fazer um esboço do que vou criar, tanto para definir medidas, como outros detalhes que pretendo incluir nessa obra. De seguida, parto para a conceção propriamente dita da peça, através da modelagem manual e com recurso a alguns utensílios próprios. Obtido o resultado pretendido, há depois um período de secagem da peça para, finalmente, se passar para a cozedura num forno, cuja temperatura varia em torno dos 1000ºC, consoante a matéria-prima utilizada e o resultado pretendido. Após a retirada da peça do forno, há quem a pinte com cores a frio e quem recorra a técnicas de vidragem, sendo que, neste caso, é necessário voltar a cozer.

Onde se encontra a inspiração?

Para mim, essa é, sem dúvida, a pergunta primordial, aquela para a qual qualquer artista gostaria de ter a resposta na ponta da língua. Na minha perspetiva, é isso que diferencia um verdadeiro artista, ter essa inspiração e capacidade criativa. Não tendo uma resposta que con-

sidere certa ou definitiva, vou percebendo que ter inspiração depende, primeiramente, do nosso bem-estar físico e psicológico e, depois, de tudo aquilo que nos rodeia, sejam as viagens que fazemos, os filmes e programas a que assistimos, bem como as pessoas que conhecemos e com as quais privamos. Tudo nos pode servir de inspiração se procurarmos manter a nossa mente aberta.

E qual o ambiente perfeito para o processo de criação? Com música, em silêncio, em alguma altura específica do dia…

Gosto de estar a ouvir música durante o processo criativo e prefiro as horas do dia, com mais claridade e luz natural…

Há alguma peça que guarde como especial?

Tenho algumas que fiz há muito tempo, quando ainda não me dedicava a tempo inteiro ao artesanato: um Arcanjo Miguel com asas abertas, um carro azul Citroën 2CV ou um Cristo na cruz que fiz em 1998.

O que mais me encanta nesta arte, além de tudo o que advém desse mundo imaginário, é a vivacidade das cores e dos vidrados, que, como elementos decorativos, se destacam onde quer que sejam expostos ou exibidos, captando sempre o olhar de miúdos e graúdos.

O meu maior sonho, ligado ao trabalho, passa por ter sucesso e ser reconhecido pela excelência naquilo a que me proponho fazer, quer seja na Solicitadoria, no artesanato ou noutro tipo de trabalho.

Não considero que sejam as peças mais bonitas ou mais bem trabalhadas que já fiz, mas, até hoje, por alguma razão, não lhes consegui atribuir um valor monetário.

E há algum tipo de peça que lhe dê mais gosto moldar?

De uma forma geral, gosto de fazer peças que tenham muito detalhe, como roupas e trajes antigos e medievais. Exemplos disso são as Minhotas, os Caretos de Podence e as Últimas Ceias. Considero que o pormenor e detalhe da peça, aliados a uma pintura cuidada, tornam cada exemplar num verdadeiro objeto de arte.

A tradição está cada vez mais na moda? Valorizamos e investimos mais no que é nosso?

Sim, felizmente, começa a notar-se uma maior consciencialização e valorização do que é feito em Portugal e o artesanato tradicional é um exemplo. Mas, como é óbvio, cabe-nos a nós, enquanto consumidores, saber escolher aquilo que tem identidade e é próprio das gentes e culturas dos locais que visitamos, quer seja em Barcelos, quer seja noutra cidade ou país.

E o que é tradicional também soube inovar na forma de se comunicar e divulgar?

Acredito que, para muitos artesãos, não tenha sido fácil, ou até mesmo possível, acompanhar essa transição, em que quase tudo acontece através das redes sociais e plataformas digitais. Neste aspeto, acho muito impor-

tante o apoio dado por algumas associações e autarquias locais, que levam a cabo iniciativas individuais ou coletivas, como a exposição dos trabalhos no mundo digital e a divulgação nos seus sites. Cria-se, dessa forma, a ponte necessária entre o artesão e o seu potencial cliente.

Sobre a outra dimensão da sua vida… Quando e como é surge a Solicitadoria e o gosto por estudar esta área?

A Solicitadoria, ou o curso de Solicitadoria, só surgiu após o momento em que decidi ingressar no ensino superior. Sendo natural de Barcelos, e tendo optado por estudar na minha cidade, analisei todas as ofertas de cursos do Instituto Politécnico do Cávado e Ave (IPCA) e escolhi Solicitadoria como primeira opção. Desde então que o gosto pela Solicitadoria e pelo curso lecionado no IPCA foi aumentando. Destaco as disciplinas de Direito do Trabalho e Direito das Sociedades Comerciais como aquelas que mais me cativaram. Após a conclusão da licenciatura, realizei uma pós-graduação em solicitadoria empresarial e os exames de acesso à nossa Ordem profissional.

Se tivesse de idealizar uma peça que unisse esta arte e a Solicitadoria, como seria?

Apesar de não ter sido feita com esse intuito, terminei recentemente uma peça que facilmente responderia a essa pergunta, que é um solicitador trajado com a toga e a pegar no Galo de Barcelos.

Mas, se partisse para a realização de uma peça com essa perspetiva, muito provavelmente conceberia algo relacionado com a Deusa da Justiça e a lenda do Galo de Barcelos, que, em certa medida, também versa sobre a Justiça, ainda que uma Justiça um pouco diferente, mais popular ou divina. Será, certamente, uma peça a idealizar num futuro próximo.

Qual o maior sonho que poderia vir a moldar na sua vida, ligado ao trabalho nestas áreas (Figurado de Barcelos e Solicitadoria)?

Como qualquer um de nós, o meu maior sonho, ligado ao trabalho, passa por ter sucesso e ser reconhecido pela excelência naquilo a que me proponho fazer, quer seja na Solicitadoria, no artesanato ou noutro tipo de trabalho. Neste momento, quero alcançar esse objetivo no artesanato, dedicando todo o meu esforço e empenho a esta arte, procurando sempre superar-me de dia para dia. Em relação à Solicitadoria, o sonho que poderia vir a moldar na minha vida seria a abertura do meu próprio escritório. Não perspetivo que seja num futuro próximo ou, até, que o consiga concretizar, mas uma ideia engraçada que, às vezes, tenho passa pela criação de um espaço em que me fosse possível trabalhar nestas duas aéreas profissionais, uma espécie de escritório e atelier/galeria de arte, com uma sala de exposições, onde colocaria os meus trabalhos sempre visíveis para todo o público.

A influência das redes sociais e o seu papel na Solicitadoria

As redes sociais têm vindo a tornar-se uma ferramenta indispensável para profissionais de diversas áreas e na Solicitadoria não é diferente. Sendo uma profissão que envolve aconselhamento jurídico, mediação de conflitos e representação legal em diversas situações, o solicitador pode encontrar nas redes sociais um espaço privilegiado para promover serviços, captar clientes, informar o público e interagir com outros profissionais do meio jurídico.

fidedigna ao público, tornando-o mais consciente dos seus direitos e deveres. Por exemplo, uma publicação, no Instagram, a explicar os direitos do consumidor pode aumentar a base de seguidores e, eventualmente, convertê-los em clientes.

Mas, além disso, esta comunicação direta com o público é importante para a promoção da literacia jurídica e deve ser vista como um dever cívico dos profissionais ligados ao Direito, pois contribui para uma sociedade mais justa e consciente.

Uma das razões que melhor ilustra a importância das redes sociais na Solicitadoria passa pelo reforço da visibilidade e alcance do profissional. Plataformas como LinkedIn, Facebook e Instagram permitem que os solicitadores partilhem informações sobre as suas áreas de atuação, testemunhos de clientes e atualizações legislativas –esta última bastante útil, até porque acompanhar a vasta quantidade de legislação que é continuamente publicada pode ser uma tarefa árdua e confusa para aqueles que não estão diretamente envolvidos com o Direito.

Tendo em conta o ritmo acelerado com que novas leis são introduzidas, torna-se difícil o cidadão conseguir acompanhar essas mudanças e aprimorar a sua literacia jurídica. Assim, através de publicações, vídeos e diretos, os solicitadores podem oferecer dicas jurídicas, esclarecer dúvidas frequentes e comentar temas de interesse público. Esta interação não só humaniza o profissional, mostrando-o acessível e disposto a ajudar, como também garante informação

Outro ponto relevante é a possibilidade de networking. As redes sociais permitem que os solicitadores se conectem não só com outros colegas, mas também com outros profissionais do Direito e académicos. Essas conexões podem resultar em parcerias, colaborações em casos complexos ou, até mesmo, em oportunidades de emprego. Participar em grupos de discussão em plataformas como LinkedIn ou Facebook, por exemplo, pode levar à partilha e intercâmbio de conhecimentos, além de proporcionar visibilidade perante os outros profissionais do setor.

Contudo e apesar de todas estas oportunidades, é importante que os profissionais de Solicitadoria utilizem as redes sociais com responsabilidade. A ética profissional deve ser mantida, evitando a exposição indevida de casos ou informações sigilosas de clientes. Além disso, o conteúdo divulgado deve ser sempre pautado pela veracidade e precisão, uma vez que informações equivocadas podem prejudicar a credibilidade do profissional, da classe e, até mesmo, acarretar consequências legais.

Adotando uma estratégia de comunicação digital bem planeada, a qual compatibilize o uso das redes sociais com o compromisso ético e a excelência profissional, o solicitador pode não só fortalecer a sua presença no mercado, mas também desempenhar um papel crucial na democratização do acesso à informação jurídica.

TECNOLOGIA

A revolução tecnológica e o cadastro predial

É

senso comum que, nos últimos anos, o mundo assistiu a uma revolução tecnológica. Algo que veio, em muito, contribuir para a mudança de ferramentas, métodos e hábitos das pessoas, com especial impacto no modo de trabalhar das empresas.

O cadastro de prédios não foi exceção e isso torna-se evidente sobretudo se recuarmos uns anos. Esta transformação passou não só pela atualização das metodologias e das técnicas de trabalho, mas também por uma modernização dos equipamentos, dos softwares e dos meios de disponibilização da informação.

No campo dos equipamentos utilizados em trabalhos no domínio do cadastro, há hoje mais oferta e competitividade no mercado. À semelhança do que aconteceu no mercado dos telemóveis, os variadíssimos equipamentos utilizados nas atividades cadastrais evoluíram, integrando uma tecnologia mais user friendly, ou seja, mais intuitiva, ágil e composta por ferramentas que permitem a conexão e interoperabilidade/sincronicidade com outros sistemas.

Também o mercado dos softwares, sobretudo dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), registou, nos últimos tempos, um aumento dos seus utilizadores, motivado pelos softwares open source que surgiram e vieram contrariar a tendência na utilização, limitada de softwares sujeitos ao pagamento de licenças.

Destaca-se, ainda, o trabalho verificado na disponibilização de informação e de dados abertos, designadamente no que respeita à informação geográfica. Esta tem vindo a ser publicada e disponibilizada em diferentes formatos, provenientes de várias entidades e fontes, passíveis de visualização ou manipulação e tratamento pelos softwares suprarreferidos. Esta possibilidade contribui para uma análise mais pormenorizada e detalhada, através do cruzamento dessa informação do prédio ou prédios em questão. Por exemplo, poderemos analisar a sua evolução histórica ou, em caso de dúvida, colaborar na aferição de uma estrema ou de outros elementos de um prédio.

Toda a informação recolhida e produzida no âmbito do cadastro é vertida pelos diferentes intervenientes no processo (técnicos, entidades, etc.) em sistemas aplicacionais em ambiente web, com uma interface mais acessível ao seu utilizador e, por sua vez, que permite que a informação de um prédio esteja sempre atualizada. Estes sistemas centralizam a informação do(s) prédio(s) cadastrado(s) e disponibilizam livremente a informação (apenas a passível de ser divulgada) ao público, associando assim a configuração geométrica do prédio à respetiva informação dos registos.

Por todos estes motivos e em todas estas dimensões, é indiscutível que o avanço tecnológico veio agilizar a tramitação dos processos cadastrais, sobretudo no que respeita à articulação entre as diferentes entidades envolvidas, os técnicos e os cidadãos.

Duas paixões: Direito e Jornalismo

Um objetivo: A busca pela verdade

ENTREVISTA COM

CRISTINA ESTEVES

JORNALISTA

Já esteve à frente de vários programas de informação, noticiários, debates políticos, programas de justiça, frente a frente entre candidatos a eleições, programas de opinião, reportagens. Um percurso que começou por acaso, depois de ser selecionada num concurso para a televisão, enquanto concluía a licenciatura em Direito. E são esses dois grandes amores – o Jornalismo e o Direito – que a movem e a fazem questionar, interpelar, procurar o contraditório, contar histórias e factos, ir em busca da verdade, informar. Pelos Solicitadores e Agentes de Execução é especialmente acarinhada: apresentou as Jornadas de Estudo 2023 e, recentemente, fez a moderação dos debates das Jornadas de Estudo 2024. Algo que, nas suas palavras, lhe dá um enorme prazer. Porque, mesmo ao fim de mais de 30 anos de carreira, “estamos sempre a aprender e assim deverá continuar a ser”.

É um dos rostos da informação mais acarinhados pelo público, não “entrasse” em casa dos portugueses há já mais de 30 anos. Imaginava, em pequena, que o seu percurso a traria até aqui?

Sempre gostei, desde cedo, de duas áreas: Direito e Jornalismo. Direito pelo fascínio pela Justiça, Jornalismo para contar histórias reais, por fazer perguntas, por procurar respostas, por relatar factos. Havia noites em que podia deitar-me mais tarde: quando havia debates ou entrevistas na televisão. Depois, o meu pai entrava no jogo em que lhe colocava questões (a imitar os jornalistas), mas havia um pormenor que considerava muito importante e que não podia faltar, tal como no cenário televisivo: o copo com água. Também, desde muito pequena, colocava-me em frente ao espelho a ler as notícias de um jornal como se estivesse num noticiário. O microfone era uma escova de cabelo redonda. Na hora de optar pelo curso, não tive muitas dúvidas e optei pelo Direito na Universidade de Lisboa. Porquê? Porque era e é um curso extraordinário, que nos dá uma boa preparação em diversas áreas. Também a oralidade assume extrema relevância num curso destes. Depois pensei que haveria mais saídas profissionais sendo licenciada em Direito e, se houvesse oportunidade na comunicação social, haveria outros cursos, que foi o que fiz após entrar na RTP, nomeadamente no Cenjor. Fui admitida na RTP na sequência de um concurso público, enquanto continuei a estudar na Clássica.

Tendo estado presente em momentos marcantes desta Ordem - apresentou as Jornadas de Estudo 2023 e, recentemente, fez a moderação dos debates das Jornadas de Estudo 2024 –, é, inquestionavelmente, uma das figuras mais queridas dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Já se sente também parte desta Casa?

Sendo sempre tão bem recebida, sinto-me lisonjeada e honrada por ter a possibilidade de dar um pequeno contributo num evento desta dimensão e relevância.

Que imagem fica da OSAE e dos seus associados depois de eventos como estes?

Notei já no ano passado, e repetiu-se nesta edição, que há uma procura por mais conhecimento por parte de todos. Os senhores Solicitadores e Agentes de Execução querem, em eventos como estes, ver esclarecidas dúvidas, obter respostas às perguntas que levam. A Ordem, ao proporcionar isso mesmo aos seus associados,

só tem de ser elogiada. Eventos destes não são fáceis de preparar e montar. Seria mais fácil pouco ou nada fazer, mas aqui denota-se o objetivo de apoiar e ajudar os associados a serem completos como profissionais. E com a velocidade da proliferação legislativa, toda a formação é bem-vinda. Depois há a outra vertente que não pode ser esquecida: o convívio entre os profissionais, o networking

O facto de ser licenciada em Direito faz com que tenha um gosto especial por dar voz a eventos como são as Jornadas de Estudo dos Solicitadores e Agentes de Execução?

Indubitavelmente que ser jurista é uma mais-valia em eventos relacionados com a área jurídica e confesso que é algo que me dá um enorme prazer. Aprendo e relembro várias matérias. Também, sendo jornalista, moderar e coordenar programas de justiça, e foram dois, preenche-me profissionalmente. Como repórter, fiz várias, tantas, reportagens sobre a área… São vertentes diferentes, com velocidades bem díspares, mas têm algo em comum: a busca pela verdade.

A reforma da Justiça, o acesso à habitação, a corrupção e o branqueamento de capitais foram alguns dos temas abordados nestas Jornadas de Estudo. Por lidar diariamente com o país e com os seus problemas, sente que ainda há muito a falar e a informar sobre estes assuntos?

Desde há anos que o cidadão é diariamente confrontado com inúmeros termos jurídicos. Não é preciso recuar muitas décadas para nos lembrarmos do início da mediatização da Justiça e o que isso acarreta de bom e de mau. Arguido, acórdão, sentença, indícios, coletivo, providências cautelares, recursos… Foram tantos os termos a entrar no léxico. Começámos a falar da fase de instrução como se todos soubéssemos o que é. Houve quem se interessasse e quisesse saber mais, mas, para outros, ser detido é igual a ser culpado. É algo complicado saber exatamente os limites, tendo em conta o direito à informação, interesse público e a liberdade de expressão. A Justiça é administrada em nome do povo e ninguém pode alegar o desconhecimento da lei, mas iniciativas que expliquem, de modo acessível, o que está consagrado em diversos diplomas e alterações legislativas é benéfico para todos e é pedagogia. Há muito a falar e a explicar para que todos conheçam os seus direitos e como os reclamar.

A Justiça é administrada em nome do povo e ninguém pode alegar o desconhecimento da lei, mas iniciativas que expliquem, de modo acessível, o que está consagrado em diversos diplomas e alterações legislativas é benéfico para todos e é pedagogia. Há muito a falar e a explicar para que todos conheçam os seus direitos e como os reclamar.

O Jornalismo e a Justiça estão hoje, mais do que nunca, interligados e são muitos os desafios que se colocam. O tempo da Informação é muito diferente do tempo da Justiça. A mediatização dos casos é evidente. Enquanto jornalista, como encara estas novas realidades?

Os tempos da Justiça e da Informação são muito diferentes, mas, para não haver precipitações, há muito que é necessária uma maior abertura do setor, sem colocar em causa o segredo de justiça. Embora a velocidade seja muito diferente, é difícil compreender tanta morosidade com tudo o que isso significa, nomeadamente no processo penal, em que os sujeitos estão anos e anos sob suspeita, tendo implicações na sua honra, bom nome e na sua vida. Mais transparência, mais informação clara e sem subterfúgios são necessárias.

Voltando ao seu percurso: seguir uma carreira ligada à advocacia ou à magistratura nunca esteve em cima da mesa? A comunicação e o jornalismo sempre falaram mais alto?

Como referi anteriormente, a advocacia esteve realmente presente na minha expectativa de vida, não obstante a outra paixão que era o jornalismo. Sempre considerei que, se conseguisse entrar no mundo da comunicação, haveria outros cursos mais pequenos e mais específicos ou uma pós-graduação. Conseguir unir as duas áreas, como já sucedeu inúmeras vezes, é algo que me dá o maior gosto. Aliás, até hoje estou convicta de que entrei na RTP também por causa do Direito. Isto porque uma das provas de cultura geral era sobre o Iraque, que tinha anexado o Kuwait. Ora, como tive um professor extraordinário, que já nos alertava para a causa maubere (meses antes do massacre de Santa Cruz), ter feito a analogia entre as situações julgo ter sido fundamental, incidindo também no poder das Nações Unidas e em todos os interesses subjacentes dos países. Portanto, acredito que o Direito me ajudou no Jornalismo e que o Jornalismo me ajudou a concluir o curso de Direito.

Como surgiu a oportunidade de entrar no meio televisivo?

A minha mãe comprou, na altura, uma revista (que nem costumava comprar), na qual estava publicado um anúncio de uma televisão (não sabia qual, porque iam surgir as televisões privadas) que referia um concurso (também não sabia para que função). Ao que soube, foram cerca de mil as candidatas. Fui sendo selecionada até que fiquei. Primeiro na área da apresentação de recreativos e, depois de terminado o curso de Direito, passei para a informação.

ESCOLHAS…

Um livro: “Eurico, o presbítero", “As Pupilas do Senhor Reitor” e “Memorial do Convento”

Um lugar: A minha casa com a minha família

Uma música: “What a Wonderful World”, Louis Armstrong

Um filme: “Voando sobre um ninho de cucos”

Uma inspiração no jornalismo: Tenho vários profissionais que admiro e que me inspiram a ser melhor. Quando era miúda, adorava assistir às entrevistas e debates conduzidos pela Margarida Marante, entre outros.

O que a apaixona no jornalismo?

Poder contar histórias, procurar a verdade, informar sobre o que se está a passar em Portugal e no mundo. Questionar, interpelar, fazer o contraditório. Ter a possibilidade de aprender diversas áreas… E estar quase sempre preparada para o imprevisto, embora seja utópico pensar que estamos sempre preparados.

Se tivesse de destacar apenas um momento da sua já longa carreira, qual seria?

É difícil autonomizar um momento, porque uma carreira faz-se com muitos. Cada momento, cada programa é sempre um desafio. Os programas de justiça, várias entrevistas que fiz (à Procuradora-Geral da República, ao Chefe do Estado Maior do Exército horas depois do assalto a Tancos, a ministros na altura dos grandes incêndios de 2017, a Lula da Silva antes de ser preso…). E houve momentos muito complicados: o tsunami, atentados, mortes… São notícias muito difíceis de dar. Um dos momentos que mais me marcou foi estar com o Papa João Paulo II quando recebeu o então Presidente Jorge Sampaio. Foi algo especial. O Papa faleceu poucos meses depois dessa visita de Estado. Outro momento inesquecível foi ter apresentado o Telejornal no Estádio de França, na final do Europeu em que Portugal se sagrou campeão. Foi único.

Olhando para o futuro, o que é que gostaria ainda de viver no mundo do jornalismo? E qual a notícia que mais gostaria de poder dar?

A notícia que mais gostaria de dar seria relacionada com o fim de conflitos, alguns que poderão levar a uma nova ordem internacional. A balança de poderes está diferente, com pesos a penderem para cada um dos lados. Vivemos num mundo muito perigoso, com tempos muito difíceis. Quanto ao meu futuro profissional, já fiz e apresentei quase tudo. Muitos anos nos programas de informação à noite, debates políticos e de outras matérias, programas de justiça, frente a frente entre candidatos a eleições, quase oito anos de Telejornal, programas de opinião, reportagem… Ainda assim, estamos sempre a aprender e assim deverá continuar a ser. Por isso, um novo programa é sempre um desafio.

Agradecimentos:

El Corte Inglés

Maria João Bahia

Make-up Manuela Calçada para Clarins

Daniel João Pereira para Hair Rui Canento

A notícia que mais gostaria de dar seria relacionada com o fim de conflitos, alguns que poderão levar a uma nova ordem internacional. A balança de poderes está diferente, com pesos a penderem para cada um dos lados. Vivemos num mundo muito perigoso, com tempos muito difíceis.

OSAE acolheu conferência internacional “Créditos monetários e garantia de ativos”

A sede da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), em Lisboa, acolheu, nos dias 1 e 2 de outubro, a conferência internacional “Créditos monetários e garantia de ativos”. Esta ação, realizada no âmbito do projeto europeu “eFILIT – para uma melhor implementação da legislação da União Europeia (UE) através da formação interprofissional”, pretendeu abordar a cooperação transfronteiriça em matéria de execução, nomeadamente no que se refere à digitalização da justiça.

A conferência contou com as intervenções de Cristina M. Mariottini, advogada especialista em cooperação judiciária em matéria civil e comercial, María Luisa Villamarín López, professora de direito processual na Universidade Complutense de Madrid, Carlos Santaló Goris, professor no Instituto Europeu de Administração Pública, e Apostolos Anthimos, advogado, professor e especialista em processo civil e executivo.

Ao longo dos dois dias foram analisados os Regulamentos (CE) n.º 805/2004, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (EEO); n.º 1896/2006, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (EPO); e n.º 861/2007, de 11 de julho de 2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante (ESCP).

O Regulamento (UE) n.º 655/2014, de 15 de maio de 2014, que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial (EAPO), bem como o respetivo Regulamento de Execução (UE) n.º 2016/1823, de 10 de outubro de 2016, que estabelece os formulários, também foram alvo de discussão.

Assistiram a esta conferência, que também foi transmitida online, cerca de 60 pessoas.

De recordar que a OSAE é uma das instituições participantes no projeto eFILIT, liderado pelo Instituto Europeu de Administração Pública, que tem como objetivos melhorar a implementação da legislação da UE e alavancar os sistemas de tecnologia de informação e comunicação na cooperação judiciária da União.

Leituras

Hugo Olivença Colaborador do Instituto de Formação Botto Machado

O CORVO

Edgar Allan Poe

Edgar Allan Poe sofreu por causa do alcoolismo, doença que influenciou a sua escrita, tornando-a profunda, densa, sinuosa e dramática. «O Corvo» foi escrito no período de apogeu literário do autor, que nele depositou toda a sua sabedoria de escrita poética desenvolvida ao longo dos anos. Neste livro, o duplo significado dos versos e de algumas palavras, como a palavra “nevermore” no final de cada verso, leva-nos a imaginar o que “nunca mais” chegará.

A tradução de Fernando Pessoa é irrepreensível. Uma fineza no uso das palavras, o mesmo ritmo métrico de Poe, uma fabulosa tradução dos significados das palavras e do inglês, fazendo parecer o corvo uma ave nobre e ancestral, que faz sorrir quem está triste e amargurado, mas que “nunca mais” libertará.

«Um Gentleman em Moscovo», de Amor Towles, é um livro de drama, intriga, paixão e aventura. A ação ocorre na Rússia, em 1922, em plena Revolução Bolchevique. O protagonista é o Conde Aleksandr Rostov, abastado aristocrata que se livrou da morte e do exílio por lhe ser atribuída a autoria de um poema revolucionário. Foi condenado a prisão domiciliária no luxoso Hotel Metropol, confinado a um quarto no sótão. A sua vida torna-se enfadonha até conhecer Anna Urbanova, sua futura amante, e Nina, com quem faz amizade. Esta cresce, apaixona-se e, quando o marido é deportado, deixa a sua bebé com o Conde. Este cuida da criança, proporcionando-lhe um crescimento saudável e uma boa educação. Já atriz, é graças a ela que a vida do Conde dá uma nova reviravolta. As peripécias da trama não nos deixam aborrecer, enquanto seguimos aspetos da história da Rússia imperial e da sua transformação na URSS, entre revoluções e conflitos.

UM GENTLEMAN EM MOSCOVO
Amor Towles
da OSAE

No “Zagallo”, comer carne é um regalo!

Porquê “Zagallo”? Esta é fácil! O restaurante localiza-se na Rua Académico Zagalo, na Figueira da Foz. Foi nesta rua que o chef Ricardo Pereira cresceu. E aqui decidiu criar o seu restaurante, inspirado na gastronomia das melhores steakhouses do mundo. Podia começar por vos recomendar o tão elogiado “Vazia Kobe Wine Beef” ou a “Vazia Wagyu”, mas, antes, tenho de vos falar sobre os deliciosos croquetes de vitela recheados com queijo de serra e molho de mostarda e mel.

Ainda sobre o restaurante… Este abriu as suas portas em 2021 e, desde então, tem vindo a aumentar as suas instalações. O ambiente elegante e aconchegante é ideal para os amantes de carnes, quer seja para um jantar romântico ou para celebrar uma ocasião especial com colegas de trabalho, amigos ou familiares. O restaurante “Zagallo Kitchen” tem quatro salas privadas e já nos anunciaram que, ainda este ano, tencionam abrir um cocktail bar, que irá combinar sabores e aromas únicos, criar um rooftop e, muito brevemente, uma sala onde os clientes possam ver as carnes a ser preparadas.

ZAGALLO KITCHEN

Rua Académico Zagalo

3080-153 Figueira da Foz Tel.: 912 770 583

Encerra à segunda-feira.

Com mais de mil referências e eleitos para a Star Wine List Of The Year, no Zagallo as paredes destacam-se pelas suas garrafas de vinho cuidadosamente selecionadas. Servem vários cortes de carne, acompanhados por um toque de flor de sal, uma salada com queijo, figos e nozes e, ainda, uns deliciosos ovos rotos. Para grupos de oito pessoas, há o único “Brisket Zagallo”, o corte mais tradicional do Texas. O preço médio é de 50 euros por pessoa. E para aqueles que são “um bom garfo”, para finalizarem a vossa refeição, recomendo-vos a “explosão de limão” e o “vaso”. Já agora, se ainda não vos tinham dito, ficam a saber que “bom sono e boa comida acrescentam a vida”.

ZAGALLO

RESTAURANTE & BAR BOA ONDA

Boa onda à beira-mar

Não podia haver nome mais adequado para o novo Restaurante & Bar da Figueira da Foz: Boa Onda. Foi inaugurado a 9 de agosto deste ano e está situado na praia do Cabedelo na Figueira da Foz, uma das praias mais conhecidas para a prática do surf, tanto a nível nacional, como mundial. Boa Onda também é sinónimo de bom ambiente. E faz sentido porque é o que vamos encontrar neste estabelecimento.

A decoração do espaço, a cargo de Victor Bertier Design, a simpatia e profissionalismo da equipa, deixando espaço para a inovação e para a tradição, são aspetos que também não foram deixados ao acaso.

Projeto da “família Bijou”, que, com mais de 50 anos de experiência na restauração e assim apelidada porque, em conjunto com o restaurante Boa Onda, também desta “família” fazem parte o “Bijou Restaurante” e a Casa dos Suecos, revela a aposta nas potencialidades da margem sul da Figueira da Foz, onde instalaram este novo espaço à beira-mar.

O menu oferece uma variedade de pratos, entre os quais recomendo o peixe da nossa costa, dada a proximidade com o porto de pesca, garante de produto fresco do dia. Também se confecionam encantadores pratos de carne, não podendo deixar de salientar as opções vegetarianas e as deliciosas sobremesas.

Na esplanada “superior” podemos sempre apreciar a nossa bebida favorita, enquanto felicitamos o pôr-do-sol.

Seja na sala ou nas esplanadas, é garantido que vai ter uma refeição aprazível, aproveitando, de seguida, para um descontraído passeio à beira-mar.

RESTAURANTE & BAR BOA ONDA

Praia do Cabedelo

Figueira da Foz

Rua Cabedelo 37, 3090-661 Figueira da Foz Tel.: 962620884 · 233423135

Aberto de terça-feira a sábado, entre as 10h e as 21h30, e no domingo, entre as 10h e as 19h. Encerra à segunda-feira.

Muito se poderá dizer acerca da cidade da Figueira da Foz. Cidade moderna e cosmopolita, que vem ostentando o título de rainha das praias, possui o maior areal urbano da Europa, juntamente com uma vista esplêndida junto ao Cabo Mondego, no promontório, conhecido como Serra da Boa Viagem. Este foi, aliás, declarado Monumento Natural Nacional, por ser um lugar exemplar do jurássico de rara visibilidade, pois apresenta uma impressionante diversidade a nível de fauna e flora, com relevante importância geológica. É, incontornavelmente, um concelho ímpar na sua diversidade natural.

O território figueirense é caracterizado pelas paisagens moldadas pela ação humana, com vista à criação de salinas na Morraceira, mas também de arrozais nos vales do Baixo Mondego. Sendo o rio Mondego a principal via marítima que, durante séculos, permitiu a entrada e saída de mercadorias para um vasto território, hoje, com um porto comercial moderno, a Figueira da Foz continua a ser uma referência no transporte de mercadorias por via marítima.

Elevada a vila em 1771 e a cidade em 1882, num período em que a Figueira da Foz se caracterizava por uma sociedade burguesa, esta era impulsionada pela economia e reformas nacionais, as quais marcaram o seu desenvolvimento em diversas vertentes, tais como o lazer, a arquitetura e a indústria.

FIGUEIRA DA FOZ

A

cidade “Rainha das praias de Portugal”

Bem no coração do Bairro Novo situa-se o Casino Figueira, inaugurado em 1884, o mais antigo da Península Ibérica, testemunha dos acontecimentos mais marcantes da sociedade, em particular de alguns ocorridos na primeira metade do século XX.

A Torre do Relógio, situada em frente à Esplanada Silva Guimarães, é, igualmente, uma das referências da cidade, bem como o Forte de Santa Catarina.

Situa-se, também nesta cidade, o Palácio Sotto-Mayor, que marca a história numa zona mais central da cidade. Já o Parque das Abadias é um dos “pulmões” da cidade e um local de lazer.

Do período jurássico à atualidade, muito há para descobrir e conhecer no concelho da Figueira da Foz, território marcado pela sua localização geográfica e cujo património militar é testemunho de diversos acontecimentos que marcaram a sua história e as suas gentes, como foi o caso dos ataques piratas ou das invasões francesas.

Histórias e lendas misturam-se, fazendo parte da memória coletiva e continuando a ser recordadas. No entanto, uma coisa é certa: nem só de passado vive a Figueira da Foz e não faltam motivos para, já hoje, começar a planear a sua visita!

Filipa Conde Solicitadora
Serra da Boa Viagem

A pouco mais de uma hora da principal fronteira terrestre portuguesa (Vilar Formoso) e a cerca de quatro horas e meia de Lisboa, Salamanca é uma das cidades espanholas que mais gostei de conhecer. Não tendo a mesma visibilidade de grandes cidades como Madrid, Barcelona, Sevilha ou outras, Salamanca reúne um conjunto de características que fazem dela um destino inesquecível.

Há muitos anos que ouvia falar de Salamanca. Isto porque foi nesta cidade que nasceu a mãe cá de casa, apesar de não haver espanhóis na família. Depois de tanto ter ouvido falar desta simpática cidade, foi fácil perceber e partilhar o entusiasmo. Com uma dimensão média, Salamanca é caracterizada por boa gastronomia e por um ambiente onde se respira cultura.

As tapas, das quais destaco o típico “bocadillo de jamón ibérico”, que pode ser encontrado em praticamente todas as ruas da cidade, a tortilha à espanhola ou mesmo a sopa de lentilhas, já seriam suficientes para deixar Salamanca na memória. Mas, para além deste atrativo gastronómico, a cidade espanhola da região de Castela e Leão reúne também um conjunto de locais que recomendo conhecer.

SALAMANCA

Tapas na mesa e muita cultura

Em primeiro lugar, a Plaza Mayor. É um ponto característico de muitas cidades espanholas, mas em Salamanca é particularmente bonita e convida a uma paragem estratégica para contemplação ou até para provar as já referidas tapas. Depois, é ainda possível caminhar por diferentes ruas do centro histórico que convergem num espírito cultural bastante vincado. Outros pontos de interesse são as catedrais de Salamanca, a Nova e a Velha, a Casa das Conchas (com diversas conchas na fachada) e a Ponte Romana, para apenas mencionar alguns. Na Igreja da Clerezia vale a pena subir às torres para apreciar a vista sobre a cidade. De mencionar que são várias as lojas, mais ou menos conhecidas, que podem ser encontradas nas ruas de Salamanca, algumas das quais vale a pena visitar, mesmo que não haja intenções de fazer compras.

Destaca-se também, em Salamanca, o espírito universitário, uma vez que estudantes de diferentes países, incluindo Portugal, aninam a cidade, de dia e de noite, com as típicas músicas associadas a este contexto. A Universidade de Salamanca é, aliás, uma das mais antigas da Europa e tem sido a “casa” de muitos portugueses, uma das mais procuradas do outro lado da fronteira. Além desta universidade pública, vale a pena visitar a Universidade Pontifícia, também muito procurada por jovens de vários países europeus.

Não posso terminar sem vos lançar um desafio: tentem encontrar a rã de pedra que se encontra na fachada da Universidade de Salamanca. Segundo dizem, é portadora de boa sorte para os estudantes. É tarefa para vos roubar largos minutos, mas não custa acreditar que a sorte chegará para todos.

Rúben Pinto Colaborador do Helpdesk da OSAE
La Clerezia

JORNADAS ESTUDO DE

Solicitadores e Agentes de Execução

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.