Sollicitare n.º 35

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Caminhos da Justiça: O Desporto sob Escrutínio Tribunal Arbitral do Desporto

ENTREVISTA

João Jesus Caetano Instituto da Mobilidade e dos Transportes

ENTREVISTA

Fernando Rodrigues Presidente do Conselho Superior

Augusto Santos Silva

Presidente da Assembleia da República

EDIÇÃO N.º 35 / QUADRIMESTRAL / FEVEREIRO –MAIO 2023 / €2,50 revista da ordem dos solicitadores e dos agentes de execução
REPORTAGEM

SOLLICITARE

REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Editor

Francisco Serra Loureiro

Redatores principais

André Silva, Dina Teixeira, Joana Gonçalves

Colaboram nesta edição:

Adriana Marques Teixeira, Ana de Sousa Matos, Armando Matias, Carina Jiménez Reis, Catherine Ribeiro, David Melim, Eva Mendes, João Almeida Garrett, Josélia Martins, Karoline Doeckers, Miguel Ângelo Costa e Susana Antas Videira

Conselho Geral

Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt

Conselho Regional do Porto

Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt

Conselho Regional de Coimbra

Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt

Conselho Regional de Lisboa

Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt

Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt

Impressão:

ORGALimpressores

Rua do Godim, 272 4300-272 Porto

Tiragem: 6 500 Exemplares

Periodicidade: Quadrimestral

ISSN 1646-7914

Depósito legal 262853/07

Registo na ERC com o n.º 126585

Sede da Redação e do Editor

Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa

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Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.

Bastonário

Paulo Teixeira

Assembleia Geral

Presidente: Aventino Lima (Lisboa)

1.ª Secretária: Elizabeth Costa (Lisboa)

2.º Secretário: Pedro de Aguiar Fernandes (Setúbal)

Conselho Geral

Presidente: Paulo Teixeira (Matosinhos)

1.ª Vice-Presidente: Edite Gaspar (Lisboa)

2.º Vice-Presidente: Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz)

3.ª Vice-Presidente: Elisabete Guilhermino (Batalha)

1.º Secretário: Mário Couto (Vila Nova de Gaia)

2.ª Secretária: Diana Silva Queiroz (Vila Franca de Xira)

Tesoureira: Alexandra Ferreira (Porto)

Vogais: João Coutinho (Figueira da Foz), Gabriela Antunes (Leiria), Nuno Manuel de Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira), Joana Bonifácio (Mirandela), Tânia Fernandes (Albufeira)

Conselho Superior

Presidente: Fernando Rodrigues (Maia)

Vogais: Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira), José Guilherme Pinto (Maia), Rosária Rebelo (Rio Maior), Valter Jorge Rodrigues (Moita), Beatriz Tavares do Canto (Ponta Delgada), Rafael Parreira (Leiria), Isabel Carvalho (Vila Nova de Famalicão), João Reduto (Guarda), Cláudia Cerqueira (Viana do Castelo), João Soares Rodrigues (Oliveira de Azeméis)

Conselho Fiscal

Presidente: Lídia Coelho da Silva (Porto)

Secretário: Alberto Godinho (Tomar)

Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores

Presidente: Delfim Costa (Barcelos)

Vice-presidente: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria)

Vogais: Leandro Siopa (Pombal), Carina Jiménez Reis (Linda-a-Velha), Marcelo Ferreira (Covilhã)

Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução

Presidente: Duarte Pinto (Porto)

Vice-presidente: Filipa Gameiro (Alcanena)

Vogais: Marco Santos (Trofa), Tânia Mendes Silva (Alcobaça), Emanuel Silva (Águeda)

Conselho Regional do Porto

Presidente: Nicolau Vieira (Gondomar)

Secretária: Cecília Mendes (Paredes)

Vogais: Marta Baptista (Santa Maria da Feira), Paulo Miguel Cortesão (Maia), Mariela Pinheiro (Barcelos)

Conselho Regional de Coimbra

Presidente: Anabela Veloso (Santa Comba Dão)

Secretário: Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede)

Vogais: Edna Nabais (Castelo Branco), Graça Isabel Carreira (Alcobaça), Bruno Monteiro Branco (Condeixa-a-Nova)

Conselho Regional de Lisboa

Presidente: Débora Riobom dos Santos (Odivelas)

Secretário: João Pedro Amorim (Lisboa)

Vogais: José Jácome (Lagos), Carla Matos Pinto (Torres Vedras), Marina Campos (Queluz)

FICHA TÉCNICA
EDIÇÃO N.º 35 / FEVEREIRO –MAIO 2023

2023 será um ano, sem dúvida, especial. Um ano em que, lembrando o nosso passado, escreveremos mais uma página marcante da nossa História. E é exatamente por aí que quero começar. Nos dias 26, 27 e 28 de outubro, no âmbito das Jornadas de Estudo da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), vamos comemorar os 20 anos da ação executiva. São 20 anos de uma revolução na Justiça nacional. São 20 anos de uma mudança que deu lugar a uma melhor resposta ao cidadão, cuja responsabilidade aos Solicitadores e aos Agentes de Execução deveremos atribuir. Não esquecer: este evento terá lugar em Lisboa e queremos contar com a presença de todas e de todos. Nesta edição da nossa revista, temos a honra de contar com o Senhor Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na capa que lhe dá rosto. Falámos, como não podia deixar de ser, de Democracia, de Liberdade, dos movimentos extremistas e de Justiça. É um orgulho ver, continuamente, na capa da nossa revista, as figuras mais importantes do nosso país. Mas há mais motivos para a explorar. A Sollicitare visitou o Tribunal Arbitral do Desporto, que nos abriu as suas portas. Só podemos agradecer a confiança, tal como ao Presidente do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, João Jesus Caetano, e ao Chefe do Departamento Geral dos Agentes de Execução do Ministério da Justiça do Azerbaijão, Ilgar Jafarov, que nos concedeu uma entrevista aquando da visita de uma delegação do seu ministério indicada pelo Conselho da Europa. Portugal, a OSAE e os Agentes de Execução são o exemplo do bom trabalho que se faz na Europa no que à ação executiva diz respeito. Dentro de casa, estivemos à conversa com o Presidente do Conselho Superior da OSAE, Fernando Rodrigues.

Partimos ainda à descoberta, na rubrica “Produtos com História”, de uma fábrica que dá ainda mais cor a Portugal desde 1930, a Fábrica Alentejana de Lanifícios. Um trabalho inspirador e essencial à preservação desta tradição. Igualmente inspiradora foi a conversa com o ator João de Carvalho, que nos declarou, com grande emoção, o seu amor pelo teatro. A nossa cultura guarda tanto do nosso país, da nossa gente. E guarda, também, tantas vidas. É um privilégio ter estas vidas contadas na nossa revista.

E, por falar em vida, resta-me terminar salientando que esta continuará a ser uma casa onde, diariamente, estaremos a trabalhar pela vida das profissões. Profissões que tanto contribuem para o desenvolvimento do país e para uma melhor Justiça ao alcance dos cidadãos. É isso que faz acontecer a vida da nossa Ordem.

SOLLICITARE 1 EDITORIAL
Paulo Teixeira Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

SOLLICITARE 35 / FEVEREIRO – MAIO 2023

Entrevista com o Presidente da Assembleia da República

Caminhos da Justiça: o desporto sob escrutínio

Reportagem sobre o Tribunal Arbitral do Desporto

Entrevista com o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes

Labor Improbus Omnia Vincit

2 ÍNDICE
Augusto Santos Silva João Jesus Caetano
4 14 28
SOLLICITARE 3 Uma fábrica onde se produz arte Reportagem sobre a Fábrica Alentejana de Lanifícios Fernando Rodrigues Entrevista com o Presidente do Conselho Superior da OSAE João de Carvalho “O teatro é vida. É para a vida”
EDITORIAL 1 OSAE OSAE recebeu Ministério da Justiça da República do Azerbaijão 22 Entrevista a Ilgar Jafarov, Chefe do Departamento Geral dos Agentes de Execução do Ministério da Justiça da República do Azerbaijão 24 Conselho Regional do Porto 44 Conselho Regional do Coimbra 46 Conselho Regional do Lisboa 48 PROFISSÃO O Agente de Execução na Bélgica 12 [Ainda] o reforço das Garantias através do reconhecimento do estatuto de autoridade, mas também de independência, do agente de execução 21 Uma sociedade unipessoal para solicitadores? 27 Justificação de Direitos 35 A (des)atualidade do fenómeno sucessório 43 Solicitadores ilustres: Alberto Totta 50 Tecnologia. Evolução tecnológica e a Solicitadoria 52 O novo enquadramento jurídico laboral do teletrabalho: novas oportunidades e responsabilidades 58 SUGESTÕES Leituras 59 ROTEIRO GASTRONÓMICO Restaurante Sabores do Campo 68 Restaurante "Tasca 7”  69 VIAGENS Câmara de Lobos 70 Serra Nevada 72
36 60 54

AUGUSTO SANTOS SILVA

Presidente da Assembleia da República

Nasceu e viveu a sua juventude em plena ditadura. Mas não se vergou. Fez greves quando não podia. Manifestou-se quando não era permitido. E ganhou. Na verdade, ganhámos todos. 25 de Abril de 1974. Tinha 18 anos quando foi, realmente, livre pela primeira vez. Mas continuou o seu caminho pela defesa da Democracia. Entre muitos outros cargos, foi Ministro da Educação, Ministro da Cultura, Ministro dos Assuntos Parlamentares, Ministro da Defesa e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Hoje, é o Presidente da Assembleia da República. Falamos, claro, de Augusto Santos Silva. O homem que defende que o Parlamento deve ser a casa da liberdade, o lugar onde todos os discursos têm lugar. Exceto um: o discurso do ódio. Disse-o no seu primeiro discurso. Volta a repeti-lo nesta conversa. Agora, como no início da sua vida, não se verga no combate pela Democracia. Algo que sente “como o oxigénio. Ninguém precisa de defender o oxigénio. É algo que é absolutamente natural para nós”.

ENTREVISTA
ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE
assista
“Não há nenhuma possibilidade de a Democracia em Portugal ser questionada”
ao vídeo em www.osae.pt

Tudo começa nas lutas políticas, ainda adolescente, contra a ditadura. O que recorda desses tempos?

Eu nasci em 1956 e considero que a minha consciência política foi ganha nos meus 14, 15, 16 anos, aquando da entrada no que hoje se chamaria o ensino secundário. Estávamos no período marcelista, no fim do Estado Novo. Vivíamos em ditadura, o que era especialmente evidente para as pessoas da minha idade, quer no plano político e militar, quer, sobretudo, no plano dos costumes. No plano político e militar, para quem tinha irmãos mais velhos, como eu, que estavam na guerra colonial em Moçambique. Esta situação trazia, para muito perto de nós, muitas questões ligadas à insegurança que a família inteira vivia. Para não falar na falta absoluta de legitimidade para essa guerra. Nós estávamos em território que não era nosso, a defender o que não era nosso e a impedir que países se pudessem tornar independentes. Mas mais: para pessoas da minha idade, ainda era mais perturbador o que acontecia na área dos costumes. Por exemplo, os liceus dividiam-se entre masculino e feminino; não podíamos ver filmes, absolutamente normais pelos padrões de hoje, considerados como filmes interditos a menores de 17 anos. Havia censura, as cenas eram cortadas; os livros que queríamos ler não podíamos. A revolta da minha geração está relacionada com este ambiente. Nessa altura, nos liceus portugueses, havia uma grande influência do movimento do Maio de 68, em França, ou da revolta dos estudantes universitários em Coimbra, em 1969. E foi a esses movimentos que eu aderi. Lembro-me que fizemos uma greve, fizemos manifestações espontâneas e ilegais em bairros populares no Porto, boicotámos o Festival dos Coros, que se realizou na Faculdade de Ciências, e o Concurso Nacional de Taco-a-Taco.

Foi Ministro da Educação, Ministro da Cultura, Ministro dos Assuntos Parlamentares, Ministro da Defesa e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Percorreu várias áreas governativas. O que retirou de cada uma?

Muitos ensinamentos. Aprendi bastante, principalmente em áreas que não eram da minha especialização profissional. Por exemplo, aprendi muito com os militares, enquanto Ministro da Defesa. Quer do ponto de vista da disciplina militar, quer do ponto de vista da dedicação ao serviço público, quer do ponto de vista da organização e, até, da tecnologia. Aprendi muito também com os diplomatas, o ABC da política externa, da diplomacia, etc. Admito que também gostei muito de ser Ministro dos Assuntos Parlamentares, porque é uma pasta de combate político. No que concerne à Cultura e à Educação, são as áreas mais próximas de mim profissionalmente, mas, claro, também aprendi bastante. Aprendi as condições muito particulares em que se governam. Uma coisa é fazermos análise académica, outra é realizarmos essas políticas com as condições de recursos orçamentais, das circunstâncias que estão a ser

vividas, do tipo de relacionamento que se tem com os atores relevantes em cada área… Tudo isso é uma experiência muito enriquecedora.

E, se pudesse repetir uma delas, qual escolheria e porquê?

É suposto, pela ordem das coisas, que eu agora não exerça mais funções governamentais. Fiz 15 anos de funções em governo, fui apenas ultrapassado, no ano passado, pelo atual Primeiro-Ministro. Antes dessa ultrapassagem, era o português que mais tempo tinha servido o meu governo em democracia. A partir do momento em que vim para Presidente da Assembleia da República, em princípio, o governo é uma coisa do passado e da minha biografia pessoal.

No próximo ano, completaremos meio século desde a revolução. Como avalia o estado da nossa democracia?

Para mim é tão simples que, às vezes, até choco as pessoas com esta resposta. Mas é uma resposta profundamente verdadeira. Para mim, que ainda vivi 17 anos em ditadura, a diferença entre a democracia e a ditadura é como a diferença entre a água e o vinho. O país era completamente diferente. Enquanto criança e vivendo no centro do Porto, em Paranhos, recordo-me de ver mulheres andarem descalças na rua. No bairro em que vivia, ainda havia um lavadouro público. Algumas pessoas não tinham canalização em casa e tinham de lavar a roupa num tanque público. Lembro-me que a mendicidade era considerada um crime, que a taxa de mortalidade infantil era altíssima. A minha mãe votou pela primeira vez nas eleições de 1975. As mulheres não podiam ser magistradas, militares ou diplomatas. Além de tudo isto, ainda há a questão da liberdade… Portanto, não me venham dizer que estamos piores porque é falso. A transição do Estado Novo para a Democracia é uma mudança tão absoluta como a mudança da idade das cavernas para o neolítico.

A nossa memória coletiva já esteve mais fresca sobre os perigos dos extremismos?

Não há nenhuma possibilidade de a Democracia em Portugal ser questionada. Vejo pelos meus filhos e, agora, pelos meus netos que, para eles, a liberdade, a Democracia, as eleições, a possibilidade de fazer greves ou manifestações, redigir petições, a igualdade entre pessoas… Tudo isso faz parte do ar que eles respiram. Diz-se, muitas vezes, que as pessoas mais novas não defendem tanto quanto deveriam e eu não consigo perceber isso. Para os mais novos, a Democracia é como o oxigénio. Ninguém precisa de defender o oxigénio. É algo que é absolutamente natural para nós.

Coisa diferente é este avanço dos extremismos, em particular, do extremismo de direita. Eu não creio que, em Portugal, tenham condições para avançar muito

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ENTREVISTA COM AUGUSTO SANTOS SILVA

mais do que já fizeram. Mas, de qualquer maneira, é um problema que assola a Europa e que, fora da Europa, já atingiu outros níveis, como vimos nos Estados Unidos da América e no Brasil.

Falando também de justiça e embora haja sempre onde melhorar no sentido de agilizar a decisão, sente que, num contexto de imediatismos, nos esquecemos do quanto a democracia e a liberdade dependem do respeito pelos tempos da justiça?

Em Portugal não temos um problema de independência do poder judicial. O poder judicial é independente e essa é uma condição sine qua non da Democracia. Temos um Ministério Público com os valores mais elevados de autonomia que existem na Europa e isso também é uma vantagem do nosso sistema. Precisamos, claro, de corrigir pequenas coisas. Por exemplo, era preciso corrigir o abuso em que caímos no recurso à figura do arguido. Porque a constituição de pessoas como arguidas tem criado uma ideia de que essas pessoas já estão condenadas ou de que já se provou que fizeram algo de errado e é uma ideia absolutamente falsa.

Também o processo legislativo encara os desafios desta necessidade de imediatismo?

Nós devemos recear as leis que são produzidas em cima do joelho e devemos recear também as leis que são produzidas para reagir a casos particulares ou elaboradas e aprovadas para respostas instantâneas. Há uma grande diferença entre fazer uma lei ou fazer um Nescafé. As leis não são solúveis instantaneamente. Leis gerais, que nascem para responder a casos particulares ou a casos de particular pressão mediática, normalmente levam a soluções que se revelam inadequadas. Devemos conservar o sangue frio. É o que distingue, aliás, os políticos que são apenas políticos dos políticos estadistas. Estes últimos não olham só para os casos do dia.

Perante os desafios da atualidade, quais os objetivos que traçou para este mandato enquanto Presidente da Assembleia da República?

Quatros objetivos. Valorizar a Democracia e tornar o Parlamento a casa da Democracia, isto é, como a instituição que prossegue as suas finalidades essenciais: fazer Leis, escrutinar o Governo e a Administração Pública e ser a sede do debate político, plural e democrático entre os diferentes partidos. Defender a Democracia Parlamentar e defender o Parlamento como a casa da liberdade. O discurso de ódio é o único limite que existe. Eu acho que todos os discursos têm lugar no Parlamento, podem ser rudes, elegantes, de consenso, de combate, com confrontos muito duros… Mas a única coisa que não pode haver é o discurso que incite à violência contra os mais vulneráveis, contra migrantes, por razões étnicas ou religiosas…

8 ENTREVISTA COM AUGUSTO SANTOS SILVA
“[Sobre a Justiça] Por exemplo, era preciso corrigir o abuso em que caímos no recurso à figura do arguido. Porque a constituição de pessoas como arguidas tem criado uma ideia de que essas pessoas já estão condenadas ou de que já se provou que fizeram algo de errado e é uma ideia absolutamente falsa.”

Disse no início e, sempre que entender que há discurso de ódio, eu irei intervir. Que esta Casa da Democracia seja uma casa aberta. Tenho multiplicado as ocasiões em que a Assembleia da República está aberta às pessoas, designadamente às escolas, e as ocasiões em que a Assembleia da República vai para perto das pessoas. Tenho multiplicado as minhas presenças e as dos Senhores Deputados por todo o território. A única coisa da Assembleia da República que está apenas em Lisboa é mesmo o seu edifício. De resto, está em todo o país e em todo o lado em que haja portugueses. Por último, sendo a Casa da Democracia uma casa aberta, quero que a Assembleia da República seja uma casa de cultura e da língua. Eu tenho um pouco de pena que a retórica parlamentar não seja hoje tão rica do ponto de vista linguístico e literário, como já foi em tempos passados. Tenho pena que a arte da oratória hoje não seja tão vibrante.

Também nos tempos que correm, é tema de análise permanente o afastamento dos cidadãos em relação à política. No exercício do atual cargo, procura de que forma ser um contributo para contrariar este afastamento?

Sim e há vários parâmetros. Em primeiro lugar, usar o Parlamento como uma casa aberta e aí o que tenho feito é valorizar todas as iniciativas já tomadas pelos meus antecessores e acrescentar outras. Por exemplo, todos os anos, no dia 25 de Abril, o Parlamento está de portas abertas a quem o quiser visitar. É, acrescento, uma belíssima tradição. A minha decisão foi que isso se fizesse também no dia 5 de outubro. E a reação tem sido muito boa. Em

“Que esta Casa da Democracia seja uma casa aberta. Tenho multiplicado as ocasiões em que a Assembleia da República está aberta às pessoas, designadamente às escolas, e as ocasiões em que a Assembleia da República vai para perto das pessoas. Tenho multiplicado as minhas presenças e as dos Senhores Deputados por todo o território.

segundo lugar, o Parlamento tem de estar mais próximo das pessoas e, em particular, das pessoas jovens. Faz-se isso através de acordo com as universidades, da participação mais regular dos deputados e do Presidente da Assembleia em iniciativas universitárias. Realizamos, todos os anos, o fórum parlamentar com Espanha. O último, em outubro de 2022, foi em Braga. O que combinei com a minha colega espanhola foi, nessa mesma tarde, irmos ambos à Universidade do Minho falar com estudantes. O meu colega, Presidente do Senado de Espanha, veio visitar-nos e fomos juntos à Universidade Nova de Lisboa. Temos procurado, também, ser rápidos na resposta às solicitações dos cidadãos. Neste momento, temos ainda 14 petições que já deviam ter sido discutidas em plenário e que ainda não foram, mas, no início do meu mandato, eram 25. Temos procurado que, em todas as quinzenas, haja várias petições a avançar para apreciação.

E no que respeita especificamente aos mais jovens, sente que a política tem de se reinventar para chegar a eles, seja nas temáticas, seja na forma e no uso mais intenso de ferramentas como as redes sociais?

Não devemos fazer depender a substância, daquilo que dizemos e defendemos, das modas. No meu caso, e por pertencer à minha família política, defendo valores que não podem ser abandonados só porque agora são as redes sociais que contam. Progressividade fiscal, igualdade de oportunidades, não discriminação em função da orientação sexual, entre muitas outras… Não dependem da conjuntura. E, sim, porque é preciso adaptar a nossa linguagem aos ecossistemas comunicacionais em que vivemos. Por exemplo, tenho uma página oficial no Twitter (@ASantosSilvaPAR) em que intervenho quase todos os dias e assim consigo chegar a mais gente. Embora seja, do ponto de vista pessoal, um intelectual do sistema de Gutenberg e adorar escrever, hoje já comunico muito através de vídeo. Não há dúvida de que temos de adaptar a nossa linguagem às ferramentas que vão surgindo.

É formado em História. Sente que, por todos os cargos que exerceu e exerce, também está a escrever parte da História que um dia vai ser estudada?

[risos] Não, não tenho essa presunção. Acredito na força das minhas ideias, mas não as confundo comigo próprio. As minhas ideias são as ideias de uma grande comunidade de pessoas e, essas sim, já estão na História e assim continuarão.

SOLLICITARE 11 ENTREVISTA COM AUGUSTO SANTOS SILVA

O Agente de Execução na Bélgica

Os Agentes de Execução (AE) são funcionários públicos que praticam a sua função com o estatuto jurídico de profissão independente. Têm, assim, uma dupla identidade profissional.

Funcionário público (do Governo)

Tendo o Governo transferido parte de seu poder público para o AE, este profissional é um funcionário público no exercício das funções oficiais atribuídas a eles por Lei, decreto ou regulamento.

A notificação e execução de decisões judiciais é a principal tarefa do AE belga. Além disso, tem competência exclusiva para redigir e cumprir todos os mandados e executar decisões judiciais ou títulos em forma executória, bem como apurar factos puramente materiais e de vendas públicas (judiciais ou amigáveis) de bens móveis.

O AE é a “cara da Justiça”. Afinal de contas, é ele que vai à casa do cidadão para entregar as decisões legais. Eles asseguram o contacto humano entre o cidadão e a Justiça, procurando encontrar uma solução através da mediação nos seus processos de cobrança de dívidas.

Este profissional não pode recusar os seus serviços, a menos que o seu código de conduta ou a Lei o proíba de fazê-los, como por exemplo numa situação de conflito de interesses ou de uma solicitação ilegal.

O número de AE’s é fixado pelo Rei e pela Lei, com base no número de habitantes por região, assim como a taxa para os serviços prestados por eles, que deve ser rigorosamente cumprida.

Os custos suportados por este profissional não são pagos pelo Governo, mas sim pela parte condenada e pelo cliente que solicita a tarefa.

Trabalhadores por conta própria

Por outro lado, o AE é autónomo, sendo responsável pela organização do seu escritório, pelo recrutamento de pessoal e pela angariação de clientes.

A cobrança amigável de dívidas, por exemplo, engloba uma grande parte das suas tarefas. Trata-se de um procedimento de cobrança fora do tribunal, sem fazer uso das opções de execução judicial, que tem a vantagem de ter baixos custos para os devedores. Nesse processo de cobrança, o AE tentará entrar em contato com o devedor e, caso a tentativa de resolução amigável não seja bem-sucedida, pode ver se vale a pena os credores iniciarem um processo judicial.

Para tal, tem acesso a diversos bancos de dados: o Registo Nacional

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Karoline Doeckers Agente de Execução na Bélgica
PROFISSÃO

Belga; o Registo Central de Penhoras; o Registo Predial de titularidade de bens imóveis; o Registo de viaturas; e o Registo da Segurança Social.

Profissão independente

O AE pode exercer assim uma profissão independente, mas tem de se guiar pelas regras deontológicas aplicáveis ao seu cargo, que garantem a sua independência e imparcialidade. Em caso de violação das mesmas, aplicam-se as regras disciplinares. Recentemente, foi aprovada uma Lei para estabelecer um tribunal disciplinar a esse respeito, que entrará em vigor em 01.01.2024.

Além disso, os AE devem ter formação contínua (25 horas em dois anos), a fim de estarem sempre atualizados sobre as últimas mudanças legislativas do mundo jurídico. E são pessoalmente responsáveis por quaisquer erros profissionais.

Como se tornar um AE?

AE estagiário

Após a obtenção do grau de mestre em direito, é necessário iniciar um estágio de dois anos num escritório de um AE. Durante o mesmo, o estagiário familiariza-se com o trabalho de escritório e de “estrada”. Após concluir o estágio, pode requerer um certificado de estágio, junto da Câmara Nacional dos Agentes de Execução, e inscrever-se no exame para Candidato a AE, que é realizado uma vez por ano.

Candidato a AE

O candidato a AE é nomeado pelo Rei para substituir um AE titular – quando este tem de se ausentar por motivos de doença, por exemplo – tornando-se nesse momento um AE adjunto. Este assumirá sobretudo as funções de AE ‘na estrada’: notificação de decisões legais, a imposição de penhora, a venda pública de bens móveis penhorados, despejos, etc. No entanto, o AE titular só pode ser substituído até 180 dias.

Para ser nomeado AE, é preciso ter sido candidato a AE por cinco anos e ter feito as horas obrigatórias de formação. Mas um novo AE só é nomeado em caso de saída de outro AE: quando atinge 70 anos, quando decide renunciar antes dessa idade, ou após a sua morte.

A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) assinou, no passado dia 19 de janeiro, na sede da OSAE, em Lisboa, um protocolo de colaboração de prestação de consulta jurídica gratuita com a Junta de Freguesia de Casal de Cambra.

Segundo o protocolo estabelecido, podem beneficiar do Serviço as pessoas singulares de reconhecida insuficiência económica, inclusive os cidadãos que demonstrem – através da entrega da declaração de IRS ou de declaração em como estão dispensados de IRS –, sob compromisso de honra, que não auferem rendimentos superiores a um salário mínimo nacional por pessoa, independentemente de terem ou não património.

Neste acordo de colaboração, a OSAE obriga-se a dar formação aos associados da OSAE que queiram aderir ao Serviço, a apoiar o associado durante as sessões de atendimento e a organizar as sessões de informação jurídica, quer sejam presencialmente ou à distância.

Já a Freguesia de Casal de Cambra fica responsável por, para além de divulgar os serviços de Informação Jurídica Gratuita, selecionar os interessados que reúnam os requisitos para poderem beneficiar deste serviço e efetuar a sua inscrição no portal da OSAE, bem como disponibilizar as instalações e equipamentos para a realização do Serviço. Marcaram presença neste momento Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, e Mário Santos, Presidente da Junta de Freguesia de Casal de Cambra.

SOLLICITARE 13
OSAE assina protocolo com Junta de Freguesia de Casal de Cambra para prestação de consulta jurídica gratuita

CAMINHOS DA JUSTIÇA: O DESPORTO SOB ESCRUTÍNIO

REPORTAGEM DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA

Criado em 2013, pela Assembleia da República, tem se encarregado de administrar a Justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto. Já sabe do que falamos? Do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD). Descubra tudo sobre este organismo nesta reportagem.

REPORTAGEM

nosso destino é a Rua Braamcamp, n.º 12. A morada corresponde à sede do TAD. À chegada, somos recebidos por José Mário Ferreira de Almeida, escolhido pelos seus pares árbitros do TAD, há quase quatro anos, para presidir ao Tribunal. É ele que nos dá a conhecer todos os contornos desta instituição. E, começando pelo princípio, mas afinal o que é o TAD? “É verdadeiramente uma entidade singular no sistema de administração da Justiça. A sua natureza sui generis resulta da opção do legislador de entregar a resolução de conflitos desportivos a uma entidade jurisdicional independente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos desportivos. Uma entidade resultante da conjugação de dois princípios, a autonomia do desporto, enquanto primordial manifestação social, e o princípio da tutela efetiva de direitos e da proteção do interesse público desportivo”, explica.

Foquemo-nos agora na sua missão. Segundo o Presidente, “no âmbito das suas competências jurisdicionais, a missão do TAD é a missão constitucionalmente atribuída a qualquer tribunal: administrar a Justiça, garantindo direitos ou prevenindo a sua violação, e proteger o interesse público. Nessa medida, pode dizer-se que este Tribunal contribui para a afirmação do dever ser resultante dos valores caros ao desporto afirmados no artigo 79.º da Constituição e acolhidos pela Lei”.

A ética e honestidade desportivas, a defesa do espírito desportivo e da verdade, a lealdade e seriedade na competição são, assim, algumas das preocupações do TAD. “O tribunal é um dos instrumentos que na ordem jurídica contribui para prevenir e punir as manifestações antidesportivas, com especial atenção para os fenómenos de violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia ou qualquer outra forma de discriminação ilícita”, clarifica.

Curiosamente, ou não, a maioria dos processos são provenientes do futebol e do mundo imenso de interesses que o rodeiam. Como nos revela Ferreira de Almeida, “a litigância no futebol não tem efetivamente paralelo. A existência do TAD não altera essa realidade nem a criação do Tribunal visou alterá-la”. No entender do Presidente, a predominância dos casos do futebol apreciados no TAD é normal e era expetável quando o Tribunal surgiu: “Não há comparação possível entre os interesses do futebol e os interesses que giram em redor de outras modalidades, mesmo aquelas em que se observa já um grau elevado de profissionalização ou maior relevância económica das respetivas competições. O futebol, e tudo o que depende dele, é pacificamente considerado uma poderosa indústria. A escala dos interesses ligados às competições eleva o nível de litigiosidade, como acontece com todas as atividades sociais e económicas de grande relevo, tornando perfeitamente natural e compreensível que o maior número de casos apreciados pelos colégios arbitrais se relacione com essa modalidade”. Esclarece, todavia, que “desde que foi instituído, o TAD julgou processos de um leque alargado de modalidades, desde o andebol ao atletismo, automobilismo, basquetebol, ciclismo, padel, patinagem ou rugby”.

E que lugar ocupa este Tribunal no sistema da Justiça nacional? Para Ferreira de Almeida, “seria um exagero dizer que o TAD é uma peça insubstituível do sistema de Justiça. O que pode ser dito é que o Tribunal desempenha hoje um papel que assenta no reconhecimento comum das virtudes da especialização na temática jurídico-desportiva de quem é chamado a decidir um litígio. Mas também no reconhecimento da idoneidade do método arbitral de resolução do conflito desportivo”.

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O
TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO

Apesar da sua curta existência, o TAD não tem sido poupado a críticas. E, logo, desde a aprovação da Lei que o criou. “Porque falamos de desporto, existe entre nós uma modalidade não oficial, mas com entusiásticos praticantes, o tiro à Lei. Todos conhecemos o hábito de criticar a Lei no momento seguinte à sua entrada em vigor. Antes da Lei ver a luz do dia, todos reclamam por ela. Aprovada a Lei, não faltam os sábios que se ocupam a desfazer as opções do legislador. Depois, aparecem as críticas dirigidas a esta ou aquela decisão, para a partir daí concluir que era melhor não existir o TAD”, sublinha o responsável do Tribunal, que mostra não se impressionar com estas críticas. No entanto, “muito do que se opina em tom crítico não identifica problemas a que se torne necessário atender e corrigir, nem contribui para a melhoria do modelo de Justiça desportiva que deve ser aperfeiçoado, sim, mas em aspetos relevantes em vista do interesse geral de uma Justiça íntegra e célere”, afirma. E acrescenta: “Veja-se a censura, recorrente, de que se espera tempo demais pelas decisões do TAD. É algo que se repete nos media sem, contudo, ter correspondência com a realidade. Apesar de aqui se terem julgado processos de grande complexidade instrutória ou que envolvem questões jurídicas deveras complexas, o tempo médio de pendência e a média de duração dos processos não deixam ficar mal visto o Tribunal”.

TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO

Em 2022, “foram submetidos ao TAD 120 processos. Destes, 34 constituíram providências cautelares. O tempo de decisão nos processos cautelares situou-se nos 19 dias. Dos processos entrados ao longo desse ano, sem contar com procedimentos cautelares, foram já resolvidos 42 casos. A duração média dos processos era de 114 dias a 31 de dezembro”, informa Ferreira de Almeida. Chama ainda a atenção para o facto de que “as estatísticas não refletem a exigência procedimental de muitos deles e a sua complexidade jurídica, mas os números permitem perceber que em matéria de excessivos atrasos na conclusão dos processos no TAD, são mais as vozes que as nozes”. Quanto ao volume processual, indica: “desde o primeiro dia de atividade jurisdicional do Tribunal até ao final do ano que passou, foi pedida a nossa intervenção em 642 processos, incluindo providências cautelares”.

Quisemos ainda saber quem são os árbitros que integram o Tribunal. “São profissionais cuja competência e idoneidade são primeiramente reconhecidas pelas entidades desportivas - que os indicam para integrar uma lista quadrienal - e que se disponibilizam para colocar ao serviço da Justiça desportiva o saber adquirido na academia onde lecionam, na atividade forense, como jurisconsultos ou noutras ocupações. Apesar de o TAD, enquanto instituição, ter caráter permanente, os árbitros não são, ao contrário dos juízes togados, dedicados exclusivamente à função de dirimir conflitos”, salienta. “Após a indicação pelas entidades desportivas que a Lei enuncia, a palavra final da escolha dos árbitros em cada quadriénio compete ao Conselho de Arbitragem Desportiva - CAD, órgão constituído por personalidades nomeadas por entidades externas ao Tribunal, concretamente: Conselho Superior da Magistratura, Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Conselho Superior do Ministério Público, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, Ordem dos Advogados, Comité Olímpico de Portugal, Confederação do Desporto de Portugal e Conselho Nacional do Desporto.

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“Muito do que se opina em tom crítico não identifica problemas a que se torne necessário atender e corrigir, nem contribui para a melhoria do modelo de Justiça desportiva que deve ser aperfeiçoado, sim, mas em aspetos relevantes em vista do interesse geral de uma Justiça íntegra e célere.”
José Mário Ferreira de Almeida

Quanto ao procedimento para recorrer a este Tribunal, o Presidente diz-nos que “quem quiser recorrer ao TAD deve conhecer os contornos específicos do contencioso desportivo, ter presentes os requisitos de admissibilidade que se encontram bem expressos na Lei do TAD, ou, no que se refere à arbitragem voluntária, no Regulamento de Arbitragem Voluntária do TAD. O âmbito da arbitragem necessária abrange todas as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que não se vejam afastadas pela natureza arbitral do processo. Recomendável, é, também, um bom conhecimento da Lei da Arbitragem Voluntária. Sem esquecer que a Lei torna obrigatória a assistência das partes por advogado”.

Por outro lado, no que diz respeito à tramitação, “tudo se encontra facilitado com a utilização de meios de comunicação remota entre as partes e o Tribunal. O processo no TAD encontra-se quase integralmente desmaterializado. Mesmo na fase de instrução recorre-se frequentemente a esses meios, tornando o processo bem menos oneroso para os sujeitos processuais, agilizando o seu andamento e contribuindo para a celeridade das decisões”.

De olhos postos no horizonte, José Mário Ferreira de Almeida acredita que “o futuro do TAD deve ser o que resultar da avaliação que o legislador fizer da experiência. Espero que se aproveite o que provou funcionar e correspondeu às expectativas que levaram à sua criação e se corrija o que for de corrigir. Dito de outro modo, feita essa avaliação, longe do ruído, que se introduzam na Lei as alterações, umas cirúrgicas outras mais substantivas, algumas já identificadas. Alterações que visem, por exemplo, resolver as incertezas que ainda surgem quanto ao âmbito da jurisdição ou questões relacionadas com o estatuto do árbitro, bem como aperfeiçoar as regras do processo arbitral com vista ao reforço da autonomia do Tribunal, obtendo-se por aí ganhos de credibilidade para a arbitragem desportiva. Mas também para melhorar o nível de democraticidade do acesso ao Tribunal ou para encontrar um modelo de execução das sentenças arbitrais que atenda à especificidade do caso desportivo, de modo a que algumas das decisões do TAD não venham a ser letra morta”.

Findada a nossa passagem pelo TAD, levámos connosco uma convicção: a de que este Tribunal tem sido a prova de que os tribunais arbitrais podem ser parte muito útil do sistema de Justiça. Com este organismo, aliviaram-se os tribunais administrativos de uma carga processual considerável. E, por fim, mas não menos importante, tem contribuído para afirmar e garantir a fidelidade aos valores que devem prevalecer no desporto. E, assim, se caminha pela Justiça desportiva. Uma Justiça que soma já 10 anos de existência.

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“O futuro do TAD deve ser o que resultar da avaliação que o legislador fizer da experiência. Espero que se aproveite o que provou funcionar e correspondeu às expectativas que levaram à sua criação e se corrija o que for de corrigir.”
TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
José Mário Ferreira de Almeida

[Ainda] o reforço das Garantias

Já em anterior artigo deixámos expresso que na atual conjuntura de intensa contração da atividade económica urge não descurar o impacto direto que tal situação tem na liquidez da generalidade dos agregados familiares.

Por consequência, o cenário de crise em presença e que previsivelmente num futuro próximo se agudizará demanda que o ordenamento jurídico alinhe, decididamente, o estatuto de autoridade que a Lei imprime à função do agente de execução com a sua liberdade, isenção e independência, estatutariamente consagradas, a fim de reforçar a confiança junto de todos os intervenientes processuais, incluindo, naturalmente, o exequente e o executado.

A este propósito, voltamos a recordar o DecretoLei n.º 10-J/2020, de 26 de março – objeto de sucessivas alterações – que veio estabelecer um conjunto de medidas excecionais de proteção, de que destacamos a possibilidade de os clientes bancários beneficiarem de uma extensão do prazo de vigência da moratória pública criada no contexto da resposta à pandemia.

Uma vez esgotadas as medidas transitórias pensadas para a situação de crise gerada pelo novo coronavírus e assumindo que a atual conjuntura não permite superar [ainda] a situação de desvalimento em que muitos se encontram, importa que se prossiga, por um período extraordinário e limitado no tempo, ao alívio financeiro das famílias, confiando ao agente de execução o papel que a reforma, já consagrada, da ação executiva

lhe atribuiu há praticamente duas décadas – a de prosseguir, com independência e imparcialidade, num quadro de escrupulosa sujeição a deveres deontológicos e profissionais, relevantes funções públicas judiciárias de natureza não jurisdicional.

Assim, é nosso entendimento que a este profissional deveria ser legalmente cometida a possibilidade de diferir temporariamente o pagamento de prestações previamente acordadas com o credor, ou aceitar um programa calendarizado de pagamento prestacional, aos devedores que, comprovadamente, tenham sofrido uma quebra de rendimentos em virtude da aguda situação em presença que os impeça de satisfazer as suas obrigações contributivas.

Não obstante, a dispensa do acordo do credor seria compensada pela possibilidade de, uma vez notificado, este se opor ao requerido se o diferimento ou o plano prestacional em causa requeridos pelo executado forem de molde a comprometer, irreparavelmente, o seu direito.

Por outro lado, nos casos em que exista uma sentença que condene o devedor no cumprimento de uma obrigação, criando, como garantia a favor do credor, um direito de registar, sobre os bens do devedor condenado, uma hipoteca, também se afigura pertinente, neste particular contexto, permitir, por via de alteração legislativa, que o agente de execução possa aceitar, a pedido do devedor, um plano de pagamento prestacional.

Assim, e em síntese, nos casos em que exista uma hipoteca judicial – a qual conjuga a vontade do credor, traduzida no respetivo registo, com a existência da sentença condenatória a seu favor – o agente de execução deveria poder aceitar, a requerimento do devedor que, comprovadamente, tenha sofrido uma quebra de rendimentos que o impeça de satisfazer as suas obrigações, um plano prestacional de regularização dos montantes em dívida.

Acautelar-se-ia, deste modo, a justiça material e a salvaguarda dos propósitos de proteção do exequente que a Lei visa garantir.

SOLLICITARE 21
através do reconhecimento do estatuto de autoridade, mas também de independência, do agente de execução
Susana Antas Videira Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
PROFISSÃO
22 OSAE

OSAE recebeu Ministério da Justiça da República do Azerbaijão

OMinistério da Justiça da República do Azerbaijão, composto por Ilgar Jafarov, Chefe da Direção Geral de Execução, Aghakarim Samadzade, Chefe da Direção de Tecnologias de Informação e Comunicação, Farid Afandiyev, Vice-Chefe da Direção Geral de Execução, Yagub Gurbanov, Chefe da Unidade de Controle Analítico da Direção Geral de Execução, e Tural Mammadov, líder do Grupo (sobre informações eletrónicas) na Direção Geral de Execução, deslocou-se a Portugal, entre os dias 13 e 16 de dezembro, para uma visita de estudo organizada pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e pela European Commission for the Efficiency of Justice (CEPEJ).

Esta iniciativa teve como objetivo dar o conhecer a OSAE e as ferramentas de Justiça portuguesas, assim como discutir os mecanismos mistos de cumprimento das decisões dos tribunais e a aplicação das novas ferramentas de Tecnologia de Informação e Comunicação.

A visita teve início no Porto, no dia 14 de dezembro, com uma reunião introdutória com a OSAE, seguindo-se uma passagem pelo escritório de um Agente de Execução. Após este momento enriquecedor, a comitiva do Azerbaijão deslocou-se até Ovar, onde puderam ter uma experiência única: uma visita especializada ao Tribunal desta região.

No dia seguinte, todos os membros do Azerbaijão foram convidados a visitar a sede da OSAE, de forma a conhecerem as suas instalações, assim como todos os projetos que têm vindo a ser desenvolvidos por esta Ordem em prol da Justiça. Depois do almoço, e aproveitando a oportunidade para saber mais sobre a Justiça no Azerbaijão, foi realizada uma entrevista a Ilgar Jafarov. E o dia terminou com uma visita ao centro de dados da OSAE.

Prestes a finalizar a sua passagem por Lisboa, no dia 16 de dezembro houve ainda tempo para visitar outro escritório de um Agente de Execução e, por fim, reunir com um membro do Ministério da Justiça de Portugal.

Os representantes do Ministério da Justiça da República do Azerbaijão foram permanentemente acompanhados pelo Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Duarte Pinto, e pelo Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Marco Santos.

SOLLICITARE 23

Como está a ser a visita a Portugal?

É um grande prazer estar em Portugal. Tivemos a oportunidade de trocar ideias com os nossos colegas portugueses e chegámos a uma conclusão: Portugal e o Azerbaijão são países tão iguais quanto diferentes. Portugal é um país localizado no Oeste da Europa, enquanto que o Azerbaijão é localizado no Este. Mas os valores europeus unem-nos.

Descreva-nos, sucintamente, o panorama judicial no Azerbaijão. Como surgiu o interesse pela área da execução privada?

Quando o Azerbaijão reconquistou a sua independência, em 1991, escolhemos o caminho do desenvolvimento orientado para a integração europeia. Em 2001, tornámo-nos membros do Conselho da Europa. No ano seguinte, foi-nos aplicada a jurisdição europeia dos direitos humanos e, para esse fim, tivemos de fazer reformas judiciais e legais. O sistema de tribunais, assente em três pilares, foi estabelecido no nosso país e a componente de execução também pôde ser desenvolvida. Como se sabe, a eficácia judicial não é possível sem a efetiva execução. É por

Entrevista a

ILGAR JAFAROV

Chefe do Departamento Geral dos Agentes de Execução do Ministério da Justiça da República do Azerbaijão

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isso que a execução das decisões dos tribunais desempenha um grande papel no julgamento judicial no nosso país. Até ao momento, no Azerbaijão, apenas tivemos a execução pública (do Estado). Este serviço de execução funciona sob a tutela do Ministério da Justiça e as nossas atividades são reguladas pelas leis correspondentes. Porém, todos os desenvolvimentos no país levam-nos a crer que temos de adotar também a execução privada. E, por esse motivo, queremos aprender com as experiências de outros países a nível internacional. Estamos, sobretudo, interessados na experiência portuguesa, porque Portugal tem o mesmo número de população e dimensão territorial que o nosso país.

Depois de conhecerem o sistema de execução português, o que acham que poderia ser implementado no vosso país?

Foi-nos preparado um programa muito detalhado pelo Conselho da Europa e pela União Europeia. Primeiro, estivemos na cidade do Porto e visitámos o escritório de um Agente de Execução, ficando a par do trabalho desempenhado por este profissional em Portugal. Os Agentes de Execução da nossa delegação acharam o seu trabalho de escritório muito interessante e não se cansaram de manifestar o seu interesse e curiosidade, pedindo para lhes mostrarem os seus documentos, carimbos e questionando todo o processo. E, obviamente, tencionamos pegar em leis antigas que vocês tenham e levá-las connosco (risos). Visitámos também o Tribunal da cidade de Ovar e ficámos a conhecer as suas atividades, o que foi mesmo muito útil, assim como a apresentação feita pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Vamos, sem dúvida alguma, adotar muitos aspetos da experiência portuguesa, porque sentimos que o sistema de execução português foi extremamente bem organizado e tem vindo a mostrar-se de grande eficácia.

Quais considera que são as principais diferenças entre o vosso sistema de Justiça e o português?

Os sistemas judiciais dos dois países são diferentes. Mas acho que, de um ponto de vista geral, até acabamos por encontrar semelhanças e penso que isso se deve muito ao uso das novas tecnologias. Achámos o sistema eletrónico de execução português muito interessante e, em particular, os leilões eletrónicos, que consideramos ser um mecanismo muito bom para assegurar a transparência. Valorizamos muito esta oportunidade para

conhecer o sistema português e vamos dar o nosso melhor para ter um modelo semelhante, mas adaptado à nossa realidade.

Que desafios enfrenta o Azerbaijão em matéria de execução?

No setor da execução, o nosso maior desafio diz respeito ao número de casos judiciais. O Azerbaijão está a desenvolver e a expandir a sua economia. Logo, existem cada vez mais decisões judiciais. E essas decisões têm de ser executadas. Resolver estes problemas e abordar esses desafios apenas através do Estado acaba por ser muito complicado. A meu ver, se formos para a execução privada pelo menos os nossos desafios serão minimizados. Para além disso, isto gerará mais empregos, mais satisfação para os cidadãos e mais confiança na nossa Justiça. Primeiramente, pensámos em criar um projeto-piloto, depois um sistema misto (com execuções públicas e privadas) e talvez, por fim, dedicarmo-nos totalmente à execução privada. Mas queremos proceder cautelosamente, passo a passo, pois temos medo de que se fizermos tudo muito rápido possamos ter alguns problemas.

Já passaram por algum processo semelhante?

Temos um exemplo muito positivo do nosso sistema notarial. Há dez anos, todos os escritórios de notários no Azerbaijão eram públicos (do Estado), mas agora 98% deles são privados. Portanto, consideramos esta experiência interessante e vantajosa para nós. No entanto, temos a noção de que o sistema de execução é diferente do sistema de notariado e de que, por esse motivo, teremos mais desafios pela frente.

Acha que a OSAE é um exemplo a seguir no que diz respeito à Justiça?

Sim, é um exemplo que queremos seguir. Quando estávamos a preparar-nos para esta visita, perguntámos aos nossos parceiros europeus que país recomendavam em matéria de execução e eles, imediatamente, disseram Portugal. E a verdade é que viemos e testemunhámos esse bom trabalho com os nossos próprios olhos. Tivemos a oportunidade de aprender muito com os portugueses e com a sua experiência e, certamente, que isso nos irá ajudar a evitar certos problemas. Estou convicto de que esta visita será apenas o início desta ligação entre os dois países e acredito que teremos mais encontros e oportunidades para partilhar experiências.

SOLLICITARE 25 OSAE RECEBEU MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DA REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO

Bastonário da OSAE recebido pela Ministra da Justiça

O Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Paulo Teixeira, reuniu, no passado dia 12 de janeiro, com a Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro.

A reunião teve como intuito convidar, pessoalmente, a Ministra da Justiça para fazer o encerramento das Jornadas de Estudo 2023 e da cerimónia dos 20 anos da Ação Executiva.

Esta foi ainda uma oportunidade para reiterar a reivindicação de alargamento do mandato judicial e de inserção dos Solicitadores no apoio judiciário.

A OSAE e o Ministério da Justiça continuarão, em conjunto, o seu profícuo trabalho. A Ordem agradece a cordialidade, recetividade e disponibilidade da Ministra da Justiça para nos receber e para ouvir as nossas sugestões de melhoria em prol da Justiça e do cidadão.

Bastonário da OSAE reuniu com os representantes da Comunidade Israelita de Lisboa

O Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), Paulo Teixeira, reuniu, no passado dia 11 de janeiro, com os representantes da Comunidade Israelita de Lisboa: o Presidente, David Joffe Botelho, e o Tesoureiro, José Ruah.

Esta reunião pretendeu promover a discussão a respeito do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, de 18 de março de 2022.

A par dos requisitos que os judeus sefarditas já tinham que demonstrar: “uma tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral”, com este novo Regulamento, foram verificadas mudanças que dizem respeito à sua naturalização: deve ser junto prova da “titularidade, transmitida mortis causa, de direitos reais sobre imóveis sitos em Portugal, de outros direitos pessoais de gozo ou de participações sociais em sociedades comerciais ou cooperativas sediadas em Portugal”.

Pelo trabalho de décadas dos associados da OSAE estar muito relacionado com este tipo de atividades - sucessão mortis causa, registo predial, registo comercial, entre outros -, Paulo Teixeira mostrou a inteira disponibilidade desta Ordem em colaborar, de forma ativa, através da prestação de serviços dos seus cerca de quatro mil associados que estão totalmente habilitados para auxiliar neste processo de naturalização.

26 OSAE

Uma sociedade unipessoal para solicitadores?

Osolicitador ou agente de execução tem, como qualquer profissional, interesse em limitar a sua responsabilidade por actos ou omissões praticadas no exercício da profissão. No entanto, tal possibilidade apenas existe quando exerçam a actividade em associação, no quadro de uma sociedade (pluripessoal), estando vedada aos que actuem em prática isolada, uma vez que não se admite aqui, ao contrário do que sucede com outras profissões mais ou menos próximas – como os administradores de insolvência –, mas prosseguindo um caminho de equiparação com as sociedades de advogados, o recurso à sociedade unipessoal por quotas.

É certo que as leis-quadro das associações públicas profissionais (art. 27º, 2) e das sociedades a elas sujeitas (art. 4º) permitem a adopção do tipo civil ou de qualquer tipo comercial para estas sociedades, abrangendo expressamente a sociedade unipessoal por quotas. No entanto, o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE), art. 95º, à semelhança do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), art. 213º, no uso da faculdade concedida pelo art. 27º, 4, da primeira daquelas leisquadro, criou dois tipos específicos de sociedade civil, inspirado um (RL) na sociedade comercial por quotas e o outro (RI) na sociedade em nome colectivo, mas retendo do regime da sociedade civil pura a proibição da unipessoalidade (art. 219º, a)).

O desvio em relação ao regime geral do citado art. 27º terá de fundamentar-se “no exercício de poderes de autoridade pública que a profissão comporte ou em razões imperiosas de interesse público” ligadas à profissão em causa (nº 4). Não se alcança, todavia, que a utilização de forma comercial para a sociedade de solicitadores e/ou agentes de execução (ou de advogados ou, mesmo, de notários), incluindo a sociedade unipessoal por quotas, pudesse pôr em causa o exercício de poderes de autoridade pública (a “fé pública”) ou ofender “razões imperiosas de interesse público”. Aflora aqui, uma vez mais, a nossa tradicional tendência para considerar o comércio como algo impuro e as suas formas jurídicas de intervenção impróprias para profissões nobres.

Objecção mais forte é a que assenta na proibição de participações de indústria nas sociedades por quotas e, consequentemente, no seu ramo unipessoal (P. Tarso Domingues, 2015), tanto mais que se afirma expressamente a autonomia das participações de capital e de indústria dos sócios (EOSAE, art. 216º). O que, todavia, não impediu a abertura das sociedades profissionais a todos os tipos de sociedade comercial – assumindo a natureza de sociedade civil em forma comercial –, como se referiu.

Cremos que não há nenhuma razão de fundo que impeça a admissão de sociedades unipessoais para o exercício da profissão de solicitador e/ou agente de execução, o que, em rigor, teria de ser feito por alteração do art. 95º do EOSAE, na medida em que a utilização da sociedade unipessoal por quotas se defronta com a objecção séria – se bem que nem sempre levada a sério – assinalada.

Interessante notar que, no Brasil, se passaram a admitir, em 2016, sociedades unipessoais de advocacia (L 13.247/16). No entanto, como não existem, no direito brasileiro, sociedades de advogados de responsabilidade limitada (L 8.906/94, art. 17º), aquelas não servem o principal objectivo útil da unipessoalidade, visando essencialmente permitir um estatuto fiscal mais vantajoso.

SOLLICITARE 27
PROFISSÃO
João Almeida Garrett Coordenador dos cursos de Solicitadoria do Instituto Politécnico da Maia

Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes

JOÃO JESUS CAETANO

É o Instituto Público responsável por garantir a regulamentação, o licenciamento, o planeamento e a fiscalização do setor dos transportes terrestres e fluviais. Contribuindo para a sua segurança e integridade, permite não só a eficiência das atividades associadas aos transportes, como potencia ganhos económicos para o país. O conhecido Instituto da Mobilidade e dos transportes (IMT) tem agora um novo presidente, João Jesus Caetano, com quem fomos falar para conhecer todos os contornos deste organismo. O presidente do IMT acredita que “o futuro é coletivo” e que é sempre possível fazer mais e melhor: “Sabemos que podemos e devemos continuar a apostar na melhoria dos nossos serviços, que são para o público e que têm de ser de qualidade”.

ENTREVISTA
ENTREVISTA DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA
“O IMT contribui para a segurança rodoviária e a sua intervenção assume um papel relevante na redução da sinistralidade”
CLÁUDIA TEIXEIRA
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É presidente do Conselho Diretivo do IMT desde setembro de 2022. Como é que começou esta experiência e qual tem sido o seu percurso profissional?

A mobilidade e os transportes surgiram na minha vida profissional há 12 anos, quando fui desafiado pelo Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEiiA) para a sua unidade de investigação e políticas de inovação. O CEiiA desenvolve produtos e serviços para indústrias tecnologicamente avançadas na área da mobilidade e dos transportes e é um centro de transferência de conhecimento entre as universidades e as empresas. Anteriormente, tinha trabalhado como investigador universitário em Física, mas o desafio de promover projetos internacionais em mobilidade sustentável com as equipas do CEiiA foi muito aliciante e por lá fiquei até 2019. Nos três anos seguintes, e antes de assumir a liderança do IMT, trabalhei como conselheiro da Representação Portuguesa junto da União Europeia (UE), em Bruxelas, tendo copresidido ao Grupo de Trabalho em Transportes Terrestres do Conselho da UE durante a presidência portuguesa, e assumi também funções como assessor no Ministério das Infraestruturas e da Habitação.

Como nos descreve a missão do IMT?

As nossas atribuições são diversas e com diferentes níveis de complexidade. As mais conhecidas do público são, provavelmente, a habilitação de condutores e a atribuição de matrículas, mas cabe também ao IMT, por exemplo, a gestão e o acompanhamento, em representação do Estado, dos contratos de concessão rodo e ferroviários, ou ainda as atribuições da Autoridade Nacional de Segurança Ferroviária e da Comissão de Planeamento de Emergência dos Transportes Terrestres.

Que objetivos gostaria de ver realizados no final do seu mandato?

O reconhecimento do IMT como organismo da Administração Pública capaz de responder com qualidade às pretensões dos cidadãos e das empresas que nos procuram sobre os mais diversos assuntos. E, para além disso, também o reconhecimento deste Instituto como um centro de produção de conhecimento e de reflexão estratégica sobre o setor da mobilidade e dos transportes. Queremos “Pensar os transportes para melhorar o futuro” e, por isso, coorganizámos, há dois meses, em Lisboa, a Transport Research Arena, que é a maior conferência europeia de transportes e que foi, de certa forma, a inauguração desse caminho que queremos construir em parceria com as empresas, públicas e privadas, com as universidades e com outros organismos da Administração Pública.

Promover a qualidade e a segurança das infraestruturas rodoviárias é uma das grandes competências do IMT. Como descreve a capacidade de atuação deste Instituto nesta matéria?

Uma vez que toda a rede rodoviária nacional está concessionada – seja a concessionárias privadas, seja à concessionária pública, a Infraestruturas de Portugal –, é no âmbito do acompanhamento dos contratos de concessão, feito pelo IMT, que se realiza, também, a promoção da qualidade e da segurança das infraestruturas rodoviárias.

É importante referir que a função de gestão e acompanhamento da execução dos contratos de concessão não se consubstancia numa supervisão direta das atividades, nem é equivalente à própria gestão das infraestruturas por estes abrangidas, a qual cabe às concessionárias. O nosso modelo assenta na transferência dos riscos da atividade, que inclui, genericamente, os riscos de construção, de exploração, de manutenção e ainda de procura ou de disponibilidade.

Em matéria de qualidade e segurança das infraestruturas, assumem particular relevância o Plano de Controlo da Qualidade e o Manual de Operação e Manutenção, dois documentos de referência nos contratos de concessão e de cumprimento obrigatório pelas concessionárias. Estes documentos estabelecem os requisitos mínimos de qualidade, a sua forma de medição e periodicidade, as operações de reposição e recuperação desses padrões e também os procedimentos operativos das concessionárias que visam garantir o bom desempenho das infraestruturas.

Para podermos gerir e acompanhar os contratos de concessão, contamos com uma equipa dedicada de engenheiros, juristas e economistas. Já sinalizámos junto da tutela a necessidade de recrutar, ao longo deste ano, mais trabalhadores para estas e outras funções de inspeção, fiscalização e supervisão do setor da mobilidade e dos transportes rodo e ferroviários.

Podemos assumir que a intervenção do IMT é imprescindível para ajudar a reduzir cada vez mais o número de mortos nas estradas portuguesas?

O IMT contribui para a segurança rodoviária e a sua intervenção assume um papel relevante na redução da sinistralidade. Enquanto entidade responsável por regulamentar o mecanismo de habilitação de condutores, tentamos melhorar continuamente a formação dos candidatos a condutor, bem como a certificação dos condutores profissionais.

Por outro lado, o IMT é também responsável pela homologação de veículos, sendo exigente no cumprimento das normas vigentes. Ainda no campo dos veículos, este

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ENTREVISTA COM JOÃO JESUS CAETANO

Instituto tem também a responsabilidade da regulamentação das inspeções, monitorizando o sistema e adotando medidas que visam uma maior qualidade técnica, sempre com o propósito de assegurar a segurança ativa e passiva dos veículos em circulação e, desta forma, contribuir para o incremento da segurança rodoviária.

Dados recentes mostram que, no primeiro trimestre de 2022, o aumento na sinistralidade verificou-se sobretudo em condutores com menos de 25 anos. Acha que a criação de ações de sensibilização pode ajudar na prevenção destes acidentes?

A sinistralidade rodoviária que envolve jovens gera uma grande preocupação, sabendo-se que o risco de morte decorrente da sinistralidade rodoviária é 30% mais elevado nos jovens dos 18 aos 24 anos do que noutras faixas etárias.

O combate à sinistralidade rodoviária envolve ações de sensibilização e de fiscalização com o objetivo de dissuadir comportamentos de risco, sendo os mais comuns o consumo de álcool, o excesso de velocidade e o uso do telemóvel. Em Portugal, a entidade pública que tem por atribuição principal o combate à sinistralidade rodoviária é a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, mas o IMT assume-se como um seu parceiro fortemente empenhado.

Não posso, no entanto, deixar de sublinhar que a prossecução de uma cultura de segurança rodoviária não é um exclusivo do Estado, devendo ser encarada como uma responsabilidade de todos e que a todos convoca.

Apoiar o Governo na implementação e avaliação de políticas para os setores dos transportes fluviais e dos portos comerciais e transportes marítimos é também outra das facetas do IMT. Qual tem sido a sua experiência neste domínio? Que desafios tem encontrado?

Durante estes três meses, ainda não tive oportunidade de intervir diretamente nesta matéria, mas o IMT tem um departamento com pessoas qualificadas e preparadas para apoiar o Governo nesta temática.

Quanto aos desafios que o IMT tem encontrado, saliento a revisitação de legislação setorial, os trabalhos relativos à preparação da adesão de Portugal à Convenção Internacional sobre a Responsabilidade e Indemnização

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O reconhecimento do IMT como organismo da Administração Pública capaz de responder com qualidade às pretensões dos cidadãos e das empresas que nos procuram sobre os mais diversos assuntos.

de Danos relacionados com o Transporte Marítimo de Substâncias Nocivas e Potencialmente Perigosas – conhecida como Convenção HNS (Hazardous and Noxious Substances) – e a sensibilização dos operadores dos transportes fluviais para a inserção de dados no Sistema de Informação de Transporte Público de Passageiros (STePP), que é um ativo muito interessante do IMT. Destaco, ainda, os trabalhos em curso para um acordo de cooperação com outras entidades com vista ao desenvolvimento de soluções tecnológicas, na Janela Única Logística, de suporte ao exercício das competências do IMT, designadamente no licenciamento e monitorização de atividades marítimo-portuárias, na monitorização do método utilizado na pesagem de contentores, na autorização e monitorização do tráfego marítimo de cabotagem e na aplicação do Regulamento (EU) 2020/1056, de 15 de julho, relativo a informações eletrónicas sobre o transporte de mercadorias (eFTI).

Na sua opinião, que áreas carecem de uma intervenção mais aprofundada por parte do IMT?  Destaco, em primeiro lugar, a recolha, tratamento e disponibilização de dados associados à mobilidade, em particular em contexto urbano. O IMT deve trabalhar, em parceria com as Autoridades de Transportes e os opera-

dores de serviços de mobilidade, públicos e privados, no desenvolvimento de plataformas de recolha de dados para que o planeamento dos transportes seja mais informado. O acesso a mais dados permite também acompanhar as operações dos vários sistemas de transportes e integrá-los numa plataforma comum com capacidade para gerar serviços de valor acrescentado para os utilizadores, de acordo com o princípio da Mobilidade como Serviço (MaaS – Mobility as a Service). O Ponto Nacional de Acesso (NAP), desenvolvido no âmbito da Diretiva ITS, será um ponto central para a disponibilização dos dados nacionais e, futuramente, para acesso aos dados disponíveis nos diversos NAP criados pelos restantes Estados-Membros da União Europeia.

Em segundo lugar, julgo que seria importante o IMT ter uma capacidade ainda mais robusta de inspeção e fiscalização do setor dos transportes, com mais pessoas, mais meios e uma articulação mais eficiente com outros organismos da Administração Pública, através da partilha automatizada de informação, assim como com entidades congéneres europeias. A inspeção e a fiscalização são importantes para garantir a integridade e a segurança dos transportes e são, muitas vezes, as próprias associações do setor a pedir ao IMT uma maior capacidade de intervenção.

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O IMT responde a milhões de pretensões por ano, desde renovação de cartas de condução à atribuição de matrículas, ao licenciamento de atividades de transporte, etc.

Acha que este Instituto tem conseguido cumprir o seu propósito de salvaguardar bons serviços para o cidadão? Ou são necessárias melhorias?

Temos de fazer sempre melhor, não tenho a menor dúvida sobre isso. E temos de fazer melhor todos os dias, porque os desafios são constantes e as expetativas das pessoas e das empresas vão mudando. O IMT responde a milhões de pretensões por ano, desde renovação de cartas de condução à atribuição de matrículas, ao licenciamento de atividades de transporte, etc. Associado a esse enorme volume de pretensões estão muitas dúvidas e reclamações. Mesmo assim, fomos, em 2022, o terceiro serviço da Administração Pública com o mais elevado índice de satisfação. E a esmagadora maioria das reclamações que recebemos está associada a um processo em particular que nos consome muitos recursos: a troca de cartas de condução estrangeiras, que é um processo muito complexo e com pouco potencial para ser desmaterializado, porque é necessário verificar muitos documentos originais emitidos em várias regiões do mundo.

Sabemos que podemos e devemos continuar a apostar na melhoria dos nossos serviços, que são para o público e que têm de ser de qualidade. A digitalização pode ajudar-nos nesse propósito e estamos a investir ainda mais no IMTonline, que é uma ferramenta que permite a cidadãos e empresas, numa linguagem simples e acessível, aceder a um conjunto alargado de serviços, evitando deslocações desnecessárias. Mas neste processo de digitalização não nos podemos esquecer que haverá sempre pessoas que precisam de ir ao balcão, ou porque não querem, ou porque não sabem fazer de forma diferente, e isso significa que temos de continuar a acarinhar quem nos visita nas nossas delegações distritais.

Como podem os Solicitadores contribuir para o objetivo do IMT de assegurar as melhores práticas e serviços para o cidadão?

Os Solicitadores são profissionais de reconhecido mérito, que têm como missão essencial colaborar na boa aplicação do Direito, sendo indispensáveis para a realização de tarefas de interesse público relacionadas com o exercício da atividade administrativa. A colaboração destes profissionais é fundamental para articular o relacionamento entre o cidadão e o Estado, em todo o território nacional, exercendo atos próprios da profissão, que exigem uma conduta de retidão, socialmente irrepreensível, no estreito respeito pelas normas e deveres deontológicos, garantindo que os processos administrativos são bem instruídos e evitando, deste modo, delongas desnecessárias na sua tramitação.

Face às constantes modificações da sociedade, como perspetiva o futuro da mobilidade e dos transportes?

O futuro vai ser descarbonizado, digitalizado e muito mais heterogéneo. Vamos ter cada vez mais serviços de mobilidade a competir entre eles, em particular em contexto urbano, e que farão uso de todo o tipo de dispositivos e de tecnologias descarbonizadas de motorização. Esta crescente heterogeneidade representa desafios cada vez mais complexos para entidades como o IMT, que têm de antecipar tendências e garantir que a transição é feita de forma segura e sem disrupções.

Porém, também acreditamos que “O Futuro é Coletivo”. O congestionamento das cidades não se resolve com a substituição de veículos a combustão interna por elétricos. Tem de existir um investimento muito mais forte nos transportes públicos, em especial na ferrovia pesada, que é a forma mais eficiente de mover as pessoas dos subúrbios para o centro das cidades.

O Plano Ferroviário Nacional, recentemente apresentado, abre caminho a uma nova geração de políticas públicas de transporte em Portugal. Este plano vai ao encontro daquilo que são as preocupações da maioria dos Estados-Membros da União Europeia, permitindo ao setor dos transportes reduzir as emissões de carbono e alavancar uma transferência do transporte individual para o transporte público descarbonizado. Portugal tem vindo a fazer esse caminho, na redução dos custos de utilização do transporte público e no aumento da oferta, através do Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos, e também na melhoria da qualidade do serviço, por meio da renovação e aquisição de frotas de autocarros de passageiros e de comboios.

“O Futuro é Coletivo”. Foi este o mote da campanha que o IMT lançou em setembro do ano passado e é esse o mote que nos deverá continuar a orientar.

SOLLICITARE 33 ENTREVISTA COM JOÃO JESUS CAETANO

Paulo Teixeira recebe novas representantes da OSAE na CPAS, Celeste Chorão Peres e Catarina Rodrigues Correia

O Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), Paulo Teixeira, recebeu, no passado dia 19 de janeiro, na sede da OSAE, em Lisboa, Celeste Chorão Peres, representante da OSAE na Direção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), e Catarina Rodrigues Correia, representante da OSAE no Conselho de Fiscalização da CPAS.

O Bastonário da OSAE parabenizou as duas representantes pela vitória nas eleições da CPAS, aproveitando este primeiro encontro para começar o trabalho em conjunto em prol dos associados. De seguida, deslocaram-se para a sede da CPAS, onde foi realizada a Tomada de Posse dos cargos de Direção e Conselho de Fiscalização da OSAE na CPAS.

Participaram ainda nesta cerimónia a Bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, o Presidente da Direção da CPAS, Victor Alves Coelho, o Vice-Presidente da Direção da CPAS, Pedro Mota Soares, e a 1.ª Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, Edite Gaspar.

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Justificação de Direitos

Os princípios registais são uma das bases estruturantes do nosso ordenamento e fazem com que o sistema registal funcione. Este sistema norteia-se por diversos princípios, nomeadamente o da tipicidade, da eficácia do registo, da oponibilidade a terceiros, da prioridade, da presunção da verdade, da legitimação de direitos, da especialidade, da instância, da publicidade e o do trato sucessivo.

Com o objectivo de minorar e erradicar a falta de respeito e interesse que existia, no passado, pelo Registo Predial surge, com o Código do Registo Predial de 1959 e posteriormente no de 1967, a obrigatoriedade da inscrição prévia ou primeira inscrição quando o prédio não se encontra descrito ou está descrito, mas sem qualquer registo de aquisição em vigor.

Os negócios jurídicos de transmissão de direitos sobre prédios não podem ser celebrados sem que os bens estejam definitivamente a favor de quem transmite o direito. Pretendeu com isto, o legislador, dar mais segurança ao comércio jurídico ao legitimar a titulação dos actos e o seu registo, aplicando a regra geral do princípio da legitimação de direitos.

Ora, havia na grande parte das vezes uma grande dificuldade na obtenção de documentos quer para o registo prévio, quer para os registos intermédios a partir do último titular inscrito. Isto porque, até então, o registo das propriedades rústicas e urbanas era facultativo. Eram frequentes os negócios meramente verbais ou através de um simples aperto de mão. Até poderiam ter existido títulos da transmissão, mas, com a falta de Registo Predial, estes perdiam-se com o passar dos anos.

Assim surgem as justificações, através de processo ou de escritura pública, para redimir o problema de falta de documentos e para que o real titular do direito de propriedade possa, por esta via, suprir o título para o registo de aquisição a seu favor.

Atualmente temos duas modalidades de justificação: o processo de justificação e a justificação notarial.

O processo de justificação inicia-se com o pedido de suprimento do documento em falta em qualquer serviço de registo com competência para a prática de atos de registo predial. Precisa de identificar os factos consoante a modalidade em causa, identificar o(s) prédio(s), designar 3 testemunhas, juntar os documentos de transmissão e outros que considere necessários.

A justificação notarial é, como o próprio nome indica, elaborada por um notário a quem a Lei confere fé pública e, por ser esse motivo e por constituir uma providência de natureza excecional destinada a suprir a falta dos títulos, os notários devem prestar a maior atenção ao apreciar as razões invocadas pelos interessados que os impossibilitam de comprovar, pelos meios extrajudiciais normais, os factos que pretendem justificar, e só depois tomar a decisão de as celebrar ou não.

As modalidades em que as justificações são legalmente admitidas são as mesmas que as do processo de justificação. Neste tipo de escrituras intervêm o justificante e três declarantes, sendo que estes últimos devem confirmar o que pelo primeiro foi dito.

Nesta temática da justificação de direitos, o Solicitador pode prestar a assessoria jurídica, elucidar sobre as opções que existem e preparar tudo o que é necessário para a justificação notarial ou processo de justificação.

Artigo escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

SOLLICITARE 35
PROFISSÃO
Catherine Ribeiro Solicitadora

FERNANDO RODRIGUES

Com uma vasta experiência na área da solicitadoria e ação executiva, o atual Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), Fernando Rodrigues, mostra-se empenhado em “controlar e assegurar o cumprimento das atribuições dos vários órgãos e serviços da Ordem no seu objetivo de dotar de capacidade técnica e sentido ético os seus associados, para bem servir os direitos dos cidadãos”. Acredita que a divulgação das deliberações disciplinares e a intervenção em sessões de estágio, fóruns, jornadas de trabalho ou congressos poderá ser uma forma de prevenção em matéria disciplinar e sancionatória. E quando a missão se trata de zelar pela transparência e justiça, não há dúvidas: tudo fará para “garantir um trabalho escrupuloso, justo e com aplicação das normas com equidade e oportunidade”.

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ENTREVISTA DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA
“A disciplina e a administração da justiça não podem ser aplicadas cegamente”
ENTREVISTA
Presidente do Conselho Superior da OSAE

De que forma é que a solicitadoria e a ação executiva chegaram à sua vida?

Antes da Solicitadoria veio a contabilidade. Eu exercia a profissão de Técnico Oficial de Contas desde 1990 e acabei por ingressar em Solicitadoria por influência da minha professora de fiscalidade, Dr.ª Lurdes Bingre do Amaral, que via em mim qualidades para o exercício das funções de Solicitador. Para sempre lhe estarei grato por isso, assim como ao meu patrono, Dr. Ricardo Figueiredo, que acabou também, pela sua forma de estar, de comunicar e pelo seu saber, por me motivar a exercer esta carreira. Foi assim que me inscrevi na então Câmara dos Solicitadores, em 28 de março de 1995.

Nesta altura, cumulei o exercício de funções de Técnico Oficial de Contas com as de Solicitador até que a desjudicialização da ação executiva, introduzida no nosso ordenamento jurídico em 2003, me despertou o interesse para o exercício de funções como Solicitador de Execução. Exerci, simultaneamente, as funções de Técnico Oficial de Contas, Solicitador e Solicitador de Execução até 2007, data a partir da qual reduzi drasticamente as funções de Técnico Oficial de Contas para me dedicar prioritariamente à exigente atividade de Solicitador de Execução.

Mais tarde, acabei por abandonar definitivamente as funções como Contabilista, mantendo apenas, em horário livre, a colaboração na área da gestão com algumas empresas, cumulando-as com as funções de Agente de Execução.

O que representa este órgão para a OSAE? E para os seus associados?

O Conselho Superior da OSAE exerce poderes de controlo, contribuindo, enquanto órgão de supervisão, para o regular funcionamento dos diversos órgãos da Ordem e garantindo a observação da legalidade da sua atividade na persecução dos seus fins enquanto associação pública profissional representativa dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.

Este órgão representa, para os seus associados, a garantia do exercício do poder disciplinar, impondo o conjunto das normas técnicas, éticas e procedimentais vigentes, bem como o controlo de acesso às profissões

e o regular exercício dos Solicitadores e dos Agentes de Execução inscritos nos respetivos Colégios. Além disso, o Conselho Superior zela pela sã concorrência entre associados, no exercício da função social, dignidade e prestígio da profissão, no seu objetivo claro de colaborar na administração da justiça e na defesa dos direitos do cidadão.

Como é que podemos explicar aos cidadãos o papel deste órgão e a sua importância?

A Ordem tem como finalidade controlar o acesso e exercício da atividade profissional dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, com competência de autorregulação das normas técnicas e deontológicas, do exercício do poder disciplinar sobre os associados, estimulando ainda a capacidade técnica, científica, profissional e social dos profissionais inscritos.

Ao Conselho Superior, em particular, através das suas funções de supervisão, fiscalização e disciplinares, compete-lhe assegurar o cumprimento das atribuições dos vários órgãos e serviços da Ordem no seu objetivo de dotar de capacidade técnica e sentido ético os seus associados, para bem servir os direitos dos cidadãos.

Quais considera serem os principais desafios para o exercício deste cargo?

Enquanto Presidente do Conselho Superior, – órgão composto por 11 elementos que constituem o plenário, encontrando-se, também, organizados e distribuídos por quatro secções (a 1.ª secção, de competência disciplinar sobre Solicitadores, composta por quatro elementos; a 2.ª secção, de competência disciplinar restrita sobre Agentes de Execução, composta por três elementos; a 3.ª secção, com competência para instrução dos processos de averiguação de idoneidade e recursos a submeter a deliberação do plenário, composta por quatro elementos; e a 4.ª secção, de instrução de procedimentos de supervisão a submeter a plenário, composta por seis elementos) – considero serem vários os desafios para o exercício deste cargo, tendo estabelecido alguns objetivos que vimos cumprindo. Conseguimos formar quatro equipas que se encontram altamente motivadas para a redução da elevada pendência de processos com que

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Este órgão representa, para os seus associados, a garantia do exercício do poder disciplinar, impondo o conjunto das normas técnicas, éticas e procedimentais vigentes, bem como o controlo de acesso às profissões e o regular exercício dos Solicitadores e dos Agentes de Execução inscritos nos respetivos Colégios.

fomos confrontados. Conseguimos também sensibilizar e obter o apoio do Bastonário, Paulo Teixeira, e do Conselho de Administração da OSAE a que preside, para ampliar o quadro de instrutores externos, reforçando a capacidade de resposta das três secções disciplinares para a instrução e tramitação de grande número de processos, alguns dos quais de grande complexidade, em reduzido espaço de tempo, como forma de evitar as prescrições.

Todavia, entendo que o principal desafio deste cargo é inverter a forma como o Conselho Superior é visto pelos associados. O órgão com poder disciplinar e sancionatório não é, por regra, o mais estimado. Portanto, para vencer este desafio teremos de garantir um trabalho escrupuloso, justo e com aplicação das normas com equidade e oportunidade, promovendo ainda a reflexão dos associados para a necessidade de acolhermos as regras vigentes - sem esmorecer na promoção do debate e propostas de alteração de normas consideradas desajustadas à evolução da sociedade -, e os novos meios de comunicação disponíveis para responder às necessidades dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, de forma a bem servir o cidadão.

Mas este não é o primeiro cargo que assume na OSAE, antiga Câmara dos Solicitadores. Fale-nos um pouco das funções que abraçou anteriormente.

Exerci as funções de Vice-Presidente e Presidente do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, entre 2008 e 2013. Fui responsável pela Coordenação Regional do Norte (criando 5 polos: Vila Real, Porto, Guarda, Coimbra e Leiria) de Estágios para Solicitadores, entre 2009 e 2012, e pela Coordenação Nacional dos 2.º e 3.º Estágios para Agentes de Execução. Liderei, com formação descentralizada (em Vila Real, Braga, Porto, Viseu, Coimbra e Leiria), a implementação das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de julho, que permitiu aos Solicitadores executar diversos atos da área do notariado.

SOLLICITARE 39
ENTREVISTA COM FERNANDO RODRIGUES

Exerci também funções de coordenação nacional de formação em 2010 e fui mentor do projeto de formação com vista à implementação do Balcão Único do Solicitador, com a preciosa colaboração dos colegas Aventino Lima e Luís Rua Teixeira, dos saudosos João Queirós, Timóteo de Matos e do António Cardoso que, com muito mérito, viria a prosseguir com o projeto.

Após um interregno de dois anos, em 2016/2017 voltaria a assumir funções, por convite do colega Júlio Vieira dos Santos, para integrar o recém-criado Colégio de Especialidade dos Solicitadores como Vogal. Entre 2018 e 2021, como Vice-Presidente do Conselho Profissional dos Solicitadores assumi funções relacionadas com a emissão de pareceres de todos os fluxos - inscrição, suspensões, levantamentos de suspensão e cancelamentos - dos associados inscritos naquele colégio. A par disso, colaborei na emissão de alguns laudos e na implementação e desenvolvimento de projetos, como os autos de constatação, com a preciosa colaboração de um dos meus orientadores de tese multidisciplinar no mestrado (ação executiva/contabilidade), a professora Irene Portela, que desenvolveu o manual da formação sobre autos de constatação.

Acha que o percurso trilhado vem contribuir para um exercício mais pleno do cargo atual?

Creio que sim. Nunca saberemos como desempenharia as funções de Presidente do Conselho Superior se não

tivesse aquele percurso. Mas é minha convicção que o conhecimento das dificuldades pessoais para vingar na profissão de Solicitador e Agente de Execução, a par do conhecimento das dificuldades de muitos outros colegas que sempre escutei e procurei auxiliar, me conferem um conhecimento acrescido das dificuldades que os jovens Solicitadores enfrentam.

O meu percurso enquanto Fiscalizador da Comissão para a Eficácia das Execuções (CPEE), entre 2009 e 2011, e enquanto coordenador da equipa de fiscalização da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (CAAJ), entre 2014 e 2015, concederam-me alguma experiência e crescimento em matéria disciplinar que hoje me são úteis na interpretação das minhas funções. A experiência é sempre boa conselheira!

O Conselho Superior, enquanto órgão independente, deve estar permanentemente atento e saber a realidade que marca o dia a dia dos associados. Concorda com esta afirmação?

Naturalmente que concordo. A disciplina e a administração da justiça não podem ser aplicadas cegamente. Há que conhecer a realidade do que é, não só o dia a dia dos associados, como a realidade do desempenho de funções dos órgãos da Ordem e, muito principalmente, reconhecer a evolução das novas tecnologias, da sociedade e interpretar os fenómenos, como aqueles que recentemente todos enfrentamos – a crise financeira, a

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Há que conhecer a realidade do que é, não só o dia a dia dos associados, como a realidade do desempenho de funções dos órgãos da Ordem e, muito principalmente, reconhecer a evolução das novas tecnologias, da sociedade e interpretar os fenómenos, como aqueles que recentemente todos enfrentamos –a crise financeira, a pandémica e a guerra à escala global.

pandémica e a guerra à escala global. Há que compreender e motivar o debate para as alterações, promover as mudanças que se entendam necessárias para adaptação à realidade, sem prejuízo da permanente busca pela igualdade de regras, ajustes e oportunidades entre os associados.

É fácil para o Conselho Superior trabalhar com a CAAJ? Em que medida?

Para o atual Conselho Superior é fácil trabalhar com a CAAJ porque as relações são formais e institucionalmente cordiais, tendo já manifestado, pessoalmente, à Senhora Professora Doutora Maria Teresa de Moraes Sarmento, a minha disponibilidade para colaborar com a CAAJ em tudo quanto se entenda útil e necessário, na vigência das atuais funções enquanto Presidente do Conselho Superior. Não houve ainda oportunidade ou necessidade de estreitar a colaboração para a qual me mantenho, naturalmente, disponível.

A divulgação das decisões disciplinares e da sua fundamentação será uma das preocupações?

Sim, é um dos nossos objetivos, com impacto no segundo ano do mandato, este, e temos estado a fazer caminho na compilação de deliberações das várias secções que possam servir objetivos preventivos sancionatórios.

SOLLICITARE 41

Ainda se pode fazer muito no campo da prevenção?

Sim, podemos. Primeiramente, é necessário revisitar os regulamentos que, dependendo de iniciativa própria para alteração, se mostrem desajustados à realidade atual em matéria tecnológica, social e profissional, deixando de se impor normas ultrapassadas, com impacto negativo na divulgação de competências e com forte limitação no exercício da profissão. Quando algumas das normas são frequentemente prevaricadas por cada vez mais associados, é sinal da necessidade de reflexão e, talvez, de ajustes.

Depois, a divulgação das deliberações disciplinares e a intervenção do Conselho Superior em sessões destinadas aos estagiários e em fóruns, jornadas de trabalho ou congressos destinados aos associados poderão ser um meio preventivo em matéria disciplinar e sancionatória.

Quais as metas para o futuro tendo em conta o cargo que assume atualmente?

O futuro é cada vez mais próximo. As constantes alterações promovidas pelo mercado global, os consequentes benefícios e as consequências negativas que não podemos prever ou evitar tornam as metas cada vez mais difíceis de estabelecer. Todavia, estou de alma e coração neste projeto que me envolve com o Conselho Superior até 2025 e, depois disso, tudo dependerá do meu estado de saúde e da vontade dos mais jovens – o futuro é deles – em me envolverem naquilo em que eu possa e saiba ser útil. Sempre leal aos meus princípios e às pessoas que respeitam a vontade democrática dos associados e amam, cuidando, as profissões que escolhi também para mim.

Como gostaria de ser lembrado no final do seu mandato?

Certamente que no final do meu mandato vou ser lembrado por muitos colegas, espero eu, por estar sempre disponível para, quase incondicionalmente, ajudar quem quer que seja que de mim necessite. Serei, seguramente, também lembrado por vários funcionários da Ordem (Norte, Centro ou Sul) por ser um dirigente sempre disponível para resolver, em benefício dos serviços, qualquer questão que entendam colocar-me.

Depois, haverá sempre outras qualidades que, naturalmente, não serão tão consensuais. Todavia, entendo, perdoem-me a imodéstia, poder considerar que tenho cumprido com a minha obrigação de ser honesto e trabalhador, sempre preocupado em ser justo e leal com a Ordem e com os colegas de profissão, e tenho demonstrado ser possuidor de alguma capacidade de inovação que sempre procurei colocar à disposição da Ordem e dos colegas.

42 ENTREVISTA COM FERNANDO RODRIGUES
Quando algumas das normas são frequentemente prevaricadas por cada vez mais associados, é sinal da necessidade de reflexão e, talvez, de ajustes.

A (des)atualidade do fenómeno sucessório

Não tendo observado muitas alterações normativas nos últimos anos, a verdade é que o Livro V do Código Civil foi, no ano de 2018, alvo de uma pequena alteração com a introdução da figura da renúncia recíproca à condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge.

Na realidade ainda se afigura prematuro analisar toda e qualquer consequência desta alteração legislativa, pois a mesma, operando obviamente para o futuro, ainda não observou uma manifestação concreta de efeitos no nosso ordenamento jurídico. Razão pela qual ainda se aguarda pela sua real aplicação em situações fácticas que venham a ocorrer aquando de falecimento de um dos cônjuges que tenha renunciado a essa mesma condição, o que servirá, salvo melhor opinião, para um cabal esclarecimento de algumas dúvidas que a redação das normas que compõem o referido regime contêm, nomeadamente através de intervenção jurisprudencial.

Mas se esta alteração pode ser entendida como mais uma manifestação de a ideia da sucessão mortis causa estar intimamente ligada ao conceito familiar, numa clara intenção de proteger e privilegiar filhos de anteriores casamentos em detrimento do cônjuge casado sob o regime de separação de bens (condição para que os cônjuges possam optar pelo referido regime), talvez seja altura de o legislador começar a indagar sobre eventuais alterações normativas com um cariz mais impactante e, porventura, em sentido oposto.

Falo, por exemplo, da necessidade de estabelecer uma maior proteção ao unido de facto, através de uma integração na classe de sucessíveis. Em bom rigor, o conceito familiar hoje observado, aos olhos da sociedade civil, não é o mesmo que se verificava no século passado, quando a construção de uma vida em comum passava sempre pelo matrimónio, o que hoje já não se verifica. Não são raros os casos em que duas pessoas partilham uma vida durante largos anos e, pelo facto de não existir um vínculo matrimonial, com o falecimento de um deles, e sem prejuízo de algumas normas que lhe atribuem alguma proteção, aquele sobrevivo não observa nenhum direito real relativo ao acervo hereditário do seu companheiro de vida, não obstante a possibilidade de lhe ter sido consagrada alguma disposição testamentária ou mesmo alguma liberalidade promovida em vida.

Observamos também que a ligação familiar entre o de cujus e os seus descendentes, pelas mais diversas razões, nem sempre observa um real laço afetivo. Quantas não são as vezes que filhos que nunca mantiveram uma ligação afetiva com os seus progenitores, surgem, no momento do falecimento deste, munidos dos mesmos direitos daqueles que sempre estiveram ao lado daquele que agora veio a falecer. De facto, nada impede que, mais uma vez, em sede de testamento ou de liberalidades efetuadas em vida, o de cujus não possa privilegiar algum dos seus descendentes, mas, não raras vezes, tal não sucede e a Lei, por si só, não permite o afastamento, exceto no curto elenco de situações que levam à indignidade ou à possibilidade de deserdação de um sucessível. No entanto, não se defende com esta exposição que esse mesmo rol seja aumentado exponencialmente, mas sim que novos mecanismos sejam criados para que a diferenciação possa ser real, nomeadamente através de uma revisão, e eventual redução, da quota reservada para a sucessão legitimária.

SOLLICITARE 43
Francisco Serra Loureiro
PROFISSÃO
2.º Vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

CONSELHO REGIONAL DO PORTO Um ano passado em revista…

Pois é, quase tão rápido como um piscar de olhos, quando se dá conta já passou um ano desde que esta direção tomou posse. Olhando para trás, e vendo o que se fez, sabe a pouco.

Começámos o mandato a receber os novos associados, dando as boas-vindas à classe e desejando a todos um futuro cheio de conquistas e sucesso profissional. Pequenas, em número, mas foram importantes as cerimónias que realizámos nas nossas instalações.

E porque queríamos estar mais próximos dos associados, iniciámos, em Aveiro, as “Reuniões Descentralizadas” do Conselho Regional do Porto (CRP) e, de seguida, passámos por Vila Real, Braga e Santo Tirso. Foram dias de partilha e de conhecimento, nos quais não faltou o tão almejado convívio que tanta falta nos fazia devido às imposições de confinamento e distanciamento que nos foram impostas por causa de uma pandemia que teimava em permanecer.

Para além de estarmos mais próximos, quisemos ouvir os colegas, sentir e partilhar as alegrias e as angústias que, de alguma forma, estão tão intrinsecamente ligadas ao exercício da nossa nobre profissão nas diferentes localidades que compõem este Conselho Regional.

O trabalho tinha de continuar e nós, teimosos, tentávamos, sempre que possível, aproximar os colegas para que os tempos de confinamentos e sessões zoom, à dis-

tância, passassem a fazer parte apenas das nossas memórias.

Até que chega o primeiro grande evento deste Conselho Regional. Em Espinho, juntámo-nos para a realização do “OSAE por perto”. Este, sim, foi um grande dia. Muito colegas aderiram e participaram neste enorme momento de partilha e de conhecimento. Foi um dia cheio de emoção e discussão, em que foram abordados temas de elevado interesse para a classe e, no final, saímos todos enriquecidos, tendo culminado com um magnífico jantar de convívio.

Mas, e há sempre um “mas”, nem sempre tudo corre bem e o evento “Sunset Jurídico”, organizado pelo CRP, foi cancelado por não se reunirem as condições climatéricas adequadas para a sua realização, motivo que nos foi completamente alheio.

Mesmo assim, não nos rendemos e focámo-nos em brindar os colegas com uma sessão de trabalho sobre “Criptomoeda”. Uma matéria nova e que despertou o interesse dos colegas que pretendiam saber mais: O que são? Para que servem? Como funciona a variação de preço? Como funciona o enquadramento fiscal em sede de IRS/IRC e IVA? Questões que foram esclarecidas nesta iniciativa.

E, de repente, já estávamos em novembro, altura em que organizámos o nosso tradicional Magusto de 2022.

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Conjugando a nossa vontade e querer com a experiência de bem servir e receber da Casa da Cultura de Maureles, em Marco de Canaveses, marcámos encontro com os colegas para festejar este evento da forma mais tradicional: com castanhas assadas na fogueira, jeropiga e vinho novo. Foram acolhidos, neste evento, mais de sete dezenas de colegas de diversas cidades de norte a sul do país.

E eis que chega a hora de organizar, com todo o empenho que nos é reconhecido, o tradicional jantar de Natal do CRP. Nos dois anos anteriores, devido à pandemia e às restrições impostas, não tinha sido possível realizá-lo, então a nossa preocupação foi só uma: tornar este jantar de Natal inesquecível. E, por isso, - e também de forma a congratular todos os colegas que, com muita resiliência, conseguiram manter-se perante as dificuldades impostas durante dois anos de pandemia e, em simultâneo, de distanciamento social - convidámos os colegas a embarcarem connosco numa fantástica viagem, participando num cruzeiro pelas 6 pontes que ligam as cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia. Foi um momento único em que puderam apreciar as magníficas margens iluminadas de ambas as cidades enquanto era servido o jantar de Natal.

Relembramos ainda a realização da cerimónia da tomada de posse de diversos Delegados Concelhios, nas nossas instalações em Campanhã, com a presença do

Presidente da Assembleia Regional do Porto, Joaquim Baleiras.

Contudo, não podíamos terminar o ano sem realizar a icónica “Cerimónia de Entrega de Placas Comemorativas dos 25 anos de Profissão”, que foi dirigida a duas dezenas e meia de colegas, com a presença do Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Paulo Teixeira, e do Presidente do Conselho Superior, Fernando Rodrigues. A cerimónia terminou com um Porto de Honra e um ameno convívio entre todos os presentes.

Tudo a que nos propusemos é apenas a parte de um todo. Estaremos sempre de braço dado em busca de novos desafios. Queremos e iremos fazer mais. Juntem-se a nós. Promovam e partilhem connosco os vossos sonhos, desejos e anseios.

E agora, arregaçamos as mangas para mais um ano de trabalho, contando com a participação de todos os colegas e dirigentes locais, distritais e nacionais.

Com amizade,

O Conselho Regional do Porto, Nicolau Vieira

Cecília Mendes

Paulo Miguel Cortesão

Marta Baptista

Mariela Pinheiro

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CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA Em movimento

A nossa revista institucional, a Sollicitare, é um marco na história da OSAE e é também uma forma de preservar memórias nas estantes dos nossos escritórios ao longo da nossa vida profissional e da história da classe. Assim, nesta primeira revista de 2023, entendi que a melhor forma de o fazer é condensar o ano de 2022 do Conselho Regional de Coimbra (CRC) e apresentar um pouco do que pretendemos para o ano de 2023.

Sendo o CRC composto por uma equipa de colegas ativos na profissão, o primeiro projeto de 2022 foi a iniciativa “Conversas de proximidade” que percorreu todos os distritos do nosso Conselho Regional, com apoio das Delegações Distritais. Abraçámos esta iniciativa com espírito de missão, com o objetivo de aproximar, apoiar e conversar, informalmente, com os associados, incentivando a partilha de necessidades e angústias. Assim, em conjunto, houve a possibilidade de diálogo aberto, escutando as faltas e os apertos, de forma disponível, transparente, com a frontalidade necessária e sempre com respeito pelo próximo. Pudemos conhecer melhor o nosso território e os nossos associados, com múltiplos desafios. Foi assim no ano que findou, mas a missão será a mesma neste novo ano, melhorando e inovando.

Queremos defender todos os quantos representamos e que os mesmos se sintam representados, cumprindo as funções confiadas, mas também lançando projetos novos para maior interação entre os órgãos dirigentes, os Solicitadores e os Agentes de Execução.

Em 2022, os Conselhos Regionais de Coimbra, Lisboa e Porto trabalharam em conjunto em prol dos associados. A título de exemplo, temos o “Workshop para Solicitadoras e Agentes de Execução | Profissionais Ativas”, o evento nacional “OSAE por perto”, as lembranças dos eventos de Natal, o design dos calendários, entre outros, pequenas singularidades que se traduzem na ligação da classe de norte a sul do país, incluindo as ilhas. Ligação esta que se irá manter e fortalecer, de forma a que os mais beneficiados sejam sempre os associados.

No dia 12 de junho de 2022, o CRC promoveu o “Dia Regional do Solicitador”. Desta feita, sob um formato diferente, em Conímbriga, Solicitadores, Agentes de Execução e suas famílias, vindos de todos os distritos, tiveram oportunidade de partilhar, conhecer, vivenciar novas experiências e aprendizagens.

O ano de 2022 foi tempo de resposta, recuperação e reinvenção, mas também de trabalho persistente, contínuo, empenho e motivação. E, nessa senda, foi organizada a visita a Lisboa, para associados do CRC, ao Museu da Presidência, à Assembleia da República e à sede da OSAE. Sendo o Solicitador e o Agente de Execução dos principais intervenientes na Justiça e imprescindíveis nas resoluções desta, o Conselho Regional tem incentivado a esta participação e conhecimento e continuará a primar por manter os seus contributos e parcerias institucionais, renovando relações, bem como fortalecendo e aproximando os intervenientes do meio judiciário. Conhecer os

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OSAE
Anabela Veloso Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

nossos órgãos de soberania continuará a ser um projeto deste Conselho e em 2023 apostaremos num “nicho de mercado em crescimento”, que em breve divulgaremos.

Refletindo sobre o compromisso assumido e pensando no que será o ano de 2023, queremos focar-nos nos temas perentórios ao desempenho e manutenção das funções que cada um exerce, não esquecendo as perspetivas dos membros do CRC, das Delegações Distritais e Concelhias, assim como os novos desafios que lhes serão lançados, bem como desafios a lançar a outras entidades. Temos uma expetativa elevada para este novo ano do CRC.

E, pelo destaque que merece, apresentamos o projeto 2023 que ocupará maior dimensão para este Conselho Regional, quer pela forma física que reveste, quer temporal: a criação da Biblioteca do CRC. Biblioteca essa que terá, essencialmente, literatura de Direito e de Justiça, com objetivo de que esta seja uma parceira dos nossos escritórios e uma ponte entre o passado, o presente e o futuro. Queremos que este espaço possa ser visto como um ponto de encontro entre Colegas. A Biblioteca do nosso Conselho Regional será ainda mais valorizada por todos, porque será criada em conjunto e surgirá de um ato coletivo. O nosso compromisso é criar um espaço

acolhedor e reflexivo - que já está em construção, contando com uma doação de algum espólio de um associado – e que esta seja mais uma realização a favor dos associados onde se reflita a construção da identidade e coesão profissional da classe dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. O CRC aceitará ofertas de obras, livros técnicos e outros documentos para integrar neste espaço – que nos poderão fazer chegar ou dar indicação para recolha - que irão seguramente enriquecer o acervo da nossa Biblioteca.

Daremos continuidade às atividades culturais, lúdicas, sociais, desportivas e recreativas, de forma a promover a integração, apostando nas relações e nas atividades intergeracionais, com o ambiente e património da região centro e envolventes, onde o convívio e partilha reinarão, contando com a presença e participação dos associados que são essenciais ao funcionamento do CRC.

O CRC findou 2022 com uma “Gala de Natal” única e especial. Em 2023, não será diferente. Voltaremos a organizar o nosso agradável e tradicional evento de Natal, que tem como motivação unir famílias e desfrutar de bons momentos, imperando a diversão e a alegria, com um toque de paz e de novas esperanças.

Em resumo, de janeiro a dezembro, este Conselho Regional irá estimular e estreitar ligações, prestará auxílio e trabalhará de forma próxima com os seus associados de Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu e de todos quantos se queiram juntar a nós.

SOLLICITARE 47

CONSELHO REGIONAL DO LISBOA

Primeiro ano concluído

O ano de 2022 ficará sem dúvida na memória da equipa do Conselho Regional de Lisboa (CRL) como um ano difícil… de integração e aprendizagem, de algumas dificuldades e frustrações, de amizade, criatividade, superação e conquista, mas acima de tudo de agradecimento pela oportunidade e honra que temos em representar a nossa classe e, em particular, os associados do CRL.

O entusiasmo do primeiro ano, comum a todos os órgãos eleitos, e a vontade de fazer diferente e mostrar essa diferença é natural, mas respeitámos sempre a organização onde nos inserimos, os nossos dirigentes, as competências de cada órgão e é isso que também esperamos que suceda com as competências do CRL, quer sejam estatutárias, quer sejam delegadas, porque só assim podemos afirmar que somos um todo.

O projeto que desenvolvemos assenta em três grandes pilares: o de dinamização do Conselho Regional, a nível interno e procedimental; o de melhoria da comunicação com os associados; e o de aumento das competências pessoais e técnicas de Solicitadores e de Agentes de Execução.

A nível interno, a transição digital a que nos propomos é um processo demorado, mas esperamos, no final do segundo ano de mandato, poder afirmar que uma grande parte da informação está já em formato digital.

Mantemos o objetivo de envolver os associados nos problemas da OSAE e das profissões que representamos, de reclamar a participação dos colegas, de os informar e de apelar ao seu dever associativo. Bem sabemos que

há reclamações sobre falta de informação, mas da nossa parte tudo temos feito para tornar essa comunicação mais dinâmica, quer com a criação da página de Facebook e de Instagram, quer com as informações divulgadas no separador do CRL, no site da OSAE, quer ainda com a notificação das atividades e eventos via email. Por isso, esperamos também que os associados estejam atentos a estes canais e que participem nos nossos eventos e atividades.

Após dois anos conturbados, em que a imposição de isolamento afetou as relações interpessoais, tentámos no ano passado promover os reencontros, reatar os laços e voltar a partilhar momentos. O “Encontro Regional”, realizado em Évora e que contou com a participação de muitos associados e das suas famílias, foi o primeiro desses momentos. Mas queremos mais participação, queremos mais associados nas nossas atividades.

O “OSAE por perto” permitiu a abordagem de temas de interesse comum a Solicitadores e Agentes de Execução, a que se seguiu um porto de honra e um jantar de convívio. Realizámos ainda um “Magusto” destinado a associados e colaboradores da OSAE, proporcionando-lhes no final uma sessão de Fados, em que alguns colegas e colaboradores participaram.

O “Almoço de Natal” foi também um momento feliz de convívio de associados, suas famílias e colaboradores da OSAE. Tudo preparado com muito carinho. Entregámos as placas de 25 anos de profissão e homenageámos pela primeira vez uma mulher, uma mulher especial, a nossa querida Celestina Barneto e… foi uma grande emoção.

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OSAE
Débora Riobom dos Santos Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

O CRL tem um projeto interno que se chama “Onde vamos Ajudamos”, que pretende, nos seus eventos descentralizados, ajudar uma associação local com bens que estas identifiquem como necessários e que os associados entregam na medida das suas possibilidades. A partilha torna-nos sempre mais felizes e esperamos ter feito diferença também desta vez.

Um momento de felicidade é também aquele em que integramos pela primeira vez a profissão, para a qual durante tantos anos estudamos, fizemos sacrifícios e abdicámos da família, amigos e companheiros. O projeto de acolhimento de novos associados deste Conselho Regional - visto como o momento de integração na “Casa”, dos primeiros passos, de organização da atividade, de ajuda, aquele dia que fica registado para sempre na memória, como sendo o primeiro desta nova vida - sofreu um retrocesso por via de alteração de procedimentos, mas estamos a repensar uma forma de o tornar ainda mais memorável e de fazer jus a este percurso.

No que respeita às competências pessoais e profissionais, numa era de globalização e internacionalização, há áreas que têm de ser desenvolvidas. Uma delas é sem dúvida o domínio de línguas. Nessa senda, foi recentemente celebrado um protocolo entre o Conselho Regional de Lisboa e as Escolas Cambridge, que consiste na atribuição de um desconto de 10% a associados, respetivos cônjuges e filhos, nas mensalidades dos cursos de inglês, francês, alemão e português e que poderá ser consultado na área restrita do CRL.

Queremos ainda continuar a falar de temas que afetam os nossos profissionais, como a gestão de stress, de comportamentos de prevenção e promoção de um balanço entre a vida pessoal e profissional, liderança, performance, produtividade, mas cuidando sempre da saúde mental, organizando intervenções sobre estes assuntos.

Neste novo ano estamos focados na informação e na sua partilha, em como devemos proceder, no saber-fazer e, neste sentido, iniciaremos ciclos informativos sob a epígrafe “Let’s talk about…”, estando recetivos às propostas de temas específicos que os nossos associados julguem pertinentes e que podem remeter para o email deste Conselho Regional ou através de mensagem no Facebook ou Instagram. Só a formação e a informação nos tornarão ainda melhores profissionais.

Apostando na descentralização, o Evento Regional de 2023, tal como aprovado no Plano de Atividades, será nos Açores, com programa e data a divulgar. Sendo o primeiro evento insular desta dimensão, contamos e apelamos à presença dos nossos associados, não só os insulares.

As Delegações Distritais e os Delegados Concelhios são de grande relevância para a concretização dos projetos que o Conselho Regional pretende desenvolver este ano, dos quais destacamos, entre outros, a sensibilização e a prevenção da procuradoria ilícita junto da sociedade civil.

Mas o maior projeto do CRL é, sem dúvida, ser útil aos seus associados. Desejamos a todos que 2023 seja um ano muito produtivo e feliz.

Até já.

SOLLICITARE 49

SOLICITADORES ILUSTRES

ALBERTO TOTTA

As árvores morrem de pé *

Narrar a vida de Alberto António

May Totta (Lisboa, 1882 - Sintra, 1963), é descobrir a história político-social de Lisboa e Sintra, desde os fins do século XIX para além do equador do século XX, dado a sua história de vida se confundir com a de Lisboa e Sintra durante aquele tempo.

Alberto Totta começou a sua vida profissional muito cedo, como ajudante de Solicitador no escritório de seu pai, António Augusto Xavier May Totta, também Solicitador Encartado. Seu pai era de ascendência judaica sefardita, do lado paterno, e inglesa, do lado materno.

Em 1919, inscreve-se na antiga Câmara dos Solicitadores, domicilia-se em Lisboa, na Rua de São Nicolau e, como Solicitador Encartado, trabalhou no contencioso do então Banco Borges & Irmão, até ao ano da sua morte, isto é, durante 52 anos.

Desde muito novo, assumiu a ideologia republicana, conspirando contra a monarquia através de artigos no Jornal “Mundo”, sempre idealistas, fraternos e generosos, que lhe granjearam o respeito, quer pelos seus correligionários, quer pelos seus adversários.

Sobre Alberto Totta, dizia o jornal “O Século”, no seu obituário: “inteligente, culto, com um poder de sinceridade extraordinário, coração boníssimo de uma impressionante sensibilidade, sua mão estendida sempre amiga e carinhosa, a quem dele se aproximava”. 1

As suas qualidades chamaram a atenção dos novos governantes republicanos que o convidaram para servir a causa pública como Secretário de Ministros, Secretário de Governadores Civis e Vereador das Câmaras de Lisboa e de Sintra, acabando por ter um papel importante na reconfiguração do Rossio, como o vemos hoje. Foi, também, Diretor nos Hospitais Civis de Lisboa e Mesário da Santa Casa da Misericórdia de Sintra.

Escrevendo com facilidade e elegância 2, assumiu

ainda a profissão de Jornalista, e, para além do referido jornal “Mundo”, colaborou ainda com os jornais “Sports Ilustrados”, “Voz de Torres”, “Plebe”, “Voz do Operário”, “Sintra Regional”, “Jornal de Sintra” 3 e o “Diário de Lisboa”, dado que fazia parte dos órgãos sociais do “Renascença Gráfica”, proprietária deste jornal. 4

Foi um dos fundadores do Clube Naval de Lisboa, ao qual sempre esteve ligado até à sua morte, razão pela qual recebeu a Ordem do Mérito Naval de Espanha, sendo certo que já tinha sido agraciado, em 1919, como Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo.

Vivendo em Colares, mais propriamente nas Azenhas do Mar, na sua “Vivenda Rafaela”, reunia os seus amigos, jornalistas, políticos e artistas numa convivência cultural única na região. Tinha gosto em receber bem e tornar a sua casa num local onde a censura não tinha direito de entrada.

Sempre disposto a colaborar e a melhorar as condições de vida da população de Colares, foi sócio benemérito de todas as coletividades desportivas e humanitárias da região de Colares e Sintra e cofundador da Adega Regional de Colares. Criou a Escola Primária de Azenhas do Mar e a sua cantina e, quanto à mobilidade das populações e turistas das Azenhas do Mar, conseguiu a chegada do carro elétrico.

Alberto Totta foi um homem do seu tempo: o servidor da “Res publica” em todas as suas vertentes. Inflexível, mas generoso, lutou sempre por um ideal imperativo de sentimento do dever até à sua morte, como as árvores que morrem de pé.

Azenhas do Mar e Sintra devem-lhe uma homenagem.

* As árvores morrem de pé”, peça de teatro original de Alejandro Casona

NOTAS:

1 – Jornal “O Século”, de 11.02.1963 (Biblioteca Nacional).

2 – Idem.

3 – Idem.

4 – Diário de Lisboa, n.º 14.426, de 11.02.1963.

50 PROFISSÃO

Evolução tecnológica e a Solicitadoria

Otema “Tecnologia” na Solicitadoria acarreta demasiada controvérsia, especialmente em assuntos como os Smart Contracts, a Web 3.0, o Blockchain e, agora mais recentemente, os tão discutidos Atos à Distância, entre outros.

Em primeiro lugar, provavelmente muitos não saberão em que consiste cada um dos temas antes enunciado. Em segundo, muitos dirão que se trata de “uma coisa moderna que está feita para os jovens, porque têm mais agilidade nessa «coisa» dos computadores”. Em terceiro, muitos acreditam que são coisas para o futuro e não para hoje (o que não é verdade). Em quarto, muitos serão da opinião de que já têm tanto com que se preocupar que não têm de se adaptar a esta realidade, etc.

Parece-me claro que estes e tantos outros assuntos deveriam ser abordados e explorados pela nossa Ordem, numa tentativa de nos prepararmos melhor para o uso de cada um, porém acho que a primeira preocupação não deve ser chegar ao topo da pirâmide, mas sim sedimentar a base.

A mim parece-me que todos – profissionais e cidadãos – só temos a ganhar com o avanço tecnológico, mas como é que vamos evoluir tecnologicamente se a maioria não sabe fazer um simples uso de um computador ou até do Office e usar ferramentas básicas como o Word ou Excel? Esta é uma preocupação evidente.

É obvio que, se eu tiver controlo das ferramentas tecnológicas que me são disponibilizadas, é muito cómodo estarmos no conforto dos nossos escritórios a fazer comunicações para uma qualquer entidade pública, seja registos ou certidões, ou até mesmo dar entrada de um processo de divórcio. O problema coloca-se quando, do outro lado, a pessoa ou entidade com quem queremos comunicar não tem o conhecimento suficiente para nos responder, como por exemplo assinar digitalmente um documento com o cartão de cidadão ou certificado digital. A mim parece-me grave alguém ainda achar que “assinar digitalmente” é imprimir um documento, assiná-lo manuscritamente e digitalizálo. Portanto, não adianta termos todos os meios disponíveis se não existe formação nesse campo.

Mais grave se torna esta temática, quando nós, Solicitadores, estamos obrigados a contactar os serviços públicos e, bem sabemos, que na sua maioria se trata de uma classe já um pouco mais envelhecida e resistente aos avanços tecnológicos.

Estou convicta de que se a pandemia da Covid-19 nos trouxe algo de bom foi precisamente este “empurrão” para a tecnologia, quer no serviços públicos, quer nos privados.

Neste momento é perfeitamente normal reunir virtualmente com um cliente para que, posteriormente, no meu escritório, tudo seja mais célere, o que antes era raro acontecer. Se antes existiam assuntos que eu só conseguia tratar num

52 PROFISSÃO
Carina Jiménez Reis Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores
TECNOLOGIA

balcão de uma repartição de Finanças, hoje já quase tudo é possível fazer online. Porém, perderam-se algumas vantagens do profissional, como é o caso do direito de preferência no atendimento, pelo que gostaria de deixar como sugestão para este tipo de entidades: a criação de um “Portal do Profissional” ou “Acessos do Profissional”.

Na realidade, estamos muito preocupados com o Amanhã, quando a atualidade ainda apresenta graves falhas.

Quando falamos de tecnologia é inevitável falar na sua aplicabilidade à publicidade e ao marketing e, consequentemente, a sua difusão pelas redes sociais, mas é necessário que os utilizadores não olvidem a existência do Estatuto da OSAE (Lei nº 154/2015, de 14 de setembro), do Regulamento Deontológico (Regulamento 202/2015, de 28 de abril) e do Regulamento de Publicidade e Imagem (Regulamento 548/2017, de 12 de outubro). Aqui é explícito o que é lícito e o que não é lícito, já que esta ferramenta deverá servir para dar a conhecer o que é um Solicitador e o quão apto e habilitado é este profissional, relembrando sempre uma frase de Delfim Costa, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores: “O Solicitador só vingará se se mantiver sério, honesto e honrado”.

Em suma, apraz-me dizer e incentivar que usem corretamente os meios tecnológicos em proveito da Solicitadoria e da vossa atividade profissional, não descurando o Amanhã.

SOLLICITARE 53

Só lhe faltou nascer em cima do palco. De resto, vive, desde sempre, por lá. Em palco. E tem, na sua origem, este amor ao teatro, à arte de trazer o mundo para o palco. Esteve no colo de Vasco Santana. Brincou no camarim de Laura Alves. Privou com António Silva. Cresceu com a arte por perto. João de Carvalho experimentou a política, o ensino e queria ser historiador. Mas, como diz, o teatro é vida. É para a vida. Com 40 anos de carreira, explica-nos que ser ator é “olhar nos olhos do público”, é “ser um transformador”, é retratar a vida como ela realmente é, transportando quem está na plateia para uma “festa” que é, também, uma necessidade.

JOÃO DE CARVALHO

CULTURA
ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE
“O teatro é vida. É para a vida”

JOÃO DE CARVALHO

Estreou-se em televisão tinha apenas 4 anos. Desde aí não parou. É, sem dúvida, uma vida ligada à cultura. Por isso, pergunto: como é viver da cultura em Portugal?

Para mim, já lá vão 40 anos de teatro. E, por isso, quando se tem uma vida estabilizada no meio, não é difícil. Hoje, já não é um problema se me chamam ou não. Tenho sempre trabalho. Até porque estou numa idade em que não há muitos a fazer teatro. Há muitos a fazer televisão, mas teatro não. Agora, acredito que a juventude tenha e que vá ter esse problema. Está a começar, ainda vai passar pelo crivo do teatro. Sinceramente, não vai ser fácil para os jovens.

Foi vereador da cultura da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Qual o motivo que o levou a aceitar o desafio no campo da política?

Porque me cansei de dizer mal sem tentar fazer alguma coisa de diferente. Exatamente assim. E acho que consegui. Eu sei que fiz a diferença tanto para as pessoas, como paras os funcionários da câmara. Nunca tive a porta fechada para ninguém. Quando era preciso trabalhar, eu ia. Sempre gostei de trabalhar, de colocar as mãos na massa e fazer.

Sei que também foi professor. Ensinou teatro. É outra forma de defender a nossa cultura?

Sim, é. Vais criando o gosto nos jovens. Quase todos os meus alunos são excelentes espectadores de teatro. Quando era professor, levei uma turma a assistir a uma peça. A primeira vez para todos. No final, um dos meus alunos disse-me: “Nunca mais vou deixar de ir ao teatro, mas estou muito chateado consigo! Não me disse que era preciso vir arranjado”. Aquilo foi uma felicidade. Eles perceberam o que é o teatro. Porque, na verdade, a cultura é uma festa. E a cultura faz tanta falta a um povo.

Ser professor foi, além de tudo, ensinar a amar o teatro?

É tão fácil ensinar a amar o teatro. Desde que tu o faças e desde que tu o mostres. Tenho a certeza de que, naquelas quatro turmas que eu tive, todos eles passaram a amar o teatro.

Por falar em amor ao teatro, como é ser filho de Ruy de Carvalho? E como é contracenar com o ele?

O teatro nasceu comigo. Eu, desde cedo, que ia para o teatro com o meu pai. Eu cresci nos bastidores. A primeira vez que andei foi para o colo do Vasco Santana. Eu brinquei no camarim da Laura Alves. Isto deixa marcas para a vida. Eu tive a sorte de conhecer atores que colegas com a minha idade não chegaram a conhecer. Convivi com essas pessoas que estão no nosso imaginário. E poder contracenar com o meu pai é maravilhoso. O

meu pai é um dador. Ele dá-se ao teatro. E, quando isso acontece, tudo fica fácil.

Li que só perto dos 30 anos é que descobriu que era, realmente, ator. Como é que aconteceu?

Eu percebi que era ator quando consegui olhar nos olhos do público. Para a maior parte dos atores, é aterrorizador falar com o público. Eu percebi, nessa altura, que passei a ser ator. Eu preciso dos olhos do público. Lembro-me perfeitamente desse dia. Acabei a peça e a minha mãe veio ter comigo a chorar e disse-me: “Hoje transformaste-te. Se eu tinha dúvidas, hoje nasceu um ator”. Naquele dia, eu também percebi isso. E tem graça porque foi na peça infantojuvenil de um grande amigo, o António Torrado. Foi nesse dia, mas, mais precisamente, nessa peça, que eu descobri que tinha mais para dar. Depois fui ainda percebendo que podemos ter toda a técnica do mundo, mas, se não tivermos coração, se não tivermos entrega, não somos atores. No final, o que interessa é a verdade em cima do palco.

E como se explica o que é ser ator?

O ator é ser um transformador. É aquele que interpreta os outros, que interpreta os textos escritos pelos outros. É quem dá coração e se expõe a uma personagem. É mudar de tal maneira, que conseguimos convencer os outros de que este novo eu, agora, é a verdade.

Quais são as diferenças entre ser ator na televisão ou no teatro?

A televisão é uma trituradora. Na televisão trabalhas para fazer ao minuto. Tens de te despachar. Um ator que faça televisão tem de ter uma preparação muito grande e tem de ser capaz de fazer de forma muito rápida. Perceber como funciona a personagem, decorar o texto para o dia em que vais gravar e, depois, é uma corrida. Teatro é completamente diferente. Tens tempo. Nos ensaios, vais descobrindo a personagem, trabalhando e aprimorando.

Fazer cultura em Portugal mudou muito ao longo dos anos, designadamente com ferramentas como as redes sociais?

Mudou na forma como os atores se autopromovem. Mas não o teatro. Já a televisão, por exemplo, foi muito influenciada pelas redes sociais. O teatro não precisa. As peças estão esgotadas, as salas estão cheias. A televisão,

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Eu percebi que era ator quando consegui olhar nos olhos do público. Para a maior parte dos atores, é aterrorizador falar com o público.

A televisão é uma trituradora. Na televisão trabalhas para fazer ao minuto. (...) Teatro é completamente diferente. Tens tempo. Nos ensaios, vais descobrindo a personagem, trabalhando e aprimorando.

ESCOLHAS…

Um livro: Guerra e Paz de Liev Tolstoi

Um filme: Drácula de Bram Stoker

Peça de Teatro: Ricardo III de William Shakespeare

Uma música: Frágil do Sting

Um sítio: Santorini

as séries e tudo o que é instantâneo… Não chega. As pessoas precisam do contacto, precisam do teatro. E, atenção, não é só Lisboa ou Porto. Em qualquer cidade do país. As salas de teatro enchem.

Como é se explica que a cultura não é um capricho, não é um luxo?

Não, o teatro não é o luxo. Luxo é pagar 60 ou 70 euros por um bilhete. No teatro, quando muito, pagarás 20€. Mas mais do que não ser um luxo, o teatro é uma necessidade.

Por fim: Como se vê Portugal do palco?

Claramente, um teatro. Mais precisamente, uma tragédia. Mas, infelizmente, não tem grandes atores. Sabes, o homem não mudou. Mudaram as coisas do dia a dia, mudou a forma de vestir, até mudou a forma de matar, mas continua igual. Ama-se e odeia-se da mesma forma. Conseguem-se as melhores e as piores coisas do mundo. E, no teatro, isso está tudo retratado. É isso que eu vejo de cima do palco e é isso que eu me esforço para interpretar.

SOLLICITARE 57

Portugal foi o primeiro país na Europa a regular juridicamente a modalidade de teletrabalho no setor privado. O regime jurídico do teletrabalho teve a sua primeira consagração jurídica na Lei n.º 99/2003, nomeadamente nos artigos 233.º a 243.º. Posteriormente, a Lei n.º 7/2009, que aprovou o novo Código do Trabalho, regula o teletrabalho nos artigos n.º 165 a 171, sem relevantes alterações face ao anterior regime. No início de 2022, as alterações veiculadas pela Lei n.º 83 de 2021 respondem à necessidade de proteger a esfera do trabalhador e de clarificar situações dúbias que os confinamentos suscitaram.

O teletrabalho é a «prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação». O regime de teletrabalho pode surgir no início de uma nova relação contratual, mediante um contrato de trabalho que integre um acordo de teletrabalho, ou surgir no decurso de uma relação contratual pré-existente, sendo neste segundo caso também obrigatória a formalização do acordo de teletrabalho.

Condições concretas previstas no Código do Trabalho legitimam o recurso a esta modalidade contratual, nomeadamente: o trabalhador que for vítima de violência doméstica e cumprir cumulativamente outras condições previstas na Lei; o trabalhador com filho até três anos de idade, caso o teletrabalho seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios adequados para tal, sendo que o limite dos três anos pode ser estendido até aos oito anos, em condições especificadas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 166-A do Código de Trabalho; e o cuidador informal não principal.

O empregador passa a ser efetivamente responsável pela disponibilização ao trabalhador dos equipamentos e sistemas necessários à realização do trabalho. Além disso, o empregado será integralmente compensado pelo empregador de todas as despesas adicionais em que comprovadamente incorra e tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores da empresa com a mesma categoria ou com função idêntica. Para que as relações contratuais em regime de teletrabalho decorram de uma forma produtiva e equilibrada, é aconselhável que os empregadores verifiquem se os recursos humanos abrangidos detêm competências técnicas e comportamentais adequadas: o empregador deve mesmo facultar ao trabalhador a formação de que este careça para o uso adequado e produtivo dos equipamentos e sistemas que serão utilizados por este no teletrabalho.

Com o objetivo de reequilibrar alguns excessos testemunhados durante os confinamentos, o empregador passa a dever se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, facto relativamente ao qual os mais céticos acreditam ser complicado cumprir em Portugal. Contudo, os Solicitadores podem e devem intervir, contribuindo na dignificação das condições de trabalho.

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O novo enquadramento jurídico laboral do teletrabalho: novas oportunidades e responsabilidades
PROFISSÃO
Adriana Marques Teixeira Solicitadora

Leituras

As leituras são sempre pessoais e, por isso mesmo, tendencialmente intransmissíveis. Os mundos nelas criados permitem, se observados com verdadeira atenção, vislumbrar os gigantes que viajam entre eles e o planeta a que chamamos realidade. As sugestões que deixo são de dois gigantes, assim considerados pela importância da sua escrita.

A CONDIÇÃO HUMANA

André Malraux

–André Malraux nasceu em Paris, a 3 de novembro de 1901, e morreu na mesma cidade, a 23 de novembro de 1976. Intelectual de ação, arriscou a vida, em 1926 e 1927, lutando ao lado das tropas comunistas na China e na Indochina. Combateu também na Guerra Civil Espanhola ao lado dos republicanos e participou na resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial.

Entre 1947 e 1953, desempenhou o cargo de Secretário-Geral do Rassemblemente du Peuple Français e foi Ministro da Informação (1945/46 e 1958) e da Cultura (1959 - 1969).

A guerra, a ação política, a escrita e a aventura são formas de aplacar a ansiedade e a angústia do indivíduo perante a vida e o destino, mas também de materializar uma solidariedade incondicional para com o outro e de uma crença irredutível na construção de um mundo melhor, justo e livre.

“A Condição Humana”, publicada em 1933 e vencedora do prémio Goncourt, reflecte a vida e as inquietações de Malraux. A ação decorre em 1927, quando o Kuomintang combatia o poder instituído, no momento de distanciamento e quebra da aliança entre aquele partido e o Partido Comunista da China.

As personagens são colocadas perante o avanço inexorável da História e confrontadas com o seu papel nos acontecimentos.

Este livro é uma profunda meditação sobre as convicções, a ética, a liberdade, a traição, a morte e o amor, em resumo sobre essa estranha coisa que é o indivíduo. Desta obra, disse Jorge de Sena, que não se é o mesmo depois da sua leitura.

O ALEPH Jorge Luís Borges

Jorge Luís Borges nasceu em Buenos Aires, a 24 de agosto de 1899, e morreu em Genebra, a 14 de junho de 1986. A sua família descendia de heróis argentinos envolvidos na Guerra da Independência.

Foi professor universitário e bibliotecário na Biblioteca Nacional da República Argentina e imaginava o paraíso como uma biblioteca. A aversão ao Peronismo fez com que fosse transferido da função de bibliotecário para a função de “Inspetor de aves”, obrigando-o a demitir-se.

Em 1955, foi nomeado diretor da Biblioteca Nacional da República Argentina pelo Governo que derrubou Péron – paradoxo último porque aceitou o cargo já cego, naquilo que dizia ser uma “magnífica ironia de Deus”. Leitor ávido e erudito, tinha a particularidade de ler compulsivamente enciclopédias. Em 1921, começou a publicar ensaios e poemas em revistas surrealistas.

Publicado em 1949, “O Aleph” é um livro de contos que inclui o conto que lhe dá o título. Nesse conto, o Aleph é o ponto no universo a partir do qual se vê a totalidade do mesmo, em simultâneo e sob todos os ângulos.

O paradoxo, os jogos de espelhos, o duplo, os labirintos lógicos, os sonhos, os enigmas e a imortalidade são abordados ao longo dos contos, numa abordagem de literatura fantástica que inclui aquilo a que Adolfo Bioy Casares, escritor e amigo próximo, apelidou de “delírios do racional”.

Diz-se que provavelmente as suas simpatias reacionárias o impediram de ganhar o Prémio Nobel, mas Borges referia-se a este como um velho ritual nórdico que consistia em lho recusarem.

SOLLICITARE 59 SUGESTÕES
Armando Matias Colaborador do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

São muitos os produtos que fazem já parte da tradição portuguesa. São produtos que cruzam gerações e que se distinguem pela qualidade de excelência. Neste espaço, desvendamos todos os segredos dos produtos com história, desde as suas origens até ao seu processo de fabrico.

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COM HISTÓRIA
Uma fábrica onde se produz arte FÁBRICA ALENTEJANA DE LANIFÍCIOS TEXTO ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE assista ao vídeo em www.osae.pt

Indiferentes ao que o futuro lhes reservava, por Reguengos de Monsaraz passavam, sazonalmente, rebanhos de ovelhas que faziam a transumância entre o norte e o sul de Portugal. O fito, esse, era apenas um: a procura de melhores condições. O que nos move a todos, afinal. Delas vinha (e vem) a lã merina que deu origem às Mantas Alentejanas. Mas avancemos no tempo e sentemo-nos, hoje, ao tear. Pés colocados nos pedais. É hora de fazer correr a lançadeira com o fio de trama por entre a teia. É nesta dança, entre mãos e pés, que nascem aqui, na Fábrica Alentejana de Lanifícios, desde 1930, as Mantas Alentejanas. Ou melhor: nasce aqui uma das artes que dá ainda mais cor a Portugal.

Começa então a tecer a nossa manta. Dois pés nos pedais e faz circular, pela primeira vez, a lançadeira. Os registos mais antigos que existem remontam à idade média. Mas esta fábrica onde nos encontramos foi fundada para concentrar, num único espaço, uma série de artesãos que existiam nesta região alentejana. “Estes artesãos produziam as mantas nas suas casas e era importante arranjar um local para preservar esta tradição. Foi assim que surgiu a Fábrica Alentejana de Lanifícios”, explica Luís Peixe, um dos sócios, juntamente com António Carreteiro e Margarida Adónis, que compraram esta fábrica em 2020.

No início, estas mantas tinham apenas uma função muito óbvia e tão necessária: agasalhar no frio do inverno e proteger no calor do verão. Ou seja, cuidar das pessoas que trabalhavam no campo, principalmente, pastores. Anos depois, as mantas começaram a ser tingidas e foi aqui que passaram a ser algo mais. “No início, as mantas eram muito simples, tinham um desenho com duas cores, o branco e o castanho que eram as cores das ovelhas. Numa outra fase, as mantas começaram a ser tingidas e usavam, para isso, as flores da região. Nessa altura, como eram tão bonitas, rapidamente passaram a ter uma procura mais abrangente. Passaram a ser usadas mais como objeto de decoração. A cor passou a ser parte da identidade destas mantas e passaram a ser conhecidas em todo o país”.

De peça de roupa a obra de arte. Foi tão rápido quanto a lançadeira a levar o fio de um lado ao outro. “Na minha opinião, elas são uma obra de arte porque são todas feitas à mão. São únicas. Quando se faz um trabalho manual, nunca se faz uma peça igual. Apesar de termos os nossos modelos e os nossos padrões, os trabalhos acabam sempre por ter alguma diferença. Depois, é a riqueza e a preciosidade dos padrões. Temos centenas de

modelos e padrões diferentes. E o mais engraçado é que elas são construídas em cima de dois padrões base: a espiga e o losango. Com base nestes dois padrões, depois há uma série de combinações, quase infinita e que nos permite ter uma diversidade tão grande”.

Bate com o pente no fio da trama. Com a genica necessária, num ritmo silencioso. Muda os pés para outros pedais, alterando, assim, a ordem de marcha. Sem demora, passa, novamente, a lançadeira para o outro ladro. E continua a tecer. E tecer uma manta é, também, tecer parte da história do Alentejo e de Portugal. É nunca esquecer que se guardam saberes. É preservar tradições tão valiosas. E é por isso que, no início desta aventura, a ansiedade foi fiel companheira destes três sócios: “Senti esse nervosismo quando, em conjunto com os meus sócios, decidimos comprar esta fábrica. Percebemos que a responsabilidade era muito grande.”, admitiu Luís Peixe. Mas nem este receio, com raízes no respeito pela tradição, impediu estes três guardiões do tempo de crescer. De, assim, levarem o passado ao futuro.

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“Na minha opinião, elas são uma obra de arte porque são todas feitas à mão. São únicas. Quando se faz um trabalho manual, nunca se faz uma peça igual."
Luís Peixe
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Das tradicionais mantas e tapetes, surgiram cadeiras, pufes, abajures, malas, bolsas… “Eu sei que somos os fiéis depositários desta arte. É a única fábrica que existe na região. Mas achámos que este património também pode ter um alcance para lá daquilo que são as mantas e os tapetes. E isso vem através dos padrões, que são únicos e diferenciadores. Foi exatamente através destes padrões que começámos a identificar outros produtos e novas oportunidades.” Mantendo-se, como sublinha Luís Peixe, o “traço dominante”, foi assim que a arte viajou por outros objetos, levando as cores e a beleza a tanto que faz parte do dia a dia de todos. Pega na canela e muda a cor do fio. Encaixa na lançadeira. Troca, novamente, os pés entre os pedais. Está tudo pronto, mas faz uma pausa e olha à volta. Uma sala grande, repleta de teares, de restos de fios, de cor e de vida. De vidas. Há ali dez artesãos. Mulheres e homens. De todas as idades. Sorriem enquanto fazem circular a lançadeira. “Desde que comprámos a fábrica, já recrutámos quatro pessoas e, sinceramente, nunca sentimos dificuldades a encontrar candidatos. Tendencialmente, tentamos recrutar jovens porque, quando entram, têm de aprender a profissão. E não é fácil. Até começarem a produzir demora o seu tempo”, explica o sócio da Fabricaal, abreviatura do nome original e que serviu para dar uma nova dinâmica à marca e abrir as portas ao mundo digital. Um mundo que, como clarifica, já representa 25% das vendas.

Agora, “este trabalho não é para todos”, sublinha Luís Peixe. “Tem alguma dureza física. Obriga a alguma concentração, porque existem sequências que têm de ser seguidas. Isto é como uma dança entre os pés e as mãos. Tem de haver sincronização. Neste tipo de profissão, é preciso que as pessoas tenham gosto no que estão a fazer. E os nossos artesãos têm. Temos todos a perfeita noção de que somos os guardiões desta arte”. Arte essa que está, sem dúvida, na moda. Prova disso são as encomendas que estão na lista, à espera da sua vez para entrarem no tear e ganharem corpo e cor. A elevada projeção deste produto também se justifica, segundo Luís Peixe, pela possibilidade de personalização das peças. “Podem decidir o tamanho, a combinação das cores, a combinação de padrões, tudo… E há muitas peças que só fazemos uma vez. Isso contribui para que os nossos produtos estejam na moda. Não tenho dúvidas. É algo que as pessoas valorizam muito”.

A manta está quase pronta. Faltam apenas os pormenores finais. Troca novamente o fio e escolhe uma nova cor. Prende na lançadeira e volta a fazê-la percorrer as últimas passagens pela teia. O futuro desta fábrica continua a ser tecido com todas as cores e combinações possíveis. O futuro desta fábrica ainda tem muita linha para ser utilizada. E ideias não faltam. “Primeiro, claro, queremos alargar a nossa capacidade de produção, aumentando o número de artesãos. Neste mo-

“Eu sei que somos os fiéis depositários desta arte. É a única fábrica que existe na região. Mas achámos que este património também pode ter um alcance para lá daquilo que são as mantas e os tapetes. E isso vem através dos padrões, que são únicos e diferenciadores. Foi exatamente através destes padrões que começámos

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a identificar outros produtos e novas oportunidades.”
Luís Peixe
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mento, estamos a demorar várias semanas para entregar uma encomenda. É tudo feito à mão, leva o seu tempo. Outro desejo passa por começarmos a fazer formação ou workshops de tecelagem aqui na fábrica, para que consigamos perpetuar esta tradição. Queremos identificar novas parcerias e criar novos produtos. Também queremos desenvolver o nosso museu. Inseri-lo no mapa turístico da região. E, por fim, sem sombra de dúvidas, queremos manter a essência da Fábrica Alentejana de Lanifício, que é a produção de mantas.”, remata Luís Peixe.

A manta está pronta. E, apesar de parecer apenas uma manta, é muito mais do que isso. Tem a lã de rebanhos de ovelhas que por aqui passam há séculos. Tem os rostos daqueles que nelas encontraram proteção enquanto trabalhavam. Tem as cores e os traços inesquecíveis do Alentejo. Tem a riqueza do país inteiro. Tem o som dos teares. Tem o conhecimento e o orgulho daqueles que as fabricam. Tem as mãos enrugadas, as mãos aprendizes. Tem o calor que se quer encontrar em casa. Tem o abraço que se deseja entregar a quem mais se ama. Tem a tradição que se quer guardar e mostrar. A tradição que se conserva por se reinventar a cada dia. E tem tantas vidas. Sim, pode parecer só uma manta, mas é muito mais do que apenas isso. Porque esta manta é, na verdade, arte.

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FÁBRICA ALENTEJANA DE LANIFÍCIOS

RESTAURANTE SABORES DO CAMPO

Os melhores sabores da Serra do Caldeirão

São Brás de Alportel é uma vila composta por uma única freguesia, com uma área de cerca de 150 Km2, que fica localizada no barrocal algarvio, à beirinha da Nacional 2, mais propriamente entre o mar e a serra, onde se podem encontrar várias povoações, como por exemplo São Romão, os Vilarinhos, a Soalheira, o Malhão, o Alportel, a Mesquita, entre muitas outras. Esta vila encontra-se em plena Serra do Caldeirão, sendo muito conhecida por ter uma das melhores cortiças do mundo, utilizada na produção de rolhas para os melhores champanhes franceses. Nos meses de janeiro e fevereiro é particularmente bonita, uma vez que poderá apreciar o manto branco que se espalha com o florir das amendoeiras. Há vários monumentos que são imprescindíveis visitar como: a Igreja Matriz, o Palácio Episcopal, o Mercado, o Museu do Traje Algarvio, a Casa Memória da EN2 e a Pousada, uma das mais antigas do país e onde se pode visitar o “moinho da pousada” com uma vista magnífica sobre São Brás de Alportel. Não posso deixar de referir a época da Páscoa, com a Festa da Aleluia e das Tochas Floridas com lindos tapetes de flores no chão, bem como a excelente gastronomia do concelho. E, precisamente no que se refere à gastronomia, poderá deleitar-se com os sabores da Serra do Caldeirão, com paragem obrigatória no Restaurante Sabores do Campo. Abriu portas há cerca de 18 anos com a gerência de dois jovens são-brasenses, Ricardo Gomes e João Aleixo. Após a conclusão da sua formação na Escola Hoteleira, resolveram criar este projeto, que consistia na abertura de um restaurante com um ambiente tranquilo, requintado, acolhedor, com pratos de muita qualidade e excelente confeção. Portanto, há quase duas décadas que o restaurante Sabores do Campo serve as melhores delícias da Serra do Caldeirão com excelentes pratos da cozinha tradicional portuguesa, confecionados com todo o rigor.

RESTAURANTE SABORES DO CAMPO

Poço dos Ferreiros, n.º 181-A

8150-054 São Brás de Alportel

Tel. 289 849 346

Aberto de terça-feira a sábado, das 19h00 às 22h00.

Das várias iguarias que é possível degustar neste restaurante, chamo a atenção para as entradas. Experimente um dom rodrigo com queijo de cabra ou um croquete de javali. Também não posso deixar de sugerir a excelente sopa de abóbora. Como pratos principais, de entre outros, a gerência sugere o javali no forno com tomilho, o polvo no forno com batata-doce, os lombinhos de porco preto com migas ou os filetes de robalo no forno. Para acompanhar, conte com uma surpreendente diversidade vinícola.

Por fim, pode experimentar uma das excelentes sobremesas, destacando o pudim de medronho com figo ou a mousse de chocolate com chocolate negro.

Assim, é em São Brás de Alportel que pode desfrutar desta maravilhosa experiência gastronómica, onde o atendimento atencioso combina na perfeição com os sabores que deleitam o paladar.

Aceite a sugestão e não deixe de visitar este excelente espaço.

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ROTEIRO GASTRONÓMICO

Uma “Tasca 7” (estrelas)

Se pretende ir a um restaurante, em Leiria, cujo conforto lembre a sua casa e com gastronomia tradicional, não procure mais! Em pleno coração da cidade de Leiria, no seu centro histórico, mais precisamente na Rua Maria da Fonte, encontra um restaurante de seu nome “Tasca 7”, ou comummente chamado “Dona Estrela”.

É um pequeno restaurante que se assemelha a uma cozinha de uma habitação própria virada para a rua e que pode mesmo passar despercebido a quem por estas ruas passe. Quem aqui entra julga estar a invadir a cozinha de outrem e apenas se apercebe tratar-se de um restaurante pela caixa registadora que lá se encontra. Portanto sim, estão no sítio certo.

A ementa está pré-definida por dias, no entanto, em cada um deles somos surpreendidos pelos pratos que a Dona Estrela confeciona. Estes são, em primeira linha, desvendados pelo cheiro e só posteriormente pelo seu aspeto, sabor e textura. Podemos encontrar, neste restaurante, pratos típicos portugueses como: pataniscas de bacalhau; iscas de vitela; galo de cabidela; perna de peru com castanhas; bacalhau com crosta de broa; cabrito no forno, entre tantos outros. Lembram-se do sabor da comida de avó? Isso mesmo… Portanto, preparem-se para uma boa refeição acompanhada de um belo vinho, com um ambiente particularmente acolhedor.

A decoração é rústica, daquelas que nos prende o olhar, com pormenores e com história, feita de lembranças resultantes dos vários anos em que este espaço se manteve de portas abertas. Reflexo esse da memória dos tempos.

A única etiqueta está nos casacos que penduramos, porque, sim, estamos em casa. Sejam bem-vindos à Dona Estrela.

Para começar, somos servidos de um cestinho de pão e broa, acompanhado de umas azeitonas, enquanto escolhemos um dos pratos que está definido na ementa do dia, a qual podemos espreitar no letreiro exterior.

TASCA 7

Rua Maria da Fonte, transversal à Rua Barão de Viamonte (Rua Direita), Leiria

Tel: 962 238 621

Aberto de segunda a sábado, das 12h00 às 15h00.

Os jantares são por reserva.

Para quem por aqui passa (e saibam que não há reservas durante o almoço), deixo a minha sugestão para os amantes de bacalhau (como eu): pataniscas de bacalhau e bacalhau com crosta de broa. Já para os amantes de carne, recomendo a vitela no forno e galo de cabidela. E, como o melhor fica para o fim, não posso deixar de vos sugerir o pão de ló de Alfeizerão, pudim caseiro e ainda a mousse de chocolate que são uma delícia.

É, sem dúvida, um espaço que devem visitar. Se me coubesse a tarefa de definir o nome para este restaurante seria “Tasca 7 estrelas”, pelo ambiente, pela simpatia e claro… pela comida.

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TASCA 7

CÂMARA DE LOBOS

Vila piscatória de encantos mil

Localizada na ilha da Madeira, Câmara de Lobos é uma pitoresca cidade piscatória madeirense, situada na parte sul da ilha, a cerca de nove quilómetros da cidade do Funchal. Câmara de Lobos é uma das mais antigas freguesias da ilha da Madeira e a sua criação remonta ao princípio do segundo quartel do século XV.

Neste local, permanecem vários monumentos que remetem a esse período histórico, desde a Capela de Nossa Senhora da Conceição - fundada no século XV -, o antigo convento de São Bernardino, de 1425, e a igreja de São Sebastião, edificada no século XVI.

O seu topónimo deve-se aos navegadores João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, que descobriram esta ilha, também designada de “Pérola do Atlântico”.

Por volta do ano de 1420, João Gonçalves Zarco inicia o reconhecimento da ilha, deparando-se, a determinada altura, com uma pequena enseada, observando com espanto que ali existia uma gruta, com uma forma assemelhada a uma câmara. Nessa gruta habitava uma grande colónia de lobos-marinhos, que assim utilizavam esta caraterística da orografia do local para se abrigar, tendo-se assim “batizado” este sítio com o nome “Câmara de Lobos”.

Atualmente, esta espécie encontra-se em vias de extinção, mas, felizmente, têm sido criados programas de conservação impedindo que isso aconteça.

Câmara de Lobos foi um dos primeiros sítios da ilha da Madeira, após a sua descoberta, sujeitos a uma imediata exploração agrícola. Tem ótimas qualidades de terreno, condições climatéricas, boa exposição solar e abrigo dos ventos. Na agricultura salienta-se a cultura da banana e da vinha. Esta última resulta na fabricação do Vinho Madeira.

David Melim Solicitador
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A pesca é a atividade que confere a principal característica visual à cidade. A pesca do peixe espada preto representa a maior parte das capturas locais. Esta espécie dá nome a uma das maiores festividades organizadas nesta cidade e que decorre no início do mês de agosto: a “Festa Gastronómica do Peixe Espada Preto”.

Esta tradicional vila piscatória inspirou a famosa pintura de Sir Winston Churchill, Primeiro-Ministro inglês. Em 1950, o político britânico visitou a ilha da Madeira e, inspirado pela beleza natural da região, retratou a paisagem de Câmara de Lobos. O momento foi imortalizado pelo fotógrafo Raul Perestrello, passando esta localização a ser popularmente conhecida como o miradouro Winston Churchill. Este fica localizado à entrada da cidade, oferecendo uma vista privilegiada sobre o varadouro, a baía e o ilhéu de Câmara de Lobos, sendo este último um ponto de paragem obrigatório para quem visita esta cidade. Câmara de Lobos é também a “casa” da Poncha. A Poncha é, na sua essência, uma mistura de sumo de

limão, mel e aguardente de cana-de-açúcar. Existem, no entanto, diversas variantes deste “cocktail”, com misturas de outros frutos, pronta a servir e a deliciar quem a prova nas tascas locais.

O enquadramento paisagístico desta cidade é marcado pela presença dos característicos barcos de pesca, denominados “Chavelhas”.

Este município oferece ainda diversos pontos de interesse, tais como o Pico da Torre, o Curral das Freiras, a Boca dos Namorados, a Boca da Corrida e o Cabo Girão. Este último, conhecido como o segundo cabo mais alto da Europa, com 589 m de altura, presenteia quem o visita com uma magnífica vista sobre o mar, a cidade de Câmara de Lobos e a cidade do Funchal. Simplesmente deslumbrante.

Da sua bela baía piscatória, aos impactantes cabos e fajãs, sem esquecer o peixe fresco e a tradicional poncha, Câmara de Lobos espelha, de forma única, a essência madeirense. Trata-se, sem dúvida, de um destino de paragem obrigatória para quem visita a “pérola do Atlântico”, que vos convido a visitar!

SERRA NEVADA

Montanha do Sol

Abraçado o desafio que me foi dirigido para estas linhas finais da edição n.º 35 da Revista Sollicitare, a sugestão de destino internacional que deixo aos colegas e a todos os leitores, no contexto de inverno, para férias ou pequenas escapadinhas, é uma das minhas predileções no que a férias de neve diz respeito.

Falo-vos dos picos mais altos de Espanha continental: Serra Nevada. No leste da Andaluzia, integra a Cordilheira Penibética, que se estende pela zona centro-sudeste da província de Granada e parte do sudoeste da província de Almeria. Eleva-se aqui o “teto” da península ibérica, no pico Mulhacén, com a altitude de 3.482 metros acima do nível do mar.

Quem procura a Serra Nevada sabe que encontra uma singular combinação de neve e sol. Conta com mais de oitenta porcento de dias de sol durante a temporada de esqui, tem um micro clima privilegiado e é, por isso, a estância mais ensolarada da Europa.

Outrora, era apelidada por “Monte do Sol”, sinal da indelével maravilha natural, onde coexiste vida natural e humana na alta montanha. “Monte del Sol” era o nome dado pelos moçárabes. Já os romanos apelidavam-na de “Mons Slorius” e os árabes de “Xolair Atzalg” ou “Gebal Xolair.

Não só é a terra das lendas dos tartéssos, visigodos e romanos, como também foi rota de transporte de seda e refúgio para os mouros até serem expulsos no século XVI. A Serra Nevada testemunhou importantes capítulos da história de Espanha.

A existência da atual estância de esqui talvez tenha nascido com a fundação da Sociedade Serra Nevada, clube que à data se mantém e que se traduz nas primeiras referências históricas de esqui na Serra Nevada.

Pese embora a origem do esqui remonte a finais do século XIX, e, nessa altura, o escritor de Granada, Ángel Ganivet, já escrevia e partilhava a ideia de criar a “Finlândia da Andaluzia” na Serra Nevada, fomentando e difundido, assim, o nascimento do esqui na montanha do Sol, apenas em 1920 se iniciou a construção da estrada cujo itinerário é o que existe hoje para subir até à estação.

O acesso é fácil, a 30 minutos da cidade de Granada, e, percorrida a estrada até à aldeia, é inebriante o quadro que se faz ver: a montanha pintada de branco, o céu azul e o sol que brilha e torna tudo mais idílico.

Finalmente, lá chegados, podemos desfrutar do melhor que esta estância de esqui tem para oferecer: 110 quilómetros de pistas largas, de grande longitude e sinalizadas, adequadas a todos os níveis de esqui e snowboard.

Para quem nunca o fez: Força, vão. A experiência de férias da neve é um lado totalmente diferente, excitante e relaxante. São as únicas férias em que queremos acordar às sete horas da manhã para aproveitar ao máximo a estância, que encerra sempre cedo, pelas dezassete horas. Não queremos perder tempo com mais nada que não seja estar na neve.

Durante a experiência na neve, nas cadeirinhas que nos transportam, permitimo-nos conhecer novas pessoas com as quais partilhamos a subida, ou simplesmente – em silêncio –, transportamo-nos mentalmente para aquele manto branco, onde não existe mais nada, além do branco da neve e do deslizar. Não há ali espaço para uma agenda, telemóvel, tarefas de escritório por realizar…nada. Apenas a neve!

É claro que vai precisar de alugar equipamento (de esqui ou snowboard) e bem assim comprar o forfait (acesso à estância). Ah, essencial: aulas!

Em que momento da nossa vida (e por que razão) começamos a temer tanto o julgamento alheio, e, nesse ensimesmamento, nos revelamos incapazes

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Ana de Sousa Matos Vogal do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

de arriscar? Aprender uma nova atividade, responder ou reagir por impulso? Na neve, podemo-nos permitir a errar, a reagir por impulso e a (re)aprender a rir de nós próprios. Podemos cair, levantar, cair e rir de tudo isso.

Todo este processo, em abono da verdade, fica mais facilitado e fluido se for acompanhado por um profissional. (Sem quedas, eu diria até!) Se é máxima que o Solicitador resolve, é de igual rigor afirmar que o Professor de esqui ou snowboard dá as ferramentas para que qualquer um, independentemente da idade ou performance, se aventure na libertadora experiência que é (no meu caso) esquiar!

Mais uma maravilha da Serra Nevada: não há entrave com a língua! Por ora, lá encontram uma escola portuguesa: Ski Serra Nevada – Experiência de esqui

em português, das irmãs e professoras, Marta e Patrícia Cavaco. As quais tornam toda a experiência mais lusitana e empática, seja para miúdos ou graúdos.

Por fim, para muitos, a pièce de résistance das férias na neve é o final do dia. Depois da jornada, envolta em paisagens brancas, não será dia de neve se não terminar com o Aprés ski. Numa esplanada ou bar, com animação, música e cerveja; ou, para outros, com uma sessão de spa, um mergulho numa piscina aquecida, beber um chocolate quente numa esplanada.

Curiosidade: há um rádio telescópio gigante num dos picos da Serra Nevada, na área de Loma Dílar, a 2.850 de altitude. Visível aos visitantes da estância, é também visitável. Este equipamento auxilia o estudo da Via Láctea: é o Observatório IRAM Pico Veleta.

Fica a sugestão e a partilha.

Votos de um ano 2023 memorável.

Saúde e aventuras mil!

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