Sollicitare n.º 39

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revista da ordem dos solicitadores e dos agentes de execução

Dedicada a José Carlos Resende

REPORTAGENS

Quartel do Carmo e Museu Nacional

Resistência e Liberdade

ENTREVISTA

Eduardo Vera-Cruz Pinto

Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

ENTREVISTA

Frederico Delgado Rosa

Neto e biógrafo de Humberto Delgado

CULTURA

Alfredo Cunha

Fotografar a Revolução

José F. F. Tavares

Presidente do Tribunal de Contas

FICHA TÉCNICA

SOLLICITARE

REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Diretor Paulo Teixeira

Editor Francisco Serra Loureiro

Redatores principais

Ana Filipa Pinto, André Silva e Joana Gonçalves

Colaboram nesta edição: Ana Gaspar, Anabela Veloso, Débora Riobom dos Santos, Luís Martins, Mariela Pinheiro, Marília Reganha, Miguel Ângelo Costa, Soraia Domingues, Susana Antas Videira, Telma Afonso e Vanessa Azevedo

Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt

Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt

Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt

Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt

Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt

Impressão:

Lidergraf, Sustainable Printing Rua do Galhano, n.º 15 4480-089 Vila do Conde

Tiragem: 6 500 Exemplares Periodicidade: Três vezes por ano ISSN 1646-7914

Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585

Sede da Redação e do Editor

Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126

Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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Estatuto editorial:

Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes.

Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.

Bastonário

Paulo Teixeira

Assembleia Geral

Presidente: Aventino Lima (Lisboa)

1.ª Secretária: Elizabeth Costa (Lisboa)

2.º Secretário: Pedro de Aguiar Fernandes (Setúbal)

Conselho Geral

Presidente: Paulo Teixeira (Matosinhos)

1.ª Vice-Presidente: Edite Gaspar (Lisboa)

2.º Vice-Presidente: Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz)

3.ª Vice-Presidente: Diana Silva Queiroz (Vila Franca de Xira)

1.ª Secretária: Tânia Fernandes (Albufeira)

2.ª Secretária

Tesoureiro: Mário Couto (Vila Nova de Gaia)

Vogais: João Coutinho (Figueira da Foz), Susana Mareco (Coimbra), João Salcedas (Torres Novas), Ramiro dos Santos (Coimbra), José Cardoso (Penafiel)

Conselho Superior

Presidente: Fernando Rodrigues (Maia)

Vogais: Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira), José Guilherme Pinto (Maia), Valter Jorge Rodrigues (Moita), Beatriz Tavares do Canto (Ponta Delgada), Rafael Parreira (Leiria), Isabel Carvalho (Vila Nova de Famalicão), João Reduto (Guarda), Cláudia Cerqueira (Viana do Castelo), João Soares Rodrigues (Oliveira de Azeméis), Maria Luísa Cabeçudo (Tavira)

Conselho Fiscal

Presidente: Alberto Godinho (Tomar)

Secretário: José Luís (Coimbra)

Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores

Presidente: Delfim Costa (Barcelos)

Vice-presidente: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria)

Vogais: Leandro Siopa (Pombal), Carina Jiménez Reis (Oeiras), Marcelo Ferreira (Covilhã)

Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução

Presidente: Duarte Pinto (Porto)

Vice-presidente: Filipa Gameiro (Alcanena)

Vogais: Clara Apolinário (Lisboa), Tânia Mendes Silva (Alcobaça), Sandra Gonçalves Oliveira (Cantanhede)

Conselho Regional do Porto

Presidente: Nicolau Vieira (Gondomar)

Secretária: Cecília Mendes (Paredes)

Vogais: Marta Baptista (Santa Maria da Feira), Paulo Miguel Cortesão (Maia), Mariela Pinheiro (Barcelos)

Conselho Regional de Coimbra

Presidente: Anabela Veloso (Santa Comba Dão)

Secretário: Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede)

Vogais: Edna Nabais (Castelo Branco), Graça Isabel Carreira (Alcobaça), Bruno Monteiro Branco (Condeixa-a-Nova)

Conselho Regional de Lisboa

Presidente: Débora Riobom dos Santos (Odivelas)

Secretário: João Pedro Amorim (Lisboa)

Vogais: José Jácome (Lagos), Carla Matos Pinto (Torres Vedras), Marina Campos (Sintra)

Em 2024, celebramos meio século de liberdade e democracia em Portugal. Pelo carácter incontornável deste marco, decidimos dedicar esta 39.ª edição da nossa Sollicitare aos 50 anos do 25 de Abril. Importa lembrar e compreender a relevância desta celebração e de nos mantermos atentos e empenhados em proteger o que tanto custou a conquistar.

Nesta senda e procurando explorar o que significou o 25 de Abril no funcionamento e nos alicerces do sistema de Justiça, destaco a entrevista com José F. F. Tavares, Presidente do Tribunal de Contas, a quem muito agradeço pela abertura que deu à nossa equipa para conhecer esta que é uma das instituições mais importantes no garante de um Estado de Direito forte e saudável.

Um Estado de Direito cujos alicerces robustos se devem a muitos homens e mulheres que, ao longo dos (demasiados) anos de ditadura, fizeram da resistência uma bandeira e, em muitas casos, um propósito de vida levado até às últimas instâncias. Humberto Delgado foi um deles. Nesta edição, conhecemos o “General sem medo” pelas palavras de Frederico Delgado Rosa, seu neto e biógrafo.

O 25 de Abril de 1974 fez-se de palavras, mas também se fez de imagens. E, falando de fotografias, é impossível que, na nossa mente, não surja, entre outras, o icónico retrato do Capitão Salgueiro Maia, imortalizado pela objetiva de Alfredo Cunha. Nesta Sollicitare, falámos com o conceituado fotojornalista, responsável por algumas das imagens mais memoráveis do acontecimento.

E porque nem só de cravos se fez a História, quisemos também ouvir quem viveu esta época nas antigas colónias. A Eduardo Vera-Cruz Pinto, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e, também, membro do Conselho Científico do Instituto de Formação Botto Machado, só posso agradecer a generosidade de uma partilha que demonstra que ainda muito caminho há a percorrer para se cumprir Abril.

Ainda no âmbito desta edição comemorativa, destaque para as reportagens sobre o Museu Nacional Resistência e Liberdade, em Peniche, e o Quartel do Carmo, em Lisboa, espaços que são testemunhos vivos de um passado cuja preservação é essencial. Esta edição dá ainda destaque ao que marca a vida

Paulo Teixeira

Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

da nossa Ordem. Deixo apenas alguns exemplos: o Dia do Solicitador e o tanto que aconteceu por todo o país; a nossa eleição para integrar a direção da UIHJ e da UEHJ; a escolha de Portugal para acolher o próximo congresso internacional da UIHJ, previsto para 2027; e as Jornadas de Estudo dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, que terão lugar na Figueira da Foz, nos dias 20 e 21 de setembro, e que só farão sentido mediante a forte e tradicional adesão dos nossos associados.

E muito há a debater no que respeita ao futuro das nossas profissões. Ainda no passado mês de maio fui recebido pela Senhora Ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice. Ficou claro o interesse em continuar a contar com a OSAE e com os seus associados na construção de respostas que agilizem e melhorem o funcionamento da Justiça. Aliás, foi convicto do nosso papel, do papel da nossa Ordem, que, tendo em conta a norma transitória e escutando a vontade de alguns associados, não hesitei em recorrer àquela que é a força da democracia e, mediante uma proposta por mim apresentada, o Conselho Geral aprovou a convocação de eleições para dezembro deste ano.

Não poderia terminar sem falar de José Carlos Resende, que nos deixou no passado de mês de abril. De espírito revolucionário, defensor da democracia e da liberdade, eram muitas as histórias vividas e contadas. Foi com imensa tristeza que recebemos a notícia da partida do antigo Bastonário da OSAE, do companheiro de profissão e, acima de tudo, de alguém por todos admirado e reconhecido pelo tanto que fez pela nossa Ordem e pelas nossas profissões. O seu legado continuará vivo nesta Casa. A prova disso está na publicação de mais um número da Sollicitare, um projeto que tanto o apaixonava. Em nome de toda a Direção, de todos os Solicitadores e Agentes de Execução, muito obrigado. E, pelo tanto que lhe devemos e somos gratos, este número é dedicado a José Carlos Resende.

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José F. F. Tavares

Entrevista com o Presidente  do Tribunal de Contas

Fotografia capa Rui Santos Jorge

Quartel do Carmo. Onde, pelo futuro, se guarda o passado Reportagem

Eduardo Vera-Cruz Pinto

Entrevista com o Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Labor Improbus Omnia Vincit SOLLICITARE 39 / JUNHO – SETEMBRO 2024

Frederico Delgado Rosa

Entrevista com o neto e biógrafo de Humberto Delgado

Alfredo Cunha

Conversa com quem fotografou a Revolução

Reportagem

EDITORIAL 1

PROFISSÃO

e-Leilões: uma medida de sucesso! 12

A contínua simplificação da atividade administrativa em Portugal e a relevância do Solicitador! 33

Da Conversão do Arresto – Sua Caducidade 55

Breve reflexão sobre os novos conceitos de consumidor e de bens imóveis no Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro 59

Solicitadores ilustres

Carlos Pimenta 60

Tecnologia / As redes sociais e a criação de conteúdo jurídico: uma oportunidade? 62

OSAE

Jornadas de Estudo 2024

Figueira da Foz será palco do encontro promovido pela OSAE nos dias 20 e 21 de setembro 20

Dia do Solicitador 2024

A história de um dia que fica para a História 30

Ministra da Justiça recebe Bastonário da OSAE 32

“OSAE por perto”

Três eventos de sucesso voltam a juntar associados de todo o País 40

Conselho Regional do Porto 42

Conselho Regional de Coimbra 44

Conselho Regional de Lisboa 46

Conferências OSAE. Violência doméstica: o flagelo e as respostas em análise 56 Portugal vai acolher 26.º Congresso da UIHJ e passa a estar representado nas direções da UIHJ e da UEHJ 74

JOSÉ F. F. TAVARES

Presidente do Tribunal de Contas “O Tribunal de Contas contribui ativamente para ajudar a concretizar os direitos fundamentais dos cidadãos.”

À frente do Tribunal de Contas desde outubro de 2020, José F. F. Tavares viu a vida cimentar a sua ligação à academia, à gestão e à justiça financeira. E, 50 anos passados desde o 25 de Abril de 1974, recorda esse dia e os tempos que se seguiram como tendo sido de enriquecimento e aprendizagem. “Aprendizagem da liberdade e da responsabilidade que lhe é inerente”, sublinha, convicto de que “ser livre e responsável é (…) uma das dimensões mais nobres do ser humano”.

O Tribunal de Contas, “pilar estrutural” e “garantia da boa utilização dos recursos públicos que a todos nós pertencem”, acompanhou estes e outros tempos. Aliás, sentindo os desafios do País, esta é uma instituição que procura, todos os dias, mais e melhores formas de os superar e de, assim, corresponder. Nessa senda e encontrando “inegáveis benefícios” na transformação digital, projetos como a Plataforma Eletrónica de Prestação de Contas são apenas um exemplo de uma aposta feita em permanente cooperação institucional, nomeadamente com a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, instituição na qual vê “grande relevância para a vida social”. Uma aposta que, materializando a evolução em prol da defesa do rigor e da sustentabilidade das contas, mantém o foco e a missão: “o Tribunal de Contas, como guardião da boa aplicação dos recursos públicos, deve contribuir para a concretização dos direitos humanos, para a saúde da economia, para a realização da justiça financeira, para uma democracia sólida e para um Estado de Direito forte”.

Temos de começar pela pergunta mais óbvia: tendo em conta que esta é uma edição especial referente aos 50 anos do 25 de Abril, que memórias guarda do dia 25 de Abril de 1974 e desses tempos que se seguiram?

Em Abril de 1974, era um jovem de 17 anos, a concluir o ensino secundário e, portanto, já a pensar na vida universitária que se seguiria. Tive a consciência de que o nosso País iria sofrer profundas mudanças nos planos político, económico e social. Confesso, porém, que não imaginava que, nos cinco anos de universidade que se seguiram, iria viver um período tão rico de confronto e debate de ideias, ao mesmo tempo que o País ia fazendo o seu percurso, incluindo no processo de descolonização.

Diria que foi como viver num laboratório. Foi, sem dúvida, uma vivência única que muito me enriqueceu, um período de formação intensa em todos os domínios. Vivemos todos um tempo de aprendizagem permanente, incluindo a aprendizagem da liberdade e da responsabilidade que lhe é inerente. Olhando para o passado, creio que a minha geração teve a oportunidade de viver várias fases marcantes da vida do nosso País, com o enriquecimento que isso representa.

Esta data, que mudou o rumo do País, também teve reflexos no funcionamento e nos alicerces do sistema de Justiça?

Claramente! A Constituição de 1976 e a nova legislação que, ao seu abrigo, veio a ser aprovada ao longo dos anos, alterou profundamente o sistema de justiça. O próprio ensino do Direito foi evoluindo, parecendo-me que podemos afirmar que se tornou mais substancial e menos formal.

E quanto ao papel/missão do Tribunal de Contas, até pelo cariz austero do Estado Novo, esta instituição mudou muito durante a sua vigência?

O Tribunal de Contas, com esta designação, foi instituído em 1849. Anteriormente, começou por ser designado Casa dos Contos, formalizada em 5 de julho de 1389, sucedendo-se, nos séculos XVIII e XIX, o Erário Régio, o Tribunal do Tesouro Público e o Conselho Fiscal de Contas. Na 1.ª República, teve as designações de Conselho Superior da Administração Financeira do Estado e de Conselho Superior de Finanças, retomando a designação Tribunal de Contas em 1930. Comemoramos, neste ano de 2024, o 635.º aniversário

desta instituição. Penso ser correto afirmar que, ao longo destes seis séculos, a instituição procurou corresponder aos períodos de vida tão diferentes do nosso País. No Estado Novo, o Tribunal procurou assegurar o cumprimento da legalidade estabelecida, sobretudo através da fiscalização prévia e da verificação de contas.

Vivemos todos um tempo de aprendizagem permanente, incluindo a aprendizagem da liberdade e da responsabilidade que lhe é inerente.

Então também aqui se registaram impactos da transição democrática, nomeadamente com a Constituição de 1976?

Sem dúvida! Desde logo, a Constituição de 1976 é, de todas as Constituições que tivemos, a que definiu de uma forma completa o estatuto do Tribunal de Contas, considerando-o um órgão de soberania, tribunal supremo da jurisdição financeira e garantindo a sua independência.

Depois, a Assembleia da República aprovou várias reformas de grande relevância, em 1981, 1989, 1997 e 2006, que tornaram o Tribunal numa instituição moderna, verdadeiramente independente e apta a corresponder à complexidade da vida atual, sendo também muito respeitada na comunidade internacional dos Tribunais de Contas.

O Tribunal de Contas, através do seu Presidente, tem representação na Comissão Nacional das Comemorações dos 50 anos do 25 de abril. Isso também demonstra, de alguma forma, o quão indissociáveis são as Histórias do Tribunal e do País? É verdade. A convite do Senhor Presidente da República, o Presidente do Tribunal de Contas, bem como os Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, integra esta Comissão Nacional. Tem toda a razão em

perguntar se as histórias do Tribunal e do País não serão indissociáveis. São claramente indissociáveis! O Tribunal de Contas existe exclusivamente para servir o País, acompanhando a atividade administrativa e financeira pública, em ordem à melhor satisfação possível das necessidades públicas em todos os domínios, como a educação, a saúde, a segurança social e as infraestruturas. Nesta perspetiva, podemos dizer que, com a sua ação, o Tribunal de Contas contribui ativamente para ajudar a concretizar os direitos fundamentais dos cidadãos.

E, após todo este percurso histórico, o que é hoje o Tribunal de Contas?

Vejo o Tribunal de Contas como uma instituição indispensável, um pilar estrutural do Estado de Direito, uma garantia da boa utilização dos recursos públicos que a todos nós pertencem. Todos os Estados-membros da ONU têm um Tribunal de Contas ou instituição congénere.

Os Tribunais de Contas são instituições complexas e exigentes, que também têm de atuar pelo exemplo. O cumprimento da sua missão requer extrema ponderação. Acresce que a atividade dos Tribunais de Contas incide, sobretudo, sobre os titulares dos poderes públicos, sendo que, no nosso caso, prestam contas ao Tribunal mais de 6500 entidades e organismos públicos.

Quais os maiores desafios que se colocam em tempos como os que vivemos? A ânsia pelo imediatismo é um deles?

O Tribunal de Contas existe exclusivamente para servir o País, acompanhando a atividade administrativa e financeira pública, em ordem à melhor satisfação possível das necessidades públicas em todos os domínios, como a educação, a saúde, a segurança social e as infraestruturas.

O Tribunal tem o dever de velar pela boa gestão dos dinheiros, valores e património públicos, nos planos nacional, regional e local. Tal significa que os desafios do País são também os desafios do Tribunal, que está atualmente preocupado, por exemplo, com os recursos públicos aplicados no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas (ODS), no combate à desertificação e às alterações climáticas, no processo de digitalização, na construção de infraestruturas, na gestão da dívida pública, na aplicação dos fundos europeus e na sustentabilidade da segurança social. Como vê, é um mundo de preocupações. Embora os problemas imediatos sejam importantes, temos no Tribunal uma cultura de também pensar sempre na sustentabilidade a médio e a longo prazos.

Por falar em imediatismo, o papel escrutinador sai reforçado e, ao mesmo tempo, complexificado pelo avanço tecnológico permanente?

O avanço tecnológico e a transformação digital são processos irreversíveis e com inegáveis benefícios. Mas, como em quase tudo na vida, também têm riscos que importa diagnosticar e enfrentar.

A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução é uma entidade pública de grande relevância para a vida social.

Por exemplo, estou muito preocupado com a formação dos auditores e a sua preparação adequada para o mundo digital. E estou igualmente preocupado com a qualidade e a veracidade dos grandes volumes de dados que temos de analisar. Preocupa-me, ainda, a qualidade dos algoritmos que os geram e produzem.

Esta será, não tenho dúvidas, uma área que nos vai ocupar no futuro imediato.

E, apesar dos avanços na transição digital, ainda há um longo caminho no que à modernização, desmaterialização e simplificação administrativa diz respeito?

Eu diria que é um caminho sem fim, um caminho permanente, com fases sucessivas e que temos de acompanhar e viver. Se compararmos a situação atual com as situações de há 5, 10, 15 ou 20 anos, temos de concluir e reconhecer que houve uma evolução contínua para melhor. O caminho faz-se caminhando… Muito foi feito e muito há a fazer!

A OSAE é uma das entidades sujeitas a este escrutínio. Importa ver neste processo um selo que atesta o rigor e a sustentabilidade das contas, em detrimento da visão que toma esta etapa como um “obstáculo burocrático”?

A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução é uma entidade pública de grande relevância para a vida social. E também está sujeita a este escrutínio, como bem refere. O rigor e a sustentabilidade das contas são valores que muito prezo, constituindo um elemento significativo para tudo o mais.

Os Solicitadores e os Agentes de Execução têm um papel no combate a flagelos como a corrupção e o branqueamento de capitais?

Têm, sim! É por isso que, no âmbito do Conselho de Prevenção da Corrupção a que presidi, sempre considerámos que os Solicitadores e os Agentes de Execução deveriam, no âmbito da sua ação e das suas atribuições, ter um papel ativo na prevenção dos riscos de corrupção e branqueamento de capitais.

E, felizmente, verifiquei que as preocupações da Ordem eram as mesmas. Estou certo de que a OSAE continuará neste sentido.

Olhando, agora, para o seu percurso pessoal, de que forma descobriu que a sua vida passaria pela Justiça?

Há uma dimensão da minha vida de que muito gosto que é a académica. Obriga-nos a uma atualização permanente e o contacto com a Universidade e com os alunos é um enriquecimento contínuo. Por outro lado, a vida profissional permite aplicar os conhecimentos, servir, resolver situações, ser útil à sociedade de outra forma. Diria que, para mim, são dois lados complementares.

Durante cerca de 25 anos fui Diretor-Geral do Tribunal de Contas e senti-me realizado como gestor desta grande instituição. Agora, como Presidente, é um cargo completamente diferente, mas que igualmente me realiza. Esta ligação à academia, à gestão e à justiça financeira foi uma descoberta que foi sendo cimentada ao longo da vida, mas tem também muito a ver com as características da minha personalidade. Gosto muito do serviço público, ao qual dou também uma vincada dimensão cultural.

E que balanço faz do seu mandato à frente do Tribunal de Contas?

Não sou o melhor julgador de mim próprio. Ninguém é! De qualquer modo, tenho desempenhado o meu mandato com todas as minhas forças e da melhor forma que posso e sei, procurando sempre agir com independência, isenção, imparcialidade, sentido ético e dando o exemplo.

Tenho lutado pela existência de um Tribunal uno e coeso na diversidade das suas cinco Câmaras ou Secções, que conjugue tradição e modernidade, numa contínua busca de respostas para a boa governação pública. Um Tribunal que atue com independência, sabedoria, solidez e pedagogia. E, no plano interno, que seja uma casa em que todos se sintam felizes, livres e responsáveis.

Neste contexto, têm sido tomadas muitas medidas de organização interna, de aperfeiçoamento do planeamento, outras sobre a realização das ações de fiscalização, de cooperação na União Europeia e internacional, bem como sobre a auditoria de organizações internacionais.

Aproveito para referir que, após concurso público internacional, dirigido aos Tribunais de Contas dos Estados-membros dessas organizações, o Tribunal foi escolhido para ser auditor externo de três organizações internacionais muito importantes: o Conselho da Europa, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN).

50 anos passados e continuando o tempo a correr, sente que também está nas mãos do Tribunal de Contas a defesa de uma liberdade plena? Justiça e economia são dois pilares dos quais dependem a saúde e a vitalidade da nossa democracia?

Agradeço a sua pergunta, que é de um grande alcance e profundidade. A liberdade é realmente um dos maiores valores da nossa vida. É como o ar que respiramos e também é o fundamento de um outro princípio que é o da responsabilidade. Ser livre e responsável é, certamente, uma das dimensões mais nobres do ser humano. A liberdade, o poder e a autonomia são as fontes e os pressupostos da responsabilidade.

Voltando à sua questão, diz muito bem! O Tribunal de Contas, como guardião da boa aplicação dos recursos públicos, deve contribuir para a concretização dos direitos humanos, para a saúde da economia, para a realização da justiça financeira, para uma democracia sólida e para um Estado de Direito forte.

e-Leilões: uma medida de sucesso!

Susana Antas Videira

Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

No momento em que, sobre Abril, se cumprem cinquenta anos, parece-nos oportuno dedicar algumas linhas a uma medida que tem contribuído para a modernização, transparência e eficácia do sistema de Justiça: o e-Leilões!

Em termos de enquadramento normativo, cumpre recordar que o Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, veio determinar, no artigo 837.º, que, excecionados os casos referidos nos artigos 830.º e 831.º, a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita, preferencialmente, em leilão eletrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

Regulamentando esta disposição legal, a Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, consagra os termos da venda em leilão eletrónico de bens penhorados. Assim, e atendendo, em particular, ao disposto nos artigos 20.º e 21.º deste diploma, o Despacho n.º 12624/2015, de 9 de novembro, da Ministra da Justiça, procedeu à definição da então Câmara dos Solicitadores, hoje Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), como a entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico, homologando as regras do sistema aprovadas por essa entidade.

Neste contexto, e ainda como nota de enquadramento, importa salientar que a esmagadora maioria dos processos de execução são tramitados por agentes de execução através da referida solução de leilão eletrónico - a plataforma e-Leilões -, que veio agilizar, com total transparência e custos muito reduzidos para as partes, o processo de venda que o CPC determina como preferencial.

Ao mesmo tempo, esta solução de venda no domínio da ação executiva assegura a completa independência no ato da venda, criando condições para a maximização do valor dos bens, a fim de beneficiar todos os agentes processuais.

A informação estatística disponível atesta isso mesmo, oferecendo sinal relevante do sucesso desta solução de venda, que alia a eficácia à tutela dos direitos de todos os envolvidos no processo de venda coerciva de bens.

Com efeito, desde o lançamento da plataforma, em 2016, foram realizadas mais de 900 mil licitações e vendidos mais de 37 mil bens, que permitiram a recuperação de três mil milhões de euros em dívidas, registando-se, ademais, um crescimento muito expressivo do número de visitantes e potenciais utilizadores, que, em 2023, atingiu o número impressionante de 3,2 milhões.

Em linha com o disposto no respetivo enquadramento normativo, a plataforma www.e-leiloes.pt, criada para a venda por agente de execução em leilão eletrónico, poderá ser utilizada – e assim tem, de facto, sucedido - para a realização de leilões no contexto de outros processos, estando preparada para acolher a atividade de outros profissionais, como sejam os administradores judiciais e os oficiais de justiça que atuem como agentes de execução, sendo ainda possível realizar leilões no âmbito do Gabinete de Administração de Bens, a funcionar junto do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P (IGFEJ).

No seu processo de criação, o e-Leilões surge em prossecução das atribuições

que o Estado delega numa associação pública profissional – a OSAE, estando submetido, em nome da transparência, a bem mais do que um mero processo de acreditação.

E nesta nota está, indubitavelmente, um dos principais merecimentos desta solução.

Por outro lado, em concretização da disciplina legal e regulamentar constante dos normativos antes citados, a OSAE procedeu ao desenvolvimento do webservice em estreita articulação, em particular, com os serviços competentes do Ministério da Justiça, com especial destaque para o IGFEJ.

Efetua, também, um rigoroso escrutínio da regulamentação aplicável, aliando a eficácia à garantia da certeza e segurança jurídicas.

O rigor e a transparência na descrição dos bens, resultado de uma exigente formação e de uma fiscalização eficaz sobre os profissionais que a realizam, asseguram, de modo particularmente enfático, a proteção dos direitos dos licitantes.

Parece-nos, pois, inequívoco que as principais vantagens da venda por leilão eletrónico são a transparência do ato de venda, uma vez que o público em geral tem acesso ao seu conteúdo à distância de um clique, o rigoroso escrutínio e a exigente regulamentação, a valorização dos bens, promovida pelo maior número de interessados que surge na plataforma onde se realiza o leilão, o que impulsiona o valor pelo qual o bem, mormente o imóvel, irá ser vendido, e a maior celeridade na tramitação e concretização da venda executiva.

Consequentemente, o inegável sucesso da plataforma e-Leilões, associado às suas reconhecidas fiabilidade e confiança, também deriva da transparência que o regime normativo e o desenvolvimento informático, feito em concretização desse mesmo regime, lhe imprimem, sem prejuízo, naturalmente, da proteção dos dados que devem ser salvaguardados.

Assim, são medidas como o e-Leilões, tomadas em diálogo e com espírito de abertura, mas também com rigor e competência, que potenciam o incremento da eficiência do sistema de Justiça, assegurando a desburocratização de métodos ultrapassados, a simplificação de procedimentos, a diminuição da pendência em atraso e das vias de bloqueio.

São, portanto, medidas como o e-Leilões a chave para reforma da Justiça, que se afirma necessária, e, sobretudo, o caminho para a modernização, eficiência e celeridade, representando vias mais seguras para promover a transparência e a defesa dos direitos, colaborando, desta forma, para que a Justiça de Abril se possa, finalmente, cumprir!

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Quartel do Carmo Onde, pelo futuro, se guarda o passado.

Hoje, no Largo do Carmo, avistam-se turistas vestidos de olhar atento e deslumbrado, moradores de passo acelerado, concentrados nos seus afazeres, comerciantes que se preparam para mais um dia ou, simplesmente, tantos que, por mero acaso, ali passam numa manhã de sol, como tantas outras, e em que os jacarandás já pintam a cidade de roxo. Mas, no dia 25 de Abril de 1974, quando a Revolução aconteceu e a Liberdade regressou, o cenário era bem diferente e ninguém estaria ali por mero acaso. Tão diferente, tão mais cheio de gente e emoções. Do medo à esperança, aquela multidão, com e sem farda militar, ao redor do Quartel do Carmo, queria ver a mudança chegar. E queria mesmo que ela, finalmente, chegasse.

REPORTAGEM

Texpositivo vai contando uma história. Um circuito cronológico, mas também temático, nomeadamente no que toca às várias valências que a Guarda Nacional Republicana foi adquirindo ao longo do tempo, principalmente após o 25 de Abril. Aí a Guarda começa a modernizar-se e a abrir-se para o exterior. Prova disso é este museu, tal como o arquivo e a biblioteca, espaços abertos ao público”, assinala o Major António Cardoso, Chefe da Divisão de História e Cultura da Guarda.

E, neste caminho, que atravessa séculos e está gravado em azulejos pintados, memórias e coisas que o tempo poupou, embora menos, continua a ser preciso recuar no tempo para compreender a origem da GNR. Desta vez, até ao terramoto de 1755, quando foi necessário garantir uma resposta perante o clima de insegurança que assolava Lisboa. “Criado o cargo de Intendente-Geral, era preciso operacionalizá-lo. E teria de ser feito mediante a profissionalização de uma força de segurança, neste caso, militar. Portanto, em 1801, foi criada a Guarda Real da Polícia. O Tenente-Coronel Jean Victor foi o seu primeiro Comandante e o Quartel do Carmo é indicado como o seu Quartel-General e local da sua residência”.

odos os anos, por esta altura de festejo e reflexão, desce-se a Avenida da Liberdade e abrem-se as portas do Quartel do Carmo. Ao longo destes dias, além do museu, há mais para percorrer e conhecer num espaço que continua a ser morada para a Guarda Nacional Republicana (GNR) e onde também se conta e escreve a História do país. Antes, durante e depois do dia 25 de Abril de 1974. Literalmente. “Nós temos um espaço que conta uma História com cerca de 600 anos. Falamos do antigo Convento do Carmo, mandado erigir por Nuno Álvares Pereira, em 1389. E por isso é que o circuito do museu começa com um núcleo referente à pessoa que foi Nuno Álvares Pereira, para explicar o espaço em que está instalada a Guarda Nacional Republicana. E o circuito No entanto, o Comando-Geral só transita da Calçada do Combro para o Quartel do Carmo no período das Guardas Municipais, em 1845. E por aqui ficou até aos dias de hoje, embora muito tenha mudado, nomeadamente após a implantação da República, em 1910, e, também, com o fim do Estado Novo. Um fim que, contrariamente ao que seria expectável, passou por aqui, pelo Quartel do Carmo. “Imprevisivelmente, Marcello Caetano decide refugiar-se nas instalações do Quartel do Carmo. Porque, a 16 de março do mesmo ano, aquando do Golpe das Caldas, uma tentativa de golpe frustrada, ele havia optado por se refugiar em Monsanto. Só que como a PIDE não tinha a certeza de que lado estaria a Força Aérea, decidem ficar sob a proteção de uma força do regime. E tudo muda. Os holofotes centram-se sobre o Quartel do Carmo.”

E assim foi. Marcello Caetano aqui entrou ainda durante a madrugada, cerca das 05h30. Por aqui permaneceu durante 14 horas. E até aqui rumou a coluna de Salgueiro Maia, vinda do Terreiro do Paço. De repente, tudo poderia acontecer e nem isso afastava as pessoas que ali queriam estar. “Cercam o Quartel do Carmo e começam as várias tentativas de exigência da rendição de Marcello Caetano. Muitos dos militares tinham aqui a sua residência e as suas famílias. O próprio Comandante-Geral da altura residia cá com a sua família. E isso causava ainda mais preocupação. Os momentos de tensão foram muitos... Houve três ordens para que se abrisse fogo sobre o Quartel, só duas é que se efetivaram e isso está espelhado nos vestígios que ficaram nos livros baleados. E outros objetos, como uma cadeira.” Objetos que é possível ver ao longo destes dias, numa das salas que, sem esforço, transporta os visitantes até àquele dia.

“Poderia ter sido diferente.

E há aqui uma peça fundamental que é o Capitão Salgueiro Maia. A sua verdadeira arma foi o megafone. Foi a comunicação.

Foi o diálogo.”

MAJOR ANTÓNIO CARDOSO, CHEFE DA DIVISÃO DE HISTÓRIA E CULTURA DA GNR

Um dia em que as balas deram lugar a flores. E as armas foram outras. “Não esqueçamos que, se a terceira ordem para abrir fogo tivesse sido cumprida, esta teria sido muito mais musculada. Ou seja, poderíamos não estar aqui a contar esta história. Poderia ter sido diferente. E há aqui uma peça fundamental que é o Capitão Salgueiro Maia. A sua verdadeira arma foi o megafone. Foi a comunicação. Foi o diálogo. (…) Apenas um oficial da GNR saiu do Quartel e garantiu as conversações. E as imagens revelam que não havia qualquer conflito. Eram militares a falar com militares. Ou seja, muito se conseguiu pela comunicação. Conseguiu-se uma solução pacífica. Conseguiu-se uma revolução em que as próprias armas, as G3, tinham cravos”.

“Temos

de continuar a transmitir os valores do 25 de Abril às gerações vindouras. (…) O Museu da Guarda Nacional Republicana, além da mensagem e da História da GNR, também tem a missão de passar esta mensagem do 25 de Abril.”

É Salgueiro Maia que entra no Quartel e vai ao encontro de Marcello Caetano para tomar conhecimento da sua intenção de se render, mediante o cumprimento de uma exigência: o poder ser entregue a uma patente mais elevada das Forças Armadas. Assim surge a necessidade de chamar o General António Spínola. “Não foi por acaso.” Aliás, “pela sua ligação à GNR, conhecia bem o Quartel e rapidamente chegou até ao Gabinete. (…) A partir daí, conta-se a história que todos conhecemos. Aqui entrou a chaimite Bula, mas só a parte traseira! E esta leva Marcello Caetano até à Pontinha, tendo, depois, seguido para o aeroporto”.

Muito mudou. Mas muito ficou apenas mais visível, mais transparente. “Após o 25 de Abril, ficou claro que havia quem quisesse esta mudança. Mas também houve resistência e seguiu-se um período conturbado, que durou até ao 25 de Novembro.” Todavia, 50 anos passados, a cada 25 de Abril, o Largo continua a encher-se de gente. Uns festejam o que viveram há 50 anos, outros festejam o que podem viver graças ao que se viveu há 50 anos. “Os números de visitas demonstram que o 25 de Abril está vivo. E foi aqui que aconteceu um momento alto, a transição, que marca o fim de um regime autoritário. Vivemos tudo isto como muita emoção.”

Presente em tanto do dia a dia dos cidadãos e do país, a Guarda Nacional Republicana, ao manter este museu e ao abrir, todos os anos, as portas deste Quartel, abraça ainda uma outra missão. Uma missão tão indescritível quanto a vista que, com contornos de tela e marcas do passado, se revela naquela varanda do Quartel do Carmo, a partir da qual também o futuro se pode avistar: “Temos de continuar a transmitir os valores do 25 de Abril às gerações vindouras. Porque uma forma de preservar as memórias é a sua transmissão às novas gerações. E estas instalações têm uma enorme importância. Qualquer museu tem uma mensagem a passar. O Museu da Guarda Nacional Republicana, além da mensagem e da História da GNR, também tem a missão de passar esta mensagem do 25 de Abril. Aliás, temos aqui, à nossa guarda, uma cápsula do tempo, entregue pelo Senhor Presidente da República, que será aberta no centenário da Revolução e que contém cartas, desenhos e contributos de várias escolas. Somos um pouco os guardiães do legado do 25 de Abril”.

Jornadas de Estudo dos Solicitadores e dos Agentes de Execução 2024

Figueira da Foz será palco do encontro promovido pela OSAE nos dias

20 e 21 de setembro

A edição de 2024 das Jornadas de Estudo dos Solicitadores e dos Agentes de Execução vai acontecer nos próximos dias 20 e 21 de setembro, na cidade da Figueira da Foz. Assim, este encontro, promovido pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e que, em anteriores edições, já juntou mais de 400 associados, contará com a Ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, na sua abertura e terá lugar no emblemático Centro de Artes e Espetáculos.

“Tendo as Jornadas de 2023 ocorrido em Lisboa, sede de um dos três Conselhos Regionais da nossa Ordem, e procurando, efetivamente, descentralizar e aproximar a Ordem dos seus associados, quisemos que a edição deste ano pudesse acontecer num território abrangido pelo Conselho Regional de Coimbra. A Figueira da Foz, a par dos argumentos óbvios, que passam pela beleza da cidade e pelos bons acessos, apresentou condições muito favoráveis para mais uma organização de sucesso das nossas Jornadas. Um evento com passado, com tradição, mas também com futuro. E sempre com espírito construtivo. Por tudo isto, será uma honra podermos contar com a Senhora Ministra da Justiça na sua cerimónia de abertura, designadamente numa edição que corrobora a união da classe ao, pela primeira

vez, juntar solicitadores e agentes de execução numa mesma sala ao longo de todo o evento”, sublinhou o Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira.

O processo de inscrição também traz novidades, mediante a disponibilização de diferentes modalidades, incluindo participação, refeições e alojamento, bem como o procedimento inerente à acreditação e à consulta da informação associada a cada participante. “Além do que tem de ser um natural investimento na transição digital e na redução do impacto ambiental decorrente da organização destas iniciativas, quisemos apostar na modernização. Assim, estas Jornadas terão uma aplicação, a partir da qual os participantes poderão acompanhar todas as notícias, consultar a sua informação e, durante o evento, aceder a todos os elementos como programa, oradores, refeições e alojamentos”, explicou Duarte Pinto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Diretor do Instituto de Tecnologia e Inovação da OSAE e membro da Comissão Organizadora das Jornadas.

Ao longo destes dias, haverá três grandes temas em análise, num programa cujo formato também terá alterações, “tendo em vista torná-lo mais dinâmico e

mais capaz de envolver todos os participantes. Desta forma, haverá painéis mais dirigidos às áreas de intervenção de solicitadores e agentes de execução no âmbito destas matérias, bem como espaços em que contaremos com a experiência e a perspetiva de especialistas reconhecidos. Haverá ainda um grande debate, em que nos focaremos nas reformas urgentes, oportunidades para analisar e dar a conhecer projetos e iniciativas e um momento mais prático, mais descontraído e mais ligado a algo que tem de nos preocupar cada vez mais: a saúde e o bem-estar dos nossos associados, em todas as dimensões. Mas, sobre isso, ainda teremos de guardar algum suspense”, revelou Edite Gaspar, 2.ª Vice-Presidente do Conselho Geral e Presidente da Comissão Organizadora. Como sempre, os momentos de convívio farão parte de mais uma edição das Jornadas de Estudo e terão espaço reservado no programa. Para lá das fundamentais pausas para um café e dois dedos de conversa, os almoços e jantar convidarão à descontração e deixarão, certamente, boas memórias.

“Os eventos promovidos pela OSAE são reconhecidos pela sua qualidade, pela sua amplitude temática, pelo seu carácter inovador, pelos ilustres

oradores que trazem a palco… Esse legado importa e queremos garantir a sua continuidade em mais uma iniciativa. Mas, para isso, há algo que não pode mesmo faltar: a participação dos nossos associados. Porque o que fazemos só tem sentido com os nossos associados. É, aliás, com este apelo que quero terminar: inscrevam-se, participem e façam parte destas Jornadas que são, também, uma plataforma de afirmação e projeção dos solicitadores e dos agentes de execução nos debates sobre as grandes questões que se colocam a cada momento. E são tantas as questões que se colocam neste tempo especialmente desafiante que o mundo atravessa. Não tenho dúvidas: a OSAE, os solicitadores e os agentes de execução podem e querem continuar a fazer a diferença na resposta a essas questões”, concluiu o Bastonário da OSAE. Para ficar a par de todas as novidades, nomeadamente sobre o processo de inscrição, acompanhe-nos em www.osae.pt e através das redes sociais da OSAE.

“Cheguei ao curso de Direito não para fazer justiça, mas sim para compreender a injustiça.”

EDUARDO VERA-CRUZ PINTO

Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

ENTREVISTA ANA FILIPA PINTO / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA

Meio século passado desde a Revolução dos Cravos e uma hora de conversa depois, com Eduardo Vera-Cruz Pinto, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, fica a certeza: ainda há cravos por nascer e revoluções por acontecer. Viveu o 25 de Abril de 1974 em Angola e uma descolonização que, a seu ver, chegou tarde. E que, apesar de ter chegado, nunca chegou ao fim. Há memórias que não cicatrizam, há histórias que magoam só por nelas se ousar pensar. E há a convicção de que tudo poderia ter sido diferente. Uma convicção que se renova quando olha para a atualidade: tudo pode ser diferente.

Hoje, numa faculdade onde, conforme explica, o conservadorismo acaba desconstruído no estudo atento dos clássicos, também a austeridade da sala deixa de assustar perante a sua atitude. Tranquilo, sorridente.

E sentindo que é essa a sua missão - estar próximo -, mantém as portas daquela ala sempre abertas. Acredita que, assim, será mais fácil os alunos não escolherem outro caminho perante os desafios cuja superação não está nos livros, não depende do estudo. E é isso que quer: que as pessoas possam entrar. Que a faculdade seja mais do que aulas e exames. Que, ali, numa incubadora do que alimenta a democracia, se combata, diariamente, a desigualdade e se pense (e questione), permanentemente, em liberdade.

Como é que viveu o 25 de Abril de 1974? Quais as memórias que guardou?

O 25 de Abril apanhou-me entre os 13 e os 14 anos. Estava em Angola. A minha mãe era professora do ensino básico e o meu pai era escrivão no tribunal. Sendo eu filho, bisneto, trineto de cabo-verdianos, a família sempre teve algum contacto com a política. E, aos poucos, ainda antes da revolução, fomos ganhando consciência das coisas. Por isso, sempre houve alguma consciência política. Quando se deu o 25 de Abril, a verdade é que Luanda ficou muito diferente do que era. Primeiro, foi a abertura. Depois, a chegada dos movimentos de libertação à cidade. E, finalmente, uma guerra civil. Não gosto de falar muito disso… Apanhei a guerra, fiz o que pude e vim embora. Cheguei a Lisboa como refugiado, fiz a minha vida o melhor possível. Os meus pais vieram depois.

Antes dessa data, a vida era em Luanda ou também era partilhada com Lisboa?

Não, acho que só tinha vindo uma vez a Lisboa. Como sabe, no regime colonial, os funcionários públicos portugueses tinham direito a vir à metrópole. Os funcionários públicos, que não eram da metrópole, não tinham direito à licença. O meu pai era funcionário público, mas não podia ir à terra dele, porque era de Cabo Verde. Não lhe era paga essa deslocação. Portanto, viemos uma vez a Portugal. Não tenho assim grande memória disso.

Se, em Portugal, se falava numa panela de pressão que, a 25 de Abril, rebentou, nas antigas colónias, tínhamos um vulcão em ebulição? Qual era o clima pré-revolução?

Nunca tive grande convivência com metropolitanos. Isto é, os portugueses que estavam em Angola viviam uma vida completamente descontraída. Acho que grande parte deles nem tinha consciência de que vivia numa sociedade colonial. Claro que todo o colonialismo tem uma componente racial. Não vale a pena esconder isso, é assim. E até por causa das conversas havidas recentemente, com certeza que esse passado colonial se projeta no nosso presente. A sociedade colonial era uma sociedade estratificada, ditatorial, vivia-se em guerra. Há uns que desvalorizam muito as coisas, acham que estava tudo bem. Outros acham que estava tudo mal. É preciso entender uma coisa: Portugal devia ter iniciado o processo de descolonização muito tempo antes. Em virtude de ter um governo ditatorial e um governante que não estava muito a par do mundo, creio eu, Portugal ateou isso com uma guerra. Só que, como dizem os livros, as guerras são para dar tempo aos políticos para resolverem os problemas. Isso era uma boa lição para a Europa de hoje. A Europa acredita em algumas coisas, estão a fazer passar para a opinião pública europeia um determinado tipo de quadro em que as guerras são resolvidas no

campo de batalha, mas não é verdade. As guerras são resolvidas no plano político, conversando. E se soubermos conversar, evitamos muita confusão. O que aconteceu naquela altura era que se conversava pouco. A forma como Portugal viveu a revolução e o PREC refletiu-se em Angola. As Forças Armadas substituíram os homens que lá estavam por outros. Esses outros eram doutrinados aqui em Portugal (se bem me lembro, chamava-se SUV –Soldados Unidos Vencerão). Foram esses soldados que, depois, foram doutrinados aqui e que encaravam todos os portugueses como exploradores e a população local como explorada. Foram doutrinados politicamente e esse preconceito não ajudou nada, porque muita população portuguesa não foi protegida pelas suas próprias Forças Armadas. E, ao contrário do que se diz, não correu bem. Não se ouvem as pessoas que passaram por isso. Continua a haver alguns estereótipos na sociedade portuguesa sobre essas pessoas. Em relação aos portugueses, tirando aqueles que sabiam e que fizeram fortuna, o que eu vi foi, sobretudo, gente aflita, a querer salvar a vida e fugir. E muitos deles não conseguiram fugir. E muitas meninas foram vítimas das piores violências.

As guerras são resolvidas no plano político, conversando.

E se soubermos conversar, evitamos muita confusão. O que aconteceu naquela altura era que se conversava pouco. A forma como Portugal viveu a revolução e o PREC refletiu-se em Angola.

Ficou uma ferida aberta e a sensação de que tudo podia ter sido feito de outra forma?

Podia, por duas razões. Primeiro, as coisas deviam ter sido feitas quando os movimentos de libertação pediram para conversar. Era a altura adequada. Portugal, teimosamente, achou que podia aguentar aquela ideia do Portugal multirracial e pluricontinental, aquelas ideias “do Minho a Timor”. Depois houve uma rotura, que foi revolucionária, que causou uma rotura da ordem estabelecida, instabilidade e, logo no 1.º de Maio, apareceram os primeiros cartazes “Nem mais um soldado para África”. E, claro, as situações foram de grande rotura. Não se pode ter uma criança no colo durante tantos anos e, de repente, pô-la no chão e esperar que ela ande sozinha.

Descolonizar não é dar independência. Descolonizar é retirar aquilo que a colonização colocou e que está errado. O que está bem fica, o que está errado tira-se.

Talvez essa seja a conversa que falta ter: quando é que a descolonização começa? É verdade que Portugal começou a falar nisso, talvez da pior maneira. Porque não foi ninguém das antigas colónias, nenhum dos Estados que ascendeu à independência que tocou nesse assunto. Agora, se os portugueses querem fazer essa conversa… Há coisas que não têm trauma nenhum. Alguém se opõe a que a máscara de um rei, que foi apreendida numa ação militar, seja agora devolvida? “Ah, mas está aqui no Museu…” Pronto, podem deslocar-se a Luanda e ver no sítio onde ela deve estar. Acho que ninguém se opõe a isso. Por outro lado, como já disseram várias pessoas, a melhor forma de Portugal lidar com o seu passado começa por falar dele numa pluralidade de narrativas. Ninguém está à espera que a leitura dos mesmos factos seja igual para todos. Há factos que são ajuizados de uma maneira e outros são ajuizados de forma diferente. Isso está relacionado com a narrativa da História. Mas não se confunda memória com História. A História é feita com fontes, com uma base científica, com narrativas plurais. E como é que se ensina esse passado nos programas escolares? Tem de se começar por aceitar narrativas plurais, por aceitar quais são as fontes relevantes, por fazer uma coletânea de fontes. Depois, há uma coisa importantíssima: ajudar a vencer os preconceitos é começar a tratar as pessoas com os direitos que elas têm. As pessoas que estão cá, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), não podem ser sujeitas a tratos de burocracia que ninguém compreende.

É essencial que a lei reflita aquilo que é a História? É, claro. Repare: o Direito e a Lei são coisas diferentes. Nem sempre as leis refletem as regras do Direito. Aliás, quase nunca refletem. Claro que, pelas regras jurídicas, todas as pessoas, que têm nacionalidade desses Estados, deveriam ser tratadas com estatutos equiparados aos portugueses. Primeiro, porque isso geraria reciprocidade. Quanto mais Portugal cuidar de desburocratizar esses processos de permanência, vistos de residência, acesso ao emprego, acesso aos direitos fundamentais, como a saúde, a educação, a cultura… Mas nós notamos muita conversa e pouca ação. Há tanto caminho a fazer. E uma boa forma de comemorarmos os 50 anos do 25 de Abril seria fazer com que todos os cidadãos dos países que foram colónias de Portugal se sentissem em Portugal como se sentem em sua casa. Como, certamente, esses países querem que os portugueses se sintam nos seus países. Era tão bom que assim fosse. Mas há sempre alguém que arranja uma boa explicação para assim não ser. Talvez fosse melhor uma antipatia eficaz do que uma simpatia ineficaz.

Foi isso que o fez apaixonar pelo Direito? Esta possibilidade de estudar a solução, a resposta… Era para ter sido veterinário. Sempre quis ser veterinário. A minha vida era no campo, queria ter uma fazenda e queria ser veterinário. Até quando vim de Angola, a primeira coisa que fiz foi a admissão à Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra. E até fui admitido. Depois começou a confusão, começou a guerra, começou uma interrupção de vida por mais de um ano e meio e, quando tentei retomar as coisas, as coisas já não eram as mesmas. Olhei para as minhas possibilidades e escolhi Direito, porque achava que era possível fazer coisas diferentes. Repare, grande parte dos africanos, numa geração que foi a minha, despiu os calções e vestiu camuflados. Isso acaba por marcar muito aquela transição da infância para a idade adulta. Nós não tivemos propriamente uma adolescência. Fomos obrigados a tornarmo-nos homens depressa. Mas nós, naquela altura, acreditávamos que podíamos mudar o mundo. Acreditávamos que as pessoas podiam ser mais iguais e que África tinha um papel no mundo, que ainda não tem, que o apartheid podia terminar no dia seguinte. E eu achei que estudar Direito era a melhor forma de compreender a injustiça. Cheguei ao curso de Direito não para fazer justiça, mas sim para compreender a injustiça. Os corpos envelhecem, mas as ideias não.

Chega aqui, à Faculdade de Direito, com essa mesma vontade de fazer coisas diferentes?

Cheguei à Faculdade de Direito e, uns anos depois, puseram-me na direção. Trabalhei com o Professor Jorge Miranda, com o Professor Sousa Franco, trabalhei com quase todos os grandes diretores da faculdade e aprendi muito com eles. De uns fui assessor, de outros fui subdiretor. Portanto, fiz muitos anos na subdiretoria e cheguei a diretor quase numa sequência normal das coisas. Era eu que conhecia melhor a escola. E tive a felicidade de ter sempre boas relações com os meus colegas. Fui diretor durante 10 anos, quando o Estatuto dizia que só podia ser quatro. Depois saí, estive 10 anos fora. Mas dediquei a vida inteira à Faculdade de Direito e achava que o meu contributo podia ser útil para fazer com que a faculdade continuasse a ser uma instituição de referência no ensino do Direito, quer em Portugal, quer no mundo de fala portuguesa. E fui eleito por uma maioria de alunos e de funcionários para ser diretor da faculdade. Estou a fazer o que posso para que a Faculdade de Direito esteja sempre a dar o exemplo às outras instituições que ensinam Direito, para que seja uma referência para quem queira estudar Direito.

Uma boa forma de comemorarmos os 50 anos do 25 de Abril seria fazer com que todos os cidadãos dos países que foram colónias de Portugal se sentissem em Portugal como se sentem em sua casa.

Nós ainda vivemos muito na ansiedade de criar e de fazer novo, esquecendo a importância de resolver o que possa estar menos bem no que já existe?

Quando somos novos e temos alguma educação política, a única hipótese é sermos revolucionários. Quando somos novos, acreditamos em roturas. Achava que as coisas deviam caminhar para o rompimento, porque o mundo era demasiado velho para ser restaurado. Aos poucos, começamos a ganhar consciência do preço que se paga pelas roturas. Não quer dizer que todos os revolucionários se tornem reformistas, mas a forma de atingir as metas muda. Por isso, acredito que podemos dar sempre uma grande vantagem ao novo, embora nem tudo o que seja novo seja bom. No entanto, acredito que tudo o que seja novo tenha de ser experimentado.

Uma das revoluções que ainda tem de se cumprir no ensino superior passa por garantir instituições verdadeiramente integradoras?

Está a falar com a faculdade que é considerada a mais conservadora, até porque é clássica. Eu entendi sempre que os clássicos têm a abertura suficiente para encaixar as coisas novas, sobretudo as que não compreendem. Porque encaixar um mundo compreensível é fácil. Um novo escabroso, escandaloso, esse novo é sempre mais difícil, sobretudo para quem é conservador. Mas quem lê os clássicos não é, certamente, conservador. Está lá tudo. Talvez a Europa esteja agora muito subserviente aos norte-americanos e à cultura anglo-saxónica. Se conseguíssemos voltar a ensinar as bases da cultura europeia, os

europeus estariam muito mais prevenidos, muito mais resistentes a coisas que chegam de fora, que aparecem aqui e que ninguém contradiz, ninguém resiste. E, por isso, falta dimensão universitária a muitos protagonistas universitários, talvez a começar por mim. A dimensão universitária é uma grande abertura para os outros, uma grande abertura para o mundo. E a universidade tem de ser toda ela repensada. Não há espírito crítico, as pessoas não estão para se aborrecer. A crítica é mal vista. A Faculdade de Direito não é uma escola de democracia? Não deve instigar o contraditório?

Quando concluiu a sua licenciatura, em 1985, a faculdade e o ensino superior eram mais este espaço de encontro, debate e diálogo? Era mais um espaço político?

Fiz o curso na Universidade Católica, sempre a jogar à bola e a tocar num conjunto. Não fui sedentário na escola. Fui pai cedo, já tinha responsabilidades e isso obrigou-me a trabalhar sempre. Sempre trabalhei e estudei, sempre paguei as minhas propinas, com a ajuda dos meus pais. E a Universidade Católica tinha as orais obrigatórias, era preciso estudar bastante. Além disso, naquela universidade, havia muitos estudantes de Angola. A Católica era um lugar de convívio. Por isso, a minha passagem pela Universidade Católica foi muito mais marcada pela militância política nas questões ligadas a Angola e a Cabo Verde, no plano cultural. Estudava para fazer exames, mas a minha vida era mais ligada à política.

Enquanto espaço político… Foi pelas universidades que passou muita da resistência ao Estado Novo… Aqui [na Faculdade de Direito], sim. Nestas celebrações dos 50 anos estamos a pensar fazer um livro que apresente as 50 mulheres mais importantes da resistência ao Estado Novo que saíram daqui, assim como dirigentes dos movimentos de libertação, presos políticos. Grande parte daquilo que foi a luta da resistência ao Estado Novo está estudada. O que está menos estudado são aqueles que não apareceram e que, de uma forma anónima, fizeram grandes sacrifícios. Na sua maioria, foram mulheres que ficaram sempre na retaguarda. Foram elas que permitiram passagens de informação, transmissão de documentos… E ficaram no anonimato e andamos agora à procura dessas célebres anónimas para ver se conseguimos dar-lhes alguma visibilidade. Aquilo que mais custa, nas ditaduras, é a invisibilidade. Há muita invisibilidade. A resistência, em ditadura, é facilmente identificável. Em democracia, é muito mais difícil. E nós temos democracias que não cumprem nada daquilo que devem ser, sobretudo enquanto Estados de Direito, promotores de igualdade, justiça, de acesso aos direitos. Quando se fala, por exemplo, de direitos das mulheres, fala-se das quotas. A quota é uma solução conjuntu-

ral. Não se muda uma mentalidade com quotas. Mudar mentalidades custa muito. Estamos a fazer regressões significativas. Há discursos que já não eram tolerados e agora são, há tentativas de voltar atrás em muitas coisas. Aqui, na faculdade, temos de ter essa preocupação de falar das coisas sem clivar.

A verdadeira compreensão das coisas é decisiva?

É, mas não está fácil.

Acredito que só são livres as sociedades que têm boas escolas. A faculdade pode fazer a diferença se soubermos dar, a estas instituições, políticas públicas com a dimensão necessária para combater as desigualdades.

Nos 50 anos que aí vêm, deveremos focar-nos em equilibrar os tempos das várias partes do globo, para que todas as revoluções se cumpram efetivamente?

50 anos depois, era preciso vermos o que correu menos bem e meter os pés ao caminho. Eu sempre construí a eternidade no dia a dia, não acredito em coisas a longo prazo. Acredito que nós tornamos as coisas eternas, isto é, duráveis, se todos os dias tivermos o cuidado de fazer melhor. Nos próximos 50 anos deveríamos fazer uma análise e dizer assim: que sonho foi esse que se seguiu à revolução e que ainda não se cumpriu? A descolonização ainda não se cumpriu. O desenvolvimento? Cumpriu-se alguma coisa, sim. Portugal está melhor. Que faltam algumas coisas, faltam. Num país que está a comemorar o 25 de Abril, compreende-se que o ordenado mínimo e o ordenado máximo sejam o que são? Porque é que pessoas que sustentam filhos, que têm família, ganham de uma forma tão díspar? Falta combater a pobreza… Falhámos em tanta coisa. Por exemplo, a família. (…) Falta saber que rede criámos para, depois, apoiar as pessoas divorciadas, as mães solteiras, as crianças que ficam sem essa estrutura. Não fizemos nada. Há tanta coisa para consertar que nem se sabe por onde começar. Mas é preciso começar por algum sítio.

Poder-se-á começar pelas faculdades?

Talvez. Porque as faculdades formam pessoas. Acredito que só são livres as sociedades que têm boas escolas. A faculdade pode fazer a diferença se soubermos dar, a estas instituições, políticas públicas com a dimensão necessária para combater as desigualdades.

Dia do Solicitador 2024 A história de um dia que fica para a História

Uma vez instituído, o Dia do Solicitador, comemorado a 10 de maio, tem vindo a ser assinalado anualmente e com diversas iniciativas. Assim, em 2024, foram várias as ações que deram voz a esta efeméride e que, tendo em vista homenagear estes profissionais e lembrar o seu papel na Justiça nacional, decorreram em muitos pontos do país.

Ainiciativa “Justiça na Praça” chegou a 10 cidades cujas Câmaras Municipais aceitaram colaborar na concretização desta ideia, que, além de divulgar o que são as áreas de intervenção dos solicitadores, pretendeu reforçar a proximidade aos cidadãos. Assim e graças à cooperação com os Conselhos Regionais e Delegações Distritais, em Braga, Bragança, Castelo Branco, Castro Daire, Coimbra, Funchal, Guarda, Leiria, Setúbal e Viana do Castelo, em horários devidamente divulgados, equipas de solicitadores estiveram a prestar esclarecimentos jurídicos à população.

Dezenas de pessoas recorreram a estas equipas e foram muitos os associados que aceitaram o repto e deram voz ao tanto que o solicitador pode fazer pelos cidadãos. A par da satisfação, ficou o sentimento de missão cumprida e, claro, a certeza de que se promoveu a atividade. “O balanço é muito positivo. O Dia do Solicitador ganhou ainda mais expressão com esta iniciativa. Porque é este espírito que move os nossos associados e que deve marcar o nosso dia. Estivemos com as pessoas, esclarecemos dúvidas e demos a conhecer o trabalho dos nossos associados. E conseguimos isto com o apoio dos Municípios, das Delegações e dos Conselhos Regionais da OSAE, envolvendo os associados que melhor conhecem os territórios onde estivemos representados e a quem também devemos o nosso agradecimento”, realçou o Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Paulo Teixeira.

Também neste dia, o consultório jurídico do programa “A Nossa Tarde”, na RTP, voltou a abrir as portas, com pompa e circunstância, para responder às dúvidas dos telespectadores. Heranças, partilhas, doações, gestão de condomínio, arrendamento, divórcio, direitos do consumidor… Todos os temas foram admitidos e esclarecidos com o apoio de Francisco Serra Loureiro, 2.º Vice-Presidente do Conselho Geral, e de Carina Jimenez Reis, membro do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, tendo havido oportunidade para conversar sobre o Dia do Solicitador e o trabalho desenvolvido por estes profissionais. Mas não ficámos por aqui… Mediante a participação dos profissionais, foram divulgados, ao longo de todo o dia, através das redes sociais, muitos testemunhos sobre o que significa abraçar a solicitadoria. E foi ainda lançado um novo projeto: “Ordem para Conversar – o Podcast da OSAE”. Nas palavras de Paulo Teixeira, “depois da revista Sollicitare, das redes sociais, da OSAE tv, do projeto ‘Ordem para Escrever’, desenvolvido em cooperação com a imprensa regional, do Whatsapp da OSAE, da colaboração com a RTP, de iniciativas como o ‘OSAE por perto’, esta assume-se como mais uma via de comunicação en-

tre a Ordem, os seus associados, o universo da justiça e a comunidade em geral. Com convidados da nossa Ordem e de outras organizações a ela ligadas, os assuntos em análise dirão sempre respeito à vida da OSAE e às profissões que representa. Aqui haverá sempre tempo e oportunidade para fazermos perguntas, partilharmos respostas e refletirmos. Ou seja, para conversarmos”. “Foi um dia cheio. Tão cheio quanto tem sido o percurso da nossa Ordem e das profissões que representa”, salientou Paulo Teixeira que, tendo vivido e acompanhado este dia à distância, deu voz a duas boas notícias que acabaram por também marcar as comemorações. “Tendo estado no Congresso da Union Internationale des Huissiers de Justice, a assegurar a habitual representação da OSAE, encabeçando uma delegação da nossa Ordem, foi com um orgulho imenso e uma felicidade ainda maior que fizemos chegar a Portugal duas conquistas tão marcantes: a minha eleição e a do colega Duarte Pinto para a direção das estruturas mundial e europeia, respetivamente, e a escolha de Portugal para acolher o próximo congresso internacional, previsto para 2027. E, apesar da distância, acompanhei cada momento, cada iniciativa, cada um e cada uma de vós, a quem só posso agradecer todo o empenho, entrega e dedicação a uma tão nobre profissão. Um agradecimento que quero dirigir de forma especial a todas e a todos os colegas e trabalhadores desta Casa que integraram a equipa responsável pelo sucesso de todas estas iniciativas”, salientou Paulo Teixeira. Assim se conta a história de mais um Dia do Solicitador. Um dia que, com toda a certeza, ficará na memória de quem o viveu e na História de uma Ordem que, todos os dias, quer estar mais perto dos seus associados e, assim, melhor servir os cidadãos.

Francisco Serra Loureiro e Carina Jimenez Reis no programa da RTP "A Nossa Tarde" com Tânia Ribas de Oliveira

Ministra da Justiça recebe Bastonário

da OSAE

A Ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, recebeu, no passado dia 22 de maio, em audiência no Ministério, o Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), Paulo Teixeira. Nesta reunião, esteve também presente a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Maria Clara Figueiredo.

“Foram muitos os assuntos abordados e o balanço que fica desta audiência é muito positivo. Há disponibilidade para debater e procurar soluções. E há vontade de continuar a contar com a OSAE e com os seus associados na construção de respostas que agilizem e melhorem o funcionamento da Justiça”, realçou Paulo Teixeira.

O acesso ao Direito, designadamente o apoio judiciário na modalidade de atribuição de agente de execução e, também, a possibilidade de exercício por parte de solicitadores, foi um dos temas levados pelo Bastonário, tendo sido sublinhada a urgência da celebração do protocolo com a Ordem dos Advogados, “continuamente adiada, colocando em causa o superior interesse do cidadão”.

No campo do mandato forense por solicitador, Paulo Teixeira procurou evidenciar a “incoerência” decorrente da última revisão da Lei dos Atos Próprios de Advogados e Solicitadores, cujo espírito não se coaduna com os limites impostos às ações cíveis assumidas por solicitadores. Assim, o representante da OSAE destacou a importância da revisão dos valores estabelecidos, bem como de passar a estar prevista a possibilidade de estes profissionais discutirem e alegarem questões de Direito.

Ainda no que respeita à Lei dos Atos Próprios, mas também em relação às recentes alterações estatuárias, além do alerta já referido, Paulo Teixeira deixou ainda um outro exemplo de incongruência, que poderá ser resolvida numa futura e essencial revisão: “Importa eliminar a incompatibilidade do exercício da solicitadoria com a mediação imobiliária, permitindo uma concorrência leal e em igualdade de condições com os licenciados, os quais não estão sujeitos às regras impostas aos nossos associados”, afirmou.

Já no que toca aos Agentes de Execução (AE), a

revisão da tabela remuneratória, a eliminação da possibilidade de substituição do AE pelo exequente, ou o seu ajustamento mediante a nomeação do AE substituto através de meios eletrónicos e aleatórios, e a avaliação da intervenção destes profissionais noutros procedimentos, nomeadamente nos Tribunais Administrativos, foram algumas das questões levadas e discutidas.

Houve ainda tempo para dar a conhecer aquele que tem sido o caminho de sucesso da plataforma e-Leilões, através da qual a venda de imóveis penhorados gerou 3,5 mil milhões de euros em oito anos. Partindo de dados como este, Paulo Teixeira reforçou a disponibilidade da OSAE para colaborar na implementação desta plataforma noutros âmbitos, tal como as vendas não coercivas e os processos de insolvência.

Ainda no que se refere a projetos da OSAE, também foi lembrado o projeto GeoPredial e as oportunidades que representa na reorganização do sistema de cadastro da propriedade rústica. “Com provas dadas de segurança da informação recolhida e registada, quisemos deixar claro que temos todo o interesse em dar continuidade a esta parceria estratégica, a qual, a par de uma plataforma eficaz, conta com profissionais preparados e com experiência para resolver todas as questões associadas”, realçou o Bastonário.

Satisfeito com os resultados de uma primeira conversa e expectante em relação ao futuro, Paulo Teixeira, além do que são os assuntos prioritários para os profissionais que representa, fez ainda questão de “comunicar o interesse e disponibilidade da OSAE para integrar um eventual grupo de trabalho dedicado à reflexão sobre as reformas da Justiça. Queremos continuar a fazer parte das reformas que fazem a diferença na vida das pessoas e do país. E queremos que os solicitadores e os agentes de execução se revejam nas reformas que possam vir a ser implementadas. E, para isso, continuamos a acreditar que o diálogo e a cooperação são as ferramentas decisivas”.

A contínua simplificação da atividade administrativa em Portugal e a relevância do Solicitador!

A8 de janeiro de 2024, numa ótica de continuidade de simplificação da atividade administrativa em Portugal, foi publicado o DecretoLei 10/2024, em mais uma etapa do SIMPLEX, que veio proceder a algumas alterações no que diz respeito a licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e da indústria, numa lógica subjacente de “licenciamento zero”, ou seja, visando permitir que o cidadão veja as operações associadas ao urbanismo cada vez mais desburocratizadas.

A alteração mais notada para os solicitadores que, no âmbito da sua profissão, autenticam documentos particulares que versem sobre a transmissão da propriedade de bens imóveis, é, sem dúvida, a eliminação da necessidade de apresentação da licença de utilização por parte dos alienantes no momento dessa transmissão, por força da revogação do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de julho. O mesmo acaba por se verificar quanto à apresentação de ficha técnica de habitação, cuja apresentação se exigia por força do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 68/2004, de 25 de março, também revogado pelo referido Decreto-Lei 10/2024, de 08 de janeiro.

Não obstante esta diminuição de requisitos adjacentes a uma transmissão de um prédio urbano, não se afigura utilizar a mesma como um mecanismo de facilitação que pode implicar que o adquirente não seja devidamente protegido nesta transação. Devemos dar conta de que o solicitador, ao autenticar um documento particular, não deve somente pugnar pela legalidade do mesmo, mas também garantir que os interesses e vontade negocial dos intervenientes estão acautelados. Ou seja, deverá sempre assegurar uma preciosa explicação das implicações que esta ausência de documentação pode acarretar para quem, na altura, se torna proprietário de determinado prédio urbano, objeto do negócio autenticado pelo solicitador.

Em bom rigor, não cabe ao solicitador impor, às partes, mais obrigações do que aquelas que a Lei lhes impõe, mas, salvo melhor entendimento, cabe-nos, enquanto profissionais de excelência que todos somos, esclarecer o cidadão, nosso cliente, das implicações que tal ausência acarreta. De facto, a própria Lei obriga-nos, nos termos do art. 19.º do Decreto-Lei 10/2024, de 08 de janeiro, a mencionar “que o imóvel pode não dispor dos títulos urbanísticos necessários para a utilização ou construção”. No entanto, é nosso entendimento que a função que assumimos passa por, obviamente, informar. E, mais do que isso, passa por explicar o conteúdo e o alcance de tal situação.

É isto que baliza a diferença de um profissional de excelência, aquele que se preocupa em transmitir, ao cidadão, todo o seu conhecimento, garantindo que ele sai suficientemente esclarecido de todo o processo, seja na ausência da licença de utilização, da declaração de condomínio ou, mesmo, quanto ao valor dos impostos, emolumentos e honorários.

Esta, sim, é a verdadeira arte de ser solicitador, algo que a todos, certamente, traz orgulho e faz querer continuar: continuar a exercer com brio e a fazer crescer esta tão digna profissão. Uma profissão que, sem dúvida, também contribui, todos os dias, para simplificar.

Francisco Serra Loureiro Solicitador

FREDERICO DELGADO ROSA

Neto e biógrafo de Humberto Delgado

Humberto Delgado: o homem que disse ao país para deixar de ter medo

O 25 de Abril, mais do que um dia com princípio e fim, foi, é e será, para sempre, uma luta permanente, uma luta de muitos dias. De todos os dias. Uma luta de tantos homens e mulheres que, antes, durante e depois desta data, acreditaram que iria valer a pena não ter medo. Um deles foi, indubitavelmente, Humberto Delgado, o General que ousou apresentar-se a eleições contra Américo Tomás e enfrentar o regime de António de Oliveira Salazar. Deu a vida por esta luta e não viveu o dia em que esta luta triunfou. Mas Frederico Delgado Rosa, neto do “General sem Medo”, assumiu a missão de estudar, contar e preservar uma vida que, “obviamente”, fez a diferença na vida do país. Uma vida que, passados 50 anos desde o 25 de Abril de 1974, continua a inspirar a luta pela liberdade e pela democracia.

ENTREVISTA JOANA GONÇALVES

FOTOGRAFIA ARQUIVO FOTOGRÁFICO HUMBERTO DELGADO, TORRE DO TOMBO

Humberto Delgado no café "Chave d'Ouro", em Lisboa, em 10 de maio de 1958, quando proferiu a célebre frase "Obviamente demito-o!"

Humberto Delgado no Porto, 14 de maio de 1958

É neto do “General sem Medo”. O que se sente ao carregar o apelido Delgado?

Durante muitos anos, senti um grande peso, um peso esmagador. Até ao momento em que decidi escrever a sua biografia. Foi uma libertação para mim, mas também um privilégio muito grande descobrir e acompanhar o crescimento do meu avô desde o dia em que nasceu, em 15 de maio de 1906, até ao dia em que foi assassinado pela PIDE, em 13 de fevereiro de 1965.

Nasceu em 1969, cinco anos antes do 25 de Abril de 1974. Recorda-se desse dia? Como foi vivido pela família? Houve, de alguma forma, um sentimento de missão cumprida e de memória honrada?

Recordo-me: o meu pai levou-me com ele para comprar um rádio portátil com urgência, para ouvirmos as notícias do que se estava a passar. Ainda hoje conservo esse objeto histórico. O “25 de Abril” permitiu, desde logo, que o corpo de Humberto Delgado viesse para Portugal, porque a minha Avó sempre disse: “Com um carro da PIDE à frente e outro atrás, nunca! Ficará em Espanha até haver Liberdade em Portugal”.

Tendo já nascido após a morte do seu avô, como é que a história do General Humberto Delgado fez parte da sua infância? O que lhe contavam sobre ele?

Em família, eram contadas histórias sempre divertidas do período anterior à sua candidatura à Presidência da República, contra Salazar. Penso que o grande sentido de humor que ele tinha perdurou postumamente na família, talvez como um contrapeso à tragédia. A minha Avó, com quem cresci, não me falava do percurso político do marido. Até ao dia em que, sabendo que estava a escrever a sua biografia, me fez revelações surpreendentes. Em criança, foi mais pelos colegas da escola e pelas pessoas que choravam ao tocar-me nas mãos que eu primeiro soube a que ponto ele era um herói do povo.

Quando começou a perceber o que realmente tinha acontecido? Essa noção da História aguçou o apetite por saber mais acerca da vida do seu avô?

Foi em criança que comecei a perceber: cresci num pós-“25 de Abril”, em que as pessoas podiam, enfim, falar livremente do seu “General sem Medo”. Mas só

perto dos 30 anos de idade é que disse à minha mãe: “Eu quero escrever a vida do avô”. E ela respondeu-me: “E vais escrever!” Foram sete anos a investigar, a “nadar num oceano” de documentos e a escrever. Porventura, os mais ricos da minha vida.

Já escreveu vários livros sobre Humberto Delgado.  O que é que modificou a sua forma de encarar a política portuguesa e o leva a dar rosto à oposição? O que é que o movia?

Corre o “mito” de que foi nos Estados Unidos da América que Humberto Delgado abriu os olhos para as virtudes da democracia, o que não corresponde de todo à verdade. Humberto Delgado entrou gradualmente em rota de colisão com o regime a partir de 1940, quando escreveu a Salazar: “Eu mudei!” Quando partiu para a América, em 1952, era já interiormente um dissidente, que aguardava as estrelas de general e uma posição de comando militar no regresso a Portugal para desencadear a revolução.

De tudo o que investigou, o que mais o surpreendeu?

E, por tudo que ouviu, estudou, leu… Torna-se fácil imaginá-lo dizer, sem medo, “Obviamente, demito-o”?

É-me muito fácil imaginá-lo a dizer essa frase histórica, confesso. Duas coisas surpreenderam-me especialmente. Para Humberto Delgado, a sua mítica campanha eleitoral, com milhares de pessoas a aclamá-lo nas ruas, tinha um significado militar. O país estava em polvorosa, o ambiente da campanha era um ambiente pré-revolucionário. Proibido de usar o uniforme, levava-o sempre no porta-bagagens. A revolta militar estava marcada para o dia 2 de junho de 1958. Teria sido o “25 de Abril” com dezasseis anos de antecedência. Mas os oficiais envolvidos desistiram à última hora. A segunda coisa que mais me surpreendeu foi a mentira criada em torno da sua morte, já após o “25 de Abril”. Um assunto complexo...

Os resultados do ato eleitoral foram surpreendentes tendo em conta o apoio popular. Há algum facto que sustente que possa ter havido fraude eleitoral?

Tudo. A fraude foi generalizada, a todos os níveis. A começar pela proibição de estarem presentes elementos

O seu nome encontra-se em todas as cidades, vilas e aldeias, os seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional, em 5 de outubro de 1990, e o Aeroporto Internacional de Lisboa tem e terá o seu nome, até à construção do novo Aeroporto Luís de Camões. Mas, acima de tudo, a sua memória é transmitida, as crianças aprendem na escola – e com entusiasmo - quem foi o General sem Medo.

Humberto Delgado no Porto, 14 de maio de 1958

da oposição na contagem dos votos. Em alguns locais, contudo, como na freguesia de Brafesmes, em Coimbra, os populares conseguiram rebelar-se contra essa ordem e contar os votos devidamente. Resultado: vitória esmagadora de Humberto Delgado.

A “operação outono” e tudo quanto envolveu o seu assassinato ficou provado? Há indícios de que Salazar sabia de tudo? Foi de alguma forma feita justiça, ainda que após a queda do Estado Novo?

Como dizia, os juízes do Tribunal de Santa Clara, que julgaram os Pides após o “25 de Abril”, ilibaram toda a brigada que foi a Espanha, com exceção do autor material do crime, Casimiro Monteiro, que teria tido um impulso homicida e desrespeitado o objetivo da missão, que seria raptar e não matar o general. Por conseguinte, toda a hierarquia superior da PIDE foi ilibada – e, por tabela, Salazar. Isso só foi possível através de uma grosseira e deliberada distorção da verdade material do crime. Contrariando as perícias médico-legais feitas em Espanha na época, os juízes do tribunal militar – que eram salazaristas – afirmaram que Humberto Delgado foi morto a tiro, impedindo os outros elementos da brigada de reagir. Na realidade, foi barbaramente espancado no crânio.

Sente que Humberto Delgado tem sido devidamente lembrado e reconhecido?

Sinto. O seu nome encontra-se em todas as cidades, vilas e aldeias, os seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional, em 5 de outubro de 1990, e o Aeroporto Internacional de Lisboa tem e terá o seu nome, até à construção do novo Aeroporto Luís de Camões. Mas, acima de tudo, a sua memória é transmitida, as crianças aprendem na escola – e com entusiasmoquem foi o General sem Medo.

Podemos afirmar que Humberto Delgado foi fundamental para despertar o país para os valores da liberdade e da democracia, fazendo-o acreditar que era possível conquistá-los?

Foi crucial. Ele disse aos Portugueses para deixarem de ter medo. Foram gerações marcadas pela sua mensagem e pela sua figura carismática. Encontrei muitas pessoas, então jovens ou adolescentes, que me disseram ter despertado para a política graças ao General sem Medo. Uma semente que levou tempo a germinar, mas que, ao florescer, deu lindíssimos cravos vermelhos.

50 anos passados do 25 de Abril, sente que continua a valer a pena e a ser preciso lutar por esses valores?

Mais do que nunca. A ordem mundial está em risco, pelo que não podemos pensar em “Abril” com a nossa mente focada apenas em Portugal. Não é só por eles e pelo seu país, mas pela Europa, pelo mundo livre e de-

mocrático, que os ucranianos estão a combater e a dar a vida. Sei o que Humberto Delgado hoje diria desses heróis do século XXI: “Grande povo!”

Se tivesse oportunidade de falar com o seu avô, o que é que lhe diria? E o que é que lhe perguntaria por ainda não ter resposta, mesmo depois do muito que investigou?

Quando vou ao Panteão Nacional e consigo estar sozinho junto ao seu mausoléu, toco a pedra lioz com as minhas mãos e sinto a energia que transmite. É uma forma de comunicação. Mas se tivesse a oportunidade de falar com o meu avô, acho que lhe faria uma pergunta prosaica, pedia-lhe para contar “outra vez” uma daquelas histórias divertidas que contava e que punham toda a gente a rir.

O “OSAE por perto”, promovido pelos Conselhos Regionais com a colaboração do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), regressou no passado mês de abril. Cerca de um milhar de associados participaram nas três iniciativas desta terceira edição, realizada com o objetivo de promover o debate sobre a atualidade e o futuro das profissões de Solicitador e de Agente de Execução.

Faro, Ofir e Mortágua foram as localidades escolhidas, respetivamente, pelos Conselhos Regionais de Lisboa, Porto e Coimbra para acolher esta iniciativa que faz já parte da História da OSAE e de todos os que estiveram presentes.

Com um programa diverso, ao longo dos três dias foram analisados temas como “Património Rústico - Novos Desafios”, “Simplex Urbanístico – o que muda para Solicitadores e Agentes de Execução?” e “Mais Habitação: Mecanismos e Soluções”. Os conteúdos abordados suscitaram grande interesse por parte dos presentes, resultando em debates participados e em oportunidades de partilha de experiências e conhecimentos.

A terceira edição contou ainda com um painel ‘surpresa’, “Saber Comunicar: Desafios e Oportunidades”. Neste espaço mais descontraído, os associados ficaram a conhecer importantes ferramentas para a garantia de uma comunicação eficaz e assertiva.

“OSAE por perto” Três eventos de sucesso voltam a juntar associados de todo o País

A marcar este “OSAE por perto” estiveram, também, as sentidas homenagens prestadas a José Carlos Resende, anterior Bastonário da OSAE, que faleceu no início do mês de abril. Um emocionado minuto de silêncio aconteceu nas três salas, tendo sido lembrado o seu contributo decisivo na História da Ordem e das profissões que esta representa.

Como é já tradição, no final de cada edição foram entregues os diplomas aos novos associados e as placas de 25 anos de profissão. Momentos marcantes e que ficam nas memórias daqueles que estão a iniciar o seu percurso e de quem já abraça a Solicitadoria há muitos anos.

Além dos Presidentes dos Conselhos Regionais, que, a par dos agradecimentos, clarificaram a importância destes encontros, os quais “descentralizam e aproximam a OSAE dos seus associados e das muitas instituições que fazem parte de cada território”, participaram também representantes dos Conselho Profissionais dos Colégios dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.

O encerramento foi garantido, em todas as iniciativas, pelo Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, que, nas suas intervenções, salientou sempre o “inquestionável sucesso da terceira edição do ‘OSAE por Perto’. Um sucesso evidenciado pela adesão e interesse dos colegas, pela pertinência dos painéis, pela competência de todos que os integraram e pelo reconhecimento institucional que sentimos no universo da Justiça”.

Faro
Ofir
Mortágua

CONSELHO REGIONAL DO PORTO A resposta próxima, a cooperação interinstitucional e uma missão que se renova

TEXTO MARIELA PINHEIRO

Vogal do Conselho Regional do Porto

No coração do Porto, onde a tradição e a modernidade se entrelaçam, encontra-se uma entidade que, embora muitas vezes opere longe dos holofotes, é vital para a vida jurídica da região: o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE). O Conselho Regional do Porto da OSAE desempenha um papel crucial na representação da instituição e na organização dos serviços administrativos que, diariamente, procuram responder aos seus associados. Ou seja, este órgão é responsável por assegurar que solicitadores e agentes de execução da região do Porto têm o suporte adequado para que possam desempenhar as suas funções com eficácia.

Assim, os serviços do Conselho Regional do Porto são amplos e variados. Estes fornecem um suporte essencial para a execução de tarefas administrativas, facilitando o dia a dia dos profissionais. Esses serviços incluem a gestão de documentação, suporte em questões legais e a disponibilização de recursos que auxiliem os solicitadores e agentes de execução no cumprimento de suas obrigações legais e profissionais. A equipa administrativa prepara relatórios, organiza reuniões e agiliza a comunicação com a direção da Ordem, procurando sempre espelhar os anseios e necessidades dos associados que procuram os serviços.

Mas o papel dos serviços administrativos não termina aqui. São igualmente responsáveis pela organização de eventos do Conselho Regional do Porto, uma componen-

te vital para a (in)formação contínua, para a atualização de conhecimentos e para o desenvolvimento profissional dos associados. Os funcionários garantem a realização de conferências, workshops e seminários, que são cruciais para a afirmação e crescimento dos profissionais. Estes eventos não apenas disseminam conhecimento, como também fortalecem os laços dentro da comunidade jurídica. Na verdade, estes encontros proporcionam uma plataforma para a troca de conhecimentos e experiências, além de promoverem o networking entre os profissionais da área. O mais recente exemplo é a última edição do "Osae por perto”, em Ofir, que decorreu no passado mês de abril e que reuniu cerca de 200 colegas, trazendo novidades jurídicas, partilha e reencontros entre colegas. Através destas iniciativas, o Conselho Regional do Porto contribui significativamente para o fortalecimento e projeção da imagem dos associados da OSAE, trabalhando continuamente para que possam estar sempre a par das últimas tendências e mudanças legislativas.

A OSAE, com associados em todo o país, tem nos Conselhos Regionais estruturas que prolongam o seu alcance e que reforçam a proximidade aos diversos territórios. O Conselho Regional do Porto e os seus serviços continuarão a trabalhar, nas diversas dimensões, tendo sempre este objetivo em vista: responder e corresponder aos associados, cooperar com as mais diversas instituições e contribuir para o bom funcionamento da Justiça

CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA

Biblioteca José Carlos Resende

A Biblioteca do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

“Se olhar para trás, não hesito em falar do imenso gozo que deu estar à frente desta associação pública. Um gozo que esteve no desafio e na integração de equipas com gente que queria fazer coisas diferentes. Essas pessoas é que conseguiram levar os projetos para a frente. Fui atrevido e valeu a pena.”

José Carlos Resende, in Revista Sollicitare (Edição n.º 17)

Os livros são um dos nossos projetos de vida e isto é válido “todos os dias do resto da nossa vida”. No início do ano 2023, o Conselho Regional de Coimbra decidiu arrancar com o projeto de uma Biblioteca na sua sede, na Avenida Fernão Magalhães, em Coimbra. Desafiámo-nos e desafiámos cada um através de um vídeo, lançando assim o desafio do ano. E as respostas foram surgindo, sem hesitações, vindas de todos os lados. Depressa começou a ganhar forma a Biblioteca do Conselho Regional de Coimbra, com literatura do direito e da justiça, encarada como uma forma de aproximação entre colegas e como uma parceira dos nossos escritórios.

Já com alguma forma física, graças à cooperação de muitos, em meados do ano 2023 ganhou também cor com telas que nos contam histórias, que nos despertam emoções e que nos enchem de orgulho. Mostram rostos e numerosas memórias do percurso feito enquanto Câmara dos Solicitadores até à atual Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.

José Carlos Resende é um dos rostos dessas relevantes telas, uma das figuras que marca distintamente a História da nossa Classe, um profissional que contribuiu, sem dúvida, para o crescimento de cada um de nós e para o nosso projeto, um projeto de todos, um projeto

de pessoas e para pessoas. José Carlos Resende, natural de Oliveira de Azeméis, onde nasceu a 24 de janeiro de 1955, viu a sua inscrição, enquanto Solicitador, aos 23 anos de idade, registada na Câmara dos Solicitadores, secção do Porto, a 22 de novembro de 1978. A Comarca de Viana do Castelo viu-o crescer como pessoa e como profissional.

José Carlos Resende não escondia a ninguém a sua paixão por livros e referia, por diversas vezes, como apreciava registar breves momentos e acontecimentos num caderninho que o acompanhava. Sempre que me falava nele, eu dizia: “Um dia gostava de ler essa obra, nem que seja em folhas soltas”. Espero que se concretize. José Carlos Resende encaixava-se entre a vida pessoal, familiar e profissional. Abraçou a profissão e olhava para a Classe de forma desafiante. Foi Delegado Distrital, Presidente da Câmara dos Solicitadores e Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Um líder que sabia representar os interesses de todos. Como crescemos perante a sociedade desde os anos 2000.

José Carlos Resende foi um dos rostos da nossa História, principalmente nos últimos 20 anos. Marcou, igualmente, o Conselho Regional de Coimbra, ao impulsionar a Biblioteca deste Conselho Regional com a oferta de cerca de 250 exemplares. Foi o primeiro benemérito da mesma. Chegado o dia de ir buscar esse espólio, recebeu-nos de forma hospitaleira, primeiro no seu escritório, depois pelas ruas de Viana do Castelo. Fervilhava por contar as suas histórias e por apresentar-nos os cantos e

segredos da sua cidade. Tudo tinha um significado. Por onde passava era agraciado, de todos era conhecido. De rua em rua, pelo centro histórico, apresentou-nos marcos importantes de um passado com História, tal como ele. É assim que o reconheço. Durante uns bons pares de horas por aquelas ruas e ruelas, chamava-nos a atenção para as fachadas, para os traços, para a cor, para os painéis de azulejos. E lá saía uma história do que já se havia passado por ali. Valeu apena! Vale apena. Prometemos voltar.

Já com uma Biblioteca bem composta, estando próximo o final do ano 2023, entendemos que seria uma boa hora para lhe dar um nome com história, com vivências, nunca esquecendo a reabertura do Conselho Regional de Coimbra em 2016. Contudo, antes de apresentar a proposta à Assembleia Regional de Coimbra e de a mesma ser votada pelos Colegas, primeiramente imperava saber se essa vontade seria bem acolhida por José Carlos Resende. E foi de forma alegre e satisfeita (com muito entusiasmo e alguma emoção à mistura) e com um enorme orgulho que recebeu esta nossa proposta, não tendo hesitado um segundo para nos responder que aceitava.

Não temos dúvidas: não era a colocação do nome “José Carlos Resende” na Biblioteca que iria tornar José Carlos Resende importante. É a mera formalização daquilo que José Carlos Resende representa para a Classe, é uma forma de homenagear a importância dos seus feitos, dos seus ideais, das suas lutas, das suas conquistas coletivas. E a oportunidade de fazer uma homenagem a José Carlos Resende, em vida, era para nós muito importante, era um agradecimento público merecido que

demonstrava a gratidão pelo seu contributo. Foi o último Presidente da anterior Câmara dos Solicitadores e o primeiro Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Conseguia desafiar cada um dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, cada um dos dirigentes a manter vivo o interesse e a dinâmica da participação da Classe. E José Carlos Resende era também um leitor ávido e um colecionador de livros (contava que ainda não tinha conseguido acabar de catalogar os seus cerca de 4000 livros). Dizia: “Gosto de ler sem parar!”

Por tudo isto, a proposta a ser submetida à Assembleia Regional de Coimbra não podia ser outra que não “José Carlos Resende”. A 26 de março de 2024 foi deliberado atribuir o seu nome à Biblioteca do Conselho Regional de Coimbra. Aprovado em Assembleia Regional de Coimbra por unanimidade e com aclamação a 26 de março de 2024, ficou a promessa de que, em breve, faríamos a sua inauguração. E como ficou feliz.

Mas, inesperadamente, a 3 de abril de 2024, José Carlos Resende deixou uma Classe de luto, não sendo suficientes as palavras para traduzir como é realmente importante para a nossa História.

A homenagem será feita, como sinal de gratidão, de respeito e, sobretudo, de reconhecimento, na presença dos seus mais próximos. Para a sua família será um pequeno gesto, mas esperamos que o sintam como uma das muitas consequências do esforço e dos anos de dedicação em prol da Ordem. A sua história perpetuará na nossa História. Uma história que esta Biblioteca ajudará a contar e a preservar.

CONSELHO REGIONAL DE LISBOA

OS CONSELHOS REGIONAIS

E AS ALTERAÇÕES ESTATUTÁRIAS

Será que estamos a perder a cultura dos porquês?

Será

que estamos a

perder

a esperança?

TEXTO DÉBORA RIOBOM DOS SANTOS

Presidente do Conselho Regional de Lisboa

Afirmarmo-nos como Solicitadores e Agentes de Execução é, sem dúvida, um grande orgulho. É o reflexo de que o caminho trilhado por alguns “heróis” valeu a pena. É a certeza de que nunca perderam a esperança.

A esperança é o combustível do motor que é a nossa mente. Se não acreditarmos que o futuro é melhor do que o presente, que a nossa vida vai melhorar, que vamos ser mais felizes, melhores profissionais, mais realizados, mais bem-sucedidos, então qual é a razão de viver, qual é a razão de tanto trabalhar?

A verdade é que tudo o que fazemos é com o propósito de manter a esperança num futuro melhor, seja ele pessoal ou profissional. A resignação é a falta de esperança, é a visão de um futuro falhado.

Há quem diga que, para construir e manter a esperança, são precisas três condições essenciais: a sensação de que conseguimos controlar a nossa vida, a nossa profissão, a crença de que vale a pena lutar por algo melhor e estar integrado numa comunidade que tenha a mesma crença que nós e que trabalhe no mesmo sentido.

Sentir-nos-íamos isolados nos nossos objetivos, gerais e específicos, como a formação, aquisição de novas competências, eficiência, desenvolvimento tecnológico, se, enquanto Solicitadores e Agentes de Execução, não estivéssemos integrados numa comunidade profissional? Teríamos esperança? Existiríamos?

À semelhança do que acontece noutros países, com-

pete às Ordens Profissionais não só a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e a salvaguarda do interesse público, mas também a representação e defesa da própria profissão, bem como a autorregulação da mesma.

Adicionalmente e como refere o Conselho Nacional das Ordens Profissionais, que a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) integra, as Ordens Profissionais, constituindo expressão da administração autónoma do Estado, estão dotadas de uma organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus Órgãos.

Esta garantia traz confiança na organização e esperança. E essa confiança na organização é crucial.

As alterações ao Estatuto da OSAE (EOSAE), que entraram em vigor em 01/04/2024, trouxeram mudanças, ao criarem o Conselho de Supervisão, que retira à própria Ordem Profissional esse poder, e apresentando uma redação ao artigo referente à eleição dos órgãos nacionais e regionais, que poderia, no limite, levar a interpretações mais restritivas e colocar em causa o direito dos associados a candidatarem-se de forma independente a um qualquer órgão. E aqui destaco os Conselhos Regionais, os quais, ao longo dos tempos, em cada alteração ao Estatuto, têm sido esbulhados nas suas competências. Enquanto presidente de um, mas, acima de tudo, enquanto associada apaixonada por estas estruturas que são garantes de proximidade, congratulo-me por, desta vez, as vírgulas terem

sido colocadas no sítio certo e por, assim, se terem respeitado as demais normas do EOSAE e do Regulamento, valorizando a práxis da Associação, que sempre teve Conselhos Regionais e candidatos independentes.

Estão ainda para audição pública, até 18/07/2024, no Boletim da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, n.º 23, vários regulamentos importantes, nomeadamente o Código Deontológico, o Regulamento de Estágio para Solicitadores, o Regulamento de inscrição de sociedades profissionais, o Regulamento de publicidade institucional e de utilização de marcas de titularidade da Ordem, o Regulamento de remuneração do Conselho de Supervisão, entre outros.

É este o momento para, no que toca a estas matérias, serem feitas as perguntas, saber-se o porquê. A comunidade precisa de ser participativa. Precisa de questionar. Trazer à tona as interrogações e opiniões, inclusive as desconfortáveis, mas nos locais certos. Porque o porquê, mais do que tudo, abre caminhos, mostra o espaço de crescimento e traz esperança. O porquê não é uma afronta. Não quero perder a esperança. Por mais alterações estatutárias, quero manter a OSAE com uma estrutura independente, com homens e mulheres livres nos seus pensamentos, que respeite a diversidade cognitiva, que queira saber o porquê. Quero uma OSAE próxima, que responda aos porquês. Sem isso, não somos nada. Até já.

MUSEU NACIONAL RESISTÊNCIA E LIBERDADE: para que ninguém esqueça

Há sítios, por onde a História se fez, que marcam a vida de cada um de nós. Sítios que fazem questionar o passado e que dão ferramentas para melhor viver o presente e o futuro. Sítios que não mais se esquecem. O Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL), em Peniche, é um deles.

A antiga prisão política, mandada instalar por António de Oliveira Salazar, impressiona logo à chegada: uma construção fortificada ergue-se sobre a falésia, com o mar, azul e bravo, a bater naqueles muros que, em tempos não muitos distantes, encarceravam quem pensava diferente. Quem queria viver num país diferente. Foram 2626 as pessoas que passaram por ali entre 1934 e 1974. O memorial à entrada não deixa esquecer os seus nomes. E é esse o grande objetivo deste museu: não deixar esquecer o que ali se passou para que não mais se repita.

REPORTAGEM JOANA GONÇALVES / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA

“Nomeai um a um todos os nomes. Lutaram e resistiram. A liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta fortaleza.”

Borges Coelho, historiador e poeta, preso político no Aljube e em Peniche

Peniche: símbolo da repressão e da resistência

Nada aqui foi deixado ao acaso, nem mesmo a data de abertura: o museu foi inaugurado no passado dia 27 de abril, 50 anos após a libertação dos presos políticos. Naquele dia de 1974, “Peniche saiu à rua e começou a falar-se em liberdade”, conta Aida Rechena, diretora do MNRL. E foi mesmo nesse momento que a população começou a exigir a restituição daquele espaço, que até então foi prisão, à comunidade. “Peniche exige Forte para visitar e não para ficar”, lia-se numa faixa. Desde então, o caminho foi longo, por entre muitos avanços e recuos. Em 2016 chegou a estar em cima da mesa a possibilidade de converter a Fortaleza de Peniche numa unidade hoteleira. “Foi aí que as pessoas voltaram outra vez à rua, porque este é o grande símbolo da repressão e da resistência em território nacional”. E resultou. O Museu nasceu da reivindicação popular, cinco décadas depois. Como se explica que tenha sido necessário tanto tempo? “Não se explica. A História tem o seu próprio curso e é difícil remar contra ele. Foi preciso arrumar as cabeças, arrumar o país. Isso leva o seu tempo”, considera Aida Rechena.

Fascismo nunca mais

Passado o pesado portão, deparamo-nos com edifícios a amarelo, os que fazem parte do velho Forte de Peniche, quase a comemorar os 500 anos de existência, e a branco as construções da prisão salazarista. Num primeiro momento, é possível visitar a Capela de Santa Bárbara, o Fortim Redondo e o Parlatório. Este último é, talvez, o espaço mais impactante e emotivo deste museu. Era aqui que decorriam as visitas. De um lado estavam os presos e os guardas. Do outro, com um vidro a separar, as famílias. O contacto não era possível, as conversas tinham obrigatoriamente de ser ouvidas pelos carcereiros. “Fale mais alto! Só pode falar da sua família” ou “Estrábica?! Tire os óculos! Não pode estar na visita a olhar para o lado” eram algumas das frases que os guardas gritavam constantemente na sala e que estão agora escritas nos vidros que se prolongam até ao teto.

“Por vezes, acontecia não haver um guarda disponível para cada preso e, por isso, a visita não acontecia”, refere a diretora enquanto nos dirigimos à sala que se segue, a de entrada dos presos. “Havia muitas famílias que vinham de outros pontos do país, fazendo grandes sacrifícios para conseguirem ver os seus familiares. E chegavam e não podiam entrar. Valia-lhes a boa vontade dos habitantes de Peniche, que os ajudavam, davam alojamento e alimentação. A eles o museu também presta a sua homenagem”, acrescenta.

“Há algo que tem de nos acompanhar na nossa vida: ter a consciência de que devemos lutar pela liberdade e preservar a que foi ganha no 25 de Abril. Porque ela pode perder-se a qualquer momento”

AIDA RECHENA

DIRETORA DO MUSEU RESISTÊNCIA E LIBERDADE

A visita continua no segundo piso, na Ala de Alta Segurança. Foi daqui que 10 presos conseguiram fugir a 3 de janeiro de 1960. Um dos quais foi Álvaro Cunhal. “Essa fuga demorou muito tempo a ser preparada. Não era possível fazer uma fuga daquelas sem haver comunicação com o exterior. E os carros estavam à espera deles, logo após terem descido pelas muralhas. Foi tudo muito bem planeado, o que demonstra a capacidade organizativa que havia, mesmo nas barbas da PIDE”, sublinhou Aida Rechena.

Nesta ala, oito celas individuais e quatro coletivas fazem imaginar como seria passar o tempo, que certamente seria infinito, nestes espaços. Uma cama, um balde e uma janela com grades de ferro, da qual nem o mar se conseguia ver (os vidros eram baços para evitar qualquer contacto com o exterior), eram as únicas companhias, em muitos dos casos, por anos e anos. Ao passar por aquele corredor, percebe-se o quanto a liberdade é valiosa e o quanto tantos lutaram para a conseguir.

Já no piso 1, é chegada a vez de percorrer, sem pressas, a exposição Resistência e Liberdade. Nela, são abordados temas como o regime fascista, o sistema repressivo e policial (incluindo a PIDE e as prisões, com destaque para o Tarrafal, em Cabo Verde), o colonialismo, a guerra, a resistência e a clandestinidade.

“Hoje, encontramos aqui um museu de memórias. Aquilo que se pretende é, por um lado, preservar o espaço. Esta cadeia tem de ficar preservada para contar a História, porque, quando os autores das histórias desaparecem, é o espaço que vai falar por eles. Desaparecendo todos os presos, este lugar é a sua memória. Mas isso, só por si, não chega. Se temos a felicidade de ter connosco imensos presos políticos ainda vivos, obviamente que teríamos de contar os seus testemunhos. O museu está a recolher e a preservar os testemunhos dos presos – para já, os presos de Peniche, mas, sendo um museu nacional, queremos ter um banco de memórias de qualquer preso. Por isso, o MNRL preserva o espaço e preserva as memórias de todos os resistentes”.

A visita aproxima-se do fim, não sem antes passar por um corredor todo pintado de vermelho, que conduz a uma ala dedicada ao 25 de Abril e ao 1.º de Maio de 1974, e pelas celas de castigo, onde se veem as únicas paredes com inscrições feitas no pós-25 de Abril.

Para Aida Rechena, “quem não viveu sob o regime salazarista tem de saber como era. Caso contrário, não percebe porque é que as pessoas estavam presas, não dá valor à liberdade e ao que custou conquistá-la. Há algo que tem de nos acompanhar na nossa vida: ter a consciência de que devemos lutar pela liberdade e preservar a que foi ganha no 25 de Abril. Porque ela pode perder-se a qualquer momento”.

O Museu Nacional Resistência e Liberdade funciona de terça-feira a domingo, entre as 10 horas e as 18 horas. Os bilhetes custam 8€ e há vários descontos em vigor.

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Da Conversão do Arresto –Sua Caducidade

Apropósito da garantia patrimonial dos créditos, mormente via providência cautelar de arresto, foi proferido, a 11 de janeiro, o Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 23653/20.9T8LSB-B.L1-2, cujo sumário destaca a autonomização da penhora que incida sobre os mesmos bens, ou direitos, de um arresto legalmente caducado, teor que se reproduz:

“… 1- Um arresto caducado não pode ser convertido em penhora.

2- A circunstância de o arresto ter caducado não impede que os bens e/ou direitos objeto do mesmo possam ser penhorados no âmbito da execução movida contra o devedor, uma vez que a referida caducidade não determina a impossibilidade de os mesmos serem objeto de qualquer apreensão judicial em sede executiva.

3- Assim, ainda que não subsista a apreensão cautelar e provisória, por força da caducidade do arresto, não deixam os bens e/ou direitos de dever considerar-se apreendidos judicialmente, por força da penhora dos mesmos em sede executiva, já que tal penhora subsiste autonomamente…”

Consabida a previsão normativa da conversão do arresto em penhora, ex vi do art. 762.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), a jurisprudência veio dar enfâse a uma denominada subsistência autónoma da penhora nos casos em que ocorra a caducidade daquele.

Tendo como denominador comum a apreensão judicial de bens do devedor e o relevo do averbamento do ato em sede de registo predial, para eventual efeito de graduação de créditos, a solução plasmada no dito Acórdão perfila a viabilização da concretização da penhora, autonomizando-a dos pressupostos da sua efetivação, caso esta decorra da conversão de um arresto.

Tendo como escopo a salvaguarda da satisfação do direito de crédito, e acautelando a alegação de caducidade de um arresto, no âmbito da ação executiva em que tenha ocorrido a penhora dos mesmos bens apreendidos ex ante, entende-se que tal improcede porquanto o legislador em nada obstou à penhora de tais bens, considerando-os apreendidos ex novo.

Deste modo, e do ponto de vista puramente hermenêutico, evidencia-se, no douto Acórdão, a preclusão da arguição, por banda do devedor, de uma “dupla” apreensão judicial de bens, por tal não merecer acolhimento, tendo por referência a destrinça entre a instância cível onde correu termos a providência cautelar e o exercício do direito pelo credor/exequente no âmbito de uma ação executiva, a instaurar a posteriori.

Patenteia-se, assim, que a impossibilidade legal de conversão do arresto em penhora, mercê da sua caducidade, quer nos termos do n.º 1 do art. 373.º, quer nos termos do art. 395.º, todos do CPC, não coarta o direito do credor a exercer, em ação autónoma, suportada por título executivo para o efeito, a apreensão de bens do devedor que respondam pela quantia exequenda.

Verificados que estejam tais pressupostos, e no que ao presente artigo importa, a dedução de incidente de oposição à apreensão judicial de bens, com vista à restituição dos mesmos ao devedor/executado, se esgrimida numa preexistência de arresto caducado, claudica nos seus exatos termos, atenta a destacada autonomização da penhora em prol da cabal garantia dos direitos do credor, exercida em competente ação executiva.

Telma Afonso Colaboradora do Conselho Superior da OSAE

Conferências OSAE

Violência doméstica: o flagelo e as respostas em análise

Com o propósito de dinamizar ações no âmbito da erradicação da violência, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) promoveu, na tarde do dia 7 de março, na sua sede, em Lisboa, uma conferência sobre violência doméstica.

A iniciativa contou as intervenções de Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), de Cláudia Mateus, da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), de Vera Vidal, vítima de violência doméstica, e de Diana Silva Queiroz, do projeto “Informação Jurídica Gratuita” da OSAE.

A moderação esteve a cargo de Francisco Serra Loureiro, 2.º Vice-presidente do Conselho Geral da OSAE, que começou por apresentar os convidados e agradecer a presença de todos os que assistiam à iniciativa. A palavra foi então dada a Vera Vidal, que partilhou o seu testemunho enquanto vítima: “No início [da relação] foi tudo muito bonito, mas rapidamente começou a mudar. Era um primeiro namoro, para mim era tudo novidade. Por inocência minha, fui-me deixando ir. Nos primeiros anos achei que seria uma questão de feitio da parte dele, mas depois comecei a perceber que o controlo não era normal. Além disso, o que me castrou enquanto mulher foi a ausência da parte sexual. Foram 13 anos de muito sofrimento, com a violência a agravar-se de dia para dia”, contou. Vera Vidal partilhou ainda que não procurou ajuda por vergonha e por recear que ninguém acreditasse nela, uma vez que o seu então companheiro era juiz.

Hoje reconhece que “qualquer mulher ou homem – porque a violência não tem género – deve denunciar, seja quem for o agressor”.

Francisco Serra Loureiro questionou, de seguida, Cláudia Mateus, da CIG, acerca do trabalho que esta Comissão tem desempenhado. “É importante perceber que o timing das vítimas não é, muitas vezes, o de quem quer ajudar. Por muito apoio que possamos dar, tem de ser a própria pessoa a querer mudar. Não podemos exigir às vítimas a mudança ao ritmo que gostaríamos. É fundamental transmitir confiança e segurança à vítima. Muitas vezes, basta isso para que a pessoa se consciencialize do problema que está a viver e queira dar o primeiro passo”, começou por explicar. “A CIG apoia a rede nacional de vítimas de violência doméstica e acompanha as equipas que trabalham nesta rede, da qual a APAV faz parte”, acrescentou. E como é que podem os interessados chegar até à CIG? “Através da nossa linha de apoio, que ajuda tanto as vítimas, como quem tem conhecimento destas situações e pretende denunciar”.

Por parte da APAV, Daniel Cotrim começou por falar da dimensão deste crime em Portugal: “Em 2023 acompanhámos cerca de 12 mil mulheres vítimas de violência doméstica. Este número representa um aumento de 10% em relação ao ano anterior. Além disso, se antigamente as mulheres demoravam 15 anos a procurar ajuda, hoje demoram entre dois e seis anos. Vivemos, também, episódios mais ferozes de violência. E se, há uns anos, a

Daniel Cotrim (APAV), Cláudia Mateus (CIG), Francisco Serra Loureiro (2.º Vice-presidente do Conselho Geral da OSAE), Vera Vidal e Diana Silva Queiroz (projeto “Informação Jurídica Gratuita” da OSAE).

violência estava associada à pobreza, hoje tal não acontece. Falamos de um crime transversal a toda a sociedade”, contextualizou. “O problema da violência doméstica é que é tratada pela Justiça como se fosse um furto de telemóvel. Mas não é a mesma coisa. É um processo doloroso e que deixa marcas para sempre”, acrescentou. “Costumo dizer que cada um de nós tem o direito a amar o/a ‘canalha’ que quiser. Então o que é que eu, enquanto cidadão, enquanto polícia, enquanto organização, enquanto Justiça, posso fazer? Posso apoiar, posso ajudar, não posso julgar”, salientou, explicando que “as vítimas vivem num triângulo entre esperança, amor e medo”.

Vera Vidal aproveitou para reforçar “que a violência tem de ser denunciada. Não podemos fechar os olhos. E basta uma chamada anónima para denunciar e salvar vidas. Todos temos essa responsabilidade”.

Representando o projeto “Informação Jurídica Gratuita” da OSAE, Diana Silva Queiroz referiu que este tem sido um sucesso, ao ajudar, gratuitamente, o cidadão com carências económicas, em diversas áreas do Direito. “Neste caso, através do protocolo que celebrámos com a CIG, podemos ajudar as vítimas de violência doméstica. Ajudamos em várias matérias, desde assuntos de família, arrendamento ou organização de créditos. O atendimento é feito por um Solicitador que se desloca a uma casa-abrigo, garantindo toda a confidencialidade”.

Pelo tanto que houve para debater, o tempo pareceu ainda mais acelerado. Mas, antes disso, Francisco Serra

Loureiro questionou Vera Vidal acerca das principais dificuldades que encontrou na Justiça. “O pior, para mim, foi ter de depor com o ‘monstro’ atrás de mim. Senti que eu é que era a ré. Depois, há a questão da morosidade da Justiça. E, por fim, a sentença: ele teve quatro anos de pena suspensa. O que são quatro anos para quem arruinou 13 anos da minha vida? Não tenho a minha Justiça. Ele tirou-me tudo e continua com a vida dele”.

Corroborando esta experiência, Daniel Cotrim usou da palavra para partilhar uma ilustração que ajuda a compreender a realidade: “A Justiça é uma manta de retalhos em que, de tempos a tempos, surge mais uma lei e aumenta a dificuldade da sua aplicação”. E questionou: “Como é que a APAV apoia 12 mil mulheres num ano e só há 800 condenações? Somos todos mentirosos? A Justiça é aplicada por seres humanos e está pejada de estereótipos”.

Nesta senda e tendo em conta a Casa que acolheu esta conferência, Diana Silva Queiroz abordou o papel do Solicitador, o qual, tantas vezes, ganha contornos de confidente: “Muitas vezes, os clientes procuram-nos sobre um tema de família, por exemplo, e, depois, vamos

“(…) através do protocolo que celebrámos com a CIG, podemos ajudar as vítimas de violência doméstica. Ajudamos em várias matérias, desde assuntos de família, arrendamento ou organização de créditos. O atendimento é feito por um Solicitador que se desloca a uma casa-abrigo, garantindo toda a confidencialidade.”

DIANA SILVA QUEIROZ

percebendo que o verdadeiro âmbito da situação é outro. Temos de ter um papel ativo quando isto acontece”. Em tom de remate e de repto lançado a toda a sociedade, Vera Vidal deixou uma mensagem: “Há muito para ser mudado. Paulatinamente, vamos conseguindo, mas é preciso ter atenção aos pequenos sinais. Hoje, há muita informação, mas é preciso saber usá-la. Existem instituições, existe a polícia para ajudar. A mulher pode renascer e eu sou o exemplo disso. E não nos podemos esquecer que todos nós, enquanto amigos ou vizinhos, somos os melhores polícias. Não se calem”.

Breve reflexão sobre os novos conceitos de consumidor e de bens imóveis no Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro

ODecreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdo e serviços digitais, mas que também se aplica, com as necessárias adaptações, aos contratos de empreitada, outra prestação de serviços e locação de bens, revogou o DecretoLei n.º 67/2003, de 08 de abril, e trouxe consigo a alteração do conceito de consumidor e a substituição do conceito de bens de consumo pelos novos conceitos de “bens recondicionados”, de “bens imóveis” e de “bens” (relativo aos bens móveis).

Quanto ao novo conceito de “bens imóveis”, agora definidos como “prédios urbanos para fins habitacionais, entendendo-se como tal qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe serviam de logradouro”, são mais as dúvidas que nos assolam do que as certezas.

Até aqui, era pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que o regime dos direitos do consumidor era aplicável aos contratos que tivessem por objeto qualquer bem imóvel desde que não destinado predominantemente à afetação de uma atividade profissional.

Com o novo conceito assola-nos a dúvida… Terá o legislador introduzido uma nova exigência para que o regime dos direitos do consumidor seja aplicável: a de que o bem imóvel se trate de um prédio urbano para fins habitacionais?

Com o novo conceito de consumidor parece-nos, salvo melhor opinião, que se resolveu uma antiga querela doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade de certas pessoas coletivas poderem ser consideradas consumidores. O novo conceito, que define consumidor como “uma pessoa singular”, parece deixar pouca margem para se continuar a defender uma noção ampla de consumidor. É agora pouco crível que uma cooperativa, uma fundação, uma associação ou uma sociedade de pequena dimensão, ainda que atuando fora do âmbito da sua atividade e do domínio da sua especialidade e encontrando-se numa posição de desvantagem relativamente ao outro contraente em termos de informação e conhecimento técnico, possa ser considerada como consumidor. Já relativamente ao condomínio, a alteração introduzida não parece trazer alterações de interpretação, podendo este continuar a considerar-se consumidor desde que as frações destinadas a uso não profissional, no seu conjunto, correspondam à maioria da permilagem.

Uma interpretação restrita à letra da lei do novo conceito teria como consequência a remissão para o regime do código civil de diversas situações que, manifestamente, consubstanciam uma relação de consumo e que, como tal, deveriam ser merecedoras da tutela prevista no Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro. Pense-se, por exemplo, numa empreitada de construção de uma pequena adega, para utilização pessoal, num prédio rústico ou na situação da aquisição de uma garagem ou, ainda, no caso de uma empreitada de construção de um prédio urbano de dois pisos, em que um deles está licenciado para habitação e o outro para serviços. Fará sentido excluir estas situações do âmbito de aplicação do regime dos direitos do consumidor?!

Ainda não se conhecem decisões dos tribunais em que tenha sido interpretado o novo conceito de “bens imóveis”, pelo que, como já referimos, temos mais dúvidas do que certezas. Ainda assim, parece-nos que uma interpretação extensiva do novo conceito, de forma que o regime continue a ser aplicável a todos os bens imóveis não destinados predominantemente a uma atividade profissional, é a mais consentânea com o espírito do diploma.

Luís Martins Jurista

SOLICITADORES ILUSTRES

CARLOS PIMENTA

Mesmo na noite mais triste

Em tempo de servidão

Há sempre alguém que resiste

Há sempre alguém que diz não Manuel Alegre (1)

Ao longo da nossa já longa história, houve sempre Solicitadores que iam muito mais além de servir na sua procuradoria do dia a dia e pugnavam pela causa pública, lutando contra as injustiças de todos os poderes e perseguições. Já assim acontece desde o século XVI, com o Mestre Gabriel (*), Judeu Solicitador, até aos nossos dias, como já aqui escrevi em crónicas anteriores, com Carlos Cordeiro (**) e Aníbal Carvalho Araújo (***), grandes democratas, antes e depois do 25 de Abril de 1974. O primeiro foi eleito deputado pelo PS durante 20 anos e o segundo foi militante do MDP/CDE e Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Barcelos. Nestes 50 anos do 25 de Abril, não poderia deixar de escrever algumas linhas sobre Carlos Pimenta, um homem de pontes entre o antifascismo e a legalidade democrática. Carlos dos Santos Pimenta (1916/2001) era natural de Alcobaça. Fixou-se, desde muito jovem, em Leiria, onde, a partir dos 14 anos, labutou e estudou a vida forense, sempre combatendo as injustiças do novo regime salazarista. A sua luta contra a ditadura já lhe estava no sangue: o seu pai, Alferes Manuel dos Santos, esteve, durante a 1.ª República, mobilizado no sul de Angola e em França, integrado no Corpo Expedicionário Português, e foi um militar antifascista logo a seguir ao 28 de Maio. Conheceu a prisão em agosto de 1931, por participação na revolta contra a ditadura. Foi, então, deportado para Timor.

Carlos Pimenta, já casado e com 31 anos, inscreveu-se na antiga Câmara dos Solicitadores como Solicitador Provisionário e, mais tarde, Encartado, no ano de 1948. Cancelou a sua inscrição apenas quando se reformou, em 1997.

No seu escritório, situado na Rua Mestre de Avis, em Leiria, desde cedo começou a conspirar contra a ditadura. Reunia-se com todos os antifascistas da região, umas vezes em Leiria, outras em Alcobaça. Fez parte do Movimento de Unidade Democrata, apoiou as candidaturas de Norton de Matos e Quintão Meireles e, mais tarde, fez parte da comissão de apoio à candidatura de Humberto Delgado, em Leiria, onde, no dia das eleições, “foi para a praça festejar a vitória do General sem Medo“, sendo imediatamente preso pela PIDE. “Apesar de ter a PIDE no seu encalço, mas nada temendo, foi candidato, por Alcobaça, nas eleições de 1965 e 1969, insistindo sempre na denúncia das prisões arbitrárias dos seus amigos, apoiando, ao mesmo tempo, as suas famílias.” (2)

* Sollicitare n.º 14

** Sollicitare n.º 26

*** Sollicitare n.º 27

1) Trova do Vento que Passa

2) Biografia de Maria João Dias

3) Câmara Municipal de Leiria

A abertura do regime, no tempo de Marcello Caetano, a chamada Primavera Marcelista, entusiasmou-o, levando-o à vereação da Câmara Municipal de Leiria, em 1972. Com o 25 de Abril, aderiu ao então PPD, sendo eleito, nas primeiras eleições autárquicas, para a presidência da Câmara de Leiria (1976/1979) e reeleito em 1979. Carlos Pimenta foi, também, Vice-presidente, entre 1982 e 1985, e membro da Assembleia Municipal, entre 1985 e 1989. (3)

Além da solicitadoria e da política, Carlos Pimenta foi Presidente do Ateneu Desportivo de Leiria, um dos fundadores da União Desportiva de Leiria e Presidente da Região do Turismo da Rota do Sol, causas que lhe valeram justas homenagens. Poderemos chamar a Carlos Pimenta um homem do século XX: de formação sólida, feita no trabalho e na amizade, sempre solidário com os pobres e ofendidos. Era célebre a sua amizade com os pescadores de Pedrógão, tendo por lema a denúncia “das noites escuras” e a mão sempre estendida para acudir a quem lhe pedia ajuda. Um exemplo para os mais velhos, que o conheceram, e um farol para os mais novos.

Miguel Ângelo Costa Solicitador

TECNOLOGIA

As redes sociais e a criação de conteúdo jurídico: uma oportunidade?

Ainternet consolidou-se como uma ferramenta indispensável nas vidas pessoal e profissional, particularmente para a geração Millennial (da qual faço parte), geração essa que valoriza a acessibilidade à informação e à comunicação. Este fenómeno é especialmente evidente com a ascensão das redes sociais, que não apenas revolucionaram as interações sociais, como também se tornaram um instrumento poderoso para o desenvolvimento profissional em diversos setores, incluindo o jurídico. Estudos recentes indicam que os portugueses estão, em média, sete horas diárias online, demonstrando a relevância da presença digital nas suas vidas, seja em trabalho ou em lazer. Essa média é ainda mais expressiva entre os jovens, que reconhecem as plataformas digitais como uma ferramenta essencial para sobreviver na sociedade contemporânea. Hoje, até podemos substituir a expressão “quem tem boca vai a Roma” por “com o smartphone eu vou a todo o lado”. Vivemos o apogeu da substituição das relações pessoais pela utilização dos dispositivos móveis, com tudo o que de bom e mau isso acarreta.

Um exemplo muito pessoal e que mudou a minha vida em muitas áreas foi, efetivamente, a criação da minha página de Instagram, a @solicitador. pt. Na altura do confinamento e com o mundo praticamente enclausurado entre quatro paredes, a internet tornou-se uma companhia e uma oportunidade. Daí até à criação de conteúdo jurídico foi um pulo (e que pulo!). A criação de conteúdo sobre questões legais, a partilha de dicas práticas e de atualizações jurídicas ajudou-me não só a manter os conhecimentos “em dia”, mas também a entender que a necessidade de apoio legal é transversal a todos os cidadãos, mesmo que apenas uma vez na vida. Esta entrada no mundo digital não só

fortaleceu uma ligação com o meu público-alvo e atuais clientes, que em diversas ocasiões me confidenciaram que não conheciam a panóplia de serviços que um solicitador podia oferecer, como também atraiu novos clientes que procuravam orientação em diversas áreas, com a facilidade de poder oferecer tudo isto em qualquer lado, apenas com recurso a um telemóvel e ligação à internet. Além disso, a presença digital permitiu estabelecer conexões com colegas de profissão e especialistas de outras áreas, até então desconhecidos, enriquecendo o nosso mútuo conhecimento e ampliando oportunidades de colaboração e desenvolvimento profissional.

Para os profissionais do Direito, em especial os solicitadores, classe de que faço parte com orgulho, a presença nas redes sociais não apenas possibilita a expansão do alcance das suas práticas, mas também oferece oportunidades únicas de divulgação, networking e clientes. A habilidade de compartilhar conhecimento, promover discussões e fornecer orientações contribui para a construção de uma reputação sólida e confiável no meio digital e, consequentemente, também fora dele.

Numa última análise, a presença online não é apenas uma opção, mas sim uma necessidade para nós, profissionais do Direito, que procuram manter a relevância e a competitividade num mundo cada vez mais digital. A utilização das redes sociais, de forma ética e estratégica, pode não apenas expandir a influência e alcance do profissional jurídico, mas também contribuir para a disseminação de informações jurídicas precisas e acessíveis, promovendo uma sociedade mais justa e informada. E há ainda a vantagem de tornar a profissão de solicitador na primeira opção a surgir na mente da população, potenciando a busca por soluções jurídicas sólidas e seguras.

“O 25 de Abril e aquilo que eu fotografei fez-me muito feliz durante toda a vida”
ENTREVISTA COM

ALFREDO CUNHA

FOTÓGRAFO

As fotografias contam histórias, guardam o que passou e não se quer perder, dão contornos ao que as palavras não conseguem moldar. Permitem reviver o que, um dia, sentimos na pele. E permitem idealizar, por instantes, o que, não se tendo vivido na primeira pessoa, parece fazer parte da nossa história.

As fotografias de Alfredo Cunha, captadas no dia 25 de Abril de 1974, são capazes de tudo isto. E, capazes também de atravessar décadas, habitam o imaginário do país, das pessoas. Até das que nasceram depois daquele dia que mudou “a estética” de Portugal e trouxe as cores da liberdade, sentidas nos olhares esperançosos dos que ficaram nas imagens a preto e branco.

As fotografias de Alfredo Cunha, tão belas e tão únicas quanto aquele momento, lembram ainda os perigos do esquecimento. Tal como esta conversa. Uma conversa que, tendo de caber em palavras, superou a imaginação e ficará, para sempre, na memória. Tal como uma fotografia.

ENTREVISTA ANA FILIPA PINTO / FOTOGRAFIA ALFREDO CUNHA

Aquando do 25 de Abril, não foi a casa durante três dias, andou pelas ruas, a fotografar a revolução. Que dias e que ruas lembra? Como descreveria o que se viveu e fotografou?

Para mim, o 25 de Abril só acabou no 1.º de Maio. Andei pelas ruas sempre a fotografar porque, de repente, ficámos com uma estética nova. E isso tem uma grande influência na forma como olhamos para as coisas. No dia 25 de Abril, foi a primeira vez que ouvi “Viva a Liberdade!”, gritada por milhares de pessoas. E, depois, tomei consciência de que estava a fotografar em liberdade. Havia muita luminosidade, foi um dia que se tornou luminoso. A liberdade ganhou uma expressividade maior até com as fotografias a preto e branco. Nelas, estamos concentrados apenas na forma. Por conseguinte, o que se vê é liberdade e alegria.

Como percebeu que algo se estava a passar? E o que fez quando percebeu se passava realmente alguma coisa?

Nós [jornalistas] sabíamos que ia acontecer. Mas pensávamos que seria no dia 29. Estava atento, a ouvir rádio. Repare: ninguém chega a casa e vai ouvir rádio às 3 da manhã. E eu ia sempre ouvir. Por acaso, estava a ouvir The Doors. E estava noutro posto de emissão. A minha mãe é que me veio avisar. Ela é que ouvia rádio de noite. Ela costurava e a companhia dela era a rádio. Ela dizia que costurava à noite porque, durante o dia, tinha de trabalhar. O sonho dela era ter um atelier de costura…

Também acaba por costurar memórias, em forma de fotografia… E, na altura, era fotojornalista do jornal “O Século”. Sentiu no imediato, e nos meses em que não folgou, o impacto do dia 25 de Abril de 1974 naquele que era o seu trabalho de todos os dias?

Notou-se logo uma diferença: a liberdade.

O retrato do Capitão Salgueiro Maia é uma das imagens que vem imediatamente à memória quando falamos desta data que mudou o rumo do país. O que é que conta aquele retrato e aquele olhar?

Este retrato foi rejeitado no primeiro dia e esteve 20 anos inédito. Foi rejeitado, pura e simplesmente não foi publicado. Na altura, Salgueiro Maia não tinha a dimensão que tem hoje. E, 20 anos depois, o Vicente Jorge Silva fez uma grande primeira página no Público, com um editorial que se chamava “Os olhos do Capitão”. Para mim, aquele retrato representa o único momento em que

Andei pelas ruas sempre a fotografar porque, de repente, ficámos com uma estética nova. E isso tem uma grande influência na forma como olhamos para as coisas. No dia 25 de Abril, foi a primeira vez que ouvi “Viva a Liberdade!”, gritada por milhares de pessoas.

Salgueiro Maia teve medo que algo falhasse. Acho que foi o único momento em que ele pensou isso. Falei com ele muitas vezes. Quando o conheci, ele disse-me para não andar escondido. Falei com ele, pela primeira vez, por volta das 9h00. E esse retrato aconteceu por volta das 15h00. Foi o momento em que a Força Aérea e a Marinha tiveram ordens para bombardear e eu acho que foi o único momento em que ele teve medo.

E se tivesse de escolher uma fotografia daquele dia… Seria esse retrato?

Essa é “a fotografia”. Mas há outra, que é uma foto muito simples: a de um miúdo a espreitar. Um colega meu costuma dizer que aquele retrato é a história do futuro. Era a incógnita, a curiosidade de uma criança.

Acaba por representar um país a espreitar, a tentar perceber o que viria… Ainda guarda o equipamento fotográfico que o acompanhou naquele dia?

Foi doado à Torre do Tombo. E outra das máquinas está na Fundação Mário Soares. Era uma Nikon F, que era o equipamento mítico dos fotojornalistas, porque era o mesmo que era utilizado pelos fotógrafos na Guerra do Vietname. Na altura, o Vietname era a “Meca” dos fotógrafos. Todos queríamos ser fotógrafos de guerra. Éramos miúdos… Entretanto, estive em várias guerras e não gostei nada.

Hoje fotografamos com aquela ideia de quase infinitude. Como é que se fotografa um dia, que não se sabe quando é que vai acabar, consciente da finitude dos rolos?

Com muito cuidado e com muita objetividade. Essa é uma das coisas que me persegue ao longo destes anos. É que eu podia ter fotografado muito mais. Mas não sabíamos o que ia acontecer. E o problema é que já nem n’ O Século havia rolos. Agora, imagine-se como teria sido com uma câmara digital, com a possibilidade de fazer milhares de fotografias… No entanto, se calhar, não as faria com tanto cuidado.

O que representa viver tudo isto com 20 anos de idade e como é que, passados 50 anos, se olha para o que se viveu? Viver um dia como este, no início da carreira, marcou a caminhada que se seguiu?

Tenho dois mitos na minha vida. Um dos mitos é que vivo sempre no verão. A minha vida é como se fosse um eterno verão. O outro mito é o prolongamento do tempo. E houve um acontecimento muito mais grave, do ponto de vista humano, que foi a descolonização. Todas as dúvidas que tínhamos tornaram-se em dúvidas muito maiores. O desmoronar de um império é uma coisa terrível. E aí estão outras expressões: as de quem perdeu tudo.

ESCOLHAS…

Um fotógrafo: W. Eugene Smith

Um livro: “Sinais de fogo” de Jorge de Sena

Um lugar: Bijagós, Guiné-Bissau

Um filme: Apocalipse Now

Uma música: “The sound of silence” de Simon e Garfunkel

É que eu podia ter fotografado muito mais. Mas não sabíamos o que ia acontecer. E o problema é que já nem n’ O Século havia rolos. Agora, imagine-se como teria sido com uma câmara digital, com a possibilidade de fazer milhares de fotografias…

O 25 de Abril de 1974 tinha uma estética, o de 2024 tinha outra. Mas em comum tinham a ânsia de liberdade. Mas eram outras pessoas, vestiam-se de outra maneira, tinham outra postura. Já aquilo que vai na cabeça das pessoas… Isso é sempre o mesmo: a ânsia de liberdade.

Passaram 50 anos desde o dia 25 de Abril de 1974. Mudaram mais as fotografias de Portugal ou a própria arte de fotografar? Portugal, na sua forma de ser e de estar, é um país fotogénico?

A forma como se veem as coisas é a mesma. O que muda é a tecnologia e é o cenário, aquilo que está à nossa volta. Eu acho que fotografo da mesma maneira que fotografava antes. Já sobre Portugal ser um país fotogénico… A sociologia ensina-nos uma coisa: todos os tempos têm uma estética. O 25 de Abril teve uma estética. A descolonização teve outra estética. Hoje vivemos noutra estética. As fotografias estão aí aos milhares. Depois, encontramo-las ou não. É isso que define um fotógrafo: a capacidade de olhar para as coisas. Porque uma boa fotografia toda a gente faz, pelo menos uma vez na vida. Até com os telemóveis. O problema é a busca constante “da fotografia”.

As comemorações dos 50 anos e o dia 25 de abril de 2024 levaram-no, de alguma forma, até à estética do dia 25 de abril de 1974?

Não, de forma nenhuma. O 25 de Abril de 1974 tinha uma estética, o de 2024 tinha outra. Mas em comum tinham a ânsia de liberdade. Mas eram outras pessoas, vestiam-se de outra maneira, tinham outra postura. Já aquilo que vai na cabeça das pessoas… Isso é sempre o mesmo: a ânsia de liberdade.

Por fim: como gostaria que olhassem para as suas fotografias, captadas neste dia, daqui a 50 anos, quando se comemorar um século passado desde a revolução? Um registo do passado e um permanente alerta para o futuro?

Estou a ler um livro, neste momento, que se chama “O Eterno Retorno do Fascismo”. A lógica que fica sempre, mesmo após o 25 de Abril (e isso só percebemos passados uns meses), é a do absolutismo e a do salazarismo. E nós cometemos o erro de deixar que ela se instalasse outra vez. Mas como nada é eterno e a vida está sempre a dar voltas, as coisas vão mudar. E se precisarem de mudar outra vez, voltam a mudar. Mas isso tem a ver com as quatro estações e com a nossa vida. Eu prefiro viver sempre no verão… O 25 de Abril e aquilo que eu fotografei fez-me muito feliz durante toda a vida. Fui um fotógrafo feliz. Tudo o que tenho, tudo o que fiz, tudo o que sou… Devo à fotografia. E isso faz com que tenha sempre esta ânsia de produzir, de fazer coisas e de fotografar. Sou muito criticado por ser um fotógrafo excessivamente produtivo, mas, como sou incorrigível, sei que não vou mudar.

Fui um fotógrafo feliz. Tudo o que tenho, tudo o que fiz, tudo o que sou… Devo à fotografia. E isso faz com que tenha sempre esta ânsia de produzir, de fazer coisas e de fotografar.

25.º CONGRESSO DA UIHJ

Portugal vai acolher 26.º Congresso Internacional e passa a estar representado nas direções da UIHJ e da UEHJ

Foi entre 7 e 10 de maio que decorreu, no Rio de Janeiro, o 25.º Congresso Internacional da Union Internationale des Huissiers de Justice (UIHJ). Um encontro que juntou representantes de 53 países e cuja organização contou com o apoio da FENASSOJAFAssociação Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais.

A par do essencial debate sob o mote “Oficial de Justiça como Agente de Confiança”, no seguimento da candidatura apresentada pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), foi aqui anunciado que o próximo congresso, previsto para 2027, terá lugar em Portugal.

Foi Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, quem subiu a palco e deu voz à candidatura portuguesa. No final e após o anúncio da vitória, não escondeu a satisfação pela decisão tomada pelas organizações que integram esta estrutura internacional: “Em 2027, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, antes Câmara dos Solicitadores, completará 100 anos de existência. 100 anos de uma missão que hoje, aqui, reafirmamos em uníssono: lutar por uma melhor Justiça ao alcance todos os cidadãos. Uma missão que, diariamente, é impulso, motivação, razão única para um trabalho que se renova à velocidade dos tempos que vivemos, à velocidade dos objetivos que vamos definindo. Sempre mais inovadores, mais ambiciosos, mais desafiantes. Por acreditarmos que, só continuando a cooperar, poderemos continuar a almejar chegar mais longe, apresentámos esta candidatura. E que felizes estamos por vos podermos acolher, em 2027, em Lisboa, num Congresso que fortaleça o que nos une, corrobore a missão que nos move, seja inspiração no desenho de novas metas e que espelhe o quanto queremos continuar a avançar. Juntos!”

Ainda no âmbito deste 25.º Congresso Internacional, foram votadas e anunciadas as novas equipas que irão assumir a direção das estruturas mundial e europeia. Assim, Paulo Teixeira, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), e Duarte Pinto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, foram eleitos membros das direções da União Internacional e da União Europeia dos Oficiais de Justiça, respetivamente. No seguimento do anúncio, Paulo Teixeira e Duarte Pinto salientaram “a responsabilidade inerente e, também, o orgulho imenso que é, em nome da OSAE, poder contribuir para a partilha de boas práticas e para a construção de respostas e soluções sem fronteiras”.

Leituras

No ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril, venho sugerir a leitura de duas obras que retratam aquilo que foram os bastidores deste dia tão importante para a nossa História, bem como os sacrifícios de tantos, em prol da liberdade que hoje vivemos. Espero que estes livros ajudem a compreender melhor como era antes do 25 de Abril e, acima de tudo, que nos façam refletir sobre o nosso passado, o nosso presente e, consequentemente, sobre o que queremos que seja o nosso futuro enquanto sociedade e País.

OS MEMORÁVEIS

Lídia Jorge

“Os memoráveis” conta a história de Ana Maria Machado, jornalista, filha de António Machado, que, 30 anos após a revolução de Abril, é desafiada pelo embaixador americano a fazer um documentário sobre o golpe de Estado português, segundo este, um marco histórico nunca antes visto.

Ana Maria Machado embarca agora numa descoberta acerca dos tempos que antecederam a Revolução dos Cravos, considerada por muitos uma revolução pacífica. A descoberta inicia-se com uma fotografia velha e poeirenta, existente numa prateleira alta da casa de António Machado, seu pai, com caras bastante conhecidas e importantes para que o Golpe de Estado se solidificasse.

A par da narrativa da Revolução dos Cravos, temos a história pessoal de Ana Maria Machado, as adversidades passadas pela mesma, nomeadamente no que diz respeito à relação com seu pai, António Machado, um jornalista de referência em tempos de revolução. Uma obra de ficção que retrata a passagem do tempo daqueles que viveram e fizeram o 25 de Abril acontecer, onde a autora dá palco às personagens notáveis e, por isso, inesquecíveis, que ajudaram a escrever a nossa História.

OS ÚLTIMOS PRESOS

DO ESTADO NOVO

Tortura e desespero em vésperas do 25 de Abril

Joana Pereira Bastos

Este livro retrata o testemunho de alguns presos políticos do regime, torturados de formas inimagináveis pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). O testemunho de pessoas que, apesar do medo que perambulava nas ruas, da brutalidade do regime, sempre tiveram a coragem de lutar por aquilo em que acreditavam: a Liberdade.

Joana Pereira Bastos, jornalista e autora desta obra, entrevistou homens e mulheres que foram vítimas às mãos da PIDE, retratando as técnicas de tortura e de manipulação usadas pelo Estado Novo para que aqueles que se opunham ao regime confessassem e “pagassem” pelos seus “crimes”. Todos os meios eram válidos para que os fins deste regime fossem alcançados. Cada testemunho é de uma imensa brutalidade. Chega a ser uma leitura desconfortável. No entanto, é, por isso, uma leitura necessária, pois, ao lembrarmos o sofrimento destas pessoas, não deixaremos esquecer que é preciso, todos os dias, lutar pela Liberdade e pela Democracia.

CAFÉ MAJESTIC

Joana Gonçalves

Colaboradora do Gabinete de Comunicação e Relações Externas da OSAE

Onde se ajudou a formar um País diferente

Café dos artistas, dos escritores e de todos os que apreciam uma boa conversa. Local de tertúlias, de debates, de pensamentos. Assim é, desde 1922, o café Majestic, no Porto. Quando abriu, apresentava-se como o mais luxuoso café da Península Ibérica. O seu estilo Arte Nova é inconfundível: espelhos de cristal, grandes candeeiros de metal trabalhado, bancos de couro e esculturas de rostos e de figuras seminuas dão-lhe um glamour especial.

CAFÉ MAJESTIC

Rua Santa Catarina, 112 4000-442 Porto

Tel.: 222 003 887

Aberto de segunda a sábado, das 9h00 às 23h00. Encerra ao domingo.

Indissociável da história da cidade, o Majestic conta também a história do País e do mundo. Situado no número 112 da Rua de Santa Catarina, assistiu a guerras, a mudanças de regime, a pandemias, a revoltas, a manifestações. Durante mais de um século, muitas foram, e são, as histórias que aquelas paredes poderiam contar. Assim como os segredos, as aventuras e até os falhanços das muitas vidas que por lá passaram. Com clientes fiéis dos quatro cantos do mundo, o Majestic é ponto de passagem obrigatório para Ministros e Presidentes da República, para personalidades nacionais e estrangeiras, para os muitos turistas que o visitam e para todos os portuenses que fazem dele um espaço diário de convívio.

E quando os cafés se tornaram verdadeiros locais de intervenção social, política e cultural, no início dos anos 70, o Majestic foi um dos principais abrigos das ideias de quem ambicionava um País diferente, de agitações e atos conspirativos promovidos por artistas, escritores, intelectuais, jornalistas e operários, assim como por partidos e movimentos clandestinos.

Este café histórico conta a memória de um povo que buscava liberdade. E hoje, as ideias livres ecoam pelo Majestic num sem número de idiomas. Conversa que puxa conversa e que puxa também um delicioso café acabado de moer. Ou um chá. Quem sabe um chocolate quente? Claro está, a acompanhar as verdadeiras estrelas do Majestic, as rabanadas envoltas num suave creme de ovos e frutos secos, os scones e as torradas servidas com compota. Um menu que aguça os sentidos e as ideias. Tal como aconteceu durante 102 anos e como continuará a acontecer nos muitos mais que estão por vir.

Ana Filipa Pinto Colaboradora do Gabinete de Comunicação e Relações Externas da OSAE

BAR PROCÓPIO

Há lugares que, quando descobertos pela mão de alguém que, um dia, também os descobriu assim, superam a nossa capacidade de imaginar e acabam por se tornar ponto de partida para tanto do que imaginamos. O Procópio é um desses lugares. Desde o dia em que se sobem aquelas escadas e se descobre este lugar pela mão de quem, um dia, também já o havia descoberto assim.

Acreditando que as paredes não falam, nem têm ouvidos, a verdade é que, quando entramos no Procópio, as memórias ecoam entre as vozes que, mais de 50 anos passados e desde o primeiro dia, enchem um bar onde, por mais cheio que esteja, há sempre (e sempre houve) espaço para pensar e conversar.

BAR PROCÓPIO

Alto de S Francisco 21 A (à Rua João Penha) 1250 Lisboa

Tel.: 213 852 851

Foi depois de acertada a cor das paredes (a ambicionada “cor de sangue-de-boi”) que as portas abriram, a 5 de maio de 1972, poucos anos antes do 25 de Abril, o dia em que também as portas do País se abririam. Homens e mulheres ali vinham. Sim, mulheres também. Mais um dos encantos deste bar: há mulheres na sua génese e ao longo de toda a sua existência. E, nessa existência com as mesas cheias, sempre couberam políticos, militares, artistas e jornalistas. Era assim que os debates continuavam e nunca acabavam, ao ritmo das pedras de gelo que batiam nos copos. Dizem, até, que por lá se desenhou o 25 de Novembro. Mas também cabiam, e continuam a caber, os encontros entre amigos. Meio século passado, a elegância continua a percorrer cada detalhe de uma decoração que prende o olhar e nos faz esquecer o tempo. Sabe bem ficar, simplesmente, a olhar. Meio século depois e mesmo depois de cederem ao charme do WiFi e das redes sociais, assim continua a ser. Sem deixar esquecer o que está para trás, mas sempre com vontade de “ir à frente”. Afinal de contas, dizem ser este o significado de “Procópio”. Aqui, uma simples “amarguinha com limão” tem aquele gosto do que é especial, quiçá irrepetível. O tempero das pipocas é segredo. É viciante e parece cair bem com tudo quanto se peça para beber. Aliás, na ementa lê-se “Pipocas e IVA incluídos”. Segredo também parece ser aquela luz. Misteriosa, mas acolhedora. Diríamos, mesmo, sedutora. Faz querer ficar. Faz querer, lá está, ficar só a olhar, no aconchego daqueles icónicos sofás de veludo vermelho e na companhia de um qualquer cocktail e das afamadas tostas de paté com pickles, em pão de centeio. Tal como este bar tem ficado no seio e na história da mesma família, passando de geração em geração. Tal como este bar tem ficado na noite lisboeta e nas vidas de quem, um dia, o descobre pela mão de outrem. Incontornável, inesquecível. Discreto por fora, extravagante por dentro. Naquele recanto do Jardim das Amoreiras, onde a azáfama da cidade não parece chegar e onde, quando se chega, se continua a respirar, profunda e assumidamente, liberdade.

Aberto de segunda a sexta, das 18h00 às 3h00; ao sábado a partir das 21h00.

Marília Reganha Solicitadora

Uma viagem pela História do 25 de Abril

Zeca Afonso jamais poderia imaginar que a canção “Grândola, Vila Morena”, gravada em Paris, em 1971, se tornaria, três anos depois, a senha para o início das operações militares que puseram fim a 48 anos de ditadura em Portugal. Desde então, o 25 de Abril, “Grândola, Vila Morena” e Zeca Afonso tornaram-se símbolos indissociáveis de liberdade e democracia, recordando os ideais de justiça, igualdade e fraternidade que inspiraram a revolução.

Em Grândola, tudo respira e transpira o 25 de Abril, ao ponto de, independentemente da sua dimensão populacional, manter o estatuto de “vila morena” em vez de ascender a cidade.

Falar do 25 de Abril, em Grândola, sem mencionar a “música velha” (Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense) seria um exercício incompleto. Essa coletividade foi palco e motor, durante o Estado Novo, da presença de importantes figuras do panorama cultural e da oposição ao regime. Foi aqui que Zeca Afonso se apresentou em 1964, ficando tão impressionado que compôs e ofereceu à SMFOG o poema que mais tarde transformou em canção, “Grândola Vila Morena”.

São várias as homenagens, patentes na Vila, ao 25 de Abril e a Zeca Afonso. O “Memorial ao 25 de Abril”, na Praça da Liberdade, uma das entradas de Grândola, é, talvez, a mais notável. Da autoria de Jorge Me-

Liliana

lício, é formado por um painel de azulejos pintados à mão, que representam, além do icónico cravo, excertos da pauta musical e da letra de “Grândola, Vila Morena”, os nomes de alguns dos “Capitães de Abril” e a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”. A obra está assente numa plataforma de calçada portuguesa, onde está exposto outro elemento icónico do 25 de Abril: um tanque de guerra, a representar o papel das Forças Armadas na Revolução.

No Largo de São Sebastião, encontramos a escultura “Monumento à Liberdade” (de Jorge Vieira, representando a libertação do povo português do regime autoritário) e a “Escultura a José Afonso” (da autoria de António da Trindade, também em aço, apresentando o recorte de uma azinheira, o entalhe de uma mão segurando um cravo e o rosto de José Afonso), bem como uma pintura mural grafiti, da autoria de Ivo Santos, na qual se destaca o retrato de Zeca Afonso com traços vívidos e cores vibrantes.

No centro da vila, está o que terá sido o primeiro

monumento (1987), em Portugal, de homenagem a José Afonso, da autoria do arquiteto João Videira. Trata-se de uma escultura em mármore rosa, que o autor descreve como um “anti monumento para um anti-herói”.

Passando do património material ao imaterial, chegamos ao “Observatório da Canção de Protesto”, um espaço cultural dedicado à preservação, promoção e estudo da música de protesto, especialmente da canção de protesto portuguesa, numa homenagem à música, como forma de expressão política e social, e à sua ligação a Grândola.

Para concluir a visita, há que passar pelo recém-inaugurado Museu “Grândola, Vila Morena”. É um núcleo museológico interativo, que proporciona uma fascinante viagem, combinando tecnologia, exposições, filmes e atividades participativas para contar a história da icónica canção, que transformou Grândola num símbolo do 25 de Abril e que continua a ecoar como hino da liberdade em Portugal.

GRÂNDOLA Vila Morena

Paris, la belle cité de l’amour... Muito se poderá dizer acerca da famosa cidade do amor. É, de facto, uma cidade carismática, mística e que facilmente nos transporta para outros tempos. Desde as suas edificações mais nobres, como Notre-Dame, o Arco do Triunfo ou a emblemática Torre Eiffel, até às pontes que permitem a travessia do rio Sena, cuidadosamente trabalhadas e esculpidas. Paris é uma cidade com História, com arte e com personalidade. E, aqui, torna-se fácil viajar até à Belle Époque ou aos “Loucos Anos Vinte”.

Paris deve ser sentida, vivida e experienciada, preferencialmente, a pé. Isso permite-nos mergulhar no nosso imaginário, alimentado pelos livros que lemos e pelos filmes que vimos. Conseguimos andar pela cidade e caminhar pelo tempo, percorrendo as esplanadas que envolvem toda a cidade.

Aqui, tenho de destacar o Moulin Rouge, um dos principais pontos de Montmartre. O cenário e o espírito de cabaré invadem as ruas, repletas também de elegância e sofisticação. Sim, sem dúvida, duas boas palavras para caracterizar Paris.

PARIS

A cidade dos muitos encantos

Não podemos deixar de passear pela avenida dos Champs-Élysées. Na sua parte mais alta, encontramos o incontornável Arco do Triunfo e, ao descer a avenida, terá a companhia de uma panóplia de lojas de luxo, restaurantes e cinemas.

A Pont des Arts, o grande símbolo do amor, é também de visita obrigatória. Ou, melhor dizendo, talvez outrora o tenha sido. Ainda tive o privilégio de ver a ponte repleta de cadeados, com as iniciais do nome de cada elemento do casal. Fazendo juras de amor eterno, deixavam o cadeado fechado e pendurado na ponte. Atualmente, já não é permitido prender os cadeados ao gradeamento, mas a Pont des Arts continua a ser mundialmente conhecida por ter sido palco deste fenómeno, que, mais tarde, se propagou a outras cidades europeias.

A par de tudo isto e num ano tão importante para a democracia portuguesa, em que se assinalam 50 anos passados desde o 25 de Abril de 1974, importa relembrar que Paris, “Cidade da Luz”, foi refúgio, para muitos exilados políticos, e esperança, para tantos emigrantes vindos do nosso País. Pessoas que, deixando para trás a ditadura, partiram à procura de um futuro mais livre e próspero.

Por todas estas razões e encantos, só posso recomendar, vivamente, a visita a Paris. Uma cidade de muitos tempos e, sem dúvida, intemporal.

Soraia Domingues Solicitadora

JORNADAS ESTUDO DE 20

Solicitadores e Agentes de Execução

Figueira

da Foz

Centro de Artes e Espetáculos

-

21 SET.

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