revista da ordem dos solicitadores e dos agentes de execução
REPORTAGEM
Comissão Nacional de Eleições
ENTREVISTA
Conceição Condeço
Diretora dos Serviços de Vigilância Eletrónica da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
REPORTAGEM
Tomamos um café?
DELTA
António Mendonça
Presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais e Bastonário da Ordem dos Economistas
EDIÇÃO N.º 38 / TRÊS VEZES POR ANO / FEVEREIRO –MAIO 2024 / €2,50
FICHA TÉCNICA
SOLLICITARE
REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
Diretor
Paulo Teixeira
Editor
Francisco Serra Loureiro
Redatores principais
André Silva e Joana Gonçalves
Colaboram nesta edição:
Ana Margarida Vidal, Carla Taipina Marta, Débora Oliveira Ferreira, Joana Villas Boas, Leonardo Homem de Carvalho, Maria Sousa, Maura Fonseca, Miguel Ângelo Costa, Susana Antas Videira e Telma Afonso
Conselho Geral
Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt
Conselho Regional do Porto
Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt
Conselho Regional de Coimbra
Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt
Conselho Regional de Lisboa
Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt
Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt
Impressão:
Lidergraf, Sustainable Printing
Tiragem: 6 500 Exemplares
Periodicidade: Três vezes por ano
ISSN 1646-7914
Depósito legal 262853/07
Registo na ERC com o n.º 126585
Sede da Redação e do Editor
Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa
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Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.
Bastonário
Paulo Teixeira
Assembleia Geral
Presidente: Aventino Lima (Lisboa)
1.ª Secretária: Elizabeth Costa (Lisboa)
2.º Secretário: Pedro de Aguiar Fernandes (Setúbal)
Conselho Geral
Presidente: Paulo Teixeira (Matosinhos)
1.ª Vice-Presidente: Edite Gaspar (Lisboa)
2.º Vice-Presidente: Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz)
3.ª Vice-Presidente: Diana Silva Queiroz (Vila Franca de Xira)
1.ª Secretária: Tânia Fernandes (Albufeira)
2.ª Secretária: Gabriela Antunes (Leiria)
Tesoureiro: Mário Couto (Vila Nova de Gaia)
Vogais: João Coutinho (Figueira da Foz), Susana Mareco (Coimbra), João Salcedas (Torres Novas), Ramiro dos Santos (Coimbra), José Cardoso (Termas de São Vicente)
Conselho Superior
Presidente: Fernando Rodrigues (Maia)
Vogais: Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira), José Guilherme Pinto (Maia), Rosária Rebelo (Rio Maior), Valter Jorge Rodrigues (Moita), Beatriz Tavares do Canto (Ponta Delgada), Rafael Parreira (Leiria), Isabel Carvalho (Vila Nova de Famalicão), João Reduto (Guarda), Cláudia Cerqueira (Viana do Castelo), João Soares Rodrigues (Oliveira de Azeméis)
Conselho Fiscal
Presidente: Lídia Coelho da Silva (Porto)
Secretário: Alberto Godinho (Tomar)
Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores
Presidente: Delfim Costa (Barcelos)
Vice-presidente: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria)
Vogais: Leandro Siopa (Pombal), Carina Jiménez Reis (Linda-a-Velha), Marcelo Ferreira (Covilhã)
Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução
Presidente: Duarte Pinto (Porto)
Vice-presidente: Filipa Gameiro (Alcanena)
Vogais: Marco Santos (Trofa), Tânia Mendes Silva (Alcobaça), Emanuel Silva (Águeda)
Conselho Regional do Porto
Presidente: Nicolau Vieira (Gondomar)
Secretária: Cecília Mendes (Paredes)
Vogais: Marta Baptista (Santa Maria da Feira), Paulo Miguel Cortesão (Maia), Mariela Pinheiro (Barcelos)
Conselho Regional de Coimbra
Presidente: Anabela Veloso (Santa Comba Dão)
Secretário: Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede)
Vogais: Edna Nabais (Castelo Branco), Graça Isabel Carreira (Alcobaça), Bruno Monteiro Branco (Condeixa-a-Nova)
Conselho Regional de Lisboa
Presidente: Débora Riobom dos Santos (Odivelas)
Secretário: João Pedro Amorim (Lisboa)
Vogais: José Jácome (Lagos), Carla Matos Pinto (Torres Vedras), Marina Campos (Queluz)
EDIÇÃO N.º 38
FEVEREIRO –MAIO 2024
/
As Ordens Profissionais vivem tempos desafiantes. Enquanto Bastonário desta nossa Ordem, já tive oportunidade, por diversas ocasiões, de mostrar o meu descontentamento em relação a como o processo legislativo de alteração dos Estatutos foi conduzido. Por isso, nesta nova edição da Sollicitare, quisemos também conhecer a visão que o presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP), António Mendonça – a quem muito agradecemos –, tem acerca destas novas medidas. E a conclusão é comum: as Ordens não foram ouvidas nem compreendidas devidamente. Posto isto, não podemos baixar os braços. Os Solicitadores e os Agentes de Execução querem fazer parte da solução. E a OSAE continuará a lutar contra estas alterações e a pugnar, junto do próximo Governo, pela necessidade de rever as alterações agora aprovadas, pelos danos que, previsivelmente, irão causar aos associados desta Ordem e, principalmente, à segurança jurídica dos cidadãos e das empresas.
A propósito do próximo Governo, e com o aproximar das eleições legislativas, fomos conhecer qual o papel da Comissão Nacional de Eleições no assegurar do bom funcionamento dos processos eleitorais e o trabalho que realiza para que, acima de tudo, a democracia continue viva a cada voto. O nosso muito obrigado ao Senhor Juiz Conselheiro José Vítor Soreto de Barros por tão enriquecedora conversa.
Nesta edição da nossa revista, destaque também para a entrevista gentilmente concedida por Conceição Condeço, Diretora dos Serviços de Vigilância Eletrónica da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que nos falou de um modelo de vigilância eletrónica que, para além de ser útil no cumprimento de certas penas, pode ser ainda mais no campo da prevenção.
No nosso habitual espaço dedicado aos Conselhos Regionais é feito um balanço do passado, mas sempre com os olhos postos no futuro. Não me canso de frisar que o papel destes órgãos é primordial para o funcionamento desta Casa.
Gostaria ainda de fazer uma menção especial à entrevista concedida pelas colegas Diana Silva Queiroz e Carina Jiménez Reis, coordenadoras do projeto Informação Jurídica Gratuita (IJG). Este é, sem dúvida, um dos projetos que mais orgulha a OSAE e os seus associados. Em 2023, a IJG prestou uma centena de atendimentos e ajudou 137 pessoas carenciadas através de aconselhamento jurídico gratuito. São números que nos devem orgulhar.
Resta-me terminar fazendo votos de que os tempos conturbados que vivemos não sejam fator de desmoralização, mas sim incentivo para que continuemos, a cada dia, a servir os cidadãos e a Justiça. Só assim contribuiremos para um futuro melhor para todos.
Boas leituras!
SOLLICITARE 1 EDITORIAL
Paulo Teixeira
Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
SOLLICITARE 38 / FEVEREIRO – MAIO 2024
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António Mendonça
Entrevista com o Presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais e Bastonário da Ordem dos Economistas
Fotografia capa Cláudia Teixeira
Comissão Nacional de Eleições Reportagem
Conceição Condeço
Entrevista com a Diretora dos Serviços de Vigilância Eletrónica da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Labor Improbus Omnia Vincit
2 ÍNDICE
36 62 56
Informação Jurídica
Tiago Pais Dias
Tomamos um café?
Reportagem sobre a Delta Cafés, uma marca portuguesa com história
SOLLICITARE 3
Gratuita Entrevista a Diana Silva Queiroz e Carina Jiménez Reis
Entrevista com o músico
EDITORIAL 1 PROFISSÃO É urgente simplificar… a linguagem jurídica! (por Susana Antas Videira) 20 A despenalização da procuradoria ilícita (por Francisco Serra Loureiro ) 23 Os novos horizontes dos Atos de Advogados e Solicitadores (por Carla Taipina Marta) 31 Aviso do Banco de Portugal – A Responsabilidade pela Comunicação da Informação (por Telma Afonso) 50 Solicitadores ilustres O Agente de Execução e dois escritores universais, que relação? 52 Tecnologia / Uma história de mitos (por Joana Vilas Boas) 54 OSAE OSAE promoveu conferência "A Justiça e o XXIV Governo" 32 Conselho Regional do Porto 40 Conselho Regional do Coimbra 42 Conselho Regional do Lisboa 44 Gala dos Conselhos Regionais 47 SUGESTÕES Leituras 67 ROTEIRO GASTRONÓMICO Restaurante Garfo Dourado 68 Fusão de Artes 69 VIAGENS Faro 70 Bordéus 72
“Esperava-se que, da parte dos responsáveis políticos, houvesse uma maior compreensão para o papel das Ordens, que é um papel fundamental na sociedade portuguesa”
ANTÓNIO MENDONÇA
Presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais e Bastonário da Ordem dos Economistas
ENTREVISTA JOANA GONÇALVES / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA
ENTREVISTA
Está à frente dos destinos do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) numa época que, para muitos, é a mais desafiante para a história das Ordens Profissionais. Sempre se revelou crítico de todo o processo legislativo de alteração dos Estatutos, afirmando, mais do que uma vez, que as Ordens não foram ouvidas devidamente nem compreendidas. Quanto ao futuro, António Mendonça, acredita que há sempre a perspetiva de melhorar. Até porque, para o Presidente do CNOP e Bastonário da Ordem dos Economistas, “as Ordens agrupam pessoas altamente qualificadas nos diferentes setores de atividade e há uma experiência acumulada que é fundamental ser mobilizada”.
Foi recentemente reeleito Presidente do Conselho Geral do CNOP para o triénio 2024-2026. Que balanço faz do mandato anterior? E quais as suas perspetivas para este que agora inicia?
Fui eleito, em meados de 2022, para substituir o Engenheiro Carlos Mineiro Aires que era, à altura, o Presidente do CNOP. Entretanto, ele foi chamado a exercer outras responsabilidades e houve necessidade de o substituir. E eu fui eleito precisamente para terminar o mandato. Foi quase um mandato de choque, porque tivemos de lidar diretamente com o processo legislativo de alteração do regime jurídico das Associações Públicas Profissionais, das Sociedades Profissionais Multidisciplinares e depois dos Estatutos das Ordens. Digamos que 90 por cento do mandato foi exercido para fazer face aos desafios que surgiram dessas alterações. Foi uma experiência contraditória, mas interessante, porque pôs à prova toda a capacidade de organização e de mobilização das diferentes Ordens para enfrentar esse desafio.
Já este mandato será, também, complexo, até porque a conjuntura política, económica e social do país é, também ela, complexa. O mandato será, naturalmente, influenciado por isso. Mas espero que seja um mandato de consolidação. Há toda uma experiência acumulada e agora temos de dar saltos qualitativos a vários níveis: em primeiro lugar, do ponto de vista da projeção do CNOP na sociedade portuguesa. O CNOP não é uma outra Ordem nem pretende ser um substituto de cada uma das Ordens. O CNOP é uma plataforma de troca de experiências, de opiniões, de projeção global das Ordens na sociedade e quer afirmar-se como interlocutor perante os poderes públicos. Aliás, um dos projetos que temos para este mandato é o “Fórum das Ordens Profissionais”, que acontecerá em abril, até para relembrar que 16 das 20 Ordens existentes foram criadas pelo atual regime saído da Revolução de Abril. Pretendemos que este Fórum seja uma plataforma de diálogo, não só entre as Ordens, como com a sociedade civil e com os poderes públicos. Essa iniciativa para além de se centrar sobre temas transversais a todas as Ordens, servirá, ainda, para fazer um ponto de situação de todo o processo de revisão da legislação, mas também para encontrar novas formas de continuar a afirmar o papel das Ordens na sociedade portuguesa. É preciso olhar para a frente e encontrar formas de nos adaptarmos e enfrentarmos os novos desafios que aí vêm.
Aquando da sua reeleição, propôs-se a “defender o papel das ordens profissionais, enquanto instituições transparentes de defesa e garantia do exercício responsável, competente e ético, das profissões representadas, tendo sempre como referência a salvaguarda do interesse público”. Ainda há muito a fazer neste âmbito? Ou seja, da sua experiência, o cidadão compreende o porquê da existência das Ordens profissionais?
Acho que houve uma alteração de qualidade relativamente à consciência do cidadão quanto às Ordens. Quando iniciámos este processo, havia a ideia de que as Ordens eram instituições de natureza corporativa, cujo objetivo era limitar o acesso às profissões. E tal não pode estar mais longe da verdade. As Ordens querem é
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abrir-se: a sociedade precisa de profissionais qualificados e as Ordens querem contribuir para que mais gente qualificada possa ingressar na economia portuguesa. É um papel completamente contrário. E acredito que as Ordens e o CNOP conseguiram, de alguma forma, inverter esse sentimento mais negativo relativamente ao papel das Ordens. Mesmo da parte dos responsáveis políticos tem havido uma evolução muito positiva: veja-se a evolução da própria Assembleia da República. No projeto inicial de alteração dos Estatutos havia uma inversão das atribuições das Ordens, ou seja, a primeira atribuição era a defesa dos interesses dos membros das Ordens e, em segundo lugar, a salvaguarda do interesse público. Nós chamámos à atenção quanto a essa situação, porque a realidade é, precisamente, contrária. E, de facto, reconheceram isso. É necessário elogiar a compreensão que houve, em primeiro lugar, dos deputados da maioria, mas também de todos os outros, que compreenderam que a atribuição fundamental das Ordens, hoje, é a salvaguarda do interesse público. Acho que foi um reconhecimento muito importante. O problema é que, depois, as medidas propostas justificavam-se para limi-
O CNOP não é uma outra Ordem nem pretende ser um substituto de cada uma das Ordens. O CNOP é uma plataforma de troca de experiências, de opiniões, de projeção global das Ordens na sociedade e quer afirmar-se como interlocutor perante os poderes públicos.
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ENTREVISTA COM ANTÓNIO MENDONÇA
Todas as Ordens têm iniciativas de mobilização dos seus membros e de
relacionamento
com a sociedade e podem dar contributos muito significativos para resolver problemas.
tar o poder corporativo. Houve uma perda de coerência. Chegou quase a ser dito que as Ordens eram responsáveis pela emigração dos jovens, o que é grave. Os jovens emigram, mas seguramente que não é porque existem Ordens.
Considerou, também, que as Ordens Profissionais devem ser encaradas “como um fator sistémico de inovação e de dinamização económica e social”. Como se poderá fomentar esse propósito?
Todas as Ordens têm iniciativas de mobilização dos seus membros e de relacionamento com a sociedade e podem dar contributos muito significativos para resolver problemas. Por exemplo, relativamente ao Serviço Nacional de Saúde, sem dúvida que as Ordens ligadas à
saúde têm um papel muito importante a desempenhar, a discutir, a refletir. No âmbito da economia, as Ordens mais diretamente ligadas à atividade económica e empresarial têm um papel muito importante na reflexão e discussão dos problemas. Na Justiça, a mesma coisa. E isso tem sido feito a vários níveis, quer unilateralmente, quer em conjunto. Aliás, uma das propostas do plano de atividades do CNOP passa por promover o funcionamento das Ordens por grupos, nomeadamente o grupo da saúde, da economia, do direito até pela sua extrema relevância social. Grupos que tenham em conta as características das Ordens e que, a partir de uma reflexão mais focada e especializada, possam aprofundar a discussão e dar contributos importantes. As Ordens agrupam pessoas altamente qualificadas nos diferentes setores de atividade e há uma experiência acumulada que é fundamental ser mobilizada.
Voltando ao tema das alterações aos Estatutos das ordens profissionais: tem sido bastante crítico ao longo de todo o processo. Qual a sua opinião sobre a maneira como foi gerido?
Há um sentimento de frustração. Esperava-se que, da parte dos responsáveis políticos, houvesse uma maior compreensão para o papel das Ordens, que é um papel fundamental na sociedade portuguesa. Neste mo-
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mento, existem 20 Ordens reconhecidas e com Estatutos aprovados. São instituições com uma grande tradição, que agrupam cerca de 500 mil profissionais altamente qualificados. Portanto, esperar-se-ia que pudessem ser compreendidas em termos da utilidade que prestam ao país. Até do ponto de vista da regulação do exercício da atividade profissional, já que, no fundo, as Ordens têm competências delegadas pelo Governo para exercer a regulação do exercício da atividade profissional, que é importante para garantir a qualidade do serviço que é prestado aos cidadãos. E, de facto, não houve compreensão. Houve, sim, um posicionamento de confronto. Procurou-se transmitir a ideia de que as Ordens eram instituições corporativas de defesa de privilégios, de impedimento dos jovens acederem às profissões, o que é profundamente falso e, do meu ponto de vista, injusto.
É certo que há Ordens que têm dezenas de anos e até têm origem em instituições que já vêm do tempo da monarquia. Mas evoluíram, desenvolveram-se, acompanharam a própria sociedade e, a seguir ao 25 de Abril, tiveram um processo de grandes transformações e passaram a ser instrumentos mais orientados para a inte-
Julgo que houve, da parte dos poderes públicos e dos responsáveis que estiveram ligados a este processo, uma grande incompreensão do papel que as Ordens podem e querem desempenhar na sociedade portuguesa.
gração dos profissionais, para a defesa da qualidade dos serviços prestados e para a resolução dos problemas estruturais do país. Há esta dupla dimensão: a garantia da qualidade – e, nesse sentido, as Ordens têm uma missão de serviço público muito importante – e o contributo para a resolução de problemas de diversa natureza. Por isso, os poderes públicos e os governos deveriam ter a preocupação de trabalhar com as Ordens Profissionais, no sentido de saberem as suas opiniões e como podem contribuir para encontrar as melhores soluções.
É certo que quando olhamos para os grandes desafios que se colocam ao desenvolvimento económico, profissões qualificadas e tecnicamente evoluídas são fundamentais para promover e sustentar o crescimento económico do país. Por isso, mais uma vez, julgo que houve, da parte dos poderes públicos e dos responsáveis que estiveram ligados a este processo, uma grande incompreensão do papel que as Ordens podem e querem desempenhar na sociedade portuguesa. Além disso, não houve a preocupação de olhar para as características particulares de cada Ordem. Cada Ordem é uma Ordem. Há uma grande heterogeneidade e essa heterogeneidade não foi tida em consideração; pelo contrário, procuraram-se medidas transversais que são impedimento ao bom exercício e à missão das Ordens de servirem o interesse público.
Também não houve praticamente discussão e mesmo as propostas que nós fazíamos eram muito pouco tidas em conta. Julgo que o resultado deixa muito a desejar, como aliás foi reconhecido pelos próprios responsáveis de todos os partidos no dia da votação final. Estamos, por isso, na expectativa de ver como tudo isto vai ser novamente reequacionado.
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O que encontra de positivo e de negativo nestas alterações?
Sabemos que os Estatutos que existiam antes não eram perfeitos. Tinham muitos bugs. Eram e continuam a ser bastante burocráticos em termos de funcionamento. Na minha opinião, deveria ter-se aproveitado este processo para os transformar em algo mais ágil, mais capaz de responder aos problemas e às necessidades. E isso não foi feito. Praticamente tudo aquilo que de negativo já tinha sido detetado permaneceu e foram acrescentadas situações que geram ainda mais dificuldades ao funcionamento das Ordens. Por exemplo, a constituição de conselhos de supervisão com uma maioria de membros externos. Vamos ver como isso irá funcionar. Também a questão do provedor. No fundo, as Ordens já atuam como provedores, os próprios Bastonários são provedores. Por isso, criar mais uma figura, mais uma fonte de despesa… Com os estágios, a mesma coisa. Há muitas dúvidas.
Eventualmente existirão aspetos mais positivos. Um deles – mas vamos ver como se aplica – passa por facilitar as alterações estatutárias nas discussões com a tutela. Há uma agilização do processo, passa a não ser necessário ir à Assembleia da República de cada vez que é necessária uma alteração estatutária, desde que esta não seja substancial. Mas os aspetos positivos ou negativos só se conseguem perceber depois de os ver a funcionar na prática.
Por isso, apesar de o resultado não ser, propriamente, o resultado com o qual a generalidade das Ordens se identifica – embora haja, também, nuances relativamente ao maior ou menor grau de aceitação daquilo que aconteceu, até devido às características e à situação particular das Ordens, – uma grande maioria tem, de facto, reservas, relativamente àquilo que foi conseguido.
Sendo que as Ordens profissionais trabalham, fundamentalmente, para salvaguardar o interesse público e a qualidade dos serviços prestados ao cidadão, que consequências antevê que estas alterações tragam à sociedade portuguesa?
Não penso que, do ponto de vista do cidadão, se perspetivem grandes melhorias. Pelo contrário, ao limitar a
SOLLICITARE 11 ENTREVISTA COM ANTÓNIO MENDONÇA
capacidade de intervenção das Ordens relativamente à regulação do exercício profissional, pode haver riscos de perda de qualidade nos serviços que são prestados aos cidadãos e à sociedade em geral. Para se ser profissional em determinada área, não é preciso apenas ter uma formação adequada, mas é preciso também ter uma experiência relevante no exercício das suas funções. E eu temo que possa haver aqui alguma limitação. Acredito, contudo, que as Ordens vão estar atentas, vão procurar adaptar-se e não vão prescindir das suas atribuições e da sua missão de serviço público. Mas pode haver aqui alguma quebra na capacidade de controlar quem está efetivamente a exercer uma atividade profissional. E isto não é nenhuma preocupação corporativa, é uma preocupação com a qualidade do serviço que é prestado. Ninguém gostaria de ser operado por um cirurgião que não tem a formação adequada. E isso aplica-se a todas as profissões.
O Presidente da República, aquando da promulgação dos diplomas, assegurou que o tema regressará muito em breve aos trabalhos parlamentares. Acredita que ainda é possível alguma mudança? O que irá o CNOP fazer nesse sentido?
O CNOP está a fazer um balanço. Naturalmente que temos sempre a perspetiva de melhorar e o “Fórum das Ordens Profissionais”, do qual já falámos, servirá também para se fazer um ponto de situação sobre esta matéria. Temos de perceber que pode haver Ordens que estejam perfeitamente confortáveis, Ordens que considerem que não é relevante “voltar à carga” e outras que considerem que estas alterações são extremamente prejudiciais para o país e para o exercício das suas responsabilidades. Por isso, é importante que este balanço seja feito e vamos procurar que o “Fórum das Ordens Profissionais” seja um momento de consolidação, mas também de troca de experiências com a sociedade civil e com os responsáveis políticos, que serão convidados a participar. E depois logo se verá, também em função do próprio quadro político do país.
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Ao limitar a capacidade de intervenção das Ordens relativamente à regulação do exercício profissional, pode haver riscos de perda de qualidade nos serviços que são prestados aos cidadãos e à sociedade em geral.
O facto de já ter desempenhado o cargo de Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, no XVIII Governo, deu-lhe outra perspetiva da realidade portuguesa?
O que recorda desse período?
Foi uma experiência. Sou economista de formação e estar no Governo é sempre um desafio muito grande. Há a possibilidade de aplicar, no terreno, o nosso conhecimento. E, desse ponto de vista, foi uma experiência muito importante. É certo que, antes de ser Ministro, já tinha exercido funções públicas e já estava habituado a relacionar-me com o Governo, com os Ministérios e com as instituições da sociedade civil. Mas foi uma época interessante e uma experiência muito importante, contribuiu para o engrandecimento da minha formação. Mas a página está virada. Agora há outras experiências que me agradam muito mais, como ser Bastonário da Ordem dos Economistas e Presidente do CNOP. O que fizemos antes é importante como experiência e referência, mas o importante é viver o presente, com olhos no futuro.
Enquanto economista e Bastonário da Ordem dos Economistas, qual considera ser o maior desafio que a economia portuguesa vai enfrentar este ano?
Em primeiro lugar, a estabilidade política. Espero que das eleições surja um governo estável, que possa, efetivamente, ultrapassar a situação de instabilidade que atualmente existe. A estabilidade é fundamental, tanto a nível interno, como internacional.
Em Portugal temos, também, um problema estrutural grave que é, não obstante certos períodos de crescimento, uma tendência estagnante. É importante dar estabilidade ao nosso processo de crescimento. Há a necessidade de introduzir um vetor de planeamento estratégico a médio e a longo prazo e isso requer uma reforma profunda da administração pública. É preciso atrair os melhores quadros, é preciso valorização salarial, é preciso pensamento estratégico, é preciso preparar uma estratégia sustentada de crescimento.
E, enquanto Bastonário da Ordem dos Economistas, o desafio passa por, dada a complexidade da situação do país, fazer com a Ordem seja um vetor de serviço público e contribua para que a sociedade resolva os seus problemas. A minha preocupação é que os Economistas desenvolvam a sua identidade e o seu prestígio perante a sociedade e, portanto, que a Ordem seja capaz de salvaguardar a qualidade do trabalho e das responsabilidades profissionais dos economistas e gestores.
SOLLICITARE 13
COM ANTÓNIO MENDONÇA
ENTREVISTA
Comissão Nacional de Eleições: Um trabalho em prol da Democracia
Assegurar o bom funcionamento dos processos eleitorais. É este, em traços gerais, o objetivo da Comissão Nacional de Eleições. Mas como se processa, na prática? Qual a sua importância na garantia do voto como direito fundamental de todos os cidadãos maiores de 18 anos? Num ano recheado de eleições, quisemos saber mais sobre a CNE e sobre o trabalho que realiza para que, acima de tudo, a democracia continue viva em cada cruz, em cada boletim, em cada escolha.
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REPORTAGEM ANDRÉ SILVA E JOANA GONÇALVES / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE
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leições presidenciais, europeias, legislativas, regionais e autárquicas. Referendos. Quando se aproximam, é certo que, por entre campanhas e debates, se ouça também falar na Comissão Nacional de Eleições (CNE). Associamo-la, talvez, a campanhas informativas ou a notícias sobre algum problema numa mesa de voto. Se nada acontecer em contrário, de quatro em quatro anos ou de cinco em cinco, consoante a eleição, acedemos à sua página eletrónica para ficar a par dos resultados. E atrever-me-ia a dizer que, para a grande maioria dos portugueses, a relação com a CNE acaba aqui. Mas o trabalho da CNE é longo, tal como é a sua história.
“A Comissão foi criada ainda tal, a CNE “deve assumir novos papéis nas relações internacionais, com especial empenho na cooperação com as organizações congéneres da comunidade dos países de língua portuguesa. E, como é evidente, está atenta às críticas que lhe são dirigidas, apesar de algumas delas lhe parecerem injustas e outras deverem ser dirigidas a outrem”, aproveita para frisar.
em 1974 para supervisionar a eleição dos deputados à Assembleia Constituinte”, explica, em entrevista, José Vítor Soreto de Barros, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e Presidente da CNE desde março de 2016. Pode-se, portanto, afirmar que a história da CNE acompanha a história da democracia portuguesa. “A partir daí, nenhuma eleição foi realizada sem a intervenção e fiscalização da Comissão”, acrescenta. Assim, em termos formais, a CNE é um órgão superior da administração eleitoral com competência para disciplinar e fiscalizar todos os atos de recenseamento e operações eleitorais para órgãos eletivos de soberania, das regiões autónomas e do poder local e para o Parlamento Europeu, bem como no âmbito dos referendos. É, portanto, um órgão independente que funciona junto da Assembleia da República e se rege pela Lei n.º 71/78, de 27 de dezembro. “Em 1978, a lei fixou as competências, a composição e o modo de funcionamento da Comissão. É uma lei clara, com meia dúzia de artigos, que mantém perfeita atualidade. No essencial, encarrega a Comissão de promover o esclarecimento objetivo dos cidadãos acerca dos atos eleitorais e de assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos em todas as operações eleitorais e a igualdade de oportunidades de ação e propaganda das candidaturas durante as campanhas eleitorais”, esclarece o Presidente da CNE.
Destas palavras, percebemos que, volvidas quase cinco décadas, os objetivos da Comissão permanecem completamente atuais, o que determina a validade da sua existência. Mas os desafios são muitos e “a Comissão tem o dever de estar atenta às novas formas de comunicar com os cidadãos e com todos os agentes do processo eleitoral”, considera o nosso entrevistado. Como
Um processo que vai muito mais além do dia da votação
Os números são claros: nos últimos 49 anos, a CNE supervisionou mais de 640 eleições e 15 referendos, num trabalho que não começa e acaba no dia da votação. De acordo com o Juiz Conselheiro José Vítor Soreto de Barros, “os processos eleitorais acarretam dezenas, centenas de pedidos de informação, de queixas, de pareceres... O mais das vezes, quando se dá por terminado um processo eleitoral - quando não há sobreposição! - é tempo de começar a preparar o próximo”.
Resumindo: para a Comissão, o processo eleitoral começa muito antes de ser marcada a eleição. “Quando as eleições se realizam nas datas previstas, o trabalho da Comissão começa muito tempo antes, com a preparação de produtos informativos de apoio, com o apoio ao esclarecimento dos cidadãos e das candidaturas. Durante o processo eleitoral, a Comissão tem funções específicas que exigem uma permanente intervenção, como seja a elaboração do mapa-calendário, a publicação do mapa com o número de deputados e sua distribuição por círculo em determinadas eleições, a realização do sorteio dos tempos de antena, a apreciação das queixas que lhe são dirigidas e o esclarecimento de todos os que submetem pedidos de informação”. Já no dia da eleição, “a Comissão acompanha a sua realização, estando reunida para
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A CNE é um órgão superior da administração eleitoral com competência para disciplinar e fiscalizar todos os atos de recenseamento e operações eleitorais para órgãos eletivos de soberania, das regiões autónomas e do poder local e para o Parlamento Europeu, bem como no âmbito dos referendos.
deliberar quando se demonstra necessário, para assegurar o regular funcionamento daquele dia. Finda a eleição, é tempo de elaborar o mapa oficial com os resultados”.
E enquanto tudo isto acontece, há uma preocupação fundamental que norteia o trabalho da Comissão: a de chegar a todos, sem exceção. A todos os eleitores, a todas as candidaturas, a todos os agentes eleitorais. “Trabalhamos para que os processos eleitorais corram ‘bem’, para que ninguém seja impedido de se recensear, de realizar ações de campanha, de votar, de votar de forma livre e consciente”, reitera o Presidente da CNE.
Abstenção: um fenómeno preocupante?
Ocupa um lugar de destaque em todas as eleições. Fraca participação dos cidadãos, números de afluência às urnas aquém do esperado, abstenção eleitoral. São muitos os termos e ainda mais podem ser as explicações. “A abstenção é um fenómeno complexo, induzido por fatores de natureza muito diversa. Posso dizer que
SOLLICITARE 17 COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES
“A aceitação do voto digital, ou eletrónico, tem sofrido alguns refluxos, particularmente na Europa. Para além das questões inerentes à confiabilidade das máquinas face a possíveis intrusões, subsiste a desconfiança quanto à pessoalidade e liberdade do voto.”
JOSÉ VÍTOR SORETO DE BARROS
a abstenção comum tem raízes em deficiente consciencialização cívica. Para lá da abstenção ‘racionalizada’, filosófica - que merece outra abordagem - a indiferença pelo rumo do governo da cidade (ou a falta de consciência de se viver em comunidade) resultará de lacunas de formação escolar, familiar ou social. É todo um campo aberto à intervenção das instituições”, considera José Vítor Soreto de Barros. Mas a taxa de abstenção é reflexo também das circunstâncias de cada eleição. “Por exemplo, nas legislativas das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, a taxa de abstenção diminuiu”. Em todo o caso, o nosso entrevistado relembra que um recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos “reduz a abstenção em território nacional (que, à primeira vista, poderia ser alarmante) à sua dimensão próxima do real e, quando operamos com os números totais, não se podem esquecer os cerca de 10 por cento induzidos pelo recenseamento automático dos cidadãos residentes no estrangeiro (passaram de menos de meio milhão de inscritos voluntariamente para cerca de um milhão e meio). Tudo remete para uma taxa de abstenção real superior à que gostaríamos de observar, mas dentro de limites que não põem em causa as garantias de legitimidade do sistema”, explica. No entanto, esta conclusão não pode deixar ninguém descansado. E a Comissão, nos limites da possibilidade da sua intervenção, tem tido a preocupação de congregar esforços para levar a cabo - por si e com outros - a sua missão de “promover o esclarecimento objetivo dos cidadãos”.
Voto eletrónico: uma realidade distante Estando a tecnologia tão presente nos vários domínios da nossa vida, há muitas vozes que questionam: para quando a possibilidade do voto eletrónico? Por que não podemos votar em qualquer lugar? Não poderia o voto eletrónico ser um aliado no combate à abstenção? Para o Presidente da CNE, a resposta está longe de ser linear: “Cabe ao legislador regular o modo do exercício do direito de voto dos eleitores. Para a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal, o legislador previu um regime excecional de exercício do direito de voto, sendo permitido aos eleitores que, no dia da eleição, votem na mesa de voto que quiserem. Mas isso só é possível por se terem desmaterializado os cadernos eleitorais e por se tratar de eleição em círculo único”. E no que diz respeito, exatamente, ao voto eletrónico, há muitas dúvidas que permanecem: “Não quero baixar as espectativas, mas esta é, também, uma questão complexa. A aceitação do voto digital, ou eletrónico, tem sofrido alguns refluxos, particularmente na Europa. Para além das questões inerentes à confiabilidade das máquinas face a possíveis intrusões, subsiste a desconfiança quanto à pessoalidade e liberdade do voto”.
Posto isto, percebemos que a tecnologia pode ser
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uma aliada, nomeadamente no que diz respeito à transmissão de informação fidedigna aos eleitores, e que as ferramentas de inteligência artificial, quando usadas com os cuidados devidos, podem ajudar. “Mas não podem substituir todo o trabalho que se desenvolve na Comissão”, frisa o Juiz Conselheiro.
Para terminar, já sabe: no próximo dia 10 de março há eleições legislativas. Em democracia, todos podemos e devemos participar. Por isso, José Vítor Soreto de Barros deixa a seguinte mensagem aos eleitores: “Não se afastem do processo eleitoral, não se alheiem. Exerçam o vosso direito e cumpram o vosso dever cívico. Quero acreditar que os eleitores expressam no seu voto a vontade de construir soluções em prol de resultados socialmente adequados”.
“Não se afastem do processo eleitoral, não se alheiem. Exerçam o vosso direito e cumpram o vosso dever cívico.”
JOSÉ VÍTOR SORETO DE BARROS
19 COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES
PROFISSÃO
É urgente simplificar… a linguagem jurídica!
ADeclaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas reconhece, solenemente, nos artigos 8.º e 10.º, o direito de acesso à justiça. Também o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos o consagra nos artigos 2.º, §3 e 14.º, §1.
No contexto europeu, está presente, sobretudo, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigos 6.º, n.º 1 e 13.º) e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 47.º).
A Constituição da República Portuguesa, por seu turno, elenca o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva entre os direitos fundamentais, assegurando a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 20.º, n.º 1).
Ora, o acesso ao direito e à justiça, para ser realizado, não se esgota na dimensão processual, que postula o acesso aos órgãos judiciais e à tutela jurisdicional, nem tão pouco na vertente material, que demanda a efetividade do direito.
Exige uma terceira dimensão, que, verdadeiramente, antecede uma e outra: a dimensão cognoscitiva.
Com efeito, como ensina Jorge Miranda, a primeira forma de defesa dos direitos é a que consiste no seu conhecimento [porquanto] só quem tem consciência dos seus direitos consegue usufruir os bens a que eles correspondem e sabe avaliar as desvantagens e os prejuízos que sofre quando não os pode exercer ou efetivar ou quando eles são violados ou restringidos (1)
Agora sob outro prisma, a preconizada reforma do sistema judicial no sentido da modernização, simplificação e a automatização de procedimentos, agilização e promoção da celeridade processual, a que acresce o aumento de eficácia, sem diminuição de garantias, também pressupõe a adequação da linguagem jurídica, tornando a mensagem clara nas comunicações dirigidas diretamente às partes e a outras pessoas singulares e coletivas.
Neste contexto, a implementação do Plano de Recuperação e Resiliência seria uma oportunidade inestimável para investir, decidida e inequivocamente, na plena operacionalização da regra hoje consagrada no domínio processual civil, de adequar e clarificar a linguagem jurídica, incrementando a transparência e a proximidade do sistema judicial.
-
ed.,
Com efeito, não basta prever, por alteração ao Código de Processo Civil, que a linguagem usada pelos tribunais terá de ser simples e clara para a compreensão de todos, devendo o mesmo, em todos os seus atos, e em particular nas citações, notificações e outras comunicações dirigidas diretamente às partes e a outras pessoas singulares e coletivas, utilizar preferencialmente linguagem simples e clara.
Firmado o princípio, consagrado o direito e prevista a norma, importa, agora, criar as condições práticas para que essa medida seja concretamente implementada e alargada a toda a linguagem jurídica e administrativa, ultrapassando, definitivamente, os constrangimentos decorrentes da incompreensão e da inacessibilidade, os quais se prendem, desde logo, com a escassa participação dos cidadãos na discussão da vida pública e, paralelamente, com o aumento da sua desconfiança relativamente às instituições do Estado, que promove, por seu turno, o dispêndio de tempo e dinheiro com pedidos de esclarecimento, reclamações e recursos.
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Susana Antas Videira Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 4.
Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 317.
Novo portal e-Leilões apresentado aos associados da OSAE
Decorreu, no passado dia 5 de janeiro, no Estúdio da TimeOut, em Lisboa, a apresentação do novo portal do e-leilões.
“Um portal mais moderno, mais intuitivo e mais versátil. Um portal que reforça a transparência, a celeridade e segurança. Um novo portal a pensar, ainda mais, nas pessoas e numa melhor Justiça.”
Começou por destacar Duarte Pinto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, que abriu esta sessão de apresentação. O Presidente dos Agentes de Execução aproveitou ainda a oportunidade para divulgar as estatísticas do e-leilões desde o seu primeiro dia de lançamento. “Aqui chegados, o site e-leilões.pt deu o seu pontapé de saída no dia 8 de abril de 2016, tendo a primeira cerimónia de encerramento ocorrido em 20 de maio desse ano, sob a responsabilidade da Agente de Execução Mara Fernandes. Desde então, foram inseridos 115.842 leilões sendo, destes, 14.069 referente a direitos, 7.174 a equipamentos; 76.899 a imóveis, 1.795 a maquinaria, 8.586 de mobiliário e 7.323 a veículos.”
De seguida teve lugar uma apresentação das novidades deste novo portal. Marco Santos, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, e Joana Vilas Boas, Diretora do Departamento de Informática da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, tiveram a oportunidade de explicar, ainda, muitas das dúvidas que o cidadão costuma ter. Um momento importante e que ajudou a esclarecer, mas, também, mostrar o
novo portal.
Por fim, para encerrar esta sessão de apresentação, teve lugar o discurso do Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Paulo Teixeira. No seu arranque propôs uma reflexão do que se poderá qualificar como a função ética do Estado Português, a venda coerciva e o e-leilões. Acrescentou que: “esta plataforma, criada para a venda por agente de execução em leilão eletrónico, poderá ser utilizada para a realização de leilões no contexto de outros processos, acolhendo a atividade de outros profissionais, como sejam os administradores judiciais, responsáveis pelos processos de insolvência. Aliás, tivemos já a oportunidade de defender publicamente e de ter feito chegar ao Ministério da Justiça e à Assembleia da República proposta de alteração legislativa com vista a consagrar como obrigatória a utilização do e-leilões, quer nas vendas em processo executivo, quer nas vendas em processos de insolvência”.
Para terminar, o Bastonário da OSAE referiu que “a opção acertada e eticamente louvável é a da criação de plataformas de leilão preferencialmente eletrónico sem a intervenção de entidades com escopo lucrativo e alheias a quaisquer valores de natureza ética e de transparência. Este foi o caminho traçado pelo Estado português e pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Este é o caminho que continuará a ser trilhado a bem da Justiça e a bem do cidadão”.
SOLLICITARE 21
OSAE
Bastonário da OSAE
presente em
Madrid
para
analisar a transformação digital e a modernização da Justiça
Paulo Teixeira, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), esteve presente, no passado dia 2 de fevereiro, em Madrid, numa conferência sobre a implementação de novas medidas legislativas de natureza processual civil.
A sessão, promovida pelo Consejo General de Procuradores de Espanha, contou também com a presença de renomadas personalidades relacionadas com o mundo da Justiça do país vizinho, entre as quais o Secretário de Estado da Justiça do governo espanhol, Manuel Olmedo.
Ao longo desta iniciativa foram analisadas questões como a transformação digital e a modernização da Justiça, com o objetivo de a converter num serviço público mais ágil, eficaz e próximo dos cidadãos.
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OSAE
A despenalização da procuradoria ilícita
Com a entrada em vigor da Lei 10/2024, de 19 de janeiro, que, estranhamente, entrou em vigor no dia 1 de janeiro deste ano, surge uma alteração legislativa que trará um enorme impacto nas relações jurídicas existentes em Portugal, tanto numa ótica da relação entre o profissional, seja ele solicitador ou advogado, e o cidadão e, subsequentemente, sob eventuais implicações que possam surgir por via desta alteração e que, julgamos, não foram devidamente ponderadas.
Aquilo que numa primeira análise, e talvez por isso tenha sido implementada esta alteração, possa parecer um facto positivo para o cidadão, em bom rigor, poderá ser uma fonte de problemas em catadupa, pois estamos a falar de uma importante alteração a algo que se quer o mais intocável possível. Falamos da segurança jurídica.
Sucede, assim, que com a entrada em vigor do Regime Jurídico dos Atos dos Advogados e Solicitadores observamos uma diminuição do leque de atos que somente estes profissionais podiam realizar em exclusividade. A verdade é que, presentemente, o único ato que continua a ser exclusivo dos referidos profissionais é o exercício do mandato forense.
Observamos, assim, que a consulta jurídica ou a elaboração de um contrato podem ser realizados por terceiros que não sejam advogados ou solicitadores por não serem atos exclusivos destes. Tal como podem também ser praticados, por exemplo, por um licenciado em Direito, ou seja, alguém que não tem uma inscrição ativa em qualquer uma das duas Ordens profissionais e, deste modo, não está sujeito ao poder disciplinar destas entidades.
Além de estarmos perante uma atrocidade no que diz respeito à concorrência entre os solicitadores e advogados, quando comparados com terceiros, e ao contrário do que foi um dos motivos apresentados para esta alteração, consubstanciada no facto da concorrência se tornar mais efetiva, o problema essencial incide sobre a proteção do cidadão. Em bom rigor, a quem se queixará este se, de uma consulta ou preparação de um contrato prestado por terceiro, surgir algum problema? Caso o comportamento, a falta de ética e brio no desempenho na função não forem os mais corretos? E a quem reclamar se discordar de honorários? Na realidade, nenhuma Ordem profissional tem poder disciplinar sobre quem exerça, por exemplo, a atividade de “consultadoria jurídica” ou outro nome que lhe venham a apelidar, pois nenhum daqueles é seu associado e, como tal, não tem deveres para com qualquer associação, seja ela a Ordem dos Advogados ou a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. E este sim, é o problema mais grave que se observa desta alteração legislativa que, salvo melhor opinião, coloca em causa a segurança jurídica do cidadão, a quem nos cabe a todos, como profissionais regulados, garantir a sua defesa.
Como nada é definitivo, esperemos que antes de se verificarem danos irreparáveis, tal situação venha a ser ponderada e alterada em prol da segurança jurídica na sua plenitude.
SOLLICITARE 23
PROFISSÃO
Francisco Serra Loureiro Solicitador
“Não há vigilância eletrónica sem intervenção humana.”
CONCEIÇÃO CONDEÇO
Diretora dos Serviços de Vigilância Eletrónica da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Confinadas nas suas casas ou proibidas de frequentar determinados espaços, são cada vez mais as pessoas que têm os seus passos limitados através de meios de vigilância eletrónica. Para melhor compreender esta realidade prevista no Código Penal, estivemos à conversa com Conceição Condeço, Diretora dos Serviços de Vigilância Eletrónica da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que nos falou de um modelo que, para além de ser útil no cumprimento de certas penas, pode ser ainda mais no campo da prevenção.
SOLLICITARE 25
ENTREVISTA
ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE
Como trocamos por miúdos o conceito de vigilância eletrónica? Em que contextos é que se aplica?
Vigilância eletrónica (VE) é uma solução jurídica alternativa à prisão e representa um reforço do controlo relativamente às penas e medidas comunitárias. Trata-se de um “território punitivo alternativo”, especialmente direcionado para indivíduos de médio risco.
No entanto, a VE não se resume ao controlo ou fiscalização, mas combina estes fatores com ajuda, pois a VE, só por si, não tem um efeito reabilitador (no caso das penas), o que remete para a necessidade de utilizar técnicas e programas que permitam potenciar a adesão dos sujeitos, de forma a dotá-los de mais competências pessoais e sociais que lhes permitam adotar uma conduta normativa, o que só é possível através da interação relacional estabelecida entre o técnico e o arguido/condenado.
Neste sentido, a VE tem por base o modelo RNR (Risco, Necessidades e Responsividade), que nos permite calibrar a intervenção em função do risco, das necessidades criminógenas (que estiveram na origem do comportamento criminal) e das capacidades e da motivação para a mudança de que o indivíduo dispõe. A VE pode aplicar-se na fase pré-sentencial e sentencial, nas medidas de flexibilização da pena e pós-sentencial.
Muito tem mudado no sistema de vigilância eletrónica em Portugal? Sente-se um elevado impacto da evolução tecnológica?
A VE tem sofrido alterações ao longo dos anos. Tendo sido prevista numa alteração ao Código Penal (CP) em 1998 (n.º 2 do art. 198.º), iniciou-se como mecanismo de controlo à distância para fiscalizar a medida de coação de permanência na habitação, sendo que, à data, visava criar uma alternativa eficaz de resposta ao excesso de presos no sistema. De 2002 até 2004 iniciou-se um projeto piloto apenas aplicável em Lisboa e no Porto. Aliás, ao contrário de outros países, que iniciaram a VE com a pena de prisão na habitação, Portugal foi visto como um exemplo de sucesso na aplicação na área pré-sentencial, o qual foi atribuído à convergência de diversos fatores, nomeadamente o modelo de proximidade e a vertente de apoio psicossocial aos indivíduos sujeitos à VE.
O alargamento a nível nacional ocorreu em 2005, sendo então criado o Sistema Nacional de Vigilância Eletrónica (SNVE), composto por uma rede de 10 equipas de vigilância eletrónica e pelo Centro Nacional de Acompanhamento Operacional. Posteriormente, foram criadas mais duas equipas de VE, passando a 12 no total.
A nível legislativo, foi-se verificando um progressivo alargamento do âmbito da sua aplicação: em 2007, o uso de VE foi alargado à execução das penas, com a criação do regime de permanência na habitação e da adaptação à liberdade condicional; em 2009, deu-se o alargamento à modificação da execução da pena de prisão e à fiscalização da proibição de contactos entre agressor e vítima de violência doméstica; em 2015, a VE passou a ser igualmente passível de ser aplicada no crime de perseguição, com proibição de contactos; em 2017, alargou-se a possibilidades de uso de VE na obrigação de permanência na habitação, associada à suspensão da pena de prisão e liberdade condicional, no caso dos crimes de incêndio florestal no período de verão. Em 2019, uma alteração do CP veio introduzir a possibilidade de VE para crimes de coação, ameaça ou perseguição.
Já ao nível dos sistemas tecnológicos, também neste âmbito se verificaram progressos. A VE iniciou-se com a radiofrequência, através da qual se fiscaliza, de modo permanente, a presença (ou ausência) de um arguido/ condenado num determinado local previamente designado numa decisão judicial.
É destinada aos indivíduos que se encontram em confinamento, sendo que há quem tenha autorização judicial para sair de casa (para trabalhar ou estudar, por exemplo). Porém, nestes casos, o sistema apenas monitoriza a permanência em casa ou no local designado e os horários das saídas em função do tempo que é suposto demorarem para a realização da ação autorizada. No entanto, os técnicos podem sempre passar pelo local onde o indivíduo se encontra com uma unidade de monitorização móvel, para verificar se se encontra no local autorizado pelo Tribunal.
Relativamente aos equipamentos, quanto aludimos à radiofrequência, solução tecnológica destinada aos indivíduos em confinamento, este é constituído por um DIP, vulgo pulseira (dispositivo de identificação pessoal) e por uma UML (unidade de monitorização local).
Já o objetivo da geolocalização, sistema introduzido posteriormente, é fiscalizar a decisão judicial de proibição de contactos, com o propósito de aumentar o nível de proteção da vítima.
O agressor faz-se acompanhar do DIP e da UPM (unidade de posicionamento móvel) e a vítima da UPV (unidade de posicionamento da vítima), que comunicam entre si, sendo estabelecido pelo Tribunal um raio a partir do qual não pode haver aproximação de, no mínimo, 250 metros.
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CONDEÇO
ENTREVISTA COM CONCEIÇÃO
As equipas de VE não realizam uma monitorização contínua da posição do agressor ou da vítima, apenas tomam conhecimento da violação das zonas de proteção à vítima/zonas de exclusão para o agressor.
Já os serviços da VE detetam a aproximação do agressor se ele se aproximar ou entrar nessas zonas de exclusão, ou se a vítima se aproxima daquele. A vítima é sempre informada pelo equipamento dessa aproximação e por contactos do serviço, sempre que necessário. Se o agressor se aproximar de uma área de exclusão fixa é alertado automaticamente para se afastar, sendo que se aí permanecer é interpelado pelos serviços para sair do perímetro imediatamente, sendo acionados os órgãos de polícia criminal (PSP/GNR), se necessário, para prestar ajuda à vítima. Nestas circunstâncias, a vítima é, igualmente, contactada telefonicamente para se proteger (se estiver na rua, deve entrar em lojas ou ir para locais bem iluminados e com pessoas; se estiver em casa, deve trancar-se e chamar o 112, carecendo desse apoio).
Em termos de futuro, a tendência será caminhar para a junção das duas soluções, para que se disponha de controlo para os indivíduos em situação de confinamento e que têm autorizações de saída, com possibilidade de
Vigilância eletrónica (VE) é uma solução jurídica alternativa à prisão e representa um reforço do controlo relativamente às penas e medidas comunitárias. Trata-se de um “território punitivo alternativo”, especialmente direcionado
para indivíduos de médio risco.
SOLLICITARE 27
definição de zonas de inclusão (onde devem permanecer a trabalhar, por exemplo) ou de exclusão, situação que poderá já ser equacionada no próximo concurso internacional.
Temos números que retratem a eficácia?
Sim, as taxas de sucesso são muito elevadas, situando-se todas acima dos 90%, valores que se vêm mantendo estáveis. Nos últimos dados, reportados ao fim do ano passado, a taxa de sucesso na obrigação de permanência na habitação era de 93%; no regime de permanência na habitação era de 96%; na modificação da execução da pena e na adaptação à liberdade condicional, de 100%; na violência doméstica, de 98%; e no uso da VE para o crime de perseguição e de incêndio florestal também de 100%.
Temos, por isso, dados muito concretos, que dão segurança aos tribunais no que respeita à utilização da VE, mas também à comunidade em geral. Esta é a razão pela qual a VE vem registando sempre um crescimento muito significativo, verificando-se um aumento exponencial ao longo dos anos: de 874 em 2013 para 2874 em 2023, o que representa uma taxa de crescimento de 326% (154,6% só nos últimos cinco anos). A esta data situa-se nos 2583, pelo que verificou uma ligeira descida, mas que se encontra dentro dos parâmetros oscilatórios.
Tem de haver uma grande articulação entre quem acompanha a vigilância à distância e as equipas nos territórios? Por mais tecnologia que haja, é imprescindível a ação humana?
A DGRSP mantém o Sistema Nacional de Vigilância Eletrónica em funcionamento permanente, 24 horas por dia, 365 dias por ano. Cobre todo o território nacional e assegura todos os procedimentos inerentes à execução das medidas e penas com VE de todas as pessoas sujeitas a penas e medidas correspondentes às respetivas circunscrições territoriais/comarcas.
Cada equipa é responsável por executar os casos no seu território: monitoriza, instala e desinstala os equipamentos; efetua visitas e realiza verificações; reage aos alarmes; investiga os factos e intervém junto dos indivíduos; participa em ações desenvolvidas pelos Técnicos Profissionais de Reinserção Social (TPRS). Já os Técnicos Superiores de Reinserção Social (TSRS), que são os gestores de caso, apoiam o arguido/condenado no cumprimento da decisão judicial; trabalham os fatores de reabilitação criminal (intervenção técnica) e efetuam procedimentos de ação protocolados e estabilizados em articulação com os TPRS, que são os “técnicos de primeira linha”. A equipa é liderada por um Coordenador que gere toda a equipa e supervisiona todo o trabalho, em articulação com o Centro Nacional de Acompanhamento de Operações e com a Direção de Serviços de Vigilância Eletrónica.
Portanto, não há VE sem intervenção humana, que combina ajuda com controlo. A VE assenta na ideia de Probation, ou seja, intervir nos fatores que estiveram na origem da prática dos factos, no sentido da produção da mudança de comportamento, mobilizando os indivíduos para a necessidade de implementar alterações nas suas vidas.
E é um modelo com benefícios para todas as partes envolvidas?
O sistema de VE beneficia todas as partes envolvidas. A VE é um instrumento de execução de penas e medidas penais que permite combinar a preservação da liberdade com um alto nível de controlo; controlar de modo rigoroso e permanente o cumprimento de decisões judiciais; reduzir o risco criminal através da supervisão intensiva inerente à VE; evitar ou reduzir o contacto com o ambiente prisional; afastar o arguido/condenado de meios criminógenos; ajudar à ressocialização dos delinquentes pela dissuasão do comportamento criminal; preservar ou recriar vínculos familiares; manter emprego ou estudos; modelar comportamentos, através da frequência de programas; responsabilizar, capacitar e autonomizar o indivíduo; reduzir a pressão sobre o sistema prisional, em termos de ocupação, face à lotação dos estabelecimentos prisionais e reduzir os custos com o sistema prisional, mantendo os indivíduos em meio comunitário.
A sobrelotação prisional pode ser reduzida por esta via? Conseguem encontrar-se pontes entre os dois modelos?
Do leque das medidas de coação, se o Tribunal considera inadequadas e insuficientes as não privativas de liberdade e excessiva a prisão preventiva, e havendo fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, tem a possibilidade de aplicar a medida de obrigação de permanência na habitação, o que descongestiona o sistema prisional, enquanto possibilita a manutenção do individuo no seu meio.
Já quanto ao regime de permanência na habitação (com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância), este é determinado sempre que o Tribunal concluir que, por este meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, sendo aplicável à pena de prisão efetiva não superior a dois anos ou à pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa.
No regime de permanência na habitação, o Tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social, nomeada-
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ENTREVISTA COM CONCEIÇÃO CONDEÇO
A VE, sendo especialmente destinada aos indivíduos de médio risco, é instrumento de descompressão da prisão – modalidade front-door –, evitando o contacto com o sistema prisional; ou na modalidade back door – evitando o prolongamento desnecessário do encarceramento ou antecipando a saída para treino de competências com supervisão intensiva (VE), como a adaptação à liberdade condicional.
mente frequentar certos programas ou atividades; cumprir determinadas obrigações; sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado; não exercer determinadas profissões; não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas; e não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.
Assim, a VE, sendo especialmente destinada aos indivíduos de médio risco, é instrumento de descompressão da prisão – modalidade front-door –, evitando o contacto com o sistema prisional; ou na modalidade back door – evitando o prolongamento desnecessário do encarceramento ou antecipando a saída para treino de competências com supervisão intensiva (VE), como a adaptação à liberdade condicional. Por outro lado, dignifica e humaniza o cumprimento da pena nos casos de reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada, no caso da Modificação da Execução da Pena de Prisão.
E, além de útil no cumprimento de penas, pode ser ainda mais no campo da prevenção? Também na reinserção podem registar-se ganhos mediante o recurso a este modelo?
As penas têm por finalidade, nos termos do art. 40.º do CP, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, cumprindo ainda a função de prevenção geral e especial que, de modo muito genérico, se traduz na intimidação dos cidadãos relativamente à violação da lei penal, isto é, na mensagem que se visa transmitir à sociedade através da punição do indivíduo.
No caso da VE, pese embora não tenhamos estudos transversais, objetivo que gostaríamos de desenvolver no corrente ano, dado o seu sucesso, acreditamos que os indivíduos acabam por reincidir menos, até porque há um certo sentimento de que lhes foi concedida uma oportunidade, foi-lhes confiada a responsabilidade do cumprimento da pena ou medida na comunidade.
Na comunidade têm também a oportunidade de frequentar programas direcionados às suas necessidades criminógenas. Os indivíduos podem frequentar programas diversos, como os direcionados aos condutores de risco e sob efeito de álcool, a agressores de violência doméstica, entre outros.
Assim, a VE parece revelar efeito ao nível da prevenção criminal, na medida em que transfere para o individuo a responsabilidade do sucesso do cumprimento da sua pena ou medida, já que o incumprimento, em ultima ratio, dará lugar à prisão.
Podemos, de uma forma certamente redutora, dizer que estamos perante os olhos da Justiça?
Não, essa é uma das questões apontadas por alguns
SOLLICITARE 29
ENTREVISTA COM CONCEIÇÃO
críticos, que alegam existir demasiada ingerência na esfera pessoal da pessoa monitorizada. Porém, este argumento não é válido, na medida em que a VE apenas é aplicada se o individuo a aceitar. Há sempre a necessidade de consentimento, quer do próprio, quer dos coabitantes, quando nos reportamos a medidas de confinamento. Quem viva com o sujeito a pena ou medida com recurso a VE, tem de autorizar que os equipamentos sejam colocados naquela residência.
Acresce que quando o indivíduo se encontra em confinamento, a sua monitorização, por radiofrequência, apenas se prende com o facto de não poder sair da sua habitação, não vigiamos/controlamos o individuo. Apenas dispomos de alarmes se ele sair do perímetro da mesma ou violar os equipamentos.
Também no caso de vítimas de violência doméstica a utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do seu consentimento, sendo que o Tribunal os pode dispensar se considerar que existe perigo.
No que concerne ao uso do sistema GPS, os serviços apenas controlam as aproximações à vítima, não vigiam o agressor ou a vítima, ambos são livres de efetuar a sua vida como entenderem. Apenas o agressor não pode entrar em zonas interditas, isto é, violar os perímetros de segurança.
Que marcas gostaria de deixar na passagem por este cargo? E quais os desafios que se conseguem antecipar?
Gostaria, desde logo, de conseguir, através da sensibilização dos tribunais, promover uma maior aplicação do regime de permanência na habitação, pois muitas pessoas que cumprem pena de prisão, eventualmente, poderiam não estar encarceradas, sujeitas aos seus perniciosos efeitos e beneficiando das potencialidades da VE.
No âmbito da violência doméstica, gostaria de passar a mensagem aos tribunais da necessidade de avaliações prévias, em que utilizamos um instrumento de avaliação de risco nas relações de intimidade, evitando-se a aplicação direta, por vezes inadequada, face à vulnerabilidade da vítima ou a fatores que o agressor apresenta.
Mas o mais importante seria promover um maior esclarecimento junto da magistratura, advogados, órgãos de polícia criminal e da própria comunidade em geral de que a VE não se resume ao controlo, à vigilância do indivíduo. A sua monitorização é inseparável do trabalho psicossocial individualizado, isto é, a uma intervenção que considere as suas necessidades criminógenas. No entanto, para isso são necessários mais recursos humanos. Esse é, talvez, o maior desafio que se coloca, neste momento, à administração da justiça neste âmbito, já que a nível tecnológico vamos continuar a evoluir.
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CONDEÇO
Os novos horizontes dos Atos de Advogados e Solicitadores
Carla Taipina Marta Solicitadora
Assistimos, no pretérito dia 19 de janeiro, à publicação do diploma que estabelece o regime jurídico dos atos de advogados e solicitadores e introduz no nosso ordenamento jurídico alterações substanciais quanto ao exercício de tais profissões – Lei n.º 10/2024, com entrada em vigor no primeiro dia do corrente ano.
Este diploma enterrou, de forma violenta, a lei que definia o sentido e o alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores e tipificava o crime de procuradoria ilícita. Retira a tais profissionais (retira-nos!) muitos dos atos que estavam na sua esfera exclusiva de atuação, permitindo que outros profissionais possam usar algumas das suas (nossas!) vestes. Legitimando a prática de atos por outras entidades, que, durante quase duas décadas, eram tipificados como crime. Sem preocupação, pelo menos na nossa perspetiva, com a proteção jurídica dos cidadãos. De salientar que o crime de procuradoria ilícita tutela, entre outros, a integridade dos atos próprios das profissões de advogados e solicitadores, que se revestem de especial interesse público. Aparentemente, a forma como o nosso legislador acautela o interesse público mudou.
O nosso legislador não atendeu, sequer, às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, na sua atual redação. Tal parece ter sido a urgência da sua publicação.
Neste momento, constitui ato próprio exclusivo dos advogados e dos solicitadores o exercício do mandato forense - no caso dos solicitadores, com limitações. Apenas e só. Todos os restantes atos, outrora na sua esfera exclusiva de atuação, podem ser praticados por outras entidades e profissionais. É certo, com algumas condições. Na nossa perspetiva, de difícil controlo.
Se atentarmos, por exemplo, à consulta jurídica, o diploma que agora jaz permitia exceção para a sua prática a juristas de reconhecido mérito e a mestres e doutores em Direito cujo grau fosse reconhecido em Portugal. No novo regime, apenas reconhece competência (imagine-se!) aos advogados e solicitadores. A par com outras entidades, sem controlo das respetivas Ordens. De notar que, conforme refere o diploma, a consulta jurídica é «a atividade de aconselhamento jurídico que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas mediante solicitação de terceiro».
Julgamos ser unanimemente aceite que o estágio e o exame de acesso à Ordem nos dotou de ferramentas essenciais para o bom desempenho das nossas profissões. Algo que, de acordo com a redação do novo diploma, parece ter deixado de ser relevante para a prática da maioria dos atos que até há instantes estavam na esfera de atuação de advogados e solicitadores.
É inegável que as profissões jurídicas tinham o amparo do Estado – sem olvidar que o Estado é uma fictio juris. No entanto, mudar substancialmente essa proteção parece, num primeiro olhar, perigoso. Sobretudo para os cidadãos mais frágeis, onde (também) se incluem os profissionais do foro.
Aqui chegados e nada podendo fazer para interromper o movimento de mudança que este diploma introduz, a questão que se impõe é a de como podemos continuar a sentir apelo em sermos solicitadores. Com todas as obrigações que daí derivam. Na nossa perspetiva, aprimorando as nossas competências e abraçando todo um novo mundo que se escâncara.
SOLLICITARE 31 PROFISSÃO
OSAE promoveu conferência "A JUSTIÇA E O XXIV GOVERNO"
A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) organizou, na tarde do dia 8 de fevereiro, em Lisboa, a conferência "A Justiça e o XXIV Governo".
A iniciativa surgiu com o objetivo de promover um debate sobre quais são as propostas de cada partido político, no universo da Justiça, no âmbito das próximas eleições legislativas de dia 10 de março.
A sessão iniciou-se com a intervenção de Francisco Serra Loureiro, 2.º Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, que assumiu o papel de moderador do debate. O responsável começou por dar as boas-vindas aos oradores e à plateia (presencial e a assistir online via OSAE.tv), explicando que a ordem definida para o debate segue a ordem pela qual os partidos estão distribuídos na Assembleia da República. Explicou ainda que foram convidados a estar sempre nesta conferência todos os partidos com assento parlamentar, no entanto o PAN não conseguiu estar representado por motivos de agenda.
De seguida, foi proposto que os oradores começassem por apresentar, sucintamente, as suas propostas para a Justiça. Pedro Delgado Alves, do Partido Socialista (PS), começou a sua intervenção por dizer que “é necessário modernizar plataformas e ferramentas informáticas na área da Justiça, orientando-as para as necessidades dos profissionais. Mas tal não dispensa a aposta nas pessoas, que devem ser uma prioridade, através de uma revisão a nível das carreiras, quer quanto ao número de profissionais, como a nível remuneratório”. Ao mesmo tempo,
“não nos podemos esquecer de nos focar no aumento da transparência e da simplificação do sistema”.
Para Paula Cardoso do Partido Social Democrata (PSD), “se há diagnóstico de doença prolongada em Portugal é mesmo na Justiça. É necessário que ela seja vista como um todo e que seja alvo de uma reforma sólida. O PSD propõe um consenso alargado com todas as forças políticas no sentido de perceber que é urgente fazer alterações profundas na Justiça. Não pode haver injustiça na Justiça, que é o que temos hoje”, frisou. Para a representante do PSD, as prioridades passam por acelerar o tempo da Justiça, nomeadamente na Justiça Penal e Económica. Ainda a melhorar é a questão do acesso à Justiça e a morosidade da mesma.
Seguiu-se a intervenção de Rodrigo Alves Taxa do Partido Chega, que começou a sua intervenção por dizer que “a Justiça portuguesa está mal”. O representante acrescentou que o que é preciso é valorizar todos os agentes do setor da Justiça: “têm de ser dadas verdadeiras condições aos profissionais para que, de forma independente e justa, possam exercer as suas funções. É urgente alterar a política remuneratória.” Para o Partido Chega, outra prioridade passa pela necessidade de ser feita uma reforma processual, para que se promova efetivamente uma Justiça de proximidade.
Já para André Abrantes Amaral do Partido Iniciativa Liberal (IL), a Justiça deveria ser menos burocrática e mais descentralizada. “Os Juízes perdem imenso tempo em
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OSAE
determinados atos jurídicos que poderiam ser desempenhados por outros agentes, que deveriam ser formados nesse sentido, de forma a centrarem-se em processos de maior complexidade”. Ao mesmo tempo, deveria ser estabelecido um prazo para resolução dos processos, que deveria ser tido em conta na avaliação dos Juízes.
Da parte do Partido Bloco de Esquerda (BE), Luís Salgado começou por afirmar que “a perceção da Justiça que o cidadão tem é francamente má. Importa valorizar as pessoas e as carreiras. Enquanto tal não for feito, não vamos a lado nenhum”. Para o BE, a morosidade da Justiça contribui também, e em grande parte, para a negativa perceção da Justiça.
Seguiu-se a intervenção de Helena Silva do Partido Comunista Português (PCP). Para a oradora, perceber o ponto de vista do cidadão é fundamental: “É necessário que se façam reformas para que a Justiça seja mais igualitária, mais acessível e mais próxima do cidadão”. Nesse âmbito, devem ser revistas as custas, deve ser aumentada a rede de Julgados de Paz e deve ser combatido o recurso à arbitragem privada. Paralelamente, “não nos podemos esquecer dos trabalhadores. As propostas que apresentamos prendem-se com a contratação de mais profissionais e com a revisão dos estatutos dos funcionários judiciais. Além disso, é importante investir nos meios físicos, tanto para quem lá trabalha, como para quem à justiça recorre”.
Por fim, Paulo Muacho do Partido Livre considerou o
seguinte: “Há uma crise de credibilidade na Justiça, que é preocupante. É essencial que as pessoas reconheçam credibilidade à Justiça”. Na sua opinião, a morosidade é o principal problema. E como é que isso se resolve? “Estamos de acordo com a importância do aumento da rede dos Julgados de Paz e a melhoria das condições dos tribunais. Também é importante rever os custos para aceder à Justiça”.
Feita estas primeiras considerações, Francisco Serra Loureiro questionou os oradores acerca das suas visões no que toca ao aumento das competências dos Solicitadores, seja através do aumento da alçada do mandato, quer pelo apoio judiciário.
Em resposta, o representante do PS afirmou: “É inegável que há uma evolução no apetrechar de competências nos profissionais desta Ordem profissional e na sua capacidade de intervenção. É, por isso, necessário estabelecer os termos em que os Solicitadores possam ter um papel acrescido”.
Na visão do PSD, “esta é uma matéria em que estamos abertos a negociações. Há que fazer uma correção da alçada”. Já relativamente ao apoio judiciário, a oradora considera que “é tempo para se olhar para esta possibilidade que está definida na Lei. Deve ser passado à prática algo que já está legislado”, considerou.
Por parte do Chega, “a abertura é total para que esta matéria seja revista. Em nosso atendimento, o que resulta é que a chamada classe média vê-se completamente
SOLLICITARE 33
Da esquerda para a direita: Rodrigo Alves Taxa, Chega; André Abrantes Amaral, Iniciativa Liberal; Pedro Delgado Alves, Partido Socialista; Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE; Francisco Serra Loureiro, Vice-presidente da OSAE; Paula Cardoso, Partido Social Democrata; Paulo Muacho, Livre; Helena Silva, Partido Comunista Português; Luís Salgado, Bloco de Esquerda.
impossibilidade de litigar, porque depois não há possibilidade de acesso aos tribunais, que são caros”.
Seguiu-se a vez da IL. André Abrantes Amaral adiantou que a “a IL não tem uma visão corporativista desta questão e, nessa medida, não vejo problemas em ir mais além. Até porque os profissionais são cada vez mais qualificados”. Além disso, o apoio judiciário deve ser encarado como algo sério “e deve ser desempenhado por Advogados e Solicitadores altamente capazes”.
Luís Salgado, do BE, começou por referir que “é uma aberração jurídica qualquer limitação à atividade do Solicitador” e que os estes profissionais, pelas suas competências, já garantiram o direito a acabar com a limitação da alçada de 5 mil euros. “Ela deveria terminar de todo”, sublinhou. Já o apoio judiciário “deve ser todo repensado e reformulado. Deve ser garantido que todo o cidadão tem acesso à Justiça e o Solicitador tem um papel importantíssimo nesse âmbito, enquanto mediador por excelência”.
Helena Silva do PCP reiterou a abertura para discutir estas temáticas. “As nossas propostas vão no sentido de alargar o apoio judiciário de forma a abranger todos os cidadãos”, considerou.
No terminar desta ronda, Paulo Muacho, do Partido Livre, salientou que, relativamente ao apoio judiciário, “se esta questão já está prevista na Lei, é porque faz sentido”. Relativamente ao mandato judicial, o Partido não tem uma posição definida, mas faz questão a debater.
O moderador introduziu então outro tema, desta vez
relacionado com o Agente de Execução, nomeadamente a questão da distribuição dos processos executivos. Os representantes dos vários partidos teceram os seguintes comentários sobre este assunto:
Por parte do PS, “não temos uma posição fechada sobre tema. Acreditamos que, em matéria de distribuição, esta deve ser ágil e garante de qualidade, pelo que devem ser encontradas soluções para que tal aconteça”, sublinhou Pedro Delgado Alves.
Paula Cardoso, do PSD, adiantou que “estamos abertos a fazer melhorias e a aproveitar os contributos que nos façam chegar”. “Temos de perceber como podemos ajudar os Agentes de Execução a terem a máxima independência e segurança no seu trabalho”, acrescentou.
Rodrigo Alves Taxa, do Chega, reiterou que “a disponibilidade do Chega é total” para que aconteçam mudanças.
Na intervenção da IL, ficou sublinhada a ideia de que “a distribuição é uma questão técnica e não política. No entanto, a IL está disponível para analisar este tema”, considerou André Abrantes Amaral.
Para Luís Salgado, do BE, se a OSAE, enquanto garante de qualidade dos serviços que são prestados ao cidadão, acredita que este assunto deve sofrer alterações, “então avancemos nesse sentido”.
Seguiram-se as intervenções do PCP e do Livre. Para o primeiro, “estas questões assumem importância quer para o profissional, quer para o cidadão. Por isso, o PCP
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tem todo o interesse em encontrar soluções que sejam necessárias e justas”, indicou Helena Silva.
Já pelo Livre, Paulo Muacho referiu que “falamos de uma profissão liberal, portanto tem de ser garantida independência ao Agente de Execução. Não tenho uma solução para dar, mas é importante que este tema regresse ao próximo parlamento”.
Aproximando-se o final, os oradores foram convidados a abordar ainda o tema da Lei dos Atos Próprios, na sequência das alterações aos estatutos que foram aprovadas recentemente.
Pedro Delgado Alves, do PS, garantiu que a questão da alteração dos estatutos não está finalizada. No entanto, “o nosso entendimento é que as pessoas que adquirem formação superior na área do Direito não devem ter o seu trabalho restringido, como acontecia anteriormente. Claro que com o estabelecimento de limites. Mas da nossa perspetiva faz sentido e a legislação é adequada”.
O PSD relatou uma opinião contrária: “a legislação foi apressada e considero que as ordens não foram devidamente ouvidas”. Paula Cardoso acrescentou que “o PSD não foi concordante com as propostas de alteração que foram feitas. A segurança jurídica foi abalada. Mas foi assumido o compromisso de que, se o PSD governar, será revista esta matéria”.
Seguiu-se a intervenção do representante do Chega. Rodrigo Alves Taxa começou por referir que “naturalmente, a possibilidade de isto andar para trás está ligada
à mudança de governo. Foi uma legislação apressada, mal feita e infundamentada. Choca-me a forma leviana como esta matéria foi tratada”.
Para o IL, importa debater “os entraves que, muitas vezes, as ordens colocam à profissão”. André Abrantes Amaral acredita, que por outro lado, seria interessante que houvesse a possibilidade de as ordens profissionais não terem o monopólio da profissão: “A profissão pode ser regulada, mas julgo ser importante que existam mais ordens profissionais nas profissões”.
Já BE concordou que se “torna difícil compreender o que motivou esta alteração”. “Deveria ser revertida esta lei”, reiterou Luís Salgado.
Para o PCP, “este projeto legislativo foi supersónico e não foi feito a pensar nas consequências que poderia trazer ao cidadão e aos profissionais”. Helena Silva considerou que “é necessário definir as competências de cada uma das profissões jurídicas, de forma a garantir o profissionalismo e a responsabilização”,
No final, Paulo Muacho, pelo Livre, frisou que “também não apoiámos esta revisão que foi feita. É muito perigoso estarmos a fazer reformas nesta matéria com tanta pressa e sem conseguir os consensos necessários. Que se revisite com urgência este tema”.
Francisco Serra Loureiro concluiu os trabalhos garantindo que a OSAE estará sempre disponível para colaborar com todos os partidos, em prol de um bem comum: garantir Justiça ao cidadão.
SOLLICITARE 35
“O acesso ao Direito é um direito plasmado na nossa Constituição da República e do qual a OSAE não prescinde”
INFORMAÇÃO JURÍDICA GRATUITA
É um dos projetos que mais orgulha a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e os seus associados. Em 2023, a Informação Jurídica Gratuita da OSAE prestou uma centena de atendimentos e ajudou 137 pessoas carenciadas através de aconselhamento jurídico gratuito.
Em entrevista à Sollicitare, Diana Silva Queiroz e Carina Jiménez Reis, coordenadoras deste projeto, dão conta do que está alcançado e do que ainda pode ser feito para que o cidadão fique mais informado e menos desprotegido, no que às questões jurídicas diz respeito.
Entrevista a Diana Silva
Queiroz
e Carina Jiménez Reis
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ENTREVISTA
ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE
Como se pode explicar o que é a Informação Jurídica Gratuita?
A Informação Jurídica Gratuita (IJG) é não só um projeto, como um serviço promovido pela OSAE que visa proporcionar, de forma totalmente gratuita aos cidadãos carenciados, aconselhamento jurídico por um Solicitador e/ou Agente de Execução nas mais diversas áreas do Direito. Isto é, uma primeira consulta informativa que o cidadão comum poderá obter junto de um profissional habilitado, que muitas vezes é até cobrada como consulta jurídica, com este serviço passa a ser a título absolutamente gratuito.
Na prática, o que acontece é que nós temos uma base de dados com todos os colegas interessados em colaborar neste projeto, sejam eles Solicitadores e/ou Agentes de Execução, que estão distribuídos pelas áreas com que mais se sentem à vontade em prestar esclarecimentos. Dessa base de dados consta, também, o horário em que estão disponíveis, já que os aconselhamentos poderão ser prestados em regime presencial ou online, gratuitamente, de segunda-feira a sábado, de manhã, tarde ou em horário pós-laboral. Para nós, esta é a informação base mais importante, porque todos estes colegas que contribuem para o projeto fazem-no de uma forma absolutamente gratuita e “pro bono”. Aproveitamos, desde já para agradecer imenso aos Colegas pela disponibilidade e vontade em querer olhar para o lado e ajudar quem precisa, até porque, muitas das vezes, fazem questão de ajudar mais do que aquilo que lhes é pedido.
No fundo, o cidadão vem até nós com as suas questões e situações da sua vida privada, e nós, tendo em conta esta base de dados de colegas disponíveis e consoante o assunto e a disponibilidade, fazemos o “match” entre os dois: contactamos o colega, regra geral telefonicamente dada a urgência do assunto, para confirmar, de facto, a sua disponibilidade para o dia e hora que melhor convir a todas as partes, voltamos a contactar o cidadão para confirmar e, na data e hora combinados, dá-se o encontro e esclarecem-se todas as dúvidas.
Como é que o cidadão pode solicitar este serviço?
Quais os requisitos para o cidadão recorrer ao serviço? No próprio site da OSAE, no separador “cidadão”, surge a opção “Informação Jurídica Gratuita” e é aí que pode fazer a sua solicitação. Claro que quanto mais detalhe e informação nos for dada, no espaço reservado a expor o problema, melhor será para o colega que vai esclarecer e, claro, melhor e mais célere será a sessão.
Outra opção passa por solicitar a IJG na Junta de Freguesia da sua área de residência, já que muitas delas, ao abrigo de um protocolo que já foi assinado no ano passado com a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), têm acesso a este serviço disponibilizado pela OSAE.
Cremos que seja igualmente importante referir que
estes atendimentos podem ser feitos a cidadãos de qualquer ponto do país, continente e ilhas. Assim como poderão ser esclarecidos por qualquer colega, não importa a sua zona geográfica, já que existe a opção de ser online.
Quanto aos requisitos, espera-se que sejam cidadãos com alguma carência financeira, como já referimos anteriormente, uma vez que nem sempre é possível que as famílias prescindam de parte do orçamento familiar mensal para estas questões. Não nos esqueçamos que o acesso ao Direito é um direito plasmado na nossa Constituição da República e do qual a OSAE não prescinde.
Qual a importância dos protocolos que têm assinado com outras entidades (ANAFRE e CIG)? Esta é uma aposta para continuar?
Estes protocolos que temos vindo a fazer são de uma enorme importância, principalmente para a sociedade no seu geral. Não só por passarmos a ter o cidadão mais informado, como para o mesmo ficar menos desprotegido.
Efetuar protocolos com entidades nacionais também nos permite divulgar a IJG através de meios mais ao alcance do cidadão, como é, por exemplo, o caso da ANAFRE, que nos permite chegar a mais de três mil freguesias de diversos pontos do nosso país para assegurar que todo o cidadão, junto da sua Junta de Freguesia, possa ter a possibilidade de ser ajudado pelo nosso projeto.
Por outro lado, protocolos como o que foi feito com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) irão possibilitar que o nosso projeto chegue a toda a população, seja qual for o seu estrato social ou género, visto ser esse o propósito deste organismo público. Acreditamos que o nosso projeto também pode dar a conhecer à sociedade que o Solicitador é um profissional habilitado, ao qual todo o cidadão pode e deve recorrer, em primeira instância, na grande maioria das situações, pois tem capacidades sociais e jurídicas para aconselhar a população nas mais diversas matérias de facto. Por essa razão, a OSAE irá continuar a promover este projeto junto da população e das mais diversas organizações, de maneira a proliferar o mesmo, mas, sobretudo, com o intuito de o fazer chegar realmente a toda a população mais carenciada de Portugal que necessite de apoio.
Quais a situações/casos mais comuns?
Os casos mais comuns têm sido relacionados com questões de arrendamento e dívidas.
Como avaliam o trabalho da Informação Jurídica Gratuita nestes últimos tempos?
O que é que ainda é preciso ser feito?
O trabalho da IJG tem sido progressivo e muito positivo. Temos conseguido celebrar novos protocolos que nos permitem chegar a mais cidadãos carenciados de todo o país. É sempre possível fazer mais e é esse o nos-
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INFORMAÇÃO
GRATUITA
JURÍDICA
O trabalho da IJG tem sido progressivo e muito positivo. Temos conseguido celebrar novos protocolos que nos permitem chegar a mais cidadãos carenciados de todo o país.
CARINA JIMÉNEZ REIS
Cidadão vem até nós com as suas questões e situações da sua vida privada, e nós, tendo em conta esta base de dados de colegas disponíveis e consoante o assunto e a disponibilidade, fazemos o “match”entre os dois.
DIANA SILVA QUEIROZ
so objetivo: celebrar novos protocolos e chegar a mais pessoas que precisam deste apoio. Para tal, é necessária a colaboração de mais colegas, Solicitadores e Agentes de Execução, para prestar esclarecimentos nas mais diversas áreas do Direito
Quais os objetivos para o ano de 2024?
Prevemos, para o ano de 2024, um grande aumento do número de atendimentos, em virtude dos novos protocolos celebrados.
Estatística:
– 217 colegas, Solicitadores e Agentes de Execução, inscritos.
– Em 2023 foram prestados 100 atendimentos.
– Desde março de 2022, a IJG já ajudou 137 pessoas.
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CONSELHO REGIONAL DO PORTO
Dois anos de desafios e de olhos postos no futuro
TEXTO PAULO MIGUEL CORTESÃO Vogal do Conselho Regional do Porto
Há dois anos tomava posse como vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
Embora já tivesse exercido funções como delegado concelhio, as funções a exercer neste novo cargo seriam uma novidade e rodeadas de muita expectativa.
De facto, os Conselhos Regionais, através dos seus membros, têm um papel preponderante, além de outras atribuições, na organização e promoção de eventos de caráter formativo e lúdico, com o principal intuito de promover uma sã convivência entre os associados. E nada melhor para atingir este objetivo do que organizar formações, com vista à formação contínua e atualização de conhecimentos, e também eventos de caráter lúdico, para promover e fomentar o convívio entre associados.
Ao longo destes dois anos, muitas foram as formações organizadas por este Conselho Regional que contaram com a minha entusiasmada participação, a que acrescem as representações junto de organismos públicos, de outras ordens profissionais e escolas de ensino superior.
Tive a particular felicidade de organizar a conferência subordinada ao tema “A propriedade horizontal – alterações e titulação”, que contou com a participação de vários associados, não só os afetos ao Conselho Regional do Porto, mas também com a presença de associados de outros Conselhos Regionais, possibilitando-me estabelecer contactos com associados que ainda não tinha tido a oportunidade de conhecer pessoalmente, permitindo a troca de impressões e o auscultar das suas preocupações e anseios que rodeiam a nossa profissão.
O Conselho Regional do Porto organizou ainda, sob a minha orientação, uma conferência sobre um tema enquadrado na designada resolução alternativa de litígios e a que me tenho dedicado e estudado nos últimos anos: “A intervenção do Solicitador nos Julgados de Paz”, na qual o diálogo e troca de experiências esteve sempre presente, procurando salientar a importância da nossa
intervenção nestes tribunais, pois, tratando-se de um meio de resolução extrajudicial de conflitos, o Solicitador pode intervir sem qualquer limitação, ao contrário do que está previsto no Código de Processo Civil para os conflitos por via judicial.
Para além do aspeto formativo, estes dois anos foram também palco de atividades lúdicas e de convívio entre os associados, tendo reinado a alegria e boa disposição. Assim, destaco o Sunset Jurídico, o tradicional Magusto e a Gala de Natal que, este ano, numa situação inédita, juntou todos os Conselhos Regionais. Mas como o Conselho Regional do Porto gosta de ir mais além e de ser ousado, proporcionámos, no ano anterior, um jantar memorável a bordo de um barco navegando sobre o Rio Douro.
Estes encontros, quer formativos, quer lúdicos, têm como objetivo promover a partilha de conhecimentos e experiências, permitindo uma maior união da classe. Há que ter em conta que muitos associados residem a vários quilómetros de distância dos grandes centros urbanos, onde maioritariamente ocorrem estes eventos, impondo-se assim, necessariamente, chegar a todos eles.
Nestes eventos, pude constatar que se tratam de momentos importantes por fomentarem e promoverem o contacto presencial entre os associados.
Chegados a este ponto, impõe-se colocar uma questão: e o futuro?
O que pretende o Conselho Regional do Porto desenvolver nestes próximos dois anos? O que se perspetiva para o futuro do Conselho Regional do Porto e da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução?
Pois bem, há dois temas que destaco e que estão na ordem do dia: a alteração ao Estatuto e as medidas introduzidas pelo programa Mais Habitação.
Quanto ao primeiro, causa-me bastante preocupação a intromissão do governo nas ordens profissionais, na escolha dos elementos a integrar no Órgão de Supervisão, tratando-se, a meu ver, da introdução de uma fis-
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calização, de criação de um órgão policial político dentro das Ordens profissionais, contrariando aquela que foi uma conquista do 25 de abril de 1974.
Intimamente relacionada com esta questão da alteração dos Estatutos, está a alteração ao Regime Jurídico dos Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores, que acarretará, certamente, um impacto negativo aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e das empresas, criando-se a possibilidade de exercício da consulta jurídica, da redação de contratos, da cobrança de créditos por iniciativa de entidades e pessoas que não se encontrem devidamente qualificadas e reconhecidas como Advogados e Solicitadores. Na minha opinião, tal cria um sentimento de insegurança aos cidadãos e às empresas e, no fundo, à sociedade em geral. A exclusividade da prática destes atos por profissionais que se encontrem dirigidos pelas associações públicas profissionais respetivas não pode, nem deve, ser encarada como uma barreira, um obstáculo ao acesso ao direito por parte das empresas e cidadãos, mas como garantia do seu bom funcionamento.
O Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e a própria Ordem não se resignam e continuarão a lutar, como sempre fizeram, por aquilo em que acreditam, mantendo sempre as suas convicções. O “caminho faz-se caminhando” e como já diz a expressão, recentemente empregue num texto de opinião, “enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar”.
Sobre o programa Mais Habitação, que muita polémica tem gerado: um dos aspetos introduzidos por este programa diz respeito aos contratos de arrendamento anteriores a 1990 que, de acordo com a opção do governo, não transitariam para o Novo Regime do Arrendamento Urbano quando o arrendatário tem um rendimento anual bruto corrigido inferior a cinco remunerações mínimas nacionais anuais ou quando o arrendatário
tem idade igual ou superior a 65 anos ou tem deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%.
Por outro lado, importa referir que o governo, ao invés de auxiliar os arrendatários destes contratos, aqueles que necessitam mais desse auxílio, atentas as suas deficientes condições económicas, frustra também totalmente o direito dos senhorios e as expectativas criadas pela própria lei desde 2012, interrompendo qualquer processo de transição dos contratos para o NRAU, prometendo em contrapartida, compensar os senhorios.
Estes e outros assuntos irão merecer, num futuro próximo, por parte deste Conselho Regional, uma preocupação e reflexão, pelo que se perspetiva a organização de conferências e sessões de trabalho para debatermos e discutirmos estes assuntos, para que possamos ficar mais esclarecidos, elucidados e preparados para enfrentar o futuro.
Enquanto vogal do Conselho Regional do Porto, tem sido, sem dúvida, uma experiência muito enriquecedora, não só a nível profissional, mas também como associado e pessoa, que me tem permitido aprender muito e estabelecer relações de confiança e cooperação com os colegas e com outras instituições da sociedade.
É certo que nem sempre as opiniões foram nem são unânimes, mas procuramos sempre aquelas que, do nosso ponto de vista, se podem considerar as melhores soluções e orientações para os associados e para a classe profissional dos Solicitadores, com o propósito de melhor promover e servir os interesses dos associados.
Restam dois anos de mandato, talvez mais desafiantes que os anteriores, atentas as várias alterações que, entretanto, ocorreram, mas naturalmente que o entusiasmo, motivação, dedicação e alegria mantêm-se. Há que enfrentar o que por aí vem e não esmorecer. É neste espírito de querer fazer mais, sempre com vista à defesa dos interesses dos associados, que estarei até ao fim do mandato. Portanto, venham os próximos dois anos! Vamos trabalhar.
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CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA Expectativas
TEXTO ANABELA VELOSO Presidente do Conselho Regional de Coimbra
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OSAE
“Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos apenas duramos.”
P.e António Vieira
Move-nos o espírito de missão, de proteger os interesses dos associados, de os motivar, de elevar o nome da classe, de entusiasmar os mais jovens e também os mais experientes, de os apoiar. É esta a premissa de continuidade para o ano 2024.
A oportunidade de apresentar e de deixar no ar os desafios pensados para os associados no corrente ano, na nossa revista institucional Sollicitare, é uma forma de preservar na nossa história memórias e vivências únicas.
Renovando relações, fortalecendo e aproximando-nos do meio judiciário, temos já presença confirmada no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa. Aprender mais e conhecer de perto os nossos órgãos de soberania tem sido um projeto ganho deste Conselho Regional, que esperamos se mantenha. Também o Porto será um dos destinos e será uma viagem surpreendente pelo mundo dos livros e da imaginação, mas não vamos já contar tudo!
E porque os livros são os nossos projetos de vida, no escritório “todos os dias do resto da nossa vida”, o Conselho Regional de Coimbra arrancou com o projeto de uma Biblioteca na sua sede, na Avenida Fernão Magalhães. Uma Biblioteca com literatura do direito e da justiça, encarada como uma forma de aproximação entre colegas e uma parceira dos nossos escritórios. Como agora já tem alguma forma física, graças aos contributos de muitos, entendemos que será hora para lhe dar um nome, com história, com vivências e nunca esquecendo a
criação do Conselho Regional de Coimbra. Para isso contaremos com a Assembleia Regional de Coimbra.
Temáticas essenciais ao desempenho e manutenção das funções que cada um exerce, reflexão lado a lado, enriquecimento pessoal e profissional serão alguns dos desafios a cada um dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. É também um desafio para os dirigentes da Classe: manter vivo o interesse e a dinâmica da participação.
A renovação do formato das iniciativas descentralizadas, em colaboração com as Delegações Distritais e Concelhias, será um estímulo aos Solicitadores e aos Agentes de Execução de cada região. Assim, a proposta para 2024 dos membros do Conselho Regional é o ciclo de eventos “Aproximar para Construir”, que estará a percorrer a região centro, muito em breve, e que surgirá com o contributo dos Conselhos Profissionais.
Reavivando sempre o espírito de associação, colaboração e aproximação aos seus associados haverá parcerias entre os Conselhos Regionais que trarão oportunidades únicas.
Contudo, para “existirmos nos dias em que fazemos” e para que seja um ano bem sucedido na sua missão, temos de relembrar a cada Solicitadora, a cada Solicitador, a cada Agente de Execução, como são fundamentais. Pois sem o contributo de cada um de vós, “apenas duramos” e isso não fará sentido para esta caminhada. Por isso, o foco do Conselho Regional de Coimbra sempre foi, é, e será o de valorizar os Solicitadores e os Agentes de Execução e o seu papel, no passado, no presente e no futuro. Sendo que o tempo tem demonstrado que a entreajuda é basilar, para que os Associados mais desalentados acreditem e confiem que continua a valer apena estar próximo e lutar pela Classe e pela Profissão.
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CONSELHO REGIONAL DE LISBOA
Novos Tempos, outra Solicitadoria!
TEXTO DÉBORA RIOBOM DOS SANTOS Presidente do Conselho Regional de Lisboa
Depois de um almoço de domingo, assistia à conversa dos mais novos da família, que trocavam dúvidas e anseios quanto ao curso que deveriam seguir, a profissão que queriam ter, da possibilidade de optarem por um percurso académico que não os motivasse ou não fosse economicamente vantajoso. E eu tinha um artigo para escrever!
Na verdade, a não ser aqueles jovens que desde muito cedo estão convictos da profissão que querem para o futuro, para um considerável número de estudantes esta decisão é muito difícil e pode, mesmo com testes psicotécnicos, frustrar-se.
No Conselho Regional de Lisboa, é com muito agrado que notamos que há cada vez mais jovens a escolher para o seu futuro a Solicitadoria, vindos da licenciatura em Solicitadoria e Direito e alguns, que sabemos, como primeira opção.
E isto é sinal de que os Solicitadores têm feito um percurso ascendente, criando, com o seu trabalho, competência, rigor e resiliência, uma grande confiança junto dos cidadãos e na sociedade civil, com resultados visíveis nos últimos 20 anos, não só através da aquisição de novas competências para uma nova profissão jurídica, a de Agente de Execução, mas também com o aumento de atribuições em sede de registos e notariado, o que coloca muitos Solicitadores no mercado.
Esta vontade dos mais jovens em quererem ser Solicitadores, de se quererem afirmar como tal, traz à profissão sangue novo, irreverência, novas formas de comunicar, modernidade e, algumas vezes também, o pisar da linha. Mas, quando se pensa em modernidade, pensa-se inevitavelmente em tecnologia, e tecnologia é transformação.
Os Solicitadores de há 20 anos não são os mesmos de agora. A grande maioria renasceu, soube adaptar-se e das dificuldades criou oportunidades. Transformaram-se. Os que resistiram à mudança, foram ficando para trás.
Hoje, 20 anos depois, vivemos, de novo, novos tempos! E janeiro mostrou-se fértil em mudanças.
A aprovação da alteração ao Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e do novo Regime Jurídico dos Atos de Advogados e Solicitadores - Lei n.º 10/2024, de 19 de janeiro, trouxe, com razão, muitas preocupações e um sentimento de incerteza quanto ao futuro.
São inúmeras as alterações com relevância, das quais destaco três: a prestação da consulta jurídica e a elaboração de contratos por quem não seja Solicitador ou Advogado e a negociação de créditos por quem não seja Agente de Execução.
Os cidadãos ficam à mercê de entidades que não estão sujeitas a qualquer regulação ou a poder disciplinar e, deste modo, ficam limitados na proteção dos seus direitos.
Os Solicitadores e Agentes de Execução passam a concorrer, de forma desleal, diria eu, com quem não está sujeito a regras de publicidade, regras de atuação, supervisão, responsabilização. Em suma, parece-me que os nossos concorrentes vão poder fazer o que querem, como querem e bem entendem e sem qualquer consequência.
A título de exemplo, poderá um Solicitador licenciado em Direito suspender a sua inscrição, deixando de ficar sujeito ao poder disciplinar, às regras de publicidade, às obrigações de pagamento de quotas e CPAS, entre outras, e passar a prestar consultas jurídicas, em qualquer área do Direito e a elaborar todo o tipo de contratos, que não exijam autenticação, no mesmo escritório onde, até então exercia a Solicitadoria?
Quem beneficia com esta facilitação? E se algo correr mal neste aconselhamento ou no contrato? A quem se reclama? Aplica-se o art.º 485.º do Código Civil?
Infelizmente, se nada for alterado, vamos ter de aguardar para ver as consequências desta lei.
Sem embargo, a atividade dos Solicitadores é muito mais do que o aconselhamento jurídico, que mantemos, e a elaboração de contratos, que também mantemos.
Sabemos bem que quer na área do Direito do Trabalho, quer na área do Imobiliário, o aconselhamento jurí-
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dico já era prestado em forma de conselho e os contratos e minutas já eram apresentados às partes, só que a responsabilidade do seu conteúdo transferia-se para elas.
Se, nestes casos, a parte jurídica é interessante e justifica o recebimento de alguns valores, o setor imobiliário é também muito apetecível. Porém, não podemos esquecer que mesmo com a última alteração estatutária e nos termos do art.º 102.º do EOSAE, há incompatibilidade entre o exercício da Solicitadoria e a atividade de Mediador Imobiliário, trabalhador ou contratado do respetivo serviço.
E para que não restem dúvidas, a atividade de mediação imobiliária “consiste na procura em nome dos seus clientes de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis”. E esta atividade não é permitida aos Solicitadores, ainda que com outras designações.
Não obstante, o Solicitador pode ser preponderante em toda a amplitude do Direito Imobiliário, desde a regularização da propriedade rústica e urbana, apoio ao licenciamento, transmissões de imóveis, arrendamento, alojamento local, celebração de contratos, negociação e cobranças de rendas, processos de despejo, apoio fiscal e muito mais.
Para tal, tem de estar preparado ou disposto a preparar-se e a adaptar-se aos novos desafios, como é, por exemplo, o caso do cadastro predial.
Recentemente, a 21 de novembro de 2023, entrou em vigor o novo Regime Jurídico do Cadastro Predial que veio alterar, por completo, a forma como até aqui se preparavam e resolviam os problemas associados aos prédios rústicos, bem como introduziu uma nova figura, essencial, para a conservação do cadastro predial, o Técnico de Cadastro Predial (TCP).
O Conselho Regional de Lisboa realizou a 7 de novem-
bro de 2023, com a colaboração da Delegação Distrital de Santarém, o primeiro encontro em que se abordou o tema, contando com a participação, como oradores, dos nossos colegas Armado A. Oliveira e Leandro Siopa. Foi uma primeira abordagem para a tomada de consciência da importância destas matérias na vida do Solicitador.
A 23 de novembro, o Conselho Regional de Lisboa, sob o mesmo tema, realizou um workshop e conferência no auditório da OSAE, com a participação da Direção Geral do Território, Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto dos Registo e Notariado.
Foi um evento que esgotou o auditório e que contou com mais de uma centena e meia de Solicitadores.
Ficou claro, nesta conferência, que pelas suas características e conhecimentos na matéria, os Solicitadores são os profissionais preferenciais para assumirem também as funções de TCP.
Para melhor se compreender a importância deste profissional, é através do TCP que se passa a fazer a atualização dos prédios que tenham sofrido alterações na sua configuração geométrica na carta cadastral.
É a este profissional que incumbe o procedimento de atualização cadastral no Sistema Nacional de Informação Cadastral (SNIC) através da recolha de documentos, elementos e/ou através de trabalho de campo, com recurso à utilização de equipamentos próprios, que sirvam para atestar a regularidade do ato ou negócio jurídico que se vai praticar no âmbito da conservação cadastral, bem como será responsável pela inserção de novos prédios na carta cadastral (operação de integração).
Já existem alguns Solicitadores que são também TCP, mas é indispensável que existam mais.
Acredito que o cadastro e o processo de conservação cadastral irão trazer muito trabalho aos Solicitadores, na regularização da propriedade, aos Solicitadores TCP, aos Solicitadores Tituladores e aos Solicitadores mandatários, por exemplo, na resolução de litígios decorrentes dos BUPI’s.
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Os Solicitadores, para serem TCP, precisam de frequentar um curso de formação complementar em Cadastro Predial, regulado pela Portaria n.º 380/2015, de 23 de outubro, e que poderá ser ministrado pela OSAE/IFBM, ao abrigo de um protocolo já antes celebrado com a DGT.
O Conselho Regional de Lisboa está disponível para colaborar em tudo o que for necessário, para que a abertura do curso ocorra a breve trecho.
Outra matéria já trabalhada por alguns colegas, mas que se reveste de alguma dificuldade ou até afastamento de outros, é o licenciamento no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria, cujo Projeto de Lei foi abordado no último “OSAE por Perto” de Lisboa, realizado em Palmela, em que se focaram as possíveis alterações, hoje concretizadas, mas também o Direito Administrativo.
O diploma com o processo de reforma e simplificação do licenciamento foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, que entrará em vigor a 4 de março de 2024, com algumas exceções, nomeadamente quanto à desnecessidade de apresentar licença de utilização e Ficha Técnica de Habitação na realização de negócios jurídicos que envolvam a transmissão de imóveis, o qual já entrou em vigor a 1 de janeiro de 2024, impondo a obrigação ao titulador de informar o adquirente de que o imóvel poderá não dispor dos títulos urbanísticos necessários para a utilização ou construção.
Esta matéria tem suscitado várias opiniões e uma apreensão generalizada que vai, mais uma vez, no sentido da desproteção do cidadão adquirente, que poderá estar a braços com a aquisição de um imóvel que não tem licença de utilização e que numa situação “tradicional” nunca viria a ter.
Por outro lado, sem dúvida que vai facilitar os processos de transmissão dos imóveis que se encontravam parados há anos por falta de licença de utilização e que veem, neste diploma, a luz, a solução. Já outros atos e contratos vão deixar de ser interessantes, como a compra venda com cláusula suspensiva ou a procuração irrevogável.
Há quem diga que os bancos não vão aceitar a realização das escrituras/documentos particulares autenticados sem a licença de utilização, mas não me parece que dentro em breve tenham outro remédio.
Neste momento, a realização de operações urbanísticas depende ou de licença ou de comunicação prévia e, nesta última, o interessado, mesmo que queira, não pode optar pelo licenciamento, a que se somam uma serie de operações urbanísticas isentas.
Ora, mais uma vez, o papel do Solicitador será essencial, não só no aconselhamento e acompanhamento do seu cliente construtor, adquirente, investidor, que em alguns casos deixa de ter a garantia de validação da Câmara Municipal na realização de determinados atos ou contratos, sendo previsível um aumento de litígios que o Solicitador, em sede de processo administrativo, também é competente para intervir.
Honestamente, sinto que estão abertas muitas possibilidades de trabalho, umas que no imediato dependem apenas de cada um de nós, outras que inevitavelmente teremos de aguardar pela intervenção/iniciativa de terceiros para se concretizarem e outras que, com certeza, estarão ainda para vir.
Tenhamos nós a capacidade para estudar tantas matérias, sermos bons em todas e correspondermos às expectativas dos nossos clientes, da forma mais profissional e tão rápida como desejam, numa organização e gestão de escritório por vezes bastante difícil.
Nesse sentido, parece-me que no futuro (próximo, muito próximo), teremos de alterar comportamentos e dotar os nossos escritórios de mais tecnologia, usando, por exemplo, a Inteligência Artificial (IA) a nosso favor, libertando-nos de tarefas demoradas, repetitivas e ganhando assim eficiência, produtividade e rapidez, permitindo-nos ter o foco na criatividade e na resolução efetiva dos problemas.
Para tal, é necessário que os Solicitadores e os Agentes de Execução estejam preparados para integrar no seu dia-a-dia essa tecnologia. E se não estiverem? Então, comecem por identificar as maiores dificuldades, tentem colmatá-las com cursos de formação e/ou reportem ao Conselho Regional de Lisboa ou ao IFBM essas necessidades, para que possamos organizar iniciativas nesta matéria.
Além disso, é essencial trabalhar em parceria ou em sociedade com outros colegas, com regras bem definidas e sem medos. Todos temos algo a aprender, mas também temos muito para ensinar.
As sociedades multidisciplinares estão previstas nesta alteração estatutária e não as podemos ignorar. É crucial que se comece a repensar rapidamente em novas formas de organização.
Se não nos virmos antes, fica o convite para estarem presentes no dia 10 de abril, no nosso “OSAE por Perto”! Vamos ter muitas coisas boas!
Até já!
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CONSELHO REGIONAL DE LISBOA
GALA DOS CONSELHOS REGIONAIS
Foi no passado dia 16 de dezembro que teve lugar, pela primeira vez, a Gala dos Conselhos Regionais. Um convívio de Natal que juntou todos os associados da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução num evento único e que teve lugar na Quinta da Concha, em Santiago de Litém, Pombal.
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Aviso do Banco de Portugal – A Responsabilidade pela Comunicação da Informação
Telma Afonso Colaboradora do Conselho Superior OSAE
Desde 21 de setembro de 2023 está em vigor o Aviso n.º 6/2023, de 20/09, por meio do qual impende sobre os operadores judiciários aí identificados — notários, solicitadores, advogados e advogados estagiários — a obrigação de comunicação ao Banco de Portugal da sua intervenção na celebração de:
a) contratos de mútuo;
b) declarações de assunção ou confissão de dívida;
c) contratos de locação financeira;
d) contratos de locação financeira restitutiva;
e) contratos de compra e venda de imóveis associados a contrato de arrendamento ao vendedor ou de transmissão da propriedade ao primitivo alienante;
f) contratos de compra e venda de bens imóveis, ou de bens móveis sujeitos a registo, que não envolvam a concessão de mútuo por entidades habilitadas a desenvolver a atividade creditícia, sob condição do comprador já ter sido vendedor do mesmo bem ou esteja previsto o arrendamento ou usufruto do bem imóvel, ou o usufruto do bem móvel pelo vendedor, ou esteja prevista a opção de recompra do bem pelo vendedor.
A regulamentação ínsita ao referido Aviso integra-se no âmbito do regime de prevenção e combate à atividade financeira não autorizada e proteção dos consumidores, cujo escopo consiste em viabilizar, ao Banco de Portugal, o combate de fraudes no setor imobiliário e atividades financeiras não autorizadas.
Para tanto, devem os profissionais vinculados ao cumprimento da comunicação endereçar, via plataforma já disponibilizada no site Banco de Portugal para o efeito (acedendo aos separadores Supervisão > Atividade Financeira Ilícita > Formulário de Reporte de Ato Jurídico), a identificação dos outorgantes e a qualidade em que intervêm, valor pecuniário do ato, data e local da realização.
E bem assim a sua natureza jurídica materializada em escrituras públicas, documentos particulares autenticados e documentos com assinatura pelos mesmos reconhecida, circunscritos ao elenco supra, os quais se encontram tipificados no n.º 1 do art.º 4.º da Lei n.º 78/2021, de 24/11, desde que não exerçam a atividade para entidades já autorizadas pelos supervisores financeiros.
Acresce a vinculatividade dos profissionais em causa a um período temporal limite de trinta dias, volvida a prática do ato, para procederem à comunicação ao Banco de Portugal, editar e substituir os ditos atos jurídicos.
Consabida a necessária salvaguarda do sigilo profissional, inerente à relação estabelecida entre profissional e cliente, o n.º 10 do art.º 4.º da referida Lei prevê expressamente a sujeição ao dever de segredo concernente aos dados insertos na base de dados que, por sua vez, permanecerão arquivados por um período de sete anos, conforme art.º 7.º do Aviso.
O dever de reporte do conteúdo das declarações negociais, constantes dos atos jurídicos celebrados, é densificado no art.º 6.º do Aviso, designadamente
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PROFISSÃO
no que concerne à responsabilização do mesmo, concretizada na sua completude, atualidade, exatidão e tempestividade da informação prestada.
Neste último ponto cumpre, em sede de qualificação da responsabilidade civil extracontratual das entidades sujeitas à comunicação da informação, fazer a correlação da completude, atualidade, tempestividade e exatidão do respetivo conteúdo aos conceitos jurídicos de “obrigação de indemnizar” e “reparação do dano”, os quais encontram respaldo nos artigos 485.º e 486.º do Código Civil, cujo teor se transcreve com as devidas adaptações:
“A obrigação de indemnizar existe, porém, quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punível.”
“As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido.”
Desta feita, a imposição do reporte da informação tem ínsita a responsabilização da entidade que a presta, cabendo-lhe, assim, proceder à sua alteração ou retificação sempre que ocorram erros ou omissões, e até eventual obrigação de indemnizar, de resto em linha com o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/10/2018, processo n.º 900/17.9T8GMR.G1, consultável in www.dgsi.pt .
Neste conspecto, extrai-se que o regime de comunicação dos atos jurídicos supra elencados, a coberto da referida Lei, implica um ónus sobre as entidades destinatárias do Aviso, quer no cumprimento do prazo de reporte, quer no âmago da informação, os quais importa acautelar sob pena das consequências às mesmas associadas, em sede de responsabilidade civil extracontratual, concretizadas na referida obrigação de indemnizar e reparar danos, assim se verifiquem os respetivos pressupostos legais.
Bastonário da OSAE eleito vice-presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais
O Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Paulo Teixeira, foi eleito, no dia 4 de janeiro, vice-presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP).
António Mendonça, Bastonário da Ordem dos Economistas, foi reeleito presidente do CNOP. Para a mesa da Assembleia Geral foram eleitas Maria de Jesus Fernandes, Bastonária da Ordem dos Biólogos (presidente), Fernanda Almeida Pinheiro, Bastonária da Ordem dos Advogados, e Liliana Sousa, Bastonária da Ordem dos Nutricionistas. Já para o Conselho Fiscal foram eleitos Miguel Pavão, Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (presidente), Hélder Mota Filipe, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, e Avelino Oliveira, Presidente da Ordem dos Arquitetos.
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OSAE
O AGENTE DE EXECUÇÃO E DOIS ESCRITORES UNIVERSAIS, QUE RELAÇÃO?
SOLICITADORES ILUSTRES
Miguel Ângelo Costa Solicitador
Já ia com 23 anos de Solicitadoria quando entrou em vigor, em 2003, o atual processo executivo. Conheci e trabalhei no processo anterior, umas vezes na qualidade de exequente, outras no outro lado, como executado, mas nunca, porém, estive com os olhos e os ouvidos entre ambos como agora. Durante estes já 20 longos anos do novo processo executivo, passei por muitas vicissitudes, como os restantes colegas – principalmente os Agentes de Execução da chamada província – onde os nossos procedimentos foram, muitas vezes, confrontados com queixumes de executados e exequentes, seus mandatários e até de terceiros. Quem nunca conversou, antes e durante um despejo, com o executado e o exequente? Quem nunca teve compaixão em casos de penhora e remoção de bens? Eu tive. E não foram raras vezes, que no cumprimento da Lei fiquei com a sensação de não ter feito justiça após ouvir as histórias dos executados e da sua má sorte ou conduta. Porque nós somos os últimos conselheiros dos “excluídos da sociedade “.
É, por isso, que o Agente de Execução não só anuncia desgraças, como pode também trazer grandes esperanças e delas surgirem outras oportunidades na vida que ninguém contava.
Foi o que aconteceu com dois monstros da literatura universal: Honoré de Balzac e Fiódor Dostoiévski .
Muito resumidamente passo a contar:
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HONORÉ DE BALZAC
Nasce em Tours, no ano de 1799, filho de um funcionário público. Obteve o curso de Direito, estagiou num escritório de advogados e foi ajudante de notário, experiência que não lhe agradou e o levou, definidamente, para a literatura, dizendo “as rodas oleosas de cada fortuna, a disputa horrenda dos herdeiros sobre corpos ainda não totalmente frios, e o coração humano às voltas com o Código Penal “. (1)
Já a viver em Paris, envolveu-se em vários empreendimentos comerciais, constituindo sociedades de tipografias e editoras. Todos estes negócios foram ruinosos. Para pagar as dívidas pedia dinheiro emprestado à família e amigos. Mas a sua inexperiência, associada à falta de capital, causaram definitivamente a sua ruína. Restava-lhe a escrita e o desejo de casamento com uma mulher rica: “O que deseja quase inconscientemente, em certos momentos, com plena consciência, é uma mulher que satisfaça os dois polos da sua vida: que não perturbe com exigências pessoais a sua obra e que salve o seu labor da maldição de trabalhar para ganhar dinheiro, que acalme a sua superabundância sexual e, simultaneamente, o liberte de embaraços económicos e materiais. E, se for possível, deverá ainda satisfazer, pela sua origem aristocrática, o seu snobismo pueril.” (2)
Mas os credores não lhe largavam a porta. O Huissier de Justice era o seu despertador todas as manhãs. Só tinha uma solução: a sua imaginação e a sua pena nas 14 a 16 horas diárias de labor literário. Sempre que acabava um romance ia ao editor receber o dinheiro adiantado para o próximo. Só num ano escreve mais de 10 romances, entres os quais algumas das suas obras-primas como “O Pai Goriot”, “A Mulher de 30 Anos”, “A Duquesa de Langeais”, “A Menina de Olhos de Ouro” e, até 1834, “O Coronel Chabert”, “A Pele de Chagrin”, “O Contrato de Casamento”, “A Missa do Ateu”, etc., etc.
Apesar da grande produção literária, não se pense – como aliás o demonstra toda a sua obra literária de 137 volumes, que constitui a sua “Comédia Humana”–na existência de uma fraca qualidade. Cuidou sempre de rever todos os volumes a publicar e, como dizia, Stefan Zweig: “O homem que a todos os outros parece leviano, muito precipitado e ávido de dinheiro, quando se trata da perfeição da sua obra e da sua honra artística é o mais escrupuloso, o mais tenaz, o mais duro e enérgico trabalhador da nova literatura.” (3)
Parafraseando Ortega y Gasset: “Eu sou eu e a minha circunstância“. Teria Balzac produzido a sua “Comédia Humana” sem os seus credores e o Huissier de Justice?
FIÓDOR DOSTOIÉVSKI
Dostoiévski nasceu em Moscovo no ano de 1821, vindo a falecer em São Petersburgo em 1881. Foi um dos grandes escritores russos do século XIX, ao lado de Pushkin, Tolstói, Tchekhov, Gogol e Turguêniev, entre outros. Ainda jovem perdeu os seus pais. Formado em Engenharia, dedicou-se muito cedo à escrita, começando por escrever o romance “Gente Pobre”. Em 1849 é detido por se opor ao regime do Czar, tendo sido condenado à morte. No entanto, a pena foi substituída por oito anos de trabalhos forçados na Sibéria.
Durante os anos que passou na Sibéria, a sua mente foi-se moldando num misto de misticismo religioso e realismo social, publicando, em 1861, o romance “Humilhados e Ofendidos”.
Após vários encontros e desencontros com as mulheres da sua vida, sai da Rússia a vai para o estrangeiro, onde se entrega ao jogo, ficando completamente arruinado. As suas dívidas iam-se acumulando e, em princípios de 1866, quando chegaram aos 15 mil rublos, quantia impensável para aquela época, solicitou ajuda a um Fundo Literário e combinou com um livreiro a edição das suas Obras Completas, cujo contrato o obrigava a entregar um romance inédito até 1 de novembro de 1866, sob pena de penhora de todos os seus direitos editoriais. Mas logo se esqueceu e continuou a jogar. Em outubro de 1866, um amigo apresentou-lhe Anna Snitkina, uma jovem estenógrafa que o ajudou com o seu novo livro, “O Jogador”. Em três semanas remeteu o manuscrito ao editor, salvando, assim a sua criação literária.
Durante os anos das aflições monetárias teve sempre “à perna” o “Conselheiro Titular”, o funcionário judicial equivalente ao Agente de Execução. Nunca fugiu dele, nunca lhe fechou a porta: recebia-o e conversava horas e horas com ele. Dostoiévski queria saber tudo o que se passava nos tribunais de São Petersburgo. Com as informações prestadas pelo Agente de Execução russo, o escritor postou nos seus romances, como no “Crime e Castigo”, a miséria do funcionário judicial (Marmeladov), que acabou no álcool, levou a filha para a prostituição e morreu atropelado por uma caleche. Nas passagens judiciais de “O Idiota”, “O Eterno Marido”, no julgamento descrito no último capítulo de “Os Irmãos Karamazov” (Erro Judicial), bem como na defesa judicial das crianças maltratadas pelos pais no seu “Diário de Um Escritor” há sinais do Agente de Execução russo. (4)
Será que páginas tão brilhantes das últimas obras de Dostoiévski seriam escritas sem as conversas com o Agente de Execução? Tenho dúvidas.
SOLLICITARE 53 PROFISSÃO
1 – Balzac – Graham Robb pag. 44. Ed. P.Macmillan; 2 – Balzac – O Romance da Sua Vida, Stefan Zweig pag. 135 – Livraria Civilização 3 – idem pag. 169e 170; 4 – O jogador, Crime e Castigo ( pag. 18 ) Irmãos Karamazov 2.º Volume
TECNOLOGIA
Joana Vilas Boas Diretora do Departamento Informático da OSAE
Uma história de mitos
Era uma vez dois amigos, Pedro e Filipe, ambos ligados à informática.
Em conversa, o Pedro explica ao Filipe que os profissionais que utilizam o sistema que ele ajuda a desenvolver queixam-se que fazem muitas tarefas repetitivas e que há informação que registam que podia ser apoiada pelo sistema. Ele acredita que a inteligência artificial resolverá este problema. O Filipe atira que não é necessário ir até à inteligência artificial para resolver a questão. Alguns algoritmos e automatizações ajudam e apoiam no registo muito facilmente.
A inteligência artificial é aquele mito que promete resolver todos os problemas técnicos e tecnológicos, mas os sistemas de informação têm de sofrer uma reformulação na base. Muitos deles têm, até, de saldar dívida técnica por estarem demasiado obsoletos.
O Filipe partilha, então, que está envolvido num projeto de desmaterialização de processos de uma empresa. E que estão a passar todos os formulários que atualmente são preenchidos em papel para uma plataforma informática. O Pedro questiona se foram eliminados passos inúteis e que impacto isso terá no tempo despendido pelas pessoas nesses processos. O Filipe diz que apenas passaram os formulários para um sistema de informação.
Passar processos de papel para formato eletrónico não é desmaterializar. Devemos distinguir informatização/digitalização de desmaterialização. A desmaterialização é algo que vai mais além e ajuda a agilizar procedimentos.
Continuam a conversa e o Pedro comenta que
lhe pediram para integrar dois sistemas e transitar informação entre eles. Está com um problema, porque um dos sistemas é mais recente e avançado, e o outro sofreu a última atualização tecnológica há mais de 15 anos e não permite a integração solicitada.
A interoperabilidade traduz-se na possibilidade de um ou mais sistemas comunicarem entre si de forma transparente. Há vários tipos de interoperabilidade: técnica, semântica e de processos e pessoas. A técnica disponibiliza meios tecnológicos de transmissão de dados entre sistemas que deverão ter capacidade de integrar. A semântica disponibiliza padrões de informação que ajudam todos os envolvidos a compreender a informação transmitida. A última é, eventualmente, a mais complicada de implementar porque envolve a partilha de conhecimento entre pessoas e processos.
A tecnologia deve servir para facilitar e apoiar o registo e consulta de informação. Deve ser o veículo de transporte de dados entre pessoas, entidades ou sistemas de forma estruturada e com qualidade, por forma a que sejam bem compreendidos por todos os envolvidos. Deve garantir que é possível retirar indicadores que permitam uma melhor gestão da informação e da capacidade de decisão. Não deve complicar o dia a dia de quem a utiliza e deve estar alinhada com os seus utilizadores.
O Pedro e o Filipe concluíram que têm de ouvir os utilizadores dos seus sistemas para poderem oferecer as melhores soluções e não as que têm as últimas ferramentas que todos os outros tentam implementar.
SOLLICITARE 55 PROFISSÃO
ENTREVISTA A
TIAGO PAIS DIAS
MÚSICO
O homem dos muitos instrumentos
Foi em pleno estúdio, na Valentim de Carvalho, em Paço de Arcos, onde tantos dos êxitos da música portuguesa foram gravados, que o Tiago Pais Dias nos recebeu. Um homem, um músico. Que, afinal, se fundem mesmo num só. E ali estava, numa cadeira, perante uma orquestra de botões e instrumentos, com música a correr nas veias.
A conversa depressa ganhou ritmo. Percorreu pautas, recordou letras. Andou pelos maiores palcos e por pequenas praças. Lembrou multidões e olhares que ficaram. Uma autêntica melodia. Daquelas que guardamos e que, sempre que ouvimos, nos levam para algum lado.
Sim, tal como as músicas que escreve e que todos cantamos, esta conversa emociona. Aliás, este é o poder da música. Este é o poder de quem “faz” música. O poder de, independente da inspiração de que é feita, nos fazerem sentir que aquela música foi feita para nós. Esta conversa foi música. E, já no que se poderia chamar de encore, mesmo à beira da última música, o Tiago sentou-se ao piano e fez as mãos dançar pelas teclas, agarrou na guitarra e dedilhou sem olhar, pegou nas baquetas e ritmou o final perfeito, que ficou a ecoar nas memórias de quem por ali passou e aplaudiu de pé.
56 CULTURA
ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA
Como chega a música?
Tive a sorte de nascer numa família de artistas. O meu avô, que era fotógrafo, também fazia teatro, cantava, pintava. E eu, que fui educado pelos meus avós, acabei por ter um contacto muito especial com as artes. A minha mãe também chegou a cantar e fazer teatro como hobby. E assim, a pouco e pouco, fui absorvendo esta cultura toda que tinha à minha volta. Além do mais, sou o mais novo de seis irmãos e os dois irmãos com quem vivia sempre estiveram ligados à música, sempre tiveram bandas. Lembro-me de ser pequenino e ir aos ensaios deles. E a música surge assim do muito contacto com ela deste tenra idade e por ter tido a felicidade — porque a música não é um processo fácil: é preciso investimento, dedicação, tempo — da minha família me apoiar ao longo desse processo.
E como é que a música se torna vida?
Tornou-se a minha vida muito cedo. A partir dos 16 anos comecei a tocar em bares e a ganhar dinheiro. Tocava numa ótica muito criativa: pegava em canções antigas e fazia novas versões. Tentava abordar os temas de uma forma distinta. Em simultâneo, fazia também parte de algumas bandas de garagem — como toco vários instrumentos, isso permitia-me tocar bateria com uns, guitarra com outros, baixo com outros, e assim participar em vários projetos. Depois, aos 21 anos, há um ponto de viragem na minha carreira: fui tocar com a banda que tinha com os meus irmãos a um bar de Alcobaça, que era o bar dos The Gift. Toquei bateria e, no final, o Nuno Gonçalves dos The Gift vem falar comigo e diz que gostou muito. Uns tempos mais tarde, volto a tocar nesse bar, mas com outra banda e outro instrumento: nesse dia toquei teclados. O Nuno apercebeu-se, então, que havia um miúdo, em Lisboa, que tocava vários instrumentos e não os tocava mal. Uns meses depois, ele faz-me um convite para gravar um DVD para os The Gift. Correu tão bem que, de seguida, convidaram-me para fazer parte da banda e fiquei lá oito anos. Aprendi muito com eles, não só na parte musical, como na parte do agenciamento, foram anos incríveis. Ao mesmo tempo, foram surgindo alguns convites de trabalho em paralelo: fiz músicas para os Gato Fedorento, trabalhei com o Rui Reininho, com os Sétima Legião, com o Rodrigo Leão, com os Amália Hoje... E nessa altura já tinha uma relação com a Marisa Liz e, como também já trabalhava em alguns projetos com os elementos dos Amor Electro, convidámos a Marisa para fazer parte. Na verdade, nessa altura o que surgiu foi uma banda de bares, os Catwalk. Mais tarde surge um convite para gravarmos um disco e é nesse momento que surgem, realmente, os Amor Electro. Compus “A Máquina”, o “Rosa Sangue” e mais alguns temas que, felizmente, fizeram muito sucesso. Nesse momento, percebi que tinha de começar a dedicar-me em exclusivo aos Amor Electro.
Depois, aos 21 anos, há um ponto de viragem na minha carreira: fui tocar com a banda que tinha com os meus irmãos a um bar de Alcobaça, que era o bar dos The Gift. Toquei bateria e, no final, o Nuno Gonçalves, dos The Gift, vem falar comigo e diz que gostou muito. Uns tempos mais tarde, volto a tocar nesse bar, mas com outra banda e outro instrumento.
No processo criativo, onde está a inspiração?
E é mesmo feito de mais trabalho do que na versão romantizada que se idealiza?
O meu processo criativo passa por ter uma conexão emocional com a música. Não consigo ir para o estúdio e estar a pensar “tenho de fazer uma música”. É claro que se tiver realmente de o fazer, também o faço, porque construir qualquer canção é um processo teórico. Mas, para mim, a música não é isso. Não me faz sentido dessa forma. Portanto, sim, tenho um lado meio romantizado da composição e da criação. A música tem de me emocionar. Se não acontecer, é porque não está bem.
Da idealização à divulgação, passando pela confeção… onde se sente mais feliz?
É verdade que, à data, não me posso considerar só músico: tenho uma agência, uma produtora de eventos, fiz, durante muitos anos, management de outros artistas, tive uma editora... Estou conectado à área da música de muitas maneiras e em todas as frentes. Acho muita piada a todos os departamentos da música, mas aquele em que me sinto mais confortável é a composição, ou seja, a criação e conceção do objeto artístico. E, claro, estar em palco.
58 TIAGO PAIS DIAS
Não consigo ir para o estúdio e estar a pensar “tenho de fazer uma música”.
É claro que se tiver realmente de o fazer, também o faço, porque construir qualquer canção é um processo teórico. Mas, para mim, a música não é isso. Não me faz sentido dessa forma.
E o que é que se sente quando o nosso amor por algo é partilhado pelos nossos filhos? Mesmo que nada se tenha feito para que assim seja…
É um misto de orgulho e de medo. É óbvio que seria sempre um pai orgulhoso, desde que a minha filha faça aquilo que gosta. Claro que a música é mais uma coisa que nos une e partilhamos muito, cantamos, tocamos. Mas nem faço muita pressão, antes pelo contrário. Até tento, de alguma forma, distanciar-me, porque acho que é importante para ela não estar agregada aos pais, ter o seu próprio caminho. Mas estou sempre presente e estou lá para o que ela precisar. A área da música é muito volátil, mas ela tem a sorte de ter duas pessoas muito experientes dentro desta área que lhe podem dar algumas dicas para trilhar melhor este caminho.
A gestão da fronteira entre o que é ou não um pedaço de vida que se quer contar ao público e o que é a privacidade do próprio e dos que o rodeiam é um desafio e algo que acaba por condicionar a beleza de tudo isto?
Há quem respeite privacidade e há quem não respeite nada. Nem sempre é fácil gerir esta questão. Há pessoas que nos abordam com calma e respeito, pedem para
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tirar uma fotografia ou um autógrafo e não há problema nenhum. Mas há pessoas que se colam a ti no supermercado e tiram uma foto sem sequer dizer “Bom dia”. E isso não tem nada a ver com a música, mas sim com o culto da personalidade, porque se calhar nem o nosso trabalho conhecem. Nestes casos faz-me alguma confusão.
E que país se avista e se vive em cima de um palco?
80 por cento dos concertos que dou, por ano, são no que poderemos apelidar de “Portugal real” ou “Portugal profundo”. Não são as grandes metrópoles. Do ponto de vista das condições tecnológicas, vejo um país um pouco atrasado, muito dividido entre o que são as grandes cidades e o que é o resto, que é a maior parte de Portugal. Tudo está muito centralizado e há grandes diferenças. Por outro lado, quando toco no interior, por exemplo, sinto que a vida é mais simples e mais tranquila. Há mais qualidade de vida. Aqui vivemos sempre a correr. Por isso, é possível que nós, nas grandes cidades, é que sejamos atrasados. Não sabemos parar e respirar.
Que música ou música ou estilo musical te ocorre quando pensas em justiça?
Diria que algo meio cinemático, meio orquestrado, sinfónico, com suspense. Algo do género John Williams. Teria de ser uma música com tensão, que culminaria numa coisa épica ou numa coisa triste, dependendo do resultado.
E já somos mais justos com a música e com os artistas portugueses? Já a ouvimos e valorizamos mais?
Acho que não tratamos bem a música portuguesa, nomeadamente a música da nossa história. Os brasileiros fazem o oposto de nós: os artistas mais velhos são tra-
ESCOLHAS…
Livro: Sapiens - História Breve da Humanidade, Yuval Noah Harari
Filme: Tudo em todo lado ao mesmo tempo
Música: Going to a town, Rufus Wainwright
Concerto: Ray Charles - Campo Pequenoo primeiro concerto a que assisti
Sítio: Kyoto (Japão)
tados como deuses. Fazem parte de um histórico e são idolatrados, seja qual for o estilo. Nós não temos isso. Os velhos são “corridos a pontapé”. A maior parte dos miúdos não sabe quem são o Sérgio Godinho, o Fernando Tordo, o Paulo de Carvalho. Não fazem ideia. Para mim, isto é gravíssimo, porque são ícones da música portuguesa, fazem parte da nossa cultura. Tratamos muito mal os mais velhos. A cultura não é exceção.
No entanto, sinto que já ouvimos mais música portuguesa, apesar de o mercado estar “afunilado”. Sinto que hoje há dois ou três estilos predominantes e a “malta” anda à volta daquilo e os artistas que aparecem são todos mais ou menos similares. O problema é que Portugal é muito pequeno e o mercado da música está supersaturado. Hoje, qualquer miúdo tem um par de colunas, um computador e um microfone em casa, não é preciso saber cantar nem tocar para fazer música. Isto é bonito, mas perigoso. É quase como fazer música por inteligência artificial. E as pessoas consomem, não estão educadas para ouvir música com mais qualidade ou feita com mais seriedade.
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Acho que não tratamos bem a música portuguesa, nomeadamente a música da nossa história. Os brasileiros fazem o oposto de nós: os artistas mais velhos são tratados como deuses. Fazem parte de um histórico e são idolatrados, seja qual for o estilo. Nós não temos isso.
Olhando para o futuro, o que é que ainda gostavas de viver neste universo da música?
Sinto-me muito grato por todos os sítios onde já andei. Já toquei em todo o país: palcos grandes, palcos pequenos. Sinto-me feliz por isso. O que gostaria de fazer que ainda não fiz? Adorava fazer música para cinema. É uma área que nunca abordei e acho que iria ter, de alguma forma, jeito para aquilo.
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TIAGO PAIS DIAS
REPORTAGEM / PRODUTOS COM HISTÓRIA
São muitos os produtos que fazem já parte da tradição portuguesa. São produtos que cruzam gerações e que se distinguem pela qualidade de excelência. Neste espaço, desvendamos todos os segredos dos produtos com história, desde as suas origens até ao seu processo de fabrico.
Tomamos um café?
TEXTO
JOANA GONÇALVES / FOTOGRAFIA DELTA
De sabor intenso e aroma inconfundível. De consumo caseiro ou social. O café é a segunda bebida mais consumida no mundo, apenas superada pela água. E em Portugal não poderia ser diferente. Em média, cada português bebe cerca de dois cafés por dia. Muitos deles serão, seguramente, da Delta.
Éem Campo Maior que nasce esta que é uma das marcas mais conhecidas dos portugueses. A perspicácia e visão de negócio de Rui Nabeiro, fundador da Delta, aliadas às suas muito reconhecidas características humanas, fizeram com que esta pequena vila alentejana contrariasse todas as previsões de um interior despovoado, desertificado, esquecido. Em Campo Maior, mesmo junto à fronteira com Espanha, há vida, há jovens, há trabalho. Tudo graças àquele homem que, infelizmente, nos deixou há um ano. Mas o seu legado continua e o seu percurso merece ser contado.
A história da Delta remonta aos inícios dos anos 60 do século passado. Dentro de um pequeno armazém de 50 metros quadrados, Rui Nabeiro começou o seu negócio com três colaboradores e a torra de 30 quilos de café por dia. O crescimento foi uma constante e, em 1984, dá-se a construção da Novadelta, a maior fábrica de torrefação de café da Península Ibérica. Tudo sempre em Campo Maior. Deslocar-se para as grandes cidades nunca foi um objetivo. E assim, dois anos depois, dá-se início ao plano de internacionalização com a entrada no mercado espanhol e o surgimento do primeiro departamento da Delta na vizinha Badajoz. Depois de Espanha, seguiram-se outros países da europa e do mundo: França, Luxemburgo, Brasil, Angola. Mais tarde Suíça, China e Dubai. Hoje, a Delta está presente em 40 países, nos cinco continentes. Os três colaboradores transformaram-se em quatro mil. Os 30 quilos diários, em 100 toneladas.
Do grão à cápsula
“Desde 1961 e com mais de meio século de história, somos símbolo não só do empreendedorismo e da capacidade de inovação em Portugal, mas também da essência relacional de uma chávena de café”, pode ler-se na página eletrónica da Delta. E a relação com a chávena pode acontecer de diferentes formas, consoante o gosto de cada um. Café em grão, moído, solúvel, em cápsula. De Angola, Brasil ou Colômbia. Com mais ou menos in-
tensidade. E porque não um descafeinado? Ou mesmo um café produzido nos Açores? Sim, leu bem. Foi em outubro do ano passado que a Delta lançou o primeiro café português produzido nas ilhas de bruma. É que, segundo Rui Miguel Nabeiro, presidente executivo do grupo, o arquipélago tem condições muito propícias para ter uma produção de café de extrema qualidade.
E de tanto falar em café, apostamos que já bebia um, não? Mas espere, que para que o seu café chegue à chávena, há um longo caminho a percorrer. De forma simples, o processo é o seguinte: junto à fábrica da Delta há um armazém que recebe grãos de café verde de todo o mundo. A temperatura é baixa para que não se estraguem. No local, há normalmente reserva de café para três a cinco meses de produção. Depois, os grãos saem das sacas para serem lavados e dali seguem para a torrefação - cujo tempo depende do tipo de grão - e para a moagem, dando lugar aos diferentes tipos de blends, ou seja, a mistura de diferentes tipos e variedades de grãos. Por fim, acontece o embalamento, incluindo as cápsulas que transformaram o consumo doméstico.
Um museu para conhecer, cheirar e provar
Se ficou curioso com tudo o que foi dito até aqui, saiba que existe um espaço para aumentar, ainda mais, os seus conhecimentos sobre o mundo do café. Chama-se Centro de Ciência do Café (CCC) e, como não poderia deixar de ser, situa-se nas instalações da Delta, em Campo Maior.
O CCC nasceu em 2014 de um sonho tornado realidade de Rui Nabeiro. É um espaço único no mundo, criado com o objetivo de divulgar e fomentar a ciência e a sustentabilidade associada ao café. Para além de ficar a conhecer tudo sobre esta matéria-prima, desde a plantação até à chávena, lá poderá encontrar curiosidades como a primeira carrinha da Delta, torradores, moinhos, cafeteiras, chávenas… e até uma estufa, onde poderá ter contacto com o cafeeiro, a planta que dá origem ao café. No final, terá direito a degustar um belo expresso ou outra bebida com café.
De referir ainda que o CCC possuiu uma escola de baristas – a CCC Barista Academy By Delta Cafés. Com cursos regulares ao longo de cada ano, a academia está
SOLLICITARE 65 TOMAMOS UM CAFÉ?
TOMAMOS UM CAFÉ?
direcionada para a difusão da cultura do café e fomento das boas práticas associadas à preparação e serviço de café, bem como de outras bebidas à base de café, tendo como principal objetivo extrair o “expresso perfeito”.
Senhor Rui
Falar da Delta é falar, indubitavelmente, do seu fundador. Rui Nabeiro nasceu a 28 de março de 1931, no seio de uma família humilde. Desde cedo aprendeu a lidar com a adversidade. Aos 12 anos começou a trabalhar, ajudava a mãe numa pequena mercearia, o pai e os tios na torra do café, numa época em que se sentiam os efeitos nefastos da guerra civil em Espanha.
Começou muito jovem a trabalhar na torrefação de café da família. Rui Nabeiro tinha apenas 19 anos quando assumiu a direção da Torrefacção Camelo, Lda.
O espírito empreendedor e a forte ética de trabalho estiveram sempre presentes nos momentos decisivos da sua vida. Em 1961, quando criou a Delta Cafés, deu origem a um grupo empresarial que hoje lidera o mercado dos cafés em Portugal e que continua em forte expansão nos mercados internacionais.
Em reconhecimento ao mérito empresarial de Rui Nabeiro, foi-lhe atribuído o grau de Comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial – Classe Industrial, pelo Presidente da República Mário Soares, a 9 de junho de 1995. A 5 de Janeiro de 2006 foi novamente distinguido, desta vez como Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Mas mais do que um patrão, o Comendador Rui Nabeiro era um amigo e sempre se esforçou por acompanhar os que lhe estão por perto. Com os recursos de que dispôs nas diferentes etapas da sua vida, apoiou e contribuiu para o bem-estar de muitos. Quem conhecia Rui Nabeiro – Senhor Rui, como era carinhosamente tratado –, refere que o empresário sabia das dificuldades e da saúde dos funcionários e estava sempre pronto para ajudar. Conhecia todos pelo nome. Era como um pai para muitos. E foi mesmo no Dia do Pai que nos deixou, a 19 de março de 2023.
O Centro de Ciência do Café é um espaço único no mundo, criado com o objetivo de divulgar e fomentar a ciência e a sustentabilidade associada ao café.
Leituras
Num mundo cada vez mais inundado pelo digital, a arte de mergulhar num bom livro permanece como uma fonte inestimável de conhecimento e entretenimento. E porque há gostos para tudo, apresento neste artigo duas obras que contrastam no seu tipo, mas que, de certa forma, trazem o debate (seja com os outros ou connosco próprios) sobre o mundo onde vivemos e a forma como a realidade que conhecemos pode mudar a qualquer momento.
O MITO
DO NORMAL
Gabor Maté
Trauma, doença e cura numa cultura tóxica» é o mote para este livro que nos transporta por temas muitas vezes esquecidos e desvalorizados, mas que influenciam aquilo que é a sociedade em que vivemos, as pessoas com quem lidamos e os desafios que a vida tem para todos nós (mesmo quando achamos que só acontece aos outros).
Teremos nós negligenciado a importância que o trauma, o stresse e as pressões da vida quotidiana têm sobre o corpo e a mente? O que pode isso influenciar no nosso sistema imunitário e no nosso equilíbrio emocional? Fundamentado por quatro décadas de investigação e experiência clínica, Gabor Maté apresenta neste livro uma conclusão: não somos nós que estamos doentes, é a própria cultura tóxica em que vivemos que gera a doença.
GOING ZERO
Anthony McCarten
Para onde poderia ir sem ser realmente encontrado? Para onde é que alguém pode ir, na verdade?» – estas são as perguntas que se impõem. A empresa Baxter, líder na área da tecnologia, anuncia ter desenvolvido um spyware infalível, capaz de encontrar qualquer pessoa do planeta. De forma a provar a qualidade do produto criado, são escolhidas 10 pessoas que, durante 30 dias, não podem ser encontradas e detetadas pelo spyware da Baxter – têm, literalmente, que desaparecer. Caso o façam com sucesso, ganham 3 milhões de euros. No entanto, caso a ferramenta desenvolvida se mostre eficaz e encontre os 10 participantes, a Baxter ganha um contrato com a CIA que envolve a vigilância dos cidadãos. Esta obra faz-nos sentir dentro de um verdadeiro filme de ação – desde as reviravoltas às personagens cativantes. Acima de tudo, faznos questionar sobre a fragilidade daquela que pensamos ser a nossa privacidade.
SOLLICITARE 67 SUGESTÕES
Maria Sousa Colaboradora do Conselho Geral da OSAE
RESTAURANTE GARFO DOURADO
Um espaço que vale a pena conhecer em Vila Nova de Famalicão
RESTAURANTE GARFO DOURADO
Praça Dona Maria II, n.º 1644
4760-111 Vila Nova de Famalicão
915 606 216
Aberto: segunda a sábado, das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 22h30, e aos domingos das 12h00 às 15h00
Sito no número 1644 da Praça Dona Maria II, no coração da jovem cidade de Vila Nova de Famalicão e a poucos metros de uma das icónicas criações do irreverente artista plástico Artur Bordalo, conhecido por Bordalo II, abriu portas, no ano de 2020, o intimista Garfo Dourado. Rececionados pelo sorridente casal Catarina e Joel, o ambiente calmo e acolhedor do espaço propicia o convívio e convida à descoberta da sua ementa e carta de vinhos. Se a cuidadosa decoração do espaço e das suas mesas tudo promete, os sabores que a elas chegam não dececionam. A ementa é essencialmente regional, os sabores degustados à mesa remetem-nos a uma viagem em tempos idos, ao cheiro, gosto e ao conforto da comida das avós, que com mestria este espaço adiu um cunho contemporâneo. À entrada, as generosas tábuas de queijos e enchidos, sem esquecer o rei da mesa dos portugueses – o pão, que poderá mergulhar em bom azeite, ganham o coração de todos aqueles que visitam o espaço. Segue-se o camembert no forno com mel e nozes e, para os não tão entusiastas de queijos, as sugestões são igualmente difíceis de tão deliciosas. Ovos rotos, cogumelos salteados, bolinhas de alheira, entre tantas outras entradas que poderá degustar. Como prato principal destacamos o bacalhau com broa, a cada lasca uma experiência inigualavelmente prazerosa, harmonizado com a sugestão do Joel: um branco da região do Douro, incrivelmente fresco. Para segundo prato (ou primeiro, se assim o desejar), a sugestão para os amantes de carnes passa pela posta de alcatra acompanhada de batata rústica, legumes salteados, ananás grelhado e tomate cherry, uma combinação de sabores perfeita, harmonizado com um tinto, à temperatura ambiente, da região do Alentejo. Num último momento, mas não menos esperado, o cheesecake de frutos vermelhos, confeção própria da casa pela mão da exímia doceira que neste espaço o confeciona, derrete na boca. Se a condição o permitir, arrisque num cálice de Vinho do Porto. Finde a sua refeição com um café e com um sentido “gosto em recebê-lo/a, volte sempre”, que certamente ouvirá.
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Débora Oliveira Ferreira Solicitadora
ROTEIRO GASTRONÓMICO
Leonardo Homem de Carvalho Agente de Execução
FUSÃO DE ARTES
Já imaginou um local com uma perspetiva 360º entre o mar e a cidade?
Com a cidade do Funchal como palco e com os seus sabores únicos, mas familiares, o Nini Design Centre proporciona uma experiência ímpar a quem visita a ilha da Madeira.
O emblemático edifício denominado Fortaleza da Nossa Senhora da Conceição, por cá conhecido como “Molhe”, que outrora foi refúgio do célebre colonizador Gonçalves Zarco, oferece uma autêntica viagem pela criatividade. Quem visita o espaço pode optar por desfrutar de deliciosos cocktails sob as bonitas vistas do Funchal ou por um momento de degustação da cozinha atlântica com notas da cozinha regional no restaurante com um design naturalmente inspirado num ambiente criativo. Concebido para partilha de ideias, permitindo uma multiplicidade de sensações, encontramos também, em exposição permanente, alguns dos conceituados trabalhos da designer Nini Andrade Silva.
Neste projeto tão versátil há possibilidade de usufruir desde uma refeição a dois, a uma celebração entre amigos e família, sendo destinadas as salas do piso inferior para eventos de maior capacidade.
Numa seleção criteriosa, que encerra em si uma interpretação dos melhores sabores madeirenses, estão contemplados, entre os pratos de peixe, um fresco atum na brasa com puré de salsifie sésamo e sweet chilli de manga e malagueta. Para os amantes de carne, destaca-se o suculento filete black angus, acompanhado de puré de abóbora e noz e batata fondant, regado com molho vinho madeira. Para finalizar, popularmente dizendo, “em grande”, as saborosas e artísticas sobremesas, imperdíveis, em especial a banana e lima com crumble de bolo de mel e gelado de baunilha. Toda a refeição pode ser acompanhada por uma vasta seleção de vinhos, que fazem parte da seleção NDC, os quais criam a combinação perfeita.
Sem dúvida que a sugestão, dada pelo staff, atento e acolhedor, de escolher o “the nini design centre sensation menu”, é certeira para quem procura uma experiência de gastronomia completa. Também aguçou a curiosidade sobre o menu de degustação e os pratos vegetarianos.
Este é o lugar onde não pode deixar de ir se quer conhecer a capital madeirense de uma perspetiva única, entre o mar e a baía do Funchal, e desfrutar de um ambiente informal, mas sofisticado.
FUSÃO DE ARTES
Design Centre Nini Andrade
Silva
Estrada da Pontinha
Forte de Nossa Senhora da Conceição
9000-726 Funchal
291 648 780 / 936 542 76
geral@ninidesigncentre.com
Aberto: 19h00 às 23h00 (encerra à segunda-feira)
SOLLICITARE 69
FARO
O melhor dos dois mundos
Falar de Faro, e do Algarve em geral, transporta-nos imediatamente para o período estival, mas Ossónoba, como foi chamada a cidade de Faro na Antiguidade Clássica, é muito mais que isso...
Não nasci em Faro, mas a cidade, que em território se estende do mar à serra, acolheu-me há uns anos e há algo de sui generis nesta terra e nestas gentes, que cativa quem gosta de se deixar surpreender lentamente.
Apesar da atividade turística, Faro parece um sítio tímido. Descobri com o tempo que é na sua simplicidade, despretensão e singeleza que se escondem os seus encantos.
Neste pedaço de Portugal a história milenar é feita duma diversidade imensa de povos que ao longo dos séculos foram ocupando a cidade, impregnando as raízes culturais da comunidade com um pluralismo ideológico e cultural ímpar.
Estrategicamente posicionada, Faro sempre atraiu diversos povos, culturas e religiões, algo observável em todo o património histórico e edificado.
Efetivamente a influência romana, muçulmana e cristã é forte, consistente e incontornável e todas resistiram até aos dias de hoje, salpicando o território com vestígios e idiossincrasias valiosas.
Das famosas ruínas romanas de Milreu, na aldeia histórica de Estoi (a apenas 8 quilómetros do centro de Faro), passando pelo Arco da Vila e Porta Árabe no centro histórico e acabando nas lindíssimas igrejas cristãs da cidade, com retábulos e orgãos imponentes: Sé, São Pedro, Nossa Senhora do Carmo, Santo António dos Capuchos e Nossa Senhora da Assunção. Tudo isto se mistura e marca a alteridade deste lugar.
Surgem açoteias, terraços onde se procura o fresco e o descanso, e onde se secam figos, amêndoas e milho. De utilidade decorativa, as platibandas rematam as fachadas, com formas geométricas e múltiplas cores. As chaminés, símbolo da região, exibem-se trabalhadas em muitas habitações.
De outro modo e de forma inevitável, devido à forte presença cristã, grande parte do património artístico da cidade corresponde a “arte sacra”, estando o mais importante núcleo de pintura sacra do Algarve no Museu Municipal de Faro, onde foram recolhidas diversas obras. Visitar a sua exposição permanente de pintura Antiga, que reúne meia centena de obras datadas do final do século XV ao início do século XIX, é por isso indispensável.
Mas não se pode ver e sentir Faro sem chegar perto da sua maior riqueza: o seu património natural.
Para mim, de longe, esta é a pérola deste lugar.
Encanta-me a Ria Formosa, delimitada por um cordão dunar, formando três ilhas principais – Culatra, Farol e Deserta – e outros ilhotes, conhecida como uma das 7 maravilhas naturais de Portugal, é berço de uma multiplicidade de espécies autóctones e alimento de outras tantas espécies migratórias. Uma área com uma biodiversidade incrível e um local de importância natural único no mundo, feito de ilhas-barreira, sapais, restingas, bancos de areia, dunas, lagoas de água doce, ribeiras, pinhais e zonas agrícolas...
Aqui, ao longo de séculos, Deus e o Homem tocam-se num misto de criação divina e edificação humana. E quem disse que não se pode ter o melhor dos dois mundos?
SOLLICITARE 71
VIAGENS Ria Formosa
Maura Fonseca Solicitadora
Ana Margarida Vidal Solicitadora
Listada pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade em 2007, Bordéus é uma das cidades mais animadas de França e considerada por muitos como a verdadeira essência da elegância. Vista como um dos principais centros vinícolas de França e intitulada como “a capital do vinho”, Bordéus é um destino extremamente agradável e acessível para uma escapadinha de 2/3 dias, com bom vinho, boa comida e muita cultura. Como capital e maior cidade do departamento da Gironda e da região Nova Aquitânia, situada perto da costa Atlântica, no sudoeste da França, e com cerca de 260.000 habitantes, oferece uma panóplia de locais a visitar.
Bordéus possui um centro histórico sumptuoso e harmonioso, bairros acolhedores com identidade própria, numa simbiose perfeita entre a sofisticação e o seu grandioso passado histórico, e uma vasta oferta de atrações e atividades, pois não nos esqueçamos que é um paraíso para enólogos e apreciadores de bom vinho.
O aeroporto de Bordéus - Mérignac fica situado a 10 quilómetros do centro e o que não falta são opções com destino ao centro da cidade. A mais acessível para seguir é, sem dúvida, o elétrico, com um custo de 1,70€ por bilhete e com a duração de 36 minutos. Bordéus é uma cidade que se faz bem a pé, mas caso não o queira, a maneira mais confiável e económica de se deslocar é usar os transportes públicos, neste caso o elétrico.
Escapadinha a
BORDÉUS
Para apreciar verdadeiramente a nobreza de Bordéus, nada consegue bater o Triangle D´Or (parte nobre e rica da cidade, onde se reúne o comércio de luxo), em que o esplendor dos edifícios expressa com assertividade a confiança monumental da cidade. Alguns dos tantos pontos turísticos que Bordéus tem para oferecer são a Pont de Pierre, primeira ponte construída sob o rio Garonne em 1822, a Porte Cailhau, uma porta defensiva das muralhas da cidade construída na idade média, e o Grosse Cloche, uma torre sineira que marca o ritmo bordalense desde o século XVIII. A Basílica Saint Michel e a Catedral Saint André partilham a característica de possuírem as torres sineiras destacadas nas respetivas igrejas. Não nos podemos esquecer da Esplanade des Quinconces, com o seu Monument Aux Girondus que testemunha a revolução francesa nesta cidade barroca, e o Grand Théâtre, que tem uma das mais belas salas de espetáculo do século XVIII do mundo!
Já o Miror d´eau, que é como quem diz “o espelho de água”, fica em frente à Place de la Bourse e nele há a possibilidade de passear, brincar e até de se refrescar em dias quentes.
E sendo uma cidade conhecida mundialmente pelo seu vinho, nada como um museu dedicado a el. A Cité du Vin, muito mais do que um museu do vinho, é uma experiência visual, de sensações e de paladares dedicada ao vinho como património cultural, universal e vivo. O terraço, no 8.º andar, oferece uma vista sublime sobre o skyline de Bordéus.
Muito mais poderia ser dito no que toca a esta requintada cidade, mas o melhor é mesmo comprar o bilhete de avião e aproveitar tudo o que ela tem para oferecer.
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VIAGENS
osae por perto 3ª edição
Cadastro Predial
Simplex Urbanístico
Alojamento Local Balcão do Arrendamento e do Senhorio E-leilões
CR Lisboa Faro
CR Porto Braga
CR Coimbra Mortágua
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