35 minute read

Concurso de Credores

Concurso de Credores | Prevalência do direito de retenção sobre o credor hipotecário na graduação de créditos

Concurso de Credores

Advertisement

Prevalência do direito de retenção sobre o credor hipotecário na graduação de créditos

Nelson Filipe Gomes de Sousa

Jurista Licenciado em Solicitadoria com aprovação nos exames de acesso à OSAE Mestrando em Solicitadoria

Resumo

Na continuidade da promoção da coletânea “Solicitadoria e Ação Executiva – Estudos” proponho a elaboração e dinamização de um trabalho científico, que in casu, versa sobre o Concurso de Credores, mais concretamente: a prevalência do direito de retenção sobre o credor hipotecário, na graduação de créditos. Estreio as minhas considerações, com o conceito de concurso de credores – reclamação de créditos, quer do ponto de vista jurisprudencial, quer da ótica doutrinal, interpretando a letra da lei. Em segunda instância, referencio os pressupostos específicos da reclamação de créditos, abordando a ação de verificação e graduação de créditos onde retiro, que esta última, estruturalmente se demonstra controversa, entendendo a doutrina tratar-se de uma verdadeira ação declarativa, porém embebida e subordinada à ação executiva. De seguida, direciono a atenção do leitor para o direito de retenção e as garantias reais, onde aludo ao facto de o direito de retenção evidenciar-se como um direito real de garantia que decorre ex lege, não existindo a necessidade de uma declaração judicial prévia, pois é reconhecido em sede de reclamação de créditos, no âmbito da ação executiva. Acresce que, lavro sobre o direito de retenção e a sua prevalência sobre a hipoteca, bem como no ponto ulterior teço críticas à redução da eficácia hipotecária, no plano executivo. Por conseguinte, e em penúltimo, empreendo uma análise jurisprudencial a um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde me debruço sobre questões controversas, que são alvo de escrutínio, com o intuito primordial em problematizá-las no dito Acórdão. Por último, naquilo que são as conclusões finais, teço algumas considerações em relação ao Acórdão analisado no ponto 6, que me parecem perentórias e pertinentes, deixando uma opinião pessoal, no sentido de o direito de retenção não ter, necessariamente, que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo Tribunal.

Palavras-Chave

Concurso de credores; Graduação de créditos; Direito de retenção; Hipoteca; Garantias reais

Considerações introdutórias

A prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca, mesmo quando esta última é anterior e beneficia da competente publicidade legal – registo prévio, não constitui uma solução nada consensual, evidenciando-se cânones díspares. O presente relatório, incide sobre o Concurso de credores – prevalência do direito de retenção sobre o credor hipotecário, na graduação de créditos, pelo que dedicar-se-á atenção à exposição da matéria que incide sobre a temática em apreço, escrutinando o

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº: 61/11.7TBAVV-B. G1. S1, cujo

relator é: Rosa Tching, por forma a problematizar a questão controversa do mesmo. Porquanto, perfilha-se o entendimento de que o direito de retenção se caracteriza como um verdadeiro direito real - um direito absoluto, a todos oponível, revestindo-se como um meio coercivo ao cumprimento da obrigação, na medida em que o devedor, ou quem quer que porventura se haja tornado, entretanto proprietário do objeto, sabe que não pode exigir o mesmo senão mediante o simultâneo pagamento de quanto ao retentor é devido. Ora, reconhecido o crédito, o empreiteiro, que possui legitimamente a coisa, vê o aflorar do direito a reter a mesma, para pagamento do preço da obra, ficando investido de um direito real de garantia, dotado de eficácia erga omnes, e que lhe confere o poder de se fazer pagar pela coisa retida com prevalência sobre os credores que gozem de hipoteca, mesmo que registada anteriormente. No sentido de aprofundar esta temática, dividi o trabalho em sete capítulos que compõem o corpo do texto, a saber: 1. Concurso de credores – Reclamação de créditos; 2. Pressupostos específicos da reclamação de créditos e a Ação de verificação e graduação de créditos; 3. O direito de retenção e as garantias reais; 4. O direito de retenção e a sua prevalência sobre a hipoteca; 5. Crítica à redução da eficiência da hipoteca, no âmbito do processo executivo; 6. Análise Jurisprudencial a um Acórdão; Conclusões Finais. Complementarei o ensaio com recurso a doutrina e jurisprudência, por forma a abarcar os entendimentos dos Autores, conjugando com o discorrimento dos Tribunais Portugueses. Somente para concluir, assumo como pretensão, responder de forma objetiva às questões que estão subjacentes à temática objeto de análise, sendo claro e simplista, para que o leitor se vislumbre na sua compreensão e sobretudo, pretendo esclarecer a questão controversa dirimida no Acórdão que examinarei, em momento ulterior.

Siglas e abreviaturas A

AC – Acórdão Al. - alínea Art.º - artigo

C

CC – Código Civil CPC – Código do Processo Civil CRP – Código do Registo Predial

N

Nº - Número

S

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

Concurso de credores – Reclamação de créditos No âmbito de uma ação executiva, um determinado executado, regra geral, não tem somente um credor, tendo frequentemente vários: destaque-se os credores privados e credores públicos (Autoridade Tributária e Aduaneira, etc.…), podendo ainda ser convocado o cônjuge, para a execução. “Como se sabe, o fim da ação executiva é o de conseguir para o credor a mesma prestação, o mesmo benefício que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor e, como este não pode ser compelido por aquele a realizar os atos necessários à satisfação do vínculo obrigacional, torna-se necessário, quando o devedor não cumpre, que a obrigação se torne efetiva, pelo valor que representa no seu património.”1 Ora, no processo executivo, persistem algumas fases, sendo esta nominada como “concurso de credores”, que consiste na transformação dos bens do executado em dinheiro, através do produto da sua venda, onde ulteriormente será alvo de distribuição pelos variados credores. Em boa verdade, constitui uma fase processual da ação executiva, onde há lugar à intervenção de variadas pessoas, para além do exequente e executado, com o intuito primordial de serem pagos pelos créditos insatisfeitos, tendo em conta a preferência ao seu redor, pelo que “a sua convocação faz-se sob a forma de citação (219-1), cuja falta ou nulidade tem o mesmo efeito que a falta ou nulidade da citação do réu (arts. 187 a 191), mas com restrições quanto à anulação derivada dos atos posteriores (art. 786-6).”2

O ordenamento jurídico português introduzira, por via do Nº1 do art.º 788º do Código de Processo Civil, doravante designado pela abreviatura CPC, a figura da Reclamação de créditos, no âmbito do Concurso de credores. Ela refere-nos que a reclamação dos créditos apenas pode ser exposta e apresentada, quando o credor “goze de garantia real sobre os bens penhorados”, o que nos demonstra “um nexo de ligação da garantia real aos bens que hajam sido efetivamente penhorados na execução.”3 Acresce que, também a Jurisprudência Portuguesa assim o tem entendido, basta atendermos ao seguinte: “Desde que seja titular de título executivo ou venham a obtê-lo nos termos previstos no artigo 792º do CPC, o credor cujo crédito está garantido por

1 In Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 3141/18.4T8PBL-B.C1, datado a 05-11-2019, cujo relator é o seguinte: António Domingos Pires Robalo. 2 FREITAS, José Lebre de; – A Ação Executiva – À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, Gestlegal, 7ª Edição, setembro 2017, Páginas 349 e 350. 3 DA COSTA RIBEIRO, Virgínio e Sérgio Rebelo; Prefácio de António Abrantes Geraldes – A Ação Executiva Anotada e Comentada, Coimbra, Almedina, 2015, Pág.450.

hipoteca está legitimado a reclamar o seu crédito no âmbito de uma execução onde foi penhorado o imóvel sobre o qual incide a sua garantia.”4

Porquanto, o prelecionado anteriormente, floresce em circunstância do positivado no art.º 786º da mesma consagração legal, tendo como ponto assente a venda dos bens em processo executivo, livres de ónus e/ou encargos que os onerem. “Esta delimitação do âmbito do concurso de credores dá-nos a finalidade que é visada com a sua convocação: visto que a penhora será, normalmente, seguida da transmissão dos direitos do executado, livres de todos os direitos reais de garantia que os limitam (art. 824-2 CC)”5

No que concerne, ao momento para a instauração do concurso de credores, no caso de estarmos perante um processo executivo comum, há lugar à instauração do dito concurso em momento posterior ao da penhora, logo de imediato. Além disso, o art.º 788º também prevê no seu Nº2 a concessão de um prazo de 15 dias para apresentação da dita reclamação, contando-se a partir da citação e que se assume como um prazo perentório, visto que no caso do credor não deduzir a sua reclamação dentro dos 15 dias, ser-lhe-á precludido o direito de ser pago pelo produto da venda dos bens objeto da penhora, pelo que atender-se-á ao Nº3 do art.º 139º do CPC, que enuncia que o “decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.” O prazo precedentemente analisado apenas tem aplicabilidade a credores citados, o que nos leva a referir que os credores que não foram citados para reclamarem os seus créditos, por desconhecimento, poderão fazê-lo até à transmissão dos bens penhorados - Nº3 desse art.º 788º do CPC. Esta disposição legal entra em coerência com o Nº5 desse disposto, pois prevê na sua redação que quem tenha obtido penhora sobre os mesmos bens, mas sob a alçada de outro processo executivo, fica esta sustada, nos termos do art.º 794º do CPC. Esta solução apresenta juízos justificativos, como sejam o facto dos bens objeto de venda em execução serem realizadas livres de quaisquer ónus ou encargos – art.º 824º do Código Civil. Também o Nº6 do art.º 788º, exclui das aludidas exceções os privilégios creditórios dos trabalhadores – art.º 333º do Código do Trabalho, o que é compreensível, pois decorrem da prestação da atividade profissional, constituindo, muitas das vezes a única subsistência daquele agregado familiar. Cabe agora debruçarmo-nos sobre o nº7 do art.º 778º do CPC. Existe uma articulação com o art.º 792º do mesmo diploma legal, onde, em boa verdade há o estabelecimento de uma possibilidade do credor reclamar o seu crédito, mesmo não munido de um título executivo, fazendo-se aludir o art.º 716º do CPC. Por outro lado, o “n. º8 prevê uma regra de operacionalidade do próprio processo ao determinar que as

4 In Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 2281/14.3T8PBL.E.C1, datado a 03-12-2019, cujo relator é o seguinte: Maria Catarina Gonçalves. 5 FREITAS, José Lebre de; – A Ação Executiva – À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, Gestlegal, 7ª Edição, setembro 2017, Páginas 350 e 351.

reclamações são autuadas num único apenso ao processo de execução, independentemente do momento temporal em que sejam apresentadas.”6

Pressupostos específicos da reclamação de créditos e a Ação de verificação e graduação de créditos Aqui chegados, é relevante realçar que o acesso à reclamação de créditos é limitado e terá de obedecer a alguns pressupostos específicos. Ora vejamos: Em primeiro plano, o credor considera-se apto a apresentar reclamação de créditos, quando seja titular de um crédito que se afigure como uma obrigação certa, líquida e exigível: A obrigação é certa quando está qualitativamente determinada, e sendo uma obrigação de natureza pecuniária, está determinado que o seu valor e pagamento serão efetuados em moeda com curso legal no país – artigos 550º do CC ex vi art.º 714º e 715º do CPC; por outro lado, a obrigação deve ser líquida, o que significa que deve estar quantitativamente determinada: “ao credor que, no termo do prazo que tem para a reclamação, ainda não tenha obtido decisão que liquide a obrigação objeto de sentença genérica, tem de ser permitido, em aplicação analógica do art. 792-1, requerer que a graduação dos créditos, relativamente ao bem sobre o qual tenha garantia, aguarde a liquidação na ação declarativa”7 . Por último, a obrigação tem de ser exigível, quando se encontre já vencida ou, então, quando esse vencimento esteja dependente de uma simples interpelação ao devedor – art.º 777º Nº1 do CC. Contudo, “a inexigibilidade, por si só, não afasta a possibilidade de reclamação do crédito e exige que o seu titular faça uso dos meios legais para tornar tal crédito líquido e exigível, conforme se refere no n.º 7.”8 Acresce que, outra das exigências para aceder ao concurso de credores, é a existência de garantia real sobre os bens, objeto da penhora. Apenas o credor detentor de uma garantia real sobre os bens penhorados, tem o ónus de reclamar os seus créditos, na ação executiva, como ocorre com o penhor, hipoteca, privilégio creditório, direito de retenção, entre outros. Porém, esta exigência torna-se prejudicial para alguns credores, como ocorre com a ATA e a Segurança Social. Daqui subjaz, a necessidade em intentar-se ações executivas com o intuito de se obter a garantia da penhora, no entanto por vezes, sem sucesso. Isto porque, o princípio da legitimação de direitos, devidamente inculcado no art.º 9º do Código do Registo Predial vem dizer que: Não podem ser titulados factos de que resulte a transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo. Esta disposição é dirigida às entidades que titulam atos e tem em mente a atualização da situação jurídica e material dos prédios.

6 DA COSTA RIBEIRO, Virgínio e Sérgio Rebelo; Prefácio de António Abrantes Geraldes – A Ação Executiva Anotada e Comentada, Coimbra, Almedina, 2015, Pág.453. 7 FREITAS, José Lebre de; – A Ação Executiva – À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, Gestlegal, 7ª Edição, setembro 2017, Pág.365. 8 DA COSTA RIBEIRO, Virgínio e Sérgio Rebelo; Prefácio de António Abrantes Geraldes – A Ação Executiva Anotada e Comentada, Coimbra, Almedina, 2015, Pág.450.

Como último requisito específico da reclamação de créditos, temos o título executivo. Quanto ao discorrimento do título executivo, apenas pretendo realçar que um credor que não esteja munido do mesmo, é lhe facultada a prerrogativa de reclamar o seu crédito, dentro do prazo para a reclamação, por forma a que a graduação de créditos de certa forma “congele” até à sua efetiva obtenção, “em ação já pendente ou a propor no prazo de 20 dias (art. 792-7-a), sem prejuízo de o processo executivo prosseguir até à venda ou adjudicação dos bens penhorados e de se fazer entretanto a verificação dos restantes créditos (art. 792-6).”9

No que tange, à ação de verificação e graduação de créditos, verificamos que o concurso de credores corre por apenso à tramitação principal – ação executiva. No entanto, atendendo à estrutura, esta é controversa, quer no plano doutrinal, quer no plano jurisprudencial, pelo que se tem entendido tratar-se de uma verdadeira ação declarativa, embebida na execução ou um mero incidente da mesma. Os JUÍZES VIRGÍNIO RIBEIRO e SÉRGIO REBELO, entendem tratar-se de “uma verdadeira ação declarativa, de estrutura autónoma, embora funcionalmente subordinada à ação executiva.”10 De facto, também assumo esta posição, porque ao serem atribuídos poderes intrínsecos de uma parte principal aos credores reclamantes concedidos na execução, torna-se um argumento suficiente para figurar a reclamação de créditos como uma verdadeira ação declarativa e não um mero incidente. De todo o exposto, resulta que estamos perante uma verdadeira ação declarativa autónoma – na medida em que não depende necessariamente da marcha da execução, embora haja situações em que a mesma contende com o seu destino, como no caso da extinção em que não opere o mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 850.º, sendo apenas específica no que tange aos articulados, em que há uma limitação quanto ao seu número.11 Ainda na ação de verificação e graduação de créditos, levanta-se a questão da eficácia extra processual da sentença aí emanada, pelo que o caso julgado que aqui é produzido, apenas o é quanto ao reconhecimento do direito real de garantia. Também é de aditar que a intervenção do executado na lide, contribui para a produção do caso julgado, não se formando quanto à verificação dos créditos, mas sim quanto à sua graduação. O direito de retenção e as garantias reais O direito de retenção consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está

9 FREITAS, José Lebre de; – A Ação Executiva – À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, Gestlegal, 7ª Edição, setembro 2017, Pág.363. 10 DA COSTA RIBEIRO, Virgínio e Sérgio Rebelo; Prefácio de António Abrantes Geraldes – A Ação Executiva Anotada e Comentada, Coimbra, Almedina, 2015, Pág.453.; ver também no mesmo sentido: FREITAS, José Lebre de; – A Ação Executiva – À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, Gestlegal, 7ª Edição, setembro 2017, Pág.365. 11 Conforme José Alberto Dos Reis, Processo de Execução, ob. Cit., Volume 2, p. 267; Miguel Teixeira de Sousa, A Ação Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 338; CASTRO MENDES, Obras Completas, Edição da AAFDL, volume III, p.448, e Fernando Amâncio Ferreira, ob. Cit.p.233.

adstrito para com aquele.12 Ora, se o direito de retenção recair sobre um bem imóvel, existe uma equiparação efetiva à hipoteca, no entanto com preferência sobre esta última, contrariando aquela velha máxima: “Primeiro no registo, melhor no Direito”. Porquanto, o direito de retenção tem expressão legal, regime esse que aparece positivado nos artigos 754º e 755º do CC, traduzindo-se no direito que é conferido ao credor, que tem na sua posse uma coisa, seja ela móvel ou imóvel, e está obrigada a entregá-la a outrem (terceiro), tendo ainda a prerrogativa de a reter enquanto não lhe for satisfeito e sanado, aquilo que lhe é devido, mas em ligação com ela. Assim sendo, devem ter-se presentes os requisitos deste direito, o que leva a dissertar que é necessária ter a posse e vinculação da entrega de uma coisa; em segundo plano, a verificação da existência de um crédito exigível sobre o credor, a favor do devedor; e ainda deve permanecer uma ligação causal entre o crédito do detentor e a coisa, isto é, essa ligação tem como intuito o pagamento das despesas que o detentor efetuou sobre a mesma, ou quando aplicável, a respetiva indemnização dos prejuízos que esse detentor sofrera com a mesma, em razão desta: “debitum cum re junctum”. Naquilo que é a posição assumida da jurisprudência no âmbito do direito de retenção, nota para o facto do direito de retenção tratar-se “de um direito real de garantia que decorre diretamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial nesse sentido, e com eficácia erga omnes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objeto, com prioridade sobre os credores restantes, designadamente sobre outros credores que gozem de hipoteca mesmo que esta tenha sido registada anteriormente.”13

Podemos assim concluir, que o direito de retenção, para efeitos de concurso de credores e graduação de créditos, assume-se como um direito real de garantia, que surge e decorre ex lege, direito este que não tem de ser reconhecido, oficiosamente pelo Tribunal. Será então reconhecido, por via da reclamação de créditos, no âmbito de um processo executivo, invocando a respetiva garantia que decorre desse direito de retenção. Desde que o credor tenha um crédito relacionado, com a coisa retida, é lhe reconhecido o direito real de garantia, com eficácia erga omnes, atendível no concurso de credores, com a função de assegurar que o seu crédito será pago com preferência a outros credores.14 O direito de retenção e a sua prevalência sobre a hipoteca A legislação portuguesa, mais especificamente o nº1 do art.º 759º do CC vem enunciar que: “Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode

12 Consoante entendimento de Vaz Serra, Privilégios, no Bol. M.J. 64, Pág.62; 13 In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 61/11.7TBAVV-B.G1.AS1, datado a 16-05-2019, cujo relator é o seguinte: Rosa Tching; 14 Conforme Galvão Telles, “O direito de retenção no contrato de empreitada”, in “O Direito”, 119, 1987, páginas 20 e 27;

fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor.” O nº2 dessa consagração legal, tem um maior alcance, quando disserta que o direito de retenção que verse sobre um bem imóvel, tem prevalência sobre a hipoteca, mesmo quando esta última tenha sido registada anteriormente. A determinação da graduação de créditos, dá-se pela verificação de dois aspetos, tendo o primeiro aplicabilidade no art.º 822º do CC, que evidencia na sua epígrafe: a “preferência resultante da penhora” – resultando que o exequente adquire o direito de ser pago com preferência, pela penhora, em relação a qualquer credor que não seja possuidor de uma garantia real anterior; e o outro fator a ter em conta, será a prevalência entre as garantias reais, que aparecem inculcadas na nossa legislação subsidiária. Nas palavras do Doutor RUI PINTO: “o titular do direito de retenção sobre coisa imóvel enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor, prevalecendo neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (cf. art. 759.º, n. 1 e 2, CC)”15 – Isto, no que diz respeito às regras especialmente previstas no CC, da prevalência entre as garantias. O direito de retenção não é mais do que um apanágio, oferecido pela lei ao credor, de continuar a detenção de uma coisa que estava obrigado a entregar a outrem, para além do momento em que deveria fazê-la. Como repercussões, a disposição legal supra referenciada, teve alguns impactos visto que mina a função efetiva da hipoteca. Incidindo-nos sobra a hipoteca, dizer o seguinte: Pese embora o art.º 686º do CC nos elucide que a mesma faculta ao credor o direito de ser pago “com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”, o art.º 759º Nº 2 do CC, por seu turno, estabelece a exceção a essa regra, o que significa que no concurso de credores, naquilo que é a ordem de preferência da graduação de créditos, ter-se-á em consideração, o privilégio imobiliário especial, isto é o direito de retenção e só depois a hipoteca, quando esses direitos incidam sobre o mesmo imóvel, naturalmente. Assim sendo, “em face de concurso de créditos garantidos, respetivamente, por direito de retenção e por hipoteca, sobre a mesma coisa imóvel, o crédito que goza de direito de retenção é graduado com preferência sobre o crédito garantido por hipoteca.”16

O legislador consagrara assim, uma abolição ao princípio da prioridade do registo, previsto no art.º 6º do CRP. Segundo este, “o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem, relativamente aos mesmos bens”. Esta exceção faz florescer duas questões relevantes, a saber: uma primeira, reporta-se à concessão de uma preferência sobre a hipoteca, onde o legislador confere uma eficácia excecional, em relação, provavelmente, à principal garantia especial das obrigações, logo

15 PINTO, Rui – Manual da Execução e Despejo – Coimbra Editora, 1.ª Edição, agosto 2013, Pág.890. 16 In Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 10078/2006-6, datado a 14-12-2006, cujo relator é o seguinte: Pereira Rodrigues;

após os privilégios imobiliários especiais – essa concessão pode justificar-se, a título primordial, pelo facto de aquele se encontrar barrado de recorrer à exceção de não cumprimento, atendendo à inexistência de uma relação sinalagmática. Há um esvaziamento económico do conteúdo da hipoteca, decorrente de promessas posteriores de alienação com tradição da coisa hipotecada. Este direito suplanta as finalidades compulsórias e de garantia, abalando pilares de estabilidade da habitação. Por outro lado, com esta prerrogativa, e no plano resgistral, o credor com direito de retenção do imóvel, acaba por estar mais protegido do que o adquirente de um direito real por força do contrato, que não registou a sua aquisição, e que também pode ter a posse do imóvel., consoante prevê o art.º 408º Nº1 do CC. Também o Doutor LUÍS MENEZES LEITÃO, tece algumas críticas neste âmbito, pelo que alerta que a prevalência do direito de retenção em causa sobre a hipoteca consubstanciaria uma proteção mais forte que a do próprio comprador que adquirisse o seu imóvel onerado com uma hipoteca, caso em que lhe seria oponível.17 A confiança de que goza a hipoteca fora abalada, tendo colocado nas mãos do beneficiário um meio acessível de impedir o credor de fazer valer o seu direito de preferência. Crítica à redução da eficiência da hipoteca, no âmbito do processo executivo Para muitos, não é credível o legislador conceder uma proteção mais ampla ao retentor face ao credor hipotecário, dotado de uma garantia constituída anteriormente, dado que os riscos da celebração de um contrato promessa de compra e venda, não são mais elevados do que os riscos decorrentes da celebração de um contrato de compra e venda em que há a transmissão definitiva da propriedade. Esta realidade abrira caminho a vicissitudes legais, nomeadamente, a casos de simulação negocial entre os promitentes. A concessão do direito de retenção ao promitente-comprador suscita forte controvérsia no seio doutrinário. Levantam-se questões fundamentais, como sejam: tutela manifestamente excessiva e injusta da posição do promitente-comprador face à do comprador. O primeiro, tem o direito de ser pago com preferência sobre o credor hipotecário, pelo que este último dificilmente consegue satisfazer o seu crédito; por outro lado, viabiliza a fácil simulação da celebração do contrato-promessa (que desprovido de eficácia real não seria objeto de registo), mediante a manipulação da sua veracidade por forma a prejudicar o credor hipotecário.18 Na prática, observa-se um total esvaziamento da garantia hipotecária, particularmente, em cenários de crise. Autores como Brandão Proença, Pestana de Vasconcelos, Lebre de Freitas, Isabel Menéres Campos e Margarida Costa Andrade defendem que a compatibilização dos interesses em jogo — a tutela do promitente - comprador e dos demais credores, bem como a segurança jurídica — demanda a obrigatoriedade do registo do direito de retenção do promitente- -

17 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito das obrigações – Volume I, 6.ª Edição, Almedina, Pág.245. 18 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito das obrigações – Volume I, 2.ª Edição, Almedina, 2002, Páginas 231 e 232.

comprador e a sujeição dessa garantia à “regra prior in tempore”, em harmonia com o regime das hipotecas.19 Assim, a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca, tem vindo a originar um crescendo de contratos simulados, celebrados entre o devedor do credor hipotecário com terceiros, tendo em vista o esvaziamento da garantia hipotecária, pelo que o credor hipotecário se encontra à mercê do devedor, beneficiando este último, de uma tutela manifestamente exorbitante e injusta. Análise Jurisprudencial ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº: 61/11.7TBAVV-B. G1.S1, cujo relator é Rosa Tching O litígio que irei tratar, ocupa-se como foco principal, do “Concurso de credores no âmbito do processo executivo – reclamação de créditos, intrinsecamente do Direito de Retenção na esfera do contrato de empreitada”, tomando como núcleo fundamental um Ac. do

Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº: 61/11.7TBAVV-B. G1.S1, cujo relator é: Rosa

Tching20 . O assunto a dirimir versa sobre o direito de retenção concedido ao empreiteiro, enquanto o dono da obra não paga o preço da mesma; prevalência do direito de retenção sobre o credor hipotecário, na graduação de créditos. Do contexto normativo destaco os artigos 754º, 755º Nº1 f) e 759º Nº2, todos do CC; e ainda os artigos 615º Nº1 d), 724º Nº1 e) e 791º Nº4, todos do CPC. Comentário: Da perspetiva jurisprudencial deste acórdão e do que resulta da situação que dirime, entendemos estar em causa uma interposição para o STJ, pelo facto do recorrente ter discordado da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que reformulou a graduação de créditos da seguinte forma: em primeiro lugar o crédito exequendo e em segundo lugar o crédito do reclamante Banco DD, SA. Como tal, o Tribunal Superior, colheu os vistos do recurso, e delimitou o seu objeto, a saber: 1º - saber se o direito de retenção consagrado no art.º 755º Nº1, al. f) do CC, invocado pelo exequente no requerimento executivo, pode ser aí reconhecido para efeitos de concurso e graduação, com primazia sobre a hipoteca, com registo anterior, nos termos do art.º 759º Nº 2 do CC, mesmo quando não impugnado no apenso de reclamação de créditos; 2º- o reclamante tinha que ser notificado para impugnar, na reclamação de créditos que apresentou, o reconhecimento do direito de retenção invocado pelo exequente, existindo nulidade processual por omissão desse ato?; e por último saber se o acórdão recorrido padece da nulidade - art.º 615º, Nº1 d) do CPC.

19 Proença, José Carlos Brandão, “Para a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes adquirentes de bens imóveis (máxime, com fim habitacional)”, CDP, n.º 22, abril/junho, 2008, p. 20; Vasconcelos, Luís Pestana de, “Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência”, CDP, n.º 33, janeiro/março, 2011, p. 5; Campos, Isabel Menéres, “Concurso de credores e ação executiva”, Scientia Iuridica, n.º 298, 204, pp. 130 a 140; Freitas, José Lebre, “Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos, do direito de retenção reconhecido por sentença”, ROA, 2006, ano 66, vol. II (disponível em www.oa.pt). 20 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 61/11.7TBAVV-B. G1.S1, datado a 16-05-2019, relator: Rosa Tching. Disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/682475ad41ca434b802583fd002f64ab?OpenDocume nt.

Ora, de imediato, fora abordada a matéria de facto. Mais tarde, direciona as suas atenções para a matéria de Direito, conceituando direito de retenção: previsão legal nos artigos 754º e 755º do CC: Em boa verdade, a doutrina tem entendido que o direito de retenção se caracteriza como sendo um verdadeiro direito real, um direito absoluto, a todos oponível e que reveste uma dupla natureza, apresentando-se, por um lado, como uma garantia real indireta, ou seja, como um meio de coerção ao cumprimento da obrigação, na medida em que o devedor, ou quem quer que porventura se haja tornado, entretanto proprietário do objeto, sabe que não pode exigir o mesmo senão mediante o simultâneo pagamento de quanto ao retentor é devido, sentindo-se, assim, compelido a efetuar o pagamento.21 In casu, estamos perante um contrato de empreitada e tal como dá conta o Ac. do STJ, datado a 29.01.2014 (processo nº 1407/09.3TBAMT.E1. S1), tem havido alguma controvérsia, em saber se o empreiteiro - credor do preço da obra - goza do direito de retenção relativamente a esta. Quer no plano doutrinal, quer no plano jurisprudencial, perfilha-se o entendimento de que o empreiteiro, mercê da sua específica posição perante o resultado da obra e a atitude possessória que exerce sobre ela, assume, perante a mesma, uma posição de privilégio garantístico de modo a poder reter a coisa – art.º 754º do CC, perante terceiros. Como repercussão, é introduzida uma exceção à hierarquia dos credores e ao próprio princípio da prioridade do registo, pois o empreiteiro adquire o direito de ser pago, preferencialmente, em relação a outros credores que gozem de hipoteca (que se assume como uma garantia especial das obrigações) mesmo registada anteriormente – 759º Nº2 do CC. Pese embora, o empreiteiro não ter a posse do imóvel típica do direito de propriedade, ele não a deixa de ter. Nas palavras do Doutor GALVÃO TELES, “a partir desse momento, o sujeito passa a exercer o poder de facto no seu próprio interesse, porque é no seu interesse que retém a coisa. De mero detentor eleva-se a possuidor”22

Aqui chegados, a questão que se coloca é a de saber se o direito de retenção emergente deste crédito, em consonância com o art.º 754º do CC, carece de declaração prévia do tribunal - ação intentada para o efeito; ou se pode ser reconhecido, para efeitos de concurso e graduação de créditos, no processo de execução, por via da reclamação do crédito. A este respeito, figurando o direito de retenção como um direito real de garantia, que resulta ex lege – art.º 754º do CC, entendemos que o direito não tem, necessariamente, que ser declarado ou reconhecido, de forma prévia pelo tribunal, podendo ser reconhecido, para efeitos de concurso e graduação de créditos, no processo de execução, por via da reclamação do crédito e invocação da respetiva garantia decorrente do direito

21 Galvão Telles, “O direito de retenção no contrato de empreitada”, in, O Direito, 119, 1987, páginas 15 a 17. 22 Galvão Telles, “O direito de retenção no contrato de empreitada”, in, O Direito, 119, 1987, pág. 18.

de retenção – tem sido este o entendimento jurisprudencial nesta matéria, e que corroboro. Assim, reconhecido o crédito, o empreiteiro, que possui legitimamente a coisa objeto da empreitada, vê o nascimento do direito a reter a mesma, para pagamento do preço da obra, ficando investido de um direito real de garantia, dotado de eficácia erga omnes, e que lhe confere o poder de se fazer pagar pela coisa retida com preferência sobre os credores que gozem de hipoteca mesmo que registada anteriormente. Caso o direito real de garantia estivesse reconhecido, por sentença - previamente, ou no caso de não haver esse reconhecimento antecipado, sempre que o exequente se arrogue um direito real de garantia que deva prevalecer sobre o credor reclamante, é manifesto o interesse deste credor em impugnar aquele direito - prazo de 15 dias, a contar da notificação. Caso se verifique falta de impugnação - art.º 789º Nº2 do CPC e desde que a verificação desse crédito e garantia não esteja dependente da produção de prova, terá como consequência ver reconhecida a sua existência – 791º Nº2 do CPC. Em segundo plano, o recorrente sustenta que deveria ter sido notificado, na reclamação de créditos ora apresentada, com o intuito de impugnar o reconhecimento do direito de retenção invocado pelo exequente, alegando nulidade processual. Releva ter presente o art. 786º Nº1 b) do CPC, que profere o seguinte: “Concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente da execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução» «os credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou reconhecido, sobre os bens penhorados (…) para reclamarem o pagamento dos seus créditos”. Também o nº1 do art.º 789º do CPC, estabelece que “Findo o prazo para a reclamação e créditos, ou apresentada reclamação nos termos do nº 3 do artigo anterior, dela são notificados, pela secretaria do tribunal, (…), os credores reclamantes (…)”, estatuindo o nº 3 da presente disposição legal que «Também dentro do prazo de 15 dias, a contar da respetiva notificação, podem os restantes credores impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia, incluindo o crédito exequendo, bem como as garantias reais invocadas, quer pelo exequente, quer pelos outros credores». Por sua vez, reitero o preceituado no art.º 791º Nº 2 do mesmo diploma: “Se nenhum dos créditos for impugnado ou a verificação dos impugnados não depender de prova a produzir, profere-se logo sentença que conheça da sua existência e os gradue com o crédito do exequente, sem prejuízo do disposto no nº4”. Ora, deste conjunto normativo não é visível que tivesse que ser feita notificação ao recorrente, na qualidade de credor reclamante, para impugnar, na reclamação de créditos que apresentou, o reconhecimento do direito real de retenção invocado pelo exequente.23 Mesmo na hipótese de se admitir a imposição legal dessa notificação (o que não acontece),

23 Neste sentido, ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 9333/07.4TBVNG-A. P1.S1, datado a 07-102010, cujo relator é Fonseca Ramos, disponível em www dgsi.pt/stj.

estaríamos sempre perante uma nulidade prevista no art.º 195º Nº1 do CPC e que, por não ter sido arguida no prazo geral de 10 dias estabelecido no art.º 149º da mesma consagração legal, considerar-se-ia sanada. Num terceiro momento, o recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido - 2ª parte da al. d) do nº 1 do artigo 615º, fundamentando a sua pretensão em factos que não foram alegados pelo Exequente, nem provados, violando o disposto nos artigos 724º al. e) e 5º Nº 1, e art.º 414º, todos do CPC; art.º 342º do CC. A al. d) do Nº1 do citado art.º 615º do CPC, tem aplicabilidade aos acórdãos da Relação, por via da norma remissiva do n.º 1 do art.º 666.º da mesma legislação, sendo nula a decisão quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Consubstancia entendimento pacífico, no panorama doutrinal e jurisprudencial, que tal efeito releva apenas as questões que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir, pedido e exceções que hajam sido deduzidas pelas partes ou que devam ser suscitadas oficiosamente.24 Em boa verdade, facilmente se conclui não estarmos perante a alegada nulidade do acórdão objeto de recurso, tendo o exequente alegado, oportunamente, todos os factos consubstanciadores do seu direito de retenção, que, por não terem sido impugnados, foram dados como assentes, contendo os autos todos os factos essenciais para a decisão a emanar. Conclusão: Este Acórdão debruça-se sobre matérias controversas, e por isso, interessantes, sendo certo que: - o empreiteiro, mercê da sua específica posição perante o resultado da obra e a atitude possessória que exerce sobre ela, assume, perante a mesma, uma posição de privilégio garantístico de modo a poder reter a coisa, dotado de eficácia erga omnes. Introduz-se uma exceção à hierarquia dos credores e ao próprio princípio da prioridade do registo, pois o empreiteiro adquire o direito de ser pago, preferencialmente, em relação aos credores beneficiários da hipoteca, mesmo registada anteriormente – 759º Nº2 do CC. Pese embora, o empreiteiro não ter a posse efetiva do imóvel, típica do direito de propriedade, ele passa de detentor a possuidor do mesmo. O direito de retenção constitui um direito real de garantia, decorrente da lei - art.º 754º do CC, e que por isso não tem, necessariamente, que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo tribunal, podendo ser reconhecido, para efeitos de concurso e graduação de créditos, no processo de execução, por via da reclamação do crédito. Urge assim dissertar, em sede de conclusão, que não estamos perante a alegada nulidade do acórdão interposto, tendo o exequente alegado, oportunamente, todos os factos do seu direito de retenção, que, por não terem sido impugnados, foram dados como assentes,

24 Neste sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 2º volume, pág. 646; e entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 11.02.2015 (proc. nº 1099/11) in Sumários, 2015, pág. 67.

possuindo os autos todos os factos para a tomada de decisão, tendo o recurso sido julgado improcedente e na minha ótica, a decisão mais acertada e ajustada. Conclusões Finais Neste momento, preleciona-se, em jeito de conclusão, que o concurso de credores constitui uma fase processual da lide executiva, onde intervêm várias pessoas, que vão além do exequente e executado, como pressuposto de serem pagos pelos créditos insatisfeitos, tendo em conta a preferência que os rodeia. Ora, a reclamação de créditos, considerar-se-á, exposta e apresentada, quando o credor goze de um direito real de garantia sobre o bem penhorado, havendo um nexo de ligação entre a garantia real e os bens que hajam sido objeto de penhora. Procedendo a uma análise de todos os argumentos expostos, quando atendemos à ação de verificação e graduação de créditos, em boa verdade, configura-se como uma verdadeira ação declarativa autónoma, na medida em que não depende obrigatoriamente da marcha da execução. Na minha perspetiva, não é de aceitar que o legislador conceda uma maior tutela ao retentor, face ao credor hipotecário, dotado de uma garantia constituída anteriormente, abrindo espaço a vicissitudes: casos de simulação negocial entre os promitentes, manipulando a veracidade negocial, com o intuito de prejudicar o credor hipotecário. De facto, o Acórdão supra analisado, trata de um contrato de empreitada, onde tem havido alguma controvérsia, em saber se o empreiteiro, goza do direito de retenção relativamente a esta. Perfilha-se o entendimento de que o empreiteiro, mercê da sua específica posição perante o resultado da obra e a atitude possessória que exerce sobre ela, assume, perante a mesma, uma posição elevada, de modo a poder reter a coisa. Como repercussão, introduz-se uma exceção à hierarquia dos credores e ao próprio princípio da prioridade do registo, pois o empreiteiro adquire o direito de ser pago, preferencialmente, em relação a outros credores que gozem de hipoteca. Não obstante a situação que retrata o Acórdão, parece-me evidente que o direito de retenção constituindo um direito real de garantia, que resulta da lei, não tem, necessariamente, que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo tribunal, podendo ser reconhecido, para efeitos de concurso e graduação de créditos, no processo de execução, por via da reclamação do crédito. A alegada nulidade do acórdão interposto barra no STJ, dado que o exequente alegou, oportunamente, todos os factos do seu direito de retenção, que, por não terem sido impugnados, foram dados como assentes, munindo os autos dos factos essenciais para a decisão emanada.

Bibliografia CASTRO MENDES, Obras Completas, Edição da AAFDL, volume III; DA COSTA RIBEIRO, Virgínio e Sérgio Rebelo; Prefácio de António Abrantes Geraldes – A Ação Executiva Anotada e Comentada, Coimbra, Almedina, 2015; FREITAS, José Lebre de; – A Ação Executiva – À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, Gestlegal, 7ª Edição, setembro 2017; Galvão Telles, “O direito de retenção no contrato de empreitada”, in “O Direito”, 119, 1987; J. Lourenço Soares, citado por MADALENO, Cláudia, A Vulnerabilidade das Garantias Reais, A Hipoteca Voluntária face ao Direito de Retenção e ao direito de Arrendamento, Coimbra, 2008; José Alberto Dos Reis, Processo de Execução, ob. Cit., Volume 2; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito das obrigações – Volume I, 2.ª Edição, Almedina, 2002, Páginas 231 e 232. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito das obrigações – Volume I, 6.ª Edição, Almedina; Miguel Teixeira de Sousa, A Ação Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998; PINTO, Rui – Manual da Execução e Despejo – Coimbra Editora, 1.ª Edição, agosto 2013; Vaz Serra, Privilégios, no Bol. M.J. 64; Jurisprudência Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 10078/2006-6, datado a 14-12-2006, cujo relator é o seguinte: Pereira Rodrigues; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 9333/07.4TBVNG-A. P1.S1, datado a 07-10-2010, cujo relator é Fonseca Ramos; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 61/11.7TBAVV-B.G1.AS1, datado a 16-05-2019, cujo relator é o seguinte: Rosa Tching; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 3141/18.4T8PBL-B.C1, datado a 05-11-2019, cujo relator é o seguinte: António Domingos Pires Robalo; In Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 2281/14.3T8PBL.E.C1, datado a 03-12-2019, cujo relator é o seguinte: Maria Catarina Gonçalves;

This article is from: