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A obrigação subjacente aos títulos de crédito e os seus requisitos no âmbito executivo
A obrigação subjacente aos títulos de crédito e os seus requisitos no âmbito executivo
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Bárbara Rodrigues Pinto
Aluna do 4.º ano da licenciatura em Direito na Universidade Lusófona do Porto
Resumo: Intitulado “A obrigação subjacente aos títulos de crédito e os seus requisitos no âmbito executivo” este artigo elucida alguns aspetos relativos aos títulos executivos em geral, mas focando essencialmente nos títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, previstos na alínea c) do nº1 do art. 703º CPC, bem como a sua obrigação subjacente. Os únicos títulos de crédito aos quais é atribuída força executiva são: o Cheque; aLetra; e a Livrança e serão tratados individualmente. Estes valem por si só, ou seja, nãoé necessário alegar a relação por detrás deles, no entanto, quando estes estão imperfeitos,para terem força executiva, é essencial demonstrar a relação que lhes deu origem.
Palavras-chave: Título Executivo; Título de Crédito; Mero Quirógrafo; Relação Jurídica Subjacente.
Abstract Entitled "The underlying obligation of credit titles and their requirements in the executive scope", this article elucidates some aspects related to executive titles in general,but focusing essentially on the credit titles, even if they are mere chirographs, foreseen inarticle 703, no. 1, paragraph c) of the CPC, as well as their underlying obligation. The only credit titles that are enforceable are: the Check, the Bill of Exchange, and the promissory note, and they will be dealt with individually. These are valid by themselves, that is, it is not necessary to allege the relationship behind them. However, when they are imperfect, in order to be enforceable, it is essential to demonstrate the relationship that gave them origin.
Keywords Executive title; Credit title; Mere chirograph; Underlying legal relationship
Introdução: O processo executivo é uma forma de garantir o princípio de acesso aos tribunais, nos termos do art. 2º, nº1 do CPC fazendo-nos crer que um dos princípios subjacentes à ação executiva é o princípio do acesso ao direito. Todo o processo executivo tem de ter por base um título executivo1, cujo conteúdo tem de conter uma obrigação coerciva alegadamente não cumprida e que determina o fim e os limites da ação executiva, nos termos do art. 10º, nº6 do CPC. Alémde o título executivo ser conditio sine qua non da ação executiva também vale por si só, não sendo necessário recorrer ao processo declarativo para comprovar a existência do direito. O título executivo circunscreve os limites da execução pois o credor não pode pedir mais do que aquilo que o título executivo lhe dá. Nesse sentido, o título tem uma “função garantística”, na medida em que protege o executado quanto à possibilidade de ser demandado em sede executiva por uma quantia superior à que resulta do próprio título2. Além disso, não é permitido ao exequente apelar a uma relação causal ou a uma obrigação hipotética, para, dessa forma, suprir as insuficiências que o título apresenta. Será irrelevante tudo aquilo que o exequente alega no requerimento executivo, uma vez que a obrigação exequenda deve estar consubstanciada no próprio título executivo, por isso, o objeto da execução tem de corresponder ao objeto da situação prevista no título3 . No art. 703º, nº1 do CPC é possível encontrar uma enumeração dos títulos executivos que podem fundamentar uma ação executiva. Este artigo obedece ao princípioda tipicidade e taxatividade e, por isso, não permite às partes atribuírem força executiva a um documento que não esteja reconhecido pela lei como título executivo, ou o inverso.De entre as espécies de títulos executivos é possível encontrar a referência aos títulos decrédito, ainda que constituam meros quirógrafos4 , mas neste caso o título executive apenas vale para as relações entre os sujeitos da relação subjacente e não para relaçõesentre terceiros a quem o título possa ter sido endossado.
Títulos de crédito: No exercício da sua atividade comercial, os comerciantes medievais, viajavam porvários locais do mundo “aprovisionarem mercadorias destinadas a revenda”5 e, levandoem consideração as suas longas viagens, havia um certo receio de que pudesse existir umsaque da mercadoria, mas principalmente das quantias monetárias que transportavam, porisso surgiram os títulos de crédito que lhes permitia levantar um determinado montante num determinado local6 .
1Art. 10º, nº5 CPC 2 MONTESSANO, Luigi/ARIETA, Giovanni, Diritto processuale Civile, vol III, 3ª ed., p.10 3 FREITAS, José Lebre de/ALEXANDRE, Isabel, Código de processo civil anotado, vol. I, p. 55. 4 Art. 703º, alínea c) CPC. Os meros quirógrafos são títulos de crédito prescritos que valem enquanto títulosexecutivos desde que conste nele a relação jurídica subjacente. 5 ANTUNES, José A. Engrácia, Os títulos de crédito – Uma introdução, p. 51 6 COUTINHO DE ABREU, Jorge Manuel, Curso de Direito Comercial – Volume 1, 2022, p. 22
O título de crédito constitui um documento que tem por base uma relação cartularque incorpora direitos literais, autónomos e abstratos que assentam numa ordem ou promessa de pagamento que permite ao titular exercer esses direitos apresentando apenas o título executivo, sem a necessidade de alegar a relação jurídica subjacente. A relação cartular assenta na “teoria da emissão” que, segundo o José A. Engrácia Antunes, é a teoria maioritária, considerando que essa relação surge apenas quando o título executivoé posto em circulação. Os títulos de crédito são os únicos documentos negociais particulares7 cuja exequibilidade não foi eliminada com a reforma do CPC em 2013. Especificamente, os únicos documentos particulares a ter força executiva são: a Letra de Câmbio, a Livrançae o Cheque. A força executiva que lhes é atribuída relaciona-se com a necessidade de garantir a segurança do tráfego jurídico e de se favorecer a utilização dos títulos de créditocomo meios de pagamento no domínio das transações comerciais. Para constituírem títulos de crédito é necessário o cumprimento de certos requisitos previstos em legislação especial, nomeadamente na Lei Uniforme dos Cheques8 (LUC) e na Lei Uniforme das Letras e Livranças9 (LULL).
Letra de câmbio Este título consiste numa ordem dada por alguém a uma certa pessoa para que pague uma certa quantia a um terceiro sujeito, à ordem do sujeito que emite a ordem. A relação que suscita a emissão desta letra envolve 3 sujeitos: O sacador, que emite a letra;o sacado, que aceita a letra; e o tomador, aquele a favor de quem a letra deve ser paga10. Assim, um sacador emite uma ordem de pagamento ao sacado para que pague ao tomador. Este tomador tem 3 opções: pode optar por ficar com a letra e cobrá-la na data em que se vence; pode endossá-la a um terceiro para cumprir uma determinada obrigaçãopecuniária tenha com terceiro; ou pode descontá-la imediatamente junto de uma instituição bancária11 . Ainda que na maioria das vezes a relação cambiária seja de natureza trilateral, poderá, em alguns casos, assumir natureza bilateral12 e nesse contexto haverá uma coincidência entre a pessoa do sacador e do tomador.
7 Com exceção dos documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – art. 703º,nº1, al. d) CPC 8 Estabelecida pela Convenção de Genebra em 19 de março de 1931, ratificada em Portugal pelo Decreto nº 23.721, de 29 de março de 1934. Lei nº28/82 de 15 de novembro (diploma legal que regula a Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional. - Repete a publicação, inserindo, agora, a referenda ministerial). 9 Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças – estabelecida pela Convenção de Genebra em 7 de junho de 1930, aprovada em Portugal pelo DL nº 23 721, de 29 de março de 1934, ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação, no suplemento do “Diário do Governo” nº144, de 21 de junho de 1934. 10 GONÇALVES, Marco Carvalho, Lições de Processo Civil Executivo, 2022, p. 96. Exemplo: A fornecea B determinadas mercadorias que B se dispõe a pagar no prazo de 6 meses. Para o efeito, B entrega a A uma letra de câmbio, dando a C uma ordem para que este pague a A a quantia titulada por essa letra. 11 CORREIA, A. Ferrer, Lições de Direito Comercial, p. 47 12 GONÇALVES, Marco Correia, Lições de Processo Civil Executivo, 2022, p. 97. Exemplo: A fornece determinadas mercadorias a B e para pagamento deste fornecimento, A emite uma letra de câmbio a B, dando ordem para que quando se vença a obrigação, B pague o preço devido por esse fornecimento.
O art. 1º da LULL prevê certos requisitos cujo não cumprimento implica a não produção de efeitos da letra, ou seja, irá ser considerada como mero documento particular,sem qualquer valor cambiário13. Nomeadamente, a existência da palavra “letra” no próprio texto do título14; o mandato para pagar uma determinada quantia; o nome do sacado; a época do pagamento15; a indicação do lugar onde o pagamento deve ser feito16; o nome do tomador; indicação da data e lugar onde a letra é passada; e assinatura do sacador.
Livrança A livrança é o título de crédito pelo qual o devedor (subscritor) promete pagar a outra pessoa, ou à ordem dessa, uma determinada quantia pecuniária. Diferentemente daletra e do cheque, a livrança não envolve uma ordem dada a alguém a favor de um terceiro,mas sim diretamente uma promessa de pagamento. Por exemplo, A deve a B a quantia de 10 000€. A pode entregar uma livrança a B,através da qual promete pagar-lhe essa quantia na data acordada entre as partes, empregando a seguinte fórmula “Por esta livrança, pagarei a Vª Exª ou à sua ordem…”17 . A livrança envolve apenas duas pessoas, sendo o credor designado de “tomador” ou “beneficiário” e o devedor por “subscritor”. Os requisitos das livranças, previstos na LULL, têm de ser cumpridos para qua não seja afetada a validade formal dos mesmos e para que possa produzir efeitos18 . Nomeadamente: a palavra “livrança” tem de estar inserida no texto do título e expressa na língua em que foi redigido o título; a promessa pura e simples de pagar uma determinada quantia; a época do pagamento; indicação do lugar onde se deve fazer o pagamento; o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem se efetua o pagamento; a indicação da data e lugar onde se passou a livrança; e ainda a assinatura do subscritor. A livrança, enquanto título de crédito, dispensa ao exequente a invocação da relação jurídica subjacente à sua emissão. Por isso, o ónus de alegar e provar factos concretos e objetivos suscetíveis de colocar em caus aa validade, a eficácia ou existênciada relação subjacente à livrança, cabe ao executado. São aplicáveis às livranças as disposições relativas às letras, com as necessárias adaptações19 .
13 Art. 2º da LULL 14 ANTUNES, José A. Engrácia, Os Títulos de Crédito – Uma Introdução, p. 58 – visa assegurar a certezae segurança jurídicas. 15 Arts. 33º e ss da LULL 16 Art. 4º da LULL 17 GONÇALVES, Marco Correia, Lições de Processo Civil Executivo, 2022, p. 105 18 Artigos 75º a 78º da LULL 19 Artigo 77º da LULL
2.4. Cheque O cheque enquanto meio de pagamento consiste numa ordem dada por uma pessoa(sacador) a um banco (sacado) para pagar determinada quantia ao sacador. No entanto, otitular da conta tem de ter provisão no momento em que põe a circular cheques sobre essamesma conta de forma a que o banco possa cumprir a ordem de pagamento prevista naquele título de crédito. Ainda que o banco cumpra a ordem ele é alheio à relação cartularque deu origem à emissão do cheque. Por exemplo, A deve a B 10 000€ e para cumprir a sua obrigação, A entrega a B um cheque através do qual dá ao banco C uma ordem para que este pague a quantia devidaa B20. A tem de assegurar que a quantia de 10 000€ se encontra disponível porque só assim será possível que o banco cumpra a ordem que lhe foi dada. O art. 1º da LUC prevê vários elementos que têm de estar preenchidos para que ocheque possa produzir efeitos. Nomeadamente, a palavra “cheque” tem de constar do próprio título; tem de estar previsto o mandato de pagar uma quantia; o nome de quem deve pagar o cheque; o lugar onde deve ser efetuado o pagamento; a indicação da data e do lugar da emissão do cheque; e ainda a assinatura de quem passa o cheque. Se estes elementos não estiverem preenchidos não produz efeitos como cheque21. No entanto, a falta de algum dos requisitos pode ser suprida até ao momento do pagamento. Para que o cheque possa valer enquanto título de crédito, a LUC prevê que o cheque deve ser apresentado a pagamento no prazo de 8 dias a contar da data da sua emissão22. Além deste requisito, se existirem processos executivos contra o sacador, endossantes ou outros coobrigados, estes prescrevem passados 6 meses após o termo do prazo de apresentação, segundo o art. 25º e art. 27º da LUC. Relativamente ao carácter executivo, a questão prende-se essencialmente com a legitimidade ativa ou passiva para uma ação executiva. Atendendo ao disposto no art. 5ºda LUC, a legitimidade ativa varia consoante esteja prevista a cláusula “à ordem” ou “nãoà ordem” pois, no caso de estar prevista a primeira cláusula, vai ser permitido ao beneficiário transmitir o cheque através de endosso, contrariamente, caso esteja prevista a segunda cláusula apenas vai permitir ao beneficiário transmitir o cheque através de uma cessão ordinária, nos termos do art. 14º da LUC. Quanto à legitimidade passiva, irá vigorar a regra da solidariedade, para com o portador do cheque, de todas as pessoas obrigadas em virtude desse mesmo documento23 . Se o cheque for apresentado a pagamento e a conta não tiver a quantia devida, o cheque será devolvido por falta de provisão. Mesmo que se trate de um cheque pré- datado, nada impede que seja apresentado antes da data estipulada pois “o cheque é um título pagável à vista,
20 GONÇALVES, Marco Correia, Lições de Processo Civil Executivo, 2022, p. 109 21 Art. 2º da LUC 22 O prazo começa a contar no primeiro dia seguinte ao indicado no cheque como data de emissão (art. 29ºe 56º LUC) 23 Art. 44º da LUC
prevalecendo assim sempre a data da apresentação sobre a data daemissão”24, mas neste caso, se vier devolvido por falta de provisão não constituirá um título executivo porque o valor devido só teria de estar disponível na data prevista no cheque. Em certos casos o cheque assume uma função de garantia de cumprimento de umadeterminada obrigação e se o executado pretender colocar em causa a força executiva deum cheque com função garantística tem de alegar essa função e ainda que a relação que se pretende garantir com esse título não se extinguiu nem foi modificada. O sacador após entregar o cheque pode decidir pela sua revogação e dá instruçõespara que o banco não proceda ao pagamento. Se efetivamente o banco não pagar o cheque,mesmo estando obrigado a pagá-lo, continua a valer como título executivo. Título de crédito enquanto mero quirógrafo
Para valer enquanto título de crédito perfeito é necessário que este não se encontreprescrito25 e que tenha sido apresentado em tempo certo26 27 .
Na vigência do CPC anterior28, a doutrina e a jurisprudência dividiam-se quanto à exequibilidade de um título de crédito que não respeitasse as formalidades devidas ou que se encontrasse prescrito. Uma determinada corrente doutrinária29 defendia que não valia como título executivo, ao passo que uma outra parte da doutrina e da jurisprudência 30 sustentava que o título de crédito continuava a valer enquanto título executivo, mesmo prescrito ou sem formalidades legais, mas enquanto mero quirógrafo da obrigação e desdeque no requerimento executivo, ou no próprio título, constasse a relação jurídica subjacente à sua emissão. O novo CPC31 pôs termo à divergência doutrinária e jurisprudencial estabelecendo efetivamente que esses títulos têm força executiva, ainda que meros quirógrafos32 . Neste caso o título de crédito é reconhecido como um documento particular
24 ANTUNES, José A. Engrácia, Os Títulos de Crédito – Uma introdução, p.119 25 LOPES-CARDOSO, Eurico, Manual da Ação Executiva, pp. 57 e 58 26 O cheque tem de ser apresentado a pagamento no prazo de 8 dias após a data da sua emissão, nos termosdo art. 29º da LUC. 27 Os arts. 70º e 77º da LULL, preveem que todas as ações contra o aceitante relativas a letras e livranças prescrevem no prazo de 3 anos a contar do seu vencimento. A jurisprudência tem entendido que o prazo doart. 70º da LULL configura um prazo de caducidade e não de prescrição porque, no caso concreto do acórdão do STJ de 27.11.2007, processo nº 07B3685, a lei fixa um prazo para propor uma determinada ação. O que importa é que a ação seja proposta desse determinado prazo e não que o réu seja citado antes do termo do prazo. 28 DL n.º 329‐A/95, de 12 de dezembro 29 CUNHA, Paulo Olavo, Cheque e Convenção de Cheque, pp. 242 a 247 30 Ac. TRP de 1.04.2014, processo nº 10313/10.8TBVNG-A.P1 – “O cheque prescrito ou o cheque que não foi apresentado a pagamento no prazo legal podem ser admitidos como título executivo, nos termos do disposto no artº 46º al.c) CPC de 1995, mas a causa da obrigação deve ser invocada na petição executiva, a fim de poder ser impugnada pelo executado.” 31 Lei nº 41/2013, de 26 de junho 32 Ac. TRG, de 15.03.2018, proc. nº 554/15.7T8CHV-A.G1 “O exequente que propõe ação executiva fundada em quirógrafo da obrigação causal subjacente à emissão do cheque tem o ónus de alegar no requerimento executivo, em obediência ao estatuído na al. c), do nº1, do art. 703º, do CPC, os factos, essenciais, constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, sem valor como título de créditonos termos da Lei Uniforme Sobre Cheques, quando dele não constem, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º, do Código Civil, que consagra umainversão do ónus da prova da existência da relação fundamental (exceção ao regime geral de distribuição do ónus da prova 129
não autenticado, independentemente da data em que foi assinado, desde que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo. Neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo nº 554/15.7T8CHVA.G1, refere que a atribuição de força executiva aos títulos de créditos,ainda que meros quirógrafos, prende-se por “razões segurança do tráfego jurídico”. No entanto, quando o título de crédito esteja prescrito e se baseie num negócio jurídico cujo contrato que lhe deu origem é nulo por vício de forma, não poderá valer como título executivo, sendo esta posição apoiada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo nº 910/08.7TBMCN-A.P133 . Quando a execução se fundar num título de crédito tem de ser sempre apresentadoo original, o que antes não acontecia, pois, o anterior art. 810º, nº 6 permitia que se enviasse uma cópia. Atualmente, o envio de uma cópia do título não leva à recusa do requerimento executivo pela secretaria, no entanto, nos termos do art. 724º, nº 5 do CPC,se houver notificação do juiz para que seja enviado o título original é estabelecido um prazo de 10 dias para isso, caso contrário, pode extinguir-se a execução. Preenchimento abusivo
Coloca-se ainda a questão de saber se é possível que um título de crédito emitidoem branco ou cujo preenchimento tenha sido abusivo constitui ou não um título de crédito.Neste contexto, Ferrer Correia34 refere que quem emite um título em branco pode atribuirà pessoa a quem o entrega o direito de preencher esse título como entender, mas respeitando certos termos porque ninguém subscreve um documento em branco para quea pessoa a quem o transmite faça dele o uso que entender. O preenchimento do título emitido em branco depende do cumprimento de um pacto de preenchimento. Este pacto é um documento no qual as partes do negócio cambiário definem os termos ou as condições a que o título deve obedecer no seu preenchimento, nomeadamente, condições relativas ao montante, à data de vencimento ou ao lugar de pagamento desse título. Este acordo não está sujeito a forma e pode ser expresso ou tácito35 . Quando o preenchimento do título não coincida com essas convenções que as partes
consagrado no nº1, do art. 342º, deste diploma), passando o devedor a ter de provar a faltada causa da obrigação inscrita no título ou alegada no requerimento inicial para ver os embargos proceder e a execução extinta.” 33 Ac. TRP, de 21.10.2014, Proc. nº 910/08.7TBMVN-A.P1 “I - Tendo deixado o cheque de constituir título cambiário por não ter sido apresentado a pagamento no prazo de oito dias a contar da data da emissão,nos termos do artigo 29.º da Lei Uniforme sobre Cheques, poderá este continuar a valer como título executivo se nele constar a relação subjacente ou se o requerimento executivo contiver tal relação. II - Mas tal já não sucederá quando subjacente à emissão do cheque se encontra um contrato de mútuo parao qual, face ao seu valor, a lei exige escritura pública ou documento particular autenticado, não tendo sidoessa forma observada. III - Neste caso, o cheque não pode servir de título executivo, uma vez que a invalidade formal do contratode mútuo que lhe subjaz atinge também a exequibilidade da pretensão incorporada no título.” 34 CORREIA, A. Ferrer, Lições de Direito Comercial, p. 484 35 Definição dada pelo ac. TRC, de 14.09.2020, processo nº 913/19.6T8CVL-A.C1
estabeleceram entre si36 considera-se que o preenchimento é abusivo. Isto acontece quando é definida uma data de vencimento diferente da que tinhasido acordada entre as partes, ou uma quantia superior à definida no pacto de preenchimento. Se o executado demonstrar a existência de um pacto de preenchimento e que o título de crédito foi preenchido de forma abusiva então este não terá força executiva. Noentanto, se no título executivo for previsto um valor superior ao montante efetivamente em dívida esse preenchimento abusivo originará apenas a extinção parcial da execução na quantia em excesso e valerá como título executivo.
Conclusão: O título de crédito, seja Cheque, Letra ou Livrança, enquanto título executivo irátitular uma obrigação e quando se encontra perfeito descola da relação jurídica subjacentee vale pelo que lá consta sem ser necessário referir a razão da sua criação. Mas, estando prescrito, com rasuras ou sem provisão, pode mesmo assim ter força executiva com a condição de que na causa de pedir se fundamente e explique a relação jurídica que estevena origem do título. Do ponto de vista do executado, a relação jurídica subjacente, quando indicada no requerimento executivo vale como forma de defesa pois é através dessa relação que é possível perceber se, por exemplo, houve algum tipo de coação para emissão do cheque,coisa que não é possível através da relação cartular. Por esse motivo, é importante que haja um certo interesse da parte do executado em que essa relação seja alegada. Já do ponto de vista do exequente, se este apresenta a pagamento um cheque, porexemplo, e o mesmo é devolvido por falta de provisão, interessa-lhe alegar a relação jurídica subjacente de forma a demonstrar o que deu origem à emissão do cheque e todosos factos essenciais que comprovam o seu direito. Assim, mesmo que o título de crédito seja um mero quirógrafo, é admissível quepossa ser utilizado pelo exequente para intentar uma ação executiva.
36 Ac. TRC, de 14.12.2020, processo nº 4161/18.4T8PBL-A.C1 – “1. Quem emite ou subscreve uma livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em determinados termos que, por regra, são definidos através de um acordo ou contrato - o pacto de preenchimento - pelo qual se definem os termos em que a obrigação cartular irá ficar definida, no que respeita, designadamente, à fixação do seu montante e data de vencimento (…) 4. Se não há violação do pacto de preenchimento, numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 70º (ex vi do art.º 77º), da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, coincida ou não com o incumprimento do contrato (vencimento da obrigação) subjacente.”
Referências Bibliográficas ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso de Direito Comercial, Vol. I, 2022 ANTUNES, José A. Engrácia, Os Títulos de Crédito – Uma Introdução, 2012 CORREIA, A. Ferrer, Lições de Direito Comercial, 1994 CUNHA, Paulo Olavo, Cheque e Convenção de Cheque, 2009 FREITAS, José Lebre de, A Ação executiva – À Luz do Código de Processo Civil de2013, 2017 FREITAS, José Lebre de / ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil Anotado,Vol. I GONÇALVES, Marco de Carvalho, Lições de Processo Civil Executivo, 2022 MONTESSANO, Luigi / ARIETA, Giovanni, Dirito processuale civile, Vol. III, 3ªedição BIRRA, Helena Alexandra Marques, Os Títulos Executivos – elenco do art. 703º doCPC e a forma de processo aplicável – Tese de mestrado. Jurisprudência
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.12.2020, processo nº4161/18.4T8PBL-A.C1 Disponível em Execução. Título de crédito. Livrança. Livrança em branco.Preenchimento. Prescrição – Tribunal da Relação de Coimbra (trc.pt) Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães, de 15.03.2018, processonº554/15.7T8CHV-A.G1 Disponível em Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (dgsi.pt)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 1.04.2014, processo nº10313/10.8TBVNG-A.P1 Disponível em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (dgsi.pt)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21.10.2014, processo nº910/08.7TBMCN-A.P1
Disponível em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (dgsi.pt)
Legislação Lei nº 43/2013, de 26 de junho (Código de Processo Civil). DL nº 329/A, de 12 de dezembro (Código de Processo Civil de 1995) Lei uniforme relativa aos Cheques – estabelecida pela Convenção de Genebra em 19 de março de 1931, ratificada em Portugal pelo Decreto nº 23.721, de 29 de março de 1934. Lei nº28/82 de 15 de novembro (diploma legal que regula a Organização, funcionamentoe processo do Tribunal Constitucional. - Repete a publicação, inserindo, agora, a referenda ministerial) (Lei Uniforme Relativa aos Cheques) Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças – estabelecida pela Convenção de Genebraem 7 de junho de 1930, aprovada em Portugal pelo DL nº 23 721, de 29 de Março de 1934, ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação, no suplemento do “Diário do Governo” nº144, de 21 de Junho de 1934