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Justiça Alternativa: O Solicitador enquanto mandatário na Mediação e nos Julgados de Paz

Justiça Alternativa: O Solicitador enquanto mandatário na Mediação e nos Julgados de Paz

Justiça Alternativa: O Solicitador enquanto mandatário na Mediação e nos Julgados de Paz

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Justiça Alternativa: O Solicitador enquanto mandatário na Mediação e nos Julgados de Paz

Tiago Vitória Carvalho

Finalista da Licenciatura em Solicitadoria no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa

Pós-graduando em Direito das Crianças, Família e Sucessões no Centro de Investigação de Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Mediador Familiar

Resumo: No presente artigo, é nosso desiderato destacar e enfatizar reflexões sobre o patrocínio judiciário por Solicitador em processos de Mediação e no âmbito dos Julgados de Paz. Cada vez mais, os meios extrajudiciais de resolução de conflitos apresentam-se como a primeira opção de Solicitadores para a solução de litígios dos seus constituintes. Por esse motivo, urge refletir a utilidade destes meios e a sua articulação com os Solicitadores. Palavras-chave: Solicitadoria – Mediação – Julgados de Paz – Patrocínio judiciário – Resolução alternativa de litígios. Sumário: 1. Nota introdutória. 2. Patrocínio judiciário por Solicitador no processo declarativo cível ante os tribunais judiciais. 3. Patrocínio judiciário por Solicitador em processos de Mediação. 4. Patrocínio judiciário por Solicitador nos Julgados de Paz. 4.1. O sentido e alcance do artigo 38.º da Lei dos Julgados de Paz. 4.2. No futuro, mais vale prevenir do que remediar?

Nota introdutória

No presente texto teremos como ponto de partida a destrinça entre as regras aplicáveis à representação das partes por Solicitador perante os tribunais judiciais, de um lado, e as regras aplicáveis em sede de Mediação e nos Julgados de Paz, do outro. Relativamente às primeiras, o espaço de atuação do Solicitador encontra-se balizado pelos criteriosos limites impostos pelo Código de Processo Civil português (de ora avante “CPC”), onde as suas disposições não deixam margens para dúvidas acerca dos moldes em que o patrocínio forense é exercido por este profissional. Quanto às segundas, veremos um marcado contraste no que concerne às limitações impostas pelo CPC, uma vez que a resolução alternativa de litígios desenhou um papel diferenciado para a atuação de mandatários atendendo às especificidades deste universo. Cabe-nos fazer dois apontamentos acerca da intervenção do Solicitador na Mediação e nos Julgados de Paz. Concretamente, no que tange à Mediação, explorar-se-á a forma como o Solicitador e a Mediação se relacionam, e no caso dos Julgados de Paz, o antagonismo do patrocínio judiciário diante os tribunais judiciais; pois se no CPC estas regras são inteligíveis, na Lei dos Julgados de Paz o cenário é acinzentado.

Patrocínio judiciário por Solicitador no processo declarativo cível ante os tribunais judiciais A abordagem ao tema impõe uma análise (ainda que breve) às normas vertidas no CPC referentes ao patrocínio judiciário1 no processo judicial cível declarativo (artigos 40.º a 52.º do CPC), uma vez que servirão de base à contraposição das regras que disciplinam a representação das partes no recinto da Mediação e dos Julgados de Paz. À luz do disposto no artigo 40.º do CPC, é obrigatória a constituição de advogado:

1 Segundo os ensinamentos de Jorge Augusto Pais de Amaral, “O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica prestada às partes por profissionais do foro.” – vd. Pais do Amaral, Jorge Augusto, Direito Processual Civil, Almedina, 2020, p.140. O patrocínio judiciário encontra-se constitucionalmente consagrado como um “elemento essencial à administração da justiça” (artigo 208.º da Constituição da república Portuguesa).

Nas causas da competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário (regra geral, causas às quais seja atribuído um valor superior a 5.000,00 €)2;

Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor3;

Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores4 .

Por seu turno, nas causas em que não seja obrigatória a constituição de advogado, o CPC concede aos Solicitadores espaço de intervenção nos tribunais judiciais. Resulta assim do artigo 42.º do CPC que, podem as próprias partes pleitear por si ou fazer-se representar por advogado estagiário ou por solicitador5. Dessa forma, nas raras situações em que é permitido fazê-lo, não querendo as partes pleitear por si próprias, apenas a profissionais do foro pode ser conferido o mandato judicial (cabendo à parte escolher entre fazer-se representar por advogado, advogado estagiário ou por solicitador). A impossibilidade de as partes fazeremse representar em juízo por terceiro que não seja profissional do foro, decorre da conjugação do artigo 136.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (daqui adiante “EOSAE”), artigo 66.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (“EOA”), números 1 e 5 do artigo 1.º da Lei dos Atos Próprios dos Advogados e Solicitadores6 (“LAPAS”) e artigos 12.º e 15.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário7 (“LOSJ”).

Patrocínio judiciário por Solicitador em processos de Mediação8

Como nos disse a Exposição de Motivos da Proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 62/2013, de Organização do Sistema Judiciário: “Os tribunais judiciais são, certamente, o maior e mais importante recurso público da justiça, mas estão longe de ser a única instância de resolução de litígios. Como sabemos, existem outros meios alternativos de resolução de conflitos

2 Nos termos do n.º 1 do artigo 629.º do CPC, a admissibilidade de recurso ordinário verifica-se quando “a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”. Por sua vez, o artigo 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), dispõe que em matéria cível “a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000,00 e a dos tribunais de primeira instância é de € 5 000,00”. 3 Os n.ºs 2 e 3 do artigo 629.º do CPC elencam essas causas. 4 A título de exemplo, veja-se a ação de indemnização contra magistrados – artigos 967.º e seguintes do CPC – e a ação de revisão de sentença estrangeira – artigos 978.º e seguintes do CPC. 5 Assim, o Solicitador por si, só pode exercer o mandato judicial nas ações declarativas até 5.000,00 €, podendo ainda, mesmo que seja obrigatória a constituição de advogado, fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito (n.º 2 do artigo 40.º do CPC). É de ressalvar, que sobre a alçada do artigo 151.º do EOSAE, “nas audiências de julgamento, os solicitadores dispõem de bancada” . 6 Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto. 7 Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto 8 Algumas das considerações aqui vertidas serão esporádicas reminiscências do publicado em Carvalho, Tiago Vitória, A mediação familiar e o papel do Solicitador. In Revista Sollicitare – N.º 33 – 2022, p. 44.

criados pelo Estado ou pela própria sociedade, como os tribunais arbitrais, serviços de mediação ou julgados de paz.”. Com efeito, nos meandros da mediação, a primeira questão sobre a qual nos debruçaremos será a respeito da constituição de mandatário; será esta, nalgum caso, obrigatória? Tal questão merece resposta em sentido negativo, ora vejamos. Uma leitura e interpretação das normas que preveem a presença e representação dos mediados, leva-nos a concluir pelo carácter opcional da faculdade destes se fazerem acompanhar ou representar por advogado, advogado estagiário ou solicitador9 (salvas as exceções em que se prevê a inadmissibilidade de representação)10. De facto, esta posição do legislador é alvo de críticas11 , considerando-se insuficiente uma mera faculdade em detriment de uma constituição obrigatória de mandatário; da nossa parte, abster-nos-emos de influir sobre tais críticas. Já quanto à faculdade das partes poderem ser representadas, isto é, que mandatários se substituam às mesmas, deixamos uma breve nota. À semelhança de outros autores12 , discordamos e desaconselhamos o uso de tal faculdade. O carácter pessoalíssimo da mediação deverá prevalecer, este é mister para alcançar o anseio de um procedimento de mediação. “Os mediados têm de estar presentes nas sessões, partilhar os seus anseios, comunicar os seus interesses e permitir que o mediador resgate o diálogo e busque o consenso. Não se vislumbra como pode tal desiderato acontecer se as partes não estiverem presencialmente na mediação.”.13

9 Veja-se: a Lei n.º 29/2013, de 19 de abril (Lei da Mediação), contempla no n. º1 do seu artigo 18.º que “As partes podem comparecer pessoalmente ou fazer-se representar nas sessões de mediação, podendo ser acompanhadas por advogados, advogados estagiários ou solicitadores”; na Portaria n.º 1112/2005, de 28 de outubro (Regulamento dos Serviços de Mediação nos Julgados de Paz), o n.º 1 do artigo 10.º diz- nos que “As partes têm de comparecer pessoalmente às sessões de pré-mediação e de mediação, podendo fazer-se acompanhar de advogado, advogado estagiário ou solicitador”; o Manual de Procedimentos e Boas Práticas do Sistema de Mediação Laboral, estabelece no n.º 1 do artigo 8.º que “As partes têm de comparecer pessoalmente às sessões de mediação, podendo fazer-se acompanhar, querendo, de advogado, advogado estagiário, solicitador ou outros assessores técnicos.”; a Lei n.º 21/2007, de 12 de junho (Lei da Mediação Penal) e a Portaria n.º 68-C/2008, de 22 de janeiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 732/2009, de 8 de julho, e pela Lei n.º 29/2013, de 19 de abril (Regulamento do Sistema de Mediação Penal), preceituam à luz do artigo 8.º e 7.º, respetivamente, que “Nas sessões de mediação, o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente, podendo fazerse acompanhar de advogado ou de advogado estagiário.”; no que concerne à mediação administrativa, à luz do n.º 2 do artigo 87.º - C do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, as partes são notificadas para comparecer pessoalmente ou se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais, sendo que, “A mediação processa-se nos termos previstos na lei processual civil e no regime jurídico da mediação civil e comercial, com as necessárias adaptações” (n.º 5 do artigo 87.º - C do Código de Processo nos Tribunais Administrativos); por último, nos domínios da mediação familiar entende-se que, o acompanhamento por mandatário é regulado pelo artigo 18.º da Lei n.º 29/2013, de 19 de Abril (Lei da Mediação), pese embora a alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º da mesma lei – ou seja, “As partes podem comparecer pessoalmente ou fazer-se representar nas sessões de mediação, podendo ser acompanhadas por advogados, advogados estagiários ou solicitadores”. 10 Cfr. Gouveia, Mariana França, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, Almedina, 2018, pág. 53. Ainda a respeito, a Lei da Mediação Penal (artigo 8.º), a Lei dos Julgados de Paz (artigos 38.º e 53.º em conjugação com o artigo 18.º da Lei da Mediação) e a Lei da Mediação (artigo 36.º) balizam a representação dos mediados. 11 Nomeadamente o parecer relativo à Proposta de Lei da Mediação pela Ordem dos Advogados Portugueses, disponível em http://app.parlamento.pt/ e noutros ordenamentos jurídicos: “L’Avvocatura ha altresi denunciato il ruolo marginale e subalterno riservato agli avvocati nel procedimento di mediazioni, laddove non è stata prevista l’obbligatorietà dell’assistenza técnica, che rimane, ad oggi, facoltativa.” Laura Bugati, “L’Avvocatura e la mediazioni”, in Quaderni di conciliazione, n.º 3, 2012, pág. 234. 12 Cfr. Lopes, Dulce e Patrão, Afonso, Lei da Mediação Comentada, Coimbra, Almedina, 2014 pág. 120 e 121; Cruz, Rossana Martingo, A mediação familiar como meio complementar de Justiça, Almedina, 2018, pág. 66; e Martín Diz, Fernando, Mediación en derecho privado: nuevas perspectivas práticas, pág. 9. 13 Cfr. Cruz, Rossana Martingo, O papel do advogado na mediação familiar – uma observação crítica à realidade portuguesa, in Revista Electrónica de Direito – outubro 2015 – n.º 3, pág.11.

Destarte, tal-qualmente pela leitura e interpretação das normas que contemplam a presença e representação dos mediados, podemos arrematar que a previsão de acompanhamento por Solicitador apenas não foi prevista na esfera da mediação penal, o que se compreende, porquanto o core da atividade profissional de um Solicitador não abrange o Direito e Processo Penal. Decerto, a mediação como método de resolução alternativa de litígios (doravante “MRAL”), vem trilhando o seu caminho em Portugal paulatinamente. Este é um caminho alternativo à via judicial, mas é, concomitantemente, complementar à mesma. Essencialmente, a mediação prima pela comunicação e pelo seu ambiente flexível, maleável e sem juízos de valor, onde o mediador, privilegiando o acolhimento emocional, procurará a exteriorização da vontade e necessidades dos envolvidos, de modo a que os mesmos construam ativamente um acordo, acordo esse, que vá de encontro com aquela que será a melhor solução para as partes. Infelizmente, para muitos dos cidadãos a mediação ainda não é de seu conhecimento, motivo pelo qual desconhecem as suas vantagens, assentes na eficácia, celeridade e proximidade que estimulam uma tramitação processual mais simplificada, menos custos, menor desgaste emocional e a oportunidade de os sujeitos optarem pela autocomposição dos seus conflitos. Aponta-se que um dos grandes entraves à mediação em Portugal seja a fraca adesão por parte de Advogados e Solicitadores à mesma14. Estes profissionais são detentores de um potencial capaz de alicerçar e alavancar a mediação no nosso ordenamento jurídico, pelo que, a sua adesão mostra-se crucial nesta missão. O cidadão comum não tem sequer a noção do que seja a mediação, o seu primeiro impulso na procura de uma solução para um dissídio será recorrer a um Advogado ou Solicitador (e consequentemente, a via tradicional de justiça). O Solicitador é, por isso, o profissional possuidor de conhecimentos e ferramentas aptas ao encaminhamento do seu cliente para o método mais adequado e eficaz à resolução dos seus litígios. Nos tempos hodiernos, o cidadão está desacreditado na Justiça, pelo que, o facto de este poder socorrer-se de um profissional que lhe dê a conhecer alternativas às vias tradicionais, caracterizadas por morosos processos judicias que retraem e impelem o cidadão a não fazer valer os seus direitos, fomentará um novo olhar sobre a Justiça e desencadeará uma mudança de paradigma. Porém, há que sublinhar e deixar claro que a mediação não se assemelha a um “elixir quimérico” capaz de sanar todo e qualquer litígio. Nem todos os casos são passíveis de mediação, nem se deverá reencaminhar cegamente para a mesma qualquer disputa sem que antes seja feita uma análise por parte do mandatário, de modo a aferir se a mediação será ajustada à contenda do cidadão. Destarte, como podemos depreender, o conhecimento da mediação (em si e das suas vantagens e desvantagens) por parte do Solicitador, é condição sine qua non para que esta possa ser apresentada ao cidadão pelo mesmo.

14 Esta resistência advirá de uma desconfiança enraizada no desconhecimento e receio de que o mandatário se possa tornar dispensável na mediação. Todavia, sublinhe-se que o Solicitador revela-se menos resistente que o Advogado.

Em todo o caso, é importante ressalvar que o Solicitador ao recorrer aos serviços de mediação, não estará a “perder” um potencial cliente, pelo contrário, ao elucidar e nortear o seu cliente para uma alternativa que o satisfaça (de uma forma eficiente e mais humanizada) terácomo resultado o seu retorno. Isto é, almejar e promover a satisfação dos clientes deverá ser a perspetiva a médio e longo prazo, pois dessa forma será plantada no cliente a crença de que o profissional é dotado dos saberes e mestria da melhor via a percorrer na busca de uma solução aos seus problemas, brotando assim, fortes chances do seu retorno15 . Ademais, a mediação entre outros aspetos, revela-se vantajosa para os Solicitadores, pois uma causa que à partida, por conta das limitações impostas pelo CPC, tenha de ser dispensada e reencaminhada para um Advogado, não o será no domínio da mediação16 . Por conseguinte, sendo a mediação um MRAL, que opera baseando-se e privilegiando os interesses e não os direitos das partes, o carácter da intervenção do Solicitador no âmbito da mediação, deverá ser distinto daquele que presta ao abrigo do mandato forense, isto é, o Solicitador não representa o mediado, adota sim, uma postura e espírito conducente ao sentido da mediação, privilegiando a harmonia do processo em apanágio dos interesses dos mediados17. Esta postura (de salvaguarda) por parte do Solicitador, passa essencialmente, por entender que as personagens principais da mediação são os mediados, devendo intervir oportunamente (ou, aquando solicitação), sobretudo, no zelo pelos direitos inalienáveis dos mediados. A presença de um Solicitador prima por uma intervenção de arrimo ao cliente, munindo o mesmo de confiança e suporte no decorrer das sessões de mediação. O seu papel é indispensável à garantia dos interesses e direitos do mediado que acompanha, uma vez que, no desenrolar do processo de mediação, inevitavelmente, serão levantadas questões de direito que carecem de devido esclarecimento (antes, durante e após sessões de mediação) por parte de um profissional habilitado para o efeito18. Desta forma, é garantido que a vontade do mediado explanada no acordo de mediação será esclarecida e ponderada.

15 Subscrevemos integralmente os ensinamentos de Mariana França Gouveia (aplicáveis ao Solicitador) quando refere: “Sugerir a intervenção de um mediador não implica a diminuição de trabalho (e remuneração) para o advogado. Pelo contrário, a satisfação do cliente implica a médio prazo o seu retorno para a resolução de outros problemas, dos quais desistiria se o método judicial fosse o único disponível. A advocacia deve pensar em termos macro, de médio/longo prazo, de satisfação dos clientes e de rapidez e eficiência na resolução dos seus litígios.” Gouveia, Mariana França, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, Almedina, 2018, cit., pág. 54. 16 Pressupondo uma prévia triagem ao conflito em que se ateste a mediação como uma via oportuna para a sua resolução. Segundo os ensinamentos de Rossana Martingo Cruz, no âmbito da mediação familiar, porém transversal a qualquer mediação: “Apesar de todos os seus benefícios, em determinadas conjunturas, a mediação familiar não será adequada. Quando o desacordo entre as partes atingiu um nível de conflituosidade tal (em que as posições cristalizaram), ou quando pretendem uma decisão externa que puna o outro e lhes ateste a razão. Quando o discernimento para uma solução autocompositiva já não seja alcançável, ou quando um dos mediados usa a mediação somente como um mero expediente dilatório, caberá ao advogado ou ao mediador (dependendo de quem consegue detectar atempadamente tais situações) não pugnar pelo encaminhamento das partes ou dar a mediação por terminada, caso esta já se tenha iniciado.” Cruz, Rossana Martingo, O papel do advogado na mediação familiar – uma observação crítica à realidade portuguesa, in Revista Electrónica de Direito – outubro 2015 – n.º 3, pág.13. 17 “O papel do advogado numa sessão de mediação é muito diferente daquele que desempenha em tribunal judicial ou arbitral. Desde logo, na mediação não é necessário convencer ninguém quanto aos factos ou ao direito: são as partes que têm o papel principal, não o advogado”. Gouveia, Mariana França, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, Almedina, 2018, cit., págs. 52-53. Embora a autora apenas se refira à figura do Advogado, os seus dizeres são igualmente aplicáveis aos Solicitadores. 18 “Assim, para além de deverem ser eles próprios a indicar a mediação como via de resolução de conflitos aos seus clientes sempre que acharem adequada a sua utilização, os advogados podem participar no âmbito dos procedimentos de

É fundamental o crivo jurídico de um profissional apetrechado de conhecimentos sólidos do mundo jurídico capaz de prevenir que eventuais acordos corram o risco de não ser homologados. A título de exemplo, veja-se um caso de mediação familiar na alçada das denominadas “Empresas Familiares”, onde os laços familiares encontram-se diluídos nas relações societárias criando uma osmose propícia ao conflito. Neste sentido, não só serão levantadas questões relacionadas com o Direito da Família e Sucessões, como também, na esfera do Direito das Sociedades Comercias. Um mediador não jurista19 perante tal conjetura certamente não saberá até que ponto os acordos serão exequíveis, demandando-se, dessa forma, a presença de um profissional capaz de blindar o processo de mediação contra a carência de conhecimento do quadro jurídico da disputa submetida, evitando a admissão de acordos que ofendam direitos indisponíveis dos mediados e elucidando o que esses acordos representarão na esfera jurídica dos mesmos, dando assim lugar a uma mediação mais musculada. Por último, fomentar a complementaridade entre mandatários e mediadores é uma peçachave para alcançar o patamar que se deseja para a mediação (que esta seja tida em conta com o mesmo grau de idoneidade e igualdade perante as demais vias de justiça), na justa medida em que, o mandatário ao conceber a mediação como a via mais adequada ao conflito do seu constituinte, do outro lado, o mediador elucida os mediados quanto à sua prerrogativa de se poderem fazer acompanhar por mandatário e a sua importância. Há que sublinhar, outrossim, que a presença de um mandatário nas sessões de mediação permitirá um controlo da atividade do mediador, quer em termos de competência como da ética e deontologia20 .

Patrocínio judiciário por Solicitador nos Julgados de Paz

Analisado como ficou os moldes em que patrocínio judiciário se processa na mediação, coloca-se a questão de saber como este se efetua nos Julgados de Paz. Ora, as regras de representação das partes em juízo nos Julgados de Paz encontram-se plasmadas no artigo 38.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (Lei dos Julgados de Paz – “LJP”), que dispõe: “as partes têm de comparecer pessoalmente, podendo fazer-se acompanhar por advogado, advogado estagiário ou solicitador” (cfr. artigo 38.º, n.º 1)21;

mediação não apenas como técnicos (elaborando, por exemplo, pareceres sobre as matérias em litígio) mas também como assessores das partes (assistindo-os juridicamente ou representando-os, nos termos do n.º 1 do art.º 18).” Dulce Lopes e Afonso Patrão, Lei da Mediação Comentada, Coimbra, Almedina, 2014, págs. 124-125. Sendo o citado extensível aos Solicitadores. 19 Não se ignore que um mediador não necessita de ser licenciado em Direito ou Solicitadoria para o exercício da profissão. Todavia, sendo a sua formação nas ciências jurídicas, naturalmente tal será um plus, na medida em que saberá quais os acordos juridicamente inaceitáveis e evitará que as partes empreguem esforços não homologáveis. 20 Cfr. Gouveia, Mariana França, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, Almedina, 2018, pág. 55- 56. 21 A norma prevê o acompanhamento e não a representação, segundo Cardona Ferreira: “É muito importante a presença pessoal das partes, desde logo para que exponham, com conhecimento completo, as situações e se viabilizem soluções pacificadoras; naturalmente, tratando-se de pessoas coletivas, comparecerão os respetivos representantes legais. Há que considerar, na medida do necessário, designadamente, os arts. 24.º, 25.º e 223.º do CPC e o art. 63.º desta lei”. Mais adianta: “(…) nada impede a sua representação por mandatário forense com poderes especiais para acordo, (art. 45.º, n.º

“a assistência é obrigatória quando a parte seja analfabeta, desconhecedora da língua portuguesa ou, por qualquer outro motivo, se encontre numa posição de manifesta inferioridade, devendo neste caso o juiz de paz apreciar a necessidade de assistência segundo o seu prudente juízo” (cfr. artigo 38.º, n.º 2)22;

é obrigatória “a constituição de advogado na fase de recurso, se a ela houver lugar” (cfr. artigo 38.º, n.º 3 e 62.º)23 . Dessa forma, claro fica que o patrocínio forense não é obrigatório nos Julgados de Paz; só assim o será nas hipóteses do n.º 2 e 3 do artigo 38.º. Nos bastiões dos Julgados de Paz vigora como princípio a aproximação da justiça aos cidadãos. Visa-se um processo imediato, desburocratizado, informal, orientado para uma busca de consenso. É desejado que os cidadãos participem e intervenham livre e ativamente na realização da justiça, pelo que só existe obrigação de serem assistidos por Advogado, no processo, apenas na fase de recurso. Pelos ensinamentos de Cardona Ferreira: “É preciso compreender a essência dos Julgados de Paz. Estes são Tribunais, mais incomuns, diferentes, designadamente dos judiciais.” “O que se deseja é a intervenção pessoal dos interessados, inclusive na procura de soluções. Nada impede que as partes sejam ouvidas como depoentes no decurso da audiência. Mas, antes disso, às partes compete dialogar, expor as suas razões e verificar se é possível em entendimento, ajudadas, ora pelo mediador, ora pelo Juiz de Paz (art. 2.º, n.º 1). Isto não impede que sejam assistidas por advogado, advogado estagiário ou solicitador e oiçam os seus conselhos e, daí, até poder resultar a viabilidade ou inviabilidade de prosseguimento de tais diligências. O que é consonante com o art. 20.º da CRP, mormente n.º 4.”24 . De igual modo, quanto à competência em razão do valor e da matéria nos Julgados de Paz, também encontramos algumas particularidades. De facto, o âmbito de jurisdição dos Julgados de Paz está limitado às matérias taxativamente previstas no artigo 9.º e cujo valor não exceda os 15.000,00 euros (artigos 6.º, n.º 1, 8.º e 9.º, n.ºs 1, 2 e 3, da LJP).

O sentido e alcance do artigo 38.º da Lei dos Julgados de Paz Pela análise do artigo 38.º da LJP poderá surgir a seguinte questão: Num Julgado de Paz, qual a legitimidade do Solicitador para o exercício do mandato forense no âmbito de uma ação cujo valor seja superior a 5.000,00 euros e inferior a 15.000,00 euros?

2 do CPC), embora, dadas as características dos Julgados de Paz e a pessoalidade desta representação (mais do que tecnicidade), admitimos que, se a parte estiver impedida de comparecer, pode fazer-se representar por terceiro não jurista, sem prejuízo da assistência por jurista.”. Cardona Ferreira, J. Octávio, Lei dos Julgados de Paz Anotada, Almedina, 2019, cit. pág. 170 e 172. 22 Esta assistência pressupõe a presença do próprio interessado, embora por técnico qualificado. O que se entende perfeitamente, o escopo da norma radica na preocupação do legislador em garantir que as partes ponderem, adequadamente, os seus interesses. 23 Ou seja, se a causa for suscetível de recurso ordinário tal não implicada a constituição de advogado, essa apenas é imposta se, efetivamente, for interposto o recurso. 24 Cardona Ferreira, J. Octávio, Lei dos Julgados de Paz Anotada, Almedina, 2019, cit. pág. 172.

Esta é uma questão que assoma vozes dissonantes25, havendo quem propugne a aplicação das limitações impostas ao mandato forense constantes dos artigos 40.º e seguintes do CPC por remissão do artigo 63.º da LJP26, e quem perfilhe o exercício do mandato forense despojado de tais limitações. Não partilhamos da posição que advoga as barreiras emergentes do CPC que mitigam a práxis do patrocínio judiciário27, uma vez que não faz jus à génese e aos princípios que devem nortear os Julgados de Paz. Ora, será necessária uma interpretação sistemática28 para que não se reduza o alcance da norma a uma problemática: permitir que as partes possam intervir sozinhas em juízo, mas já não possam ser acompanhados por Solicitador. Damos nota de um parecer da Ordem dos Advogados no seguimento do qual a “Juíza de paz proferiu despacho a julgar a irregularidade do mandato porquanto o Advogado-Estagiário não tinha competência para estar em juízo sem a presença do seu patrono, nos termos do art.º 196º do Estatuto da Ordem dos Advogados”29. Pese embora o fundamento invocado para tal irregularidade do mandato tenha sido nos termos do artigo 196.º do EOA, a posição adotada pela relatora vai de encontro com a nossa: “Isto é, se o ordenamento jurídico permite “o mais”, isto é, o cenário de maior liberdade possível de representação em juízo, em que a mesma é assegurada pelo próprio interessado, por que razão deve o mesmo ordenamento jurídico impedir “o menos”, isto é, o acompanhamento do interessado em juízo, por parte de um Advogado Estagiário?”30 31. Ou seja, a relatora lançou mão (e bem, diga-se) do argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais, também permite o menos. Também Cardona Ferreira: “Mas, seja como for, nada impede a presença, designadamente, de advogados e de solicitadores, em quaisquer atos dos Julgados de Paz. Mais. A nosso ver, essa presença é desejável e desejada. Portanto, se os profissionais forenses entendem que é conveniente a sua presença são bem-vindos.”32 .

25 Esta é uma conclusão a que chegamos através da troca de pareceres com profissionais do foro, docentes das ciências jurídicas e pela análise da escassa doutrina que versa sobre a divergência em apreço. 26 Na parca doutrina, veja-se: José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, Lei dos Julgados de Paz Anotada, Quid Juris, 2017, pág. 250. 27 Paulo Cortesão também não perfilha de tal posição: “Esta limitação não ocorre no âmbito dos Julgados de Paz, uma vez que a constituição de mandatário, como vimos, não é obrigatória, pelo que o Solicitador pode sempre intervir, independentemente do valor da ação. Se assim é, entendemos que fará todo o sentido prover a uma alteração legislativa, no sentido de possibilitar a atuação dos Solicitadores nas causas com um valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, até ao limite da alçada dos Julgados de Paz atualmente de 15.000,00€”. – vd. Granadeiro Cortesão, Paulo Miguel Antunes, Os Julgados de Paz versus os Tribunais Judiciais - as diferenças de organização e tramitação processual, Tese de Mestrado em Solicitadoria – Politécnico do Porto - Escola Superior de Tecnologia e Gestão, 2016, pág. 37. 28 Resulta do disposto no artigo 42.º do CPC que “nas causas em que não seja obrigatória a constituição de Advogado, podem as próprias partes pleitear por si e ser representadas por advogados estagiários e por solicitadores”. Assim, não sendo obrigatória a constituição de Advogado, a parte e o Solicitador poderão intervir. 29 Processo de Parecer nº: 4/PP/2021-G da Relatora Dra. Margarida Simões, disponível em: https://portal.oa.pt/media/134146/proc-parecer-n%C2%BA-4-pp-2021-g.pdf 30 Idem, cit., ponto 37 da página 13 do Parecer mencionado. 31 Note-se que pela conjugação do artigo 196.º, n.º 1, alínea a), do EOA, e do artigo 1.º, n.º 5, alínea a), da LAPAS, os Advogados Estagiários só se encontram habilitados a exercer o mandato forense nos mesmos termos que os Solicitadores se encontram habilitados a exercê-lo, ou seja, exclusivamente no âmbito de ações judiciais cujo valor não exceda os 5.000,00€. 32 Cardona Ferreira, J. Octávio, Lei dos Julgados de Paz Anotada, Almedina, 2019, cit. pág. 172.

Assim sendo, o Solicitador tem a possibilidade de intervir nas causas que corram termos num Julgado de Paz em que o valor da ação seja superior a 5.000,00 euros e inferior a 15.000 euros. Nessa senda, o artigo 62.º, n.º 1 da LJP dispõe que as decisões proferidas nos Julgados de Paz cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância (isto é, 2.500,01 euros por força do artigo 44.º da LOSJ) podem ser impugnadas por meio de recurso, a interpor para a secção competente do tribunal de comarca em que esteja sediado o Julgado de Paz. O preceituado no citado artigo faz-nos levantar outra questão: estará o legislador a reconhecer ao Solicitador a idoneidade e as valências necessárias enquanto mandatário em ações até 15.000 euros nos Julgados de Paz, mas não para interpor recurso de uma ação no valor de 2.500,01 euros? Esta é uma questão controversa, pois efetivamente o legislador previu taxativamente a necessidade de constituição de advogado para a interposição de recurso (cfr. n.º 3 do artigo 38.º da LJP). Tamanha questão proclama um olhar mais atento num futuro próximo, da nossa parte, deixamos o nosso parecer como contributo a varrer tal ambiguidade.

No futuro, mais vale prevenir do que remediar? Somos aliados da ávida firmeza com que Cardona Ferreira defende a criação de Julgado de Paz de 2º grau ou de 2ª instância33, à semelhança da Turma Recursal dos Juizados Especiais brasileiros.34 De facto, enquanto o Julgado de Paz de 2.º grau não é criado, compreende-se que o Tribunal ad quem seja um judicial, pois os judiciais são Tribunais comuns, designadamente, em matéria cível (artigo 211.º, n.º 1 da Constituição da Républica Portuguesa)35 . Ora, a composição de um Julgado de Paz de 2.º grau poderá ser tida como uma oportunidade (entre outras) de eliminar esta ambivalência alojada à figura do Solicitador – é reconhecida a sua aptidão e mestria enquanto mandatário em ações cujo valor ascenda até 15.000 euros, mas já não é apto o suficiente para recorrer de uma decisão no valor de 2.500,01 euros (ou mais). Dessa forma, no nosso entender, a criação de um Julgado de Paz de 2.º grau poderá ser a “porta” de entrada para a uniformização da figura do Solicitador nesta jurisdição, prevendo a obrigatoriedade de as partes constituírem Advogado ou Solicitador na fase de recurso (para a 2.ª instância do Julgado de Paz). Mais ainda, a jusante de tal alteração legislativa, também se deverá prover à alteração do artigo 38.º da LJP, com

33 (...) os Julgados de Paz não podem ser um sub-sistema incoerente com sua inserção intrínseca nos Meios Alternativos. Por isso me parece que deveriam vir a ter competência executiva, desde logo das suas próprias decisões (sem prejuízo da revisão geral do processo executivo), certa competência penal (sem aplicabilidade de penas de prisão) e estrutura recursória própria, além de possível alargamento de competência declarativa cível. A minha visão dos Julgados de Paz vai no sentido de os aproximar mais dos Juizados Especiais brasileiros que lhe serviram de paradigma.” - Cardona Ferreira, J. Octávio, “Julgados de Paz e os Litígios de Consumo” 4 Estudos de Direito do Consumidor (2002), pág. 85. 34 Sobre a temática vide - Russo, Álana Pereira, Julgados de Paz e Juizados Especiais Cíveis: Breve análise comparativa, in Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política, N.º 11, 2018. 35 Cfr. Cardona Ferreira, J. Octávio, Lei dos Julgados de Paz Anotada, Almedina, 2019, cit. pág. 243.

o intuito de clarificar a atuação dos Solicitadores nas causas com um valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, até ao limite da alçada dos Julgados de Paz. Alcançamos que tal criação e restruturação deverá ser precedida de consulta pela Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, pois esta é a instituição que melhor saberá desmistificar uma visão exígua dos Solicitadores que, não raras vezes, paira sobre estes profissionais do foro. Sentimos que o mundo jurídico deixa constatar que existe uma oposição e ceticismo (nem sempre velado), em relação aos Solicitadores. Esta postura parcamente tolerante ao reconhecimento da profissão advém, julgamos, do desconhecimento destes profissionais e do receio de promoverem a dispensa de outros operadores judiciários. Ousamos, inclusive, insinuar que a desconfiança é diretamente proporcional ao desconhecimento. É insofismável que o Solicitador é uma pedra angular da administração da Justiça, daí que se propugne a sua intervenção direta e coerente no âmbito da resolução alternativa de litígios, mormente, nos Julgados de Paz.

Considerações finais Em suma, tudo visto e ponderado, claro ficou que o patrocínio forense por Solicitador na Justiça Alternativa obedece a regras distintas daquelas que regulam a via tradicional (tribunais judiciais). Desse modo, sendo a regra geral a não obrigatoriedade de constituição de mandatário, as partes que optem por fazê-lo, poderão escolher para o efeito um Solicitador. Cada vez mais os profissionais do foro vão reconhecendo à mediação e aos Julgados de Paz as suas vantagens, havendo uma onda crescente destes profissionais com uma veia restaurativa do conflito. Dar a conhecer aos seus constituintes alternativas aos métodos tradicionais é primar por uma mudança de paradigma, devolvendo aos cidadãos a crença de uma Justiça confiável e eficaz. A mediação e os Julgados de Paz não visam apenas o apoio à realização da justiça, desde logo, por comportarem uma vertente pedagógica enquanto sistemas para ensinar os cidadãos de forma pacífica a resolverem os seus conflitos pelos seus próprios meios, através do diálogo e da negociação, pois baseia-se na ideia de que a responsabilidade de resolver a contenda é dos próprios contendores, e não tanto para que os poderes públicos se subtraiam da sua responsabilidade de alcançar a paz social, mas de devolver aos cidadãos a competência na gestão dos seus próprios assuntos36 . Em Portugal, a curtos passos, a mediação vai lutando pelo seu merecido destaque. Para tal, o legislador previu que esta possa contar com a ajuda de um profissional competente e com um contacto privilegiado com o cidadão comum. Com efeito, alvitramos que é indispensável

36 Cfr. Mejias Gómez, La mediación como forma de tutela judicial efetiva, Madrid, El Derecho Y Quantor SL, 2009, p. 37.

que a mediação seja capaz de dar uma resposta em conformidade com esse voto de confiança por parte do Solicitador. Relativamente aos Julgados de Paz, a questão não está livre de controvérsia, existindo incongruências na forma como esta jurisdição concebeu e reconheceu o Solicitador. Na prática, a questão reconduz-se a saber se, o Solicitador poderá ser mandatário nas causas que corram termos nos Julgados de Paz até ao limite da sua alçada, atualmente de 15.000,00 euros, ou, a sua atuação é coartada até aos 5.000,00 euros por aplicação das regras constantes dos artigos 40.º e seguintes do CPC. Salvo melhor entendimento, pelas já expostas razões, defendemos que, o Solicitador nos Julgados de Paz atua até ao limite da alçada desta jurisdição. Parece-nos que é essa a solução que resulta da lei e da doutrina dominante. Quantas vezes o intérprete e o aplicador das leis têm de harmonizar o que, ao que parece, se encontra desarmonizado… Ainda assim, por aqui não fica a dúbia conceção deste profissional. Pois se por um lado entendeu-se que o Solicitador tem os conhecimentos necessários de Direito e as qualificações adequadas a acompanhar o seu constituinte até 15.000,00 euros, por outro, esses conhecimentos e qualificações já não são bastantes para a interposição de recurso de uma decisão que perfaça o valor de 2.500,01 euros. Cremos que se deve proceder a uma uniformização e correção destas questões suscitadas. Quiçá, num futuro próximo, seja tida em conta a nossa reflexão aqui vertida. Certo é, outrossim, que não queremos um cego apologismo ao Solicitador. Pretendemos sim, que se dissipe a forma como certas previsões legislativas camuflam a sua apreensão num ceticismo e antagonismo reacionários. Ademais, era e é, imperativo que ao abordar os MRAL, se refira à intervenção do Solicitador nos mesmos termos e idoneidade com que se enuncia o Advogado.

Bibliografia citada

Cardona Ferreira, J. Octávio, Lei dos Julgados de Paz Anotada, Almedina, 2019. Cardona Ferreira, J. Octávio, Julgados de Paz e os Litígios de Consumo, 4 Estudos de Direito do Consumidor, 2002. Carvalho, Tiago Vitória, A mediação familiar e o papel do Solicitador, in Revista Sollicitare – N.º 33 – 2022. Cruz, Rossana Martingo, A mediação familiar como meio complementar de Justiça, Almedina, 2018. Cruz, Rossana Martingo, O papel do advogado na mediação familiar – uma observação crítica à realidade portuguesa, in Revista Electrónica de Direito – outubro 2015 – n.º 3. França Pitão, José António / França Pitão, Gustavo, Lei dos Julgados de Paz Anotada, Quid Juris, 2017. Gouveia, Mariana França, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, Almedina, 2018. Granadeiro Cortesão, Paulo Miguel Antunes, Os Julgados de Paz versus os Tribunais Judiciais - as diferenças de organização e tramitação processual, Tese de Mestrado em Solicitadoria – Politécnico do Porto - Escola Superior de Tecnologia e Gestão, 2016; acessível em: https://recipp.ipp.pt/handle/10400.22/10060 Lopes, Dulce / Patrão, Afonso, Lei da Mediação Comentada, Almedina, 2014. Martín Diz, Fernando, Mediación en derecho privado: nuevas perspectivas prácticas, in Revista General de Derecho Procesal, n. º 33, 2014. Mejias Gómez, La mediación como forma de tutela judicial efetiva, Madrid, El Derecho Y Quantor SL, 2009. Pais do Amaral, Jorge Augusto, Direito Processual Civil, Almedina, 2020. Russo, Álana Pereira, Julgados de Paz e Juizados Especiais Cíveis: Breve análise comparativa, in Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política, N.º 11, 2018. Troisi, Claudia, La mediazioni familiare in Italia, in Quaderni di Conciliazione, n.º 3, 2012.

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