Sollicitare n.º 23

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EDIÇÃO N.º 23 \ JUNHO – SETEMBRO 2018 \ €2,50

ENTREVISTA COM

MARIA LÚCIA AMARAL PROVEDORA DE JUSTIÇA À CONVERSA COM

FILIPE LA FÉRIA

A vida sobre o palco REPORTAGEM

PORTO DE LEIXÕES

Num país virado para o mar

ENTREVISTA COM O MINISTRO DAS FINANÇAS

MÁRIO CENTENO Os números de um país que quer continuar a crescer


FICHA TÉCNICA

Sollicitare

ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Diretor José Carlos Resende Editor Luís Goes Pinheiro Chefe de Redação Rui Miguel Simão Redatores principais Ana Filipa Pinto e André Silva Colaboram nesta edição: Ana Paula Gomes da Costa, Armando Matias, Débora Riobom dos Santos, Diana Andrade, Francisco Miranda Rodrigues, Francisco Serra Loureiro, Marcelo Ferreira, Miguel Ângelo Costa, Neusa Silva, Nuno de Oliveira Fernandes, Pedro Afonso, Samuel Sousa, Susana Almeida, Vítor Ferreira Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf, Artes Gráficas, SA Tiragem: 7 900 Exemplares Periodicidade: Quadrimestral ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes. Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.

EDIÇÃO N.º 23 \ JUNHO – SETEMBRO 2018

REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

BASTONÁRIO José Carlos Resende ASSEMBLEIA GERAL PRESIDENTE: Armando Oliveira (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Paulo Branco (Braga) 2ª SECRETÁRIA: Ana Filipa da Silva (Seixal) CONSELHO GERAL PRESIDENTE: José Carlos Resende (Viana do Castelo) 1º VICE-PRESIDENTE: Paulo Teixeira (Matosinhos) 2º VICE-PRESIDENTE: Armando A. Oliveira (Braga) 3ª VICE-PRESIDENTE: Edite Gaspar (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Rui Miguel Simão (Lisboa) 2ª SECRETÁRIA: Rute Baptista Pato (Benavente) TESOUREIRA: Vanda Santos Nunes (Barreiro) VOGAIS: João Coutinho (Figueira da Foz), Carla Franco Pereira (Évora) Ana Paula Gomes da Costa (Sintra), Maria José Almeida Ricardo (Lisboa) Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz) CONSELHO SUPERIOR PRESIDENTE: Carlos de Matos (Lisboa) VOGAIS: Mário Couto (Vila Nova de Gaia), Maria dos Anjos Fernandes (Leiria) Otília Ferreira (Lamego), José Guilherme Pinto (Maia), Neusa Silva (Viseu) Valter Jorge Rodrigues (Moita), Margarida Carvalho (Lisboa), Alberto Braz (Coimbra) Susana Pinto (Felgueiras), Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira) CONSELHO FISCAL PRESIDENTE: Miguel Ângelo Costa (Barcelos) SECRETÁRIO: João Francisco Lameiro Pinto (Sesimbra) VOGAL: Mazars & Associados, Sroc, S.A. CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES PRESIDENTE: Júlio Santos (Silves) VICE-PRESIDENTE: Fernando Rodrigues (Matosinhos) VOGAIS: Marco Antunes (Vagos), Lénia Conde S. Alves (Leiria), Christian Pedrosa (Almada) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO PRESIDENTE: Jacinto Neto (Loures) VICE-PRESIDENTE: Mara Fernandes (Lisboa) VOGAIS: Marco Santos (Trofa), Susana Rocha (Matosinhos) Nelson Santos (Marinha Grande) CONSELHO REGIONAL DO PORTO PRESIDENTE: Duarte Pinto (Porto) SECRETÁRIA: Alexandra Ferreira (Porto) VOGAIS: Elizabete Pinto (Porto), Nuno Manuel de Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira) Delfim Costa (Barcelos) CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA PRESIDENTE: Anabela Veloso (Santa Comba Dão) SECRETÁRIO: Leandro Siopa (Pombal) VOGAIS: Edna Nabais (Castelo Branco), Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede) Graça Isabel Carreira (Alcobaça) CONSELHO REGIONAL DE LISBOA PRESIDENTE: João Aleixo Cândido (Seixal) SECRETÁRIO: António Correia Novo (Portalegre) VOGAIS: Natércia Reigada (Lagos), Maria José Santos (Silves) Carlos Botelho (Almada) Estatuto editorial disponível em: http://osae.pt/pt/pag/osae/estatutos-editoriais/1/1/1/361


EDITORIAL

A

nossa revista dá capa ao Senhor Ministro das Finanças e Presidente do Eurogrupo, Mário Centeno. Independentemente das opções políticas, é indiscutível que o nosso entrevistado tem surpreendido os portugueses e os europeus pelos resultados alcançados, elevando a autoestima e o otimismo do país. Quanto às restantes entrevistas que marcam este número, realçamos a de Maria Lúcia Amaral, Provedora de Justiça, que evidencia a utilidade dos serviços de Provedoria, tão relevantes e tão próximos dos cidadãos. Também não poderia deixar de destacar a entrevista concedida por Rui Manuel de Figueiredo Marcos, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que nos guia pela história desta instituição. Ainda no contexto da Justiça, neste número ficamos a saber mais sobre o funcionamento de um centro de arbitragem de conflitos de consumo graças à entrevista com Pedro Sousa, Diretor do TRIAVE. Conversámos também com o colega Carlos de Matos, atual Presidente do Conselho Superior da nossa Ordem, que, numa entrevista feita em “casa”, traçou metas e definiu objetivos para este mandato. Num outro âmbito, igualmente importante, tenho ainda de realçar a entrevista a Filipe La Féria, responsável por iniciativas de grande êxito no meio artístico e que tem provado o quão viva está a cultura em Portugal. Sobre a vida da nossa Ordem, merece especial realce a notícia sobre o protocolo celebrado com a Direção-Geral do Território, na presença do Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes. Este protocolo concretizou, finalmente, a possibilidade de os solicitadores assumirem as funções de técnico de cadastro, aproveitando a sua experiência e conhecimento profissionais e os cursos de GeoPredial, sem prejuízo de ainda terem de fazer formação complementar. No momento em que estamos também a celebrar um protocolo de colaboração com o Instituto de Registos e Notariado, no âmbito do projeto piloto BUPi, a acontecer em 10 concelhos e nos quais já estão disponíveis cerca de 50 solicitadores que irão estudar novas soluções de identificação geográfica dos prédios, relembro as

José Carlos Resende Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

palavras do Ministro do Ambiente, proferidas no encerramento da cerimónia, pelas quais reconheceu o carácter pioneiro da nossa Ordem nesta matéria. A verdade é que, muito antes das catástrofes dos incêndios de 2017, apresentámos soluções práticas e viáveis para resolver o problema do cadastro em prazos razoáveis. A nossa revista olha para a Justiça e para o resto do país. Por isso, tem diversos artigos de interesse para os associados e para qualquer cidadão que a folheie. Este número embarca em reportagens como a que ilustra o funcionamento do Porto de Leixões, a que nos dá a conhecer o dia a dia a bordo de um elétrico da Carris, aquela que deixa saborear um gelado Santini ou a que nos leva a outra pate do globo sem sairmos do Alentejo graças a uma visita ao Badoca Safari Park.

"(...) para que o futuro seja maior, temos que estar atentos ao presente e ao que à nossa volta se passa. Só assim poderemos antecipar alternativas, soluções e novas metas."

Foi com especial emoção que li a entrevista do antigo Presidente do Conselho Geral da então Câmara dos Solicitadores, Carapeto Graça. É maravilhoso como, com uma simplicidade ímpar, nos traçou um retrato do que foi a profissão de Solicitador. Sem preconceitos quanto aos mais novos e a um futuro feito de desafios tecnológicos e não só, este Colega, para além de muito ensinar, inspira qualquer um que hoje queira dar o primeiro passo na construção de uma carreira. Aliás, termino com um conselho da sua autoria: para que o futuro seja maior, temos que estar atentos ao presente e ao que à nossa volta se passa. Só assim poderemos antecipar alternativas, soluções e novas metas. : :

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Sollicitareíndex N.23 \ JUNHO – SETEMBRO 2018

MÁRIO CENTENO

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Ministro das Finanças Entrevista

PORTO DE LEIXÕES

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Com vista para o mundo Reportagem

MARIA LÚCIA AMARAL

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Provedora de Justiça Entrevista

CARLOS DE MATOS

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Presidente do Conselho Superior da OSAE Entrevista

Fotografia capa: Cláudia Teixeira

EDITORIAL PROFISSÃO Solicitadores: A terra é a sua praia RGPD. A consciencialização de um direito Verificação Não Judicial Qualificada O Registo Central do Beneficiário Efetivo e o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo Solicitadores Ilustres: Avelino Paredes A tecnologia ao seu dispor OSAE IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução / Bragança e Vila Real OSAE e DGT celebram protocolo José Carlos Resende eleito vice-presidente da UEHJ OSAE acolhe reunião do CNOP com Secretária de Estado Adjunta e da Justiça

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21 31 39

46 70 80

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Labor Improbus Omnia Vincit

ELÉTRICOS DA CARRIS

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O Amarelo de Lisboa Reportagem

RUI MANUEL DE FIGUEIREDO MARCOS

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Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Ensino Superior

FRANCISCO ANTÓNIO CARAPETO GRAÇA Antigo Presidente do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores

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Entrevista

FILIPE LA FÉRIA

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Encenador e Dramaturgo Cultura

ENTREVISTA Pedro Sousa Diretor do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave / Tribunal Arbitral – TRIAVE SOCIEDADE A insolvência e as criptomoedas O fim do anonimato na lei da procriação medicamente assistida A Colónia da Colonia Festival Eurovisão da Canção / All aboard! ORDENS Os Psicólogos na tomada da decisão financeira

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40 58 64 83

REPORTAGEM Gelados Santini Com sabor a felicidade Badoca Safari Park Cuidar da vida

60 74

SUGESTÕES Livros Jurídicos Sugestões de leitura: Ler e refletir

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ROTEIRO GASTRONÓMICO Restaurante “Lenda Viriato” Restaurante “Volta & Meia”

84 85

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52 VIAGENS Viseu, a minha terra! Moçambique Eu, certamente, voltarei.

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ENTREVISTA

“Sabemos que este caminho ainda não terminou”

MÁRIO CENTENO MI N I STRO DAS FINANÇAS

Foi chamado para, com os números, ajudar a construir o futuro do país. Entende-se com eles e, como se numa aula estivesse, é com serenidade e um sorriso que faz tudo parecer mais simples. Falamos de Mário Centeno, Ministro das Finanças de Portugal, Presidente do Eurogrupo, e, segundo Wolfgang Schäuble, o “Ronaldo do Ecofin”. Os ralhetes do passado deram lugar ao reconhecimento e, hoje, num país que se sente campeão, Mário Centeno está certo que a situação financeira é alvo do interesse dos cidadãos nacionais, a quem defende que Governo tem que prestar contas. Por isso, é com otimismo e pés assentes na terra que aponta o caminho ainda por percorrer até ao “porto seguro”, relembrando as conquistas já alcançadas e que, segundo as suas contas, resultam, acima de tudo, da soma dos esforços de todos os portugueses. Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

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Qual o primeiro sentimento que recorda como estando associado ao momento em que recebeu o convite para abraçar este cargo? Senti, naturalmente, orgulho e um reconhecimento de todo o meu percurso anterior quando o convite me foi dirigido. E senti, também, uma enorme responsabilidade por assumir este cargo num período difícil da história do país. Era claro que as Finanças iriam ser uma das áreas com maior pressão e maior escrutínio da ação do novo Governo. E continuam a sê-lo. Mas conseguimos provar que a nossa visão estava correta, desde o primeiro momento, com o programa de Governo apresentado. Recordo que a minha colaboração com a equipa que esteve na origem deste Governo começou algum tempo antes da sua formação. Tive o orgulho de ser o coordenador de um grupo de economistas que delineou o programa económico com que o PS se apresentou às eleições de 2015 e que esteve na base, mais tarde, do programa de Governo. Portugal passou a ser olhado como um exemplo. O que mudou? Cumprimos e, ao fazê-lo, credibilizamos a condução da política económica. Havia uma longa tradição de incumprimento no domínio das finanças públicas e das previsões económicas por parte de sucessivos Governos em Portugal. E este Governo tem cumprido com as metas que propôs. Isso tem valor, desde logo em Portugal, mas também na Europa. Apesar de estar muito satisfeito com o crescimento económico que o país tem vivido, que se reflete no aumento

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significativo do emprego, e essa é uma dimensão fundamental daquilo que está a acontecer, tudo isto estava previsto no programa económico que apresentámos em abril de 2015. Tivemos a coragem de ir a eleições com um conjunto de informação muito transparente e muito detalhada, como nunca tinha ocorrido antes. Espero que este precedente seja também um legado, que tenha continuidade no futuro, o país precisa que os Governos fundamentem a sua ação. O que tem vindo a acontecer em Portugal deve-se ao trabalho e ao esforço de todo o Governo, da estrutura da Administração Pública e, acima de tudo, de todos os portugueses. E eu creio que isso é reconhecido.

O otimismo dos portugueses também contribui para o crescimento económico? O crescimento económico resulta da conjugação de diversos fatores que reúnem a confiança interna e externa, de investidores e famílias, como um desses fatores. A teoria económica debruça-se sobre esta questão da confiança mas eu gostaria de referir um exemplo concreto: a redução e a estabilização dos custos de financiamento do país, cujos benefícios são sentidos pelo Estado, mas também pelas empresas e pelas pessoas individualmente consideradas. Esta redução das taxas de juro está diretamente associada ao aumento da confiança. Sendo certo que as taxas a que os agentes económicos portugueses se financiam resultam de vários fatores que


ENTREVISTA COM MÁRIO CENTENO

O que tem vindo a acontecer em Portugal deve-se ao trabalho e ao esforço de todo o Governo, da estrutura da Administração Pública e, acima de tudo, de todos os portugueses. E eu creio que isso é reconhecido.

não controlamos a nível nacional, nomeadamente a atuação do BCE, as taxas a que os vários países da zona euro se financiam não são as mesmas, ou seja, há fatores intrínsecos a cada país. E variam no tempo. O que observámos no caso português, no último ano e meio, fruto da nossa ação coletiva, foi a saída do Procedimento por Défice Excessivo, a melhoria dos ratings por parte das principais agências de notação financeira e o cumprimento de todos os objetivos orçamentais – tudo isto teve um impacto nos juros. Isso é confiança em Portugal. E isso traduziu-se na poupança de milhões de euros para todos os agentes económicos, libertando recursos que podem ser aplicados noutras finalidades, mas também no acesso mais fácil e mais barato a financiamento para novos projetos de investimento. O caso das Obrigações do Tesouro a 10 anos é paradigmático: em março de 2017 estavam a 4%. Hoje estão a 1,8%. Só no caso do Estado, e só em 2017, as poupanças em juros face ao cenário estimado no Orçamento do Estado foram de 458 milhões de euros.

Hoje é, também, Presidente do Eurogrupo. Qual o significado desta eleição tendo em conta que representa um país que, muito recentemente, espelhava um clima de crise económica? Significa que a Europa reconhece o caminho que temos vindo a fazer e que tem confiança em Portugal. Mas apenas alcançámos estes resultados porque as políticas implementadas tiveram impacto e o país reagiu a essas políticas.

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Podemos afirmar que, hoje, a Justiça, procurando simplificar o acesso, agilizar os seus procedimentos e tendo a eficácia como uma prioridade, se assume como uma peça fundamental neste puzzle que é garantir um crescimento económico sustentável? A justiça é uma das instituições fundamentais para um crescimento económico sustentável. Os dados revelam que os processos pendentes, quer nos tribunais judiciais de primeira instância, quer nos tribunais administrativos e fiscais, têm registado uma redução nos últimos dois anos. Ainda existe um caminho a percorrer, mas eu prefiro focar-me nesta melhoria, que é resultado da política que tem vindo a ser seguida na área da justiça. Portugal tornou-se num postal turístico muito cobiçado. Apesar dos investimentos necessários, podemos dizer que o Turismo é uma fonte de receita importante para o país? O turismo é, inegavelmente, uma importante fonte de receitas para o país. É um setor em que somos particularmente competitivos em termos internacionais e em que temos que continuar a apostar ressalvando, como em qualquer atividade económica, eventuais efeitos negativos, como o da sobre-especialização. Mas o nosso crescimento não se tem feito exclusivamente à custa de turismo, tem sido um crescimento diversificado.

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Se é certo que as exportações de serviços, que incluem o turismo, aumentaram quase 11% em 2017, as exportações de bens cresceram cerca de 7%. O investimento aumentou 9%. São números significativos.

Em dois anos surgiram vários motivos de festejo e de reconhecimento do país em áreas distintas. Que impactos têm conquistas como a vitória no Europeu de Futebol ou na Eurovisão? Essas conquistas têm um impacto positivo no nosso estado de espírito coletivo. Também vivemos destas coisas. Mas essas conquistas, que parecem momentâneas, resultam de um esforço geralmente prolongado no tempo e, muitas vezes, invisível. São o reconhecimento desse esforço e transmitem uma ideia positiva do nosso país, quer interna, quer externamente. Mas recordo uma sondagem que surgiu há uns tempos em que perguntavam qual destes três eventos era mais valorizado: a saída do Procedimento por Défices Excessivos, a vitória na Eurovisão ou a vitória no Europeu de futebol. A resposta que reuniu maior percentagem de votos foi a saída do Procedimento por Défices Excessivos. Isto mostra como as pessoas estão cada vez mais atentas e valorizam a situação económica e financeira do país. Uma sondagem recente demonstra que 75 % dos portugueses gostariam de o encontrar num próximo


ENTREVISTA COM MÁRIO CENTENO

Comunicámos claramente aos portugueses o que tencionávamos fazer. Os resultados económicos e, sobretudo, os impactos na vida dos portugueses estão à vista: mais emprego, mais rendimento disponível por via dos aumentos salariais e das alterações a nível de IRS e de IVA, melhores perspetivas de futuro.

Governo. Como justifica este número tão positivo em relação ao Ministro associado às matérias “menos amadas”? Podemos dizer que o exercício deste cargo passa também por saber comunicar decisões? A confiança aumenta, mas a responsabilidade também? Sente que há uma maior compreensão da dimensão do desafio governativo? Mais que os resultados da sondagem, que prefiro não comentar, quero fazer referência à valoração positiva, que me parece ser maioritária na sociedade portuguesa, em relação às políticas que têm vindo a ser implementadas.

Comunicámos claramente aos portugueses o que tencionávamos fazer. Os resultados económicos e, sobretudo, os impactos na vida dos portugueses estão à vista: mais emprego, mais rendimento disponível por via dos aumentos salariais e das alterações a nível de IRS e de IVA, melhores perspetivas de futuro. Sabemos que este caminho ainda não terminou. Apesar de a economia portuguesa estar mais resiliente, ainda temos um elevado volume de dívida pública, o que nos coloca numa situação de grande vulnerabilidade do ponto de vista da política orçamental em relação a qualquer choque externo. Não acredito que haja algum português que queira repetir a experiência que vivemos entre 2011 e 2015. E, para isso, temos de chegar a um “porto seguro”, expressão que já usei anteriormente para definir uma situação em que a política orçamental em Portugal possa reagir às condições económicas sem colocar em causa a estabilidade e a sustentabilidade das contas públicas. Os portugueses passaram a interessar-se pela situação das contas públicas de uma forma que não sucedia antes. E eu atribuo, mais uma vez, o resultado dessa sondagem a esse interesse e ao reconhecimento do caminho que tem vindo a ser percorrido. : :

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REPORTAGEM

QUEM VÊ DE FORA, NÃO IMAGINA A DIMENSÃO DO QUE ESTÁ LÁ DENTRO. SÃO MILHARES DE NAVIOS E PESSOAS, MILHÕES DE TONELADAS DE MERCADORIAS, QUILÓMETROS DE ESTRADAS E LINHAS FÉRREAS. É O RIO LEÇA E O OCEANO ATLÂNTICO. TUDO ISTO CABE DENTRO DO PORTO DE LEIXÕES.

PORTO DE LEIXÕES

COM VISTA PARA O MUNDO Texto Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Rui Santos Jorge / assista ao vídeo em www.osae.pt

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V

irado para o mar, de olhos postos no horizonte, o Porto de Leixões é mais uma ponte que liga Portugal ao mundo, todos os dias. “Em termos de navegação, o Porto de Leixões está aberto 365 dias por ano, 24 horas por dia”, explica fonte da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo. Sim, porque, por aqui, também se faz a gestão do Porto de Viana do Castelo e da via navegável do rio Douro. Neste porto, em 2017, foram movimentadas 19,5 milhões de toneladas – sendo o segundo porto português com mais movimento, só ultrapassado pelo Porto de Sines. Foram 2782 os navios que aqui carregaram e descarregaram as suas mercadorias. Daqui exportou-se para 184 países. E aqui fizeram escala cerca de 95 mil passageiros. Como se consegue, então, explicar todo este movimento contabilizado em milhares e milhões? “A região norte concentra grande parte da indústria portuguesa. Somos o principal porto português no que diz respeito a exportação. E é assim pela região onde estamos inseridos.”, afirmam. Um dos segredos do sucesso do Porto de Leixões é o leque alargado de ligações a portos de transhipment, ou seja, portos de transbordo. Assim se garante que de Matosinhos possa sair carga para qualquer zona do globo. “Por exemplo, criar uma ligação direta ao Brasil que ocorra de 15 em 15 dias tem um interesse limitado. A maior parte das empresas tem mais interesse que essa ligação seja diária. E isso resolve-se através de um porto de transhipment. Toda esta rede de conectividade permite oferecer à região ligações diárias para todo o mundo.” Mas há mais: “Hoje em dia é possível sair do Porto de Leixões e entrar na rede de autoestradas sem passar por nenhum semáforo. Temos cerca de dois mil camiões a entrar e a sair todos os dias aqui do porto, é importante que os acessos sejam bons. A isto juntamos, ainda, o comboio, que se encontra ligado à rede geral do país, e o facto de estarmos a cinco quilómetros do Aeroporto Internacional Francisco Sá Carneiro”. É caso para dizer que o centro do mundo bem podia ser aqui. E tudo é coordenado como se de uma dança se tratasse. Na zona de planeamento, todos os movimentos e manobras dos navios são definidos com antecedência. “Na zona de planeamento, podemos ver os navios que estão no porto e saber quais as manobras que eles têm de fazer. Aqui é onde gerimos todos os passos do navio. Ainda conseguimos perceber quais os navios que estão na nossa zona costeira e, também, controlar o porto de Viana do Castelo e a via navegável do Douro.” Mas a dança, no Porto de Leixões, não fica limitada a este palco. O carregamento dos contentores obedece a uma coreografia em que todos dominam os passos ao milímetro. “Carregar um contentor é relativamente rápido. Tudo está planeado. Existe uma lista que define a ordem de embarque dos contentores e o parque dos contentores está sempre a ser movimentado para otimizar o embarque. Mesmo durante a noite, os contentores estão em movimento para que, no dia

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seguinte, tudo seja ainda mais rápido.” E é rápido. De acordo com os dados da APDL, falamos do carregamento de cerca de 30 contentores por hora. Ou seja, cada contentor demora dois minutos, em média, a ser carregado para o navio por braços gigantes feitos de força e tecnologia. Seja o aço ou o granito, o petróleo ou os produtos refinados, a estilha de madeira ou a sucata de ferro. O controlo é constante e a vários níveis, tudo para que a presença do porto na cidade seja encarada como uma mais-valia para a vizinhança. “Temos várias câmaras espalhadas pelo espaço. Fazemos o controlo também do ruído e das partículas. Estamos em plena cidade de Matosinhos e muito perto da população. Temos de garantir o menor impacto na vida das pessoas. É a forma que temos de respeitar o meio onde estamos inseridos. Acreditamos que tem de existir uma boa convivência, temos de ser bons vizinhos.”

Foram 2782 os navios que aqui carregaram e descarregaram as suas mercadorias. Daqui exportou-se para 184 países. E aqui fizeram escala cerca de 95 mil passageiros.

O movimento às portas do Porto de Leixões é enorme. Camiões que entram e saem. Impossível contá-los. E também não será preciso já que os serviços, sejam humanos ou tecnológicos, garantem que nada escapa ao planeamento definido. Assim que o motorista põe a roda do seu camião dentro do porto, já sabe qual o seu lugar na tal coreografia que tão bem se dança aqui dentro. É-lhes indicada a zona onde devem estacionar, onde está a carga que vão levar e ficam também a saber qual o tempo médio de espera. Para quem chega e vislumbra o mar de contentores, questiona como é possível saber qual o certo. Fácil. No canto superior de cada contentor, existe uma matrícula que o distingue de todos os outros. É a sua impressão digital. “Se colocarmos no sistema este número, sabemos qual é a carga, qual vai ser o movimento, o local onde está no parque, qual o seu destino, etc. Tudo isto faz com que as cargas e descargas se tornem mais rápidas”. Outro fator que faz deste porto um dos maiores do país é o serviço Ro-Ro. O terminal Roll-On Roll-Off oferece um serviço de embarque e desembarque de carga rolante. Do tamanho de um prédio, dentro daquele navio cabem quilómetros de carga e, em alguns, a tripulação chega a ter que andar de bicicleta. “Somos o principal porto português no tráfego Roll-On Roll-Off. Por exemplo, recebemos, recentemente, um


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dos maiores navios Ro-Ro do mundo. Só para conseguirmos ter uma ideia da dimensão e da carga que um navio deste género pode levar, se colocarmos toda a carga que está dentro do navio em linha, chegamos a ter 7 quilómetros de camiões.” Mais recentemente, com a inauguração do novo terminal de cruzeiros, o Porto de Leixões sente-se ainda mais ligado à comunidade que o tem visto crescer. “O edifício é redondo, mas depois tem dois braços: um que abraça os cruzeiros epelo qual as pessoas saem dos navios e outro que vai até à cidade, através do qual as pessoas caminham até lá.” Graças aos “braços” do terminal, que se ergue já no mar, o porto pode dizer que toca na cidade, acompanha quem chega até lá e traz quem que de longe o avista. “Isto é mais do que um terminal de cruzeiros. Esta é a atividade portuária que mais liga o porto à cidade. Esta atividade gera mais-valias para a cidade. Aqui não temos lojas e não queremos que as pessoas fiquem aqui. Queremos que vão para a cidade, que passeiem por lá, contactem com a comunidade local.” Hoje, este terminal é o primeiro rosto que os turistas conhecem, podendo, com as mãos, sentir as escamas de porcelana de um edifício que tem orgulho em ser português. O Porto de Leixões reabilitou uma zona que estava pouco aproveitada e aumentou o número e o tamanho dos cruzeiros que a cidade podia receber. Por exemplo, de acordo com os dados facultados pela APDL, só em 2017, foram 100 as escalas feitas neste porto.

Graças aos “braços” do terminal [de cruzeiros], que se ergue já no mar, o porto pode dizer que toca na cidade, acompanha quem chega até lá e traz quem que de longe o avista.

Mas muito mais se quer fazer no futuro e o porto não pode parar de evoluir, não pode encalhar. Tem de seguir viagem pelos tais mares “nunca dantes navegados”. Daqui ou para aqui. Exportado ou importado. A chegar ou a partir. Para o Porto de Leixões, o importante é ver passar, não deixar parar. Sejam as pessoas, as cargas, o tempo ou a evolução. Honrando a história do país que, a partir dele, entra no mar, neste porto as pontes, que não as levadiças, têm forma de navio. Sempre tão grandes e pesadas, flutuam com delicadeza sem magoar a dança que, numa coreografia feita de detalhes e precisão, continua perfeita. Uma dança com vista para o mundo e em que a distância parece sempre curta. : :

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Fotografia cedida pela APDL / Créditos: Egídio Santos

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ENTREVISTA

“Esta é uma instituição que protege as pessoas dos abusos de poder.”

MARIA LÚCIA AMARAL PROV E D OR A D E JU ST IÇ A

A missão, de tão natural que é, percorre o mundo e, apesar das fronteiras, faz-se compreender. Portugal não o desmente. Por cá, abraça os cidadãos e o país que tem no Provedor de Justiça “a instituição mais antiga da Terceira República”. Um facto que orgulha os que assumem este cargo, não sendo exceção a atual Provedora, Maria Lúcia Amaral, para quem “ser a primeira mulher neste cargo tem uma dimensão simbólica de júbilo”. Adaptando-se aos desafios de um presente que muda a cada instante, cuidar dos cidadãos na relação com o poder público continua a ser o dia a dia de uma equipa sempre pronta para ler uma nova carta ou e-mail, atender o telefone ou abrir a porta. Em média, 10 mil queixas por ano. E, para a atual titular do cargo, é simples justificar a continuidade da relevância desta instituição que se assume como um “veículo de Justiça informal”, que dialoga e tranquiliza, indo, se necessário, ao encontro das pessoas. Uma instituição que, a seu ver, “em qualquer parte do mundo, faz sentido se soubermos aquilo que nos une”. Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

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O que significa ser Provedor de Justiça? Ser Provedor de Justiça significa muito. Em português chama-se Provedor de Justiça, em espanhol é El Defensor del Pueblo, nos países francófonos chama-se Le Médiateur. A origem histórica da nossa instituição vem dos países escandinavos e lá o termo utilizado é Ombudsman. Este órgão está difundido por todo o mundo, tem uma presença importantíssima na América Latina, está a ter uma presença crescente em África, por exemplo. Nós falamos de uma instituição que não existe apenas em Portugal. Esta instituição representa o advogado do cidadão. E é o advogado do cidadão com dois limites. Em primeiro lugar, não advoga causas que estejam pendentes em tribunal, em caso algum. A sua ação para à porta do tribunal. Em segundo lugar, não advoga causas privadas. Por exemplo, num problema entre um casal, esse é um assunto que não cabe ao Provedor de Justiça. Mas advoga todas as causas em que o cidadão se sinta lesado nos seus direitos por ação dos poderes públicos. Esta é uma instituição que protege as pessoas dos abusos de poder. E o que significa sê-lo em Portugal? O Provedor de Justiça em Portugal é importante e significativo. É uma instituição muito enraizada na sociedade. É a instituição mais antiga da Terceira República. A nossa Constituição é de 1976, mas o Provedor da Justiça foi instituído em 1975. É uma criação do período transitório. Eu sou a décima Provedora de Justiça em 43 anos. Esta história demonstra o quão profundamente inscrita na sociedade está esta instituição. E o número de queixas que temos durante todo o ano comprova que as pessoas confiam em nós, contam connosco. Tendo em conta o seu percurso profissional, como encara este cargo? Encaro muito bem, pois existe uma coerência no meu percurso. Fui Juíza do Tribunal Constitucional, mas, antes de o ser, era – e sou ainda – , por vocação, académica. Sou professora de direito e de direito público. Antes de ser Juíza do Tribunal Constitucional dedicava a minha vida ao estudo destas matérias. Os fundamentos da vida coletiva – foi isso que estudei toda a vida. Este interesse traduziu-se depois numa vontade de, mais do que pensar em como é que se podem resolver os problemas, resolvê-los. Ser Juíza no Tribunal Constitucional e, agora, Provedora de Justiça são cargos que têm em comum, justamente, essa independência que aprendi enquanto académica. Disse, no seu discurso de tomada de posse, que o trabalho passaria pela garantia da continuidade do “elo de ligação entre os cidadãos e o poder, para que, por vias informais, se possam prevenir e reparar injustiças”. A criação de pontes e a promoção do diálogo são algumas das metas que definiu para o exercício do cargo?

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Completamente. O que eu disse no discurso de tomada de posse é outra forma de dizer que o Provedor é o advogado do cidadão. O advogado do cidadão não antagoniza o poder. Procura resolver as questões e melhorar o exercício do poder. Muitas vezes passa por um papel de esclarecimento. Um papel pedagógico, de informação às pessoas que a nós se dirigem, mesmo quando não têm razão ou quando são assuntos que estão fora das nossas competências. Nunca deixamos de responder e nunca deixamos de esclarecer o porquê. Caso existam outras entidades competentes para resolver o problema, indicamo-las.

É a primeira mulher a exercer o cargo de Provedor de Justiça. Ainda temos de realçar este aspeto? Para os valores que me guiam, o facto de ser a primeira mulher a exercer este cargo tem uma dimensão simbólica enorme. É algo que me deixa cheia de alegria. Todavia, a instituição não é o seu titular. Este é um facto que registo e ao qual atribuo uma grande dimensão simbólica. As novas gerações esquecem-se, mas, até 1974, a Justiça era dos grandes domínios interditos à mulher. É preciso não esquecer. Não podiam exercer funções de juízes, não podiam ser diplomatas, não podiam exercer funções superiores na administração local, por exemplo. E a razão era que as mulheres não possuíam a necessária distância emocional que a Justiça pressupõe. Eu pertenço ao grupo daqueles que acham que o afastamento milenar da mulher do mundo público empobreceu a humanidade. E o facto de, no século 20, termos conseguido ultrapassar essa carga histórica, enriquece a humanidade. É por isso que digo que ser a primeira mulher neste cargo tem uma dimensão simbólica de júbilo. Como tem evoluído a procura do Provedor de Justiça? As novas tecnologias aumentaram, evidentemente, todo o tipo de comunicação. E, por isso, potenciaram a expressão do descontentamento. Como é óbvio, aqui também se verificou esse aumento. Eu direi que, na história da instituição, há uma grande viragem a partir dos anos 90. A partir desta altura, o Provedor de Justiça assume uma importância fundamental. Em termos de queixas, nas últimas décadas, o número tem sido constante. Descontando todo o ruído que as novas tecnologias trouxeram, eu creio que a procura da instituição se manteve constante. E isto significa uma atividade muita intensa, ou seja, uma média de 10 mil queixas por ano. De que formas podem os cidadãos chegar ao Provedor? Existem várias formas. Desde logo, o telefone. As pessoas continuam a usar muito o telefone. Por exemplo, nos estabelecimento prisionais, os telefones do Provedor de Justiça estão disponíveis para quem os quiser ver e as pessoas que pretendam apresentar queixa ou pedir esclarecimentos podem e fazem-no frequentemente. Todos os dias temos pessoas que se dirigem presencialmente à sede para


ENTREVISTA COM MARIA LÚCIA AMARAL

O Provedor de Justiça em Portugal é importante e significativo. É uma instituição muito enraizada na sociedade. É a instituição mais antiga da Terceira República.

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ENTREVISTA COM MARIA LÚCIA AMARAL

apresentar as suas queixas. E, depois, claro, o e-mail chega a qualquer momento e vindo de qualquer parte.

Os incêndios de 2017 ficaram na memória do país. Perante catástrofes desta dimensão, qual o papel atribuído ao Provedor de Justiça? Os cidadãos devem procurar e encontrar o papel que vocaciona o Provedor de Justiça: ser o advogado do cidadão. É para isso que a instituição existe. E por isso é natural que, num quadro de catástrofe como a que nós vivemos, o Provedor de Justiça tenha uma intervenção especial. Por exemplo, numa outra catástrofe, a queda da ponte de Entre-os-Rios, o meu antecessor acorreu ao local e disponibilizou-se para ser o mediador na resolução de todos os problemas. Dadas as características da instituição e perante o sofrimento que os incêndios causaram, era natural que fossemos chamados a ser o instrumento extrajudicial. É que nós somos exatamente isso: um veículo de justiça informal. Por isso, mais ágil, mais célere, que dialoga diretamente com as pessoas e que faz o elo de ligação entre o poder e as pessoas. De que forma pode a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução colaborar com o Provedor de Justiça por forma a contribuir para o reforço do respeito pelos direitos dos cidadãos na prestação de serviços pelos seus associados? Funcionando também como elo de ligação entre os cidadãos e o Provedor, sempre que existam dúvidas ou questões a esclarecer relativamente a problemas que estejam no nosso âmbito de atuação.

É que nós somos exatamente isso: um veículo de justiça informal. Por isso, mais ágil, mais célere, que dialoga diretamente com as pessoas e que faz o elo de ligação entre o poder e as pessoas.

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Como antevê o futuro desta instituição? O futuro passa pela reafirmação de tudo o que disse, adequado muito a este tempo histórico que vivemos. Este ano vamos celebrar os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que iniciou uma época de paz no mundo. Uma instituição como o Provedor de Justiça, em qualquer parte do mundo, faz sentido se soubermos aquilo que nos une. Todo o poder democrático é assente numa maioria, mas tem limites. E esses limites têm a ver com aquilo que nos une. Na democracia, os conflitos em vez de se resolverem por batalhas até ao último sangue, resolvem-se através do voto. E isso é uma grande conquista civilizacional. Mas para que se resolva através do voto, é necessário que existam as oposições, opiniões contrárias, pois as convicções plurais convivem. Esta é a nobreza do regime democrático. Para que este convívio pacífico continue a existir, há regras que têm de ser cumpridas por todos. E isso é o que nos une. Nós estamos a viver desafios profundos à afirmação dos valores da Declaração Universal dos Direitos do Homem. É necessário encontrar uma resposta para a reafirmação destes valores. O que desejo para o futuro é que isso aconteça. Que possamos continuar a encontrar-nos em valores comuns que nos unem e dos quais ninguém quer abdicar. : :


PROFISSÃO

SOLICITADORES: A TERRA É A SUA PRAIA Por Luís Goes Pinheiro, Secretário-Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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uem é que, em 2012, acreditaria que os solicitadores viriam a ser, em cerca de seis anos, dos atores mais relevantes na área da georreferenciação de imóveis e do cadastro predial? Muito poucos, seguramente. Mas foi isso mesmo que aconteceu. O caminho não foi simples. Começou com a visão de que os solicitadores tinham uma vocação natural para tratar de todas as questões atinentes à propriedade rústica, alicerçada no trabalho de qualidade reconhecida que já desenvolviam nas questões essencialmente jurídicas da propriedade imobiliária. E foi este sonho que fez nascer o GeoPredial®: um serviço desenvolvido pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) que permite, a qualquer cidadão ou empresa, obter uma delimitação georreferenciada da sua propriedade, com recurso a equipamentos de GPS de elevada precisão, concentrando, numa plataforma eletrónica, diversas informações relevantes para a identificação do imóvel. Mas não foi apenas da visão que se fez a obra. Esta é também o resultado do investimento no desenvolvimento de ferramentas tecnológicas e na aquisição de aparelhos de GPS sofisticados, bem como da formação exigente de profissionais interessados. Existem hoje cerca de trezentos solicitadores habilitados a fazer GeoPredial®, distribuídos por mais de cem municípios do país. A sedimentação do projeto GeoPredial® veio consagrar definitivamente os solicitadores como protagonistas nesta área, permitindo-lhes ganhar valências e experiência que, juntamente com formação específica, os tornaram aptos para adquirir a qualidade de “técnicos de cadastro” – na sequência da Lei n.º 3/2015 e da Portaria n.º 380/2015, ambas concretizadas pelo protocolo celebrado entre a OSAE e a Direção-Geral do Território, em 7 de março de 2018.

Ciente da crescente relevância dos seus associados no que respeita à propriedade rústica, a OSAE tornou-se também, em meados de 2013, gestora operacional da Bolsa de Terras, tendo, desde então, vindo a intensificar a colaboração com a Direção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural. É disso exemplo o protocolo assinado em 24 de junho de 2017, durante do VII Congresso dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Mais recentemente, no contexto do projeto-piloto de sistema de informação cadastral simplificada, acelerado em virtude dos trágicos incêndios de 2017, a OSAE foi convocada para participar na georreferenciação do território dos municípios mais flagelados, recorrendo para esse efeito aos solicitadores seus associados e a uma versão menos complexa do serviço GeoPredial® que comunica diretamente com a plataforma tecnológica do Ministério da Justiça, a qual, por sua vez, suporta o Balcão Único do Prédio (BUPi). Esta colaboração revela o reconhecimento da elevada competência técnica dos solicitadores, da comprovada sofisticação tecnológica do GeoPredial® e da disponibilidade da OSAE para colaborar neste projeto desde o seu início, aliás, demonstrada pela criação gratuita de um posto de BUPi, em Caminha, entre outubro e dezembro de 2017. À semelhança do que sucedeu com os agentes de execução – que nasceram em 2003 e se tornaram, rapidamente, incontornáveis no panorama da cobrança judicial de dívidas –, os solicitadores têm hoje papéis fundamentais em matéria de georreferenciação de imóveis. Esta experiência pode e deve repetir-se noutras áreas. Basta continuar a estimular o sonho e o empenho necessários à criação das ferramentas adequadas e à formação dos profissionais. Portugal pode, como sempre, contar com os solicitadores. : :

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OSAE

IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO ASSOCIADOS DE BRAGANÇA E VILA REAL OLHAM PARA A ATUALIDADE DA JUSTIÇA E DAS PROFISSÕES

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oi no dia 17 de maio que, no Auditório Paulo Quintela, em Bragança, arrancou o IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução. Bragança juntou-se a Vila Real e, juntas, reuniram solicitadores e agentes de execução para pensarem e debaterem o futuro das duas profissões. Tratou-se do primeiro Fórum integrado na quarta edição desta iniciativa promovida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), tendo o mesmo sido organizado pela Delegação Distrital de Bragança e pela Delegação Distrital de Vila Real, sob a coordenação do Conselho Regional do Porto. A parte da manhã ficou a cargo das delegações distritais anfitriãs, cujas presidentes, Maria Antónia Bernardo e Adelina Soares, foram as responsáveis por acolher os participantes e deixar alguns agradecimentos. “Injunção Europeia” foi o tema que marcou o início desta edição. Ao leme, Cláudia Cerqueira, Solicitadora, e, antes de terminar o período da manhã, Rute Couto, Professora Universitária, falou sobre o “Novo Regulamento Geral de Proteção de Dados – na vertente do Solicitador”. Nestes dois painéis estiveram também presentes os alunos da licenciatura em Solicitadoria do Instituto Politécnico de Bragança.

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Após o período de almoço, foi num clima de entusiasmo e boa disposição que teve lugar a cerimónia de abertura, a qual marcou o arranque do “Espaço OSAE”. Paulo Duarte Pinto, Presidente do Conselho Regional do Porto da OSAE, Maria Antónia Bernardo, Presidente da Delegação Distrital de Bragança da OSAE, e Adelina Soares, Presidente da Delegação Distrital de Vila Real, deixaram algumas palavras a todos os participantes. Seguiu-se um momento dedicado aos Solicitadores. Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, e Fernando Rodrigues, Vice-presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, trouxeram uma análise em torno dos desafios do presente e do futuro, abordando ainda algumas soluções tecnológicas como o SoliGest e novos projetos como o Auto de Constatação. Já no contexto do painel dirigido aos Agentes de Execução, Hugo Lourenço, Presidente da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça. Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, e Marco Santos, Vogal do Conselho Profissional do

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Tratou-se do primeiro Fórum integrado na quarta edição desta iniciativa promovida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), tendo o mesmo sido organizado pela Delegação Distrital de Bragança e pela Delegação Distrital de Vila Real, sob a coordenação do Conselho Regional do Porto.


IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO

Colégio dos Agentes de Execução, abordaram questões que marcam a atualidade da ação executiva e o dia a dia dos profissionais, sem esquecer o SISAAE e a conta e a plataforma e-leilões. Feita uma pausa para o café, foi tempo de avançar no programa. Chegava então o momento do debate “Um Pacto para a Justiça”. A mesa foi composta por Isilda Alves, Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, José Manuel Teixeira Lapa, Vogal da Comissão Coordenadora Regional do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Paula Luís, pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e Procuradora-Adjunta no Tribunal da Comarca de Bragança, Rui Carvalho, Vogal da Direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, e José Carlos Resende, solicitador, agente de execução e Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. A moderação deste debate, que juntou tantas perspetivas, ficou a cargo de Paulo Afonso, Diretor da Rádio Brigantia e do Jornal Nordeste, e, no final, foi evidente a consonância no que diz respeito ao carácter essencial da continuidade deste diálogo e do clima de cooperação em prol de uma melhor Justiça para todos os cidadãos.

Os relógios marcavam a hora de arranque da cerimónia de encerramento deste IV Fórum de Bragança e Vila Real, no âmbito da qual foram ainda entregues os diplomas aos novos associados. José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, presidiu a uma mesa composta também por Álvaro Monteiro, Juiz Presidente do Tribunal de Comarca de Vila Real, Fernando Manuel Vilares Ferreira, Juiz Presidente do Tribunal de Comarca de Bragança, Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, e Paulo Duarte Pinto, Presidente do Conselho Regional do Porto da OSAE. Feitos os agradecimentos e deixadas palavras de incentivo de mãos dadas com o futuro, não restaram dúvidas quanto ao sucesso de mais uma iniciativa com a marca OSAE. Seguiu-se um jantar cujo menu contemplou o convívio entre associados e convidados e que encerrou mais uma iniciativa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, a qual, graças à colaboração do Conselho Regional do Porto e das Delegações Distritais de Bragança e Vila Real, deixou saudades e a promessa de voltar a acontecer. : :

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ENTREVISTA

“Somos juristas e teremos que saber dar o exemplo.”

CARLOS DE MATOS PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Conhecedor de uma Ordem cujos associados aceitaram servir a Justiça, Carlos de Matos viu a Casa crescer de mãos dadas com profissões que, sob um código de ética e deontologia, não temem desafios, apenas a estagnação. E participou nesse crescimento, tendo encontrado, em cada cargo abraçado, uma nova lição e a certeza de uma aprendizagem inesgotável e infinitamente renovável. Atual Presidente do Conselho Superior, Carlos de Matos acredita que o futuro passará por um reforço da prevenção alicerçado no acompanhamento e no esclarecimento. Todavia, quando a missão tiver que passar por julgar, a transparência e a celeridade continuarão a ser prioridades, num processo de tomada de decisão que deverá acontecer com atenção à realidade dos solicitadores e dos agentes de execução. Isto para que, em Casa de juristas, não haja “espeto de pau” e a Justiça jamais seja questionada. Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

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O que representa este órgão para a OSAE? E para os seus associados? O Conselho Superior é o órgão de supervisão da OSAE e, como tal, entendo que deverá ser o espelho da organização e funcionamento desta associação pública. Sendo um órgão que também tem como função a disciplina, para os solicitadores é o único órgão com essa competência. Já no que diz respeito aos agentes de execução, o Conselho Superior tem uma competência residual, uma vez que a competência disciplinar é da Comissão para o Acompanhamentos dos Auxiliares da Justiça (CAAJ). Entendo que este Conselho deve pautar-se também por uma organização e funcionamento exemplares, com decisões ponderadas e em tempo útil. É de difícil compreensão para os associados, provocando até alguma ansiedade, terem conhecimento da instauração de um processo de inquérito ou processo disciplinar e a decisão tardar. Somos juristas e teremos que saber dar o exemplo pela positiva. Precisamos de mostrar ao cidadão que os nossos profissionais estão a ser acompanhados por uma entidade imparcial, isenta e que dá garantias.

visão muito ampla da atividade e da organização da nossa associação pública e das dificuldades dos associados. Não é agradável decidir relativamente a atos praticados por colegas, mas entendo que o Conselho Superior é composto por membros dinâmicos, com acentuado sentido de responsabilidade, bom senso e, conjuntamente, vamos dignificar a nossa profissão e a nossa associação pública.

Quanto aos cidadãos que recorrem aos serviços dos associados da OSAE – de que forma podemos explicar o papel deste órgão e a sua relevância? Para o cidadão que recorre aos serviços dos associados, é importante saber que há um órgão disciplinar na OSAE, imparcial e independente, que atua, que está atento e que age em tempo útil. O importante não é sancionar os associados mas, acima de tudo, ter uma atitude preventiva e profilática.

Mas sente que o percurso trilhado contribui para um exercício mais pleno do cargo atual? Em que medida? Entendo que sim. A experiência que tenho como dirigente na OSAE faz com que possua um conhecimento muito útil sobre a instituição e os associados. Algo que me ajuda a compreender e a decidir sobre questões que, por vezes, parecem complexas. Sei que estamos a trabalhar com colegas e profissionais, mas cabe-nos a nós proferir decisões, mesmo que estas não agradem aos visados. Como referi, nestas tarefas deve imperar o bom senso e um conhecimento alargado da nossa organização. Estamos a julgar pessoas e, em situações extremas, impedindo-as que continuem a exercer atividade. Por outro lado, uma das principais competências a nível da supervisão é velar pela observância do Estatuto, podendo ordenar a abertura de inquéritos e sindicâncias. Se não imperar o bom senso e um conhecimento alargado de toda a estrutura e do seu funcionamento, estas funções poderiam ser abusivamente utilizadas.

Quais os principais desafios que marcam o exercício deste cargo? O Conselho Superior, a que tenho o grato prazer de presidir, tem uma equipa muito competente, dinâmica e profundamente conhecedora das suas funções enquanto membros de um órgão de supervisão e disciplina. Os principais desafios estão relacionados com a organização e decisões em tempo útil garantindo, obviamente, todos os meios de defesa aos associados. Sei que é este o sentimento de todo o grupo de distintos colegas que me acompanha nestas funções e vamos conseguir alcançar esse objetivo. São desafios muito diferentes dos que caracterizaram os cargos que abraçou anteriormente? Acompanho, desde 2003, a área da disciplina, uma vez que fui o primeiro presidente da Secção Regional Deontológica, do então Conselho Regional do Sul, precisamente no início da atividade dos solicitadores de execução e, desde 2011 até 2017, estive, em representação dos agentes de execução, na Comissão de Disciplina da CAAJ (inicialmente CPEE – Comissão para a Eficácia das Execuções). Ter sido presidente do Colégio dos Agentes de Execução e Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE também me deu uma

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A missão mudou em função de novas questões que foram surgindo? É um órgão que está obrigado a constantes adaptações? O Conselho Superior, como referi, é o órgão de excelência da OSAE e, como tal, deve primar pela organização e funcionamento, não deixando quaisquer dúvidas aos associados e a quem recorre aos serviços destes. Quando o Conselho Superior está organizado, funciona sem sobressaltos, independentemente de quem sejam os seus membros e de quem presida. Por essa razão, entendo que devem ocorrer adaptações, melhorias, sendo garantida a fundamental estabilidade.

Podemos dizer que o Conselho Superior, sendo um órgão independente, tem de estar atento ao que se passa e saber qual a realidade que marca o dia a dia dos associados? Claro que sim. Para nós, profissionais, não basta saber ler a lei, é preciso interpretá-la e saber aplicá-la É essa prática no dia a dia que nos ajuda e contribui para que possamos decidir com justiça. Falamos de um trabalho que tem que ser desenvolvido com base num espírito de cooperação com a CAAJ? Em quem medida? Porque mantive, durante 7 anos, um contacto frequente com a CAAJ, tenho a perfeita noção do trabalho desenvolvido


ENTREVISTA COM CARLOS DE MATOS

Para o cidadão que recorre aos serviços dos associados, é importante saber que há um órgão disciplinar na OSAE, imparcial e independente, que atua, que está atento e que age em tempo útil. em prol de uma classe – a dos agentes de execução –, que se pretende cada vez mais profissional, atendendo ao serviço público que prestamos. E isso facilita a cooperação entre os dois órgãos.

Ainda se pode fazer muito no campo da prevenção? A nossa aposta, numa primeira fase e que está a terminar, foi tomar conhecimento de todos os processos em curso e criar um manual de procedimentos, já aprovado em Plenário do Conselho Superior, o Regimento do Conselho Superior e concluir a aprovação do Regulamento Disciplinar da OSAE. De seguida, vamos preparar algumas iniciativas no âmbito da prevenção, que poderão ser promovidas em conjunto com a CAAJ ou outras ordens profissionais, no sentido de sensibilizar os associados – solicitadores e agentes de execução – para as questões da disciplina e de comportamentos que, por vezes, parecem corretos, mas que violam regras estatutárias em termos de ética e deontologia. Os associados têm obrigação de conhecer o estatuto e os regulamentos, nomeadamente o Código Deontológico e o da Publicidade, e de agir respeitando os normativos legais e, em particular, os colegas de profissão.

A divulgação das decisões disciplinares e da sua fundamentação será uma das preocupações? Entendo que sim. Aliás, é uma promessa eleitoral e que queremos cumprir. É também uma forma de prevenção. Estamos a trabalhar nesse âmbito e espero que, em breve, comecem a ser divulgadas as decisões do Conselho Superior. Aproveitando esta entrevista… De que forma é que a solicitadoria e a ação executiva chegaram à sua vida? Bem, a solicitadoria chegou às minha vida em 1981, quando saí da tropa e respondi a um anúncio de um solicitador que precisava de alguém que soubesse escrever bem à máquina. Fui imediatamente admitido. O facto de a minha formação base ter sido na área da contabilidade deu-me ferramentas para trilhar um caminho que, como solicitador, já fez 29 anos. Comecei em 1989. Tudo era diferente e fácil, principalmente na cidade de Lisboa, onde estavam concentrados todos os serviços públicos e prestávamos apoio quer a clientes, quer a colegas. Na execução, fiz o curso em 2003, apenas iniciando funções em 2008.

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ENTREVISTA COM CARLOS DE MATOS

Para nós, profissionais, não basta saber ler a lei, é preciso interpretá-la e saber aplicá-la É essa prática no dia a dia que nos ajuda e contribui para que possamos decidir com justiça.

Quanto ao seu envolvimento na vida da OSAE, anterior Câmara dos Solicitadores… Sente que é algo natural querer participar na vida da profissão? No que diz respeito a cargos na nossa Ordem, iniciei de facto na Câmara dos Solicitadores, em 2002, como Vogal do Conselho Regional do Sul. Em 2003, passei a Presidente da Secção Regional Deontológica do Sul, depois fui Vice-Presidente da Câmara, de seguida fui Presidente do Colégio da Especialidade dos Agentes de Execução, seguiu-se o cargo de Vogal do Conselho Geral, Vice-Presidente do Conselho Geral da Ordem e, atualmente – mais uma vez, por vontade dos colegas –, sou Presidente do Conselho Superior. Obviamente que implica tempo e dedicação. Mas sim, querer participar na vida da nossa associação é natural e assim deve ser para todos os associados, fazendo-o de uma forma construtiva e tendo sempre presente que todos os dirigentes trabalham, de forma abnegada, em prol da classe e da Ordem. Quais as metas para o futuro tendo em conta o cargo que assume atualmente? Ainda há um longo caminho a percorrer. Todavia, sei que todos os órgãos da nossa Ordem estão apostados em fazer o melhor trabalho em prol de todos os associados. : : Autor: Samuel Sousa

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PROFISSÃO

RGPD A CONSCIENCIALIZAÇÃO DE UM DIREITO 25 de maio de 2018 foi o dia em que o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), se tornou aplicável no nosso ordenamento jurídico. Este diploma, que tem sido alvo das mais profícuas discussões e elevadas preocupações nos diversos quadrantes da nossa sociedade, leva a que as entidades que, no âmbito das suas prossecuções, lidem com dados pessoais de terceiros, se vejam obrigadas a promover uma célere adaptação a uma nova realidade.

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ão obstante a existência de legislação que regulava a proteção de dados pessoais (cfr. Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva n.º 95/46/ CE), a verdade é que a grande maioria dos seus titulares, integrantes de uma sociedade caracterizada por um enorme fluxo de informação, não tinham, salvo melhor opinião, uma real noção desses mesmos direitos e obrigações. Acreditamos que, com o RGPD, surge uma efetiva consciencialização de que qualquer cidadão é titular de direitos sobre dados pessoais e que deve fazer valer os mesmos perante terceiros. A mediatização da aplicação do Regulamento, coadjuvado pelo surgimento de alguns casos gravíssimos de violação de dados pessoais, dos quais destacamos o caso Facebook/Cambridge Analytica, leva a que a temática do tratamento de dados seja, atualmente, encarada de uma perspetiva mais assertiva, não só por quem gere esses dados, mas também pelos titulares dos mesmos que, atualmente, identificam o risco de facultar esses elementos a terceiros. Considerando o crescente fluxo transnacional de dados, o legislador pretendeu, em primeiro lugar, uniformizar o tratamento de dados em todo o espaço da União Europeia, ao mesmo tempo que introduziu algumas novidades com o fito de estabelecer uma maior proteção dos dados pessoais, as quais elencamos, dando, desde logo, destaque à obrigação de algumas entidades designarem um encarregado de proteção de dados que, além de demais funções, controlará a conformidade com o estipulado no RGPD. Verificamos,

Por Francisco Serra Loureiro, Solicitador e Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

também, que o consentimento do titular dos dados para que os seus dados sejam objeto de tratamento será sempre efetivado por “uma declaração ou ato positivo inequívoco”, não sendo possível o consentimento por omissão. O diploma cria e refina alguns dos direitos dos titulares de dados, nomeadamente o direito de acesso ou retificação dos dados ou, mesmo, o “direito de ser esquecido” que consiste na eliminação dos dados do seu titular. Acresce que existe, atualmente, um maior rigor no tratamento dos dados que pode, inclusivamente, passar por uma prévia avaliação do impacto do tratamento sobre determinadas categorias, bem como por uma obrigação de notificação às autoridades competentes e, eventualmente, ao próprio titular em caso de violação de dados pessoais. Por fim, ressaltamos o aumento substancial do valor das coimas a aplicar por eventuais incumprimentos do Regulamento. Também os Solicitadores e os Agentes de Execução devem, obviamente, nortear as suas condutas em conformidade com o disposto no RGPD, garantindo que os dados pessoais com os quais lidam diariamente observam um tratamento adequado aos fins pretendidos. Por fim, surge mais uma oportunidade de trabalho para os Solicitadores. Sendo profissionais de excelência, dotados de sólidos conhecimentos nas áreas do Direito e da proteção de dados, a oportunidade de desenvolvimento de competências como Encarregado de Proteção de Dados é, hoje, uma realidade. Temos as ferramentas, resta-nos trabalhar conscientes da responsabilidade que é garantir o respeito por direitos fundamentais. : :

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ENTREVISTA

“Os centros de arbitragem de conflitos de consumo são, inquestionavelmente, as entidades mais eficazes na resolução desses conflitos.”

PEDRO SOUSA DIRETOR DO CENTRO DE ARBITRAGEM DE CONFLITOS DE CONSUMO DO VALE DO AVE / TRIBUNAL ARBITRAL – TRIAVE

Os números corroboram as palavras e dão-lhe outra dimensão. Em 2015, 2016 e 2017, o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave / Tribunal Arbitral (TRIAVE) foi aquele que mais processos recebeu e resolveu a nível nacional. Quem chega, ao tirar a senha, sabe que o rosto que o receber naquele dia será o que irá encontrar ao longo de todo o processo. Para Pedro Sousa, Diretor do TRIAVE, este é um dos segredos do sucesso: fazer com que as pessoas sintam confiança no sistema. Por este e outros motivos, embora haja espaço para melhorar, os centros de arbitragem de conflitos de consumo são hoje reconhecidos como uma alternativa capaz de garantir uma resposta eficaz aos cidadãos, contribuindo, consequentemente, para uma melhor Justiça ao alcance de todos. Por isso, vamos então entrar.

Como podemos definir a missão de um centro de arbitragem? E como se justifica a sua ligação ao Direito do Consumidor? Um Centro de Arbitragem é uma entidade que efetua arbitragens de forma institucionalizada. Neste caso, um centro de arbitragem de conflitos de consumo é uma entidade, autorizada pelo Ministério da Justiça a efetuar arbitragens de forma institucionalizada e cujo objeto específico, especializado e exclusivo são os litígios de consumo. Neste momento existem oito centros que estão integrados na chamada Rede Nacional de Arbitragem de Consumo. A rede integra ainda duas entidades que não são propriamente centros de arbitragem de conflitos de consumo, não têm este tipo de litígios como objeto exclusivo, que são o CASA (Centro de Arbitragem do Setor Automóvel) e o CIMPAS (Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros). Na minha opinião, tratam-se de centros setoriais e não de centros de arbitragem de conflitos de consumo. A existência destes centros de arbitragem de conflitos de consumo é hoje fundamental para o acesso dos consumidores à justiça. Sem

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Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Rui Santos Jorge assista ao vídeo em www.osae.pt


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eles, o sistema jurídico de proteção do consumidor seria, em grande parte, uma mera construção puramente abstrata que não teria grande aplicação prática. Por exemplo, a célebre lei dos serviços públicos essenciais, aplicável aos utentes destes serviços em geral, era para os consumidores, antes da introdução da chamada “arbitragem necessária”, uma lei “para inglês ver”. Os centros de arbitragem de conflitos de consumo são fundamentais à efetivação dos direitos que o sistema jurídico atribui aos consumidores.

São três os mecanismos de resolução alternativa de litígio. Quais as fronteiras que os distinguem? Os procedimentos de resolução alternativa de litígios de consumo são, efetivamente, três: a mediação, a conciliação e a arbitragem. Qualquer um deles tem singularidades muito específicas em relação aos procedimentos semelhantes noutras áreas de conflitualidade. Uma mediação de um conflito de consumo não pode – ou não deve – ser efetuada, por exemplo, como o procedimento equivalente no âmbito familiar, desde logo porque o sistema jurídico protege muito mais um lado do que o outro. E isto teria um efeito perverso. A mediação de conflitos de consumo é um procedimento que se quer suficientemente flexível para se poder adaptar, em concreto, a uma multiplicidade de processos com factualidades subjacentes distintas e que, obviamente, dada a natureza da conflitualidade, pode ser efetuada à distância. Na linha procedimental da resolução do processo, a mediação é o primeiro procedimento a efetuar com vista a resolver o litígio por meio de um acordo. O segundo será a conciliação, mas, no âmbito da resolução de conflitos de consumo, este procedimento está intimamente ligado ao de arbitragem. Seja a tentativa de conciliação efetuada por um jurista ou pelo árbitro, tem de ser homologada por este e, portanto, a sua efetivação pressupõe, assim, que o processo esteja já em fase de arbitragem. Recordo que um processo para ser arbitrado terá de ser relativo a matéria sujeita a arbitragem necessária – e a maioria deles insere-se neste

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âmbito – ou a parte reclamada terá que ter aderido, plena ou pontualmente, à arbitragem. No fundo, o sistema de resolução alternativa de litígios de consumo tem dois procedimentos prévios de tentativa de acordo e só se esses se frustrarem é que o conflito é decidido por sentença arbitral. É, na minha opinião, um sistema claramente vocacionado para alcançar a concórdia entre as partes, mas que, simultaneamente, não pode descartar, quando necessário, a aplicação efetiva da legislação de consumo através das decisões arbitrais. Exemplificando: em 2017, dos 1.634 processos resolvidos, 1.253 foram-no por mediação, 173 por conciliação e 208 por arbitragem. Ou seja, dos processos resolvidos, 87% resultaram em acordo.

Quando é que uma questão pode, ou não, ser resolvida mediante recurso a um centro de arbitragem? Antes de mais, é necessário que exista um conflito de consumo e que o consumidor o tenha tentado resolver, sem sucesso, com a outra parte. Seguidamente, é necessário que o consumidor apresente uma reclamação. Na minha opinião, esta é uma expressão imprópria e enganadora. Eu preferiria o termo “processo” porque é disso que se trata. Um processo mais informal do que um processo judicial, mas um processo. Com descrição de factos, pedido destacado, junção de elementos probatórios e, no caso deste centro, fundamentação jurídica se seguir para arbitragem. Obviamente que o processo apresentado, para ser tramitado, tem de estar no âmbito da competência do Centro. Para além da competência material – tratar-se de um conflito de consumo –, deverá ainda estar no âmbito das competências territoriais e em razão do valor do Centro, tendo esta última, no TRIAVE, como na maioria dos Centros, o limite de € 30.000. E quais as vantagens do recurso a um centro de arbitragem? São várias: a rapidez, a gratuitidade ou baixo custo, a especialização, a informalidade e, de uma forma geral, a


TRIAVE

A existência destes centros de arbitragem de conflitos de consumo é hoje fundamental para o acesso dos consumidores à justiça. Sem eles, o sistema jurídico de proteção do consumidor seria, em grande parte, uma mera construção puramente abstrata que não teria grande aplicação prática. Os centros de arbitragem de conflitos de consumo são fundamentais à efetivação dos direitos que o sistema jurídico atribui aos consumidores. proximidade. O processo é especialmente rápido, a duração média de um processo, em 2017, foi de 51 dias e se este for resolvido logo por mediação, como o são na maioria dos casos, o tempo médio será substancialmente menor. Acresce o baixo custo ou gratuitidade do processo, sendo que, na generalidade dos centros, é gratuito. Apenas os centros de Lisboa e Porto cobram taxas. Por outro lado, os responsáveis de resolução dos litígios – juristas e árbitros – possuem conhecimentos especializados na matéria, isto é, em direito do consumo. Também a relativa informalidade do processo e das próprias audiências torna o sistema apelativo porque se apresenta, de certa forma, mais cómodo para os utentes. E, obviamente, por último, mas sendo talvez o aspeto mais importante do sistema, a proximidade aos utentes. No caso do TRIAVE, o serviço é particularmente próximo porque apostamos numa verdadeira Justiça de proximidade, sendo esta uma das causas do nosso sucesso.

Por vezes, a resolução de um litígio passa mesmo apenas pelo diálogo e pelo esclarecimento? A resolução de um processo de consumo implica, necessariamente, comunicações intermediadas (escritas e orais) e, por vezes, não se chegando a um acordo, uma sentença arbitral. Como referi, o consumidor deve estar informado dos seus direitos de forma a não chegar a um acordo forçado, ou seja, a um acordo que se consegue apenas pela ignorância, da sua parte, dos direitos que o sistema jurídico lhe atribui. Grande parte dos conflitos decorre de atropelos, alguns bastante grosseiros, da legislação de consumo por parte de alguns agentes económicos. Se se estiver no âmbito da chamada “arbitragem necessária” e estando o consumidor informado dos seus direitos, dificilmente aceitará um acordo em que a outra parte não os respeite. Existem muitas mediações que resultam na satisfação integral do pedido efetuado pelo consumidor porque a parte reclamada sabe que o passo seguinte será a arbitragem, precedida de tentativa de conciliação. Realço, assim, que a chamada “arbitragem necessária”, que atualmente apenas abrange os serviços públicos essenciais, tem um papel relevantíssimo: potencia o sucesso das mediações, permite aos consumidores efetivarem realmente os seus direitos e tem uma função pedagógica relativamente ao desempenho contratual das empresas. É muito comum falar-se na informação dos consumidores como fator preventivo de conflitos. Porém, creio que deveria apostar-se mais na prevenção bilateral de conflitos. Como deve proceder quem pretende recorrer a um centro de arbitragem? Em caso de conflito de consumo e após o terem tentado resolver com a outra parte sem sucesso, o consumidor deve apresentar um processo contra o agente económico no Centro de Arbitragem. Na minha opinião, sendo possível, deverá fazê-lo presencialmente, pelo aconselhamento simultâneo

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TRIAVE

resto, utilizamos três indicadores para análise da eficiência e avaliação periódica do serviço: taxa de resolução, duração média dos processos e pendências em termos relativos.

No âmbito deste sistema, que papel se reserva para o solicitador? Na minha opinião, os solicitadores poderão ter um importante papel como responsáveis de Resolução Alternativa de Litígios, para utilizar a terminologia legislativa, em sede de mediação. que poderá ter aquando da sua apresentação. Caso contrário, poderá recorrer ao formulário eletrónico. No caso do TRIAVE, como trabalhamos em rede com os organismos autárquicos de apoio ao consumidor da nossa área territorial, poderá apresentar presencialmente o processo não apenas em Guimarães, mas em mais nove municípios e, muito brevemente, em dez, sem qualquer necessidade de se deslocar ao Centro ou de recorrer ao formulário eletrónico.

O que encontra quem chega? No caso do TRIAVE, encontra um serviço extremamente estruturado. Temos o serviço dividido em serviço administrativo, serviço de atendimento e serviço jurídico (mediação, conciliação e arbitragem). Quem chega, depare-se com um excelente serviço de atendimento, com colaboradores especialmente destacados e vocacionados para essa função, o que permite uma disponibilidade especial para atender o consumidor. Creio que a excelência do atendimento é outra das causas do sucesso do TRIAVE e que se reflete na satisfação dos utentes. Que balanço se pode fazer? O balanço da atividade da Rede Nacional da Arbitragem de Consumo é claramente muito positivo, porque é a única forma realmente eficiente de os consumidores poderem efetivar os seus direitos em Portugal. Para essa eficiência teve um contributo muito particular a já referida “arbitragem necessária” instituída nos conflitos de consumo relativos a serviços públicos essenciais, os quais representam uma grande parte da conflitualidade. No caso do TRIAVE, em 2017, os serviços públicos essenciais foram o objeto de 84% dos processos entrados no Centro. De resto, a referida medida legislativa foi, na minha opinião, uma das mais efetivas no que respeita à proteção do consumidor em Portugal. Em 2017, os centros de arbitragem de conflitos de consumo – e não estou a incluir o CASA e o CIMPAS – resolveram milhares de processos. Só o TRIAVE resolveu mais de 1.600 conflitos, com uma taxa de resolução de 92%. Aliás, em 2015, 2016 e 2017 o TRIAVE foi o centro de arbitragem de conflitos de consumo que mais processos recebeu e resolveu a nível nacional. Eficácia e celeridade são os grandes objetivos? Eu diria apenas eficácia. Suponho que o conceito poderá acarretar consigo a celeridade e a qualidade. No TRIAVE, de

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Por onde passará o futuro dos meios de resolução alternativa de litígio? Pelo seu reforço? Na minha opinião, muito se tem feito nos últimos anos, por parte da Direção-Geral do Consumidor e da Direção-Geral da Política de Justiça, relativamente aos meios de resolução alternativa de litígios e à Rede Nacional de Arbitragem de Consumo que é a realidade que conheço melhor. Os próprios centros de arbitragem têm contribuído também para o reforço da rede de várias formas, nomeadamente através da harmonização de procedimentos. Porém, dada a complexidade do sistema, o qual necessita de meios para funcionar e carece de ser continuamente atualizado e repensado, muito há ainda a fazer. Desde logo, sistematizar o alegado Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, atribuindo às várias entidades que o compõem as funções para as quais estão efetivamente vocacionadas. Os centros de arbitragem de conflitos de consumo são, inquestionavelmente, as entidades mais eficazes na resolução desses conflitos. E essa é a sua vocação. Porém, há outras entidades no sistema que também o fazem. Estou absolutamente convicto que a sistematização do alegado sistema – transformando-o, assim, num verdadeiro sistema – o tornaria muitíssimo mais eficiente e, consequentemente, também à Rede Nacional de Arbitragem de Consumo. A existência de critérios objetivos de financiamento ministerial, baseados no desempenho dos vários Centros, seria também, como é lógico, um enorme incentivo à produtividade da rede de arbitragem de consumo. O alargamento progressivo da arbitragem necessária a conflitos decorrentes de outro tipo de contratos de consumo, para além daqueles que respeitam a serviços públicos essenciais, e a certas formas de contratação contribuiria também para um aumento da eficiência da rede. A divulgação, a nível nacional, da rede de arbitragem e do seu funcionamento seria fundamental, com óbvias vantagens para os consumidores e para o país. Um reforço da Justiça de proximidade parece-me também uma aposta fundamental para a otimização da rede. Ou seja, apesar de todas estas possibilidades de melhoria, a Rede Nacional de Arbitragem de Consumo é, hoje, um sistema funcional, muitíssimo adequado ao seu objetivo, que tem demonstrado um bom funcionamento e que tem, inquestionavelmente, um inestimável papel na possibilidade de efetivação dos direitos dos consumidores portugueses. : :


OSAE

OSAE E DGT CELEBRAM PROTOCOLO PARA REGULAMENTAÇÃO DO REGISTO DOS SOLICITADORES ENQUANTO TÉCNICOS DE CADASTRO PREDIAL

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o passado dia 7 de março, numa cerimónia presidida pelo Ministro do Ambiente, José Matos Fernandes, foi assinado, no salão nobre deste Ministério, o protocolo entre a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e a Direção-Geral do Território. Este regulamenta o registo dos solicitadores enquanto técnicos de cadastro predial, colocando a formação e a experiência destes profissionais ao serviço de um cadastro predial capaz de cobrir todo o território nacional. Pouco passava das 10 horas quando Célia Ramos, Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, tomou a palavra e salientou a relevância deste protocolo que, após um longo percurso, permitirá aos solicitadores colaborarem na perseguição desta grande meta que é o cadastro predial, ficando claros os requisitos para o exercício da atividade de técnico de cadastro predial, a qual classificou como indispensável para um futuro diferente. Foi Fernanda do Carmo a autora da intervenção seguinte. Enquanto Diretora-Geral da Direção-Geral do Território, congratulou-se com esta abertura institucional em prol do cumprimento de uma tarefa “morosa e onerosa” que exige a partilha do esforço. Evidenciando as diferentes fases de um processo que será longo, deixou uma palavra de agradecimento à OSAE por ter garantido formação aos seus associados, os quais estão sujeitos a um código deontológico que representa um alicerce fundamental para a edificação deste projeto cuja necessidade é hoje compreendida pela sociedade. José Carlos Resende, bastonário da OSAE, num discurso pontuado por orgulho e emoção, relembrou todo o percurso trilhado pelo projeto GeoPredial que, atualmente, é um serviço prestado por solicitadores com formação, possibilitando aos proprietários, de forma rápida e económica, obterem a georreferenciação dos seus terrenos. Sentindo este momento como o reconhecimento de um esforço que começou em 2011, José Carlos Resende aproveitou ainda a oportunidade para apelar a mudanças no regime de consulta, por solicitadores e advogados, da identificação dos proprietários de terrenos confinantes ao que está a ser alvo de levantamento cadastral. Já assinado o protocolo, foi José Matos Fernandes, Ministro do Ambiente, o autor da última intervenção. Salientando que só conhecendo o território será possível valorizá-lo, José Matos Fernandes fez questão de evidenciar que foi o empenho e a perseverança da OSAE que justificaram que este protocolo tivesse sido assinado em primeiro lugar e numa cerimónia distinta, pois acredita que, graças ao esforço da Ordem e dos solicitadores, outros profissionais irão agora também poder abraçar este desafio em prol de um país que se conheça e valorize. : :

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OSAE

JOSÉ CARLOS RESENDE ELEITO VICE-PRESIDENTE DA UEHJ NO 23.º CONGRESSO INTERNACIONAL DOS HUISSIERS DE JUSTICE

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ntre os dias 1 e 4 de maio, na capital da Tailândia, Banguecoque, decorreu o 23.º Congresso Internacional dos Huissiers de Justice. A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) esteve representada por José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, e por Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE. Nesta 23.ª edição de um Congresso que junta representantes de organizações de todo o mundo marcaram presença o Primeiro-Ministro, Prayuth Chan-ocha, e o Ministro da Justiça, Suwaphan Tanyuvardhana, do Reino da Tailândia, o país que acolheu a iniciativa. No âmbito da mesma, Marc Schmitz foi eleito presidente da Union Internationale des Huissiers de Justice e, por inerência, presidente da Union Européenne des Huissiers de Justice, cuja vice-presidência volta a ser assumida por José Carlos Resende, Bastonário da OSAE. : :

OSAE ACOLHE REUNIÃO DO CNOP COM SECRETÁRIA DE ESTADO ADJUNTA E DA JUSTIÇA

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ecorreu no passado dia 20 de junho, na sede da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), em Lisboa, a reunião do Conselho Geral do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) que contou com as presenças de Helena Mesquita Ribeiro, Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, e de Henrique Ahnfelt, colaborador do Gabinete da Secretário de Estado da Justiça. Com enfoque no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, este encontro, para além da reunião, integrou ainda, no seu programa, uma conferência sobre este mesmo assunto que marca a atualidade e acarreta novos desafios para as Ordens Profissionais. Houve ainda tempo e oportunidade para abordar outros temas e questões transversais às diversas Ordens que integram esta organização, ficando mais uma vez provada a relevância do diálogo interinstitucional e do estabelecimento de pontes de diálogo e cooperação. : :

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PROFISSÃO

VERIFICAÇÃO NÃO JUDICIAL QUALIFICADA PARA QUE A JUSTIÇA CHEGUE MAIS LONGE

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verificação não judicial qualificada, contemplada no artigo 494º do Código de Processo Civil, pode fazer toda a diferença na resolução de um caso. Por isso, quisemos saber mais sobre esta solução que leva os olhos do tribunal ao local de uma forma simples e eficiente. Segundo Armando A. Oliveira, o agente de execução que acompanhámos e que também assume o cargo de Vice-Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, “a verificação não judicial qualificada é uma atividade desenvolvida, a pedido do tribunal, por um técnico que vai tentar relatar uma determinada realidade para evitar a deslocação do tribunal ao local”. Assim sendo, o juiz pode mandatar um Agente de Execução para verificar, no terreno, uma determinada situação, sendo ainda garantidos elementos que permitirão, posteriormente, em tribunal, assegurar um suporte à decisão com todas as condições de isenção e imparcialidade. Calçámos as botas, enfrentámos a chuva e seguimos caminho. “Vamos tentar determinar os limites de dois prédios. Já foi judicialmente fixado um direito, uma das partes em litígio tem direito a 2600 metros da propriedade que seria, teoricamente, da outra pessoa”, explica Armando A. Oliveira. Já no local, o material é preparado. Trocam-se algumas palavras e… Mãos à obra. O drone ganhou asas para poder registar as imagens e o aparelho GPS, pernas para georreferenciar cada ponto. “No local, recolhemos as evidências, ou seja, coordenadas GPS de determinados elementos corpóreos do prédio. Fomos obter as fotografias e conversar com as partes para tentar alcançar o consenso. Recorremos a um dispositivo

GPS, com precisão centimétrica, e a um drone de consumo que permite fazer uma reportagem fotográfica de todo o contexto envolvente. Entretanto, todas essas fotografias serão processadas num software externo que vai gerar um modelo 3D ao qual as partes terão acesso”, descreve Armando A. Oliveira. A verdade é que o trabalho não termina no local da recolha. “Após a saída do local, as coordenadas GPS são pós-processadas, ou seja, são validadas através de um software que vai fazer a atualização desses dados recolhidos no terreno. Vai ser feito um ortofotomapa com um nível de detalhe aproximado de dois centímetros por pixel. Por exemplo, é possível contar pedras da calçada. E nesse ortofotomapa indicarei quais os limites que deverão ser considerados. Todos esses documentos serão entregues às partes e ao tribunal”, sublinha, deixando evidente o nível elevado de transparência que marca todo o processo, uma vez que os intervenientes poderão acompanhar todas as etapas do mesmo. Resumindo: com a verificação não judicial qualificada, a qual poderá ser assegurada por um Agente de Execução, o tribunal, contrariando as paredes que o rodeiam, fará frente à distância e ao tempo, sendo assim garantidos ao juiz mais elementos capazes de alicerçar uma decisão célere e justa. : :

COMISSÃO PARA O ACOMPANHAMENTO DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA MUDA DE INSTALAÇÕES

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sede da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ) tem novas instalações. Estas localizam-se na seguinte morada: Rua Braamcamp, n.º 90 piso 8, 1250-050 Lisboa. A Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça é responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos auxiliares da justiça, em conformidade com a Lei n.º 77/2013, de 21 de novembro, e com os estatutos dos profissionais que prevejam a sua intervenção. Caso pretenda obter mais informações sobre esta entidade, bastará aceder a www.caaj-mj.pt.

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SOCIEDADE

A INSOLVÊNCIA E AS CRIPTOMOEDAS O desafio da nova realidade trazida pelas criptomoedas também infere no processo falimentar, suscitando a questão se as criptomoedas deverão integrar a massa insolvente. Por Nuno de Oliveira Fernandes, Mestre em Contabilidade

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o passado dia 28 de fevereiro de 20181, o Tribunal Arbitral de Moscovo recusou a inclusão da moeda criptográfica – bitcoins – como património, na falência do devedor Ilya Tsarkov, mesmo após o respetivo liquidatário judicial – Alexei Leonov – ter apresentado em tribunal screenshots do conteúdo localizado em www.blockchain.info, em que demonstrava a carteira (wallet) de bitcoins do falido. A questão levada a tribunal pelo liquidatário judicial foi a necessidade de obrigar o falido a entregar a password da wallet de bitcoins, por forma a este proceder à sua liquidação em prol da massa falida. No entanto, a questão apreciada pela juíza – Larisa Kravchuk – foi mais além, determinando que as criptomoedas não possuem qualquer estatuto legal na Rússia e, dessa forma, não podem ser incluídas como ativos na massa falida. Reportando-nos ao processo falimentar português, verificamos que o artigo 46.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) determina que «[a] massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo». Para o efeito, consigna o artigo 36.º do CIRE, a prolação da sentença de insolvência decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens. Dito de outra forma, todos os bens, direitos ou rendimentos (acervo patrimonial) do insolvente, com a sentença de insolvência, passam a integrar a massa insolvente, com a exceção para os impenhoráveis [artigos 736.º a 739.º do Código de Processo Civil (CPC)]. Assim, não encontrando as criptomoedas deferimento nos artigos 736.º a 739.º do CPC e desde que sejam consideradas bens ou direitos2, estas deveriam integrar a acervo patrimonial da massa insolvente. Petukhova, Lyudmila. 26 jan. 2018. O tribunal não permitiu coletar moeda criptográfica de devedores – falidos de falência. RBC. Disponível em https://www.rbc.ru/finances/26/02/2018/5a93ce5a9a794729378e0403. Consultado em 2018/03/04. 2 Com o fim do Sistema de Bretton Woods (padrão ouro), a moeda deixou de poder ser considerada como um bem, para passar a ser vista como um direito, uma vez que o seu real valor (valor efetivo do papel ou do metal) é bastante diferente do seu valor facial (valor intrínseco) – moeda fiduciária –, mas, independentemente desta discussão (se a moeda é um bem ou um direito), a verdade é que a moeda possui valor e, dessa forma, a moeda, que se encontre na posse de uma pessoa e que seja alvo de sentença de insolvência, deverá ser apreendida à ordem do respetivo processo de insolvência, passando a integrar a massa insolvente, para, posteriormente, servir para proceder ao pagamento aos credores do insolvente. 1

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No entanto, as criptomoedas não possuem suporte físico, ao contrário da moeda tradicional (notas ou moedas), nem o seu depósito se encontra regulado por uma entidade supervisora – Banco de Portugal. Assim, proceder à identificação das criptomoedas detidas pelo insolvente, por forma a habilitar o Administrador da Insolvência a proceder à sua apreensão, à luz dos normativo atuais em Portugal, não parece ser viável. Nesta data, as criptomoedas, em Portugal, não possuem regulação e, dessa forma, são livremente, e anonimamente, transacionadas, não sendo possível verificar quem detém as respetivas carteiras (quer a pagadora, quer a recebedora, com a exceção para os intervenientes numa dada transação), facto que permite sonegar à insolvência este tipo de ativos detidos pelo insolvente e, consequentemente, frustrar as expectativas dos credores de se verem ressarcidos dos seus créditos. No entanto, caso o insolvente se encontre obrigado à elaboração e prestação de contas, de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), as criptomoedas assumem as características de um ativo – «(…) um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros»3 – e, dessa forma, ponderando no pressuposto subjacente às Demonstrações Financeiras da plenitude4, a aquisição de criptomoedas e a sua detenção encontrar-se-ão devidamente evidenciadas na contabilidade do insolvente. Porém, para as entidades que não se encontrem obrigadas à elaboração e prestação de contas, de acordo com o SNC, a identificação da detenção de criptomoedas, face à ausência de regulamentação, fica sujeita à boa-vontade do insolvente. Esta é, de resto, a discussão que se encontra a correr nos Estados Unidos da América, no âmbito do processo de falência de Curtis James Jackson III – o famoso rapper 50 Cent –, sendo que ele chegou a afirmar: «Bankruptcy wasn’t a big deal for me. It was just me getting my discount. Reorganization isn’t broke, you know»5. No entanto, o respetivo liquidatário veio requerer ao tribunal que o cantor fosse obrigado a declarar as criptomoedas que possuía, nomeadamente as bitcoins, uma vez que, pela produção do seu álbum «Animal Ambition», em 2014, ele teria sido o primeiro artista a ser remunerado, por uma editora, em bitcoins, tendo obtido um enorme lucro em 2017, com o substancial aumento de valor desta criptomoeda, de acordo com a informação noticiada, em 23 de janeiro de 2018, pela revista TMZ6. Uma vez ultrapassados os problemas na deteção dos ativos detidos pelo insolvente em criptomoedas, fica, ainda, o obstáculo da obtenção da password de acesso à respetiva wallet, situação que levou o liquidatário judicial Alexei Leonov ao tribunal, uma vez que só com essa password é possível proceder à liquidação das criptomoedas e, subsequentemente, proceder ao pagamento aos credores do insolvente ou, talvez, num futuro próximo, proceder a esse mesmo pagamento em criptomoedas. : : 3 Al. a) do parágrafo 49 da Estrutura Conceptual do SNC – Aviso n.º 8254/2015. Diário da República II Série 146 (2015-07-29) 20735 – 20742 4 Parágrafo 38 da Estrutura Conceptual do SNC – Aviso n.º 8254/2015. Diário da República II Série 146 (2015-07-29) 20735 – 20742 5 Ians. 05 fev. 2018. Why bankruptcy wasn’t a big deal for rapper 50 Cent. The Economic Times Disponível em https://economictimes.indiatimes.com/magazines/panache/why-bankruptcy-wasnt-a-bigdeal-for-rapper-50-cent/articleshow/62784654.cms. Consultado em 2018/03/03. 6 __. 23 jan. 2018. 50 Cent’s Earned Millions Selling His Album for Bitcoin. TMZ. Disponível em https://www.tmz.com/2018/01/23/50-cent-made-millions-bitcoin-animal-ambition-album/. Consultado em 2018/03/03.

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REPORTAGEM

ELÉTRICOS DA CARRIS

O AMARELO DE LISBOA Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Rui Santos Jorge / assista ao vídeo em www.osae.pt

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isboa faz as honras da casa e aparece com o brilho que já todos lhe reconhecem. Traz vestidas cores felizes que condizem com a música que passeia pelas suas ruas ondulantes e sobre as quais deslizam os elétricos amarelos, cheios de gente e da cidade que lhes dá carris. Chegado ao cemitério da Ajuda, o 18 deixa quem com ele veio e prepara-se para uma nova partida. O guarda-freio, Rui Pinto, já atualizou o destino que, pode dizer-se, está nas suas mãos já que não há máquinas que, no seu lugar, façam aparecer “Cais do Sodré”. A viagem recomeça mas, na verdade, é sempre diferente. Assim é desde a criação da primeira linha, ainda com carros “Americanos”, em 1874. Sim, “carruagens puxadas por cavalos, mas que andavam em cima de carris. Era mais cómodo, mais rápido, exigia menos esforço dos animais e foi muito bem acolhido em Lisboa”, descreve Susana Esteves da Fonseca, do departamento de Relações Públicas e Comunicação da Carris. “A revolução industrial trouxe muita gente do interior para Lisboa, para trabalhar nas fábricas. Criou-se a necessidade de estabelecer uma rede de transporte público. A Carris foi fundada, curiosamente, no Rio de Janeiro, a 18 de setembro de 1872, porque um dos sócios era diplomata lá. Todavia, a ideia sempre foi criar essa rede em Lisboa. Como o próprio nome indica: Companhia Carris de Ferro de Lisboa”, garante Susana Esteves da Fonseca, apaixonada assumida por esta história que leva as pessoas aonde elas querem estar. Mas Lisboa oferece mais colinas do que planícies. “Nas grandes subidas, era muito difícil. Foi então que um engenheiro do Porto, de ascendência Francesa, Raoul

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Mesnier de Ponsard, dotou a cidade de uma série de ascensores. O primeiro foi o do Lavra. Estes ascensores funcionavam com contra peso de água. Quando a cabine estava na estação superior, enchia um depósito de água que, ao descer, fazia contrapeso para o outro subir. Muitos destes ascensores desapareceram quando surgiram os elétricos. Deixaram de fazer sentido.” As tecnologias, como ponteiros de um relógio, foram ditando a passagem do tempo e, hoje, são relíquias que se guardam com cuidado e medo de perder o passado. “Rapidamente, todos estes ascensores passaram a funcionar a vapor. O elevador de Santa Justa funcionava, inicialmente, a vapor, mas foi eletrificado em 1907 e os motores que lá estão são os originais, assim como as cabines. As pessoas dizem que os bilhetes são muito caros, mas são esses bilhetes que nos permitem garantir a manutenção dos elevadores.” E da própria história. Os elétricos só surgiram a 31 de agosto de 1901, tendo sido preciso proteger este “Os elétricos tiveram uma aceitação muito boa. Todos tesouro alfacinha: “Nos carris do Porto ou adoraram. E foram, durante mais de quarenta anos, o de Coimbra, a bitola é mais larga do que a único meio de transporte público e coletivo da cidade de de Lisboa. E porquê? Quando a Carris instalou o sistema, as empresas concorrentes Lisboa. Daí a grande ligação que existe entre o lisboeta aproveitavam e circulavam em cima dos e o seu elétrico. E, agora, não há estrangeiro que venha nossos carris. Então, a Carris resolveu redu- a Portugal e que não queira dar uma voltinha num zir a bitola para acabar com esse abuso”. elétrico. Lisboa também embarcou nos elétricos.” Foram então tomando conta da cidade e Susana Esteves da Fonseca esta foi sendo desenhada em torno da rede que não parou de crescer até surgirem os autocarros. Todavia, apesar do sucesso, foi precisa uma primeira viagem para ditar o fim das sentenças populares de horror e desgraça que não perdoavam os fios que cruzavam as ruas da cidade e prometiam atrair os raios num dia de trovoada. Contudo, de repente, tudo mudou. “Os elétricos tiveram uma aceitação muito boa. Todos adoraram. E foram, durante mais de quarenta anos, o único meio de transporte público e coletivo da cidade de Lisboa. Daí a grande ligação que existe entre o lisboeta e o seu elétrico. E, agora, não há estrangeiro que venha a Portugal e que não queira dar uma voltinha num elétrico. Lisboa também embarcou nos elétricos.” O casal sentado no primeiro banco, de passe na mão e olhar habituado a estas andanças, como se muito da sua vida se pudesse recontar entre as paragens do elétrico 18, contrasta com os jovens namorados de cabelo dourado e pele queimada que, com bilhete só de ida e guia turístico na mão, se deixa levar pela cidade num daqueles amores à primeira vista. Já naquele tempo em que a Carris se assumia como a primeira empresa de transportes públicos de Lisboa, “existiam passageiros frequentes e, por isso, criou-se um bilhete de assinatura – um passe. Mas os primeiros de todos tinham o nome do assinante, o número, mas não tinham fotografia. Todos os condutores dos carros Americanos tinham de andar com um livro (bem grande) com as fotografias de todos os assinantes para controlar as entradas”. Imaginam-se então as longas paragens impostas por uma eventual busca mais

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ELÉTRICOS DA CARRIS

difícil naquele livro que hoje repousa no Museu da Carris e no qual encontrar uma mulher ou um homem sem bigode ainda é um desafio.

Passadas as colinas, o Tejo fica mais perto. Já no Cais do Sodré, é preciso contornar-se a raquete, parar-se, mudar o destino e aguardar. É um momento de pausa para o guarda-freio que, acelerando e travando, garante que, sobre carril, o elétrico vai andando. “Estou há 16 anos na Carris. Lisboa mudou muito. Mas há coisas que não mudam. Por exemplo, de manhã os clientes são quase sempre os mesmos. Até estranhamos quando não aparecem. Esta linha é muito especial porque é bairrista. Há um cuidado quase familiar entre todos”, conta Rui Pinto até ao momento em que é interrompido por um turista que procura indicações, a quem responde em inglês e sem hesitações. Afinal de contas, quando a condução está em pausa, também se pode ser guia turístico numa cidade em que as ruas já não conseguem esconder segredos perante aqueles que todos os dias as percorrem. Como sublinha Susana, “são o rosto da empresa. São simpáticos, atenciosos, prestáveis e, na grande maioria, falam um outro idioma num nível suficiente para ajudarem os turistas. São uma peça fundamental”. No final dos anos 60, parecia ser mais fácil acabar com os elétricos. Contudo, rapidamente ficou claro que essa não se revelaria a decisão mais acertada. “Tivemos duas circunstâncias que salvaram os elétricos: a crise de petróleo nos anos 70 e a vinda dos retornados das ex-colónias. Foi preciso manter a rede de elétricos para que fosse garantido um apoio aos autocarros.” De um fim anunciado à salvação desejada foi um passo de empenho e dedicação. Assim, tal como as viagens, também os esforços de conservação da história acontecem todos os dias. “É um desafio. Neste momento, estamos numa fase de expansão. No dia 24 de abril, foi reinaugurada a carreira 24. Neste dia, as pessoas aplaudiram o elétrico à sua passagem”, recorda Susana, descrevendo a emoção de quem viu renascer. Embora sem lanternim para abrir e deixar entrar o ar da cidade, símbolo de outros tempos, lá vai o elétrico da Carris, rua abaixo. Ouve-se o “pi” que dita a validação do bilhete e há espaço para o mundo lá dentro. Caso os travões falhem, é despejada areia para causar atrito. Mas os anos têm provado que os travões só falham quando, “a 9”, ponto máximo de velocidade, se escreve esta viagem de passado, presente e futuro. De cara lavada e amarelo reluzente, lembrando onde a viagem começou, os “embaixadores de Lisboa” seguem e provam que, sobre carris, o destino pode mesmo ser aquele que se quiser. : :

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PROFISSÃO

O REGISTO CENTRAL DO BENEFICIÁRIO EFETIVO E O COMBATE AO BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS E AO FINANCIAMENTO DO TERRORISMO

Por Débora Riobom dos Santos, Solicitadora e Delegada Concelhia de Loures da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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O

Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), aprovado pela Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, que entrou em vigor em 20 de novembro de 2017, integra um pacote de providências legislativas que visam o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, introduzindo alterações em diversos diplomas legais e estabelecendo um conjunto de obrigações às entidades sujeitas ao RCBE. O RCBE é uma base de dados que contém a identificação atualizada das pessoas que detêm, ainda que de forma indireta, a propriedade ou o controlo efetivo de associações, cooperativas, fundações, sociedades civis e comerciais, bem como de quaisquer entidades que exerçam atividade ou pratiquem qualquer negócio em Portugal e estejam sujeitas à obtenção de um número de identificação fiscal. Estas entidades estão agora obrigadas a manter um registo interno e atualizado dos elementos de identificação dos seus sócios e das respetivas participações sociais, das pessoas que por qualquer forma detenham o controlo efetivo da entidade e de quem exerce a sua gestão ou administração, sob pena de sujeição a processo de contraordenação punível com coima entre os € 1.000 e os € 50.000, bem como, nos momentos e periodicidade indicados na lei – no mínimo anualmente –, a atualizar essa informação na base de dados, sob pena de publicitação no acesso público do RCBE da situação de incumprimento. A lei passa ainda a exigir que, em determinadas circunstâncias, as entidades façam prova do registo no RCBE, estipulando que, enquanto não se verificar o cumprimento das obrigações declarativas, é-lhes vedado, nomeadamente: distribuir lucros do exercício ou fazer adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício; celebrar contratos de fornecimento, de empreitadas de obras públicas ou de aquisição de serviços e bens com o Estado, bem como renovar o prazo dos contratos já existentes; concorrer


à concessão de serviços públicos; beneficiar dos apoios de fundos europeus estruturais e de investimento. Acresce que a entidade fica ainda impossibilitada de intervir como parte em qualquer negócio que tenha por objeto a transmissão da propriedade, a título oneroso ou gratuito, ou a constituição, aquisição ou alienação de quaisquer outros direitos reais de gozo ou de garantia sobre quaisquer bens imóveis, competindo ao titulador, em momento anterior à titulação, proceder à consulta do RCBE e, verificando-se publicitada a situação de incumprimento, recusar a prática do ato, fazendo constar no documento de recusa essa circunstância. Incorre ainda em responsabilidade civil e criminal quem, para efeitos de registo de beneficiário efetivo, prestar falsas declarações. A primeira obrigação declarativa para as entidades constituídas após a entrada em vigor deste diploma é realizada no momento da sua constituição ou com a primeira inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, consoante se trate de entidade sujeita ou não a registo comercial, formalizada através de declaração dessa qualidade, que fica a constar no reconhecimento de assinatura ou em documento anexo ao pacto social / estatutos, que dele passa a fazer parte integrante. As restantes entidades terão de aguardar a publicação da portaria que irá regulamentar esta e outras matérias do RCBE. Porém, está já definido que o cumprimento da obrigação declarativa dentro do prazo, o acesso à informação do RCBE, quer o público, quer o destinado às entidades judiciárias, policiais, setoriais e à Autoridade Tributária e Aduaneira é gratuito. Não obstante, este diploma aditou o art. 27.º-B ao Regulamento Emolumentar do Registo e Notariado, que fixa encargos entre os € 15 e os € 50 para o preenchimento assistido da declaração de beneficiário efetivo (€ 15), para a emissão de comprovativo de declaração de beneficiário efetivo (€ 20), para o cumprimento da obrigação declarativa fora de prazo (€ 35) e para o acesso mensal à informação pelas entidades obrigadas (€ 50). A base de dados do RCBE, gerida pelo Instituto dos Registos e Notariado (IRN) e da qual é possível extrair informações e certidões, consagra três níveis de acesso: um nível de acesso público (acesso reduzido), que contém os elementos essenciais da entidade e do beneficiário efetivo e as situações de incumprimento; um nível de acesso intermédio, para as entidades obrigadas; e um nível de acesso máximo (acesso total), para as entidades judiciárias, policiais, setoriais e para a Autoridade Tributária e Aduaneira. O acesso à informação sobre o beneficiário efetivo pode ser parcial ou totalmente limitado se, após avaliação do Presidente do Conselho Diretivo do IRN, IP, se verificar que a divulgação é suscetível de expor a pessoa identificada ao risco de fraude, rapto, extorsão, violência ou intimidação. O diploma consagra ainda o direito à proteção dos dados pessoais constantes no RCBE, incluindo os do beneficiário efetivo. : :

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

AQUI CONSTROEM-SE PONTES SÓLIDAS COM TODAS AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR QUE GARANTEM A FORMAÇÃO DAQUELES QUE PODERÃO DEPOIS ABRAÇAR AS PROFISSÕES DE SOLICITADOR OU DE AGENTE DE EXECUÇÃO. NESTE ESPAÇO CHEIO DE ESPÍRITO ACADÉMICO, O QUAL IRÁ PERCORRER PORTUGAL E CONTINUAR A MARCAR PRESENÇA NAS PRÓXIMAS EDIÇÕES, CONTAM-SE OS DESAFIOS, AS CONQUISTAS, AS ASPIRAÇÕES, A “PERSONALIDADE” DE CADA UM DESTES CURSOS.

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ENSINO SUPERIOR

“Uma faculdade que não esquece, também não é esquecida.”

RUI MANUEL DE FIGUEIREDO MARCOS Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Rui Santos Jorge assista ao vídeo em www.osae.pt

Ser estudante na cidade de Coimbra ainda se reveste de um significado especial? Eu acho que sim, em todos os aspetos. Primeiro, quem foi aqui estudante mantém isso impresso na lembrança e guardado no coração durante toda a sua vida. É possível tirar um estudante de Direito de Coimbra, mas não é possível esta cidade sair da alma desse estudante. A prova disso é que, por exemplo, desde há dezenas de anos, os licenciados rumam à faculdade para comemorar datas marcantes dessas mesmas licenciaturas. Temos sempre tendência para regressar aos locais onde fomos felizes. E Coimbra é um desses locais. Falamos de uma faculdade cheia de história. É esta bagagem que a diferencia? Completamente. A faculdade mantém uma cidadania de prestígio que se tem conservado ao longo dos anos, também graças às sucessivas gerações de professores que emprestaram à faculdade a parcela mais valiosa da sua existência. A história tem influência em todos os aspetos. Costumamos dizer que as paredes também falam. Por exemplo, o facto de a faculdade habitar num palácio real e de existir um cuidado muito grande com estes edifícios cativa muitos professores e estudantes estrangeiros. Não é fácil manter um edifício como este, com todas as comodidades, mas fazemos o esforço. Vale a pena. O lado turístico representa outro desafio? Sem dúvida. Eu diria que é um outro modo de ver as coisas. A Universidade de Coimbra é um dos monumentos mais visitados de Portugal. Trata-se de um aspeto muito curioso porque os turistas entram na faculdade, visitam salas de aulas e os nossos estudantes encaram isto com orgulho. É uma situação interessante, à qual não estávamos habituados. A universidade tem estudantes com mais de 100 nacionalidades. E não é só no caso dos estudantes, temos muitos professores estrangeiros que aqui fazem estâncias de investigação. Isso também se deve muito à Biblioteca da Faculdade de Direito, a melhor biblioteca jurídica do país e uma das melhores da Europa. É onde a faculdade investe a maior parte dos seus recursos. Isto torna a faculdade

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

muito apetecível. Do prisma da internacionalização, a faculdade está no seu auge.

A faculdade quer, então, continuar a fazer história? Não queremos parar. Um exemplo disso é a Escola de Jurisprudência que criámos, a qual visa ligar a componente teórica à prática forense, notarial, registal, processual, com muito interesse para os diversos profissionais. A faculdade pensa o Direito para o aplicar, mas também o aplica pensando. Isto é muito bom para os nossos estudantes. Assim como a aposta na vinda de professores de outras nacionalidades, sendo assim garantida a possibilidade de partilha e troca de experiências e a oportunidade de os alunos estrageiros, sendo da nacionalidade do professor em causa, aprofundarem conhecimentos sobre o que se passa no país de origem. É um curso que oferece um grande futuro. O curso de Direito oferece, neste momento, um vasto leque de opções. A faculdade tem que conseguir sensibilizar para essa diversidade? Um dos grandes méritos do curso de Direito passa por ser de largo espectro. A nossa formação é interdisciplinar. Acaba por dar uma abrangência de formação cultural bastante grande. E, nesse sentido, permite às pessoas terem uma mente aberta para as diversas carreiras. Por isso é que nunca tivemos dificuldade em preencher todas as vagas. Então, a procura tem sido sempre superior à oferta? Sim, muito superior. Esta procura deixa-nos muito contentes e honrados. Porque falamos de uma faculdade muito grata. Não apaga os seus mestres jubilados, nem os que já não estão entre nós. E uma faculdade que não esquece, também não é esquecida. Tudo isto tem muito significado na altura de escolher um curso de Direito.

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É importante receber bem os novos e continuar a cuidar dos mais velhos? Sim, cuidar de todos. Os mais novos precisam dos mais velhos e os mais velhos precisam de se sentir novos. Uma das coisas mais interessantes da faculdade passa por ser uma ilha de convivência civilizada, culta e intergeracional. Aqui, uma pessoa envelhece sem se aperceber. Por exemplo, eu sou professor e, olhando para o lado dos alunos, eles têm sempre a mesma idade. Tenho sempre a sensação que o tempo não passa. Quem dirige uma faculdade não se pode preocupar apenas com a parte formativa? Temos de nos preocupar com muitos outros aspetos. Instalações, recursos, investigação, etc. Tudo isso são áreas com que temos de nos preocupar. Temos que garantir que tudo corre bem. A maior publicidade de uma faculdade são os seus estudantes. E, de certa maneira, os seus professores. Nunca liguei à conversa do passado dos alunos, de que escola eles vêm, etc. Não me interessa como entram aqui, mas sim como saem. O que me interessa é que o aluno saia bem formado, bem-educado, sabedor, culto. Ou seja, verdadeiramente apto para enfrentar qualquer desafio na sua vida. E em relação ao futuro, o que se pode dizer? O futuro está no acompanhamento dessas neoformações jurídicas, das novas ideias e dos novos domínios em que o direito é chamado a intervir. A faculdade tem tido especialistas nessas diferentes áreas. Consumo, urbanismo, medicina, etc. A faculdade sente dificuldade em dar resposta a todas as solicitações que tem. Ainda hoje disse aos meus alunos que é importante que eles tenham orgulho da faculdade onde estudam. E é isso que eu quero que continue a acontecer. : :


O que me interessa ĂŠ que o aluno saia bem formado, bem-educado, sabedor, culto. Ou seja, verdadeiramente apto para enfrentar qualquer desafio na sua vida.

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ORDENS

OS PSICÓLOGOS NA TOMADA DA DECISÃO FINANCEIRA Os psicólogos e as psicólogas desenvolvem o seu trabalho nas mais diversas áreas da sociedade portuguesa. Embora o conhecimento sobre o seu papel tenha tido um enorme crescimento ano após ano, particularmente na última década, com uma expressão muito visível na comunicação social, esta literacia sobre a profissão tem enfoque essencialmente na área clínica e da saúde, na qual, aliás, trabalha a maior fatia destes profissionais. Acrescente-se ainda que a imagem dos psicólogos está muito associada às intervenções clínicas individuais, “remediativas”, na área da saúde mental. Todavia, são muitas mais as suas áreas e contextos de atividade.

Por Francisco Miranda Rodrigues, Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses

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título de exemplo, recentemente, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) assinou um protocolo de colaboração com o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF), passando a integrar o Plano Nacional de Formação Financeira. De acordo com este protocolo, a parceria entre os supervisores financeiros e a OPP tem em vista a definição e implementação de iniciativas de formação financeira centradas nas atitudes e comportamentos da população relativamente à tomada de decisões financeiras. Os supervisores financeiros e a OPP reconhecem a importância de os psicólogos abordarem temas financeiros junto das populações com as quais trabalham e de se apoiar o reforço das suas competências nesta área, salientando ainda o contributo do conhecimento da ciência psicológica para a implementação de iniciativas de formação financeira. As linhas de ação do protocolo incluem a realização de ações de formação financeira dirigidas às comunidades de psicólogos que intervêm nos agrupamentos de escolas e em escolas não agrupadas; a realização de ações de formação financeira dirigidas à comunidade de psicólogos que intervêm em contexto comunitário, em particular junto de públicos mais vulneráveis; a preparação de publicações conjuntas sobre atitudes


e comportamentos adequados na tomada de decisões financeiras para apoiar a realização de ações de formação financeira; a preparação conjunta de inquéritos à literacia financeira de âmbito nacional ou dirigidos a públicos específicos; e a identificação e produção de materiais adequados às diversas iniciativas. Esta área, prevista como uma das ações estratégicas no Programa dos atuais corpos gerentes da OPP, é muito relevante para os portugueses tendo em conta o elevado impacto das disfunções do sistema financeiro ou das consequências da tomada de decisões financeiras nas nossas vidas. De facto, erros nesta tomada de decisão podem ter consequências sistémicas, mas também a nível individual, na saúde física e psicológica dos cidadãos, como recentemente pudemos vivenciar de perto com a última crise financeira. Mas, afinal, o que tem isto que ver com a Psicologia? Se estamos a falar de atitudes e de comportamentos e se, antes disso, falamos das tomadas de decisão que levam a essas atitudes e comportamentos, então estamos no domínio da ciência psicológica e da atuação dos psicólogos. A forma como tomamos decisões e os seus determinantes são alvo de estudo da Psicologia há muitas décadas e, recentemente, dois psicólogos foram distinguidos com o Prémio Nobel da Economia – em 2002, Daniel Kanheman e, em 2017, Richard Thaler – por trabalhos que tocam estas matérias. Nem todos os erros na tomada de decisão são evitáveis, mas muitos serão se tivermos consciência da forma como pensamos e decidimos (na área financeira ou noutra qualquer dimensão da nossa vida). Há enviesamentos e distorções que, se reconhecidas cedo, poderemos controlar e evitar nas tomadas de decisão, prevenindo assim as consequências dessas “más” decisões.

Os supervisores financeiros e a OPP reconhecem a importância de os psicólogos abordarem temas financeiros junto das populações com as quais trabalham e de se apoiar o reforço das suas competências nesta área, salientando ainda o contributo do conhecimento da ciência psicológica para a implementação de iniciativas de formação financeira.

Termino com um exemplo bem descrito por Kanheman e que muitos poderemos “conhecer” ou fazer uso sem saber dos seus pressupostos. O excesso de confiança acontece quando confiamos na informação que vem à mente e construímos uma história coerente em que a estimativa faz sentido (o que não conhecemos não nos vem à mente...). Se juntarmos a isto o facto de, socialmente, ser mais aceite uma estimativa segura irrealista do que a estimativa insegura mas realista... Na comparação com um diagnóstico, preferimos a certeza de um diagnóstico que não exista do que a insegurança num diagnóstico, pois esta última parece-nos descrever um profissional pouco credível. Por tudo isto... É urgente incorporar muito mais o conhecimento da Psicologia no sistema financeiro, em específico e nos processos de tomada de decisão em geral. : :

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ENTREVISTA

Uma forma de vida chamada Solicitadoria

FRANCISCO ANTÓNIO CARAPETO GRAÇA ANTIGO PRESIDENTE DO CONSELHO GERAL DA CÂMARA DOS SOLICITADORES

Esta é a história de alguém que fez da profissão uma forma de vida. Chegou sem querer. Diz que foi “sorte”. O escritório que o viu nascer como Solicitador foi o mesmo que o viu resolver o último processo. Quis dar o lugar aos mais novos. Mas, ao entrar na atual sede da sua Ordem, não esconde o amor e o orgulho que sente por esta profissão. Francisco António Carapeto Graça foi Solicitador e Presidente do Conselho Geral da então Câmara dos Solicitadores. Inscreveu-se em 1968 e a sua cédula profissional ainda era das que só tinham três dígitos. Trata o cliente por amigo e acredita que, por vezes, basta um bom conselho para mudar o rumo das coisas. E deixa um a quem abraça esta profissão ou, melhor dizendo, esta vida: “Se trabalharem honestamente, respeitando e servindo da melhor forma o cliente, vão ter, com certeza, o seu trabalho reconhecido”. Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

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processos. Considero, agora, que foi exagerado. Dispensava muito do meu tempo ao trabalho. Felizmente, tive uma família que compreendeu este empenho que tinha na minha vida profissional.

Olhando agora para a então Câmara dos Solicitadores… Como é que acaba por se envolver na vida da associação pública, chegando ao cargo de Presidente do Conselho Geral? Volto a atribuir a culpa à sorte. Foi simples: uma pessoa, que já estava nos órgãos da Câmara dos Solicitadores, ouviu dizer que eu era um bom Solicitador e convidou-me. Modéstia à parte, foi bom. Tanto para mim, como para todos os associados. Tendo sido Presidente do Conselho Geral entre 83 e 85, como recorda a Câmara dessa altura? Costumo dizer que era uma associação familiar. Conhecíamos todos os associados pelo nome. No meu tempo, a sede era no Tribunal da Boa Hora, num sítio pequeno. Eram apenas três funcionários e aguentavam o barco sozinhos. Para mim, é um orgulho ver as instalações que temos atualmente.

Como é que a solicitadoria chega à sua vida? Costumo dizer que chegou porque tinha de chegar. Entrei na Solicitadoria pela mão do meu primo – um amante do Direito. Ele é que me convenceu (e quase me obrigou) a seguir a profissão. Tinha acabado de sair da tropa, foram cinco anos como militar. Ainda tive a possibilidade de seguir a carreira militar, mas não aceitei. E estou satisfeito por ter optado pela Solicitadoria. Deu-me muito. Conheci pessoas fantásticas, aprendi e vivi muito. O exercício da profissão era muito diferente? A profissão de Solicitador era muito voltada para a prática. Eram poucos os que existiam, também devido aos numerus clausus. Por exemplo, em Lisboa eram 50, mas trabalho não faltava. 50 Solicitadores para a zona toda de Lisboa era muito pouco. Não havia concorrência. Naquela altura, os Solicitadores eram muito respeitados. Eram poucos, mas eram mestres da profissão. Profissionais honestos - essa era a sua imagem de marca. De norte a sul, em todas as terras, o Solicitador era aquela pessoa que resolvia os problemas. As pessoas podiam entregar um caso a um Solicitador e ele não o largava até estar resolvido. Como recorda os primeiros anos? Tive um único escritório durante toda a minha vida profissional. Entrei naquele escritório no ano em que o meu filho nasceu e por lá fiquei durante quase 50 anos. Éramos uma autêntica família. O meu escritório deixou de ser uma empresa, era uma família. O tempo foi passando e eu fui crescendo como Solicitador. Cheguei a ter dez funcionários ao mesmo tempo no meu escritório. Eram milhares de

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Quais eram os principais desafios da altura? A grande luta, na altura, era dar divulgação à figura do Solicitador, foi por isso que labutámos no nosso mandato. E como é que encara a passagem a Ordem? Na minha opinião, foi muito importante. É importante estar ao mesmo nível das outras Ordens que existem em Portugal. É importante que os Solicitadores e os Agentes de Execução assim se sintam. E, sinceramente, acho que também é mais fácil explicar às pessoas o que é esta instituição e qual a sua função. E o que mais o orgulha neste percurso? Orgulha-me o percurso que fiz e orgulho-me da possibilidade de ser uma pessoa independente. Sempre ouvi toda a gente, sempre gostei de ouvir a opinião de todos, mas fui sempre independente no momento de tomar as minhas decisões. Orgulho-me por ter conseguido manter sempre o meu escritório a funcionar, comparecendo em todas as reuniões da Câmara dos Solicitadores. Na altura, como eram poucos associados, fazia quase uma reunião com cada um deles para ouvir o que tinham a dizer. É uma profissão que deixa saudades e amigos? Completamente. Havia momentos em que o cliente ia só ao escritório para desabafar. É muito importante que o cliente tenha total confiança no Solicitador. Muitas vezes, basta um conselho bem dado para ajudar um cliente. Como vê o futuro da Solicitadoria? O futuro está garantido para quem se quiser esforçar enquanto profissional, mas isto acontece em qualquer


ENTREVISTA COM FRANCISCO ANTÓNIO CARAPETO GRAÇA

destaque

De norte a sul, em todas as terras, o Solicitador era aquela pessoa que resolvia os problemas. As pessoas podiam entregar um caso a um Solicitador e ele não o largava até estar resolvido. É muito importante que o cliente tenha total confiança no Solicitador. Muitas vezes, basta um conselho bem dado para ajudar um cliente.

profissão. Os Solicitadores, enquanto profissionais independentes, têm de se esforçar mais do que os outros para terem trabalho. Não podem ficar sentados no escritório, em frente à secretária. Têm de sair, falar com pessoas, conhecer a realidade que os rodeia.

Que conselho deixaria aos jovens que abraçam agora a profissão? Isto é como no meu tempo de tropa: temos de estar sempre atentos. Na minha opinião, o Solicitador deve estar sempre atento aos seus clientes e ao que se passa à sua volta. E tem que saber aprender com os mais velhos e com a experiência. A experiência ensina todos os dias. Foi isso que fiz e, hoje, compreendo que foi fundamental. Digo mais: se trabalharem honestamente, respeitando e servindo da melhor forma o cliente, vão ter, com certeza, o seu trabalho reconhecido. : :

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SOCIEDADE

O FIM DO ANONIMATO NA LEI DA PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA: UMA MUDANÇA DE PARADIGMA SOB A CHANCELA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A procriação medicamente assistida e a gestação de substituição são, nas modernas sociedades que diariamente testemunham fenómenos de infertilidade, práticas sobejamente disseminadas a nível mundial que, não obstante, nos colocam sérios desafios e interrogações, quer no plano ético, quer no plano jurídico.

P Por Susana Almeida, Doutora em Direito pela Universidade de Salamanca, Mestre e Licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra, Professora-adjunta e Coordenadora do Curso de Licenciatura em Solicitadoria na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria, Investigadora do Instituto Jurídico Portucalense

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ropomos uma breve reflexão sobre uma das questões axiológico-jurídicas decorrentes deste modo de procriação analisada recentemente pelo Tribunal Constitucional no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril: os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas com recurso a tais processos. Com efeito, o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se, em sede de fiscalização abstrata, sobre um conjunto de preceitos da Lei da Procriação Medicamente Assistida (LPMA), a Lei n.º 36/2006, de 26 de julho, alterada pelas Leis n.os 59/2007, de 4 de setembro, 17/2016, de 20 de junho, 25/2016, de 22 de agosto, e 58/2017, de 25 de julho. Um dos preceitos submetidos a apreciação foi o art. 15.º do citado diploma que, sob a epígrafe “Confidencialidade”, assegurava, no n.º 1, o anonimato absoluto, por um lado, a todos os terceiros dadores de material genético com vista a possibilitar a fecundação da mulher e, por outro lado, à gestante de substituição, com as derrogações previstas nos números seguintes relativamente a certas entidades e quanto a determinadas informações. Assim, nos termos do n.º 2 e do n.º 3 do predito dispositivo, a pessoa nascida em consequência de processos de PMA pode, mediante consulta de serviços competentes, aceder a informações de natureza genética e a toda a sua história clínica, bem como a informações para averiguar a existência de impedimento legal a casamento projetado. No entanto, em ambos os casos, o preceito excluía a informação sobre a identidade do dador, exceto, de harmonia com o n.º 3, “se este expressamente o permitir”, ou, tal como prescrevia o n.º 4, se sobrevirem “razões ponderosas” reconhecidas por sentença judicial e que exijam a revelação de tal identidade. Vejamos, pois, quais os direitos e os interesses que latejam nesta problemática. De um lado, o anonimato absoluto dos dadores e da gestante salvaguarda a intimidade da sua vida privada e familiar e garante a tutela da paz familiar


dos beneficiários destas técnicas e o seu direito a constituir família, em conformidade com o disposto no art. 26.º, n.º 1, e no art. 36.º, n.º 1, da CRP. Outro argumento aventado em abono do anonimato dos dadores é a ideia de que esta previsão assegura a efetiva existência de dadores. De outro lado, divisamos os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade da pessoa nascida com recurso a técnicas de PMA, ambos consagrados no artigo 26º, n.º 1 e n.º 3, da Lei Fundamental. O Tribunal Constitucional, no exercício de concordância prática entre os direitos em conflito e seguindo o trilho que se vem desenhando na jurisprudência e na doutrina nacionais e internacionais e acompanhado por algumas leis nacionais (v.g., Reino Unido, Suíça, Holanda e a maioria dos países nórdicos), fez pender a balança a favor dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade e declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n.º 1 e do n.º 4 do art. 15.º da LPMA, por considerar que a descrita obrigação de sigilo absoluto consubstancia uma “restrição desnecessária” daqueles direitos. Não podemos deixar de aplaudir esta decisão. Na verdade, muito nos apraz constatar que, numa lei que em todos os seus poros tutela o direito a constituir família – na medida em que vem, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2016, de 20 de junho, alargar o âmbito de beneficiárias destas técnicas a todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade (cfr. art. 4.º da LPMA) e que, portanto, transforma estas técnicas em métodos de procriação alternativos e não subsidiários, apesar de expressamente rezar o contrário – se puxe, pela mão do Tribunal Constitucional, o manto protetor para amparar o interesse da criança nascida com recurso a tais técnicas. Saber quem somos, como fomos gerados, que pessoas determinaram geneticamente a nossa existência, que

relações interpessoais travámos, que experiências tivemos no nosso passado - são questões cujas respostas preenchem o nosso direito à identidade pessoal, na dimensão do direito à historicidade pessoal e como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. O conhecimento da ascendência genética faz parte da historicidade pessoal. E apenas com estas respostas se garante igualmente o direito ao desenvolvimento da personalidade e se promove a construção do “verdadeiro eu”. No que respeita à gestante, pese embora não seja, em caso algum, dadora de qualquer ovócito usado neste processo, consideramos que também será importante a concessão ao nascido com recurso a estas técnicas da faculdade de obter informação sobre esta mulher que com ele estabeleceu uma relação psicológica, biológica e epigénica durante nove meses. Assinale-se que este reforço da tutela do direito à identidade pessoal inspirou igualmente o regime jurídico da adoção (Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro) que concede ao adotado a possibilidade de conhecer a identidade do progenitor. Resta agora aguardar para ver a partir de que idade e mediante que procedimento poderá, no entendimento do legislador, o nascido com recurso às técnicas de procriação medicamente assistida conhecer a identidade dos dadores ou da gestante. Julgamos, no entanto, que o legislador deverá ter alguma cautela na hora da previsão do momento a partir do qual deverá vigorar o fim do anonimato, na medida em que, nas doações (e gestação de substituição) realizadas até à data, os doadores e a gestante deram o seu consentimento sob a premissa do anonimato, ao abrigo da versão anterior da LPMA. Por fim, questionamos se não seria de prever, na nova lei, a eventual possibilidade de o anonimato do dador prevalecer no caso de razões ponderosas por este invocadas serem reconhecidas por sentença judicial. : :

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REPORTAGEM

Em 1949, abria a primeira gelataria no Tamariz. O avô de Eduardo Santini, Attilio Santini, foi o fundador de uma história cheia de sabores e pintada às riscas vermelhas e brancas. “Nascido numa zona com uma forte tradição na produção de gelados, o meu avô, quando saiu de Itália, passou por França e, depois, chegou a Espanha. Isto trabalhando sempre na indústria da alimentação. Em Espanha, conheceu a minha avó e abriram um café que vendia gelados. Por lá conheceu também o cônsul português em Valência que o convenceu a vir para Portugal”, o país que, para Eduardo, sabe a tutti-frutti por tudo que nele existe. Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Rui Santos Jorge / assista ao vídeo em www.osae.pt

GELADOS

Com sabor a felicidade 60


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arece simples o “era uma vez” desta vida que hoje é contada pelo neto do seu autor, para quem esta tradição representa também “uma responsabilidade”. Eduardo cresceu entre gelados. “O primeiro sítio para onde fui depois de sair da maternidade foi para a loja. Uma das primeiras coisas que comi foi gelado”. Os anos passaram. Os gelados acabam por ditar a passagem das folhas do calendário e as memórias trazem sabor, permitindo uma autêntica degustação do tempo. “Associo sabores de gelados a partes da minha vida. Por exemplo, o final do verão sabe a framboesa”, recorda Eduardo. Por representarem tanto da vida de uma família, é com as mãos, amor e cuidado que os gelados se fazem na fábrica Santini, em Carcavelos, mesmo no mercado, o coração da cidade, cheio de vozes e reboliço. “O meu avô e o meu pai deixaram uma listagem de cerca de 60 sabores, o que já era uma listagem grande. Hoje em dia, temos cerca de 400. É uma coisa que me dá imenso gozo: encontrar novos sabores. Sempre inspirados em pratos que vamos comendo ou em experiências que vamos tendo. E sempre com base nas receitas do meu avô. Porque não esquecemos os clássicos.” Assim, o mundo, em sabores, pode estar dentro de um daqueles tubos de inox onde se transportam os gelados. Contudo, há muito a testar antes da chegada à loja e a fronteira do bom senso não se pode esbater. No dia de cada lançamento, há que deixar experimentar os curiosos, mesmo aqueles que vão acabar rendidos ao eterno “morango e chocolate”. Nas receitas mora um pedaço do segredo. Então, onde mora o resto? “Só usamos ingredientes frescos. Por exemplo, o gelado de Bola de Berlim é mesmo feito com Bolas de Berlim”. Depois, é quem trabalha que faz a diferença: “Escolhemos a fruta, testamos as vagens de baunilha, analisamos se o açúcar que usamos está muito grosso ou fino. As máquinas não conseguem distinguir isto. Aqui é a mão humana que prevalece”. É na escolha da matéria-prima que tudo começa. As mercadorias são recebidas e selecionadas segundo parâmetros previamente definidos. Para além da qualidade, procura-se garantir que a origem é nacional, devendo a produção ser planeada em harmonia com a natureza e as épocas. Depois, para que a aulidade não se perca pelo caminho, as várias salas estão ligadas por câmaras frigoríficas. Lá dentro, o cheiro é de fruta sempre renovada. Por exemplo, uma manga chegada às 8 horas da manhã, às 10 horas já está transformada em gelado (se incluir leite na receita) ou sorbet. Segue-se a lavagem. Os morangos, em fase de desinfeção, parecem pintados, tal é a força do vermelho que os forra. Também nessa sala, são espremidas laranjas e descascadas bananas que, posteriormente, serão trituradas. À mão. E desengane-se quem possa pensar que uma máquina poderia ser mais veloz. Daqui sairá a fruta que, a cada dia, revelará um gelado que, sendo artesanal, todos os dias será diferente. Mas nem só de fruta vivem os gelados Santini. Num dia de verão, são consumidos cerca de 1000 litros de leite na

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"O meu avô e o meu pai deixaram uma listagem de cerca de 60 sabores, o que já era uma listagem grande. Hoje em dia, temos cerca de 400."


GELADOS SANTINI

produção de gelados. Naquela cozinha, custa resistir ao pecado da gula quando tanto acontece à volta de quem está. Na panela, o açúcar ferve até ao ponto caramelo, nas voltas que a colher de pau dita. Noutras, bem maiores, descansa, ao calor, o leite já adoçado. As máquinas apenas surgem no momento em que é necessário dar consistência de gelado aos ingredientes em estado líquido. E são esses ingredientes que definem as regras às quais as máquinas obedecerão. As suas vontades e caprichos imperam para que, de seguida, se possam encher os tubos de inox que viajarão até às lojas. Depois, já só rumarão a novos destinos à boleia de copos e cones.

“Escolhemos a fruta, testamos as vagens de baunilha, analisamos se o açúcar que usamos está muito grosso ou fino. As máquinas não conseguem distinguir isto. Aqui é a mão humana que prevalece.”

A loja acaba de abrir. O quadro exibe os sabores do dia. Os funcionários, trajados a rigor e de sorriso posto, aguardam a chegada do primeiro cliente. Que não tarda. “Uma bola, dois sabores, por favor.” Atrás do balcão, de colher erguida, está tudo a postos. Sabe-se onde mora cada sabor, levanta-se a tampa e demonstra-se a afamada acrobacia em que, de uma só vez, são servidos dois sabores. Colorido e vistoso, o cone é entregue. Nele vão os ingredientes, as receitas, as pessoas e a história de uma família que, de geração em geração, procurou guardar Portugal em bolas de gelado. E, quem sabe, um dia talvez venha a servir outros pedaços de mundo: “Gelatarias além-fronteiras é algo que ambicionamos, mas não é uma obsessão. Aliás, seja qual for o objetivo, só avançaremos na certeza de ser possível manter a qualidade dos nosso gelados”, afirma Eduardo Santini, naquela sala de reuniões onde, ao centro da mesa, há colheres de gelado em vez de canetas e papeis. Seja como for, comer um gelado é algo com contornos de sorriso, cuja memória não se derrete. É um ritual que, de geração em geração, atravessa os tempos e vai ficando, enganando a saudade e atrasando o tempo. “Nós estamos muito associados a momentos de vida das pessoas. Não é por acaso que muitos pedidos de casamento são feitos nas gelatarias. E é uma tradição que passa de pais para filhos. As pessoas que iam ao Tamariz, hoje compram um gelado em Cascais ou no Chiado, fecham os olhos e voltam àqueles tempos. Nós sentimos isso. Não sei dizer se é o gelado que faz as pessoas felizes ou se o momento feliz é que é comemorado com um gelado. De qualquer das maneiras, uma certeza eu tenho: é algo feliz”. : :

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SOCIEDADE

A COLÓNIA DA COLONIA

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assados 600 anos desde a sua (re)descoberta, a Madeira tem acoplados à sua história vários acontecimentos, fruto da sua natureza etnográfica, geográfica e política, que a tornam singular. Um deles, condenado ao esquecimento pela passagem do tempo, foi o regime de colonia que está, ainda assim, presente na memória de muitos madeirenses, em especial dos mais velhos, correndo ainda nos Tribunais processos relativos ao reconhecimento dos direitos, muito por culpa da complexidade que comporta. De origem consuetudinária, este regime foi exclusivo da Região Autónoma da Madeira. Consistia num contrato em que o proprietário de um prédio rústico cedia ao caseiro a exploração dos terrenos, sendo os frutos divididos posteriormente (em regra, metade a cada um). Devido à natureza dos terrenos da ilha, ao seu relevo e ao seu tamanho reduzido, surgiu a necessidade de satisfazer os desejos de duas partes. Por um lado, os interesses dos proprietários, que viam os seus terrenos cultivados e, por outro, os interesses dos colonos que, ainda que não tivessem qualquer propriedade, podiam dispor desse mesmo prédio de modo a cultivarem e assim satisfazerem as suas necessidades básicas, como a da alimentação. Assim, e de modo geral, no regime de colonia, o direito de propriedade sobre um prédio rústico era dividido em dois direitos reais menores, sendo eles o direito de propriedade do chão, que continuava na titularidade do primitivo proprietário (senhorio), e a propriedade das benfeitorias que se realizem após a celebração do contrato, na titularidade do colono, que detinha ainda o direito de usufruto do chão. Iniciado como uma “variante” das sesmarias ou, como tentado pelos liberais, enquanto uma aproximação à enfiteuse, a verdade é que manteve um regime específico, fruto das forças de bloqueio existentes e que conseguiram prolongar este contrato atípico por muitos anos. Em boa verdade e a esta distância, podemos considerar que este regime era, em toda a sua linha, injusto para os caseiros, uma vez que teriam de despender do seu esforço pessoal e económico para, por exemplo, a construção de socalcos, que configurariam benfeitorias, tendo, no entanto, o resultado desse seu esforço de ser dividido com o senhorio. Claro está que, durante a vigência do regime da colonia, surgiram algumas tentativas de desmantelamento

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Por Vítor Ferreira, Solicitador e Presidente da Delegação Distrital da Madeira da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

desse regime, tendo todas elas falhado. Exemplo disso foi a de 1854, pela mão de José Silvestre Ribeiro, chegado como ajudante e secretário do representante régio para a Região, numa proposta de lei de alteração deste contrato, propondo que fossem os senhorios a assumir os custos das benfeitorias. No entanto, o principal problema residia no facto de o senhorio poder, querendo, e sem qualquer justificação, expulsar os colonos, com a particularidade de que, em muitos dos prédios rústicos, existiriam casas, muitas delas simples palheiros de colmo, que serviam de morada para os próprios colonos. Ou seja, a eventual expulsão levaria a que os colonos ficassem na rua. A injustiça era de tal forma que, se o colono tivesse de fazer obras na sua “barraca”, ainda que às suas custas, dependia da autorização do senhorio, autorização essa que seria utópica, uma vez que havia o estigma por parte dos senhorios, embutidos do espírito feudal e burguês, que se o caseiro tivesse a disponibilidade de fazer obras, derivava do eventual enriquecimento deste, o que não caía bem na classe dos senhorios. Contudo, e verdade se diga, alguns senhorios deram aos colonos a possibilidade de adquirirem os prédios mas, resultado desse estigma, configurava uma afronta aos outros senhorios. Em 1967, com a entrada em vigor do Código Civil, tratou-se de extinguir o contrato de colonia, tendo essa extinção sido concretizada pelo Decreto-Lei n.º 47 937, de 15 de setembro de 1972, não obstante este tenha mantido ativos os contratos de colonia celebrados no arquipélago da Madeira até à sua entrada em vigor. Após a Revolução de Abril e num contexto marcado pelo espírito liberal e democrático, a Constituição da República Portuguesa de 1976 decide abolir em definitivo estes contratos, fruto do reconhecimento da injustiça, bem como da inutilidade da função social que os justificava. Assim, o Decreto Regional n.º 13/77/M, de 18 de outubro, extinguiu os contratos de colonia, com a sua conversão transitória em contratos de arrendamento rural, fixando um prazo para as remições e as condições em que estas ocorreriam, propondo-se não perder de vista a necessidade de uma imprescindível rentabilidade da empresa agrícola e, simultaneamente, a de garantir, a durante séculos almejada, justiça social. : :


SOLUTIO

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CULTURA

E N T R E V I S TA C O M

FILIPE

LA FÉRIA ENCENADOR E DRAMATURGO

“Em criança, achava que tudo era um teatro. E, sinceramente, ainda hoje acho.” QUANDO A IDADE AINDA ERA UMA CRIANÇA E O ALENTEJO ERA O CENÁRIO, JÁ FILIPE LA FÉRIA FAZIA DO TEATRO A SUA BRINCADEIRA MAIS SÉRIA. O TEMPO, FEITO DE ANOS E PEÇAS, FOI PASSANDO AO SOM DOS APLAUSOS QUE NÃO SE ESGOTAM. E A CRIANÇA CRESCEU. MAS NÃO SE PERDEU. SUBIU AO PALCO E PERCEBEU QUE SÓ ALI SERIA FELIZ. POR ISSO, HOJE, DA VARANDA DO TEATRO POLITEAMA, ACENA COM UM SORRISO AO PAÍS QUE, A CADA NOVO ESPETÁCULO, QUER QUE SEJA A PERSONAGEM PRINCIPAL. ATÉ QUANDO? NÃO HAVERÁ HORAS SUFICIENTES PARA TODAS AS HISTÓRIAS. MAS, UMA COISA É CERTA, TODAS AS HORAS INSPIRARÃO NOVAS HISTÓRIAS. E FILIPE LA FÉRIA, COMO AQUELA CRIANÇA, SEM MEDO DOS SONHOS, SEGUIRÁ EM FRENTE, MOLDANDO O PALCO AO QUE FAZ DA VIDA O MELHOR DOS ESPETÁCULOS.

Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

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Tudo que a vida tem pode subir a palco? Sim, o palco é a vida. O palco é o espelho que nós colocamos diante do espectador, para ele se ver a si próprio. Olhos nos olhos, para descobrir a verdade do mundo em que vive. Seja na comédia, na farsa, na revista, na tragédia, etc. É sempre a arte da compreensão do homem e da sua tradição. Não esqueçamos que o teatro começa na Grécia para se transmitir a história do país de geração em geração. Podemos dizer que a fronteira entre a realidade e a ficção é cada vez mais ténue? A realidade também é uma ficção. Todo o mundo é uma ficção. Nós vivemos num mundo criado pelo homem com as suas regras. Nunca conseguimos perceber onde começa a realidade e termina a ficção. O homem inventou tudo. Nós somos o resultado da imaginação e da coragem do espírito insatisfeito do homem, da vontade de chegar sempre mais longe. E tudo aquilo que se vive contribui para o que se é e faz em palco? Eu digo sempre aos atores que a melhor escola é a observação. Temos de observar o comportamento do ser humano, porque é esse ser humano que nós queremos descobrir. É o mais novo de seis irmãos. A convivência, desde cedo, com tantas pessoas, certamente muito diferentes, contribuiu para a maior facilidade em criar personagens e histórias? Em criança, já idealizava histórias e formas de as contar? Em criança, achava que tudo era um teatro. E, sinceramente, ainda hoje acho. Achava que isto era tudo ficção. Que as paisagens eram cenários. Adorava passar tardes na cozinha a ouvir as conversas. Sempre tive essa noção de que nada é verdade. Tudo é resultado do ângulo a partir do qual vemos as coisas. Traz consigo muito dessa infância que nasceu no Alentejo? Qualquer artista não pode deixar de ser criança. Porque ser criança é isso mesmo: ter curiosidade, querer voar, não saber as limitações. Depois é que nos tornamos mais tristes, quando a sociedade nos dá os limites. E a arte do palco como um modo de vida surge como e quando? Eu fui um miúdo que desenhava e escrevia. Lembro-me que, na casa da minha avó, existia um quintal onde eu fazia os meus teatros. Tinha uma máquina de filmar e projetava para os meus amigos as coisas que fazia. E já levava dinheiro para verem o espetáculo. Por isso é que digo sempre que o espetáculo já nasceu comigo. E o que o trouxe para Lisboa? O cumprimento dessa vontade?

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ESCOLHAS… DE FILIPE LA FÉRIA Um livro: “A alma dos ricos” de Agustina Bessa-Luís Uma peça: “Eu saio na próxima. E você?” Um filme: “The Greatest Showman” Uma música: Marceneiro por Camané Um sítio: Castelo de São Jorge de onde se veem as luzes e as cores de Lisboa

Eu costumo dizer que tenho esse privilégio: o de ver a vida de todos os lugares do teatro. Do galinheiro, que é lá em cima e é o lugar mais barato, até ao camarote.


ENTREVISTA COM FILIPE LA FÉRIA

Para uma pessoa que vivia no campo, como eu, Lisboa era um fascínio. Um cenário gigante cheio de luzes. Lembro-me de ser miúdo e de passear no Rossio que, na altura, estava repleto de anúncios luminosos. Sonhava muito a olhar para aquelas luzes. Lisboa surgia-me, na altura, como hoje me surge Nova Iorque. Era a cidade onde eu podia realizar os meus sonhos.

E, de repente, surge outro palco: Londres. O que trouxe a passagem por Londres nessa época de formação e crescimento? Foi antes do 25 de Abril. Portugal era um país muito cinzento. Eu já era ator nessa época e decidi ir para Londres. Na altura, para não voltar. Eu vivi Londres em plenos anos 70, na altura dos The Rolling Stones, do poder da flores, etc. Modificou muito a minha maneira de ver a vida. Passei de um filme a preto e branco, que era Portugal, para Londres que era totalmente a cores. Foi uma experiência extraordinária na minha vida. Difícil, mas muito importante. Tem sido um caminho que tem permitido ver e viver a vida de diferentes formas? Exatamente, de diversos ângulos. Eu costumo dizer que tenho esse privilégio: o de ver a vida de todos os lugares do teatro. Do galinheiro, que é lá em cima e é o lugar mais barato, até ao camarote. A Casa da Comédia e o Politeama são provas de que, para lá da vocação, tem que haver amor? Muito amor e muita teimosia. Vivemos num país que não dá muita importância à cultura. É preciso teimosia e coragem para não desistir. A verdade é que continua a ter salas cheias. Como se explica isso? Os espetáculos são bons. Ainda agora estamos com um espetáculo de enorme êxito: “Eu saio na próxima. E você?”, com o João Baião e a Marina Mota. Todos os dias acontece uma enorme festa com estes dois atores. De facto, as pessoas repetem. E trazem sempre mais amigos. As pessoas sentem-se bem nesta casa? Sim, eu faço questão de estar à porta a receber as pessoas. São muitas as vezes em que me perguntam como é que eu tenho paciência para estar ali. Eu aprendo muito com o público. Gosto de falar com as pessoas e de perceber o que gostariam de ver no teatro. Por exemplo, “Jesus Cristo Superstar” ou “Um violino no telhado” foram peças sugeridas por espectadores. E o que se sente antes de cada estreia? Existem estreias muito difíceis e outras mais fáceis. Eu dou sempre o meu melhor. Aliás, tenho sempre uma espada sobre a minha cabeça: a do público gostar e voltar. Não tenho

Portugal vale pela sua cultura e pela sua história. E o teatro é a história de cada povo. Como é que as minhas peças têm tanto sucesso? Porque eu conto as histórias de Portugal. subsídios, eu tenho de ganhar o pão de cada dia e não posso desiludir o espectador.

São os aplausos que fazem querer seguir em frente? E as pessoas virem ao teatro. Isso é o mais importante. Recentemente, saiu uma estatística que dizia que o português vai de dois em dois anos ao teatro. Para lutar contra isso é preciso talento, mas, também, muito trabalho. Quantas livrarias já fecharam? Quantos teatros ou cinemas já fecharam? A cultura é pouco acarinhada em Portugal. Eu costumo dizer que o 25 de Abril não chegou à cultura. E não considero um exagero ao dizer isto. A cultura é vista como sendo algo para uma elite. Eu sempre lutei contra isso e continuo a lutar. Eu acho que a cultura é para todos e isso, sim, é a verdadeira democracia. Portugal vale pela sua cultura e pela sua história. E o teatro é a história de cada povo. Como é que as minhas peças têm tanto sucesso? Porque eu conto as histórias de Portugal. Se Portugal fosse uma personagem, como a idealizaria? Eu acho que Bordallo Pinheiro foi genial ao criar a figura do Zé Povinho. Por muita União Europeia, por muitos gins que ele tome ou por muitos piercings que use, o Zé Povinho será sempre igual: um ingénuo que se deixa aldrabar, mas com um coração enorme. E, até ao cair do pano, haverá sempre algo novo para contar e de uma forma nunca antes vista? Sempre. Eu costumo dizer que, mesmo que me garantissem 200 ou 300 anos de vida, não conseguiria fazer metade daquilo que imagino. : :

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PROFISSÃO

SOLICITADORES ILUSTRES AVELINO PAREDES

Por Miguel Ângelo Costa, Solicitador, Agente de Execução e Presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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A

velino Gomes Paredes nasceu (1898) e morreu em Coimbra (1972), onde exerceu a sua profissão de sempre – a Solicitadoria – por mais de quatro décadas. Inscreveu-se na antiga Câmara dos Solicitadores do Distrito Judicial de Coimbra em 17 de Janeiro de 1928, teve o primeiro escritório na Rua da Sofia n.º 54, 1.º e, mais tarde, na Praça 8 de Maio n.º 21, 2º, na sua cidade natal (1). Para além do seu trabalho cívico em prol da sua região e como cidadão de Coimbra, desde muito cedo se “emaranhou” na política, sendo nomeado, pelo Governador Civil de Coimbra, para a Comissão Administrativa da Edilidade Coimbrã no ano de 1934 e, mais tarde, indicado para Vereador no mandato de 1935/1937 (2). Foi uma das figuras mais destacadas e mais representativas dos Solicitadores, classe à qual deu sempre o seu melhor, que prestigiou, dignificou e valorizou como poucos, por via dos seus elevados conhecimentos profissionais, cultura prolífera e contundência nas suas decisões, quer cívicas, quer classistas. Em 1932, ainda neófito na profissão, já era Secretário do Conselho Director de Coimbra, fazendo parte da célebre reunião em Coimbra, em que, pela primeira vez, as três Câmaras (Porto, Coimbra e Lisboa) se reuniram nos dias 19 e 20 de Novembro, para discutirem os problemas da classe, com a aprovação de propostas muito pertinentes ao Ministro da Justiça (3). Esta reunião foi a génese de outra em que, sete anos mais tarde, em 1939, também em Coimbra e com a presença sempre proactiva do Colega Avelino Gomes, se assistiu à união das três Câmaras, originando a Câmara dos Solicitadores. Em 1945 foi eleito Secretário da Secção de Coimbra, cargo que exerceu durante anos; em 1951 é eleito Presidente da mesma Secção, função que exerceu, ininterruptamente, até 1956; de 1960 a 1962, foi eleito novamente para Secretário; em 1966 foi eleito para a Presidência da Secção, tendo desempenhado essa função até à sua morte e tendo sido uma espécie de “último resistente” da Secção de Coimbra, visto a mesma ter sido extinta logo após a sua morte. Parafraseando Camões: morreu com a extinção da Secção de Coimbra. Também por iniciativa de Avelino Gomes, nasce o Boletim das Câmaras dos Solicitadores, saindo o primeiro número em Dezembro de 1940. Avelino Gomes não escondia a sua satisfação pelo aparecimento da revista, tendo até nas suas “Notas & Comentários” referido: “O presente Boletim representa a


realização de uma ideia que deve merecer o aplauso unânime dos Solicitadores do País”. E, mais à frente, refere: “Fruto da ideia lançada por mim, na última reunião conjunta das Câmaras realizada em Coimbra, agrada-me constatar que ela obteve um acolhimento sincero, que foi muito além da minha expectativa” (4). Para lá dos cargos assumidos na Câmara, Avelino Gomes colaborou no Boletim, quase sem interrupção, durante mais de 40 anos, com a rubrica referida “Notas e Comentários”, na qual evidenciou o conhecimento, teórico e prático, das coisas do Direito, assim como o cumprimento dos seu deveres como homem do Direito, sempre zeloso no desempenho da sua profissão. De um carácter íntegro, linear e escorreito, patenteava uma forte e bem vincada personalidade na demonstração dos deveres deontológicos, na defesa da classe e dos seus colegas e perante os Cidadãos e Tribunais, quer Judiciais, quer Fiscais, onde discutia, aprofundava e procurava as soluções mais equilibradas, mercê da sua larga e competente experiência, dando de beber todo o seu saber a quem o procurava, não cuidando de saber se era amigo ou inimigo, sempre em prol da defesa da Solicitadoria (5). Mais que toda a Ordem, o Conselho Regional de Coimbra deve-lhe uma merecida homenagem. Onde ele estiver, sei que estará contente com a restauração da sua “Secção” em Coimbra. : : Notas 1 – Inscrição na Câmara dos Solicitadores-Arquivo do CRP/OSAE. 2 – CM Coimbra-Documentação Geral. 3 – Boletim da Câmara dos Solicitadores do D.J. do Porto. 4 – Boletim C.S. n.º 1, Dezembro de 1940. 5 – Idem. Texto escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

Sollicitare 71


LIVROS SUGESTÕES

LIVROS JURÍDICOS COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA ALMEDINA

Lições de Processo Civil Executivo Marco Carvalho Gonçalves Esta edição procurou, em primeiro lugar, atualizar o texto à luz das alterações legislativas introduzidas no nosso ordenamento jurídico desde a publicação em 2016. Para além disso, procurou-se densificar os conteúdos tratados na obra em função da investigação entretanto desenvolvida no âmbito da regência da unidade curricular de Direito Processual Civil Executivo da Licenciatura em Direito da UM. Por outro lado, procedeu-se à atualização da doutrina citada na primeira edição, ao desenvolvimento das referências bibliográficas e à análise da jurisprudência entretanto publicada.

Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Esta edição é uma edição profundamente atualizada. Com feito, o ano de 2017 foi um ano profícuo no que respeita à alteração dos Regulamentos que fazem parte desta coletânea. Assim sendo, e para além dos muitos Regulamentos que foram revogados e substituídos por outros, destacamos o acrescento de dois novos Regulamentos a esta coletânea: o Regulamento de Arquivo e o Regulamento de Publicidade, Imagem e Utilização de Marcas de Titularidade da Ordem.

COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA QUID JURIS

Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias – Anotado e Comentado Algumas Notas sobre a Fraude ao IVA: As operações simuladas e a fraude carrossel Filipe Duarte Neves Trata-se de uma obra que analisa de forma sistemática e detalhada os cerca de trinta artigos que compõem o RITI, a qual evidencia conhecimentos e considerações críticas muito consolidadas. Permito-me destacar o capítulo dedicado à fraude ao IVA, concretamente às operações simuladas e à fraude carrossel, matérias que reclamam a constante atenção das entidades fiscalizadoras e que reiteradamente são apreciadas e decididas pelos Tribunais Fiscais. Do prefácio de Catarina Almeida e Sousa, Juíza Desembargadora, Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

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União de Facto no Direito Português – Regimes avulsos – Economia comum José António de França Pitão Nesta obra o autor expõe a evolução do tratamento dos efeitos das uniões de facto, comparando-as com o regime aplicável ao casamento. Apesar da aproximação entre os dois regimes, há sempre entraves inultrapassáveis que impedem a sua total equiparação, não fosse, desde logo, a falta de formalismo nas uniões de facto ou até o seu registo. Trata, ainda, das situações de proteção das uniões de facto, não só no âmbito da Lei n.º 7/2001, mas também em casos pontuais de legislação extravagante.


JURÍDIC COM A COLABORAÇÃO DA PORTO EDITORA

Comercial Código Comercial, Código das Sociedades Comerciais e legislação conexa Compacta e com uma excelente compilação de diplomas de Direito Comercial, esta obra é essencial tanto para a prática da advocacia de negócios como para o estudo académico. A nova edição contempla atualizações aos Códigos das Sociedades Comerciais, da Insolvência e da Recuperação de Empresas e do Registo Comercial e ainda ao Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

Códigos Penal e Processo Penal A coletânea essencial para profissionais que trabalham com legislação Penal tem uma nova edição, devidamente organizada e consolidada de acordo com a lei vigente. Como nas restantes obras da Coleção Legislação, conta com atualizações online gratuitas em www.portoeditora.pt/direito.

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REPORTAGEM

BADOCA SAFARI PARK

Cuidar da vida

ALGURES, ENTRE SANTIAGO DO CACÉM E SINES, HÁ UM PEDAÇO DE ÁFRICA GUARDADO CHAMADO BADOCA SAFARI PARK. O SOL ESTÁ FORTE E OS RISOS ANSIOSOS DOS MIÚDOS FAZEM PARTE DE UM CENÁRIO QUE FAZ AUMENTAR A VONTADE DE EMBARCAR NESTA AVENTURA. SOBE-SE PARA A CARRINHA DE CAIXA ABERTA E PREPARA-SE A PARTIDA. AFINAL DE CONTAS, IR A OUTRO CONTINENTE E VOLTAR, NO MESMO DIA, NÃO É PARA TODOS. Texto de Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

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BADOCA SAFARI PARK

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bre-se o portão. Entre subidas e descidas, o caminho é em terra batida e contornado pela vegetação da região. Volta e meia, um ramo obriga a baixar a cabeça e os solavancos não embalam os visitantes que devem manter os olhos bem abertos para não perderem este espetáculo oferecido pela Natureza. Quando Francisco Simões de Almeida, sócio gerente, começou a construir este projeto, também foi assim. Havia altos e baixos e muitos obstáculos, mas a vontade de conseguir era tanta que não permitia desistências. “Lembro-me das dificuldades que enfrentei para começar, sei o quanto custou todo este caminho, mas também sei o quão gratificante foi construir este projeto e o reconhecimento que tem tido. E este projeto, aconteça o que acontecer, terá sempre uma missão: a conservação das espécies”, reforça Francisco. A primeira paragem acontece junto das zebras e dos gnus azuis. À distância de um passo, é possível perceber o quão bem desenhadas estão as riscas pretas e brancas, avistar duas crias de gnu e tornam-se palpáveis as palavras de Joana Rações, tratadora: “É maravilhoso tê-los assim tão perto, mas, ao mesmo tempo, deixando-os estar no mundo deles”. No meio do grupo, está ainda uma zebra grávida que já não consegue esconder a barriga. “Nascem muitos bebés aqui no parque. E isto é bom sinal. É sinal que se adaptaram perfeitamente ao local e ao clima, que se sentem bem”. Embora a intervenção humana se deva resumir ao imprescindível, nem sempre tudo corre como estava previsto. A girafa Niassa, com apenas 8 meses e um (já) longo pescoço, é a primeira a nascer no parque e, hoje, saudável e curiosa, comprova o sucesso da ação da equipa do parque no momento certo: “A nossa fêmea teve todo o instinto maternal no início, mas, quando chegava o momento de deixar mamar, impedia a cria. Tivemos de intervir e de a alimentar. O primeiro mês foi muito complicado. Ela não queria mamar por nada. Então, eu tinha que colocar o biberon no meio dos meus cabelos e foi assim que ela começou a beber o leite.

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“Lembro-me das dificuldades que enfrentei para começar, sei o quanto custou todo este caminho, mas também sei o quão gratificante foi construir este projeto e o reconhecimento que tem tido. E este projeto, aconteça o que acontecer, terá sempre uma missão: a conservação das espécies.” Francisco Simões de Almeida


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BADOCA SAFARI PARK

Eu fui a mãe adotiva da Niassa. Uma experiência que vou guardar para a vida”, recorda Joana. E a Niassa também não parece esquecida, pois, assim que a vê, corre na direção da carrinha, onde a esperam três biberons de leite que, erguidos à sua altura, ficam vazios em segundos. Contudo, mesmo já estando alimentada, fica por perto. “Os animais reconhecem o bem que lhes fazemos”, remata Francisco. Entretanto, são as cabras de leque que surgem, donas de uma elegância e de uma graciosidade ímpares, preparando o terreno e os olhares para os imponentes búfalos do Congo. Mais à frente, uma família de avestruzes. A fêmea, com penugem mais cinza para se confundir com uma rocha enquanto choca os ovos, surge acompanhada pelo macho que, tendo penas negras, garante a guarda do ninho durante a noite. Junto a eles, mas mais próximos do chão, aparecem os descendentes que quase se atropelam na ânsia de acompanharem o ritmo dos progenitores. A viagem continua. Apesar de serem asiáticos, neste parque vivem ainda três tigres. “Vieram de um circo. Houve a oportunidade de ficar com eles e de lhes dar uma vida mais feliz. É o que procuramos fazer todos os dias”, conta Joana que rapidamente distingue cada um deles, assumindo que, à medida que o tempo passa, cada animal assume uma identidade, exibindo, até, aspetos de personalidade. E assim se percebe que há algo maior do que obrigação ou responsabilidade. Por aqui, sente-se o que se faz e há amor em cada gesto. São muitas as espécies que aqui moram. Mas os animais não pertencem ao parque ou ao jardim zoológico onde estão. Conforme explica, Nuno Sequeira, veterinário, “os animais pertencem todos à EAZA (Associação Europeia de Zoológicos e Aquários) e é esta associação que garante a qualidade das nossas instalações. Por exemplo, como as nossas instalações são consideradas muito boas, nomeadamente em contexto europeu, no âmbito dos European Endangered Species Programmes (EEP), foram colocados, no Badoca, primatas cuja reprodução se pretende para que, depois, voltem ao habitat natural”. Haverá sempre um objetivo maior aliado a cada dia em que as portas do parque são abertas. “O objetivo de um parque ou de um zoo não é a compra e a venda de animais. Pretende-se, sim, que quem visita o parque possa ver o maior número possível de espécies porque isso contribui para o reforço da nossa ação nos três pilares que justificam a nossa existência: o pilar pedagógico, porque tentamos sensibilizar as pessoas que nos vêm visitar; o pilar da investigação, porque aqui temos acesso a espécies às quais seria difícil chegar em estado selvagem; e o pilar da conversação, já que há espécies que, não existindo no seu habitat natural, encontram aqui um espaço para reprodução para, depois, regressaram ao habitat natural”. Ou seja, hoje, no Badoca Safari Park, é possível ver animais extintos em estado selvagem. Os exemplares de Órix Cimitarra, imponentes e robustos, que moram por aqui são a prova disso. Mas também são a prova de uma esperança renovada, uma vez

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que decorre atualmente um projeto que está a tentar reintroduzir a espécie no seu habitat. Por isso, neste parque, faz-se o que melhor se sabe fazer: cuidar e garantir que, um dia, estes exemplares da espécie possam permitir que o futuro não esteja em vias de extinção. Olhando em volta, percebe-se que as copas estão aparadas. Alimentando-se das folhas, os animais vão sendo jardineiros do seu espaço. E os sobreiros lá vão ganhando novas formas. De repente e perto do momento da despedida, lá vem a Niassa a correr, desengonçada, mas feliz. “O Badoca não existe por negócio, mas sim por uma missão. O negócio que existe é para sustentar este projeto. Para mim, não fazia sentido ser de outra forma”, confessa Francisco. Passaram 19 anos. Muito mudou e todos os dias algo diferente acontece. Assim é a vida. A equipa cresceu, novas atividades surgiram, mais metas se definiram e os sonhos não cansam. Hoje, alguns já regressam com os filhos. E, sabendo isso, Francisco está confiante e não hesita ao pedir que venham mais anos de trabalho, histórias e aventuras para o Badoca Safari Park. Tem ideias, planos e muitos sonhos. E a certeza de que vai valer a pena continuar. Porquê? Porque, enquanto houver vida, valerá sempre a pena cuidar dela. : :


“É maravilhoso tê-los assim tão perto, mas, ao mesmo tempo, deixando-os estar no mundo deles.” Joana Rações

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PROFISSÃO

A TECNOLOGIA AO SEU DISPOR O OSAE 360 Por Rui Miguel Simão, Solicitador, Agente de Execução e 1º Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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OSAE está permanentemente a explorar formas de preservar realidades materiais no mundo digital. Abra o browser no e-leilões que arrematou a melhor solução de venda judicial jamais criada. Ou clique no exemplo do GeoPredial que colocou os solicitadores no mapa do cadastro em Portugal. Se preferir, vá fazendo scroll pela tendência natural dos solicitadores para a realização de vários tipos de autos de constatação. Por onde quer que navegue no vasto mar tecnológico, não restam dúvidas de que os solicitadores e os agentes de execução têm descoberto novas formas de olhar o mundo e a justiça. GeoPredial, e-leilões e autos de constatação? Ninguém quer ler um artigo de tecnologia a falar do que já se conhece. Pois permitir-me-á dizer, em minha defesa. que a última novidade em serviços eletrónicos que a OSAE disponibiliza aos seus associados é uma plataforma que pode ser utilizada para potenciar qualquer um dos serviços já mencionados ou outros tradicionalmente prestados pelos solicitadores e pelos agentes de execução. Falo-lhe da plataforma de criação de visitas virtuais em 360o. Com esta nova ferramenta, os solicitadores e os agentes de execução, munidos do equipamento necessário, podem criar representações bastante esclarecedoras dos espaços onde realizam as suas diligências. E aqui vamos mostrar-lhe como viajar connosco para este mundo virtual. Qualquer câmara 360o com boa qualidade pode ser usada mas, para facilitar ainda mais a sua iniciação, podemos sugerir a aquisição da Xiaomi MI Sphere 360, que já testámos e nos parece ser um equipamento com uma excelente relação qualidade/preço. Deverá ainda ter um tripé ou monopod para colocar a câmara numa zona central do espaço que pretende registar. O equipamento é composto por duas lentes de grande angular, conseguindo assim captar, ao mesmo tempo, todo o espaço ao seu redor. Depois, com a aplicação gratuita fornecida pela marca, conseguimos “costurar” as imagens captadas em simultâneo para construir uma vista em 360o. E é mesmo caso para dizer que a máquina vê tudo. Mas não se preocupe, se não quiser ficar na foto basta mudar de divisão e controlar a câmara através do seu smartphone. Fazendo o registo de pelo menos uma fotografia a 360o em cada divisão, corredor ou hall, vai obter a matéria prima para criar uma visita virtual completa de um apartamento, moradia, loja, etc. Por fim, só tem que recorrer à plataforma de montagem de visitas virtuais em 360o, desenvolvida pela OSAE – e esta, sim, é a grande novidade! Carregando as fotos para a plataforma, vai conseguir

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Óculos de Realidade Virtual OSAE € 14,99 Encomendas através do envio de e-mail para geral@osae.pt

criar os botões de navegação entre divisões, na imagem 360o. Numa só fotografia, todo o espaço que esteve ao redor da câmara pode ser observado, bastando mover o ponto de vista desejado para o local do seu interesse. A plataforma permite também a colocação de botões informativos. Por exemplo, junto a uma porta, para indicar que se trata de uma saída para uma escada de emergência. Terminada a edição, a visita virtual vai corresponder a uma simulação digital do espaço onde foram recolhidas as imagens. Quando o trabalho estiver concluído poderá ser publicado, gerando-se um link de acesso público à sua visita virtual, como este: https://goo.gl/5AGxE1. Logo que comece a dominar esta ferramenta, vai perceber que tanto a utilização da plataforma, como da câmara de 360o é muito simples e que apenas uma fotografia vai poupar-lhe muitas das que antes tirava com uma máquina normal. Facilmente passará a usá-la em exclusivo para todas aquelas diligências nas quais antes costumava recorrer à captação de várias fotografias. As utilidades desta ferramenta são potencialmente infinitas, mas têm algumas aplicações óbvias como, por exemplo, na venda judicial de um imóvel. Por esse motivo, a plataforma e-leilões já permite indicar o seu link de uma visita virtual juntamente com as fotos de um imóvel. Além da venda de imóveis, estas visitas virtuais serão uma grande mais-valia em muitos outros campos. Se é agente de Xiaomi MI Sphere 360 execução, imagine como isto pode ser útil em diligências de penhora, entrega de coisa certa, arrestos etc. Para os solicitadores, este tour virtual pode enriquecer os autos de constatação ou o dossier documental de um imóvel a facultar ao cliente. Faz igual sentido apresentar uma visita virtual num processo de inventário em que se descrevem os bens que guarnecem uma moradia. Ou, no caso de um arrendamento, registar uma visita virtual no início do contrato, para verificar, no final do mesmo, o estado de conservação do imóvel. Na prática, com esta nova plataforma, os solicitadores e os agentes de execução passam a poder apresentar, aos seus clientes, mais um serviço eletrónico muito relevante e distintivo. Ainda assim, e se a visita em 360o é pouco para si, porque aprecia experiências mais imersivas, pode sempre recorrer a uns óculos de realidade virtual (RV) para ver as suas fotos ou vídeos 360o como se estivesse no local. Pode olhar à sua volta em qualquer direção, com ou sem óculos de RV. O que esta nova ferramenta revela claramente é que a OSAE e os seus associados continuam a explorar e a divulgar novas formas de ver melhor a Justiça. : :

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SUGESTÕES

LER

E REFLETIR O PRÍNCIPE, Nicolau Maquiavel

Por Pedro Afonso, Solicitador

Nesta obra, Maquiavel tenta resgatar o sentimento patriótico do povo italiano, isto através da originalidade do seu pensamento político, o qual tinha como ideal, na altura, a unificação italiana. Na Itália do Renascimento imperava a tirania em pequenos principados, governados por casas reinantes sem tradição ou direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gerou situações de crise e instabilidade. Assim, esta obra é dirigida a um Príncipe, que possua a designada “virtú” e esteja a governar um Estado, e aconselha os governantes sobre como manter o poder absoluto e como governar de forma eficiente. Segundo esta obra, os governantes precisam de estar acima da ética e da moral dominantes para realizar seus planos. Esta eficiência seria garantida através das forças militares se tal fosse necessário, ou seja, tudo seria válido para se garantir a manutenção da autoridade. Um livro que nos convida a refletir acerca dos limites do poder de quem governa, nomeadamente acerca das fronteiras impostas pela ética e pela moral.

O PROCESSO, Franz Kafka Nesta obra de Franz Kafka, o medo, a instabilidade emocional, o sentimento de inocência e a não revelação do sentimento de culpa estão em discussão, obrigando-nos a olhar para o conceito de injustiça. Espelha-se a negação do Estado de Direito Democrático e uma realidade em que os direitos sociais do cidadão estão condicionados ou, até mesmo, negados. São igualmente abordadas falhas no ordenamento jurídico de forma cabal e crítica, apresentando-se um cenário em que a liberdade, um dos valores éticos mais caros à humanidade, surge anulada, bem como o exercício do contraditório, obrigando-nos a olhar para o que seria uma sociedade despida de todos os seus valores.

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SOCIEDADE

FESTIVAL EUROVISÃO DA CANÇÃO – ALL ABOARD! Lisboa vestiu-se de gala nos primeiros dias de maio. A Europa parou e concentrou a sua atenção na bela cidade das sete colinas, neste jardim à beira mar plantado, país de origem do vencedor da Eurovisão no ano passado. E foi precisamente com o tema “O Jardim” que Portugal se apresentou este ano. Uma canção simples, que fala de amor e de ausência, tantas vezes de mãos dadas.

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Festival da Eurovisão, que remonta a 1956, é um concurso anual de canções transmitido pela televisão, com participantes de diversos países e com milhões de espectadores espalhados pelo mundo. Qualquer membro da União Europeia de Radiodifusão (UER) pode participar no concurso, mesmo que não seja um país europeu. Cada um deles só pode concorrer com uma canção e a mesma não pode exceder os três minutos. Em cada atuação não podem estar mais de seis pessoas em palco e todas devem ter idade superior a 16 anos. Pese embora muitos países optem por cantar em língua inglesa, com o intuito de multiplicar os seus votos, outros há que preferem cantar na própria língua. Portugal é um deles. Desde 1964 que o vencedor do Festival da Canção representa Portugal na Eurovisão. E, ao longo de mais de cinquenta anos, percorremos vários lugares na tabela. Apresentámo-nos com vários estilos de músicas, de compositores e de interprétes. A “Desfolhada Portuguesa” ou “E depois do Adeus” são marcos indiscutíveis. Depois há aquelas canções que perpassam gerações e que ainda hoje nos encantam. “Amor d`água fresca”, “A cidade até ser dia” ou “Chamar a música” podem perfeitamente ser entoadas por avós e netos. Este ano, o Altice Arena transpirou emoção e vontade durante as semifinais e a grande final do Festival. E os portugueses podem orgulhar-se de terem erguido um evento desta natureza com um dos mais baixos orçamentos dos últimos tempos. A apresentação da grande final ficou a cargo de quatro apresentadoras inexcedíveis, tendo sido transmitida pela RTP, que integra a UER. Esta fase, limitada a 26 canções, contou com os dez qualificados, quer da primeira, quer da segunda semifinal, com o vencedor do ano anterior (país anfitrião) e com os denominados “Big 5”. Estes cinco grandes – Reino Unido, França, Alemanha, Espanha e Itália – são considerados os maiores contribuintes financeiros do Festival, pelo que são recompensados com o passaporte direto. Cabe ao sistema de voto apurar o vencedor: 50% determinado pelo televoto e a outra metade definida pelo júri de cada país que pontua as suas dez canções favoritas com 1 a 8, 10 e 12 pontos. E a feliz contemplada deste ano foi a canção “Toy”, que ouvimos na voz da israelita Netta Barzilai. A vencedora agradeceu a celebração da diversidade. Enquanto isso, nós continuámos a sonhar com o brilho de “Amar pelos dois” e a pensar como o show business pode ser tão paradoxal. Em 2018, fomos anfitriões da 63ª edição do Festival Eurovisão da Canção. Portugal pode não ter arrecadado novamente o primeiro lugar, mas rebentou a escala em profissionalismo e no rigor com que se entregou à sua organização. É irrefutável: há um antes e um depois de Salvador Sobral. Mas uma coisa é certa: haverá também um antes e um depois da organização portuguesa, uma vez que a RTP foi distinguida pela EBU (União Europeia de Radiodifusão) como tendo garantido a melhor organização de sempre na produção do Festival Eurovisão da Canção. De outra forma, é certo, a verdade é que Portugal volta a sair vencedor. : :

Por Diana Andrade, Jurista

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ROTEIRO GASTRONÓMICO

Su ges tõ es

Por Marcelo Ferreira, Solicitador e Delegado Concelhio da Covilhã da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

RESTAURANTE LENDA VIRIATO

Na Serra da Estrela, à mesa com Viriato

RESTAURANTE LENDA VIRIATO Rua de Santo Aleixo, 16 Unhais da Serra Aberto de terça a sexta, das 19h30 às 2h00, e aos sábados e domingos, das 12h30 às 2h00 Tel: 275 971 252 contacto@lendaviriato.pt www.lendaviriato.pt

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Prepare-se para uma experiência que vai mexer com todos os seus sentidos: uma viagem gastronómica pelos sabores únicos da Serra da Estrela que o fará sentar à mesa com o lendário Viriato. No edifício onde outrora funcionou o forno comunitário de Unhais da Serra (Covilhã), erguido em 1905, atrás da Igreja da vila, está o restaurante temático Lenda Viriato. Deixe-se levar, vamos recuar mais de 2.000 anos. Aproveite a viagem. A entrada para a sala do restaurante faz-se por uma grande e pesada porta de madeira. Do outro lado encontra todo um ambiente e uma decoração que nos transportam para a época da Lusitânia, até aos tempos em que Viriato enfrentou, com astúcia e bravura, a fúria do Império Romano. Aqui reinam a pedra e a madeira e todo um conjunto de adereços a condizer com a experiência: louça em barro, ementas enroladas em madeira a lembrar o papiro, panelas de ferro fundido, o forno antigo, um escudo na parede, as armas dos lusitanos… E a imponente cadeira de Viriato, com o seu nome gravado nela, numa mesa comprida colocada numa das extremidades da sala. O conceito deste espaço, com forte componente lúdico-cultural, é de tal forma arrojado que até o pessoal do restaurante traja à época. Difícil será escolher o cardápio. Nas entradas, destaque para a tábua lusitana, os enchidos serranos e as trutinhas fritas, entre muitas outras opções, sempre diferentes a cada nova visita. No campo dos pratos de carne, as sugestões passam pelo tornedó de vitela com queijo da serra e farinheiro, o veado com mel e frutos vermelhos, o javali com castanhas, o típico cabrito da Serra da Estrela e a perdiz. Quanto a acompanhamentos, é obrigatório pedir puré de maçã. Já em relação aos pratos de peixe, o menu inclui o bacalhau com broa, a truta grelhada com presunto e os vegetais da horta de Astolpas. Depois é regar tudo com um bom vinho da região, sem esquecer, no final, a sobremesa: as típicas papas de carolo, o arroz doce, a tarte de requeijão ou a delícia de maçã, havendo tantas outras tentações. Entre uma garfada e outra, nessa viagem pelos primórdios da nossa História e pelos sabores da região, ouve-se a Lenda de Viriato, contada lá do alto da varanda do pequeno bar, instalado no piso de cima, por um homem com vestes dos tempos da Lusitânia. Antes de embarcar nesta viagem, convém reservar. O Lenda Viriato, da empresa Reis & Diana Lda., está encerrado à segunda-feira e durante a semana só abre ao jantar. Ao sábado e ao domingo também se servem almoços. Como tão bem apregoa a gerência, o Lenda Viriato é mais do que um restaurante, é uma experiência. E para repetir, em família ou com amigos. : :


Por Armando Matias, Colaborador da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, no Conselho Regional de Coimbra

RESTAURANTE VOLTA & MEIA

Sabe bem regressar É comum dizer-se que não devemos regressar aos locais onde fomos felizes… Volta & Meia não é bem assim! O restaurante Volta & Meia abriu portas em julho de 2014, no número 64 da Rua Dr. Francisco António Diniz, em pleno Bairro Novo da Figueira da Foz. A psicóloga Cristina Quadros, a enfermeira Marina Costa e a arquiteta Ana Rute concretizaram e partilharam com o público o espaço no qual gostariam de almoçar, jantar, beber um café ou passar tempo com os amigos. Em 2016, foi o primeiro café/restaurante em Portugal a aderir à rede de Cafés Felizes (Happy Café Network). Esta rede faz parte do movimento “action for hapiness” e foi descrita por Dalai Lama como uma fonte de inspiração e bem-estar para as comunidades do mundo inteiro. Ali se realizam regularmente workshops relacionados com as 10 dicas para uma vida mais feliz. A entrada faz-se pelo pátio do edifício e, desde logo, a intemporalidade impõe a sua presença: tradição e modernidade dão os mesmos passos. A sala de refeições revela-se logo a seguir: mobiliário saído da casa dos avós com a particularidade de todas as cadeiras serem únicas, homenageando a diferença e a individualidade dos comensais, a parede que encima o balcão desenha a Figueira da Foz na complexa simplicidade do traço da arquiteta Ana Rute, extensível a toda a imagem e comunicação, e uma estante embutida que oferece livros e jogos. Especialidade da casa: bem receber, acompanhado de simpatia e amabilidade sem necessidade de encomenda porque está sempre disponível. Quanto às outras especialidades, só a degustação permite verificar que são isso mesmo: especialidades. Na impossibilidade de acondicionar a totalidade da ementa numa só refeição, aconselha-se, desde logo, a petiscada à Volta & Meia que inclui várias iguarias sugeridas pelo chefe e encerra um ótimo motivo para a partilha. Os Escondidinhos primam pela originalidade e pelo sabor, mas outros petiscos e entradas merecem uma aventura do palato: queijinho em azeite, morcela com compota de cebola, pataniscas de legumes, alheira com ovos de codorniz, cogumelo portobello com alheira… É uma lista absolutamente tentadora. : :

RESTAURANTE VOLTA & MEIA Rua Dr. Francisco António Diniz, 64 Figueira da Foz Aberto de terça a sábado, das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00, e aos domingos, das 12h00 às 15h00 Tel: 233 418 381 N 40º 06’57.81 – W 8º 51’48.65 geral@voltaemeia.com www.voltaemeia.com

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VIAGENS

VISEU, A MINHA TERRA! 86


Por Neusa Silva, Solicitadora, Agente de Execução e Vogal do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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o Centro de Portugal, rodeada por serras e pelos rios Vouga e Dão, ergue-se a cidade de Viseu, berço de Vasco Fernandes, e importante marco da arte sacra e da arquitetura religiosa, como comprovam as inúmeras igrejas que adornam o centro histórico.” Não é por acaso que a esta cidade foram atribuídos os epítetos de melhor cidade para viver e “cidade-jardim”! Muito há a dizer sobre esta cidade duma riqueza histórica imensa, cujas origens remontam à época castreja. Indissociável da cidade de Viseu é a figura de Viriato, o herói lusitano que defendeu a Lusitânia dos romanos. Herói este que acabou por ter uma morte trágica à mão de três dos seus companheiros que, subornados por um general romano de nome Servílio Cepião, o assassinaram enquanto dormia. Começamos, assim, esta visita a Viseu pela cava de Viriato, uma fortaleza octogonal com cerca de 38 hectares, rodeada por muros e protegida por taludes. É também neste local, situado perto do recinto da Feira de S. Mateus, que se encontra a estátua de Viriato. Se visitar Viseu em agosto, a Feira de S. Mateus, ou Feira Franca, como é conhecida, é também de visita obrigatória. Música, artesanato, gastronomia são apenas algumas das opções de lazer nesta que é uma das feiras mais antigas de Portugal, que conta já com 625 anos. Voltando à descoberta da cidade, que podemos perfeitamente visitar a pé, dada a proximidade de muitos dos vários locais de interesse, optemos, porém, já que estamos na cava de Viriato, por descansar os sapatos e aproveitar a boleia do funicular que nos leva até à Sé, subindo a íngreme Calçada de Viriato. A este propósito e muito recentemente, foi notícia a substituição do funicular por um veículo de transporte público elétrico não tripulado, que não polui, é autónomo e vai também poder circular durante a noite por ser silencioso. Este veículo foi batizado de Viriato. Assim, além de cidade histórica, Viseu posiciona-se

também na vanguarda da tecnologia, dando mais um passo ao encontro da ideia das smart cities. E assim, num instante, eis-nos chegados à Sé. Aqui, temos como locais de visita obrigatória a Sé Catedral de Viseu, a Igreja da Misericórdia e o museu Grão Vasco. Avançamos agora em direção ao Rossio, passando por baixo de uma das portas da muralha de Viseu que ainda se mantém até aos dias de hoje: a porta do Soar, classificada como monumento nacional desde 1915. Descendo a rua, vamos desembocar no Jardim das Mães. Agora, convido-vos a atravessar o jardim e a visitar a Casa Museu de Almeida Moreira, onde viveu o professor e crítico de arte Francisco António Almeida Moreira, fundador do Museu Grão Vasco. Por esta altura já deverá ser hora de fazer uma pausa e procurar, nalgum dos restaurantes que povoam esta cidade, um manjar que conforte o estômago. Por entre a variada e rica gastronomia tradicional da região e a mero título de exemplo, deixo-vos com a Sopa da Beira, as Migas à Lagareiro, o Arroz de Carqueja, o Rancho à Moda de Viseu, a Vitela Assada à Moda de Lafões, o Bacalhau ou o Polvo Assados à Lagareiro, o Cabrito Assado, as Trutas do Paiva, o Presunto, os Enchidos (morcela, chouriça, farinheira)... Que iguarias! Ah, e o vinho do Dão! Um néctar divino que combina, na perfeição, com a gastronomia da região. Bem, agora, de barriguinha cheia, vamos caminhar mais um bocadinho. Venham daí! Atravessamos o Rossio, contemplando os majestosos edifícios que o circundam, com destaque para os Paços do Concelho e para o edifício do Banco de Portugal adornados por frondosas tílias que, em época de primavera, perfumam o ar e providenciam sombra fresca nas tardes quentes de verão. Não esqueçamos ainda o painel de azulejos do Rossio, da autoria de Joaquim Lopes, que é um importante exemplar do património azulejar desta região. Do outro lado da rua, voltada para o Rossio, está a Igreja dos Terceiros que nos espera no cimo de uma monumental escadaria. Para recuperar, nada melhor do que um passeio pelo parque da cidade, o parque Aquilino Ribeiro, com amplos espaços relvados que emolduram um lago que apela à calma e à tranquilidade. Daqui, sugiro a descida da Rua Formosa que nos conduz ao monumento mais expressivo da época romana existente na cidade de Viseu: um trecho da muralha romana! À nossa frente, encontramos o Largo de Santa Cristina, onde podemos visitar a Casa Amarela, a Igreja do Carmo, o Seminário Conciliar ou Maior de Viseu e as fontes de Santa Cristina. Como não podia deixar de ser, este passeio terminará no Solar do Vinho do Dão, situado na zona envolvente do Parque Desportivo do Fontelo, pulmão da cidade de Viseu, onde poderemos degustar um bom vinho do Dão. Muito mais há para visitar, tanto na cidade de Viseu como no distrito. Assim, espero que termine a leitura deste texto com muita curiosidade e vontade de vir até cá. : :

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VIAGENS

MOÇAMBIQUE

EU, CERTAMENTE, VOLTAREI.

Por Ana Paula Gomes da Costa, Solicitadora e Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.

“M

oçambique é um dos países mais bonitos do mundo”, diziam-me. E não estavam a usar uma figura de estilo. Diziam-me, também, ser a “Pérola do Índico” e que “quem por lá passa nunca mais esquece”. Foi o que confirmei, desaparecidas quase por completas as cicatrizes da guerra civil. Apaixonei-me pelas suas gentes, pela sua música, pelas suas paradisíacas praias, pelo seu sol. Aterrei em Maputo e gostei. Achei a cidade, desde logo, bonita, de fácil orientação e muito agradável para se percorrer a pé. Em África, o dia começa muito cedo. Maputo não é exceção e a azáfama é uma constante. É bom passear nas belas ruas “maquilhadas” de acácias e jacarandás, percorridas por pessoas sorridentes, ver as mulheres trajando garridas capulanas de cores e desenhos vistosos. Deixam-nos bem e com vontade de viver. Mas se, eventualmente, não quiser andar a pé ou de táxi, pode sempre apanhar boleia com os “chapas”, transportes coletivos de pessoas. Aproveite a viagem e conheça o mercado. É neste espaço que se encontra de tudo. É também aqui que predominam as cores fortes, os odores intensos e a agitação constante. Sente-se o pulsar da cidade. Mesmo que não precise de apanhar um comboio, faça uma visita à estação de caminhos de ferro. Certamente vai ficar admirado, pois é muito difícil permanecer indiferente a este edifício construído entre 1913 e 1916, o qual se demarca pela sua imponência e pela sua enorme beleza. Em 2009, um artigo do Newsweek Magazine referia que está “entre as mais interessantes estações do mundo e, provavelmente, a mais bonita de África”. Não deixe de visitar o emblemático Hotel Polana, conhecido como “a grande dama de África”. Aqui pernoitaram reis, rainhas, presidentes e muitas figuras públicas. O edifício de arquitetura colonial, a piscina e os jardins caracterizam, simultaneamente, um ambiente sofisticado. Não se vai a Maputo sem dormir, pelo menos uma vez, no Polana. Mas deixemos Maputo e sigamos até Vilanculos na província de Inhambane e, daí, até ao arquipélago do Bazaruto. Vai sentir que chegou ao paraíso. As ilhas deslumbrantes, com água cristalina e dunas de areia dourada, os recifes de corais, a grande variedade de aves marinhas, as milhares de espécies de peixes… É do mais bonito que poderá encontrar. Realço Santa Carolina, mas todas elas são de um grande esplendor. Os resorts são luxuosos e de grande requinte, por isso, se acha que este nunca seria o seu destino de férias, não hesite, pois é imperdível. Rumemos em direção a norte, até à província de Cabo Delgado. Aí tem a oportunidade de conhecer Pemba, cidade agradável que nos recebe de braços abertos, envolvendo-nos no seu seio através da sua ampla e bela baía. Poderá encontrar a maravilhosa praia Wimbi de areia branca e palmeiras que nos protegem do calor e do sol. Mas não deixe de ir a Matemo. A viagem de Pemba para Matemo é de uma beleza ímpar. Ao sobrevoar, o espetáculo é fabuloso. Lá de cima consegue ver o fundo do mar, os corais, as diversas tonalidades que surgem e se misturam causando deslumbramento e emoções. Acredite, é mesmo assim. Não deverá regressar sem visitar a Ilha de Moçambique que integra a lista do património universal da Unesco. Esta é muito especial. Já foi a capital de Moçambique. Encantadora e requintada, composta por edifícios da época colonial bonitos e recuperados. Poderá sempre ficar num dos seus hotéis e apreciar a gentileza e simpatia das suas gentes. Por último, não poderia deixar de referir o Parque Nacional da Gorongosa. O Parque, que é de grande dimensão e beleza ainda maior, foi alvo de uma reabilitação e, hoje, temos a possibilidade de descobrir todo o tipo de animais e de desfrutar da sua vegetação. É, certamente, uma experiência diferente, enriquecedora e que gera grande expectativa. Se optar por dormir num hotel dentro do parque, aconselho que desfrute do pôr-do-sol, acompanhado por um gin tónico e deixando-se embalar pelo som da natureza. Não deixe de ir. Eu, certamente, voltarei. : :

Sollicitare 89



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