JORNADAS DE ESTUDO DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO 2018 SETÚBAL
EDIÇÃO N.º 24 \ QUADRIMESTRAL \ OUTUBRO 2018 – JANEIRO 2019 \ €2,50
ENTREVISTA COM
FILOMENA ROSA
PRESIDENTE DO INSTITUTO DOS REGISTOS E NOTARIADO À CONVERSA COM
MARIANA FRANÇA GOUVEIA
15 anos após a Reforma da Ação Executiva REPORTAGEM
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
RUI RIO ENTREVISTA COM
Presidente do Partido Social Democrata
Na Casa que é de todos
FICHA TÉCNICA
Sollicitare
ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
Diretor José Carlos Resende Editor Rui Miguel Simão Redator principal Ana Filipa Pinto, André Silva Colaboram nesta edição: Diana Andrade, Diana Leiras, Diana Silva Queiroz, Dília Sousa, Fernando Castelo, Francisco Serra Loureiro, João Pedro Amorim, José Miguel Guimarães, Luís Goes Pinheiro, Miguel Ângelo Costa, Pilar Salgado Otónel, Rosário Rebelo, Samuel Sousa, Tânia Ângelo Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf, Artes Gráficas, SA Rua do Galhano, n.º 15 4480-089 Vila do Conde Tiragem: 7 900 Exemplares Periodicidade: Quadrimestral ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes.
EDIÇÃO N.º 24 \ OUTUBRO 2018 – JANEIRO 2019
REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
BASTONÁRIO José Carlos Resende ASSEMBLEIA GERAL PRESIDENTE: Armando Oliveira (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Paulo Branco (Braga) 2ª SECRETÁRIA: Ana Filipa da Silva (Seixal) CONSELHO GERAL PRESIDENTE: José Carlos Resende (Viana do Castelo) 1º VICE-PRESIDENTE: Paulo Teixeira (Matosinhos) 2º VICE-PRESIDENTE: Armando A. Oliveira (Braga) 3ª VICE-PRESIDENTE: Edite Gaspar (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Rui Miguel Simão (Lisboa) 2ª SECRETÁRIA: Rute Baptista Pato (Benavente) TESOUREIRA: Vanda Santos Nunes (Barreiro) VOGAIS: João Coutinho (Figueira da Foz), Carla Franco Pereira (Évora) Ana Paula Gomes da Costa (Sintra), Maria José Almeida Ricardo (Lisboa) Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz) CONSELHO SUPERIOR PRESIDENTE: Carlos de Matos (Lisboa) VICE-PRESIDENTE: Mário Couto (Vila Nova de Gaia) SECRETÁRIA: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria) VOGAIS: Otília Ferreira (Lamego), José Guilherme Pinto (Maia), Neusa Silva (Viseu) Valter Jorge Rodrigues (Moita), Margarida Carvalho (Lisboa), Alberto Braz (Coimbra) Susana Pinto (Felgueiras), Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira) CONSELHO FISCAL PRESIDENTE: Miguel Ângelo Costa (Barcelos) SECRETÁRIO: João Francisco Lameiro Pinto (Sesimbra) VOGAL: Mazars & Associados, Sroc, S.A. CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES PRESIDENTE: Júlio Santos (Silves) VICE-PRESIDENTE: Fernando Rodrigues (Matosinhos) VOGAIS: Marco Antunes (Vagos), Lénia Conde S. Alves (Leiria), Christian Pedrosa (Almada) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO PRESIDENTE: Jacinto Neto (Loures) VICE-PRESIDENTE: Mara Fernandes (Lisboa) VOGAIS: Marco Santos (Trofa), Susana Rocha (Matosinhos) Nelson Santos (Marinha Grande) CONSELHO REGIONAL DO PORTO PRESIDENTE: Duarte Pinto (Porto) SECRETÁRIA: Alexandra Ferreira (Porto) VOGAIS: Elizabete Pinto (Porto), Nuno Manuel de Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira) Delfim Costa (Barcelos) CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA PRESIDENTE: Anabela Veloso (Santa Comba Dão) SECRETÁRIO: Leandro Siopa (Pombal) VOGAIS: Edna Nabais (Castelo Branco), Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede) Graça Isabel Carreira (Alcobaça) CONSELHO REGIONAL DE LISBOA PRESIDENTE: João Aleixo Cândido (Seixal) SECRETÁRIO: António Correia Novo (Portalegre) VOGAIS: Natércia Reigada (Lagos), Maria José Santos (Silves) Carlos Botelho (Almada) Estatuto editorial disponível em: http://osae.pt/pt/pag/osae/estatutos-editoriais/1/1/1/361
Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.
EDITORIAL
N
este número damos a capa a Rui Rio, Presidente do Partido Social Democrata. Depois de, no número anterior, termos contado com o Ministro das Finanças, Mário Centeno, que, na sua entrevista, focou a melhoria verificada nas pendências na Justiça, o líder do maior partido da oposição afirma que esta área regista um dos maiores problemas que o nosso país enfrenta. Este desejo de melhorar evidenciado no Pacto para a Justiça subscrito pelas associações representativas das cinco principais profissões do judiciário tem esbarrado na dificuldade em criar consensos sobre os objetivos que dependem de uma alargada maioria parlamentar. Esperamos que as eventuais reformas valorizem a experiência e as propostas dos profissionais da Justiça, visando sempre o reforço dos direitos dos cidadãos. A OSAE organizou, nos passados dias 19 e 20 de outubro, na encantadora cidade de Setúbal, as suas Jornadas de Estudo anuais. O sucesso destas foi manifestado calorosamente pelos 400 colegas presentes e pela qualidade dos palestrantes e das intervenções. As felicitações unânimes dos nossos convidados e colegas à organização deixou-nos um certo orgulho, mas eleva permanentemente a fasquia dos desafios. A Sollicitare também continua a espelhar a atividade da nossa Ordem e a abrir as portas à sociedade e às várias entidades e organizações que a integram. E por reconhecermos a relevância das pontes que vamos construindo, destacamos a entrevista com a nova Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, Filomena Rosa, reveladora da busca de um futuro marcado pelo espírito de modernização, simplificação e aproximação ao cidadão. Aliás, também a entrevista com o Presidente da Agência para a Modernização Administrativa, Pedro Silva Dias, dá voz a essa vontade e estou certo que Portugal será capaz de continuar a garantir este equilíbrio tão importante que se torna evidente sempre que a tecnologia ajuda a servir a sociedade. Ler a entrevista de Mariana França Gouveia obriga-nos a viajar no tempo e a recordar. Passaram 15 anos desde a reforma da ação executiva. Por ter sido alguém que sempre acreditou no futuro desta ideia, por nos ter ajudado a crescer e a criar sempre mais em prol da Justiça… Obrigado. Neste âmbito saliento ainda a entrevista a Filipa Calvão, Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que procurou tranquilizar quem está deste lado e clarificar algumas dúvidas trazidas pelo novo RGPD. Fomos ainda até Braga, conhecer a Escola de Direito da Universidade do Minho. E a nossa equipa foi tão bem
José Carlos Resende Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
recebida pela sua Presidente, Maria Clara da Cunha Calheiros de Carvalho. E, na secção de “cultura”, foi Carlão o rosto, deixando-nos perceber o quanto a música é feita de palavras. Passámos também pela Assembleia da República, pela Casa da Música, por Arraiolos e por Conímbriga. Ficam as reportagens e a certeza de termos um país com muito para contar. No que diz respeito à vida da Casa, também muito há por dizer. E dizemos, num número repleto de artigos sobre a OSAE e sobre o que por cá tem acontecido. Seja através da entrevista feita ao colega Jacinto Neto, atual Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, seja pela reportagem que, com a ajuda da colega Edite Gaspar, Vice-Presidente do Conselho Geral, e de Ana Cunha, membro da equipa responsável pelo GeoPredial, nos explica o que representa o projeto Balcão Único do Prédio, o qual conta com a parceria da OSAE. Realçam-se ainda nesta edição: a compra da nossa sede e as conferências temáticas promovidas no mês de setembro. Numa, com a presença de Ana Pinho, Secretária de Estado da Habitação, explorámos propostas para melhorar a legislação da propriedade horizontal e dos condomínios. Noutra, analisámos o processo de inventário com vários intervenientes, entre os quais realçamos o Bastonário da Ordem dos Notários, Jorge Silva, e o Juiz Eduardo Paiva. A nossa história também se faz com os nossos colaboradores. Este número marca a cessação de funções do editor Luis Goes Pinheiro que, depois de uma escala no Ministério da Administração Interna, resolveu fazer uma viagem até ao cargo de Secretário de Estado Adjunto e da Modernização Administrativa. Também está de partida a Ana Filipa Pinto, redatora principal e alma da Sollicitare desde 2011. Desejamos-lhes sucesso. Manifestamos a nossa gratidão pelo evidente empenho que revelaram ao longo destes anos para com a OSAE. Estou certo que o seu profissionalismo e busca da qualidade vão servir de exemplo e continuar a ser apanágio da nossa revista. : :
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RUI RIO
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Presidente do Partido Social Democrata Entrevista
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
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Na casa que é de todos Reportagem
FILOMENA ROSA
Presidente do Instituto dos Registos e Notariado
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Entrevista
JORNADAS DE ESTUDO DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO 2018
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Reportagem OSAE
Fotografia capa: Partido Social Democrata
EDITORIAL PROFISSÃO Possibilidade de renúncia recíproca à condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge A Resolução do Repúdio de Herança e da Doação do Quinhão Hereditário em Benefício da Massa Insolvente As Sociedades Desportivas: O regime jurídico além de preferências clubísticas A tecnologia ao seu dispor Solicitadores Ilustres: Ribas D'Avelar REPORTAGEM BUPi e o GeoPredial – Um futuro da cor da esperança Casa da Música – Arte de portas abertas Tapetes de Arraiolos – Com lã se cose a tradição Conímbriga – Camadas de História
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40 54 67 70
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Labor Improbus Omnia Vincit
MARIANA FRANÇA GOUVEIA
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Advogada e Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Entrevista
JACINTO NETO
Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE
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Entrevista
MARIA CLARA DA CUNHA CALHEIROS 58 DE CARVALHO Presidente da Escola de Direito da Univ. do Minho Ensino Superior
CARLÃO
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Músico
Entrevista
ENTREVISTA Filipa Calvão – Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados Pedro Silva Dias – Presidente da Agência para a Modernização Administrativa OSAE IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução Atualidade da Justiça e das profissões analisada com os associados de Castelo Branco e Portalegre OSAE adquire edifício sede na cidade de Lisboa Conferência “O Processo de Inventário” Conferência "Propriedade Horizontal e Condomínios" SOCIEDADE More efficient courts, more efficient businesses Portugal e a Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos
ORDENS Literacia em Saúde: Um tema que interessa a todos
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O IFBM EXPLICA... Quais os direitos dos passageiros em caso de recusa de embarque, cancelamento ou atraso de voo? 56 SUGESTÕES Livros Jurídicos Livros que dão que pensar
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ROTEIRO GASTRONÓMICO Restaurante Coop. Terra Chã “Paisagem e Sabores” Restaurante “António Padeiro”
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VIAGENS Setúbal. De mãos dadas com a natureza Toronto: a cidade dos imigrantes
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ENTREVISTA
“Reforma da Justiça só com um acordo interpartidário e empenho dos agentes”
RUI RIO PRESIDENT E D O PA RT ID O SOC IA L D E M OC R ATA
Acreditando que a Política “só faz sentido se for para servir o país e os cidadãos”, Rui Rio diz ter sido essa a convicção que cedo o fez seguir na direção que o trouxe até aqui. Hoje é Presidente do Partido Social Democrata e a sua voz ouve-se quando o assunto é Portugal. Considerando que é na Justiça que reside “um dos maiores problemas que o nosso país enfrenta”, Rui Rio defende uma “reforma profunda”, suportada pelo diálogo e pela cooperação, afirmando ainda que esta só poderá “ser concretizada com o empenho sério dos partidos parlamentares (…) e o empenho direto de todos os agentes”. Hoje, entre receios e esperança, mas pensando no futuro, o líder social-democrata defende que é urgente repensar a Política e as suas estruturas, construindo “uma maior proximidade aos eleitores” e com a certeza de o mundo estar a mudar a cada instante que passa. Entrevista André Silva / Fotografia Partido Social Democrata
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ENTREVISTA COM RUI RIO
tica. E numa cidade com tantas carências, estrangulamentos e disfunções como tinha o Porto quando assumi a presidência pela primeira vez, foi para mim uma grande escola pessoal, política e social. Diria que os valores que eu tinha muito presentes sobre a política, quando me estreei como autarca, puderam, naqueles três mandatos, ser consolidados de uma forma visível no terreno e com a satisfação dos ideais que sempre cultivei.
Onde começa este percurso pela política? Comecei muito jovem a sentir a política como um meio de intervenção na sociedade. Estava no colégio alemão, no Porto, quando despertei para a importância da defesa do bem comum, tornando-me um admirador natural de Helmut Schmidt, por força do ambiente em que vivia rodeado no colégio. Mais tarde, precisamente em 1974, ele ganhou as eleições pelo SPD, tornando-se chanceler, sendo o antecessor de Helmut Kohl. Foi precisamente neste mesmo mês que Francisco Sá Carneiro fundou o PPD/PSD e eu passei a ser do partido de Sá Carneiro, iniciando-me na JSD. A política está diferente? Muito diferente, e para pior. Ao tempo, e durante os primeiros 10/15 anos de democracia, a ideia dominante da política era servir os ideais da liberdade e assegurar o desenvolvimento harmonioso do país e das pessoas. Com o tempo, o regime não foi capaz de acompanhar as mudanças da sociedade e a política foi-se deteriorando, esquecendo os grandes valores do serviço público, para dar lugar cada vez mais a plataformas de interesses individuais e de grupos mais ou menos organizados. E quando se colocam estes interesses frente aos do país como um todo, a ação política e os seus agentes vão-se descredibilizando perante a sociedade em geral, e os eleitores em especial. E em que direção considera que a política deveria procurar seguir? Sempre me bati pela pureza dos valores políticos, na linha do que atrás ficou dito. A política só faz sentido se for para servir o país e os cidadãos. Procurando assegurar-lhes condições de vida digna, progresso, realização, para o desenvolvimento integral que potencie a felicidade como um desígnio das sociedades modernas e, consequentemente, dos cidadãos individualmente falando. A passagem pela Câmara Municipal do Porto teve que papel neste percurso? A proximidade que as funções autárquicas permitem a quem dirige um município é por si só uma experiência que ajuda qualquer político a descobrir a grandeza da ação polí-
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O que gostaria de ver acontecer no nosso país no campo da Justiça? Desde há muitos anos que defendo que a justiça é um dos maiores problemas que o nosso país enfrenta. Por isso, tenho-me batido por uma reforma profunda da justiça, como um todo. Mas como se trata de uma reforma estrutural que só pode ser concretizada com o empenho sério dos partidos parlamentares, pelo menos dos de maior representação, defendo um largo acordo interpartidário e o empenho direto de todos os agentes, para conseguirmos esse objetivo. O PSD tem um alargado trabalho sobre a Justiça e está disponível para concertar as suas posições com as demais forças partidárias e os agentes da justiça. Assim haja recetividade para chegar a bom porto. Ou conseguimos um largo acordo, sem preconceitos e com toda a seriedade, ou a Justiça continuará a demonstrar as suas falhas e contradições. Por mim, e enquanto líder do PSD, estamos disponíveis para dar todo o nosso apoio e abertura a um largo consenso nacional para uma reforma profunda da justiça. Que balanço faz das audições que promoveu com os operadores judiciários? Foram muito positivas as conversações que desenvolvemos com todos os operadores judiciários, porque nos permitiram ter uma visão mais real da forma como cada um vê os problemas e estrangulamentos internos do setor e, nomeadamente, da máquina judicial. Sem este contributo teríamos sempre uma visão redutora dos problemas existentes, quer os estruturais, quer mesmo os de conjuntura. Que avaliação faz das propostas apresentadas pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução? Foram de uma grande valia, que nos permite incorporar várias ideias no projeto global que podemos defender na nossa proposta de trabalho. Espero que os demais interlocutores, nomeadamente do PS e do Governo, sejam capazes de ter a coragem de enfrentar os problemas de frente, e em conjunto. Como descreve o papel das Ordens profissionais em Portugal? Como sabemos, nem todas as ordens são iguais e, logo, não atuam da mesma forma. Há as que exercem um papel fundamental no desempenho da respetiva classe, nomeadamente contribuindo para as boas práticas profissionais, quer sob o ponto de vista técnico, quer ético, e outras que se assumem mais como instrumentos de defesa de interesses
Ou conseguimos um largo acordo, sem preconceitos e com toda a seriedade, ou a Justiça continuará a demonstrar as suas falhas e contradições. corporativos, às vezes até confundindo-os com a ação dos sindicatos de classe. Claro que valorizo mais as primeiras. No nosso país, a cooperação interinstitucional faz a diferença? O Pacto para a Justiça é prova disso? Deveria fazer e deveria ser uma imagem de marca. Infelizmente ainda não temos uma verdadeira cultura de cooperação interinstitucional, sobretudo porque a degradação da vida partidária tem contribuído imenso para impedir progressos no caminho certo. Mas estou confiante que é possível higienizar a vida partidária e, consequentemente, aprofundar a cooperação que deve haver entre todas as instituições políticas, em nome do interesse nacional. E que país ficou depois dos anos marcados pela crise económica? Em que fase estamos agora? Ficou, antes de mais, um país traumatizado pelos custos que todos tivemos de pagar e ainda estamos a pagar. O meu desejo (e a minha esperança) é que o país aprenda a evitar os erros que nos levaram ao drama que vivemos, sobretudo nos últimos sete anos. Mas, para isso, é preciso que a classe política, sobretudo a que exerce funções dirigentes e governativas, perceba que não podemos voltar às práticas do passado que nos conduziram, e podem conduzir de novo, a um incompreensível retrocesso.
Estando à frente do PSD, como vê o futuro da militância e das estruturas partidárias? Defendo uma profunda reforma do sistema político que passa, em primeiro lugar, pela vida e organização partidárias. O regime parou na sua configuração constitucional de 1976. E, como costumo dizer, nada é eterno. Se não tivermos a coragem de fazer uma grande reforma estrutural, não sabemos onde vamos parar, mas sabemos que podemos dar um passo para o abismo, como, de resto, algumas péssimas experiências democráticas pelo mundo têm vindo a demonstrar. O mundo mudou e continua a mudar a um ritmo imparável. A vida política e os partidos não foram capazes de acompanhar estas mudanças e caminhamos aceleradamente, se nada for feito, para um beco sem saída em termos verdadeiramente democráticos. Tendo em conta a atualidade, como considera que será a democracia de amanhã? Como disse atrás, é uma incógnita. Ou somos capazes de reformular a vida política, em todas as suas vertentes, mas, sobretudo, na construção de uma maior proximidade aos eleitores e da credibilização dos agentes políticos, ou a degradação vai-se acentuando mais e mais, até sabe-se lá onde. Com o poder político enfraquecido e o poder, de um modo geral, cada vez mais fragmentado, o interesse coletivo tenderá a perder nos seus confrontos com os interesses individuais ou corporativos, ou seja, caminharemos, provavelmente, para uma espécie de ditadura dos poderes fáticos. : :
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REPORTAGEM
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
NA CASA QUE É DE TODOS NO CIMO DE UMA ESCADARIA QUE FAZ PENSAR QUE, DALI, SE AVISTARÁ PORTUGAL, O EDIFÍCIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA E A SUA IMPONÊNCIA, QUE ENCANTA OLHARES E LENTES, CONDIZEM COM OS MAJESTOSOS LEÕES, SÍMBOLOS DE FORÇA E PROTEÇÃO. NÃO SENDO DO TAMANHO DO PAÍS, ALI CABEM TODOS OS PORTUGUESES, CABEM OS DISCURSOS QUE AINDA ECOAM ENTRE APLAUSOS E AS DECISÕES QUE, DEBATIDAS E VOTADAS, ESCREVEM CADA DIA. ALI CABE A DEMOCRACIA E, SEGUNDO EXPRESSÃO QUE SE TORNOU FAMILIAR, ALI MORA. NO PALÁCIO DE S. BENTO. Texto André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
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“E
ste edifício foi mandado construir pelos Monges Beneditinos de hábito negro, nos finais do século XVI. Estes monges vieram de Itália, instalaram-se no norte do país, mas também quiseram construir um mosteiro na capital. Construíram primeiro um mosteiro na Estrela, mas queriam ter um espaço maior. Conseguiram adquirir este terreno que, na altura, só tinha hortas e uma quinta”, conta Maria José Maurício, da Divisão Museológica e para a Cidadania da Assembleia da República. Aliás, segundo a lenda, “nessa quinta vivia um casal e a mulher estava grávida. O marido aceitou o negócio, mas a mulher não queria vender a quinta. Um dia, a senhora andava a passear de burro, caiu e perdeu o bebé. Ao pensar que tinha sido castigada por não querer vender a quinta aos monges, aceitou de imediato o negócio”. Hoje dono de uma fachada branca que contrasta com o céu azul e condiz com as poucas nuvens que vão passando, localizado numa zona conhecida, na altura, por apresentar um "microclima benéfico para curar doenças", o “Mosteiro de São Bento da Saúde” albergou estes monges até ao século XIX. Na entrada, junto aos bustos de donos de grandes palavras que o país não esqueceu, percebe-se a traça do claustro. A Revolução Liberal trouxe a extinção das ordens religiosas e a entrega dos seus bens ao Estado. E, uma vez aprovada a primeira Constituição Portuguesa, foi também aprovada a criação de um Parlamento que não encontrou logo ali a sua morada. Mas não demorou muito. “D. Pedro IV achou que
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este era o lugar ideal. Ele foi cá instalado em 1834. O nosso primeiro Parlamento chamou-se Palácio das Cortes, isto porque, antigamente, todas as reuniões políticas com presença do Rei e das classes sociais chamavam-se cortes”. Apesar de muitas mudanças terem ocorrido enquando a História caminhou até aqui, as mais profundas tiveram registo já no século XX, depois do incêndio que pouco deixou da primeira sala de plenário, construída no primeiro piso, totalmente em madeira. Assim sendo, “já que tinham de reconstruir, a ideia foi adaptar um antigo espaço religioso às suas novas funções politicas. O concurso foi ganho pelo arquiteto Ventura Terra”. A escadaria nobre silencia e obriga ao toque dos olhos. Também desenhada por Ventura Terra, foi reformulada no seu traçado pelo arquiteto António Lino. Olhando para cima, em busca do próximo patamar, percorrem-se as formas que, na simplicidade, se impõem. É nesse momento que se descobre a grandiosidade daquele candeeiro de ferro negro que, suportado por um cabo de aço, faz brilhar 144 lâmpadas numa tonelada de delicadeza suspensa. “Quando desce para a manutenção, é um autêntico acontecimento”. Antes da entrada na sala do plenário, acontece a espera que caminha entre pensamentos. Aqui fica a sala dos Passos Perdidos. “Passos perdidos porque são salas de espera e, normalmente, enquanto esperamos, caminhamos. É também o grande hall de entrada porque a sala das sessões fica logo atrás destas paredes”. E quem espera, sem desesperar, pode preencher os minutos com as cores e os segredos das pinturas que cobrem as paredes.
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Abertas as portas, invade-se a sala das sessões. Onde tudo acontece. Inaugurada em 1903, era a estátua de D. Carlos que nela imperava. Hoje encontramos a figura da República Portuguesa. No cimo, emoldurada pelos brasões das circunscrições eleitorais dos anos 20 do século XX, surge uma pintura de 1920, alusiva às Constituintes de 1821. “Podemos dizer que ali estão os primeiros deputados e que aquela é a primeira sala parlamentar: uma livraria que existia no Palácio das Necessidades. Nesta pintura podemos ver que a sessão está a ser presidida pelo Arcebispo da Baía, ainda antes da independência do Brasil. Aliás, esta pintura tem dois pormenores interessantes: em primeiro lugar, a cadeira vazia, porque a Corte estava no Brasil e mostrava-se assim a ausência do Rei; o segundo aspeto prende-se com o facto de, nas galerias, surgir uma senhora a assistir. Já se pretendia reivindicar que a mulher tinha de ter mais participação.”
“O Presidente da Assembleia senta-se na cadeira mais alta. Quando vem o Presidente da República, é colocada uma igual ao lado. O Governo fica cá em baixo e as suas cadeiras não têm o símbolo da Assembleia. Exatamente para se distinguirem porque são dois órgãos de soberania diferentes e para se reforçar que o Governo é fiscalizado pelo Parlamento."
Beijada pela luz que vem da rua, onde a vida acontece ao ritmo de cada nova votação, naquela sala arrumam-se os deputados pelas cores partidárias. “O Presidente da Assembleia senta-se na cadeira mais alta. Quando vem o Presidente da República, é colocada uma igual ao lado. O Governo fica cá em baixo e as suas cadeiras não têm o símbolo da Assembleia. Exatamente para se distinguirem porque são dois órgãos de soberania diferentes e para se reforçar que o Governo é fiscalizado pelo Parlamento. Por isso, está de frente para as bancadas parlamentares. A bancada do Governo só é colocada em 1976, depois de aprovada a Constituição Democrática.” No meio da sala, envolta pelas estátuas que representam os valores que ali pairam, está a Divisão de Redação. Tudo aquilo que se passa é escrito e essas são as linhas do Diário da Assembleia da República. A tecnologia vai encontrando o seu lugar num espaço sóbrio e que se enche para o debate. As galerias, tantas vezes repletas pelas mais de 600 pessoas que podem acolher, deixam ver, ouvir e sentir a discussão pontuada por convicções. São mais de 350 as pessoas que aqui trabalham, nas mais diversas áreas. E, em dia de sessão, são mais de 1000 aqueles que percorrem os corredores que deixam os passos ter voz. “A Assembleia tem vida todos os dias.” E, nessa vida, cabem as vidas de todos que, ao fundo daquelas escadas, junto aos leões, passam. Uns avançam. Outros param. Uns fotografam. Outros apenas olham. Mas todos sabem que é ali. Todos sabem que ali, na Casa da Democracia, no cimo da escada, todos moram. : :
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ENTREVISTA
“O BUPi veio provar que era possível algo de que se ouvia falar há mais de dez anos.”
FILOMENA ROSA P RESIDENT E DO INSTITUTO D OS R E GISTOS E N OTA R IA D O
Não é nova na casa. Conhece-a bem e, apesar do orgulho evidente, não acredita que seja possível crescer sem pontes. Filomena Rosa, atual Presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) defende, sem rodeios, uma colaboração estruturada e constante entre profissionais e instituições. Tendo no BUPi um bom exemplo de colaboração interinstitucional, Filomena Rosa considera que foi no GeoPredial, um projeto que sempre viu como uma “boa ideia”, que esta parceria com a OSAE se tornou tão natural quanto positiva. Para a Justiça. E para os cidadãos. Por este e por outros projetos, passados ou que aguardam o dia certo para saltar do papel, a Presidente do IRN acredita em respostas construídas e em soluções que, a cada dia, se tornam melhores. Tudo graças aos vários olhares que, sem verem o mesmo caminho, apontam para o mesmo destino: simplificar e resolver. Entrevista André Silva e Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
Como é que o Instituto dos Registos e Notariado (IRN) chega aos cidadãos? A missão do Instituto dos Registos e Notariado é uma missão quotidiana e presente na vida das pessoas. Estando na área da Justiça, somos o serviço com que as pessoas mais contactam. Existe muita gente que, felizmente, passa uma vida inteira sem ir a um Tribunal, mas toda a gente tem um contacto com a conservatória, desde logo porque nasce e, depois, porque morre. O IRN tem um papel importante porque gera confiança, reduzindo as assimetrias informativas. Ultimamente temos ido, cada vez mais, ao encontro do cidadão porque estamos a disponibilizar outros serviços como o passaporte eletrónico, a carta de condução, etc. O IRN tem uma presença muito ativa na vida dos cidadãos. E a missão é mesmo essa. Somos, no fundo, as vacinas do sistema. Normalmente, só se percebe o papel de uma vacina quando não a tomamos. E o IRN também. Só quando não conseguimos provar o nosso direito é que percebemos a importância que tem um registo.
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A segurança e a confiança são pilares do Estado de Direito. Podemos dizer que os registos são o suporte destes pilares? Sim, a segurança que os registos conferem acaba por gerar a confiança dos cidadãos, confiança não só no registo, mas também nas pessoas que contratam. Por exemplo, saber se a pessoa é casada ou solteira, se tem património, ou não, são elementos importantes para o credor. Com esta situação dos incêndios e com a necessidade de saber quem é o proprietário de um determinado imóvel, os registos ganharam ainda mais importância. E o projeto BUPi tem contado com todo o empenho dos funcionários dos registos, apesar das dificuldades. Este é um projeto que dá corpo a esta questão da confiança e da segurança. Podemos dizer que o IRN e os registos também tiveram um papel na recuperação económica do País? Os registos, nos últimos vinte anos, deram um salto equivalente a meio século. Há quinze anos, ainda tínhamos registos em livros e agora já fazemos tudo em sistema informático. A atividade económica, hoje em dia, não se compadece com as demoras que chegaram a existir no passado. O facto de se ter evoluído para a simplificação e para a disponibilização de serviços online permitiu uma fluidez a que já habituámos os nossos empresários e a nossa economia. Mas não é só a questão da celeridade, é também o facto de estarmos presentes em múltiplos canais de acesso através do online. Contudo, quem quiser resolver algum problema presencialmente pode continuar a fazê-lo. Temos tentado manter estas valências de forma a chegarmos a todos e potenciarmos a atividade económica. Os portugueses têm sempre a ideia de que o seu país é o pior. Em matéria de registos, podemos dizer que a realidade é totalmente o oposto. Estamos numa ótima posição no contexto europeu. Em que sentido é que nos distinguimos no contexto internacional? Ao nível do registo predial, são poucos os países que conseguem ser melhores do que Portugal. Muitos desses países ainda não têm sequer uma base de dados nacional. Com isto temos uma vantagem competitiva e que, na minha opinião, deveria ser mais conhecida pelos empresários. Mas também é por isto que os ratings são tão importantes: para dar a conhecer quais os países que estão melhor colocados. No caso do registo comercial, podemos dizer que é dos mais evoluídos, permitindo até o acesso à informação em inglês. Neste âmbito da garantia da segurança e da confiança, considera que as regras de arquivo e preservação de títulos referentes a imóveis deveriam ser alvo de um processo de uniformização? Parece-me que sim. Era útil a existência de um critério único de arquivo e termos regras de arquivo uniformes. Neste momento, temos vários tituladores com os mesmos poderes. Podem chamar-se escrituras públicas ou documentos particulares,
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valem o mesmo, promovem os mesmos atos, mas têm regras de arquivo diferentes. Temos de evoluir na direção do digital e, se por um lado, ao nível dos solicitadores e advogados, já há um arquivo digital dos atos relacionados com imóveis, relativamente às escrituras ainda não demos esse passo. Era muito importante existirem regras comuns para todos, agilizando a localização dos documentos e evitando a circulação de papel. Hoje podemos dizer que a maior parte dos serviços tutelados pelo IRN estão já disponíveis online. Que outros serviços gostaria de ver incluídos neste universo? Já temos muitos serviços disponíveis online. Neste momento, mais do que ver novos serviços online, gostava que os serviços disponíveis online fossem mais utilizados. O nível de utilização foi evoluindo, mas, neste momento, está estagnado. Sentimos que temos de tornar estes serviços mais amigáveis para o utilizador, criando, até, eventualmente, novas formas de acesso aos pedidos online para profissionais. Ou seja, seria interessante termos sistemas capazes de comunicar com as plataformas dos solicitadores, dos advogados ou dos notários. Isso talvez fizesse com que os serviços online fossem mais usados. Por exemplo, o âmbito online é muito usado nos casos do automóvel e do comercial, mas o predial nem tanto. Há ainda um longo caminho para percorrer, os números estagnaram e queremos que voltem a subir – isso tornaria os serviços mais rápidos e retirava-nos pessoas do balcão. Balcão esse que continua a ser essencial para casos que obriguem ao tratamento presencial como, por exemplo, quando se pretende fazer o cartão de cidadão. Olhando para o futuro, queremos comunicar mais. Não estamos presentes nas redes sociais e queremos passar a estar. Ou seja, queremos divulgar informações úteis, chegar aos cidadãos. Por exemplo, muita gente ainda não sabe que pode agendar a feitura do cartão de cidadão e evitar filas. Aliás, o agendamento é algo em que queremos investir muito. E acha viável que os pagamentos dos registos possam vir a ser feitos também por transferência bancária? A transferência bancária causa-nos muitos problemas em termos de contabilidade, mas algo semelhante e que seria muito útil passaria pelo pagamento por referência multibanco ou por DUC (documento único de cobrança). Gostaríamos muito de conseguir implementar esta solução, porque temos consciência que facilitaria muito, designadamente quando se pedem registos de forma deslocalizada. Sabemos que pedir cheques visados é uma violência, os vales postais também não são a coisa mais simpática e, por isso, queremos muito evoluir no sentido da implementação das referências multibanco ou DUC. No registo automóvel on-line não é possível saber previamente os ónus registados sobre os veículos. Considera que seria interessante disponibilizar, também online, essa informação?
ENTREVISTA COM FILOMENA ROSA
Sim, pode ser mais um passo. Aliás, uma das ideias que gostaríamos de implementar num futuro próximo passa pela criação de uma maior proximidade com os nossos parceiros, para que seja possível conhecermos sugestões como essa. Nem sempre temos a consciência clara que esses serviços fazem falta, mas os solicitadores, ou outros profissionais, têm importantes contributos. Temos a intenção de promover parcerias de modo a que os nossos parceiros e os atores que mais próximo estão de nós possam transmitir as ideias que têm.
A OSAE, ao avançar para um projeto como o GeoPredial, demonstrou disponibilidade para fazer e para estar presente numa área que é difícil e no âmbito da qual nós vamos precisar de ter parcerias para podermos assegurar a expansão do projeto.
Este ano ficou marcado por um novo projeto: o BUPi. Este contou com a parceria da OSAE. Foi, nomeadamente, a experiência alcançada no âmbito do GeoPredial que justificou esta parceria? Apesar de não estar no IRN nesse momento, considero que sim e que só pode ter tido por base esse reconhecimento. De facto, a OSAE, ao avançar para um projeto como o GeoPredial, demonstrou disponibilidade para fazer e para estar presente numa área que é difícil e no âmbito da qual nós vamos precisar de ter parcerias para podermos assegurar a expansão do projeto. Ainda não sei em que termos, mas este projeto não pode ficar por aqui. Estas parcerias têm uma importância crescente. E, na minha opinião, o GeoPredial sempre foi uma boa ideia. Ao contrário de outros que o viam como uma ameaça, sempre considerei que os papéis de solicitadores e de conservadores, no que ao registo predial diz respeito, estavam bem claros e bem definidos. Existiu, sim, uma oportunidade de colaboração.
Podemos então fazer um balanço positivo do projeto BUPi e acreditar que o futuro continuará a passar por ele? Exatamente. Faz-nos até pensar que podemos explorar outras possibilidades de colaboração nesta matéria de registo predial e noutras. Temos de continuar a caminhar nesse sentido da colaboração porque todos somos poucos para fazer projetos como este. O BUPi veio provar que era possível algo de que se ouvia falar há mais de dez anos. Chegou e está a mostrar bons resultados, apesar de ser um grande desafio para os serviços pequenos que existem nas localidades abrangidas. Daqui a alguns anos teremos coordenadas geográficas nos registos prediais? Isso seria um importante desenvolvimento! E se as pudermos consultar rapidamente online, melhor ainda. Como vê a possibilidade de os conservadores assumirem o papel de árbitro nas questões que se colocam na definição de estremas dos prédios rústicos? Noutros países europeus, designadamente em Espanha, já se evoluiu nesse sentido, onde já se atribuíram competências no âmbito da mediação e arbitragem e com bons resultados. Eu considero que seria muito útil que todos aqueles conflitos
que estão ligados diretamente à terra pudessem ser mais facilmente resolvidos pela arbitragem. Para isso, temos que libertar o conservador de tarefas mais burocráticas e temos que permitir que se concentre em tarefas mais especializadas. Mas considero que sim. O BUPi veio trazer essa possibilidade. Ela não está implementada, mas está lá e vai acabar por ser necessária. Nesta fase, estamos apenas a registar e a georreferenciar. Vai chegar a fase em que alguém vai registar e georreferenciar e já não tem espaço e aí surgirá o conflito. É muito importante evoluirmos e considero que será esse o caminho, ou seja, passando pela mediação e pela arbitragem nas conservatórias. Os solicitadores serão, a par dos advogados e notários, os profissionais liberais que mais lidam com os serviços do IRN. Que mensagem gostaria de lhes deixar? Temos de caminhar, seguramente, no sentido da colaboração entre profissões e instituições. Os solicitadores são, sem dúvidas, uma daquelas profissões que sempre esteve, de forma descomplexada, junto dos registos. Até porque, normalmente, é o Senhor Solicitador que vai tratar deste tipo de matérias e é quem percebe mais. É quem está mais próximo das populações e é um ponto de contacto privilegiado. Posso até dizer que o concelho onde temos mais problemas no âmbito do BUPi é o único onde não existem solicitadores. Isso coloca uma pressão muito grande na conservatória, porque não existe um apoio jurídico prévio. Os solicitadores poderão ser excelentes parceiros porque vivem uma realidade próxima, sabem do que estamos a falar e compreendem a mesma linguagem no que aos registos diz respeito. Isto tudo faz-nos acreditar que poderemos colaborar mais no futuro até no estabelecimento de canais de acesso diferenciado ao registo para profissionais. : :
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APLAUSOS E PROJETOS MARCAM A EDIÇÃO DE 2018 Texto André Silva / Fotografia Ponto de Vista Audiovisuais
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A cerimónia de abertura foi presidida por Helena Mesquita Ribeiro, Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, em representação de Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça.
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a presença de perto de 400 solicitadores, agentes de execução e estagiários vindos de todo o país, as Jornadas de Estudo 2018 rumaram à cidade de Setúbal para, mais uma vez, os temas que marcam a atualidade das profissões estarem em análise a partir de diversas perspetivas. Foi pelas 10 horas que teve início a acreditação. Mochila da OSAE às costas e saco das Jornadas ao ombro com o cartaz que, como havia ficado prometido, iria sair das redes sociais e ser oferecido aos participantes, as chegadas iam acontecendo no Fórum Municipal Luísa Todi e os ponteiros do relógio lá começavam a acelerar. A cerimónia de abertura aconteceu perante uma plateia repleta e integrada também por representantes de diversas entidades e organizações. Maria das Dores Meira, Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, deu as boas vindas a todos os participantes e deixou um agradecimento pela escolha do cenário para este evento. Passada a palavra a Pedro Bacelar Vasconcelos, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, foram deixados elogios a uma iniciativa que contribui para a partilha de conhecimento e para o progresso
Maria das Dores Meira, Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, José Carlos Resende, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Pedro Bacelar Vasconcelos, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, e Juan Carlos Estévez, Presidente do Consejo General de Procuradores de España, integraram a mesa.
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"(...) Em traços gerais, e começando pela intervenção que propomos para o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, direi apenas que esta assenta em três traves-mestras. Primeiro: especialização. Especialização dos tribunais de primeira instância em razão da espécie processual e da matéria, nos casos em que o volume processual o justifique. Segundo: administração e gestão dos tribunais. Consagra-se um modelo de presidência, com competências reforçadas, que passa pela designação de um único presidente, coadjuvado por um administrador judiciário, e de um magistrado do Ministério Público coordenador, para um conjunto de tribunais administrativos de círculo e tribunais tributários integrados numa determinada área geográfica. Terceiro: assessoria. Procede-se à revisão do modelo dos gabinetes de apoio, estendendo-se aos Tribunais Centrais Administrativos a possibilidade de disporem destes gabinetes; e simplifica-se a criação dos gabinetes, remetendo para o regime previsto para os tribunais judiciais. Esse conjunto de diplomas incorpora também duas inovações, que resultaram de propostas efetuadas pela OSAE em sede de consulta prévia: Primeiro, alterámos o artigo 54.º do ETAF e o artigo 7.º do CPPT, sobre a representação da fazenda pública em processo tributário, alargando aos licenciados em solicitadoria a possibilidade de representar a Fazenda Pública em juízo, à semelhança daquilo que já acontecia com os licenciados em Direito; Segundo, ainda no quadro da alteração ao artigo 7.º do CPPT, introduzimos a possibilidade de a cobrança coerciva de impostos e outros tributos administrados pelas autarquias locais poder ser atribuída a agentes de execução, mediante protocolo a celebrar entre cada autarquia e a OSAE (...)." "(...) A OSAE tem mantido uma excelente relação institucional com o Ministério da Justiça. Tal sucede, acredito, porque quer o Ministério da Justiça, quer a OSAE, cada um com os seus naturais objetivos, partilham uma visão comum quanto ao papel da tecnologia para o processo de modernização, da simplificação e da proximidade dos tribunais e dos demais serviços deste Ministério ao cidadão, como dimensões cruciais à consolidação de um sistema de Justiça em Portugal capaz de enfrentar os desafios que a vida moderna coloca aos cidadãos e às empresas. E é essa visão e são as parcerias como a que o Ministério da Justiça tem com a OSAE que nos têm permitido promover e concretizar o elevado número de medidas já implementadas, com resultados que só nos podem deixar satisfeitos e com motivação acrescida para continuarmos este percurso. (...)" Helena Mesquita Ribeiro, Secretária de Estado Adjunta e da Justiça
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“As reformas na política de habitação” estiveram em análise, sob a moderação do jornalista António Esteves. Helena Roseta, do PS, António Costa da Silva, do PSD, Paula Santos, do PCP, Álvaro Castello-Branco, do CDS, e Pedro Soares, do BE, apresentaram as suas visões acerca de uma questão que está na ordem do dia. José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, também participou dando voz a propostas e alternativas.
dos profissionais e da Justiça. Juan Carlos Estévez, Presidente do Consejo General de Procuradores de España, viajou no tempo e recordou a história da cooperação entre estas duas entidades que têm crescido lado a lado. As conquistas e os números preencheram a intervenção do Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, José Carlos Resende. A parceria celebrada entre a OSAE e o Governo no âmbito do Balcão Único do Prédio (BUPi) e o crescimento do serviço GeoPredial, o sucesso da plataforma e-leilões e as muitas ideias para o futuro que se tornaram tema nestas Jornadas foram os pontos altos deste discurso. Mais de 5000 registos garantidos pelos solicitadores no contexto do BUPi e perto de mil milhões de euros alcançados com as vendas através da plataforma e-leilões foram alguns dos números revelados. Por fim, Helena Mesquita Ribeiro, Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, em representação da Ministra da Justiça, deu voz a muitas metas que se pretende alcançar e a muitos
projetos que já saíram do papel. Exemplo disso é a consulta pública de processos, a qual deu o primeiro passo com os processos executivos. No final do próximo mês, os cidadãos poderão consultar eletronicamente os processos que tenham em tribunais judiciais, administrativos e fiscais. Aproximar e simplificar: é a missão. Por isso, também a linguagem utilizada tem sido uma preocupação. Helena Mesquita Ribeiro revelou ainda planos para o futuro, visando dar continuidade à quebra da pendência na ação executiva. Por todo o trabalho desenvolvido, a Secretária de Estado deixou um agradecimento à OSAE e aos seus associados, salientando o valor da cooperação mantida com o Ministério da Justiça e das ideias que, diariamente, esta Ordem procura implementar em prol da Justiça e dos cidadãos. Após o período de almoço, o qual permitiu recuperar energia para os painéis da tarde, estava na hora de debater “O apoio judiciário” e o “Novo regulamento da CPAS”, contando, para isso, com as apresentações de Renato Gonçalves, Subdiretor-geral da Direção-Geral da Política de Justiça, e de António Costeira Faustino, Presidente da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). Na mesa esteve ainda Pedro Pimentel, da CPAS, e Armando A. Oliveira, 2.º Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, que moderou este painel, o qual não se esgotou em 90 minutos. De seguida, “As reformas na política de habitação” estiveram em análise, sob a moderação do jornalista António Esteves. Helena Roseta, do PS, António Costa da Silva, do PSD, Paula Santos, do PCP, Álvaro Castello-Branco, do CDS, e Pedro Soares, do BE, apresentaram as suas visões acerca de uma questão que está na ordem do dia. José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, também participou dando voz a propostas e alternativas. A Assembleia da República esteve então representada no palco das Jornadas de Estudo 2018, assim como o habitual debate aceso entre as forças partidárias.
O primeiro dia terminou com um “cheirinho” a futuro. A Plataforma OSAE 360º brilhou no último painel, sob o “clique” de Rui Miguel Simão, 1.º Secretário do Conselho Geral da OSAE, tendo contado com a moderação de Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da OSAE, que, no final, deixou um resumo daquele que seria o programa do dia seguinte. Ao trabalho seguiu-se a diversão. E também os acompanhantes se juntaram à festa após uma tarde a navegar pelo Sado. O jantar, à semelhança dos almoços, foi confecionado e servido pela Escola de Hotelaria e Turismo de Setúbal e a noite despediu-se ao ritmo das escolhas do DJ Fernando Alvim. Apesar de um jantar durante o qual a animação foi o prato principal, foi pouco depois das 10 horas que tiveram início os trabalhos. Durante a manhã do segundo dia, agentes de execução e solicitadores puderam assistir a painéis dedicados a áreas e questões específicas ligadas à atividade que desempenham diariamente. No Luna Esperança Centro Hotel, os solicitadores estiveram reunidos ao longo de toda a manhã. Por lá, também aconteceram os workshops sobre SISAAE e BUPi, orientados por Mara Fernandes, Vice-Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, e por Ana Cunha, membro da equipa responsável pelo GeoPredial. Enquanto isso, os agentes de execução juntaram-se no Fórum Municipal Luísa Todi. Foi uma manhã dedicada ao debate dos temas que marcam a atualidade das profissões e, claro está, à procura de novas soluções. O futuro do inventário foi o tema de arranque na sala dos Solicitadores. Miguel Ângelo Costa, Presidente do Conselho Fiscal da OSAE, trouxe a sua experiência. Já no que diz respeito aos autos de constatação, Patrick Gielen, huissier de justice, partilhou o que se passa na Bélgica e o papel assumido por esta ferramenta. Seguiu-se a intervenção de Ana
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Cunha, membro da equipa responsável pelo GeoPredial, a qual não deixou dúvidas quanto à relevância do cadastro para o crescimento da economia. José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, e Edite Gaspar, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, moderaram este painel que deixou a certeza de muito futuro existir para a solicitadoria. Do outro lado da avenida, no Fórum Municipal, Hugo Lourenço, Mota Gomes e Filomena Serras Pereira, da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, procuraram apresentar uma resposta à questão “A contingentação ou a distribuição?”. “A colaboração do Agente de Execução na apreensão e venda em processo de insolvência” foi o tema que se seguiu, tendo este sido explorado por Rui Castro Lima, administrador judicial, que, no âmbito da sua
As Jornadas de Estudo 2018 deixaram importantes desafios e a certeza de um futuro, cheio de oportunidades para os solicitadores e para os agentes de execução.
intervenção, enalteceu o trabalho desenvolvido pelos agentes de execução e pela OSAE. Delgado de Carvalho, juiz de execução, partilhou com os presentes a sua análise sobre “Processo executivo: Heranças e meação”. A moderação ficou assegurada por Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, e ficou evidente a mais-valia conseguida através da conjugação de visões e experiências de diferentes profissionais que se encontram na Justiça. Após a pausa para café, durante a qual muito mais se debateu, Paulo Teixeira, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE e Diretor do Instituto de Formação Botto Machado, moderou as intervenções de Fernando Rodrigues, Vice-Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, de Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, e de Cláudia Boloto, advogada. Neste painel, conteúdo não faltou e foram abordadas, respetivamente, as “Boas práticas na elaboração de conta de honorários”, os “Serviços integrados de Solicitadoria” e o “Mandato conjunto com advogado”. Caminhos para uma profissão que se tem reinventado a
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cada instante, abraçando desafios enquanto oportunidades. Regressando à sala dos Agentes de Execução e com a moderação de Duarte Pinto, Presidente do Conselho Regional do Porto da OSAE, as “Verificações não Judiciais Qualificadas”, o “Regime de consultas em processo executivo” e “A nova conta no SISAAE” passaram pelo palco do Fórum Municipal e pelas apresentações de João Paulo Raposo, juiz de direito, de Susana Antas Videira, Diretora-Geral da Direção-Geral da Política de Justiça, que, para além de abordar o que falta fazer, dedicou parte da sua apresentação às conquistas que têm contribuído para uma maior eficácia na ação executiva, e, ainda, de Marco Santos, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, tendo ficado mais claras as mudanças ocorridas no que diz respeito à conta no sistema de suporte à atividade do agente de execução. A duração dos painéis superou os limites definidos no programa. Mas, mesmo assim, o almoço aconteceu no habitual registo calmo e descontraído. E, pouco depois das 15 horas, chegava o último painel de mais umas Jornadas de Estudo. Estava então na hora de deixar desafios para o futuro: “Sistema Integrado de Cobrança”, “Ficha de Certificação de Imóvel”, “e-Contrato Imobiliário” e “Administração e fis-
calização da propriedade horizontal”. Novas soluções, novas áreas de intervenção e novas propostas foram trazidas por Armando A. Oliveira, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, por Rui Miguel Simão, 1º Secretário do Conselho Geral da OSAE, por Paulo Branco, 1º Secretário da Assembleia Geral da OSAE, e por Edite Gaspar, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE. Concluído o debate e antes do cocktail de encerramento, arrancou a cerimónia de encerramento, no âmbito da qual foram entregues os certificados de Bolsa de Mérito aos estagiários que alcançaram melhores classificações no âmbito do Estágio para Solicitadores 2017/2018. João Aleixo Cândido, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da OSAE, Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, e José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, fizeram ainda o balanço de mais umas Jornadas de Estudo que deixaram importantes desafios e a certeza de um futuro, cheio de oportunidades para os solicitadores e para os agentes de execução. : :
PROFISSÃO
POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA RECÍPROCA À CONDIÇÃO DE HERDEIRO LEGITIMÁRIO DO OUTRO CÔNJUGE Por Diana Leiras, Mestre em Solicitadoria e Docente no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave
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o passado dia 1 de setembro, entrou em vigor a Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto, que modifica o Código Civil para permitir a renúncia recíproca à condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge. Esta possibilidade enquadra-se no domínio da sucessão contratual, constituíndo um desvio à proibição dos pactos sucessórios de renúncia à sucessão de pessoa viva, consagrada no art. 2028.º do Código Civil (doravante CC). A referida Lei provém do Projeto de Lei n.º 781/XIII1, de cuja exposição de motivos resulta o propósito de evitar que pais que desejam casar novamente ou, até, pela primeira vez não o façam para acautelar a situação sucessória dos filhos que já tenham, dado que, mesmo que casem no regime da separação de bens, o cônjuge viúvo tem, por imposição legal, uma posição sucessória. Todavia, a existência de filhos de uma anterior relação não é requisito para que os esposados afastem os direitos legitimários viduais: apenas se exige que o regime de bens do casamento, convencional ou imperativo, seja o da separação de bens; que a renúncia seja recíproca; e que tenha lugar em sede de convenção antenupcial [art. 1700.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3 CC].
O regime aplicável a esta renúncia consta do novo art. 1707.º-A CC, do qual resulta, em primeira linha, que os esposados podem condicionar a renúncia à sobrevivência ou não de sucessíveis de qualquer classe, ou de outras pessoas, nos termos do art. 1713.º CC, sem que a condição tenha de ser recíproca. Por exemplo, os esposados podem sujeitar a renúncia à condição da sobrevivência de descendentes de um deles, mas sem que com isso fique afastado o requisito geral da reciprocidade da renúncia: qualquer condição aposta à renúncia de um dos esposados afeta a renúncia de ambos. O restante art. 1707.º-A CC ocupa-se da proteção do cônjuge viúvo renunciante, sobretudo ao dispor que ele mantém o direito a alimentos previsto no art. 2018.º CC (direito de apanágio) e às prestações sociais por morte; e que, sendo a casa de morada de família propriedade do seu consorte defunto, pode em princípio nela permanecer, pelo prazo de cinco anos, como titular de um direito real de habitação e de um direito de uso do recheio. Esgotado esse prazo, que pode ser prorrogado a título excecional pelo tribunal (por razões de equidade), o cônjuge viúvo pode permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário. Este regime segue idênticos parâmetros ao que é aplicável no caso de dissolução de união de facto por morte, mas o direito de habitação é vitalício se o cônjuge viúvo tiver, à data da abertura da sucessão, 65 anos de idade ou mais. Os cônjuges renunciantes não estão impedidos de fazer liberalidades um ao outro, decorrendo do novo n.º 2 do art. 2168.º CC que as liberalidades a favor do cônjuge viúvo renunciante não são inoficiosas “até à parte da herança correspondente à legítima do cônjuge caso a renúncia não existisse”. Assim, com vista à imputação das liberalidades que o de cuius fez a favor do seu cônjuge tem ser calculada uma quota legitimária fictícia que pertenceria a este. A este propósito, cumpre-nos evidenciar que a renúncia é limitada à condição de herdeiro legitimário, pelo que, se de cuius não tiver disposto, de forma válida e eficazmente, de toda a quota disponível, o cônjuge viúvo sucede nessa quota (ou no seu remanescente) como herdeiro legítimo (art. 2133.º CC). Pensamos que o cônjuge viúvo merece ter a condição de herdeiro legitimário, desde logo porque deu o passo do casamento e manteve-o até ao fim dos dias do seu consorte defunto, numa altura em que os divórcios proliferam. Todavia, saudamos esta novidade na expectativa de que ela possa fazer a diferença para os casais que, ao desejarem a separação patrimonial, não só em vida, mas também post mortem, viam nos efeitos sucessórios conjugais uma barreira à celebração do casamento. Trata-se de uma decisão que os cônjuges (ambos) têm de tomar de forma livre e refletida, considerando a proteção que a lei confere ao cônjuge renunciante no estado de viuvez. : : 1 Apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, em 20 de fevereiro de 2018. Disponível no portal da Assembleia da República ( http://app.parlamento.pt).
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REPORTAGEM
BUPi E O GEOPREDIAL
UM FUTURO DA COR DA ESPERANÇA Texto André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
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Balcão Único do Prédio ou, simplesmente, BUPi, “é uma plataforma que surge com o intuito de conhecer o território português de forma simples e inovadora, possibilitando a identificação dos proprietários das áreas em risco de incêndio e a prevenção da incidência de fogos em defesa do meio ambiente, dos bens, e acima de tudo, da vida”. Assim surge definido o projeto que, na sua fase piloto e através de uma rede de balcões de proximidade, garantirá a identificação e o registo gratuito dos terrenos em dez municípios e áreas limítrofes, sendo estes Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos, Góis, Pampilhosa da Serra, Penela, Sertã, Caminha, Alfândega da Fé e Proença-a-Nova. A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), promotora do serviço GeoPredial, foi integrada neste projeto enquanto parceira do Governo no alcance de um objetivo que todos reconhecem como fundamental para o desenvolvimento do país e na prevenção de histórias sem final feliz e que, por vezes, levam o verde das florestas e a esperança das pessoas. Conforme comunicado em julho deste ano, assistíamos “ao aumento da capacidade de resposta do BUPi”, graças a um protocolo de colaboração celebrado entre o Ministério da Justiça/Instituto dos Registos e do Notariado, enquanto entidades gestoras do Balcão Único do Prédio, e a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução”.
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Pretendendo-se, nesta fase piloto, delimitar terrenos através da fotointerpretação, georreferenciação e da centralização de informações, os proprietários, ou promotores, passaram então a poder recorrer aos escritórios de solicitadores identificados na rede de balcões de atendimento para garantirem, gratuitamente, o serviço, sendo que, depois, serão comunicadas ao BUPi todas as informações obtidas, dispensando qualquer outro ato adicional por quem iniciou o processo.
“Acredito no futuro sobretudo se todos tivermos a coragem de continuar a apostar no projeto BUPi e em serviços como o GeoPredial. E falamos de um trabalho constante e permanente. Resumindo: se queremos proteger o património e os nossos cidadãos, temos de os sensibilizar para a urgência de conhecermos os terrenos e os seus limites." Edite Gaspar Aos olhos da OSAE, este passo representou “o reconhecimento do trabalho desenvolvido, nomeadamente no âmbito do GeoPredial, um serviço prestado por Solicitadores com formação específica e que permite a georreferenciação de terrenos, implicando a deslocação ao local e sendo garantido que todos os elementos recolhidos ficam disponíveis numa plataforma à qual o proprietário pode aceder a qualquer momento”. Edite Gaspar, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, acrescenta: “A ideia de protocolo entre o MJ, o IRN e a OSAE vem na sequência de um protocolo anterior, celebrado com o Ministério do Ambiente no âmbito da criação da figura do técnico de cadastro predial e retroagindo uma vez que a OSAE vem desenvolvendo, desde 2012, o projeto GeoPredial. Na sequência dos incêndios nos concelhos abrangidos pelo projeto BUPi o Ministério da Justiça pediu a colaboração da OSAE pelo trabalho já desenvolvido e daí decorre o protocolo”. Assim, importa saber mais sobre esta parceria e sobre o que devem os cidadãos interessados fazer caso pretendam recorrer a este serviço. O atendimento ocupa poucos minutos.
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Vejamos: “Deverá levar os registos, não só da conservatória, mas também os das finanças. Se o prédio não estiver descrito na Conservatória do Registo Predial, deverá ser criado um procedimento especial. Esse é o primeiro passo. Se não tiver documentos, também terá que ser aberto um procedimento especial e terá de ser feita uma justificação notarial. Mas, caso tudo esteja bem, começa-se por adicionar um novo processo, escolhe-se a opção BUPi e há uma primeira parte onde se identifica o prédio de acordo com os documentos que o proprietário/promotor traz. Mesmo que existam mais proprietários, apenas necessita de vir o representante, o qual deve vir devidamente documentado. Sobre a imagem, o Solicitador, segundo as indicações do promotor, irá desenhar o polígono. Estando tudo em ordem, este é submetido na plataforma. Depois, o Solicitador imprime o termo de responsabilidade com diversas informações como a área do polígono, o tipo do prédio e a Representação Gráfica Georreferenciada (RGG). No final, só têm de ser recolhidas algumas assinaturas, declarando o cidadão que é da sua responsabilidade o polígono desenhado e autorizando a comunicação ao BUPi. Uma vez tudo digitalizado e submetido, o processo termina, o promotor leva um documento e o Solicitador cria ainda uma conta através da qual o cidadão pode consultar todos os seus prédios, no âmbito do BUPi ou do GeoPredial. Se tudo correr bem, estamos a falar de um processo que demora 10 minutos”, descreve Ana Cunha, membro da equipa responsável pelo GeoPredial. Edite Gaspar, não tem dúvidas quanto à proximidade e facilidade que marcam e distinguem este projeto que veio dar resposta a uma necessidade há muito identificada. Por isso e após alguns meses de trabalho, Edite Gaspar faz um balanço “muito positivo. Isto implicou um esforço acrescido a todos os nossos associados numa altura de férias. Os números são muito satisfatórios, porque os Solicitadores deram uma resposta muito positiva e corresponderam de forma muito eficaz. Daí que estejamos muito satisfeitos com estes resultados”. E torna-se simples compreender o papel que o Solicitador pode assumir neste cenário em que a propriedade não se assume como algo evidente ou inquestionável. Aliás, é muitas vezes essa a missão que o profissional assume no âmbito do serviço GeoPredial: “A génese do Solicitador enquanto mediador é uma mais-valia para a preparação destes projetos. O papel da mediação pode, sem dúvida, resolver muitos conflitos a priori que não o serão de uma outra forma. O Solicitador junta as partes e serve de mediador, resolvendo ou evitando conflitos”, clarifica Edite Gaspar. Ana Cunha explica ainda que os Solicitadores conseguem também garantir a componente geográfica, cruzando-a com a sua formação jurídica. Apesar de o serviço GeoPredial apresentar uma versão que permite interagir com o BUPi, a sua abordagem plena contempla outras valências: “O BUPi corresponde a um processo simplificado. Trata-se de fotointerpretação da localização do prédio. Como sabemos, a maior parte dos imóveis, mesmo nos concelhos abrangidos no âmbito deste projeto, são de proprietários que não os conhecem ou que têm uma
BUPi E O GEOPREDIAL
idade avançada, sendo, de alguma forma, difícil a sua identificação precisa. É aqui que o papel do Solicitador faz ainda mais a diferença, podendo ajudar a resolver algumas questões jurídicas pendentes. Assim, no âmbito do GeoPredial, estamos perante um processo mais completo. Neste caso, o Solicitador interage, vai ao terreno, verifica os elementos no terreno, contacta diretamente com o proprietário, etc. Esta é a grande diferença”, considera Edite Gaspar. Neste contexto, Ana Cunha reforça ainda que, no âmbito do serviço GeoPredial, o Solicitador “vai sempre ao local, garantindo o registo de todos os elementos relevantes”. Assumindo-se hoje como um serviço prestado pelos Solicitadores após frequência de uma exigente formação composta pelas vertentes teórica e prática, o GeoPredial atravessou já várias etapas e desafios: “O momento do lançamento e a coragem de quem agarrou este projeto correspondem a algo que, para mim, tem um significado muito especial. Depois recordo também todos os momentos de formação de Solicitadores em GeoPredial. A adesão, o interesse, o empenho e o gosto dos colegas na participação nessas formações são evidentes. Depois veio, através dos protocolos assinados, o reconhecimento deste projeto. É muito bom ver crescer um projeto como este, ver os trabalhos e os lançamentos feitos na plataforma. Assistir ao número de prédios a aumentar é muito gratificante e faz-nos acreditar e trabalhar todos os dias em prol deste projeto e dos Solicitadores. Acreditamos que este projeto é uma mais-valia, não só por ser realizado por Solicitadores, mas, também, porque é importante para o cidadão. Daqui resulta uma mais-valia para a salvaguarda e memória futura do seu património”. Segundo Ana Cunha, que acompanha as formações dos profissionais, os Solicitadores “apaixonam-se e encontram no GeoPredial a solução para muitas situações que, no passado, tiveram nos seus escritórios”. A plataforma GeoPredial evolui todos os dias, ao ritmo das necessidades dos profissionais e dos cidadãos. Também para dar resposta ao BUPi tiveram que ser feitos ajustes e desenvolvimentos. Só assim será possível conhecer e cuidar do território e vencer este desafio. Como sublinha Edite Gaspar, “as pessoas compreendem agora a relevância de saberem quais os limites das suas propriedades e o quão importante é transmitirem isso às gerações vindouras”. Olhar para o futuro é então a prioridade identificada pela OSAE, procurando a melhoria contínua e a prestação de novos serviços que possam ir ao encontro das necessidades do país. Por isso, Edite Gaspar defende que o BUPi pode chegar mais longe: “Acredito no futuro sobretudo se todos tivermos a coragem de continuar a apostar no projeto BUPi e em serviços como o GeoPredial. E falamos de um trabalho constante e permanente. Resumindo: se queremos proteger o património e os nossos cidadãos, temos de os sensibilizar para a urgência de conhecermos os terrenos e os seus limites. Como costumamos dizer, ‘mais vale prevenir do que remediar’ e só assim poderemos criar raízes sólidas e fazer crescer um futuro melhor e mais verde”. Da cor da esperança. : :
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ENTREVISTA
“O desafio passa por saber o que é razoável e, em princípio, a lei permite o que é razoável.”
FILIPA CALVÃO P RES IDENT E DA COMI SSÃO N AC ION A L DE PROT EÇÃO DE DAD OS
Todos já ouvimos falar no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados. Todos já ficámos a conhecer a sigla RGPD. Mas, afinal, o que mudou? Filipa Calvão, Presidente da Comissão Nacional da Proteção de Dados (CNPD), considera que o grande objetivo deste novo regulamento passou pela uniformização da aplicação num espaço onde também a circulação de dados se pretende livre de fronteiras. Entre receios e dúvidas, a CNPD tem percorrido um país feito de tantas realidades distintas e procurado “acalmar” e clarificar. Valorizando o esforço que tem encontrado, não nega o caminho que há pela frente e sabe que também este estará em constante mutação, ao ritmo da evolução tecnológica e da vontade humana. Por isso e embora a lei deva trazer muitas respostas, Filipa Calvão apela ao bom senso e, acima de tudo, à manutenção do esforço em prol do respeito pelos direitos dos cidadãos. Entrevista André Silva e Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
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Qual a missão reservada à CNPD? A missão da CNPD é a de garantir os direitos dos cidadãos no âmbito de tratamento de dados pessoais, verificando a conformidade dos tratamentos de dados com a lei e procurando repor o respeito por aqueles direitos. Os cidadãos já têm uma noção mais clara do que está em jogo? Este novo regime jurídico veio criar mais consciência desse conjunto de direitos. A verdade é que, com a evolução tecnológica, as pessoas têm vindo a ter maior noção de que, por exemplo, nos acessos à internet ou quando se descarrega uma aplicação, há recolha de dados. Também notámos, desde a alteração legislativa, um aumento de solicitações junto da CNPD por parte de cidadãos, tanto para garantir os seus direitos, como para pedir esclarecimentos. Há alguns anos, a Sollicitare veio conhecer o projeto DADUS. É cada vez mais importante criar mecanismos de sensibilização que cheguem a públicos mais jovens? Sim. É importante sensibilizar crianças e jovens, são eles os grandes utilizadores destas tecnologias. Também é uma forma de, através dos mais novos, conseguirmos chegar aos seus pais, às suas famílias. É uma forma de passar a mensagem. Para isso, o programa DADUS foi muito importante e, neste momento, organizamos ações de sensibilização em escolas, alertando e despertando a consciência para estas questões. O que representou este novo regulamento? Trouxe novas exigências ou reforçou as que existiam? Com este novo regime, a União Europeia pretendeu garantir uma aplicação uniforme das regras de proteção de dados no espaço europeu, para que a liberdade de circulação que hoje temos acompanhe também a liberdade de circulação dos dados dos cidadãos. Ao mesmo tempo, atendendo a que as novas tecnologias nos trouxeram novos desafios, procurou-se reforçar os direitos. A grande novidade, em termos práticos, é que deixa de ser necessária uma autorização prévia para os tratamentos dos dados. Isto significa que cada entidade que queira fazer um tratamento de dados tem que analisar o RGPD e avaliar se cumpre as regras e os princípios nele definidos.
é ser ele a tomar as decisões e a determinar como vão ser feitos os tratamentos de dados pessoas. Ele está lá para, com independência, aconselhar, acompanhar e, porventura, alertar caso alguma coisa esteja a funcionar mal. A responsabilidade é sempre da entidade que está a fazer o tratamento dos dados. O encarregado tem um papel que de algum modo está entre a função de um consultor e de um fiscalizador.
É nessa lógica de responsabilização que surge a figura do encarregado de proteção de dados? Sim, pretende-se assegurar que estas entidades que fazem tratamento de dados têm alguém, dentro da sua organização, que verifique se os dados estão a ser tratados em conformidade com a lei.
O país, os cidadãos, as entidades e as empresas têm conseguido dar resposta ou sentem que ainda há um caminho por percorrer, nomeadamente quando falamos em organizações de pequena ou média dimensão? Tivemos empresas e organismos públicos que se prepararam com tempo, até porque o regulamento já estava em vigor desde 2016. Adaptaram os seus sistemas de informação, garantindo o cumprimento dos princípios do regulamento. Outras entidades esperaram por 25 de maio de 2018 para começarem a rever os seus tratamentos de dados. E, por fim, outras ainda nem olharam para o regulamento. A verdade é que o RGPD diz praticamente o mesmo que a anterior legislação de proteção de dados, quanto aos princípios e às condições para tratamento de dados. Contudo, algumas empresas e entidades não estavam sensibilizadas para o anterior regime legal e, por esse motivo, estarão agora um pouco assustadas.
Como se pode explicar o papel da figura do encarregado de proteção de dados? Quem pode assumir esta responsabilidade? Tem existido alguma confusão no que diz respeito às funções deste encarregado de proteção de dados. A ideia não
Sentem que poderemos assistir a algumas situações de exagero de burocracia num momento em que o grande objetivo passa por simplificar? O RGPD não promove a burocracia, mas, nalguns casos, os responsáveis por tratamentos de dados têm multiplicado
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ENTREVISTA COM FILIPA CALVÃO
Com este novo regime, a União Europeia pretendeu garantir uma aplicação uniforme das regras de proteção de dados no espaço europeu, para que a liberdade de circulação que hoje temos acompanhe também a liberdade de circulação dos dados dos cidadãos.
procedimentos, porventura por receio de não cumprirem aquelas regras. O regime jurídico está assente numa lógica de responsabilização e, a partir do momento em que deixamos de ter o conforto de uma autorização prévia da CNPD, o receio é maior. Sobretudo porque o quadro sancionatório se alterou substancialmente e é muito mais pesado. Existem, por vezes, exageros, existe má interpretação das normas. Por exemplo, na semana de 25 de maio, todos recebemos inúmeros e-mails solicitando consentimento para tratamento de dados. Muitos desses pedidos não tinham razão de ser, porque os tratamentos estavam legitimados pela lei (por exemplo, casos em que há obrigação das empresas de transmitir dados ao Estado) ou por contrato. Outros pedidos não estavam corretos, pois indicavam que a ausência de resposta significaria o consentimento quando isso já não é válido, pois o novo regulamento exige que o consentimento para os tratamentos de dados seja explícito. Podemos dizer que houve também um impacto derivado da mediatização da questão? A mediatização é sempre importante. Durante o ano de 2017 e o início do ano de 2018, corremos o país com conferências e sessões de esclarecimento sobre esta matéria, para conseguirmos consciencializar as pessoas para as alterações e para o que era necessário fazer. E, na maior parte das vezes, com o sentido de acalmar, diminuir a ansiedade. A este propósito, lembro que, no âmbito da fiscalização a empresas, é completamente diferente uma empresa que não fez absolutamente nada para se adaptar ao novo regulamento ou uma que procurou cumprir, mas que ainda está a meio do processo de adaptação ao novo regime. Os Solicitadores e os Agentes de Execução também lidam diariamente com dados pessoais. Que parte da missão fica reservada para estes profissionais e que alertas é que gostaria de deixar? Desde logo, o exercício destas profissões exige tratamentos de dados, seja por força de um contrato ou com base na lei e, por isso, os tratamentos estarão legitimados nestes termos. O grande desafio passa pelo juízo de proporcionalidade que é necessário fazer em cada caso. Ou seja, deverá ponderar-se se os dados que estão a ser recolhidos são
efetivamente adequados e necessários para a finalidade visada com o seu tratamento. Numa questão mais prática, os solicitadores e advogados têm sentido algumas dificuldades dessa natureza. Por exemplo, os cidadãos que querem conhecer o dono do prédio rústico que se localiza ao lado do seu, seja para o demarcar ou para denunciar situações de risco - podem obter esta informação ou falamos de dados confidenciais? Com este regulamento, será possível continuar a obter essa informação. Na base do regime de proteção de dados está o bom senso, como deve suceder em todos os regimes jurídicos. O desafio passa por saber o que é razoável e, em princípio, a lei permite o que é razoável. Essencialmente, o que está em causa é este juízo de razoabilidade. Para que o regulamento comunitário esteja completamente operacional é necessária uma lei da Assembleia da República. Qual a perspetiva da CNPD sobre o que deve ser regulado nessa lei? Existe uma proposta de lei que foi apresentada à Assembleia da República e que está a ser alterada em sede de especialidade, no sentido de corrigir alguns dos aspetos dessa primeira proposta de lei que não estavam completamente enquadrados com o RGPD. Há questões que têm de ser tratadas pelo legislador português e no âmbito das quais o regulamento deixou espaço para o legislador decidir. E, aliás, há mesmo tratamentos que precisam de lei nacional para poderem ser feitos. Podemos afirmar que a tecnologia continuará a trazer, todos os dias, novos desafios difíceis de antecipar? A regulamentação tem de ser dinâmica. É difícil pedir a uma lei que seja dinâmica, por isso cabe à CNPD ir adaptando o regulamento aos desafios colocados pelas novas tecnologias. Por exemplo, um tratamento que hoje esteja a ser feita de uma forma considerada correta, amanhã pode já não o ser. Este é o grande desafio que a tecnologia nos coloca. Por outro lado, a tecnologia pode passar, muitas vezes, de aparente inimiga da proteção de dados a aliada. A tecnologia cria problemas, mas também é capaz de oferecer soluções para os mesmos. O futuro trará uma sociedade assustada ou mais informada e capaz de lidar com esta matéria? Identifico duas posições extremas na nossa sociedade: aqueles que estão a ficar obcecados por este tema, que não querem sequer utilizar um computador porque têm medo de um qualquer ataque aos seus dados; e aqueles que são indiferentes a esta questão e que dizem nada ter a esconder, o que claramente, para mim, é um princípio errado. Cada um de nós tem direito à sua privacidade. Eu tenho direito a que a minha informação esteja protegida, pelo menos numa determinada medida : :
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OSAE
IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO
ATUALIDADE DA JUSTIÇA E DAS PROFISSÕES ANALISADA COM OS ASSOCIADOS DE CASTELO BRANCO E PORTALEGRE
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oi no dia 28 de junho, no Hotel Tryp Costa do Castelo, em Castelo Branco, que decorreu mais um Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução. Castelo Branco juntou-se a Portalegre e reuniram-se solicitadores e agentes de execução para pensarem e debaterem o futuro das duas profissões. Este foi mais um Fórum integrado na quarta edição desta iniciativa promovida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), tendo o mesmo sido organizado pela Delegação Distrital de Castelo Branco, sob coordenação dos Conselhos Regionais de Coimbra e de Lisboa. A parte da manhã ficou a cargo da Delegação Distrital anfitriã e dos Conselhos Regionais, cujos presidentes, Lina Roque, Anabela Veloso e João Aleixo Cândido, foram os responsáveis por acolher os participantes e deixar alguns agradecimentos, juntamente com António Correia Novo, representante da região de Portalegre e Secretário do Conselho Regional de Lisboa da OSAE. Nas intervenções, ficou sublinhada a certeza do sucesso da união de esforços em prol de iniciativas como esta, tão relevantes na criação de pontes entre os órgãos e os associados, e de todos os projetos que possam levar mais longe as profissões. “O Solicitador e as Responsabilidades Parentais” foi o tema em debate no arranque do “Espaço Delegações”. Moderado por Paulo Teixeira, Vice-Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, este contou com as perspetivas de José Antunes Cerdeira, Procurador do Tribunal de Família e Menores, e de Maria João Rato, Advogada, tendo sido deixados vários alertas e analisadas diversas questões fraturantes. Após o período de almoço, foi num clima de entusiasmo e boa disposição que foi acolhido o painel dedicado aos
Solicitadores. Apresentados por Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da OSAE, Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, e Fernando Rodrigues, Vice-presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, trouxeram uma análise em torno dos desafios do presente e do futuro, abordando ainda algumas soluções tecnológicas como o SoliGest e novos projetos como o Auto de Constatação.
Nas intervenções, ficou sublinhada a certeza do sucesso da união de esforços em prol de iniciativas como esta, tão relevantes na criação de pontes entre os órgãos e os associados, e de todos os projetos que possam levar mais longe as profissões. Já no contexto do painel dirigido aos Agentes de Execução, sob a moderação de João Aleixo Cândido, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da OSAE, Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de
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IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO
Execução, e Marco Santos, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, abordaram questões que marcam a atualidade da ação executiva e o dia a dia dos profissionais. Assim, foram inclusive analisadas atualizações ocorridas no SISAAE, relacionadas, nomeadamente, com o dimensão dos ficheiros carregados, a caracterização das partes e com a conciliação. Feita uma pausa para o café, chegava então o momento do debate “Um Pacto para a Justiça”. A mesa foi composta por Valdemar Rua, Presidente da Delegação de Castelo Branco da Ordem dos Advogados, António Pratas, Presidente da Delegação de Portalegre da Ordem dos Advogados, Vítor Manuel Marques Dias, Vogal da Comissão Coordenadora Regional de Coimbra do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Joana Carla Henriques Silva, membro do Conselho Geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e Juíza de Direito no Tribunal do Fundão, e José Carlos Resende, solicitador, agente de execução e Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. A moderação deste debate, que juntou tantas perspetivas, ficou a cargo de Lídia Brata, Jornalista no Jornal Reconquista, e, no final, foi evidente um novo pacto: é urgente manter o diálogo e o clima de cooperação em prol de uma melhor Justiça para os cidadãos.
A cerimónia de encerramento deste IV Fórum de Castelo Branco e Portalegre ficou marcada pelo encontro de gerações. Nela foram entregues os diplomas aos novos associados e as placas comemorativas aos que completavam 25 anos de profissão. José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, presidiu a uma mesa composta também por Luís Manuel dos Santos Correia, Presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco, por José Avelino da Encarnação Gonçalves, Juiz Presidente do Tribunal de Comarca de Castelo Branco, por Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, por Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, por Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da OSAE e por João Aleixo Cândido, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da OSAE. Feitos os agradecimentos e deixadas palavras de incentivo para os desafios de um futuro que será, certamente, risonho, restou ainda tempo para a fotografia que espelha este momento de encontro e convívio. Na companhia de um momento musical, o jantar foi servido com vista para a cidade de Castelo Branco. E assim terminou mais uma iniciativa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, a qual, graças à colaboração dos órgãos regionais e distritais, deixou saudades e muitos sorrisos. : : Autor: Samuel Sousa
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SOCIEDADE
MORE EFFICIENT COURTS, MORE EFFICIENT BUSINESSES
Por Pilar Salgado Otónel Manager, Subnational Doing Business Development Economics World Bank Group
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ll over the world entrepreneurs are coming up with new ideas that spur innovation and drive economic growth. Starting their own business can bring their dreams to life, but complying with the requirements to start and operate a business is not always easy. Smart regulations that incentivize firm creation and growth, are transparent, efficient and easy to implement. However, good regulations are not enough to drive economic growth; well-functioning institutions are also needed. A study by the Bank of Portugal found that countries with better institutions may achieve better economic performance and attract considerably more foreign direct investment. Key among institutions are the courts. An efficient judicial dispute resolution allows businesses to secure contractual and property rights. However, if resolving a business dispute in the courts is lengthy and costly, companies will hesitate to launch new business ventures. In the EU, if a business deal goes wrong, resolving a commercial dispute through the courts and having that judgment enforced will take more than 4 years in Athens and cost nearly half of the claim amount in the United Kingdom (UK). However, in Luxembourg, the same dispute is resolved in less than a year at less than a quarter of the cost than in the UK. It’s clear that court efficiency varies across countries: courts have different legal traditions and legal frameworks. However, court efficiency also varies within countries. This is what recent World Bank studies found. Funded by the EU Commission, the World Bank measured the ease of doing business in 47 cities across seven EU countries (Bulgaria, Croatia, Czech Republic, Hungary, Portugal, Romania and Slovakia). In Hungary, for example, it takes nearly twice as long to enforce contracts in Budapest than in Debrecen. In Portugal, it takes nearly 50% longer in Lisbon than in Coimbra where it only takes 17 months. The enforcement of judgements also has variations. In Romania, enforcement costs varied across cities; they were more than twice as high in Bucharest than in Oradea where the creditor only pays approximately 3.9% of the debt (or approximately 600 EUR). In Hungary, where the bailiffs are appointed by the courts, the delay in issuing an order for enforcement and appointing bailiffs can take 4 weeks in Pécs but up to 8 weeks in Miskolc. Enforcement can also vary depending on the court that oversees enforcement. In Croatia the municipal courts, which carry heavy backlogs, oversee enforcement. As a result, enforcement takes from just over 6 months in Osijek up to 16 months in Rijeka. In Portugal, enforcement agents have significant autonomy and do not often have to go to courts to resolve enforcement issues, however if this happens, the enforcement courts could take months to decide. Why does court performance vary so widely within countries? External factors can play a role, such as uneven distribution of resources and differences in the demand for services. But often, it’s how courts apply rules and regulations and how they are internally managed that has a significant impact on their performance. The good news? Rebalancing resources or dealing with differences in demands can be difficult, good practices in court management found in one city are much more easily replicated in another by sharing good practices. Well-performing courts can boost the positive economic impacts of efficient regulations, increasing investment, trade and productivity. This is particularly beneficial for SMEs, which make up 98% of firms in the EU and create two thirds of the private sector jobs. : : For more information visit: www.doingbusiness.org\EU2
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ORDENS
LITERACIA EM SAÚDE: UM TEMA QUE INTERESSA A TODOS Mais informados e menos informados, mais cultos e menos cultos, mais atentos e menos atentos: em determinado momento, todos os nossos doentes confessam o recurso ao Dr. Google na busca de respostas perante o medo de um diagnóstico ou a incerteza de um prognóstico.
Por José Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos
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omos, assim, diariamente confrontados com a necessidade de rebater informação falsa, de origem duvidosa e sem qualquer fundamento científico, num equilíbrio nem sempre fácil com a necessidade de estabelecer relações terapêuticas baseadas na confiança e de não aumentar a fragilidade de quem se senta perante nós. Na consulta, o constrangimento temporal dificulta o trabalho em prol da literacia para a Saúde, especialmente quando o doente leu na internet algo completamente disparatado, mas em que acredita piamente. Tivemos recentemente o exemplo de campanhas de desinformação sobre as vacinas: ciclicamente é ressuscitado, através da internet, o mito da associação da vacinação tríplice (sarampo, rubéola e papeira) a casos de autismo. Uma elaborada mentira de consequências nefastas que se resume em poucas linhas: em 1998, a revista Lancet publica um “estudo” que faz essa associação. Por não ter fundamento científico válido, esse estudo é desmentido pela própria revista Lancet que assume que nunca o deveia ter publicado. Também o British Medical Journal publicaria, em 2011, um artigo afirmando perentoriamente que o estudo de 1998 era uma “falsificação elaborada”, feita ao serviço de interesses financeiros. Mas, sempre que alguém pesquisa na internet essa associação, sem ter conhecimentos para validar cientificamente as fontes que consulta, o mito propaga-se e persiste, pondo em causa a imunidade de grupo e gerando condições propícias a novos surtos de sarampo. Esta é uma realidade que preocupa todos os médicos e que deve preocupar todos os cidadãos: a falta de literacia em Saúde é geradora de elevados riscos para a saúde das populações. Por esse motivo, este foi, desde o início, um dos desígnios do meu mandato: que a Ordem dos Médicos contribua para aumentar a literacia em Saúde, quer no âmbito da consulta
OSAE
Esta é uma realidade que preocupa todos os médicos e que deve preocupar todos os cidadãos: a falta de literacia em Saúde é geradora de elevados riscos para a saúde das populações.
OSAE ADQUIRE EDIFÍCIO SEDE NA CIDADE DE LISBOA
médica, quer num âmbito mais geral, em termos de literacia digital. A globalização do acesso à informação é uma realidade incontornável com muitos aspetos positivos, mas que, nos seus aspetos negativos, não conseguimos “combater” a partir de fora. A pensar nesta necessidade de proporcionar informação cientificamente validada a todos, a Ordem dos Médicos propôs – e o Ministério da Saúde aprovou – a celebração de um protocolo entre as duas entidades, através do qual se irá proporcionar, a todos os portugueses, o acesso gratuito às quatro melhores plataformas internacionais de informação científica (BMJ Best Practice, Cochrane Library, DynaMed Plus e UpToDate). O protocolo já foi assinado e as plataformas estarão acessíveis a partir do dia 1 de janeiro de 2019. Este é um projeto de que nos orgulhamos profundamente por ser um contributo efetivo para a melhoria da literacia digital dos portugueses. Além disso, tem uma forte componente de formação médica contínua e apoio à decisão clínica. Conseguimos juntar, num mesmo recurso, conteúdos específicos para profissionais e conteúdos numa linguagem mais acessível (e traduzidos para português) para informar, com qualidade científica, todos os interessados em questões de saúde. Porque a literacia em Saúde interessa, de facto, a todos, convidamos à consulta de mais informação sobre este tema na nossa página do Facebook (fb.com/ordemdosmedicospt). : :
O CONTRATO DE COMPRA E VENDA FOI ASSINADO NA PRESENÇA DO BASTONÁRIO DA OSAE E DO PRESIDENTE DA CPAS
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o passado dia 27 de setembro, pelas 12 horas, foi assinado o contrato de compra e venda do edifício sede da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE). Na presença do Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, José Carlos Resende, e do Presidente da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), António Costeira Faustino, a assinatura ocorreu no âmbito de uma cerimónia que decorreu na emblemática Biblioteca Solicitador Daniel Lopes Cardoso. O Documento Particular Autenticado foi outorgado pelo Solicitador Aventino Lima, tendo a CPAS sido ainda representada pelo seu vice-presidente, Victor Alves Coelho, pelo seu Vogal Secretário, Carlos Pinto Abreu, e por Ana Lúcia Vilaça, responsável pelo seu departamento jurídico. Perante uma plateia composta por dirigentes e colaboradores, António Costeira Faustino deu voz ao significado do momento e José Carlos Resende fez uma viagem pelas antigas sedes e pela história de uma instituição que tem agora a sua casa no n.º 63 da Rua Artilharia 1, em Lisboa. Duas intervenções aplaudidas pelos presentes e brindadas com muitos sorrisos. Assinados os documentos, a cerimónia, que visou marcar mais um momento importante no percurso da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução terminou com um Porto de Honra e com o corte de um bolo inspirado no edifício que dá rosto à instituição e alicerces para que esta possa continuar a crescer. : :
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ENTREVISTA
“Eu sempre acreditei na reforma da ação executiva.”
MARIANA FRANÇA GOUVEIA ADVOGADA E DIRETORA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
Participou na reforma da ação executiva que, há 15 anos, semeou discórdia e interrogações. Acreditou. Defendeu que aquela seria a direção e que ali estaria o início de uma mudança para o país que ainda morava num tempo em que a sociedade estava habituada a esperar. Hoje, olha para trás. Recorda as dificuldades e aponta o que fez falta naquele momento de arranque em que só a esperança vencia a dúvida. Mas são as conquistas que ocupam a pasta da saudade, entre os papéis e as ideias que se tornaram mais do que isso. Falamos de Mariana França Gouveia que, antes da primeira pergunta, havia tomado posse, neste dia, como Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Chegou sorridente. E, sem demoras, a conversa viajou pelos anos e pela vida da estudante de Direito que sonhava ser advogada, da professora que todos os dias ensina a simplificar e a ver o mundo sem fronteiras e da jurista que não aceita que haja um problema sem solução, uma jurista que seja “a antítese do burocrata”. Entrevista André Silva e Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
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Analisando a sua carreira, notamos que a ponte com a Justiça existiu sempre. Era esse o grande objetivo quando abraçou essa formação? Eu sempre quis ser advogada, era o meu sonho de criança. Tudo começou porque a minha avó sempre quis ser advogada e o meu bisavô não deixou, por considerar não ser uma profissão para mulheres. Não sei se foi por essa influência, mas a verdade é que sempre quis ser advogada. Quando tirei o curso, acabei por me interessar muito pela cadeira de processo civil. Terminado o curso, fiquei como assistente na faculdade, depois convidaram-me para vir para a Universidade Nova de Lisboa fazer o doutoramento e a advocacia ficou em segundo plano. Sou advogada, exerço funções de advogada e acredito que, no futuro, essa parte profissional vá assumir maior relevância na minha carreira, sobretudo nos grandes processos internacionais. Embora apaixonada pela advocacia, é também professora. O que importa ensinar aos alunos de Direito e que não está na legislação? A formação do direito enfrenta um enorme desafio há muitos anos e que levou imenso tempo até se tornar evidente para todos: o direito e o ensino do direito pararam no tempo. O direito não soube acompanhar a evolução da tecnologia, da economia, da sociedade, etc. A sociedade considera o jurista um profissional maçador e que oferece poucas soluções. Deveria ser o oposto. Devia surgir associado ao apoio à sociedade, àquele que vai resolver problemas e encontrar soluções. Por exemplo, quando ensinamos contratos, falamos muito na lógica da “validade vs invalidade”. E, sinceramente, não é isto que interessa ao cidadão. Interessa saber quais são as soluções contratuais que eles têm para fazerem um determinado negócio. Esta não é a perspetiva que ensinamos na faculdade. Uma das minhas missões, neste momento, na Universidade Nova de Lisboa, passa por colocar este pensamento na cabeça dos jovens. Claro que têm de saber muito de direito e ter uma formação sólida, mas, para além disto, têm de usar toda a informação que recebem para fazerem a sociedade progredir, para criarem riqueza e, no fundo, para melhorarem as condições de vida dos portugueses. Terá sido essa paixão por encontrar soluções e por simplificar que a conduziu ao Gabinete de Política Legislativa e Planeamento? Sim, considero que sim. Quando faço os meus trabalhos, gosto de estudar muito as matérias e de ficar com um conhecimento sólido sobre o tema. Mas, depois, acho sempre importante dar três passos atrás e ter uma visão de helicóptero sobre a matéria. Por acaso, acho que foi o Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução que, um dia, usou esta expressão para caracterizar o que eu tenho feito muitas vezes, em diferentes contextos. Para além de estudar o problema jurídico, gosto de olhar para o sistema e de perceber o que está mal, o que pode ser melhorado, o que
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pode ser simplificado, etc. Não sei se já tinha este gosto antes de entrar para o Gabinete de Política Legislativa e Planeamento ou se o ganhei lá. Como recorda o desafio que foi pensar a reforma da ação executiva? Recordo que foi muito difícil. Eu sempre acreditei na reforma da ação executiva. Claro que, como é normal numa reforma, a maior parte das pessoas disse que iria correr mal, que estava tudo errado. Mas fez-se. Entre 2003 e 2008 foi, realmente, muito complicado. Mas, em 2008, quando se fizeram os acertos e se criaram condições tecnológicas, tudo passou a funcionar. Hoje em dia, esta reforma é um sucesso. Não compreendo como é que há quem não veja isso. Eu sou advogada e sei que, se tiver um título executivo, posso procurar garantir a recuperação do valor em dívida. Claro que existem sempre aspetos para afinar e melhorar. Na altura, tínhamos os advogados, os juízes e os oficiais de justiça contra. Os únicos que colaboraram foram os solicitadores. E ainda hoje costumo dizer aos meus alunos que uma pessoa que tenha uma vida normal, com uma casa, um carro e uma conta num banco não consegue escapar caso tenha uma dívida. Essa eficácia é essencial para a economia portuguesa. Na altura, perante esses desafios, acredita que poderia ter sido feito mais? Sinceramente, acredito que foi feito o possível. Falamos de 2003. Foi há quinze anos. Hoje em dia, a tecnologia é omnipresente. Não se faz qualquer reforma sem tecnologia. Talvez o erro tenha sido não termos percebido isso antes da implementação da reforma, não termos percebido que era preciso associar a uma plataforma informática. Claro que, depois, essa plataforma foi construída, pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e hoje sabemos como
ENTREVISTA COM MARIANA FRANÇA GOUVEIA
funciona bem. É preciso perceber a importância da tecnologia em qualquer reforma. Na minha opinião, uma das reformas centrais e silenciosas na Justiça é a reforma tecnológica. Como é que podemos fazer chegar ao cidadão a certeza de um equilíbrio entre desenvolvimento tecnológico e a intervenção humana? Considera que o cidadão já está mais sensível a esta aposta? Tenho lido muito sobre economia digital e tenho percebido que tudo o que é trabalho rotineiro pode ser feito por máquinas. Isto é como querer fazer uma corrida contra um carro. O carro é sempre mais rápido. Agora, exatamente por isso, as competências humanas serão muito mais valorizadas: a capacidade de trabalhar em equipa, a empatia, a inteligência emocional, a capacidade criativa, etc. É isto que as máquinas não conseguem replicar. Na minha opinião, não há futuro para quem não reúna duas características: saber interagir com as máquinas e ter capacidades que lhe permitam ser valorizado nas áreas que a máquina não consegue garantir. Penso que as gerações mais novas já sabem que será assim. Para lá da componente tecnológica, também temos o desafio do extrajudicial… A minha opinião é que teremos sempre a oferta tradicional da resolução de litígios recorrendo ao tribunal e, em alternativa, os outros meios. Penso que não existirá uma substituição. O Estado terá de ter sempre um papel na administração dos conflitos. Agora, penso que haverá cada vez mais diversidade. E a Justiça portuguesa terá que continuar a modernizar-se. Tem de estar mais perto do cidadão, tem de ter uma resposta mais rápida, etc. Hoje em dia, o cidadão está à espera de uma resposta imediata para tudo. Tudo que demore mais do que uma semana é uma eternidade. Falamos, cada vez mais, numa Justiça “global”? Sim, e tem de ser assim. Portugal precisa de crescer e de criar riqueza. E só criamos riqueza se a formos buscar lá fora. Somos um país muito pequeno e com o que produz internamente não conseguimos. Temos de vender para fora, de trazer pessoas cá para dentro. Temos de ir buscar riqueza fora. Trabalhamos no mundo, ou seja, não interessa o local onde estejamos. Há dias em que tenho e-mails de Luanda, de Paris, de Londres, de São Paulo, de Pequim… Tudo ao mesmo tempo e eu continuo sentada no meu gabinete em Lisboa. Na sua opinião e voltando ao tema de há pouco, que papel é que os solicitadores podem assumir no âmbito da resolução alternativa de litígios? Os solicitadores têm uma proximidade muito grande com os cidadãos. Nessa perspetiva, podem fazer um trabalho muito importante de consciencialização. Eu diria que a mediação, que tem tido alguma dificuldade em entrar em Portugal, vai ser muito importante no futuro. O próprio agente de execução ser nomeado mediador pode ser uma boa alternativa.
Hoje em dia, esta reforma [da ação executiva] é um sucesso. Não compreendo como é que há quem não veja isso. Eu sou advogada e sei que, se tiver um título executivo, posso procurar garantir a recuperação do valor em dívida.
O percurso continua e hoje tomou posse como Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Qual o significado deste novo desafio? É um grande desafio pessoal e institucional. Licenciei-me na Clássica, mas vim para aqui muito cedo, assim que terminei a licenciatura. Doutorei-me aqui, ainda muito nova e isso foi muito importante para o meu percurso profissional. Assumir agora estas funções é algo que recebo de coração aberto e cheia de energia e de vontade. Sentimos que este é o momento de uma refundação. Temos uma mensagem muito clara quanto ao que queremos fazer nos próximos anos. O jurista da Nova é a antítese do burocrata. Tem de estar mais próximo da economia. Mais próximo das empresas. E tem que ser capaz de enfrentar o grande desafio da internacionalização e da digitalização. : :
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PROFISSÃO
A RESOLUÇÃO DO REPÚDIO DE HERANÇA E DA DOAÇÃO DO QUINHÃO HEREDITÁRIO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE Por Tânia Ângelo, Solicitadora, Licenciada em Solicitadoria e em Direito, Mestranda em Direito, Docente da Licenciatura em Solicitadoria da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Beja, do Instituto Politécnico de Beja
A
sentença de declaração de insolvência despoleta diversos efeitos que se repercutem sobre o próprio devedor, administradores e outras pessoas, sobre as ações judiciais, sobre os créditos e, ainda, sobre os negócios em curso. Porém, resultam da lei efeitos que carecem de ser impulsionados pelo administrador da insolvência, entre os quais apresentam manifesta importância os decorrentes do instituto da resolução em benefício da massa insolvente. De modo a reagir a casos em que o devedor, consciente de que se encontra em situação de insolvência, atual ou meramente iminente, pratica atos de dissipação do seu património (antes de ser declarado insolvente) com vista a impedir a liquidação do seu património e repartição do produto pelos credores, foi consagrada, no art. 120º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18.03, e subsequentes alterações, a que pertencem os preceitos aqui indicados sem menção de origem) a possibilidade de recuperar para a massa insolvente os bens que tenham sido alienados ou concedidos a título gratuito a terceiros, bem como aqueles que a possam lesar. Para tanto, devem verificar-se os requisitos previstos no art. 120º, n.os 1 a 4: que o devedor haja realizado um ato que venha a diminuir, frustrar, colocar em perigo ou retardar a satisfação dos credores; que tal ato tenha sido praticado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; e que haja má-fé do terceiro adquirente. Além de concretizar no mencionado artigo um leque de situações em que a mesma se encontra subjacente, o legislador presume, de modo ilidível, a existência de má-fé quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado (ou se tenha aproveitado) pessoa especialmente relacionada com o insolvente (nos termos do art. 49º), ainda que a relação especial já não existisse à data.
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OSAE
Decorre, ainda, do n.º 1 do art. 121º, um elenco taxativo de atos resolúveis independentemente de qualquer requisito, que a lei presume, iuris et iure, serem prejudiciais para a massa insolvente. Levanta-se, então, a questão de saber se o devedor poderá repudiar herança na qual seja titular de meação ou de quinhão hereditário, de modo a evitar a apreensão destes, e se as doações por si feitas poderão ser resolvidas em benefício do património autónomo composto pela massa insolvente. Constituindo o repúdio de herança um direito potestativo do herdeiro, cujos efeitos retrotraem ao momento da abertura da sucessão, poderia o devedor praticá-lo com o intuito de prejudicar os seus credores e/ou de favorecer terceiros. Assim, o legislador consagrou-o expressamente, na al. b) do n.º 1 do art. 121º, como um ato prejudicial à massa, pelo que poderá ser incondicionalmente resolvido (quando praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência). Do mesmo modo, não se verificando na doação uma contrapartida patrimonial na esfera jurídica do doador, quando feita pelo devedor (dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência), poderá ser resolvida sem dependência de outros requisitos, impedindo, assim, a diminuição da garantia patrimonial do crédito (o que também se aplica ao distrate de doação feito, no mesmo período temporal, pelo devedor que a recebeu - cf. Acórdãos das Relações de Évora, de 13-07-2017, no processo 2048/15.1T8STB-C.E1, e de Coimbra, de 10-07-2015, no processo 1108/12.5T2AVR-D.C1, disponíveis em dgsi.pt). A legitimidade para o exercício do direito de resolução é do administrador da insolvência (art. 123º), o qual, caso não promova as diligências necessárias à resolução do ato/ negócio, poderá ser responsabilizado perante os credores, bem como ser destituído e substituído (artigos 56º e 59º). A resolução opera mediante o envio de carta registada com aviso de receção e deve ser exercida no prazo de seis meses após o conhecimento do ato pelo administrador da insolvência, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração da insolvência (art. 123º, n.º 1), nem quando se verifique o encerramento do processo antes do decurso daquele prazo de seis meses -, tendo efeitos retroativos, pelo que deve ser reconstituída a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido (art. 126º, n.º 1). A parte diretamente visada ou qualquer terceiro que veja o seu direito afetado por um ato de resolução em benefício da massa poderá impugná-lo no prazo de três meses através de ação a propor contra a massa insolvente (representada pelo administrador de insolvência) (art. 125º), a correr por apenso ao processo de insolvência, com caráter de urgência e segundo a tramitação do direito processual civil. : :
CONFERÊNCIA “O PROCESSO DE INVENTÁRIO” PROMOVE O ENCONTRO DE PERSPETIVAS
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ecorreu, no passado dia 28 de setembro, na sede da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), a conferência sobre “O Processo de Inventário”. Esta iniciativa contou com a presença de perto de uma centena de participantes e permitiu o debate de uma questão que marca o dia a dia dos profissionais. O debate, muito participado e moderado por José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, juntou, numa mesma mesa, as perspetivas de Jorge Silva, Bastonário da Ordem Dos Notários, de Teresa Alves Azevedo, Advogada, de Eduardo Paiva, Juiz de Direito, e de Miguel Ângelo Costa, Solicitador. Para além da identificação de aspetos passíveis de melhoria, muitas foram as propostas e soluções apresentadas a pensar no futuro e nos cidadãos. O balanço, muito positivo aos olhos do representante da entidade anfitriã, José Carlos Resende, justificará a promoção de novas iniciativas de natureza semelhante, procurando incentivar a partilha de experiências e a garantia de contributos relevantes para um funcionamento da Justiça cada vez melhor. : :
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ENTREVISTA
“Repensamos o que já existe e pensamos o que ainda não existe.”
PEDRO SILVA DIAS
PRESIDENTE DA AGÊNCIA PARA A MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Quando o desafio é chegar a todos, todas as pontes são preciosas. Procurando ajustá-las às necessidades de cada cidadão, redefinir o percurso traçado faz parte do dia a dia. A tecnologia progride, as exigências aumentam e “modernizar” é a missão da Agência para a Modernização Administrativa. Sem receio dos desafios, não se esconde o orgulho que é sentir que Portugal tem dado passos importantes na criação de soluções que, sem colocar em causa a segurança, simplificam a relação com a Administração Pública. Da Loja do Cidadão à Chave Móvel Digital. Olhos nos olhos ou em frente ao ecrã, o que mais importa é chegar a todos. Entrevista André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
Como poderemos resumir a missão da AMA? A AMA, como o seu próprio nome diz, tem por objetivo a modernização administrativa, em primeiro lugar dos serviços públicos, mas, muitas vezes, extravasando os próprios serviços públicos e facilitando o dia a dia do cidadão e das empresas também na relação com o setor privado. Isto porque a AMA oferece vários tipos de serviços, nomeadamente na área digital, que facilitam o dia a dia dos cidadãos e das empresas. O papel da AMA é modernizar os circuitos administrativos, as relações administrativas que cidadãos e empresas têm com a sociedade e, em particular, com os serviços públicos. Podemos dizer que o papel passa por repensar o que parece ter sempre existido? Sim, mas mais uma coisa. Repensamos o que já existe e pensamos o que ainda não existe. Por um lado, temos a preocupação de olhar para as fontes de burocracia e de desperdício, olhar para todos os circuitos de informação que são excedentários. Aí sim há o papel de repensar o que existe, simplificando. Muitas ve-
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zes simplificar implica reduzir ou eliminar passos e tarefas sem utilidade. Mas a missão passa também por pensar o que ainda não existe. Uma das nossas missões é desenhar e conceber modelos de atendimento e de prestação de serviços, sejam presenciais, digitais ou virtuais, que não existam hoje, que sejam inovadores, ou que, pelo menos, não existam em Portugal, e trazê-los para a administração pública portuguesa. Temos exemplos disso no atendimento presencial garantido pelo Espaço Cidadão Móvel, através do qual levamos serviços digitais às populações mais necessitadas, tratando-se de casos de carência económica ou de carência de literacia digital, ou em situações como, por exemplo, a dos incêndios, em que muitas pessoas ficaram sem documentos. Na área digital contamos com várias plataformas que são inovadoras, nomeadamente na área da autenticação com a chave móvel digital que tem, inclusivamente, ganho vários prémios internacionais. E, nesse caso, estamos realmente a pensar o que ainda não existe para modernizar o dia a dia dos portugueses. De que forma é que esse trabalho é sentido pelos portugueses? Que exemplos poderemos apresentar? Às vezes o cidadão pode não reconhecer a ligação à AMA, mas não é difícil dar exemplos e explicar onde estamos no dia a dia dos portugueses. Desde logo porque a AMA é a entidade gestora da rede das Lojas de Cidadão. Uma rede que tem, hoje, 53 lojas, Estamos presentes em todo o território continental. Gerimos, também, uma rede de prestação de serviços digitais que são os Espaços Cidadão e que os portugueses vão conhecendo cada vez melhor. São muitas vezes confundidos, mas são conceitos diferentes. O Espaço Cidadão está em cerca de 500 locais em todo o país, com uma maior incidência no interior e em terras de menor densidade populacional. Este Espaço pretende apostar num conceito de proximidade com as populações. Porque este espaço, para além da prestação do serviço digital, tem uma missão de literacia digital. Por exemplo, cada vez que um português muda a sua morada, deve alterá-la no Cartão de Cidadão e pode fazê-lo eletronicamente no portal do cidadão. Acontece que uma boa parte dos portugueses não o sabe fazer. Para esses foi criado o Espaço do Cidadão. É digital, não envolve papel, mas, no entanto, o cidadão dispõe de um funcionário para o ajudar a fazer essa alteração. Outro exemplo é a renovação da carta de condução. Hoje em dia, a maioria das cartas já são renovadas digitalmente. Quem não o saiba fazer pode dirigir-se a um Espaço Cidadão para tratar disso. Mas também falamos da Chave Móvel Digital, do Balcão do Empreendedor, etc. Vários produtos que os portugueses usam sem saberem que é a AMA que gere. É um trabalho inesgotável? Fim não terá, certamente. E ainda bem que assim é. Mas é por vários motivos, não só pela questão tecnológica. Quando se fala no ciclo infindável, eu refiro sempre aquela prática japonesa da melhoria contínua dos processos, o famoso Kaizen. Os japoneses afirmam que os processos nunca estão perfeitos, há
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sempre uma margem de melhoria. Essa é a nossa postura. Os serviços que disponibilizamos têm sempre algo para melhorar. Seja na área da eficiência, seja na qualidade do serviço que prestamos. De facto, a inovação tecnológica e a prestação de serviços digitais são aspetos que trazem uma pressão adicional neste ritmo infindável de renovação e desafio constante. É uma oportunidade, mas, ao mesmo tempo, é um desafio. Por dois motivos: por um lado, todos os dias aparecem novas tecnologias; por outro, existe a expectativa do cidadão. Por exemplo, o cidadão quer alterar a morada no Cartão de Cidadão da mesma forma que faz uma compra na Amazon. Isso obriga-nos a ir melhorando a qualidade, a comodidade e a eficiência dos serviços públicos para não defraudar as expectativas dos cidadãos. Há alguns anos foi revolucionário juntar vários serviços num só local. Em que etapa estamos agora? Neste momento, já não é revolucionário juntar todos os serviços, mas continua a ser desafiante e muito importante. Por exemplo, há muitos projetos de Lojas de Cidadão que estão por concluir. Temos um plano e queremos chegar a cerca de 80 Lojas de Cidadão espalhadas por todo o país. É o que está previsto numa Resolução do Conselho de Ministros. E isso é um desafio. Outro aspeto que continua a ser muito desafiante passa por juntar e unir esforços no mundo digital, o que não é, muitas vezes, fácil do ponto de vista técnico. Isto porque o crescimento das tecnologias coincidiu com o desenvolvimento monolítico dos sistemas de informação em cada uma das entidades. Ou seja, cada uma das entidades desenvolveu o seu sistema de informação, de forma vertical, não dialogando com outras entidades, e quando se tornou premente e inadiável que os sistemas de informação comunicassem entre si, passámos a encarar um enorme desafio. Um dos passos que a AMA deu em 2006/2007 foi a criação de uma plataforma a que chamamos de Interoperabilidade da Administração Pública. Trata-se de uma componente informática que é transversal a toda a Administração Pública, permitindo que entidades diferentes comuniquem entre si e troquem dados e serviços, desobrigando o cidadão e as empresas de, repetidamente, terem de interagir com várias entidades Como somos vistos lá fora no que diz respeito à modernização da Administração Pública? É um trajeto longo. E, na área da modernização administrativa, do governo eletrónico e dos serviços digitais, Portugal está muito bem visto. O programa Simplex foi considerado uma boa prática pela OCDE e pelas Nações Unidas. Mais recentemente, com o primeiro Orçamento Participativo, feito à escala nacional, temos recebido vários prémios internacionais. Outro exemplo de reconhecimento é a Chave Móvel Digital, tendo Portugal sido pioneiro e líder à escala europeia. O próprio Cartão de Cidadão, que já tem mais de dez anos, foi um dos primeiros cartões digitais em toda a Europa. Já este ano, Portugal, no ranking de governo eletrónico da ONU, ficou mui-
ENTREVISTA COM PEDRO SILVA DIAS
para Lisboa, Porto, Coimbra e da orla costeira. Não estamos só a falar com jovens universitários ou com população empregada nos setores de cariz mais digital. Temos de prestar serviços públicos a todos os portugueses. E fazê-lo começa por, cada vez que temos um novo serviço público, mais ou menos inovador, conseguir comunicá-lo a todos. Esse é o primeiro grande desafio porque queremos aumentar os níveis de uso dos mesmos. Depois de conseguirmos isto, temos de ter canais de acesso a esses serviços que abranjam todos os portugueses. Consideramos que os nossos serviços devem ser digitais por defeito, mas devem acautelar que nenhum segmento da população fica excluído por não ter os meios necessários para aceder ao serviço digital ou por, tendo os meios, não ter o conhecimento essencial para a utilização do serviço digital.
Há toda a abertura da nossa parte para que a OSAE seja um parceiro no desenvolvimento de novos serviços, não só na identificação eletrónica, mas também na área dos serviços públicos digitais no geral, até pelo papel que a OSAE tem junto das empresas e da comunidade empresarial. Faz todo o sentido estreitar laços e continuar a cooperar.
to bem colocado: nos primeiros 30 lugares a nível mundial. Subiu da 38ª para a 29ª posição. Isto não quer dizer que está tudo bem, mas indica que Portugal, no que diz respeito à oferta e ao desenvolvimento de novas soluções, está muito bem. Ainda é importante relembrar os portugueses que o Cartão de Cidadão ou a chave móvel digital podem abrir mais portas do que imaginam? Sim, seguramente. Aí há um grande desafio a conquistar que é o de sermos capazes de comunicar com todos os portugueses. Há necessidades diferentes. Não estamos a falar só
Qual o papel dos profissionais, como os Solicitadores, que representam também uma ponte entre os cidadãos e a Administração Pública? Deve existir uma articulação e uma comunhão total. Isto pelo facto de todos os serviços estarem ao dispor de toda a sociedade. A Administração Pública tem tido um relacionamento profícuo e que tem melhorado ao longo dos anos com várias Ordens Profissionais. Nomeadamente com a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução temos vindo, no âmbito do Sistema de Certificação de Atributos Profissionais, a trabalhar para a utilização para fins profissionais de ferramentas de identificação eletrónica, etc. Mas temo-lo feito, também, com outras Ordens. Há toda a abertura da nossa parte para que a OSAE seja um parceiro no desenvolvimento de novos serviços, não só na identificação eletrónica, mas também na área dos serviços públicos digitais no geral, até pelo papel que a OSAE tem junto das empresas e da comunidade empresarial. Faz todo o sentido estreitar laços e continuar a cooperar. No futuro, como poderemos imaginar esta interação entre os cidadãos e os serviços da Administração Pública? O imediatismo é o grande desafio? O imediatismo é um desafio, sem dúvida. Não creio que seja o único e não lhe consigo dizer se é “o desafio”. Mas é um desafio acima de tudo porque o cidadão ou o empresário não distingue o seu relacionamento com a Administração Pública do seu relacionamento com o resto dos agentes económicos com os quais interage. É relativamente frequente depararmo-nos com necessidades de pessoas que, estando habituadas a fazer compras a qualquer hora, querem o mesmo nível de serviço para o resto da sua vida. Sim, isto é um desejo. Mas existem mais desafios: conseguir prestar serviços a toda a população e ter uma Administração Pública mais amiga e mais próxima do cidadão. Sem dúvida, o maior desafio da Administração Pública passa por prever e evitar necessidades no relacionamento do cidadão ou do empresário com a Administração Pública. : :
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REPORTAGEM
Arte DE PORTAS CASA DA MÚSICA
ABERTAS
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uisemos que todos se sentissem em casa. Quando se começou a falar neste projeto, em 1998, a primeira ideia de nome para esta sala foi ‘Palácio da Música’. Nós não gostámos dessa opção, exatamente porque queríamos um local para todos e o palácio leva-nos a pensar em algo para reis e rainhas. Queríamos mesmo que se chamasse Casa da Música. É um local onde as pessoas habitam, um espaço democrático. O nome traçou, desde o início, o caminho que esta casa queria seguir. Todos são bem-vindos.” António Jorge Pacheco, o Diretor Artístico e de Educação da Casa da Música, viu nascer o edifício e o projeto que se queria capaz de abraçar a cidade e o país. A janela gigante, que deixa ver o Porto, deixa também à vista essa vontade. “Entendemos que a Casa da Música não podia ser um espaço fechado, tinha de ser um espaço de liberdade e de criação e uma resposta a vários tipos de gosto musical.” Texto André Silva e Ana Filipa Pinto / Fotografia Rui Santos Jorge assista ao vídeo em www.osae.pt
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Foi idealizada com sonhos mas, também, com missões. “Antes de existir um concurso para o projeto, houve uma equipa que elaborou um caderno de encargos e, nesse momento, especificámos o que deveria ser a Casa da Música em termos artísticos, tendo em atenção o contexto da cidade e nacional, quais as lacunas que existiam no país, etc.” Aliás, António Jorge Pacheco recorda, com o exemplo dessa certeza quanto ao que seria o futuro daquele espaço, o momento em que se decidiu que não haveria fosso de orquestra. “Nós decidimos não incluir "Queríamos mesmo que se chamasse Casa da Música. esse aspeto na obra porque a cidade do É um local onde as pessoas habitam, um espaço Porto estava já bem equipada com teatros democrático. O nome traçou, desde o início, o caminho no formato tradicional. O que não tinha era uma sala de concertos. Não quise- que esta casa queria seguir. Todos são bem-vindos.” mos reproduzir as valências que a cidade António Jorge Pacheco já tinha. Quisemos dotar a cidade de um espaço com uma acústica excelente.” À entrada, o grupo de turistas que aguardam o horário da visita ilustra a curiosidade despertada por estas paredes que, juntas, dão lugar a uma forma geométrica por descobrir. “O nosso caderno de encargos foi muito bem entendido pelo arquiteto que ganhou o concurso, o holandês Rem Koolhaas. A própria forma da Casa da Música, multifacetada, acabou por ser uma metáfora daquilo que é a programação desta casa. Aliás, o edifício, sendo esta fantástica peça arquitetónica, desde o início, projetou logo a Casa da Música, mesmo antes de abrir. Só o edifício deu logo uma notoriedade muito grande a este projeto. Mas se isso não fosse correspondido pela qualidade dos programas, tal não funcionaria para sempre. O facto é que, todos os anos, a Casa da Música continua a crescer e isto sem ceder a qualquer espécie de facilitismo”. Reforçam-se os alicerces e segue-se em frente, certos de que, respeitando as pausas para pensar e repensar, afinar e progredir, não há limites quando se trata de criatividade ao serviço das pessoas. Aqui mora a prova de que é possível criar a pensar no agora e no que está para chegar, tendo, na música, um idioma feito de emoções e que a todos toca: “O património de amanhã é aquele que criamos hoje. Por isso, criámos, em 2000, o Remix Ensemble, que é um agrupamento de música contemporânea. Depois, em 2006, criámos a Orquestra Barroca, com a finalidade de interpretar a música barroca numa perspetiva historicamente informada. E, por fim, e porque sempre foi uma ambição nossa ter um coro profissional, nasceu, em 2009, o Coro da Casa da Música.” Pensando também nessa criação do hábito e da necessidade, procurou-se instituir “um serviço educativo de largo espectro. Este serviço tem uma oferta específica e pensada no universo escolar, mas também para outras populações. Por exemplo, para populações com dificuldades financeiras e que não têm possibilidade de assistir a um concerto aqui, é a Casa da Música que vai ao encontro delas e das comunidades onde estão”. O seu crescimento ouviu-se além fronteiras e permitiu que a música por aqui talhada pudesse ser saboreada por tantos
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CASA DA MÚSICA
mais: “A internacionalização só existe porque o trabalho é bem feito, em primeiro lugar, para os portugueses. Esse trabalho foi reconhecido lá fora. Por exemplo, o Remix Ensemble é o agrupamento mais internacional de sempre em Portugal. Nunca houve outro agrupamento que estivesse tantas vezes representado em tantas salas europeias. Podemos até dizer que o agrupamento Remix Ensemble foi o ponta de lança da Casa da Música. Foi ele que deu a conhecer a marca Casa da Música”. E a palavra passa, seja em que país for, trazendo novos rostos, novos ouvidos até à Casa da Música e à sala Suggia. Revestida com uma madeira vinda da Finlândia e que é aquela que melhor interage com o som, a sala deixa sobressair, nas suas paredes, os veios dourados. Independentemente da fila em que se esteja, com sala vazia ou cheia, tudo está pensado para que a experiência acústica seja inesquecível. “A sala Suggia é o ex-libris da Casa da Música. Tem uma acústica de excelência.
"A própria forma da Casa da Música, multifacetada, acabou por ser uma metáfora daquilo que é a programação desta casa. Aliás, o edifício, sendo esta fantástica peça arquitetónica, desde o início, projetou logo a Casa da Música, mesmo antes de abrir. Só o edifício deu logo uma notoriedade muito grande a este projeto." António Jorge Pacheco O arquiteto pediu a ajuda de um dos melhores engenheiros da altura e foi ele que fez todos os trabalhos acústicos”, explica Paulo Ferreira, músico e responsável por guiar quem quer conhecer este refúgio onde a arte acontece, e que, de sorriso vestido e deixando ver a paixão pela música nas palavras e nos gestos, conduz com gosto e sem pressa. Fora da sala onde tanto acontece sobre o palco, o vidro duplo ondulado deixa ver, de várias perspetivas, a beleza do espaço e da arte que acolhe, impedindo que ruídos externos interfiram. Pelos corredores da casa onde mora a música, desvendam-se outras salas que, sendo diferentes, servem sempre a cultura. Numa delas, é a Orquestra Sinfónica que ensaia ao sabor da batuta do maestro. As paredes transparentes deixam assistir à subtileza dos gestos, mas protegem os seus autores dos espantos que não constam na partitura. “É um privilégio ser músico e fazer música. É uma vida de trabalho duro e constante até ao fim. Um processo de estudo sem fim. É preciso ter muita paixão para ser músico profissional, mas só assim é que vale a pena fazer as coisas. Por isso, assumo, a parte intelectual da missão que tenho, ligada à conceção dos programas, dá-me um enorme prazer, uma vez que também me permite conhecer e ver crescer os talentos do presente”, confessa António Jorge Pacheco. A imponência não se perde, mas não pretende afastar. Cativando o olhar, abre as suas portas, convida a entrar e permite que tudo possa ser visto, sentido. A Casa da Música vê passar, pelo seu palco, o país e o mundo. Os sons encontram-se e a música torna-se embaixadora de uma arte sem fronteiras, nem lugares proibidos. Por isso, o futuro quer-se assim. Com a arte no meio das pessoas, a plateia cheia e ao som de aplausos. : :
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ENTREVISTA
“Hoje, a ação executiva portuguesa é uma referência a nível internacional.”
JACINTO NETO PRESIDENTE DO CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
Quando, naquele dia, resolveu pedir o certificado de registo criminal no Tribunal de Santarém e inscrever-se no curso de solicitadoria, Jacinto Neto escreveu um início que, embora considere um “mero acaso”, antecedeu um caminho revestido de sentido e lógica. Hoje é Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, missão que assume como um dever que pertence a todos os associados. Viveu o nascimento da profissão que transformou incertezas em conquistas. Recorda momentos, rostos e a vontade que tinham em conseguir fazer mais pelo país que pedia uma solução. Ao fim de 15 anos, a Ação Executiva portuguesa é apontada como um exemplo. No país, na Europa e no mundo. Pelo passado que conhece, Jacinto Neto olha agora para o futuro com novas interrogações. Contudo, resta-lhe a mais importante das respostas: “Cabe aos Solicitadores, aos Agentes de Execução e à nossa Ordem profissional adaptarem-se e fazerem a tecnologia adaptar-se à Justiça”. Entrevista André Silva e Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
Como começa esta caminhada na solicitadoria e, mais tarde, na ação executiva? A Solicitadoria surge por mero acaso do destino. Terminei a minha formação no secundário, na área de ciências, nada aconselhável para quem pretende seguir uma profissão na área do direito… Depois de várias peripécias e mudanças do sentido de vida, que passaram de pilotar aviões a formador de informática, num dia de 1989, não tinha nada que fazer e acompanhei o meu amigo Sérgio Marecos ao Tribunal de Santarém, onde ele iria pedir o certificado de registo criminal. Ele queria concorrer ao curso de Solicitador. Embora não soubesse muito bem o que era ser Solicitador, era a profissão do pai do nosso vizinho e amigo Nuno Costa. Ora, o Solicitador Amílcar Costa era uma pessoa muito conceituada em Santarém. Parecia-lhe bem… Quando estávamos na secretaria do tribunal, o funcionário, também nosso amigo, pergunta-me: também queres um certificado? O Sérgio convenceu-me! É um curso muito fácil, é só ir lá uns dias por mês, bebemos uns copos em Lisboa e já está…
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competência da secretaria ou do juiz e até à prática do mesmo”. Quer isto dizer que, nos dias de hoje, um processo pode ter início, decorrer e terminar sem nunca ser presente a Juiz. Obviamente que, com este aumento de competências, também os deveres e as responsabilidades aumentaram. E muito. Os Solicitadores de Execução, mais tarde, Agentes de Execução, foram provando, ao longo dos ano, a sua competência e o seu saber. A Câmara dos Solicitadores, agora Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, também soube evoluir e tornar-se parceira da Justiça, participando ativamente nos desenvolvimentos que ocorreram. Hoje, a ação executiva portuguesa é uma referência a nível internacional.
Portugal é um dos países mais avançados no que diz respeito à relação entre a execução e a informática. Atualmente, praticamente em tempo real, conseguimos: consultas de património e moradas, apreensão, penhora e venda de bens, penhoras de créditos e contas bancárias, citações, notificações… Isto com várias camadas de certificação, canais seguros e autenticidade digital! Não podíamos estar mais enganados. O curso não foi fácil e não foi só “ir lá de vez em quando”. Quanto aos copos em Lisboa, bom… Foram três duros anos de aprendizagem e empenho, em que ganhei o gosto pela área do direito e que me levam a manter esta profissão há já 25 anos. A Execução foi um desafio que iniciámos na viragem do século e que se concretizou em setembro de 2003. Sendo um dos impulsionadores deste desafio, não restava alternativa que não a de me iniciar nesta profissão desde o seu primeiro dia. E, hoje, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos AE, como olha para a ação executiva tendo assistido e vivido o seu início? A ação executiva configura hoje um paradigma completamente diferente do que se vivia em 2003. Evoluiu. Evoluiu muito: da simples prática de apenas alguns atos na ação executiva em 2003, então completamente dependentes e na alçada do Juiz, para a atual tramitação total do processo executivo. Dispõe o atual Artigo 551.º, nº 5 do Código de Processo Civil, “o processo de execução corre em tribunal quando seja requerida ou decorra da lei a prática de ato da
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Algum episódio que gostasse de reviver? Porquê? Não sou apologista de reviver o passado. Não pretendo maçar com a descrição de episódios fora do comum, relativos à minha participação enquanto membro dos órgãos sociais desta Instituição. Foram inúmeros e de todos os tipos - de dramáticos a hilariantes, do desespero à satisfação. São apenas histórias que ficam e, com o passar do tempo, apenas vão significando alguma coisa para quem passou por elas. E a profissão mudou? No sentido previsto? Em 2003 assumimos a execução quando ninguém a desejava ou dela esperava algo, alterámos o seu paradigma, melhorámos a sua eficácia, contribuímos para uma melhor economia, para o alcance de mais segurança e transparência, participámos ativamente na recuperação da crise financeira em que Portugal se viu envolvido e a profissão de Agente de Execução, bem como a sua Ordem profissional, são, atualmente, referências a nível nacional mesmo internacional. O SISAAE reflete a evolução das exigências que marcam a ação executiva? Que desenvolvimentos gostaria de salientar? Claro que sim. O GPESE, agora SISAAE, evoluiu e a ação executiva que hoje conhecemos a esta plataforma o deve: a gestão processual, a comunicação com o tribunal e as partes, o tratamento do correio, as consultas de património e moradas, as penhoras de automóveis, as citações de credores, a conciliação, os IUP, as penhoras bancárias, etc. Por motivos meramente de natureza técnica, os últimos desenvolvimentos, apesar de não fazerem totalmente parte do SISAAE, a este sistema estão intrinsecamente ligados e refiro-me às plataformas do PEPEX e do e-Leilões. E no que diz respeito à antiga Câmara, agora Ordem… Considera que é natural um associado procurar envolverse na vida da sua Ordem? A minha inscrição como solicitador remonta a 28 de abril de 1993. A minha primeira participação na vida da Câmara
ENTREVISTA COM JACINTO NETO
dos Solicitadores ocorreu em dezembro de 1995, ano em que fui eleito Delegado Distrital de Santarém. Esta diferença de apenas pouco mais de dois anos responde, por si só, à pergunta. Considero perfeitamente natural um associado envolver-se na vida da sua Ordem profissional. Aliás, considero mesmo um dever. Cabe aos associados lutar pelo futuro da sua classe profissional. A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução é a instituição que é hoje graças ao empenho de milhares de Colegas que têm passado pelos seus órgãos desde 1927, ano em que foram estruturadas três Câmaras dos Solicitadores - Lisboa, Porto e Coimbra. A passagem a Ordem teve algum impacto para os agentes de execução? O Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril, apesar de alterações pontuais, estava, efetivamente, muito desatualizado e pouco adequado à realidade. Com a transformação em Ordem e a aprovação do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, e ainda pela consequente alteração dos diversos regulamentos, estamos a adaptar esta instituição ao novo paradigma, obviamente com impacto representativo, funcional e até disciplinar para os agentes de execução. Os cargos que exerceu antes tornam o exercício do atual cargo diferente? Sim. E foram diversos. Existe a experiência adquirida com o passar dos anos e dos cargos. É aquilo a que os ingleses chamam de “political background”. Por outro lado, tenho a perfeita noção de que a confiança pessoal, profissional e técnica que vamos angariando junto dos nossos parceiros na Justiça, seja a nível nacional, seja no contexto internacional, permitem-nos atingir metas que seriam impossíveis sem essas conquistas. E é graças ao exercício desses anteriores cargos que hoje me é possível representar internacionalmente a OSAE e promover a assunção de novas competências para os nossos associados, nomeadamente no que diz respeito ao serviço transfronteiriço de documentos ou, até mesmo, à prática total dos atos no processo de arrolamento europeu de contas bancárias. Quais as metas que traçou para este mandato? Instalou-se, nos últimos anos, uma evidente crise de trabalho para a maioria dos Agentes de Execução. Combater essa crise e criar condições para que os Agentes de Execução possam exercer a sua profissão de forma condigna, independente, justa e transparente - não podia deixar de ser essa a principal meta neste mandato. Procuraremos novas áreas de atuação. Destacamos, neste âmbito, as execuções administrativas, nos processos de cobrança decorrentes de contraordenações ou de dívidas a instituições ou empresas com privilégios administrativos, o serviço transfronteiriço de documentos, o arresto europeu de contas bancárias, a execução europeia.
Outro grande objetivo passa pela distribuição processual justa, contemplando a distribuição aleatória de processos, com critério de proximidade e possibilidade de escolha ou de veto sobre uma lista restrita - um dos pontos que foi aprovado nas conclusões do nosso último congresso. Nos dias que correm, ser agente de execução obriga a saber garantir o equilíbrio entre o recurso à tecnologia e o contacto pessoal? É o maior desafio? Efetivamente é um equilíbrio difícil de manter. Mas, tenho confiança, os Agentes de Execução sabem manter esse equilíbrio com eficácia, transparência, dignidade e integridade! Portugal é um dos países mais avançados no que diz respeito à relação entre a execução e a informática. Atualmente, praticamente em tempo real, conseguimos: consultas de património e moradas, apreensão, penhora e venda de bens, penhoras de créditos e contas bancárias, citações, notificações… Isto com várias camadas de certificação, canais seguros e autenticidade digital! De referir que, com toda esta panóplia de ferramentas tecnológicas, advém também uma enorme responsabilidade profissional, civil e criminal para o agente de execução. Ainda assim, entre tribunal, partes e intervenientes, a relação passa por NIF, NIPC, BI, CC, NISS, números e letras… Salvo exceções, não há contacto pessoal. E é, sim, ao Agente de Execução que cabe “dar a cara”. É ele que “enfrenta” o Executado e, às vezes, também o Exequente. É ele o portador das más notícias… Do outro lado estão sempre pessoas, famílias, problemas e, às vezes, estão razões! Por isso, o contacto pessoal não pode ser descurado. É uma das ferramentas do Agente de Execução. Talvez a mais importante! Falamos da humanização do sistema! Quantas vezes o papel de Agente de Execução não se transforma no de “ouvinte”, no de “psicólogo” ou, mesmo, no de “conselheiro”? É isso que começamos por ensinar aos nossos estagiários. Aliás, no terreno e no seguimento desse contacto pessoal, foram inúmeros os Agentes de Execução que alertaram as autoridades competentes sobre situações de pobreza extrema, fome ou risco sanitário. Também desempenhamos um papel social. Por onde acredita que passará o futuro das profissões de solicitador e de agente de execução? A curto prazo, pela inteligência artificial, pela gestão de informação, pela tecnologia. É uma inevitabilidade. Teremos que falar em comércio e contratação sem fronteiras, em contratos inteligentes e autoexecutáveis, em “Blockchain” (sistema de várias camadas de certificação aplicado a movimentos financeiros ou, mesmo, a outros), em moeda virtual, em serviço eletrónico de documentos… Todo um mundo que já está a crescer e que, dentro de poucos anos, tenderá a substituir aquele que agora conhecemos. Podemos negar. Não o podemos evitar. Cabe aos Solicitadores, aos Agentes de Execução e à nossa Ordem profissional adaptarem-se e fazerem a tecnologia adaptar-se à Justiça. : :
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PROFISSÃO
AS SOCIEDADES DESPORTIVAS: O REGIME JURÍDICO ALÉM DE PREFERÊNCIAS CLUBÍSTICAS Numa época em que muito se fala da “engenheira do subsolo”, sendo a complexidade do fenómeno desportivo cada vez mais crescente no panorama atual e global, importa compreender a sua génese: as Sociedades Desportivas (doravante denominadas “SD”).
A
Por João Pedro Amorim, Solicitador
tualmente, o regime legal aplicável às SD consta da Lei nº 5/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto – “LBAFD”), do Decreto-Lei nº 10/2013, de 25 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei nº 49/2013, de 11 de abril (Novo Regime Jurídico das SD – “NRJSD”), bem como, a nível fiscal, da Lei nº 103/97, de 13 de setembro, alterada pela Lei nº 56/2013, de 14 de agosto (Regime Fiscal das Sociedades Desportivas – “RFSD”). Concentrando-nos na última secção da LBAFD, designadamente nos artigos 26.º e 27.º, procede-se à distinção entre clubes e SD, definindo os clubes desportivos “como pessoas coletivas de direito privado, constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos, que tenham como escopo o fomento e a prática direta de modalidades desportivas”, e as SD como “as pessoas coletivas de direito privado, constituídas sob a forma de sociedade anónima, cujo objeto é a participação em competições desportivas e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionados com a prática desportiva profissionalizada no âmbito da modalidade”. Contudo, para efeitos de aplicação do respetivo regime jurídico, o NRJSD considera as SD como “a pessoa coletiva de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima ou unipessoal por quotas, cujo objeto consista na participação, numa ou mais modalidades, em competições desportivas, na promoção e organização de espetáculos desportivos e no fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade ou modalidades” (conforme art. 2.º, nº 1 do NRJSD). Assim, com a entrada em vigor do NRJSD, passou a ser obrigatório o recurso à figura da SD para a participação numa competição profissional, foi criado um novo tipo de SD para além das Sociedades Anónimas, a Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (“SDUQ”), em que o sócio único será sempre obrigatoriamente o clube fundador (cfr. art. 11.º e 14.º do NRJSD), bem como foi quebrado o princípio da homogeneidade das SD, permitindo-se que uma SD possa ter por objeto a participação em mais do que uma modalidade,
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desde que o clube apenas participe numa única SD multimodal ou multidisciplinar e em mais nenhuma outra. Neste sentido, uma SD pode ser constituída de três formas: (i) de raiz; (ii) pela transformação de um clube desportivo; (iii) pela personalização jurídica de uma equipa (i.e., quando o clube transfere para uma SD a totalidade ou parte dos direitos e obrigações de que é titular e que estão afetos à participação em competições desportivas profissionais, situação em que o clube fundador deve deter, diretamente, um mínimo de 10% do capital social da sociedade) – conforme artigos 3.º e 4.º do NRJSD. Quanto ao capital social mínimo, as SD devem ser constituídas consoante as modalidades e competições em que participem. Por exemplo, uma SAD que queira participar na 1ª liga profissional de futebol deverá ter um capital social mínimo de €1.000.000, enquanto, para uma SDUQ, o valor fixa-se em €250.000 – conforme art. 7.º NRJSD. Por seu turno, relativamente às ações: as SAD têm ações de categoria A (destinadas a serem subscritas pelo respetivo clube fundador quando a sociedade se tenha constituído por personalização jurídica de uma equipa) e ações de categoria B (nos restantes casos), ambas nominativas; quanto às SDUQ, a quota indivisível e intransmissível representativa do capital deve pertencer integralmente ao clube fundador, podendo, no entanto, uma associação desportiva ser titular de mais do que uma SDUQ, desde que respeitantes a modalidades distintas – conforme artigos 10.º e 11.º NRJSD. Assim, pese embora uma reflexão sobre a natureza jurídica destas sociedades nos permita discernir se se tratam de verdadeiras sociedades comerciais, em especial em resultado do conceito de atos de comércio, ou se, pelo contrário, estamos perante uma nova figura societária (atípica), cujas características não mais permitem do que a qualificação como sociedade sui generis, não há dúvida que os Solicitadores, em especial os vocacionados para a área de Solicitadoria de Empresa, podem ter um papel significativo nesta matéria, contribuindo para a verdadeira profissionalização da gestão do desporto. : :
OSAE
SECRETÁRIA DE ESTADO DA HABITAÇÃO ENCERRA CONFERÊNCIA "PROPRIEDADE HORIZONTAL E CONDOMÍNIOS"
S
endo este um dos assuntos cujo debate marca a atualidade, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), consciente do papel dos seus associados, promoveu no passado dia 18 de setembro, na sua sede, em Lisboa, uma Conferência subordinada ao tema “Propriedade Horizontal e Condomínios”. Esta contou com muitas questões e com a presença de mais de meia centena de participantes. Pelas 10 horas teve início o primeiro painel. Este foi dedicado às questões ligadas à propriedade horizontal, tendo sido possível conhecer as perspetivas de Henrique Sousa Antunes, docente na Universidade Católica Portuguesa, de Maria José Almeida Ricardo, solicitadora na Abreu Advogados, e de Natércia Rocha, juíza de direito. Henrique Sousa Antunes trouxe as suas “impressões sobre uma eventual reforma do regime da propriedade horizontal”, designadamente sobre a arquitetura da propriedade horizontal”. Já Maria José Ricardo, enquanto solicitadora, deu um contributo na ótica do profissional. Passada a palavra a Natércia Rocha, foi possível ficar a saber mais sobre o papel do tribunal na resolução dos conflitos surgidos neste âmbito. Diferentes olhares sobre uma mesma realidade que, no final e sob a moderação de Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, encontraram a certeza da complementaridade. Após uma pausa para café e para um debate mais descontraído, teve início o segundo painel. Este debruçou-se
sobre “o regime dos condomínios”, tendo sido moderado por Rui Miguel Simão, Secretário do Conselho Geral da OSAE. Enquanto Didier Duplaa, Presidente do Groupement des Huissiers de Justice Administrateurs d’Immeubles, partilhou a experiência que se vive em França, Sandra Passinhas, Docente na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e Edite Gaspar, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, apontaram mudanças urgentes no cenário nacional. Muitas foram as questões e muitas mais haveria se o tempo não parecesse ter pressa de passar. Ana Pinho, Secretária de Estado da Habitação, e José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, encerraram esta conferência. Foi José Carlos Resende quem assumiu a primeira intervenção, tendo resumido alguns dos aspetos mais referidos ao longo da manhã e apontado áreas em que os solicitadores e os agentes de execução podem fazer a diferença. Terminou realçando a disponibilidade da OSAE e dos seus associados para colaborar na construção de soluções que sirvam, acima de tudo, o cidadão. Por isso e segundo as palavras de Ana Pinho, esta iniciativa aconteceu no momento certo, não podendo haver dúvidas quanto ao carácter fundamental da cooperação institucional na identificação de alternativas. E, assim sendo, encerrou este evento apelando à apresentação de propostas e sugestões para que o futuro possa ter alicerces ainda mais seguros. : :
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O IFBM EXPLICA…
QUAIS OS DIREITOS DOS PASSAGEIROS EM CASO DE RECUSA DE EMBARQUE, CANCELAMENTO OU ATRASO DE VOO? Por Francisco Serra Loureiro, Solicitador e Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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ão são raras as vezes que os passageiros do espaço aéreo europeu são afetados por atrasos, cancelamentos de voo ou, em menor número, por situações de recusa de embarque. E que direitos assistem aos passageiros nessas situações? A União Europeia, através do Regulamento nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, vem estipular que, nos casos mencionados, as companhias aéreas (de um Estado membro da União) devem observar uma série de obrigações, devendo, desde logo, informar os passageiros dos direitos que lhes assistem e, inclusivamente, fornecer um impresso com as regras de assistência e indemnização aplicáveis. Assim, o Regulamento estipula que, em caso de cancelamento, o passageiro pode optar por ser reembolsado do valor da viagem (prazo de 7 dias) ou ser reencaminhado para o seu destino final através de outro meio de transporte equivalente na primeira oportunidade ou em data a combinar com a companhia aérea, situação também aplicável a atrasos superiores a 5 horas. O passageiro tem ainda o direito de assistência que consiste no fornecimento de refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera, bem como alojamento em hotel, caso a hora de partida prevista seja, pelo menos, no dia após a hora de partida previamente prevista. Tem ainda a possibilidade de realizar duas chamadas telefónicas ou de enviar mensagens por correio eletrónico a título gratuito. Este direito é atribuído, imperativamente, em situações de cancelamento, bem como em ocorrências de atraso de voo. Neste último caso, atende-se não somente à duração do voo, conforme decorre do Regulamento – 2 horas em voos até 1500 quilómetros; 3 horas em voos com mais de 1500 quilómetros (no espaço europeu) ou outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros; 4 horas nos restantes voos –, mas também às circunstâncias específicas das necessidades dos passageiros.
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Seja em caso de cancelamento ou atrasos superiores a três horas, as companhias devem, inclusivamente, indemnizar os passageiros de eventuais prejuízos sofridos (limite máximo de €600,00), exceto se conseguirem provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias, nas quais se enquadram as situações de mau tempo, greve ou riscos de segurança. O mesmo já não se passa, nomeadamente, nos casos de avaria ou anomalia técnica do avião, situações em que a companhia aérea deve indemnizar os passageiros lesados. No que diz respeito a situações de recusa de embarque, normalmente devido à ocorrência de overbooking, a companhia aérea promove, inicialmente, uma consulta de modo a aferir se existem voluntários que se predisponham a não embarcar. Caso tal não suceda, pode recusar o embarque a qualquer passageiro mediante o pagamento de indemnização que pode ascender até €600,00 por passageiro. Para que os seus direitos sejam restabelecidos, os lesados devem inicialmente reclamar perante a companhia responsável pelo voo. Caso a companhia não responda ou a resposta seja insatisfatória, pode o passageiro recorrer à autoridade nacional competente que, em Portugal, é a Associação Nacional de Aviação Civil (ANAC). O facto de um passageiro comprar a sua viagem através de um operador turístico em nada altera as obrigações da companhia para com os passageiros. Tal somente sucede no âmbito de uma viagem organizada (transporte e alojamento), caso em que os passageiros devem contactar a sua agência para que, com esta, afiram alternativas, visto esta ser responsável perante o cliente pelo cumprimento das obrigações associadas à viagem em causa. Não deixe de viajar, mas sempre consciente dos seus direitos! E pode sempre contar com a ajuda de um Solicitador! Porque, já sabe: um Solicitador, todos os serviços! : :
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ENSINO SUPERIOR
ESCOLA DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO MINHO
AQUI CONSTROEM-SE PONTES SÓLIDAS COM TODAS AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR QUE GARANTEM A FORMAÇÃO DAQUELES QUE PODERÃO DEPOIS ABRAÇAR AS PROFISSÕES DE SOLICITADOR OU DE AGENTE DE EXECUÇÃO. NESTE ESPAÇO CHEIO DE ESPÍRITO ACADÉMICO, O QUAL IRÁ PERCORRER PORTUGAL E CONTINUAR A MARCAR PRESENÇA NAS PRÓXIMAS EDIÇÕES, CONTAM-SE OS DESAFIOS, AS CONQUISTAS, AS ASPIRAÇÕES, A “PERSONALIDADE” DE CADA UM DESTES CURSOS.
“Aquilo que hoje é o Direito, amanhã será a História do Direito.”
MARIA CLARA DA CUNHA CALHEIROS DE CARVALHO Presidente da Escola de Direito da Universidade do Minho Existe uma ligação entre o que acontece no mundo da Justiça e as mudanças que têm vindo a ocorrer na formação em Direito? Sim, existe. No ADN do Direito está inscrita a palavra “adaptação”. O Direito não é uma realidade imóvel, mas sim uma realidade que sofre uma contínua renovação. O Direito que estudamos hoje não é o mesmo que estudámos em 2017 ou 2016, porque os quadros normativos estão em constante evolução. Aquilo que hoje é o Direito, amanhã será a História do Direito. Independentemente disso, existem outros fatores que obrigaram o curso de Direito a transformar-se. Por exemplo, o facto de hoje, nas universidades, estarmos muito mais cientes da necessidade de formar pessoas que vão depois exercer determinado tipo de funções. Não quero com isto dizer que o ensino universitário deva ser transformado em formação profissional, mas, na minha opinião, a universidade apropriou-se da ideia de que não se pode desligar daquilo que vai ser o futuro dos estudantes que forma. Esta ideia é uma preocupação recente. Uma preocupação das universidades no século XXI, em todas as áreas.
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Entrevista André Silva e Ana Filipa Pinto / Fotografia Rui Santos Jorge assista ao vídeo em www.osae.pt
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Também sentimos isso quando falamos na ponte estabelecida com o mercado de trabalho e na internacionalização? Em 2018 completamos 25 anos de existência. Consideramos que a Escola de Direito fez um caminho rápido em termos de afirmação. Foi a terceira licenciatura pública a surgir em Portugal. A primeira, com 700 anos de avanço, foi Coimbra, seguiu-se Lisboa, com 100 anos de avanço, e depois nós. Começámos por construir um corpo docente qualificado, por conseguir instalações, por construir propostas de ensino que fossem ao encontro do que achámos que eram as necessidades sociais. Agora, estamos finalmente no ponto em que nos podemos preocupar com outras coisas. Isso significa estimular e desenvolver a nossa ligação à sociedade, significa desenvolver as componentes de investigação e significa desenvolver a internacionalização. A nossa missão não se esgota apenas num horizonte nacional e, para isso, as nossas linhas estratégicas começaram por captar alunos nos países de língua oficial portuguesa. Depois, quisemos construir uma relação muito sólida com os nossos vizinhos galegos. Temos uma parceria muito forte, tanto a nível de investigação, como de ensino, com as Faculdades de Direito de Vigo, Santiago de Compostela e da Corunha. Por fim, nos últimos anos, lançámo-nos ao resto do mundo. Temos captado estudantes de todo o lado, dos locais mais longínquos. Por exemplo, no passado, tivemos aqui um aluno da Mongólia. Queremos estar integrados nas redes internacionais de investigação. Para isso, temos procurado complementar este esforço de captação de estudantes, tentando estabelecer relações de intercâmbio com universidades um pouco por todo o mundo. Temos tido cá investigadores das mais diversas proveniências e temos, também, participado ativamente em projetos de investigação com outros países e outras universidades. Sentem que uma experiência de intercâmbio é algo enriquecedor no currículo dos alunos? Sim, sem dúvida, e por essa razão sentimos a necessidade de criar um gabinete de saídas profissionais. A própria Universidade do Minho tem um gabinete que faz o acompanhamento dos alunos, mas, mesmo assim, criámos este gabinete para conseguirmos estar mais próximos da especificidade das saídas profissionais na área do Direito. Essa tem sido uma das nossas preocupações nos últimos anos. Como se caracteriza a procura do curso num estabelecimento de ensino localizado fora dos dois grandes centros? O governo, ao decidir reduzir as vagas em Lisboa e Porto, procurando beneficiar as universidades do interior, considerou a Universidade do Minho uma universidade do interior. Ora, apesar de tudo, temos que entender que a Universidade do Minho não é uma universidade do interior. Nós estamos a 40 quilómetros do Porto. Por exemplo, uma parte muito substancial do corpo docente da escola vive no Porto. A Universidade do Minho
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é concorrente direta da Universidade do Porto. A estas duas, junto ainda a Universidade de Aveiro. Estas três universidades não são universidades do interior. A nossa procura é gigantesca. Nos últimos anos, na área do Direito, as melhores médias nacionais foram sempre disputadas entre a Escola de Direito da Universidade do Minho e a Faculdade de Direito da Universidade do Porto. O curso que abrimos recentemente, “Criminologia e a Justiça Criminal”, no ano em que arrancou, foi o curso com mais procura de todos. Os nossos mestrados têm, normalmente, o triplo de candidaturas em relação às vagas disponíveis. A envolvência da faculdade pode ser um dos fatores que contribuem para a distinção dos alunos que saem desta instituição? Na minha opinião, sim. Uma das mais-valias de quem estuda na Escola de Direito é o facto de a Universidade do Minho oferecer uma verdadeira experiência de campus. Por exemplo, um aluno da Clássica não vai ter uma experiência de campus, como aqui. Tanto a cidade de Lisboa como a do Porto são grandes, as faculdades estão mais isoladas e as
comunidades de alunos estão mais separadas entre si. Os nossos estudantes, de diferentes áreas, estão constantemente misturados. A nossa filosofia de ocupação dos espaços é de partilha. Nos edifícios, nos bares, nas cantinas, os alunos estão misturados. Isto gera uma experiência de faculdade diferente. Participar na direção de um estabelecimento de ensino representa um desafio constante pela gestão de expetativas e de futuros a que obriga? Admito que existem dias em que é muito bom e outros em que foi a pior coisa que me aconteceu. Nunca me passou pela cabeça, quando vim para a faculdade, que um dia iria exercer este tipo de funções. Não foi algo planeado. Agora, esta função tem um aspeto muito positivo e aliciante: pensarmos um projeto e termos uma ideia de como é que gostaríamos que as coisas fossem. Esta parte de ver crescer algo e de poder fazer a diferença é muito bom. A parte pior é o choque com a realidade. Aquilo que nós queremos fazer não depende só de nós e existe todo um conjunto de obstáculos e de limitações que vamos ter de conseguir vencer. Aceitei este desafio
ESCOLA DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO MINHO
ainda num momento de TROIKA, senti muito as restrições da altura e isso foi muito complicado. O balanço é extremamente positivo. Aprendi imenso e tive uma sorte muito grande com o surgimento desta oportunidade, porque me permitiu conhecer pessoas que de outra forma não conheceria. Mesmo as dificuldades que tive de enfrentar fizeram-me aprender muito. O balanço é claramente positivo, ganhei muito mais do que perdi. Quando terminar este projeto, vou regressar àquilo que gosto realmente de fazer: dar aulas e estudar.
A Escola de Direito tem um enorme potencial para se afirmar mais em termos de investigação. Temos o Centro de Investigação em Justiça e Governação, que é novo e que vai ser agora avaliado neste processo da FCT.
Quais são os caminhos e os desafios que se adivinham para futuro? A Escola de Direito tem um enorme potencial para se afirmar mais em termos de investigação. Temos o Centro de Investigação em Justiça e Governação, que é novo e que vai ser agora avaliado neste processo da FCT. Está organizado de uma forma diferenciadora em relação à regra em outras faculdades de direito, porque não estamos organizados por disciplinas, mas sim por problemas de investigação. Os grupos obedecem a uma lógica de tentativa de responder a um problema de investigação, porque, normalmente, os problemas que nos colocam são interdisciplinares. Este é, verdadeiramente, o ano de arranque deste projeto e eu estou convencida que a médio/longo prazo vai ser um projeto com muito sucesso. Do ponto de vista do ensino, o caminho vai ser o de uma progressiva maior visibilidade da área da criminologia e da justiça criminal. É um projeto novo, ainda não temos os primeiros licenciados, mas é uma área em que existe carência em Portugal e em que existe um espaço para que o mercado possa receber profissionais nesta área. : :
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REPORTAGEM
TAPETES DE ARRAIOLOS
COM LÃ SE COSE A TRADIÇÃO Texto André Silva e Ana Filipa Pinto / Fotografia Rui Santos Jorge assista ao vídeo em www.osae.pt
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ordada com cores e sol, a vila de Arraiolos dá nome aos tapetes que em si trazem as mãos deste pedaço do Alentejo que, posto no cimo do monte, deixa ver o país para lá da fronteira. Na sua praça central contornada por casas azuis e brancas, a calçada também parece feita com agulha e dedal. De pedra, estende-se o tapete de Arraiolos que convida a conhecer o novelo de histórias que fazem desta arte um sinónimo da palavra “Portugal”. Nas palavras de Rui Lobo, historiador e responsável técnico pelo Centro Interpretativo do tapete de Arraiolos, museu de tutela municipal, “quando falamos nesta arte e na sua evolução, acabamos por encontrar momentos da História de Portugal. Ou seja, viajamos pela História do nosso país”. Também este espaço, nascido de um projeto de Diogo Burnay e Cristina Veríssimo, inaugurado em 2013 e premiado em diversos contextos, conduz quem chega num passeio por tudo quanto o passado guarda em tapetes que, mesmo não sendo voadores, levam tão longe quem os olha. É, segundo Rui Lobo, “uma expressão artística de cariz artesanal. É uma das mais importantes expressões portuguesas da arte decorativa. E, para além das pessoas que envolve, tem também uma importante componente artística”. Por isso, aqui pretende-se “mostrar a história, as técnicas, os materiais e a evolução decorativa do tapete de Arraiolos. Para além, obviamente, de ser palco de outras iniciativas ligadas à salvaguarda e valorização do tapete de Arraiolos”. E, sob este edifício, bem pode morar o início de uma história que ainda hoje se vai escrevendo e contando, na ânsia de não ser esquecida. “Ao longo de toda a praça, existe um complexo tintureiro que se instalou em Arraiolos e que esteve ativo entre os séculos XIII e XV, ou seja, é anterior à construção do edifício. É semelhante ao que existe em Fez. Teria características árabes. No entanto, tudo isto é anterior à produção de tapete de Arraiolos, mas pode ter contribuído para o seu início. A mais antiga referência documental ao tapete de Arraiolos é de 1598, século XVI. Os exemplares mais antigos que chegaram aos nossos dias são do século XVII. E o complexo esteve ativo entre os séculos XIII e XV. Temos aqui um hiato de 100 anos. Sabe-se que, em Lisboa, nos séculos XIV e XV, na comuna muçulmana de Lisboa, havia tapeteiros. Depois, em 1496, surge um decreto manuelino de conversão ou expulsão das minorias religiosas. Ou seja, quem não fosse cristão e não se quisesse converter, tinha que sair do nosso país. Pensamos que alguns desses tapeteiros de Lisboa, sobre os quais não há qualquer referência após 1496, ter-se-ão convertido ao cristianismo, tendo vindo para Arraiolos por duas razões: o conhecimento prévio que tinham da existência desta tinturaria – um local perfeito para continuarem a produzir - e para sua defesa e salvaguarda”. Hoje, dentro destas paredes erguidas sobre o passado, guardam-se tapetes de vários tempos e que, restaurados no que se considerou essencial, retratam as várias etapas: o orientalismo, a transição, a arte popular e o ressurgimento. À
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TAPETES DE ARRAIOLOS
"É uma das mais importantes expressões portuguesas da arte decorativa. E, para além das pessoas que envolve, tem também uma importante componente artística.” Rui Lobo
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TAPETES DE ARRAIOLOS
medida que esta arte se foi tornando menos marcada pelas tendências orientais, mais popular, mais próxima, foi exibindo a sua beleza em formatos mais reduzidos, capazes de caber em casas que não apenas as da elite. Um tempo que, deixando a luz espreitar, viu as cores perderem força sem que se desconfiasse disso quando, em pleno século XX, se tentou recuperar a produção do tapete de Arraiolos: “Há uns anos, começaram a ser feitas análises químicas no laboratório Hércules, em Évora, a alguns tapetes do Museu de Arte Antiga. E chegou-se à conclusão que as cores tinham sofrido profunda alteração. Os tapetes, expostos à luz, vão perdendo a cor. No início do século XX, as tapeteiras, numa época em que nasceu um movimento denominado ressurgimento do tapete de Arraiolos, após a sua quase extinção, procuraram recuperar os desenhos antigos. Nessa altura, chegou a ocorrer uma exposição no Convento do Carmo. Daí muitos tapetes terem estas tonalidades mais claras e os fundos brancos, quando
não era assim no início. Contudo, foi nos tapetes mais antigos e já com as cores esbatidas que as tapeteiras basearam o seu trabalho”. E é isso que revela o outro lado de um tapete, onde a luz não chegou e deixou a cor ficar, fruto ainda do tingimento com corantes naturais como os lírios tintureiros, o trovisco, o pau campestre, o pau-brasil, o anil, a garança e a cochinilha que faziam surgir, entre outras, vermelhos garridos e laranjas quentes. Também a tela, que hoje imaginamos pesada e grosseira, já foi feita de outro material que nascia em teares: “As telas dos tapetes mais antigos eram feitas em linho. Nesta tela, os tapetes demoravam mais a ser feitos e obrigavam a recorrer a um esquema diferente. O ponto de Arraiolos servia apenas para preencher. Os tapetes do séc. XVII são feitos com tela em linho, com os elementos decorativos contornados a ponto pé de flor e servindo o ponto de Arraiolos para preencher. Já na tela em serapilheira, mais comum na atualidade, o ponto segue sempre na mesma direção, sendo mais rápida a sua produção. E outros materiais foram usados até chegarmos à serapilheira”. Uma atividade que se seguia a uma cadeia também aqui ilustrada para que não se esqueça. “Falamos do antigo processo de tratamento da lã: o pastoreio, a tosquia, o momento em que tinha que se carmear, ou seja, retirar as impurezas que vinham na lã, a cardação, que era um trabalho
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feito por homens com as cardas, para se esticar a lã de forma a ficar pronta para a roda de fiar que era onde tomava a forma de fios de lã. Aí era dobada e tingida. Só depois era passada para as bordadeiras”. Um caminho abreviado, mas que continua a terminar nas mesmas mãos que ajudam a vista a contar as casas ocupadas no esquema em tamanho real que acompanha cada etapa. Cada cruz, um ponto. Cada número, uma cor. E, cortada a largura e o comprimento, há que encontrar o centro. A simetria, contrariando as raízes que parecem tão evidentes nos elementos decorativos, dita o início e o primeiro ponto acontece numa tela que todos os dias se preenche graças à persistência de quem gosta do que faz, fazendo-o com o coração no lugar da agulha, numa terra que deu nome à arte e onde também os tapetes têm nomes entre quem melhor os conhece. Deolinda do Carmo ou, simplesmente, D. Deolinda, com as pernas cobertas por um longo pedaço de serapilheira que virá a ser uma réplica de um tapete do século XVII, sem tirar os olhos do seu trabalho e puxando a lã azul sem hesitações, sabe-os bem. São já 45 anos. “Via a minha mãe, as avós, as tias… Todas faziam tapetes de Arraiolos e eu quis aprender também. Embora tenha trabalhado noutras áreas, nunca deixei de fazer Arraiolos”. Hoje, no centro interpretativo, faz parte do espólio: ela, o seu dom, as suas obras e o que vai ensinando a quem passa e a quem, contagiado, opta por ficar ali sentado, a olhar sem pressa. “Aqui vemos pessoas novas todos os dias, que vão fazendo perguntas e gostando de me ver trabalhar.” Com o sotaque alentejano, as mãos calejadas, as costas cansadas e o rosto feliz. Assim ia avançando no enchimento. “A parte mais fácil”, diz. “Depois é a barra. Mas armar o desenho é o mais difícil. E este não é simétrico, tem pequenas diferenças. Tenho que ir contando. Estamos a falar de trabalhos que levam meses. E quando há enganos… Começa logo a tesoura a trabalhar”, remata. Mas o fim só chega com a colocação da franja que, cosida com fio de carreto, é feita com recurso a um banco próprio e segundo regras que só não determinam o ritmo com que as linhas se cruzam ao sabor de uma experiência que faz parecer simples. “A franja tem sempre a cor do fundo do campo. E as cores usadas para fazer o que se chama a cairela são as mesmas dos motivos do campo. São metros por hora…” Motivo de orgulho nacional, o tapete de Arraiolos está agora a atravessar um processo que permitirá a sua candidatura a património imaterial da UNESCO. O futuro passará por esse reconhecimento e pela garantia de condições que possibilitem a certificação das peças e de um trabalho que não pode ser medido em m2. Segundo Rui Lobo, só assim, sem negar a inovação, se poderá continuar a contar, em tapetes, a História do país e de todos aqueles cuja vida, ponto a ponto, foi acontecendo ao ritmo dos novelos que se vão gastando, de agulha na mão e serapilheira no colo. Como a vida da D. Deolinda. “E eu vou ter que continuar ligada a isto. Por gosto. Quando uma pessoa aprende e faz durante muitos anos, não esquece. E não deixa de gostar.” : :
PROFISSÃO
A TECNOLOGIA AO SEU DISPOR À BOLEIA DA EVOLUÇÃO Por Rui Miguel Simão, Solicitador, Agente de Execução e 1º Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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Lime está a chegar a Portugal. Esta empresa, fundada no início de 2017, já se encontrava a operar em várias regiões dos Estados Unidos da América e permite alugar uma trotinete elétrica através de uma app, muito à semelhança do que a E-cooltra faz com as scooters. Outra empresa conhecida por prestar um serviço semelhante é a Bird que, juntamente com a Lime, já viu algumas cidades, como Los Angeles, regularem a sua atividade devido à proliferação destas trotinetes nos passeios. Isto porque parte do conceito de utilização é o cliente poder deixar a trotinete onde quiser e o sucesso foi tanto que deu origem a um fenómeno curioso: a acumulação massiva de trotinetes em alguns locais da cidade. Imagine, por exemplo, a quantidade de trotinetes que poderiam ser deixadas à porta de grandes eventos como concertos ou jogos de futebol. Por cá, antes de entupirem os nossos passeios, estas trotinetes ainda terão que superar o teste de sobrevivência aos belos e sinuosos caminhos da calçada portuguesa. Se a ideia de andar de trotinete não o seduz, pode sempre recorrer aos serviços de bicicletas partilhadas. Existem vários pelo país com diferentes características, um deles é o U-Bike. Trata-se de um projeto que visa promover a adoção de hábitos de mobilidade saudáveis e sustentáveis no ensino superior. O objetivo é pôr a comunidade académica a pedalar e, segundo a informação disponível no site www.u-bike.pt, já aderiram ao projeto quinze instituições de Ensino Superior. Provavelmente, só a ideia de ir para as aulas de bicicleta já o deixa a suar. Mas não desanime, pode contar com uma ajuda elétrica para as subidas mais difíceis. Que o digam os utilizadores das Universidades da
Beira Interior e de Trás-os-Montes e Alto Douro que, apesar do declive, também aderiram ao projeto. O setor dos transportes continua a apostar na criação de veículos autónomos. Empresas como a Uber, Waymo ou Navya são apenas algumas das que mais se têm destacado na corrida à mobilidade autónoma. O Navya Arma é um autocarro 100 % elétrico com capacidade para 14 pessoas e que já foi operado pela Transdev para fazer viagens auto-pilotadas em Lisboa. Serão estas tecnologias suficientes para iniciar o movimento disruptivo de abandono do carro pessoal? Chegado ao destino, é provável que precise de um sítio para ficar. Todos os que já fizeram reservas através de plataformas como o booking, trivago ou agoda, sabem que os preços dos hotéis oscilam frequentemente e que, por vezes, existem oportunidades de última hora que permitem reservar o mesmo hotel a um preço mais baixo. Isso pode ser especialmente desagradável quando a sua reserva já tinha sido feita por um preço mais elevado. Para evitar ficar refém do preço mais alto pode usar a plataforma Pruvo que lhe permite remarcar o mesmo hotel sempre que o preço baixar. Para isso só tem que ir a www.pruvo.net e inserir a sua reserva. Se o preço do alojamento baixar, será avisado. Boas viagens! : :
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LIVROS SUGESTÕES
LIVROS JURÍDICOS COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA ALMEDINA
Código do Registo Predial Anotado Isabel Ferreira Quelhas Geraldes A advogada Isabel Quelhas Geraldes procedeu à mais recente atualização do “Código do Registo Predial”, nesta obra desenvolve-se o regime dos processos especiais de justificação registal, de retificação de registo, bem como o da impugnação das decisões do conservador. No presente manual, onde se encontram anotações e comentários atualizados ao Código do Registo, o leitor encontrará ainda uma evidenciada visão jurisprudencial dos tribunais superiores e doutrinal pertinentes.
COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA QUID JURIS
Código do Procedimento Administrativo Comentado Com breves anotações comparativas ao procedimento administrativo especial tributário, regulado na LGT – Lei Geral Tributária – e com indicações jurisprudenciais Eliana de Almeida Pinto, Isabel Silva e Jorge Costa “… De imediato, não posso deixar de recomendar a leitura do Código do Procedimento Administrativo Comentado (…) ele evidencia os aspectos positivos da reforma de 2015 (…). (…) a reforma do CPA era necessária. Na verdade, era necessária em função da crescente europeização do direito público. Mais: as alterações introduzidas do Texto Constitucional e em múltipla legislação especial ordinária há muito exigiam a actualização do regime comum procedimental, bem como as mudanças na realidade vinham solicitando um novo regime procedimental comum mais dialógico e consensual...” In Prefácio de Isabel Celeste Fonseca (Professora Doutora na Escola de Direito da Universidade do Minho)
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Regime Geral do Processo Tutelar Cível - Anotado e Comentado Jurisprudência e Legislação Conexa Tomé de Almeida Ramião O autor, nesta 3.ª edição, aproveitou a oportunidade para introduzir novos desenvolvimentos sobre questões controvertidas, no âmbito da interpretação e aplicação do RGPTC, designadamente a apensação de processos de outra natureza e prazo de recurso nos incidentes, bem como para atualizar a jurisprudência. Inclui o novo instrumento internacional de cooperação entre os Estados com vista à cobrança de alimentos: Convenção da Haia de 23 de Novembro de 2007. A obra reúne, ainda, minutas de diligências e de procedimentos.
JURÍDIC COM A COLABORAÇÃO DA PORTO EDITORA
Registos e Notariado
Fiscal
Edição Académica, 6.ª edição
Edição Académica, 19.ª edição
Neste livro encontrará uma compilação legal orientada a solicitadores e notários, num formato fácil de transportar. A 6.ª edição contempla diversas atualizações, nomeadamente a: Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, Registo Nacional de Pessoas Coletivas, Código do Registo Civil, Regulamento do Registo Comercial, Lei da Nacionalidade e Testamento Vital.
Está de volta com uma nova edição a coletânea tributária líder de mercado. Esta 19.ª edição contempla alterações ao nível do IRS, do IRC, do IVA, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e da Lei Geral Tributária.
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PROFISSÃO
SOLICITADORES ILUSTRES RIBAS D’AVELAR “Os Velhos Soldados nunca morrem, eles apenas desaparecem…”
Por Miguel Ângelo Costa, Solicitador, Agente de Execução e Presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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Douglas MacArthur
ntónio Ribas de Avelar nasceu em Lisboa no ano de 1880. Estudou na Escola de Comércio, entrou muito novo na política, fez-se Contador Judicial e… Solicitador. Toda uma vida devotada aos outros, sempre com o sentido de servir, dedicação a causas e fidelidade aos seus amigos, quer políticos, quer nas profissões que abraçou. Interventivo e muito meticuloso, nunca deixou de ser frontal, quando era necessário, com colegas, magistrados e políticos. De mão fácil para a pena, foi também escritor, jornalista e panfletário. Gozou a plenitude da sua existência, que se extinguiu em 1964, aos 84 anos. A sua vida não dava um livro, mas muitos. E não é num simples artigo, tão laudatório, quanto justo, que se conseguirá descrever aquilo em que ele mais se empenhou a dar o seu melhor: como Político, Contador Judicial e Solicitador. O POLÍTICO
Ribas de Avelar, já aos 15 anos, se empenhava na divulgação das causas da República e, pouco tempo depois, nos princípios do século XX, ainda na Monarquia, com os grandes vultos da República como Bernardino Machado, seu grande amigo, Afonso Costa, Manuel de Arriaga, António José de Almeida, França Borges, entre outros, faz parte da Comissão Directora do Centro Republicano José Falcão (1), tem intervenções acaloradas e próprias da juventude em vários Congressos Republicanos, onde num deles chega a propor a expulsão do jornal “O Século” do Partido Republicano, por não servir os interesses da causa republicana (2). No governo de João Franco é acusado, conjuntamente com alguns monárquicos como Abel Botelho, Visconde da Ribeira Brava, os republicanos Magalhães Lima, António José de Almeida, Afonso Costa e França Borges, entre outros, de rebelião e sedição, pelos acontecimentos de 18 de Junho de 1907. Após três dias desde a implantação da Republica, isto é, no dia 8 de Outubro de 1910, já como Contador Judicial, inscreve-se na Câmara dos Solicitadores, deixando a política activa para trás, mas nunca deixando de contactar
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os antigos correligionários políticos, enviando, até, cartas de recomendação, para emprego de antigos republicanos, ao seu amigo e Presidente da Republica, Bernardino Machado (3). O CONTADOR JUDICIAL
No entanto, nunca se coibiu de, nos jornais, principalmente, na "Luta" e no "Mundo", combater o que de má legislação se produzia, denunciando as más sentenças e, até, pasme-se, denunciando os seus próprios Juízes naquilo que ele era mais especializado à data, já como Solicitador e, principalmente, como Contador Judicial experimentado, exercendo funções na 6.ª Vara Cível de Lisboa (ver carta da nota 3). O Contador Judicial, figura que já vinha desde os tempos das Ordenações e que durou até à Reforma do Estatuto Judiciário de 1944, era comparado ao Secretário-geral Judicial, pois tinha competências muito abrangentes na Secretaria Judicial, mesmo sobre o Escrivão, sendo-lhe até, a partir do primeiro Estatuto Judiciário, vedado o desempenho de várias funções judiciais e privadas, entre as quais a Advocacia e a Solicitadoria nos Tribunais das Relações e Comarcas de Lisboa e Porto (4). Exercendo as funções de Contador e Solicitador até aos princípios dos anos 20, nunca deixou de dar a sua opinião naquilo que era mais competente e especialista: as custas judiciais. E, sempre na defesa dos mais pobres contra os poderes públicos, apela no Tribunal da Relação de Lisboa contra a Câmara Municipal de Lisboa que, apesar de perder a ação face a um particular, ficou isenta de custas. Publicou esta Apelação, com o título “Um caso Estranho” (5); enviou, ao Parlamento, um Telegrama denunciando o favoritismo de um Juiz de Alcácer do Sal (6); são várias vezes citados, pelos Deputados Parlamentares, os seus artigos nos jornais sobre o aumento das custas judiciais (7); e, já como Solicitador, em 1932, publica um livro de opinião sob o título “Preparos, Reforço de Preparos e Custas”, no qual, na introdução, declara: “aos litigantes já desde há muito lhes levaram a pele. Carne nunca a tiveram. Esforço-me por evitar que lhes levem os ossos. Não é pedir muito…” (8).
O SOLICITADOR
Já passado, há muito, o equador da sua vida e desgostoso com o rumo da política, que levou o País à ditadura (9), dedicou-se, de corpo e alma, à Solicitadoria. Sendo nomeado Presidente da Câmara dos Solicitadores de Lisboa no triénio 1932/1934. Fez parte da célebre reunião das três Câmaras em Coimbra, em Novembro de 1932, originando uma carta ao então Ministro da Justiça sobre vários assuntos de interesse para a classe, propondo alterações importantes ao Estatuto Judiciário referentes ao acesso à profissão, à procuradoria ilícita, às incompatibilidades de outras profissões com a da Solicitadoria e à génese da Câmara dos Solicitadores (10). Continuou a publicar vários artigos nos jornais. A censura não lhe dava tréguas. E, cancelando a sua inscrição somente no ano de 1962, morreu passados dois anos, entre amigos, mas como um “velho soldado” no Casal da Saudade, no Estoril (11). NOTAS: 1 Foto da Comissão Diretora do C.R. José Falcão – Fundação Mário Soares 2 Recorte dos documentos de Bernardino Machado - idem 3 Carta a Bernardino Machado - idem 4 Artigo 227.º do Estatuto Judiciário de 1927 5 Tribunal da Relação de Lisboa – “Um Caso Estranho”, Biblioteca Nacional 6 Debates Parlamentares - Assembleia da Republica, sessão de 19-6-1917 7 Idem, Sessões de 23-5-194, 6-6-1924, 18-2-1926, etc. 8 Preparos, Reforço de Preparos e Custas – Biblioteca Nacional 9 O Sr. Ribas de Avelar esclarece porque não usou da palavra na inauguração ao monumento a França Borges (no Príncipe Real) Recorte de jornal de 5-11-1925 – A.N.T.T. 10 Boletim da Câmara dos Solicitadores do D. J. Porto – N.º especial Dezembro de 1932 11 Sobre o Casal da Saudade, pág. 272, do livro “Tudo tem o seu Tempo”, Autobiografia de Ana Maria Magalhães. Editora Caminho.
Escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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REPORTAGEM
Camadas de História CONÍMBRIGA
Texto André Silva e Ana Filipa Pinto / Fotografia Rui Santos Jorge assista ao vídeo em www.osae.pt
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CONÍMBRIGA
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maginem todo este espaço cheio de vida e de gente. Imaginem tudo a acontecer!” Quem pede é José Ruivo, Diretor do Museu Monográfico que aqui foi instalado para guardar o que o passado deixou enterrado e que, todos os dias, pode ser descoberto. Conímbriga, hoje silenciosa, não esconde o que outrora se ouviu. Aliás, todos os dias algo mais se descobre desta cidade que, hoje, apenas revela as suas fundações, deixando perceber o significado e o impacto da presença romana em Portugal. “Conímbriga é um local incontornável na nossa herança, uma vez que é a cidade romana que melhor se conhece atualmente em território nacional.” Habitada pelo menos, entre o séc. IX a.C. e os séculos VIII-IX, da nossa era, tendo os Romanos chegado na segunda metade do séc. II a.C., “as primeiras intervenções em Conímbriga, que se conhecem, datam de finais do século XIX. Até essa altura, nem se sabia que tinha havido aqui uma cidade romana, nem se sabia como se chamava.” Foi com base no desconhecimento que se começaram a desenhar os contornos do como seriam a cidade e a vida. Saindo das entranhas da terra, surgiram casas viradas para o interior, para o pátio que ficava ao centro, convidando a luz a entrar e guardando a privacidade da família, já que não havia janelas para o exterior. “No fundo, o coração da casa era o pátio central.” Aos poucos, a terra vai revelando o que guardou. Mas a verdade é que a própria história da revelação da História teve muitos episódios que, entre imprevistos e descobertas, acabaram por se encaixar: “As primeiras escavações têm início em finais do séc. XIX e foram promovidas pela Rainha D. Amélia. Fizeram-se as primeiras sondagens e apareceram estruturas de casas, mosaicos, etc. Em 1910, Conímbriga foi declarada Monumento Nacional. Em 1930, aproveitando a realização, em Coimbra, de um congresso internacional de arqueologia e pré-história, a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra comprou duas parcelas de terreno, no centro do planalto, e escavou-as para trazer os participantes do congresso a visitar as escavações. Este é o grande momento de viragem. No seguimento dessas escavações e inseridos no contexto político da época, o Estado Novo começa a fazer um grande investimento na recuperação do património antigo e ligado às origens de Portugal. O Estado Novo fez a expropriação de todos os terrenos que estavam dentro da grande muralha (Muralha Tardia), pois julgava-se, na altura, que Conímbriga estava circunscrita a esse espaço. E a Direção-Geral dos Edifícios e dos Monumentos Nacionais começou, logo na década de 1930, a fazer as escavações. Nessa altura, são escavadas as primeiras casas de Conímbriga. Isto chamou muito a atenção da sociedade portuguesa. Por exemplo, a descoberta da Casa dos Repuxos, que é a mais importante e emblemática do ponto de vista da arquitetura, deveu-se à intenção de construir, nos terrenos onde está situada, um parque de estacionamento para o público que, nos anos de 1930, já começava a afluir a Conímbriga”, conta sorrindo perante a coincidência.
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No Museu Monográfico, apenas têm palco as peças encontradas no sítio arqueológico. O Museu foi construído em 1962, tendo sido remodelado em 1984, e exibe peças que marcavam o quotidiano, elementos ligados ao culto, ou instrumentos de trabalho. Num futuro breve, pretende-se renovar a exposição sem perder uma identidade que pode ser reforçada pela tecnologia hoje disponível e que permitiria ver alguns pedaços de passado arrumados, tornando-se mais simples compreender a sua relevância. Ainda antes da Muralha Tardia, junto à antiga via onde as pedras conservam gravadas as marcas das rodas das carroças que ali passaram, fica a Casa dos Repuxos que, no seu pátio, guarda o som da água a jorrar. Nas paredes, vestígios das pinturas que, um dia, as preencheram. No chão, mosaicos que ilustram cenas, hábitos e mitos. Pedra a pedra, montaram-se figuras encomendadas ao mosaicista que, com o seu catálogo, ia de cidade em cidade na busca de novos clientes. Por vezes, era preciso remendar. E, se o artesão estava distante, o improviso fazia esquecer contornos bem definidos e manchas iam surgindo, tal e qual nódoa que se descobre num tapete. Alguns destes mosaicos, ajustados às necessidades, missão e decoração dos espaços, fascinam pela
“Conímbriga é um local incontornável na nossa herança, uma vez que é a cidade romana que melhor se conhece atualmente em território nacional.” José Ruivo
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CONÍMBRIGA
“Este é um trabalho em constante desenvolvimento. É um trabalho para muitas gerações. Eu não vou viver o suficiente para o ver terminado. Mas, aqui, estão os alicerces.” José Ruivo
complexidade, perfeição, pelo rigor e, acima de tudo, por, em alguns casos, não haver uma pedra em falta. Seguindo em direção ao que foi o centro da cidade, atravessa-se a Muralha Tardia que, a partir de finais do séc. III, serviu como estrutura de proteção e vigia. No centro do planalto ergue-se o fórum romano, o coração da cidade que, impondo-se a todas as construções que se avistavam ao longe, projetava o poder de Roma. Por lá ficava a Basílica que, “no conceito romano, era o Tribunal. Neste momento só vemos os alicerces, temos de imaginar o resto”. Pelo caminho, vão surgindo as recordações do que é uma viagem que ainda agora começou: “Este é o único espaço urbano romano em Portugal que pode ser escavado quase na totalidade. Neste momento, só está escavada cerca de 1/7 de toda a área arqueológica”. Por isso, o futuro passará por se descobrir mais do passado e aumentar a área visitável. “Por exemplo, queríamos muito abrir ao público o anfiteatro. Só se conhecem dois em Portugal: um na Bobadela e este, aqui em Conímbriga. O nosso é muito maior do que o da Bobadela. E boa parte ainda está enterrada. A seguir ao fórum seria, certamente, o monumento mais importante e mais emblemático da cidade.” Ao fundo, avistam-se pessoas. Entre carrinhos de mão, baldes, colherins, picaretas, pás e pequenas vassouras, uma
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equipa trabalha parecendo não sentir o calor. Tendo em conta que tudo pode ser encontrado, a diversidade de perfis e especializações torna-se uma mais-valia. Virgílio Correia, arqueólogo e antigo diretor, aproxima-se. Em conversa, vai tentando desvendar, com a ajuda de José Ruivo, a origem daquela moeda que havia aparecido e que ainda estava coberta de terra. O desafio é constante. Por isso e pelos dias sempre diferentes, não esconde o quão apaixonante é um trabalho que não é suposto ter um fim. “Quando fazemos uma escavação temos de ter espírito aberto e estar sempre muito atento aos pormenores”, afirma Virgílio Correia, passando a palavra a José Ruivo que acrescenta: “Todos os dias sabemos um bocadinho mais de Conímbriga. Temos milhares de peças armazenadas”. E assim se vai avançando. No terreno e no tempo. “Da área que foi escavada aqui em Conímbriga, o que encontrámos leva-nos até ao início do primeiro milénio antes de Cristo. Não quero com isto dizer que não possamos recuar ainda mais no tempo. Antes dos romanos, já existiam aqui pessoas a viver.” Muitas respostas moram sob estas camadas de terra. E, a cada dia, novas dúvidas surgem. E desengane-se quem pense que o passado não traz suspense. Em 2013, no canto de uma casa, foi encontrada uma sepultura de uma mulher, datada por radiocarbono dos séculos II-III d.C., numa época em que os enterramentos dentro dos espaços urbanos eram proibidos. “Nesse caso, até podemos suspeitar de um homicídio, de ocultação de cadáver…” Entre histórias mais ou menos mirabolantes, a verdade é que não dá para enterrar a importância deste espaço que, aparentemente vazio, está repleto de possibilidades, sinais, vestígios. E, sendo certo que muito mudou desde aquela época, segundo José Ruivo, não podemos menosprezar os alicerces de tudo quanto se construiu. “Este é um trabalho em constante desenvolvimento. É um trabalho para muitas gerações. Eu não vou viver o suficiente para o ver terminado. Mas, aqui, estão os alicerces.” Alicerces que, por mais anos que passem, continuarão a ser a resposta a muitas questões deixadas pelo passado ou trazidas pelo futuro e que se reinventam a cada nova descoberta. “Mas, voltando à moeda… Pela espessura dela e pelo tamanho, diria que é do final do século IV. Vá, até logo!” : :
SOCIEDADE
PORTUGAL E A CONVENÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA CONTRA O TRÁFICO DE ÓRGÃOS HUMANOS
Diana Andrade Jurista
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O tráfico de seres humanos, muitas vezes com o objetivo de recolher órgãos para transplantação, é a segunda prática criminosa mais lucrativa do mundo, segundo a ONU, só ultrapassada pelo tráfico de armas. Surpreendido? Acompanhe-nos nesta viagem pelo lado mais obscuro de uma economia à margem da lei: o tráfico de órgãos humanos.
o dia 7 de agosto de 2018 foram publicados, em Diário da República, a Resolução da Assembleia da República e o Decreto do Presidente da República que permitiram a aprovação e a ratificação, respetivamente, da Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos. Esta Convenção representa um marco histórico uma vez que é o primeiro instrumento legal que fornece uma definição internacional consensual de tráfico de órgãos. As disposições desta Convenção, assinada em Santiago de Compostela, no dia 22 de março de 2015, exigem às Partes a incriminação da extração ilícita de órgãos humanos de dadores vivos ou mortos, caso seja levada a cabo sem o consentimento livre, informado e específico do dador ou, no caso de dadores falecidos, sem que a extração seja permitida pelo direito interno. Exige a incriminação, como contrapartida da extração de órgãos, caso o dador vivo, ou um terceiro, receba um proveito financeiro ou vantagem equivalente e ainda nas situações em que, como contrapartida da extração de órgãos de um dador morto, um terceiro receba um proveito financeiro ou vantagem comparável. A Convenção estabelece também medidas de proteção das vítimas, não esquecendo as medidas de prevenção com o propósito de garantir a transparência e o acesso equitativo aos serviços de transplantação. E, com vista à preparação de medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para a concretização das disposições desta Convenção, foi constituído um grupo de trabalho interministerial.
Claro que não será difícil percebermos o desespero de quem descobre que a sua vida depende de um transplante de órgãos, integrando uma lista de espera pouco animadora. Será tentador pensar: haverá alternativa? Mas se lhe dissermos que milhares de pessoas morrem ou ficam com sequelas graves depois destes transplantes efetuados neste mercado paralelo? Segundo o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), 5% a 10% dos transplantes realizados anualmente resultam de tráfico de órgãos, sendo que 50% a 70% dos doentes transplantados com rins, recorrendo a esta via, desenvolveram infeções gravíssimas que levaram à morte em 20% dos casos. O tráfico de órgãos ocorre geralmente fora da União Europeia, em países como a China e a Índia onde os transplantes podem ser feitos, em clínicas improvisadas, sem condições de segurança e higiene, comprometendo a saúde de dadores e recetores. Todavia, nenhum país está imune ao tráfico de órgãos, já que, à escala mundial, a oferta de órgãos fica aquém das necessidades da população. No nosso país, a doação após a morte é regra. Contudo, há cidadãos que, não concordando, se inscrevem no Registo Nacional de Não Dadores. Felizmente são poucos. É importante frisar que o tráfico de órgãos humanos constitui uma violação grave dos direitos humanos, uma afronta à própria noção de dignidade humana e, não só uma ameaça grave para a saúde dos intervenientes, mas também uma questão de saúde pública. Ora, nestes casos, prevenir será sempre o melhor remédio. : :
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CULTURA
E N T R E V I S TA C O M
CARLÃO MÚSICO
“Para mim, as palavras são tão importantes quanto a música” CRESCEU A BRINCAR NA RUA E DA RUA FEZ INSPIRAÇÃO. PARA FALAR DE AMOR OU DE OUTRA COISA QUALQUER. POR LÁ, NO MEIO DA VIDA QUE ACONTECE SEM QUERER, GANHOU O NOME COM QUE SUBIU AO PALCO: CARLÃO. COM O SORRISO NOS OLHOS E UMA VOZ QUE DEIXA CALOR NO QUE DIZ, OS QUARENTA TROUXERAM CALMA, MAS NÃO LEVARAM O JEITO DE “MIÚDO” FELIZ POR FAZER MÚSICA METIDA EM PALAVRAS. HÁ TEMPO NESTE DIA DE OUTONO QUE VAI PASSANDO NO MEIO DA CIDADE. NO BANCO DE JARDIM, OS SILÊNCIOS VÃO PONTUANDO A CONVERSA E DEIXANDO O PENSAMENTO RESPIRAR. AS PERGUNTAS, ENTRETANTO, VOARAM COM O VENTO, À BOLEIA DE UM PEDAÇO DE PAPEL. IMPROVISA-SE COMO SE A CÂMARA NÃO ESTIVESSE ALI. E NÃO SE TEMEM ESSES PEDAÇOS DE VAZIO, CHEIOS DE TANTA COISA. FAZEM PARTE. COMO A FOLHA EM BRANCO À ESPERA DA RIMA CERTEIRA. FALA-SE SOBRE O QUE SE FOI E DO QUE SE QUER SER. A ARTE QUE MAIS AMA ESTÁ SEMPRE LÁ. OLHA-SE PARA O PAÍS QUE CANTA E SENTE. EMOCIONA. POR ISSO, EMBORA NÃO HAJA PLANOS A LONGO PRAZO, HÁ VONTADE. HÁ VIDA. COMO NAQUELE JARDIM. E, ENQUANTO ASSIM FOR, AS PALAVRAS NÃO SE ESGOTARÃO E A MÚSICA CONTINUARÁ A TOCAR.
Entrevista André Silva e Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
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Primeira grande questão que se impõe: Carlos ou Carlão? Poucas pessoas me chamam Carlos, apenas a família me trata por Carlos. Toda a gente me chama Carlão. Mas são os dois válidos. Carlão é o meu nome de rua. Foi o nome que os meus amigos me começaram a chamar quando vínhamos para a rua brincar, algo que os putos já não fazem hoje em dia. Ganhei esse nome e assim ficou. O que há em demasia nos dias que correm? Há um culto da imagem demasiado forte. Sempre tivemos esse lado, mas estamos a atingir um píncaro no que toca a isso. Isto das redes sociais e a preocupação das pessoas com as aparências e com a imagem são aspetos da atualidade que estão a atingir níveis muito exagerados. Isso, sem dúvida, está em demasia. E o que é tão difícil de encontrar quanto uma agulha no palheiro? É difícil de reter, porque há tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo… Música, cinema, tudo. A oferta é tanta que se torna difícil conseguirmos reter alguma coisa. Parece que tudo é cada vez mais descartável, de consumo rápido. Pastilha elástica. Chiclete, mastiga e deita fora, como diziam os Táxi. São fases. Há um lado meu que começa a envelhecer e a refletir mais sobre estas coisas. Para os miúdos é completamente diferente. Acho que guardamos de menos. Costumo sempre falar de uma situação que me aconteceu em 2015. Lancei o meu álbum “Quarenta” e, passados alguns dias desde o lançamento, fiz um showcase na FNAC e houve um miúdo que, no final, me perguntou: “Então e coisas novas?”. O disco tinha acabado de sair há dois dias... Mas é isto. As palavras têm outro peso na música que faz? Como se as palavras fossem a própria música… Para mim, as palavras são tão importantes quanto a música. A grande maioria da música que consumo e que gosto de ouvir vem primeiro dessa atração pelas letras e só depois surge a melodia. As letras têm de ter substância, um tema com que me identifique ou que me choque. Gosto de palavras que despertam emoções. A língua portuguesa é tramada ou não há matéria-prima melhor para se criar? As duas coisas. Felizmente, estamos cada vez mais à vontade com a língua portuguesa. Lembro-me de estar com o Manel Cruz, que entra no novo disco, e que me falava da primeira vez que ouviu Da Weasel. Ele dizia que, naquela altura, não era fixe fazer coisas em português. E é verdade. Também por isso é que os Ornatos Violeta foram tão importantes para mim. Primeiro, porque demonstraram que se podia fazer bom rock e, depois, porque era em português. Para mim, ouvir uma música em português é completamente diferente. Nem sempre foi assim, mas tornou-se a partir do momento
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ESCOLHAS… CARLÃO Um livro: “Fúria”, de Salman Rushdie Um filme: “Manhattan”, de Woody Allen Uma música: “Happiness Is A Warm Gun”, dos The Beatles Um sítio: Costa alentejana.
É difícil de reter, porque há tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo… Música, cinema, tudo. A oferta é tanta que se torna difícil conseguirmos reter alguma coisa. Parece que tudo é cada vez mais descartável, de consumo rápido. Pastilha elástica. Chiclete, mastiga e deita fora, como diziam os Táxi. em que fiz o meu primeiro disco em português. A partir daí, não consegui voltar a escrever sem ser em português. Podemos dizer que foi uma das coisas que mudou no mercado português? Antigamente, fugíamos do risco de escrever e cantar em português e, agora, enfrentamos esse risco com prazer? Acho que sim. As coisas foram mudando. Primeiro, foram os anos durante os quais ficámos fechados ao exterior por causa da ditadura. Só as pessoas mais ricas é que tinham acesso a música que vinha de fora. Depois, quando nos abrimos ao mundo, foi o consumo exagerado de música estrangeira. E, naquela altura, não havia assim tantas bandas ou tantos músicos diferentes a cantar em português. Agora, acho que as coisas estão melhores, mas sempre tivemos aquele complexo de que o que vinha de fora era melhor. Isso
ENTREVISTA COM CARLÃO
tem mudado. Agora tens portugueses famosos espalhados pelo mundo. Seja pela música, pelo futebol, etc. Isto tudo contribui para que o português seja mais normal. Além disso, considero muito importante este esforço para estreitar a ligação com outros países de língua oficial portuguesa, tem permitido que o português se liberte. Em que se pensa quando a folha está em branco? Nada vale mesmo mais do que 1000 palavras? Assumo que, infelizmente, cada vez tenho menos tempo para ler. Tenho procurado obrigar-me a isso mesmo. Eu consigo viajar muito mais lendo do que vendo um filme. E adoro cinema. Mas a verdade é que, quando me embrenho num livro, consigo imaginar muito mais. Eu já disse isto algumas vezes e foi uma coisa que o meu irmão me disse: podes escrever sobre o que quiseres, desde que o faças bem. Eu acredito mesmo nisto. Tornou-se uma máxima para mim. Quase tudo à tua volta é matéria para a escrita. Se olhares à tua volta, tens imenso sobre o que escrever. Para mim, a escrita acaba por me servir como elemento terapêutico. Tenho questões minhas sobre as quais não é tão fácil falar e eu desabafo através da escrita. Há pessoas que pensam que sou um romântico, mas, na verdade, não sou. Se calhar há coisas que não digo à minha mulher tantas vezes quanto devia. E, para mim, escrever uma canção facilita esse diálogo, essa compreensão. Mas não, não há receitas, nem comprimidos mágicos. E fazer música é, cada vez mais, negar rótulos e misturar estilos? E fazê-lo em Portugal… É aceitar ou negar o risco? Para mim, esse foi sempre o caminho. Nós vivemos numa cidade que fervilha com tantas culturas diferentes. Eu sempre senti isso desde muito pequeno, começando logo na mistura de sangues que eu tenho. E, depois, isso influencia o meu caminho musical e cultural. Sempre gostei de misturar estilos. Para mim, é isso que funciona e acho que estamos numa boa altura para o fazer. Lembro-me que, na minha adolescência, era difícil alguém gostar de metal e de rap. As coisas estavam muito arrumadas. Hoje em dia, gostar de várias coisas é normal. Acho que, independentemente daquilo que faças, tens é de ser genuíno e de sentir. O último álbum chama-se “Entretenimento?” e, muitas vezes, falamos de música como entretenimento… Poderemos dizer que o entretenimento é algo bom que tornámos mau? Ou vice-versa? É tudo isso e o seu contrário. Eu acho que é algo bom, mas tudo o que seja em demasia perde interesse. Estamos a viver uma fase em que tudo é entretenimento e em que tudo é vendido como tal. Mistura-se tudo e causam-me estranheza certas coisas que vou vendo na sociedade, na política, etc. Parece que só há essa preocupação: vender tudo como entretenimento, mas no mau sentido, ou seja, como sendo pão e circo para entreter o povo. É esse lado que eu abomino. Agora, eu também faço parte desse entretenimento e entro
A grande maioria da música que consumo e que gosto de ouvir vem primeiro dessa atração pelas letras e só depois surge a melodia. As letras têm de ter substância, um tema com que me identifique ou que me choque. Gosto de palavras que despertam emoções. nesse jogo de vez em quando. Essa é uma das questões que abordo no disco novo. Aliás, este nosso palco deve ser usado para fazer pensar. As minhas letras não são nada leves. E quando meto o ponto de interrogação no álbum é exatamente por isso. Para questionar e fazer pensar. Ficou muito dos Da Weasel? Ficará para sempre? Se ficará para sempre não sei. Sei que foi uma banda que marcou muito as gerações que viveram os anos da banda. Os Da Weasel nunca tiveram anos áureos porque nunca houve um declínio. Ficou uma boa memória dos Da Weasel. Eu não me posso chatear quando as pessoas me perguntam quando voltam os Da Weasel. Percebo que é uma saudade boa. Já eu olho para os Da Weasel e para o que vivemos como uma fotografia bonita. Fico muito feliz por ter feito parte de uma banda que marcou tantas pessoas. O “Retratamento” trouxe a certeza de ter “nascido para isto, de estar tudo previsto”? Eu senti uma série de coisas. A primeira foi medo. O momento em que vi crianças a cantar a nossa música foi assustador. Os Da Weasel e eu vínhamos de um background mais pesado e que não era passível de ser cantado por crianças. Sinceramente, não soube bem lidar com essa situação. Depois acabei por perceber que era altamente. E, hoje em dia, quando tenho uma música nova, mostro logo às minhas filhas.
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ENTREVISTA A CARLÃO
Para mim, esse foi sempre o caminho. Nós vivemos numa cidade que fervilha com tantas culturas diferentes. Eu sempre senti isso desde muito pequeno, começando logo na mistura de sangues que eu tenho. E, depois, isso influencia o meu caminho musical e cultural. Sempre gostei de misturar estilos. E ainda são muitas as letras dos Da Weasel que faria sentido ouvirmos hoje? Existem coisas nas letras dos Da Weasel nas quais eu já não me revejo. É normal, os anos passam e as tuas ideias vão evoluindo. Mas continuo a rever-me em boa parte delas. Agora, gosto mais da pessoa que sou hoje e, por isso, não tenho aquela vontade de lá voltar. Eu estou fixe agora e é assim que quero estar. Foi um carrossel com bilhete só de ida e uma eterna vontade de voltar sempre a Casa? Eu tenho feito coisas tão diferentes. Mas a música é que é a casa. Depois dos Da Weasel ainda cheguei a pensar deixar de fazer música. A verdade é que continuei a fazer, a ter vários projetos e várias bandas. Isto até chegar ao primeiro disco. Não consigo deixar a música. Aos quarenta percebe-se que “damos sempre a volta a tudo”? Tentamos. Começamos a escolher melhor as nossas lutas
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e a gerir melhor o esforço. É isso que nos traz a idade. Sendo que, para mim, foi um choque chegar aos quarenta e perceber que não é de um dia para o outro que as coisas mudam e que os adultos me enganaram durante muitos anos. Enquanto criança, os adultos sempre me fizeram crer que tinham todas as respostas. Era mentira. Já que a vida são dois dias, o que gostava de fazer no terceiro? Neste momento já percebi que não vale a pena traçar planos a longo prazo. Dou por mim, de repente, a fazer coisas que julgava que nunca iria fazer. O terceiro dia vai ter sempre de passar por esta aprendizagem renovada que é estar a fazer discos com malta nova e a descobrir coisas que estavam adormecidas. Isto de estar sozinho é bom porque me permite trabalhar com muitas pessoas diferentes ao mesmo tempo e a tua música pode ir para sítios completamente distintos. Aquilo que eu vou fazer não vai sair muito da música. Podem é sair músicas muito diferentes. Eu também não sei fazer mais nada. E continuarão a ser o espelho da vida. : :
SUGESTÕES
LIVROS QUE DÃO QUE PENSAR A METAMORFOSE, Franz Kafka
Por Diana Silva Queiroz, Solicitadora e Mestre em Direito
“A Metamorfose” de Franz Kafka foi publicada pela primeira vez em 1915 e tornou-se a sua obra mais estudada e discutida. Esta pequena grande obra, com apenas cento e quinze páginas, leva-nos a refletir sobre a condição humana e a forma como nos inserimos e nos vamos adaptando à sociedade em que vivemos. Retrata ainda as dificuldades que encontramos, em nós próprios, no que diz respeito à aceitação das contradições dos relacionamentos e sentimentos, principalmente quando se ultrapassam os limites da normalidade ou quando os acontecimentos da vida nos ultrapassam de forma irremediável. Leitura fluida e envolvente que nos leva à história de um jovem exemplar que trabalha para sustentar toda a família até ao dia em que acorda de mais uma noite intranquila, metamorfoseado num inseto monstruoso, raciocinando, todavia, como humano. Esta sua alteração origina, também, uma metamorfose no seio familiar, levando à valorização do trabalho até então realizado pelo jovem Gregor. Encontramos muitas lições que nos levam a pensar acerca do quão volátil é a vida. Falamos então de uma leitura intemporal, sendo que o próprio autor, Kafka, nos parece mostrar a sua vida, com o pai, na personagem de Gregor. Leia-se ainda “A carta ao Pai”… Outro que não se esquece.
FERNÃO CAPELO GAIVOTA, Richard Bach Ver o filme ou ler o livro é um embalo ao quotidiano. A luta pela subsistência, em todas as suas vertentes, leva-nos, por vezes, a não sair do nosso próprio espaço e a contentarmo-nos com a rotina. Fernão leva-nos à concretização da vontade, à luta pela autovalorização, à possibilidade de se ser mais perfeito naquilo que mais se gosta, à liberdade, à negação das amarras que nos prendem às tradições. A vitória sobre a ignorância é a única razão de existir de Fernão. Querer aprender a voar, cada vez mais alto, cada vez mais rápido, cada vez mais além, sobrepõe-se, até, à própria necessidade de alimentação. O seu desejo de saber mais para poder ajudar aqueles que o rodeiam levou-o a abandonar tudo e a partir em direção a uma vida muito mais difícil e desconhecida. Mas com ele ia a ânsia de aprender a de não dar tréguas à luta. Foi banido e escorraçado do seu bando e o mais difícil foi suportar a tristeza da incompreensão. Todavia, não podia desistir do seu sonho, na certeza de que era capaz de o concretizar. E, à medida que mais alto e melhor voava, mais aumentava a sua ilimitada vontade de saber. Quem porfia sempre alcança! E foi na expectativa de alcançar os limites do seu sonho, acreditando nele próprio, que logrou atingir os seus objetivos, deixando testemunho de que mereceu a pena o esforço. Um bom livro para ler na praia.
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ROTEIRO GASTRONÓMICO
Su ges tõ es
Por Rosário Rebelo, Solicitadora e Agente de Execução
RESTAURANTE COOPERATIVA TERRA CHÃ “PAISAGEM E SABORES”
Especialidades da Casa: Tradição e Natureza
Entre vales e colinas verdejantes, saindo da cidade de Rio Maior, passamos pelas Salinas de Sal-gema - Aldeia de Marinhas do Sal – e, atravessando diversos lugarejos, subimos à aldeia da Chãos, uma pequena povoação inserida no maciço calcário da Serra de Aire e Candeeiros, pertencente à freguesia de Alcobertas. Subimos diretamente à aldeia, para um encontro com algum do património rural recuperado, no qual se inclui o Centro de Artes e Ofícios da Cooperativa “Terra Chã”, esta fundada em 2001, com o pressuposto de valorizar o património local, no respeito pela natureza e pela cultura. No Centro, poderemos experimentar as artes ou ofícios, tais como a tecelagem ou melaria e, com sorte, poderemos até assistir a um ou outro workshop. No entanto, se o nosso prazer for mesmo a natureza, sempre poderemos, com o apoio da “Terra Chã”, integrar uma atividade de Desporto de Natureza, seja o ciclismo TT, a escalada, o rapel, a espeleologia ou, mesmo, uma incursão pela serra, na busca da fauna e da flora. Se a fome apertar entretanto, no complexo da Cooperativa encontramos o Terra Chã “Paisagem e Sabores”, um restaurante que docemente se debruça sobre o vale, numa “vista “que se perde no horizonte. Na cozinha, em cada receita, conjugam-se os sabores e aromas da Serra dos Candeeiros, obtidos na recolha das tradições mais antigas e no uso das plantas aromáticas que a mesma serra produz. Um restaurante que prima pela simplicidade, a qual se alia à simpatia de quem nos acolhe e à beleza da paisagem que acaba por ser a melhor das decorações.
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Em cada prato, acompanhado por um bom vinho da região (recomendamos o Ninfa), conseguimos ir ao encontro dos sabores de outros tempos pelo uso dos temperos e das técnicas que já foram das nossas avós, nomeadamente os associados ao alecrim e ao tomilho. Quanto a pratos de eleição, não elegemos apenas um. Aconselhamos o cabrito no forno, a chiba à “Terra Chã”, o bacalhau assado com migas, o galo com nozes, o bacalhau RESTAURANTE à “ti’ Margarida” e, também, COOPERATIVA a “chícharada serrana”. Este TERRA CHÃ último prato é elaborado “PAISAGEM E graças à feliz recuperação de SABORES” uma leguminosa - o “chícharo”- cujo cultivo se tinha per- Largo do Centro Cultural, Chãos dido no tempo e que antes Encerra à segunda-feira Tel.: 243 405 292 | 967 224 406 integrava a alimentação dos | 968 889 287 | 969 576 907 habitantes da Serra. Como geral@cooperativaterracha.pt sobremesa, aconselhamos os www.cooperativaterracha.pt pastéis de chícharo e a tarte de chícharo. No fim desta aventura serrana, surge o regresso a casa, com muito cansaço e alguma saudade. Sentimentos que podem ser colmatados levando connosco alguns produtos regionais, tais como o mel, o queijo, chícharos, uma peça de tecelagem ou um sal relaxante. Partiremos então sempre com vontade de regressar. : :
Por Dília Sousa, Colaboradora da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução no Projeto “Gestão de Projetos”
RESTAURANTE “ANTÓNIO PADEIRO”
Décadas e delícias à mesa
O seu fundador foi jogador de futebol durante o dia e padeiro à noite. “António Padeiro” abriu como uma tasquinha há 80 anos e, hoje, é referência na tradição da cozinha de conforto em Alcobaça que, com as suas iguarias, nos faz recordar as comidas dos nossos avós. O restaurante situa-se numa das ruelas em frente ao imponente Mosteiro de Alcobaça. Ao entrarmos no espaço, parece que invadimos a casa de alguém. Poderão chamar-lhe decoração vintage… Eu acho que os donos resolveram partilhar um bocadinho das suas memórias. Tarecos, televisões antigas, quadros com fundos de chita, fotografias a preto e branco… Enfim, entramos num museu sem ser preciso pagar entrada. Nas mesas, a estética pitoresca impera, as bases floridas e as travessas originais feitas com talheres moldados são um regalo. Tem capacidade para acolher cerca de 120 pessoas, espalhadas por várias salas e esplanada. No entanto, aconselho a reserva. Assim não terá surpresas. Comecemos pelas entradas: Quando o funcionário traz o tabuleiro com as entradas, devia haver uma câmara para filmar as caras de agrado dos clientes: tem enchidos, queijos, doces, azeitonas, patês, vários tipos de pão, ovos com farinheira, cogumelos com linguiça e manteigas aromatizadas. Uma delícia! Os peixes: O bacalhau apresenta-se transformado em pastéis ou pataniscas com arroz de tomate malandro, no forno com cobertura de migas de broa e farinheira (para 2 pessoas) e à portuguesa. O robalo pode escolhê-lo em rissóis ou no forno. Já se lhe apetecer polvo, o meu preferido, poderá optar entre o panado com açorda de tomate ou no forno com batata-doce. Quanto às carnes, a decisão não é fácil:
Opte entre o naco de novilho, a posta ou os lombinhos com manteiga de salsa e alho. Se quiser conhecer as tradições, escolha o frango ou a perdiz na púcara (são mesmo cozinhados nesse recipiente de barro, a púcara). Tem ainda os croquetes de alheira de caça com arroz de tomate malandro ou os lombinhos de porco preto enrolados em bacon, com puré de maçã. Para acompanhar tem uma selecionada lista de vinhos que já foi distinguida e premiada no “Concurso nacional de carta de vinhos”. Por fim, se ainda tiver espaço, as magistrais sobremesas de fazer crescer água na boca… Preparem-se para o deleite dos doces conventuais e não só! Todos elaborados sob a égide RESTAURANTE da avó Júlia. Mais uma vez, é “ANTÓNIO o tabuleiro recheado de doçaPADEIRO” ria que faz com que os nossos sentidos fiquem alerta! Trou- Rua Doutor Maur Cocheril, 27 xas de Alcobaça, sopa doura- Alcobaça da, barrigas de freira, fidalgos, Aberto todos os dias, das doce do paraíso, pecado do 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 22h00 céu, ovos reais, bolo cremoso Tel. 262 582 295 de chocolate, pudim veludo… Acompanhados pelo típico licor de ginja. Estes são também os doces que se apresentam na Mostra Internacional de Doces & Licores Conventuais, a qual ocorre anualmente no Mosteiro de Alcobaça, num dos fins-de-semana de novembro. Tudo isto a um valor médio, por pessoa, de 20 euros. No fim do banquete, aproveite e faça uma caminhada pelas ruas da cidade. Para além do evidente Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça (Património da Humanidade), visite o Jardim do Amor, os Paços do Concelho e o Museu do Vinho ou o Museu Raul da Bernarda. Satisfaça o estômago… E a alma.
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VIAGENS
Por Fernando Castelo, Solicitador e Agente de Execução
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etúbal, cidade portuguesa situada entre Lisboa e o Alentejo, onde a natureza, a serra e o mar se fundem em plena harmonia. Assim se poderá tentar resumir o que a torna tão especial. A cidade, que é conhecida pela sua atividade industrial, portuária e piscatória, é hoje destino de inúmeros turistas, vindos de várias partes do globo, mas, também, destino de fim-de-semana dos habitantes das cidades limítrofes, que aqui se deslocam para almoçar, num dos inúmeros restaurantes situados à beira rio, onde é possível comer o famoso choco frito, peixe ou marisco pescados no rio Sado. E há muito para fazer, conhecer e saborear. Esta cidade portuguesa encontra-se hoje preparada para bem receber quem a visita, sendo possível realizar passeios turísticos para observação de golfinhos no Estuário do Sado, degustação de produtos regionais, estudo de aves na Herdade da Mourisca, podendo ainda visitar o Moinho de Maré da Mourisca e terminar o dia vendo o pôr do sol na pousada de S. Filipe, ao som de um brinde com Moscatel de Setúbal. Na Casa da Cultura encontrará exposições temporárias e permanentes de vários artistas plásticos, poderá comprar produtos regionais ou obter informações turísticas mais detalhadas sobre a cidade. Por isso, a partir daqui muitas outras opções surgirão para dar continuidade ao passeio. Partindo da Praça do Bocage, onde se situam os Paços do Concelho, poderá visitar a Igreja de São Julião, fundada no século XIII, ou, relativamente perto, o Convento de Jesus, de estilo gótico, considerado, também, um dos primeiros exemplos do estilo manuelino. Passe também pelo Mercado do Livramento, um edifício art déco, cheio de vida e considerado pelo jornal USA Today como um dos melhores do mundo. Passeie pela Avenida Luísa Todi e, depois da caminhada pela cidade, pare para relaxar no Jardim do Bonfim. Rumando à Serra da Arrábida, por lá poderá desfrutar das belíssimas praias classificadas com bandeira azul (e são tantas e tão bonitas as praias que pode encontrar por aqui), visitar pequenas capelas acessíveis através de caminhos pedonais e Moinhos, onde poderá, inclusive, pernoitar e acordar com uma vista deslumbrante. Setúbal, que mantém a genuinidade das suas gentes residentes nos bairros típicos, é hoje também uma cidade que se moderniza, que recebe o mundo e que aproveita a generosidade que a natureza lhe oferece, proporcionando-a a quem a visita. : :
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SETÚBAL DE MÃOS DADAS COM A NATUREZA
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VIAGENS
TORONTO: A CIDADE DOS IMIGRANTES
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costada na margem noroeste do lago Ontário, voltada para os Estados Unidos da América, encontramos Toronto, a maior cidade do Canadá e o seu centro comercial e financeiro. Aí habitam cerca de três milhões de habitantes, número que duplica quando olhamos para a sua área metropolitana, tornando-a a quarta cidade mais populosa da América do Norte, ficando apenas atrás das megametrópoles Cidade do México, Nova Iorque e Los Angeles. O que impressiona em Toronto não é, todavia, o seu tamanho, mas sim a sua multiculturalidade. Toronto é a capital mundial da imigração, com a maioria da sua população formada por imigrantes de primeira ou de segunda geração. E isso testemunha-se em cada rua, em cada quarteirão, em cada bairro. Visitar esta cidade é, pois, entrar num caldeirão de culturas, em que se misturam uma infinidade de gentes e de etnias. Ao contrário dos seus vizinhos do sul, não são, porém, os latino-americanos ou os afrodescendentes que aqui predominam. Nas ruas desta metrópole americana sente-se mais a presença dos asiáticos e dos europeus, como os chineses, os indianos, os italianos e… os portugueses. E a cidade abraça os imigrantes de forma, aparentemente, calorosa, celebrando-os ao nomear diversos bairros e outros recantos com referências às etnias mais presentes: Chinatown, Little Italy, Little Portugal, entre tantas outras. Se não é amante do frio, evite o inverno de Toronto que, sendo menos duro do que noutras paragens mais a norte, pode, ainda assim, tornar muito pouco satisfatória a experiência de um mediterrânico. Já o verão é, em regra, bastante agradável, permitindo visitar a cidade a pé e de transportes públicos, em especial de metro, que vai quase a todo o lado. E é dessa forma, vagueando pelas ruas, que poderá constatar que a natureza mesclada de Toronto ressalta também dos seus edifícios. O centro jovem e vibrante, marcado por arranha-céus imponentes e uma arquitetura arrojada, tem paredes-meias com bairros residenciais tranquilos e de baixa estatura, onde é possível encontrar um avozinho a cuidar do jardim. Um passeio por Toronto pode começar pelo edifício mais emblemático desta cidade: a CN Tower. Com 553 metros de altura, esta torre dos anos 70 foi durante mais
Por Luís Goes Pinheiro, Jurista
de três décadas a estrutura mais alta do mundo. Não deixe de subir ao observatório Skypod, que lhe proporciona uma vista de falcão sobre o Ontário e os Estados Unidos, a mais de 447 metros de altura ou, se for mesmo corajoso, de se aventurar na Edgewalk, uma caminhada ao ar livre, preso por um arnês a mais de 350 metros de altitude sobre o teto do The Restaurant 360, o restaurante que dá uma rotação completa a cada 72 minutos, proporcionando a combinação perfeita entre comida de luxo e vistas de sonho. Se a carteira não permitir jantar na CN Tower, aproveite para comer num dos muitos restaurantes de Toronto, onde a cozinha étnica e de fusão é a imagem de marca, podendo até, se as saudades apertarem, saborear um frango de churrasco servido com sotaque micaelense. Em Toronto é obrigatória a romaria ao Distillery District onde os bares, as lojas, os restaurantes e as galerias de arte são garantia de um bocado bem passado. Igualmente famoso é o mercado de St. Lawrence, no centro da cidade, onde mais de 100 bancas vendem todo o tipo de alimentos das mais diversas proveniências. Se tiver tempo, apanhe um táxi aquático ou um ferryboat e dê um pulinho às ilhas de Toronto onde pode ir à praia ou fazer um piquenique com vista sobre o porto da cidade. Se gosta de água, não perca a oportunidade de riscar da sua lista de “must dos” as Cataratas do Niágara, que ficam a pouco mais de 100 km de distância, na fronteira com os Estados Unidos. Este conjunto de quedas de água oferece um espetáculo único, em especial as Horseshoe Falls (em forma de ferradura), que atiram água de uma altura de 57 metros ao longo de uns impressionantes 670 metros de extensão. A melhor visão é, sem dúvida, a partir de baixo, num barco, que na base da catarata oferece tudo, do barulho ensurdecedor ao “duche” inevitável. Esta demonstração da força dos elementos só não é mais avassaladora porque em torno das cascatas foram sendo construídos restaurantes de fast food, lojas de souvenirs e salões de jogos, que tornaram o espaço num autêntico parque de diversões, contaminando as quedas de água que naquele contexto parecem mais uma obra humana do que uma prenda da mãe natureza. Uma coisa é certa: numa cidade habituada como poucas a lidar com gentes de todo o lado, é impossível não se sentir em casa. Vá a Toronto. : :
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