EDIÇÃO N.º 25 \ QUADRIMESTRAL \ FEVEREIRO – MAIO 2019 \ €2,50
À CONVERSA COM
NUNO ATAÍDE DAS NEVES Presidente do Tribunal da Relação do Porto REPORTAGEM
150 ANOS DE CALOUSTE GULBENKIAN OSAE
2018 O ANO EM REVISTA
ENTREVISTA COM
FRANCISCO MIRANDA RODRIGUES Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses
FICHA TÉCNICA
Sollicitare
ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
Diretor José Carlos Resende Editor Rui Miguel Simão Redatores principais André Silva, Andreia Amaral, Joana Gonçalves Colaboram nesta edição: Ana Paula Gomes da Costa, Anabela Veloso, António Sousa Menezes, Carla Franco Pereira, Cláudia Cunha, Diana Andrade, Duarte Pinto, Edgar Silva, Edite Gaspar, Inês Caeiros, João Aleixo Cândido, Leandro Siopa, Luís Goes Pinheiro, Marcelo Ferreira, Maria de Lurdes Faber, Maria do Céu Moreira, Mário Couto, Samuel Sousa Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf, Artes Gráficas, SA Rua do Galhano, n.º 15 4480-089 Vila do Conde Tiragem: 7 900 Exemplares Periodicidade: Quadrimestral ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes. Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.
EDIÇÃO N.º 25 \ FEVEREIRO – MAIO 2019
REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
BASTONÁRIO José Carlos Resende ASSEMBLEIA GERAL PRESIDENTE: Armando Oliveira (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Paulo Branco (Braga) 2ª SECRETÁRIA: Ana Filipa da Silva (Seixal) CONSELHO GERAL PRESIDENTE: José Carlos Resende (Viana do Castelo) 1º VICE-PRESIDENTE: Paulo Teixeira (Matosinhos) 2º VICE-PRESIDENTE: Armando A. Oliveira (Braga) 3ª VICE-PRESIDENTE: Edite Gaspar (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Rui Miguel Simão (Lisboa) 2ª SECRETÁRIA: Rute Baptista Pato (Benavente) TESOUREIRA: Vanda Santos Nunes (Barreiro) VOGAIS: João Coutinho (Figueira da Foz), Carla Franco Pereira (Évora) Ana Paula Gomes da Costa (Sintra), Maria José Almeida Ricardo (Lisboa) Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz) CONSELHO SUPERIOR PRESIDENTE: Carlos de Matos (Lisboa) VICE-PRESIDENTE: Mário Couto (Vila Nova de Gaia) SECRETÁRIA: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria) VOGAIS: Otília Ferreira (Lamego), José Guilherme Pinto (Maia), Neusa Silva (Viseu) Valter Jorge Rodrigues (Moita), Margarida Carvalho (Lisboa), Alberto Braz (Coimbra) Susana Pinto (Felgueiras), Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira) CONSELHO FISCAL PRESIDENTE: Miguel Ângelo Costa (Barcelos) SECRETÁRIO: João Francisco Lameiro Pinto (Sesimbra) VOGAL: Mazars & Associados, Sroc, S.A. CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES PRESIDENTE: Júlio Santos (Silves) VICE-PRESIDENTE: Fernando Rodrigues (Matosinhos) VOGAIS: Marco Antunes (Vagos), Lénia Conde S. Alves (Leiria), Christian Pedrosa (Almada) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO PRESIDENTE: Jacinto Neto (Loures) VICE-PRESIDENTE: Mara Fernandes (Lisboa) VOGAIS: Marco Santos (Trofa), Susana Rocha (Matosinhos) Nelson Santos (Marinha Grande) CONSELHO REGIONAL DO PORTO PRESIDENTE: Duarte Pinto (Porto) SECRETÁRIA: Alexandra Ferreira (Porto) VOGAIS: Elizabete Pinto (Porto), Nuno Manuel de Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira) Delfim Costa (Barcelos) CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA PRESIDENTE: Anabela Veloso (Santa Comba Dão) SECRETÁRIO: Leandro Siopa (Pombal) VOGAIS: Edna Nabais (Castelo Branco), Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede) Graça Isabel Carreira (Alcobaça) CONSELHO REGIONAL DE LISBOA PRESIDENTE: João Aleixo Cândido (Seixal) SECRETÁRIO: António Correia Novo (Portalegre) VOGAIS: Natércia Reigada (Lagos), Maria José Santos (Silves) Carlos Botelho (Almada) Estatuto editorial disponível em: http://osae.pt/pt/pag/osae/estatutos-editoriais/1/1/1/361
EDITORIAL
José Carlos Resende Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
O
nosso destaque neste número vai para a conferência que promovemos relativa à linguagem da Justiça e o cidadão. Conforme resulta da respetiva reportagem, esta iniciativa foi enriquecida por intervenções brilhantes que merecem profunda reflexão. Quando se fala da linguagem da Justiça, destacam-se vários aspetos: a linguagem da legislação; a linguagem das sentenças e das decisões judiciais; a linguagem entre juristas e a linguagem dos documentos da Justiça para os cidadãos. Nesta conferência, o deputado Pedro Delgado Alves deu nota das dificuldades do legislador face à participação de variadíssimas entidades que representam múltiplos e diferenciados interesses, forçando a uma redação legislativa exageradamente complexa. O juiz conselheiro Mouraz Lopes ressaltou a diversidade de formatos nas sentenças, seja nos aspetos formais, seja na sua forma estrutural. A estas acrescem os vícios de reprodução de longas citações e inclusão de diversas notas de rodapé que dificultam enormemente a compreensão dos motivos principais de decisão às pessoas que não dominam a linguagem jurídica. Elizabeth Fernandez, advogada e professora da Escola de Direito da Universidade do Minho, foi exímia ao demonstrar os problemas que se colocam aos cidadãos, mesmo com algum nível de literacia, para que entendam as notificações judiciais. Já o reitor da Universidade Europeia, Pedro Barbas Homem, colocou a tónica na perspetiva da padronização da linguagem, alertando para o desenvolvimento desta problemática através do uso das novas ferramentas informáticas que irão conduzir a visões radicalmente diferentes. Luís Goes Pinheiro, Secretário de Estado Adjunto e da Modernização Administrativa, deu boa nota do que tem
feito o governo através dos chamados projetos Simplex e a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro, sintetizou os projetos do Ministério da Justiça na área da simplificação da linguagem. Como é evidente quando se fala desta temática, urge clarificar que os juristas devem dominar a sua linguagem técnica e saber ser os “tradutores” desta para os cidadãos. É comum discutir-se se o Estado deve ensinar ao cidadão a linguagem jurídica ou se o cidadão deve aceitar que precisa sempre do “tradutor”. Há juristas que consideram que a sua sobrevivência depende do exclusivo domínio da linguagem e há quem entenda que, com melhor conhecimento dos direitos e dos deveres, o cidadão será capaz de recorrer melhor e mais vezes à Justiça. O Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Francisco Miranda Rodrigues, foi um dos intervenientes naquela conferência. Na entrevista que nos concede, apresenta-nos uma perspetiva interessantíssima sobre a necessidade da multidisciplinaridade no mundo judicial. Mais: aborda a questão premente da violência de género, que nos deve preocupar a todos e que será tema de próximas iniciativas da OSAE. Nesta edição da Sollicitare, destaque ainda para as entrevistas a Nuno Ataíde das Neves, Presidente do Tribunal da Relação do Porto, e a Pedro Romano Martinez, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Este número da nossa revista é, também, rico em viagens. Fomos conhecer a história e o património de Calouste Gulbenkian no ano em que se comemoram os 150 anos do seu nascimento. Visitámos a fábrica dos chocolates Arcádia, marca indissociável da qualidade chocolateira em Portugal. Demos vida à criança que há em nós na Science4you. E, no Algarve, partimos à descoberta de uma plantação de cânhamo. Precisa de mais motivos para nos ler? : :
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Sollicitareíndex Labor N.25 \ FEVEREIRO – MAIO 2019
FRANCISCO MIRANDA RODRIGUES
Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses
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Entrevista
CÂNHAMO
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Semeando a Discórdia Reportagem
NUNO ATAÍDE DAS NEVES
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Presidente do Tribunal da Relação do Porto Entrevista
2018: UM ANO DE TRABALHO LAUREADO
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Reportagem / OSAE
Fotografia capa: Cláudia Teixeira
EDITORIAL PROFISSÃO Plataforma viagem de menores: segurança e autenticidade reforçadas Solicitador, um aliado na Modernização Administrativa Direitos da maternidade Direitos da paternidade Documentos particulares autenticados. Que rumo? A tecnologia ao seu dispor Solicitadores Ilustres: Manuel Henriques da Silva OSAE Linguagem da Justiça analisada na sede da OSAE 2018. O ano dos Conselhos Regionais: Porto: na senda da descentralização Coimbra: sob a chancela da proximidade Lisboa: ano de aprendizagem e consolidação
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11 18 26 27 35 68 74
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Improbus Omnia Vincit Labor Improbus Omnia Vincit
CALOUSTE GULBENKIAN
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150 Anos
Reportagem
ARCÁDIA
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A Arte do Chocolate Reportagem
SCIENCE4YOU
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Aprender a Brincar Reportagem
VANESSA OLIVEIRA
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Apresentadora Cultura
IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução: Atualidade da Justiça e das profissões analisada com os associados de Coimbra e Leiria Associados de Porto e Aveiro debatem futuro Justiça eletrónica em debate na OSAE O Regulamento Disciplinar da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução SOCIEDADE Populismo
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ORDENS O Revisor Oficial de Contas (ROC) e a Auditoria: Uma abordagem da sua intervenção no contexto da Justiça e do investimento e inovação
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O IFBM EXPLICA... Sabia que o Solicitador pode promover a constituição de Sociedades Comerciais, ajudando-o em todo o processo?
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ENSINO SUPERIOR Entrevista com Pedro Romano Martinez Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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SUGESTÕES Livros Jurídicos Leituras
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ROTEIRO GASTRONÓMICO Restaurante "Quinta do Moinho" Restaurante "Amigos da Velha Caroca"
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VIAGENS Sintra. O destino mais romântico de Portugal Tailândia. Um sonho que passou a ser meu
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ENTREVISTA
“O maior condicionante é a ignorância”
FRANCISCO MIRANDA RODRIGUES B ASTONÁRIO DA ORDEM D OS PSICÓLOGOS PORT U GU E SE S O comportamento fascina-o e as pessoas apaixonam-no. Sempre quis perceber o como e o porquê, mas também ajudar… a crescer, a evoluir, a ser mais, melhor e feliz. Por isso, a sua vida tem-na dedicado à Psicologia. A mediação, a resolução de conflitos e as competências de comunicação são apenas algumas das especialidades do autor do projeto de desenvolvimento de competências “Atitude Positiva”. E, em momentos em que nem sempre conseguimos tirar lógica de tudo, dela precisamos todos um pouco, nem que seja para continuar a acreditar. Foi com ela, com a atitude positiva, e com a simpatia de quem sabe deixar-nos à vontade com um sorriso no olhar, que o Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) nos acolheu para, mais do que uma entrevista, uma conversa sobre o acreditar. Na fronteira entre a proximidade de temas que nos tocam a todos e a sensibilidade das questões do comportamento, Francisco Miranda Rodrigues defendeu que a Psicologia e a Justiça sempre andaram de mãos dadas, mas talvez este seja o momento de se abraçarem pelo bem comum. Entrevista Andreia Amaral / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
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Como se relaciona a Psicologia com a Justiça? Se considerarmos a Psicologia não enquanto ciência, mas sob o ponto de vista da atenção dedicada à forma como as pessoas se comportam e às tentativas de perceber e atuar sobre os comportamentos, os laços são ancestrais e existem desde a Grécia Antiga. No entanto, enquanto atividade profissional, a Psicologia articula-se com a Justiça há pouco tempo, porque é uma profissão recente. Esta articulação é crescente e acompanha a evolução da profissão. Em Portugal, a história da profissão está muito ligada à Democracia. Só a seguir ao 25 de Abril é que se criam condições para que a profissão passe a ter expressão e, só depois dessa data, é que surgem os primeiros cursos no Ensino Superior Público. Hoje, a Psicologia tem cada vez mais procura ao nível forense, particularmente pelos tribunais e pelos organismos do Ministério da Justiça que trabalham, por exemplo, ao nível da reinserção, das avaliações e das perícias. Se quisermos olhar para a Justiça de forma menos restritiva e passarmos para uma área mais ampla do comportamento desviante, que não necessariamente com ilícitos criminais, mas com aquilo que até pode levar a ilícitos criminais, há também uma relação mais próxima e cada vez mais cruzada. Isso tem estado muito patente nos últimos tempos, naquilo que tem sido a presença crescente em número dos psicólogos nesses organismos, como seja no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, nos serviços prisionais, nas equipas de reinserção social, nos centros educativos, nas instituições de acolhimento para crianças e jovens ou no trabalho ao nível das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens. Se juntarmos tudo isto, falamos de mais de um milhar de psicólogos que trabalham nesta área. De resto, temos uma especialidade avançada em Psicologia da Justiça, com perto de 500 especialistas.
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No que diz respeito à interação com os tribunais propriamente dita, que trabalho é realizado pelos psicólogos? Os psicólogos são muitas vezes chamados para prestar depoimentos na sequência de relatórios de avaliação / pareceres elaborados, sobretudo em processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais. São os casos mais representativos, embora não os únicos. Isto porque é cada vez mais comum que o tribunal peça avaliações de psicólogos quando pretende analisar as situações e os seus impactos do ponto de vista da dimensão psicológica. É também cada vez mais comum que as partes num conflito peçam igualmente avaliações, o que traz alguma complexidade ao exercício da profissão. É uma questão de coerência? Estamos a falar da criação de um protocolo que todos os profissionais sigam? Também. Talvez seja uma área onde se requeira mais que as boas práticas estejam muito claras, embora ache que seja difícil podermos dizer que na Justiça é mais necessário do que nas outras áreas. A questão é que, no tipo de sistema em que os psicólogos estão inseridos ou em contacto quando se trata da Justiça, as consequências que derivam das práticas são muito imediatas e isso exige um cuidado redobrado. Temos apostado em dotar os psicólogos de um maior conhecimento de boas práticas, nomeadamente através de linhas de orientação para a atividade. Já publicámos as linhas para o trabalho ao nível da proteção de crianças e jovens em risco e temos um trabalho no que concerne à violência de género que há-de ir para consulta pública muito em breve. Há um maior número de ações dentro da área da Justiça, porque há uma preocupação maior relativamente à litigância e ao mediatismo em que muitas destas situações acabam por incorrer. Isso exige muito mais atenção e exige mais instrumentos por parte dos profissionais.
ENTREVISTA COM FRANCISCO MIRANDA RODRIGUES
Há um maior número de ações dentro da área da Justiça, porque há uma preocupação maior relativamente à litigância e ao mediatismo em que muitas destas situações acabam por incorrer.
Foi a complexidade própria do sistema que motivou a criação da especialização em Psicologia da Justiça? A razão deriva muito mais de uma necessidade cada vez maior de o profissional se sentir competente para o exercício da profissão numa determinada área. Quando se procura um psicólogo, como quando se procura um solicitador, quer-se que ele seja um profissional excelente e não apenas razoável. Face ao volume de investigação e, portanto, de informação nova que surge, há uma tendência de especialização, por oposição ao fazer-se um pouco de tudo. Esta necessidade é particularmente evidente quando entramos em áreas onde há uma maior exposição, onde o erro e o contraditório sobre as práticas está muito presente, sobretudo tendo em conta que há muito na nossa atuação que não é a preto e branco. Uma coisa é dizermos o que é uma boa prática, outra é dizermos que as coisas são taxativamente de uma forma. Isto é que faz com que cada vez mais seja necessária uma especialização. Acha que é fácil perceber a linguagem da Justiça? Não. Mas também acho que não é fácil perceber a linguagem de muitas outras disciplinas, pelo que este não é um problema apenas da Justiça. Trata-se de adequar as linguagens, dentro do rigor necessário, ao público a que se destinam. A Justiça, mais uma vez, por aquelas que são as consequências, que tocam todos os cidadãos, e porque o desconhecimento da lei não justifica o seu não cumprimento, tem as suas especificidades nas preocupações que nos pode dar se a sua linguagem não estiver descomplicada até determinado ponto. Percebe-se que nem tudo pode ser simplificado, mas há muito que pode. Pensar que, se simplificarmos demasiado, os outros ficam a saber o mesmo que nós é uma falácia absoluta, porque, pelo contrário, é necessário saber-se muito para simplificar
a linguagem bem e com rigor. Estamos a falar da tradução necessária para que haja um reflexo daquilo que é o trabalho dos técnicos nos cidadãos e também para que os cidadãos possam tomar decisões livremente na articulação que têm com esses mesmos técnicos sem estarem completamente dependentes deles de uma forma acrítica. Na tomada de decisão, o que é desejável é que haja um consentimento informado, o que exige passar informação de modo a que o cliente, o cidadão, a perceba. Trata-se de ajudar a que haja mais literacia dos cidadãos nas diversas áreas. Até porque isso é fundamental para que eles exerçam em pleno a sua cidadania… Eu diria que talvez esse seja um obstáculo claro ao exercício da cidadania. A literacia é fundamental e é importante dizer que literacia não é passar informação, é fazer perceber. Exige, muitas vezes, um trabalho de acompanhamento para ajudar a que o cidadão perceba. Ora, quem faz esse acompanhamento? São os profissionais, que têm o conhecimento para poder fazer isso. Portanto, os profissionais continuam a ser indispensáveis, precisamente para ajudar os cidadãos a perceber. Até porque, quando nos toca na vida o que quer que seja de verdadeiramente importante, é natural que nos sintamos inseguros e que necessitemos de recorrer à ajuda de um profissional, que, confortavelmente, não sendo o problema com ele e tendo o conhecimento técnico, vai ajudar nessa análise e na resolução da situação. De que forma pode a Psicologia apoiar a simplificação da linguagem da Justiça? Nós conhecemos como é que as pessoas se comportam, porquê, como pensam, como funcionam do ponto de vista de expressão emocional, como são os mecanismos de tomada
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ENTREVISTA COM FRANCISCO MIRANDA RODRIGUES
de decisão… E cada vez sabemos mais sobre tudo isto. Se as leis e regulamentos o que pretendem é ajudar a regular comportamentos, não entendo como é que, para se construir uma boa regulação de comportamentos, não se vai perceber primeiro como é que eles funcionam efetivamente. Felizmente já existem exemplos disso, mas não é estratégico. Deveria haver sempre uma auscultação? Deveria ser sistemático. É bom que se entenda que isso não significa colocar uma espécie de chancela da Psicologia a dizer o que está bem ou o que está mal. Isso, aliás, é contrário a todos os princípios deontológicos da profissão, muito baseada na lógica de autonomização das pessoas. A questão é muito mais de se é do benefício público e se nós temos conhecimentos que ajudem a desenhar melhores leis. E temos e ainda não são aproveitados. Seria do benefício de todos que fosse sistemático, sendo que a palavra final é do poder político e, portanto, é dos cidadãos que elegem aqueles que nos representam no poder político. Mas é uma última palavra mais informada, com base naquela que é a evidência científica disponível. O objetivo não é condicionar, mas sim criar-se menos condicionantes, porque o maior condicionante é a ignorância. Na prática, como se concretiza esse contributo? Com propostas claras e até com testes e projetos-piloto baseados no que denominamos de ‘randomized controlled trials’, com amostras aleatórias e grupos de controlo que permitissem desenhar diferentes soluções. No fundo, trata-se de fazer um desenho da lei a partir do conhecimento existente e de fazer a avaliação num grupo, cuja dimensão é alargada à medida do progresso e por comparação ao que chamamos o grupo de controlo, para verificar se o resultado terá sido obtido pelas intervenções ou se simplesmente aquilo aconteceria por razão de outras variáveis. No caso da Justiça, nomeadamente do desenho das leis, do desenho de formulários, de procedimentos, há já experiências reais com este tipo de metodologia que evidenciam as vantagens deste trabalho. Em alguns países, já começa a ter o seu peso, com um benefício grande para os cidadãos. Um trabalho preventivo começa no desenho das políticas públicas, no desenho das leis. E o custo de efetividade daquilo que se faça a esse nível é muitíssimo maior do que se fizermos intervenções individuais para todos aqueles que dela necessitam. Poder-se-ia dizer que atualmente também não se investe muito em intervenções individuais, mas a verdade é que depois investe-se de outra forma, com custos superiores no sistema que poderiam ser evitados. A construção das regras da legislação e dos documentos também tem o seu impacto. E tem-no em todas as áreas. Se é verdade que o que está escrito nas notificações, e a forma como está escrito, tem impacto junto das pessoas visadas, também é verdade que uma notificação que não seja bem entendida pode originar muitos problemas para o agente de execução. Portanto, a compreensão é um facilitador para ambos.
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O mediatismo dos casos relacionados com a Justiça, que referiu há pouco, e o impacto de algumas notícias mais negativas, podem descredibilizar a crença dos cidadãos na Justiça? Sempre que temos narrativas sucessivas que apontam para falhas – e não estou a dizer que os erros sejam sucessivos face ao número de decisões, mas as narrativas são sucessivas – estas têm um forte efeito na perceção dos cidadãos. Obviamente que as decisões têm impacto, sobretudo nas pessoas que estão envolvidas, mas, aqui, a questão que mais impacto tem para a imagem não são as decisões em si, mas sim as narrativas que são colocadas na opinião pública, a sua frequência e intensidade. Ou seja, é a perceção que se cria e não propriamente os factos. E a vinculação à narrativa é geralmente feita de forma emocional e não racional, pelo que muito mais facilmente agarram as pessoas, fazem com que elas se sintam parte e partilhem. Isto não tem que ver com o que acontece ou não, mas sim se nós olhamos ou não para lá e com que filtro olhamos, sendo que a utilização desse filtro relaciona-se com o tipo de narrativa que é colocado a circular. É muito importante olhar para que narrativas são colocadas a circular. Teremos que ser cada vez mais capazes, quando estamos a gerir o interesse público, de colocar a circular narrativas assentes em factos, que, por serem reais, são preventivas face à existência de outras narrativas. O que significa isto? No caso da Justiça, é bom que também se saiba das outras decisões e, nos limites da legalidade da publicidade que pode ser dada às decisões, que se conheçam os números dessas “boas” decisões. Seria importante conhecer a realidade da formação dos magistrados nestas dimensões não tão puramente jurídicas, mas na fronteira com outras áreas, que tem tido cada vez mais importância. Ainda recentemente, a OPP assinou um protocolo com o Conselho Superior de Magistratura, que demonstrou interesse em vir a ter mais contributos dos psicólogos do ponto de vista formativo e, até, do coaching e da prevenção dos riscos psicossociais dos magistrados. São áreas de interesse recente, que devem ser notícia. Senão, estamos a alimentar sempre o mesmo. E que impactos pode isso ter nas vítimas e no agressor? Isso é muito pertinente, porque, na verdade, sabe-se que a forma como a comunicação social divulga, por exemplo, as coisas na área da violência de género tem impacto nos números da violência de género. Não se trata de não noticiar, mas da forma como, às vezes, são transmitidas as notícias. Por exemplo, designar um crime relacionado com a violência de género como um crime passional, um crime cometido por amor, é um péssimo serviço público e é um disparate. Exige-se cuidado na forma como estas coisas são ditas. Porque as pessoas não matam por amor. Uma coisa é se a pessoa ama ou não a outra, outra coisa é a razão pela qual a pessoa mata ou agride física ou psicologicamente. A passagem da mensagem assim muitas vezes passa uma ideia como que legitimando o ato. Isso é um exemplo de que tem que haver
Designar um crime relacionado com a violência de género como um crime passional, um crime cometido por amor, é um péssimo serviço público e é um disparate. Exige-se cuidado na forma como estas coisas são ditas.
muito cuidado na forma como se passa a informação. Há uma relação entre as coisas. Isto também não significa dizer que a causa do aumento que nós percecionamos da violência de género é a comunicação social estar a divulgá-lo. Nada disso. Primeiro, nós não sabemos se realmente há um aumento ou não. O que nós sabemos é que há um aumento do que é visível, para o qual contribui a comunicação social e uma maior consciência de todos, a começar nas forças de segurança, mas da sociedade no seu todo, que está menos tolerante a certo tipo de comportamento. Portanto, torna-se mais visível, há mais relato, há mais referência da sua existência, o que não quer dizer que antes não existisse. Agora, a forma como é dada visibilidade a algumas destas situações pode originar outras. Daí a necessidade de cuidado na forma como estes assuntos são abordados pela comunicação social. Uma narrativa de impunidade pode levar ao silêncio da vítima e galvanizar o agressor com a ideia de não haver consequências? Sim, claro. A segurança de que a sua ação tem uma consequência e de que está protegida é uma questão essencial. Se
não se conseguir evidenciar isso à sociedade, é natural que as pessoas que compõem essa sociedade desconfiem e hesitem. Para além de dar garantias reais, é importante que a informação sobre a sua existência circule e esteja muito presente na sociedade. Não nos podemos esquecer de que quem é vítima de violência de género, muitas vezes, está numa situação frágil em que a sua capacidade de decisão e de ação está comprometida. Por isso é que em Portugal este passou a ser crime público, podendo qualquer pessoa que tenha conhecimento dele denunciar a situação, para que o ministério público possa intervir, independentemente de a vítima considerar que há razão para essa intervenção. É difícil fazer entender a vítima que o é e que aceite isso? Não há nada nestas áreas que se possa dizer que seja fácil. Estamos a falar da vida das pessoas, de situações muito difíceis e que causam muito sofrimento, que desestruturam os seus projetos de vida, que põem em causa aquele que pensaram que iria ser o seu percurso. Muitas vezes, o que está em causa não é apenas uma coisa só e muito concreta. Aquilo que já é muito violento, como sendo a agressão em si, tem depois uma outra agressão implícita, que é a da destruição daquilo que era um modo de vida, o entendimento sobre aquela relação ou o investimento que foi feito.
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ENTREVISTA COM FRANCISCO MIRANDA RODRIGUES
O agressor vê-se como um criminoso ou considera que há legitimidade no seu ato? Não há uma regra. Há quem tenha consciência e há quem não tenha. Muitas vezes, nem o agressor nem a vítima têm a consciência de que aquilo é violência. Às vezes, há um quadro concetual enraizado na mente das pessoas em que, por exemplo, a violência é só bater em alguém. Se virmos isto desta forma, há muita coisa que fica de fora. A literacia nesta área é importante para que as pessoas compreendam o que é a violência de género. Essa é uma das coisas que é preventiva, em que os psicólogos podem ajudar. Se os cidadãos tiverem mais literacia nesta área, perceberão melhor o que é violência e, em teoria, haverá menos aceitação dessa violência e maior prevenção.
Há um quadro concetual enraizado na mente das pessoas em que, por exemplo, a violência é só bater em alguém. Se virmos isto desta forma, há muita coisa que fica de fora. É importante dizer que mais de 80 por cento das vítimas são mulheres, mas este é um problema transversal, que abrange todas as idades, ambos os sexos, diferentes formações e habilitações. 80 por cento das vítimas que se conhece… Não poderá haver um estigma maior em homossexuais ou vítimas masculinas apresentarem queixa? É sempre do que se conhece. O que pode haver é alguma resistência maior da vítima do sexo masculino em se expor enquanto vítima por alguns estereótipos existentes, do que é a masculinidade, por exemplo. É expetável que tenha também o seu impacto, mas não sabemos que dimensão tem.
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O estudo “Violência no Namoro”, divulgado este mês de fevereiro, veicula que muitos jovens portugueses naturalizam a violência. É por aqui que tem de começar a literacia? De facto, se começarmos mais cedo, temos probabilidade de termos melhores resultados. E devemos começar, bastante antes do namoro, a construir a tal literacia. Mas a questão da prevenção é um problema universal, não apenas português, condicionado por aquilo que são as pressões dos ciclos políticos no sentido contrário. Vamos ter o cuidado de não dizer que isto é assim porque os decisores políticos não têm noção. Os decisores políticos são eleitos por todos nós e, mal ou bem, vão espelhando as nossas formas de olhar para o mundo. Portanto, se as coisas são como são, também o são porque nós todos queremos que sejam assim. É necessário que os políticos trabalhem para além do ciclo político, mas, por outro lado, os cidadãos têm que tolerar que os decisores trabalhem nesse sentido. Só assim se consegue construir a prevenção. Temos insistido que Portugal deveria estrategicamente apostar em ter uma agenda, publicamente conhecida, de prevenção transversal e de desenvolvimento das pessoas. Pelas funções que desempenha, por exemplo, assessorando processos de divórcio e de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o solicitador poderá estar perante casos de violência doméstica. A que se deve estar atento e como deve proceder perante eles? Cada um de nós pode, e deve, sinalizar as situações de que tenha conhecimento ou que desconfie existirem. Há várias linhas dedicadas e, com um simples telefonema, pode sinalizar uma situação. A violência não tem de ser continuada, basta uma vez, não vamos relativizar as coisas e dizer que foi só uma vez! Não foi e, se foi, é, não há espaços para relativizações. Acima de tudo, quer queiramos quer não, estamos perante uma situação de crime e não devemos hesitar. Outro caso é se não estivermos perante uma situação de crime, mas existirem sinais de uma conflitualidade que pode gerar um crime. Refiro-me ao tipo de linguagem, ao recurso a jargões, ao tom e a uma agressividade latente, seja através de palavras ou de silêncios, porque, às vezes, os enormes silêncios e a ausência total de comunicação também são fatores de alerta… E quando isso é visível e consistente, deve haver uma recomendação para uma mediação mais competente nestas dimensões, que pode ser uma das formas de prevenir que a situação desemboque efetivamente em violência de género. O problema maior nesses casos é conseguir a adesão de ambos, embora, por vezes, as figuras mais ligadas à Justiça e que estão a auxiliar no processo legal tenham, pelo seu estatuto socioprofissional, a capacidade de influenciar nesse sentido. É importante, também, passar desde logo a mensagem de que a terapia familiar não visa apenas manter uma união, pode ser para ajudar a uma dissolução, para que ela se faça de uma forma adequada e saudável, o que é ainda mais relevante quando há filhos. Se a situação for detetada antes de haver violência, a mediação familiar pode ser muito preventiva. : :
PROFISSÃO
PLATAFORMA VIAGEM DE MENORES: SEGURANÇA E AUTENTICIDADE REFORÇADAS Na vanguarda do desenvolvimento de soluções inovadoras e ferramentas de utilidade pública facilitadoras, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) posicionou-se, mais uma vez, na dianteira da desmaterialização da informação e da Justiça eletrónica com a apresentação da plataforma para autorização de saída de menores do país.
Por Edite Gaspar, Solicitadora e Vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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e acordo com o quadro legal em vigor no território nacional, sempre que um menor residente em Portugal saia do país sem o acompanhamento de ambos os progenitores, deverá ser apresentada uma autorização de saída, emitida por quem exerce responsabilidades parentais (Decreto-Lei n.º 138/2006, de 26 julho, e Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto). Até aqui, eram os cidadãos interessados que elaboravam o texto de autorização, recorrendo depois a um profissional com competência legal para reconhecer a assinatura. No entanto, a dificuldade em redigir o texto, que deveria obedecer a algumas regras – como contemplar quem deve autorizar; o destino ou destinos de viagem ou o período em que vigora a autorização – apresentou-se sempre como um constrangimento. Empenhada em fazer parte da solução e com o intuito de melhorar a forma como são feitos os documentos de autorização de saída de menores para o estrangeiro, a OSAE lançou a plataforma de Viagem de Menores, reforçando a segurança dos mesmos, enquanto assegura a autenticidade da autorização. Graças a esta ferramenta, o interessado terá apenas de preencher um formulário online para gerar um documento que, depois de validado por um Solicitador, deverá ser apresentado às autoridades. De modo a garantir que é facilmente compreendido pelas autoridades nacionais e estrangeiras, o modelo é multilingue e tem ainda a mais-valia de poder incluir um conjunto de informações pre-
ponderantes em caso de ocorrer algum incidente durante a viagem, como sejam: contactos de familiares na origem e destino, contactos de serviços consulares e ainda a possibilidade de indicar outras circunstâncias que devem ser observadas pelo e com o menor, tais como doenças crónicas, alergias, limitações alimentares, entre outras. O documento original é entregue em suporte de papel, com os necessários reconhecimento e vinheta de autenticação, mas fica também disponível para consulta/verificação através de QR Code ou em https://app.osae.eu/certifica/. O modelo de autorização desenvolvido pela OSAE vem, assim, facilitar o procedimento, elevando simultaneamente a qualidade da informação e a facilidade de controlo da mesma. Os cidadãos beneficiam ainda do facto de a Plataforma permitir selecionar um Solicitador de acordo com critérios tão variados como a proximidade, o horário de atendimento, a facilidade de estacionamento, a acessibilidade do escritório para pessoas com mobilidade reduzida ou o domínio de determinado idioma. Ao Solicitador cabe verificar os dados que foram preenchidos (se necessário mediante confronto com a apresentação do assento do menor ou certidão de decisão judicial), a legitimidade dos intervenientes e, de seguida, o reconhecimento da assinatura. Para que esta autorização seja um documento ainda mais fiável e seguro, a OSAE continuará a apresentar várias sugestões ao Ministério da Justiça, Administração Interna e Negócios Estrangeiros, nomeadamente a possibilidade de torná-la totalmente eletrónica (deixando de existir o risco de se perder a autorização durante a viagem) ou a obtenção de um acesso direto e eletrónico ao assento de nascimento. A desmaterialização da informação e a Justiça eletrónica têm sido eixos estratégicos na atividade da OSAE, que apresentou a Plataforma de Viagem de Menores durante a “Round Table” subordinada ao tema “Justiça Eletrónica”. Este evento foi promovido pelo Programa de Justiça da União Europeia, através do projeto ENABLE, e teve precisamente como objetivo debater o impacto e as vantagens da digitalização da Justiça. : :
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SEMEANDO A DISCÓRDIA Texto André Silva / Fotografia Rui Santos Jorge / assista ao vídeo em www.osae.pt
O TERRENO, PREENCHIDO POR ERVAS DANINHAS, AINDA SERÁ PREPARADO PARA ACOLHER A PRÓXIMA PLANTAÇÃO. POR AQUI, NO ALGARVE, MAIS PRECISAMENTE EM ALCANTARILHA, O DIA NÃO PARECE SER DE INVERNO. O CÉU, SEM NUVENS, DEIXA ESPAÇO PARA O SOL BRILHAR E FAZER SENTIR O SEU CALOR. À VOLTA NADA SE VÊ, NADA SE OUVE. RICARDO PEREIRA É O PROPRIETÁRIO. VAI CAMINHANDO. BAIXA-SE, APANHA UMA PLANTA E, ABRINDO A MÃO, DIZ: “ISTO É CANÁBIS”.
REPORTAGEM
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im, vamos falar sobre canábis. E não, não vamos falar sobre droga. Falaremos de tudo o que pode ser criado a partir desta planta. Materiais de construção, plásticos, óleos, bolachas, chás, cervejas, têxteis. Falaremos de produção, de cultivo, de legalidade, de formas de pensar. E falaremos de futuro. “Sinto-me bem por trazer uma cultura nova ao Algarve e por ajudar na mudança das mentalidades. No fim de contas, falamos de uma planta que pode ajudar em imensas coisas”, explica Ricardo, produtor de canábis ou, mais especificamente, de cânhamo industrial. Com ar descontraído, mas deixando sempre transparecer a responsabilidade que reveste o negócio que, todos os dias, vê crescer, Ricardo recorda quando surgiram as primeiras sementes. Para ele, esta aventura começou em meados de 2017, depois de ver uma publicação numa rede social de um colega agricultor de canábis. Não perdeu tempo. Pediu conselhos e criou o seu projeto. Informou-se sobre os requisitos legais, reuniu todos os elementos e apresentou o plano de negócio a um investidor. E aqui estamos. No meio do terreno que, desde então, é morada da planta que anda nas bocas do mundo. São três as variedades conhecidas desta planta. Sativa, indica e ruderalis. E cada uma é indicada para diferentes fins, que vão dos industriais aos medicinais, esclarece Ricardo, deixando perceber a complexidade e a diversidade em torno da planta que segura. E tudo começa nessa escolha, pois há um momento ideal para a plantação de cada uma das variedades. Umas são auto-florescentes, “não dependem dos períodos de dias curtos ou longos para passar as várias fases de crescimento, germinação, vegetativo e floração”. Outras são fotossensíveis e devem ser plantadas no “perto do início de maio e colhidas em setembro”. “Os machos possuem sacos de pólen que, na altura certa, abrem, rebentam e vão polinizar as fêmeas. Se quisermos fazer uma produção de sementes, temos de deixar os dois géneros para, desta forma, darmos origem às plantas polinizadas, com sementes. Se retirarmos, aos machos, os sacos de pólen antes de rebentarem, vamos ter flores limpas, sem sementes. E isso é valorizado no mercado das flores”, conta Ricardo. Flores, hastes, folhas e sementes. Do terreno de Ricardo, a matéria-prima é exportada, seguindo para vários compradores autorizados e que garantem a sua transformação para os mais diversos fins. Roupa, chá, materiais de construção mais ecológicos, óleos, cerveja, cremes… São muitos os produtos que podem derivar de uma só planta. “25% das sementes de cânhamo são proteína, o que faz delas um excelente suplemento para desportistas
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As sementes de cânhamo contêm 21 aminoácidos, nove dos quais o corpo humano não consegue produzir. O óleo de cânhamo fornece todos os aminoácidos essenciais. As sementes de cânhamo são consideradas um superalimento por isso mesmo. Das flores conseguimos extrair os óleos, como o conhecido óleo de CBD, um excelente anti-inflamatório e ansiolítico. O nível de THC – a substância psicoativa – no cânhamo é quase irrisório, mas potencia a ação entre os canabinóides presentes na planta, que, por sua vez. atuam em sinergia no organismo do ser humano, o que faz com que, por exemplo, ajude a suavizar os efeitos secundários da quimioterapia ou da radioterapia. No âmbito da construção civil, as casas construídas com o cânhamo são livres de químicos, porque não envolvem cimento e são muito resistentes ao fogo. A fibra do cânhamo também é fantástica em matéria de isolamentos. Estamos, ainda, a dar os primeiros passos na produção de cerveja e whisky, por exemplo.” E muito mais. Mas para que tudo isto seja uma realidade por cá, impõem-se mudanças. “Portugal ainda não está preparado para produzir sementes e, por isso, não existe uma entidade que as certifique. Elas são certificadas sim, mas nos países de origem. Neste âmbito, há muitos países que estão anos à nossa frente. Não na produção, mas na implementação no mercado”, afirma num tom próximo de desabafo. E são várias as exigências que têm que ser cumpridas para que se garanta a legalidade de uma produção como esta. Primeiro, o agricultor deve comunicar que variedade e que quantidade irá plantar. Para isso, tem dois caminhos. Se o fim é terapêutico ou medici- Do terreno de Ricardo, nal, o Infarmed (Autoridade a matéria-prima Nacional do Medicamento é exportada, e Produtos de Saúde) está na rota que deve seguir. Se seguindo para o fim é industrial, deve fa- vários compradores lar com a Direção-Geral de autorizados e que Alimentação e Veterinária garantem a sua (DGAV). Em segundo lugar, deve apresentar um boletim transformação para de análises do teor de THC. os mais diversos fins. Em terceiro, depois de veri- Roupa, chá, materiais ficada toda a documentação, de construção mais a DGAV solicita à Direção-Regional de Agricultura e ecológicos, óleos, Pescas a inspeção da qua- cerveja, cremes… lidade da semente. Por fim, “é importante alertar os vizinhos do intuito da plantação. Caso contrário, serão muitas as visitas da Guarda Nacional Republicana que acabará por ser chamada por quem achar que ali existe uma plantação de ‘droga’”, alerta Ricardo. Droga. Esta ainda é a primeira palavra que vem à memória quando se fala numa plantação de canábis ou cânhamo. “Em Portugal, se eu chegar com um chá de canábis junto de uma
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pessoa que não esteja informada, ela vai dizer que é droga. E não é. Era muito importante que todos percebessem os benefícios que esta planta traz.” Apesar de tudo, para Ricardo Pereira, lentamente, algo está a mudar: “Hoje, muitas pessoas já encaram a planta como algo benéfico e não como uma droga. As mentalidades estão a mudar de dia para dia. Até a minha própria mãe era contra e, a partir do momento em que lhe expliquei os benefícios da planta, o que dela conseguimos retirar, mudou de opinião e, hoje em dia, é uma ativista nata. É fundamental explicar às pessoas que estamos a falar de uma planta com muitos fins. É essencial falarmos do assunto e acabarmos com preconceitos sem fundamento.” É importante contextualizar que o cultivo de cânhamo não começou agora a sua história. Por exemplo, a mando do Marquês de Pombal, no ano de 1783, foi criada a Real Feitoria do Linho Cânhamo, no Brasil. De lá saía o linho de cânhamo que era utilizado nos cabos e velas das embarcações portuguesas que descobriram “novos mundos”. O tempo não parou e o cânhamo manteve a sua importância. Esta cultura dominava as Lezírias Ribatejanas e a Cordoaria Nacional, em Belém, tinha máquinas que transformavam as colheitas desta planta em fibras. E, na época da II Guerra Mundial, o cânhamo atingiu o seu expoente máximo. Desta planta eram feitos muitos dos materiais usados pelos soldados: tendas, fardas, sapatos, etc. Mas, no ano de 1970, devido ao grande aumento do consumo de droga, o seu cultivo foi considerado crime.
"As sementes de cânhamo contêm 21 aminoácidos, nove dos quais o corpo humano não consegue produzir. O óleo de cânhamo fornece todos os aminoácidos essenciais. As sementes de cânhamo são consideradas um superalimento por isso mesmo. Das flores conseguimos extrair os óleos, como o conhecido óleo de CBD, um excelente anti-inflamatório e ansiolítico." Ricardo Pereira
Foram cerca de trinta anos durante os quais pouco se falou (ou produziu) sobre cânhamo em Portugal. Até que, em 2011, no dia 1 de julho, o uso de canábis foi descriminalizado em Portugal, com o grande objetivo de redução de consumo e dos comportamentos de risco. Tal como uma planta, Ricardo acredita que, estando já semeada, a mudança vai ganhar raízes e crescer. Por isso, encara o futuro com um sorriso no rosto e com esperança. Quer continuar a encontrar naquele terreno o que acredita poder ser uma alternativa, uma solução. E não um problema, nem um crime. “Nesta fase do meu projeto, espero agora encontrar novos terrenos, em diferentes regiões do país, e produzir lá o futuro. É esse o meu desejo.” Ainda com a planta de canábis
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na mão, a qual havia restado da plantação anterior, Ricardo voltou a mostrá-la. “É muito resistente quando está plantada. Mas, uma vez colhida, torna-se frágil.” Talvez o mesmo possa acontecer com a mudança. O futuro dirá se esta tomou conta dos campos onde, para já, ainda se semeia discórdia. : :
LEGISLAÇÃO A Lei n.º 33/2018, de 18 de julho, regula a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis, para fins medicinais. A referida Lei foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 8/2019, de 15 de janeiro, o qual entrou em vigor a 1 de fevereiro deste ano. De acordo com estes diplomas, a prescrição de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis é feita mediante receita médica especial. A prescrição apenas poderá ser efetuada se os tratamentos convencionais com medicamentos autorizados não estiverem a produzir os efeitos esperados ou se estiverem a provocar efeitos adversos relevantes, competindo ao INFARMED, I.P. definir a lista das indicações terapêuticas consideradas apropriadas. Note-se ainda que a legislação não prevê o uso terapêutico da planta da canábis, mas apenas dos seus preparados e que o novo regime jurídico não abrange a possibilidade de o próprio utilizador fazer a produção da planta e dos seus preparados. Por Luís Paiva, jurista
SOCIEDADE
POPULISMO Fomos invadidos pela palavra populismo. De repente, somos fintados por este conceito que temos dificuldade em balizar. Também não lhe distinguimos as particularidades, mas sabemos que muitos lhe apontam defeitos. Vamos tentar conhecê-lo e descortinar os perigos que acarreta.
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populismo é uma ideologia política caracterizada pela excessiva simplificação do discurso e por uma enorme agressividade na polarização da sociedade. Sempre presente está a dicotomia entre o nós e o eles, sendo estes grupos completamente antagónicos, embora possam adotar várias vestes. Como a ideoologia não é relevante, há populismos de direita e populismos de esquerda. Deste modo, e tendencialmente, num populismo de direita, eles podem ser os imigrantes; já num populismo de esquerda, eles são as elites priviligiadas e denominadas corruptas. Portanto, os líderes populistas adotam diversos estilos. Mas todos crêem que são a vox populi, a voz da maioria. E é com base neste entendimento que não consideram a oposição legítima, tentando minimizá-la, retirando, por vezes, o poder aos meios de comunicação social. Esta mistura de liderança carismática e ríspida, associada à pouca atratividade de alguns partidos, acaba por ser sedutora para uma parte dos cidadãos, num cenário em que prevaleça a sensação de insegurança e de impotência em face de um mundo cada vez mais globalizado. Assim sendo, há que desconstruir esta ideia erradamente transmitida de que existem respostas simples. Há que defender uma discussão saudável que nos auxilie a resistir ao racismo, a defender a elevação do discurso público, a sublinhar as discrepâncias e as mentiras de que estão impregnados os discursos populistas. Portugal é dos poucos países que parecem não vislumbrar, por ora, a ameaça do populismo. Talvez para isso contribua a serenidade e os brandos costumes que fazem parte da cultura portuguesa. Também a nossa recordação dos tempos da ditadura e o nosso sistema político robustecido, com alternativas à esquerda, ao centro e à direita, contribuem para tal. O que é certo é que este fenómeno atravessa vários países, encontrando-se fortalecido, já que anda abraçado à revolta dos cidadãos para com as opções políticas de quem assume o seu comando. De tal forma, alertou a Human Rights Watch no seu último relatório, que não há interesse desses Estados em defender os direitos humanos. E isso é grave. Contudo, não percamos de vista que, no quadro geral, o populismo continua a ser um fenómeno minoritário. Há que retirar os aspetos positivos do populismo. Porque sim, eles existem. Por vezes, ajuda a colacar na agenda política questões que são consideradas irrelevantes pelos principais partidos. Isto é, acaba por trazer para o debate público as inquietações dos grupos marginalizados e, ao fazer isso, inclui essas pessoas na discussão, conferindo-lhes uma voz. E as fórmulas utilizadas pelo populismo podem também ser replicadas num discurso que o queira combater. Slogans e bengalas de linguagem podem perfeitamente tornar mais atrativos os discursos de quem pretenda passar uma mensagem positiva, com substância e que não precisa de recorrer a afirmações racistas, misóginas, homofóbicas, ou de culpabilização de minorias, para se impor. Uma vez que o populismo nasce em terrenos pouco férteis em ideias, cabe-nos arregaçar as mangas e evitar, diariamente, que se instale o vazio. É que a oferta populista só sobrevive se existir a correspondente procura. : :
Diana Andrade Jurista
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Fotografia: Paulo Vaz Henriques
SOLICITADOR, UM ALIADO NA MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
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PROFISSÃO
Por Luís Goes Pinheiro, Secretário de Estado Adjunto e da Modernização Administrativa
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odernizar a Administração Pública, contrariamente ao que se possa pensar, é um exercício diário e as oportunidades moram nas nossas rotinas. Às vezes, basta olhar a partir de uma outra perspetiva, sem sair de um triângulo de ação que resume o desafio de todos os dias: simplificar a vida das pessoas, criar um melhor ambiente para os negócios e tornar a nossa Administração Pública cada vez mais eficiente. Um desafio que sentimos como nosso, mas que partilhamos com todas e todos que o queiram enriquecer. E é aqui que os solicitadores podem (e devem) fazer a diferença. Há muito que optaram por um papel para lá daquele que pertence ao mero intermediário entre o seu cliente e o Estado. A profissão de solicitador está hoje modernizada e soube adaptar-se às exigências e às expectativas. E não para de o fazer. Nos dias que correm, o trabalho destes profissionais já não depende da burocracia e, enquadrado em inúmeras soluções e projetos inovadores criados pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), passa por sistemas de informação sofisticados que contribuem para a agilizar a relação com o cliente e para, de forma mais célere e mais transparente, assegurar respostas. São várias as provas dessa aposta, mas recordemos dois bons exemplos: a formação “Solicitador: a porta de entrada para serviços públicos” percorreu o país e preparou centenas de profissionais para, recorrendo aos serviços públicos disponíveis online e mediando o acesso a estes, agilizarem a relação entre as pessoas e as empresas e o Estado; e o “GeoPredial” que, criado pela OSAE, tem colaborado na resolução dos problemas associados à ausência de cadastro em Portugal e representou um importante alicerce do contributo dado pelos solicitadores para o projeto Balcão Único do Prédio coordenado pelo Instituto dos Registos e do Notariado.
Conscientes disto e da cooperação garantida em diversas iniciativas nas quais se assumiu como parceira, contámos com a representação da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução naquela que foi a reunião que assinalou o regresso da Comissão para a Modernização Administrativa. Isto à semelhança de outras associações públicas profissionais cujos associados lidam, diariamente, no exercício da sua atividade, com a Administração Pública. Este foi um dos muitos momentos em que parámos para ouvir, debater, partilhar e construir soluções. Isto na certeza de, em breve, estarmos a apresentar um novo programa SIMPLEX+ capaz de espelhar as necessidades de um país que não tem medo de ser pioneiro para melhor servir as pessoas e as empresas. Sim, a tecnologia é uma aliada fundamental na mudança. Mas profissionais como os solicitadores são aliados das pessoas e das empresas na gestão desta mudança que acontece todos os dias e que deve representar uma oportunidade. Basta querermos e assumirmos que o sucesso desta missão chamada modernização administrativa depende da união de esforços e da partilha de conquistas, num percurso em que a participação e o compromisso são etapas obrigatórias. Mais do que alterar a lei, trata-se de mudar a maneira de pensar e, depois, a maneira de fazer. E, mais do que certezas, são projetos em que a imposição não faz sentido e em que os verbos “testar” e “aperfeiçoar” devem ser conjugados no presente. Por tudo isto, sintamos a modernização da Administração Pública como um direito de todos e que todos temos o dever de exercer. Também dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Como? Partilhando ideias, apresentando sugestões, construindo alternativas. Cá estaremos para as receber e para delas fazer o futuro de um país que quer estar mais à frente sem deixar ninguém para trás. : :
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ENTREVISTA
“Era muito útil caminharmos no sentido de saber comunicar”
NUNO ATAÍDE DAS NEVES P RESI DEN TE DO T RIBUNAL DA R E LAÇ ÃO D O PORTO
Filho de um juiz e de uma professora, Nuno Ataíde das Neves viu na magistratura uma forma de contribuir para a paz social. Diz que ser juiz, mais do que uma profissão, é uma missão de dedicação aos outros que pressupõe experiência de vida e sentido construtivo de intervenção. Hoje, ocupa o lugar da presidência do Tribunal da Relação do Porto (TRP), uma posição que não o define, mas a que se dedica com paixão. E foi no edifício onde diz ter também parte da sua alma, nesse mesmo espaço onde se respira Justiça, Arte, Cultura e, sobretudo, Direitos Humanos, que Nuno Ataíde das Neves nos recebeu. Entre os simbólicos frescos do Palácio da Justiça do Porto, falou sobre passado e presente, mas, acima de tudo, sobre o futuro, que pretende mais próximo da sociedade civil.
A sua família está, há mais de uma geração, ligada à Justiça. Esta herança teve influência na sua decisão de enveredar por este caminho? Realmente, o meu pai também foi juiz, assim como o meu irmão João. Claro que o meu pai foi para mim uma influência muito positiva, pela personalidade e pela postura de permanente rigor e verticalidade. Mas houve uma altura em que quase receei enveredar pela magistratura, porque o meu pai vivia-a com tanta entrega pessoal que, por vezes, “levava os casos para casa”, refletia as suas preocupações de magistrado na relação com as filhas e os filhos (somos três rapazes e três raparigas). Mas os tempos eram outros… Cheguei à conclusão de que poderia enveredar pela magistratura sem ter essa leitura tão ansiosa e sem levar para a família os problemas do tribunal. E acho que nunca o fiz. Como juiz, consegui sempre conciliar bem as diferentes dimensões, também pelo meu feitio. Sou uma pessoa, por natureza, alegre, bem-disposta, tolerante e otimista. É bom trazer para a
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Entrevista Andreia Amaral / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
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magistratura sinais positivos em termos emocionais. Com isto não quero dizer que devamos carregar de emoções a nossa função de magistrados, mas – e hoje muito se fala da inteligência emocional –, quando a nossa vida tem uma carga positiva que nos pode transportar à tolerância, isso dá-nos instrumentos de leitura da vida social mais amplos, menos rígidos e, de alguma forma, com um sentido maior de esperança. Acha que tem de haver também uma vocação? Acho que tem de haver um pendor e uma preocupação grande de intervenção social, com apurado sentido construtivo. O juiz tem de ser, acima de tudo, uma pessoa sensível às questões humanas e com uma boa experiência de vida, um cidadão do mundo, aberto aos fenómenos e aberto ao conhecimento. Tem de conviver e conhecer vários tipos de pessoas, vários estratos sociais, devendo relacionar-se com todos de forma pacífica, tranquila e sem preconceitos. O juiz tem de agarrar a vida com alma, com paixão, com humildade, com total respeito pelos cidadãos que consigo se confrontam. Um juiz não pode ser um indivíduo atávico, preso, fechado sobre si próprio e sobre o seu trabalho, com medo das relações sociais. É fundamental que o juiz tenha capacidade de aceitação da perspetiva do outro. Depois, que saiba sopesar os argumentos e que tenha a noção de que a solução exprimida na decisão tem de ser útil, pragmática e em tempo. A sentença tem de constituir o resultado de uma profunda reflexão. Tendo esta perspetiva do juiz, o que significa para si este cargo? Nunca pensei exercer este cargo. Mas houve um apelo muito forte de colegas meus para me candidatar e acabei por aceder, também numa perspetiva de, tanto quanto possível, e sem qualquer tipo de pretensiosismo, como qualquer outro colega faria, exercer o cargo no sentido da dignificação do Tribunal da Relação do Porto e de ser também um elemento de proximidade com os meus colegas e com os funcionários. Dedico-me inteiramente, de corpo e alma, ao exercício do cargo. Venho todos os dias de manhã de Coimbra para cá e regresso ao fim da tarde, mas o cargo não constitui para mim um momento decisivo da minha vida, exerço-o com naturalidade, com inteira dedicação e com humildade. Foi também presidente do Instituto de Desenvolvimento e Inspeção das Condições de Trabalho e, mais tarde, Inspetor-Geral do Trabalho. Em que medida esta experiência contribuiu para a sua formação e para o seu crescimento profissional? Foi um cargo a que acedi também por ter a ver com o Direito, com as pessoas, com as condições de vida, de trabalho e com os Direitos Humanos. Foi um cargo que gostei muito de exercer. Foram dois anos a correr, muito pesados, em Lisboa, mas foi uma experiência muito interessante. Ficou-me uma prática acrescida do ponto de vista do relacionamento com outras entidades, até governamentais, um maior à-von-
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tade em termos institucionais e ficou-me também o “bichinho”, devo dizê-lo, da melhoria das condições de trabalho. Quando vim para aqui, criei um momento de formação para os magistrados e funcionários em ergonomia no contexto de trabalho e também um curso de suporte básico de vida, que já fizemos todos. Oportunamente, assim espero, irei instalar neste Palácio da Justiça um desfibrilhador, porque muitas vezes acontecem episódios trágicos em contexto de trabalho que podem ser prevenidos e até ultrapassados. Falando das condições de trabalho, logo na sua tomada de posse, chamou a atenção para a necessidade de preenchimento do quadro legal de desembargadores em efetividade de funções no TRP… Assim falei porque é bonito dizermos que o quadro legal é entre 103 e 118 desembargadores, mas, no fundo, temos cerca de 80, porque muitos desembargadores se encontram em comissões de serviço, exercendo como inspetores judiciais ou outras funções conexas com a magistratura. E depois há sempre situações de baixa médica, megaprocessos que impõem a dedicação exclusiva do desembargador, e um sem-número de situações que não permitem a sua plena ação. Fiz o apelo ao Conselho Superior da Magistratura no sentido de que realmente o desembargador efetivo o seja de facto (passe o quase pleonasmo), porque nos debatemos com muitas dificuldades em termos da quantidade de trabalho, por ser excessiva a carga processual. É uma loucura um juiz desembargador relatar três ou mais acórdãos por semana, porque às vezes um processo demora mais do que uma semana, pode demorar 15 dias ou até um mês, mesmo um processo cível. É fazer perigar a qualidade da decisão judicial, por força da carga processual. O juiz não é uma máquina, é alguém que tem de pensar bem, tem de escrever bem e dizer bem, tem de ter a palavra certa e adequada. Isto tem de ser muito bem pensado e articulado para se criar o equilíbrio. A que se deve esse desajustamento? Carência de meios. A carreira da Magistratura é uma escada longa: começamos no CEJ, depois passamos a ser Magistrados na 1.ª Instância e mais tarde ingressamos nos Tribunais Superiores, nas Relações e nos Supremos, faz parte do caminho da vida. Se não entrarem juízes nos tribunais de 1.ª Instância, que possam fazer crescer os quadros, não se podem preencher as Relações em termos humanos. Depois, estamos sempre subordinados a uma questão que se chama orçamento, que a tutela gere, nem sempre em função das necessidades, mas sim das possibilidades, pesando constrangimentos orçamentais e estratégias políticas. Acha que deveria haver maior autonomia dos tribunais a nível financeiro? Claro que sim, e está-se a trabalhar nesse sentido, de maior autonomia administrativa e financeira dos Tribunais. Embora tenhamos o nosso orçamento, e precisarmos de geri-lo sempre
ENTREVISTA COM NUNO ATAÍDE DAS NEVES
com pinças, não temos autonomia financeira. Não podemos, por exemplo, arrecadar receitas. E se existisse real autonomia financeira e administrativa, para além da valorização de quadros que se deveria instituir – por exemplo, ter um quadro de apoio à presidência seria importante, pois poder-se-ia realizar um conjunto mais alargado de iniciativas, fossem colóquios de natureza jurídica ou eventos de natureza cultural, até em parceria com outras entidades da cidade –, o Tribunal da Relação poderia retirar mais benefícios do seu Museu Judiciário, que seria ainda mais visitado, podendo também ser melhorado e podendo ser cobradas as visitas. A autonomia administrativa concederia mais liberdade na gestão dos recursos, humanos e outros, sempre impondo o mais absoluto rigor das contas. Abordou a entrada de juízes na magistratura. Considera que esta é uma carreira atrativa para os jovens? Hoje em dia, há muita preocupação de intervenção social, de equilíbrio, de disciplina e de justiça. E há muitas pessoas que querem participar nesse desafio. A carreira é atrativa nessa dimensão, se um jovem pensar que pode ser útil à sociedade. Mas tem que se ter esse espírito de missão. Acho é que é importante haver uma seleção rigorosa das pessoas que são admitidas na magistratura, quer seja do ministério público ou judicial. Isto não é um passeio de vaidades, nem pode ser um espaço de realização meramente pessoal. Tem de ser um espaço de realização virada para fora, para os outros e não para nós próprios. Vejo juízes jovens de grande categoria, categoria que eu não tinha quando dei os primeiros na carreira. Gente muito madura, muito culta, com
O juiz não é uma máquina, é alguém que tem de pensar bem, tem de escrever bem e dizer bem, tem de ter a palavra certa e adequada.
uma abertura ao mundo… Hoje, realmente, o nosso mundo não tem fronteiras de ordem alguma, é um mundo global. Falando da modernidade, o recurso às tecnologias informáticas, com sistemas como o CITIUS, tem ajudado a mitigar esta sobrecarga? Na 1.ª Instância o trabalho com o CITIUS está generalizado. Nas Relações, quase todos os desembargadores já trabalham com o CITIUS. É um instrumento informático que permite ao desembargador trabalhar quase sem papéis e ter um acesso e um manuseamento fácil do processo, dependendo da experiência e familiaridade com o sistema, porque a plataforma também não é imediata, carece de experiência e prática. No fundo, é um sistema ao sabor dos tempos, da virtualidade e da desmaterialização, e que tem ainda a vantagem da econo-
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mia de meios. Mas também é um sistema que tem os seus perigos. Assim como as redes sociais têm o perigo da solidão, convivência e amizade meramente virtuais, não humanas, o juiz pode isolar-se, pode tornar-se mais só, e o exercício da magistratura, não obstante implicar sempre alguma solidão, tem de ter muito de partilha, de diálogo. O isolamento pessoal que o CITIUS pode promover é uma realidade de que os juízes, principalmente os desembargadores, têm de ter noção, sendo necessário criar regras no sentido de o encontro pessoal nunca deixar de se verificar. A globalização e crescente digitalização trazem desafios acrescidos ao tribunal, até por via da mudança nas relações económicas e comerciais? Hoje é impensável vivermos no mundo da nossa paróquia, da nossa freguesia. Vivemos no mundo global e dessa dimen-
Acho é que é importante haver uma seleção rigorosa das pessoas que são admitidas na magistratura, quer seja do ministério público ou judicial. Isto não é um passeio de vaidades, nem pode ser um espaço de realização meramente pessoal. são mais alargada que integramos até vem um conjunto de instrumentos jurídicos, designadamente ao nível dos Direitos Humanos, dos tratados e das convenções internacionais. Hoje, a distância dos fenómenos já não é tão real quanto isso, pelo menos no mundo moderno. Do mesmo modo, existe também uma proximidade virtual aos agentes económicos. São dinâmicas complexas, que têm impacto na sociedade e, logo, nos tribunais. Seguindo esse raciocínio, os tribunais ganham mais relevo em momentos de crise económica e social? Os momentos de maior crise social e económica são mais prementes, porque há mais conflitualidade e, quando há mais conflitualidade, há mais recurso aos tribunais. Embora aqui haja a questão do acesso aos tribunais relacionada com as custas: a classe média, porque não tem acesso ao apoio judiciário e não tem dinheiro para pagar custas, acaba muitas vezes por não recorrer ao tribunal. E o direito ao acesso aos tribunais acaba por ser um pouco mitigado. Mas obviamente que, nesses momentos de crise, é preciso que o tribunal, tendo consciência disso, intervenha criando reequilíbrios, fazendo ajustamentos e realizando a justiça do fenómeno social com que é confrontado. É um pouco complicado falarmos em termos gerais, mas é óbvio que, nos tempos de crise, os tribunais também redobram o serviço, isto porque não há tanto cumprimento dos compromissos, sejam eles de que ordem
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for, e as pessoas tendem a conflituar e depois, lá está, vão para tribunal. No fundo, o tribunal é sempre o último reduto de esperança do cidadão para fazer valer os seus direitos e ver o seu problema resolvido. E ainda bem que assim é, porque isso significa que se tem Justiça, que se acredita na Justiça e que a Justiça ainda é imparcial e independente neste país. Acha que os cidadãos compreendem a Justiça e a sua linguagem? A Justiça é uma realidade complexa que, por vezes, mesmo o cidadão de cultura média/alta não percebe bem, porque a Justiça tem o seu tempo, os seus mecanismos e o seu processo. Há muitos casos em que a informação chega ao público distorcida, quer sob o ponto de vista processual, como é que funcionou, do seu próprio tempo – que não é o tempo da comunicação social, há prazos para se cumprirem – quer sob o ponto de vista substantivo da decisão em si, qual a verdadeira razão de ser e dimensão dos direitos em causa. Portanto, há um conjunto de normas e de valores que nem sempre são compreendidas pelo cidadão comum. De que forma este entendimento é fundamental para que acreditem nela, no sistema democrático e exerçam conscientemente a sua cidadania? A comunicação entre a Justiça e o cidadão é sempre algo complicado e também aos tribunais se deve essa falha. Ainda não foi encontrada a forma mais adequada para comunicar ao exterior. Acho que deveriam ser os juízes a comunicar, de forma serena. Eu procuro fazê-lo, sempre que possível, mas nem todos os juízes estão disponíveis, porque o juiz é, por natureza, uma pessoa que gosta de se privar no seu espaço de trabalho, não aprecia nem está habituado a grandes publicidades da sua imagem e do seu discurso, quando este está para lá da sua decisão no processo. Ou seja, escreve no processo e, também porque para isso não foi formado, acabou, mais não diz. Mas é realmente necessário articular da melhor forma a comunicação para o exterior, até para que o cidadão compreenda melhor a ação da Justiça e se reveja nela. É isso que se está a procurar. Acho que era muito útil caminharmos no sentido de saber comunicar, de haver estruturas de comunicação transparentes, não facciosas, não parciais, que pudessem de alguma forma promover o melhor encontro entre a ação dos Tribunais e da Justiça e o cidadão que dela é destinatário e deve compreender. A aproximação do TRP à sociedade civil é preponderante para si? É por esse motivo que tem reiterado a aposta na difusão do Museu e em inúmeras iniciativas culturais? Acho que é muito importante. Os tribunais espelham nas suas decisões o pulsar de uma comunidade, os seus valores, a sua cultura, os anseios e as angústias. Portanto, os tribunais são agentes de cultura. No fundo a arte, nas suas diversas dimensões, trata de Direitos Humanos, do afinamento ético e estético e da beleza
ENTREVISTA COM NUNO ATAÍDE DAS NEVES
verdadeiramente os desembargadores respiram os Direitos Humanos e, em particular, a defesa dos direitos das mulheres. Com estas iniciativas também contribuímos para o desenvolvimento cultural de uma sociedade de que fazemos parte. Criamos sensibilidades e fazemos com que fenómenos nocivos bem conhecidos não venham a acontecer ou a repetir-se. Todos estes desafios fazem repensar a Justiça? Nunca nos podemos acomodar a um determinado status quo. A Justiça é, tal como a sociedade, algo em permanente evolução, como a Doutrina e a Lei. O pensamento do legislador é o pensamento que acompanha os fenómenos sociais, a turbulência da comunidade, seja à escala local ou global, até porque há novas maneiras de pensar, de encarar o mundo em geral, o relacionamento entre as Mulheres e os Homens, a vida e, portanto, é preciso sempre pensar no aperfeiçoamento da Justiça.
No fundo, o tribunal é sempre o último reduto de esperança do cidadão para fazer valer os seus direitos e ver o seu problema resolvido. E ainda bem que assim é, porque isso significa que se tem Justiça, que se acredita na Justiça.
da vida. É muito importante termos uma intervenção nesse domínio e, por isso, entre outras iniciativas, no âmbito do programa “A Relação com a Cidade”, criado pelo meu antecessor Henrique Araújo (atualmente no Supremo), celebrámos o centenário de Júlio Resende, fizemos uma homenagem ao grande poeta Eugénio de Andrade e, com o Professor Joel Cleto, fizemos uma viagem histórica através dos frescos do Palácio. Agora temos uma exposição de pintura Contemporânea do espólio de arte do Instituto Politécnico do Porto e, no dia 8 de março, vamos celebrar o Dia Internacional da Mulher: vamos homenagear Sophia e a Mulher e celebrar a poesia, também com música, pintura e fotografia… porque temos essa sensibilidade genuína, de defesa dos direitos das mulheres, e para exorcizar alguns ditos que o Tribunal da Relação do Porto tem um problema dessa natureza, quando
Que papel deveriam assumir os agentes de execução e solicitadores? O agente de execução e o solicitador são elementos extremamente importantes na ação da Justiça, até sob ponto de vista da sua celeridade e do seu cumprimento. O solicitador tem funções muito específicas, também no âmbito do esclarecimento dos direitos aos cidadãos, que deve cumprir com empenho. O estatuto do agente de execução foi muito valorizado, já que, desde o início de um processo, passa pelas suas mãos um conjunto de procedimentos que devem ser correta e eficazmente cumpridos, pois disso depende o bom prosseguimento da ação. Entendo, porém, que quase inexistem mecanismos externos de controlo da sua atividade, que me parece deveria ser feito também judicialmente, nunca devendo o processo sair do alcance decisório do juiz. Sou francamente contra o facto de o juiz não ser o pleno titular do processo e contra a perda de domínio judicial do mesmo. Por isso, embora se tenham verificado melhorias, acho que tem de se caminhar no sentido da absoluta transparência. Quando houver total transparência, existe fiabilidade no sistema e, então, a importância do agente de execução será cada vez maior. Isso é muito importante, até para o tribunal confiar na sua ação, já que o tribunal não deve vigiar, tem de confiar sem deixar de estar atento, para que, na interpenetração ativa de todos os agentes judiciários, possa funcionar eficazmente. Que Justiça ambiciona? Uma Justiça de plena realização humana, em todas as suas dimensões. Gostava muito que o princípio da igualdade fosse uma realidade e que as pessoas fossem verdadeiramente livres, que não vivessem vítimas de certo tipo de constrangimentos. Gostava que pairasse à nossa volta o bem-estar e a paz social clara, própria de países mais desenvolvidos, que ainda estamos longe de alcançar. Acho que o maior contributo que os tribunais podem dar é no sentido da paz social e do bem-estar dos cidadãos. : :
Sollicitare 25
DIREITOS DA MATERNIDADE Por Carla Franco Pereira, Agente de Execução e Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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ou agente de execução a exercer a profissão em escritório próprio em Évora. Tenho 43 anos e três filhos, com dezasseis, doze e sete anos. No que concerne a relação entre o trabalho e a maternidade, à legislação portuguesa – através do Código de Trabalho, Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro, e da Regulamentação do Código do Trabalho, Decreto-Lei n.º 91/2009 de 9 de abril – pressupõe um período de licença até 120 ou 150 dias, aos quais poderão acrescer mais 30 dias em caso de partilha da licença, bem como de nascimentos múltiplos. Muito embora grande parte destes dias possa ser gozada por qualquer um dos pais, este mesmo quadro estabelece a licença inicial exclusiva, e obrigatória, da mãe nas seis semanas imediatamente a seguir ao parto, às quais se juntam um máximo de 30 dias antes do nascimento. É certo que a estes períodos corresponde a atribuição de um subsídio – pago a 100 por cento nos períodos mínimos e nos 150 dias de licença se a mãe e o pai gozarem cada, em exclusivo, pelo menos 30 dias consecutivos, ou dois períodos de 15 dias consecutivos; a 83 por cento no caso dos 180 dias e a 80 por cento nas situações de licença de 150 dias que não se enquadrem nos moldes anteriores. A mãe tem ainda direito a uma dispensa diária do trabalho em dois períodos do dia, por um máximo de uma hora cada, para amamentação, situação que tem de ser comprovada pelo médico. Já no caso da aleitação, a mãe ou o pai, de acordo com a decisão conjunta, podem ser dispensados do trabalho em iguais condições e até a criança completar um ano, sempre sem perda de remuneração. Apesar de estes direitos serem transversais a trabalhadores com rendimentos dependentes ou independentes,
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desde que tenham o prazo de garantia de seis meses de contribuições para a Segurança Social, a verdade é que o trabalho independente tem as suas próprias especificidades. Mais ainda quando temos um escritório próprio, o que obriga, não só por questões de sustentabilidade, mas acima de tudo, de ética e profissionalismo, a que efetivamente tenha de se encontrar um compromisso entre direito e dever. Por exemplo, para uma Agente de Execução que trabalhe sozinha, mesmo tendo funcionários, é impensável parar durante tanto tempo e delegar todos os atos num colega. Aliás, das conversas que vou tendo com colegas, penso que raras são aquelas que conseguem estar de licença por tempo muito superior a um mês e, até este, com várias interrupções. Por isso, mesmo com pouco mais de um mês, os meus filhos acompanharam-me muitas vezes ao escritório. Claro que nem tudo são desvantagens. O facto de trabalhar por conta própria permite-me acompanhar os miúdos, gerindo, sempre que possível, a minha agenda com os horários e necessidades deles. Mas o caso concreto das Solicitadoras e Agentes de Execução ainda é mais específico, uma vez que, geralmente, descontamos apenas para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS). Em termos de benefícios, o que está previsto é um subsídio de nascimento de cada filho, correspondente a um ordenado mínimo e um subsídio de maternidade que corresponde ao valor entre três a seis retribuições equivalentes a dez comparticipações mensais que se descontam para a CPAS. No meu caso, como fiz cesarianas e tive despesas com intervenções cirúrgicas e consequente internamento hospitalar tive uma comparticipação da CPAS de 15 por cento das despesas pagas. : :
PROFISSÃO
DIREITOS DA PATERNIDADE Marcelo Ferreira, Solicitador e Delegado Concelhio da Covilhã da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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licença de paternidade constitui um valor social eminente, já que os trabalhadores têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação ao exercício da parentalidade. Para a generalidade dos trabalhadores com rendimentos dependentes ou independentes, com mais de seis meses (seguidos ou não) de contribuições para a Segurança Social, existem dois tipos de licença parental: a inicial a gozar pelo pai por impossibilidade da mãe e a exclusiva dele. O gozo pelo pai de uma licença parental é obrigatório e traduz-se em quinze dias úteis, seguidos ou interpolados, nos trinta dias seguintes ao nascimento do filho, cinco dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este. Ao referido prazo acrescem dois dias por cada gémeo além do primeiro. Após o usufruto da licença prevista no número anterior, o pai tem ainda direito a dez dias úteis de licença, seguidos ou interpolados, desde que gozados em simultâneo com a licença parental inicial por parte da mãe. Este deve avisar a entidade empregadora com a antecedência possível, que não deve ser inferior a cinco dias. Ao contrário da mãe – cuja licença parental inicial e exclusiva é de seis semanas consecutivas logo após o parto e se pode iniciar trinta dias antes do mesmo – a licença parental inicial exclusiva do pai dura vinte e cinco dias úteis, quinze obrigatórios e dez facultativos. Poder usufruir de uma dispensa do emprego, em virtude do nascimento de um filho, é um direito. A esta dispensa corresponde ainda um subsídio de compensação, o famoso subsídio parental exclusivo ao pai. O subsídio parental inicial é concedido por um período de até cento e vinte dias ou cento e cinquenta dias consecutivos. A cada um destes períodos podem acrescer mais trinta dias por partilha da licença e/ou trinta dias por cada gémeo além do primeiro. E tal como acontece com a mãe, a licença parental do pai também é paga a cem por cento. O pai tem também direito a três dispensas do trabalho para acompanhamento a consultas pré-natais. Já o caso de Solicitadores e Agentes de Execução reveste-se de outra particularidade. Isto acontece porque, geralmente, estes profissionais descontam apenas para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS). Esta prevê que o pai beneficie de um subsídio de nascimento por cada filho, correspondente a um ordenado mínimo. No caso de ambos os pais serem beneficiários da CPAS, o valor atribuído será de dois ordenados mínimos. : :
Sollicitare 27
OSAE
2018:
UM ANO DE TRABALHO LAUREADO Texto Andreia Amaral
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arcado pela eleição dos novos órgãos, 2018 foi um ano de muito trabalho, mas também de muitos frutos, para a OSAE. E se as iniciativas se multiplicaram no calendário, os aplausos dos diferentes quadrantes foram igualmente um denominador comum ao longo dos meses, no reconhecimento do inequívoco contributo da OSAE para a Justiça e para o País. O ano começou precisamente com a entrega ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, da versão final do Pacto para a Justiça, naquele que foi o culminar do diálogo e compromisso, para um sistema mais eficiente, entre a OSAE, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) e a Ordem
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dos Advogados (OA). Com mais de 80 medidas que terão um impacto positivo no funcionamento da Justiça nacional, o documento seria largamente elogiado, primeiro, pelo próprio Presidente da República e, mais tarde, pelos vários intervenientes na cerimónia de Abertura do Ano Judicial, que decorreu a 18 de janeiro, no Supremo Tribunal de Justiça. Empenhada em estabelecer pontes com os diferentes quadrantes, a OSAE participou ainda nas reuniões do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) e acolheu mesmo na sua sede, a 1 de março, mais uma reunião de Secretários-Gerais das Associações Públicas que integram a CNOP. No dia 11 de julho, no âmbito de um processo de auscultação da sociedade civil quanto às propostas sobre a reforma da Justiça, Rui Rio reuniu com uma delegação da OSAE presidida pelo seu Bastonário, José Carlos Resende. No decorrer do ano, a OSAE celebrou dois protocolos. O primeiro deles foi assinado, a 16 de janeiro, com a Associação Nacional de Proprietários, tendo como objetivo promover a divulgação das marcas e serviços da Ordem e a atividade dos seus associados. Já a 7 de março, numa cerimónia presidida pelo Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, a OSAE celebrou com a Direção-Geral do Território um protocolo que veio regulamentar o registo dos Solicitadores enquanto técnicos de cadastro predial, no corolário de um processo que assentou no reconhecimento do serviço GeoPredial e do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelos Solicitadores em matéria relacionada com o cadastro predial. As ferramentas tecnológicas de apoio à atividade mere-
As Jornadas de Estudo 2018 reuniram, em Setúbal, muitas personalidades e mais de 400 Solicitadores e Agentes de Execução.
ceram também enaltecimentos por parte da comunidade internacional. Na sequência da visita à sede da OSAE de uma delegação da Ucrânia, Natalia Lapko, representante do Banco Nacional da Ucrânia, e Oleksandr Oliynyk, responsável pelo Departamento de Justiça e Segurança Nacional do Ministério da Justiça da Ucrânia, elencaram a importância do encontro para aquele que será o desenho das soluções tecnológicas de suporte às profissões no seu país. No segundo semestre, as ferramentas desenvolvidas pela OSAE, como o SISAAE – Sistema Informático de Suporte à Atividade do Agente de Execução, o PEPEX – Procedimentos Extrajudiciais Pré-executivos ou a plataforma E-Leilões, foram elogiadas no estudo ‘Realização de negócios na União Europeia 2018’ do Banco Mundial, com os autores a veicularem, no capítulo dedicado à ação executiva em Portugal, que “a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução teve um papel fundamental não só na implementação de reformas, mas também no desenvolvimento de ferramentas de apoio aos Agentes de Execução”. Com o intuito de permanecer na vanguarda da tecnologia
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OSAE
A entrega do Pacto para a Justiça ao Presidente da República foi o culminar do diálogo e compromisso entre diferentes instituições.
e do fornecimento de soluções que melhorem a eficiência e a segurança, como de resto é seu apanágio, a OSAE apresentou duas ferramentas. A plataforma OSAE 360º viabiliza a criação de visitas virtuais e permite que o utilizador interaja com os detalhes da imagem para uma noção mais realista do bem sem necessidade de uma visita presencial. Por esse motivo, assume uma utilidade preponderante na plataforma E-Leilões, mas também na elaboração de Autos de Constatação, uma vez que possibilita a conservação de uma determinada circunstância material. Já a plataforma Viagem de Menores concretiza-se num modelo multilingue para a autorização de saída de menores para o estrangeiro, dando cumprimento ao quadro legal nacional, enquanto se reforça a segurança dos menores e assegura a autenticidade da autorização. A nível orgânico, 2018 marcou o início de um novo mandato. A tomada de posse dos órgãos regionais do Porto decorreu a 5 de fevereiro, no Tribunal da Relação do Porto. Três dias depois, o salão nobre do Tribunal da Relação de Coimbra acolhia a tomada de posse dos órgãos regionais de Coimbra e, a 15 de fevereiro, eram empossados os novos órgãos regionais de Lisboa, na sede da OSAE. Este local foi também o palco para a cerimónia de tomada de posse dos órgãos nacionais, nomeadamente dos membros eleitos para os Conselhos Profissionais dos Colégios dos Agentes de Execução e dos Solicitadores, para o Conselho Fiscal, para o Conselho Superior, para o Conselho Geral e do Bastonário, José Carlos Resende. O evento contou com a presença, entre muitas
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2018: UM ANO DE TRABALHO LAUREADO
outras personalidades, de Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça, e de Françoise Andrieux, então Presidente da Union Internationale des Huissiers de Justice (UIHJ). Convocadas para dia 28 de março, as Assembleias de Representantes dos Colégios dos Solicitadores e dos Agentes de Execução reuniram na sede da OSAE, em Lisboa. Nestas Assembleias, para além de terem sido discutidos e votados os relatórios de atividades referentes a 2017, os quais foram aprovados, foram ainda eleitas as respetivas mesas. Em maio, eram eleitas as Delegações Concelhias. A rentrée ficou marcada pela assinatura do contrato de compra e venda do edifício sede da OSAE. Na presença do Bastonário da OSAE e do Presidente da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, António Costeira Faustino, a assinatura realizou-se no âmbito de uma cerimónia que decorreu, no dia 27 de setembro, na emblemática Biblioteca Solicitador Daniel Lopes Cardoso. O evento terminou com um Porto de Honra e com o corte de um bolo inspirado no edifício que dá alicerces à instituição para continuar a crescer. Em linha com este mote e a atestar o compromisso da OSAE com um futuro auspicioso, durante 2018, foram ministradas 123 ações de formação, num total de 1115 horas, 3500 inscritos e 30 temas em 24 localidades. Sempre no debate dos temas que marcam a atualidade das profissões, a OSAE promoveu na sua sede conferências com temáticas tão diversas como “Propriedade Horizontal e Condomínios” ou “O Processo de Inventário”, mas também o IV Fórum para os associados de Castelo Branco, Portalegre, Bragança, Vila Real, Coimbra, Leiria, Porto e Aveiro. O evento mais concorrido foi, no entanto, as Jornadas de Estudo 2018, que contaram com 400 Solicitadores, Agentes de Execução e estagiários vindos de todo o país. Nos dias 19 e 20 de outubro, os espaços Fórum Municipal Luísa Todi e Luna Esperança Centro Hotel, em Setúbal, foram palco para a reflexão sobre as temáticas que marcam o seu exercício. Maria das Dores Meira, Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Pedro Bacelar Vasconcelos, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, Juan Carlos Estévez, Presidente do Consejo General de Procuradores de España, Helena Mesquita Ribeiro, Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, e Susana Antas Videira, Diretora-Geral da Direção-Geral da Política de Justiça, foram apenas algumas das personalidades que participaram nas diferentes mesas. O ano acabou com a Assembleia Geral da OSAE, que decorreu a 27 de dezembro e culminou na aprovação de todos os documentos e assuntos levados à assembleia, destacando-se o Plano de Atividades e o Orçamento para 2019, bem como o Regulamento Disciplinar da OSAE. : :
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FORAM VÁRIAS AS PERSONALIDADES DE RENOME QUE PARTICIPARAM NA CONFERÊNCIA “LINGUAGEM DA JUSTIÇA E O CIDADÃO”.
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OSAE
LINGUAGEM DA JUSTIÇA ANALISADA NA SEDE DA OSAE Texto Andreia Amaral
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ecorreu, no dia 10 de janeiro, na sede da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), a conferência “A Linguagem da Justiça e o Cidadão”. Promovida pelo Instituto de Formação Botto Machado, da OSAE, a iniciativa debateu formas de aproximar a linguagem da
Justiça aos cidadãos. O auditório da OSAE acolheu mais de seis dezenas de participantes, numa reflexão que contou com as intervenções de Luís Goes Pinheiro, Secretário de Estado Adjunto e da Modernização Administrativa, Helena Mesquita Ribeiro, Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Pedro Delgado Alves, Deputado à Assembleia da República, José Mouraz Lopes, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas, Francisco Miranda Rodrigues, Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Pedro Barbas Homem, Reitor da Universidade Europeia, e Elizabeth Fernandez, Advogada e Professora da Escola de Direito da Universidade do Minho. As intervenções foram coordenadas por Rui Miguel Simão, 1.º Secretário do Conselho Geral da OSAE, e José Carlos Resende, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Na sessão de abertura, José Carlos Resende contextualizou que, com este evento, a OSAE pretende contribuir para que a linguagem utilizada na Justiça seja compreendida pelos cidadãos, agilizando uma resposta à “constatação de que os textos dos documentos que usamos, nomeadamente na OSAE, precisam de uma revisão geral em termos da sua simplificação e compreensão. Somos permanentemente confrontados com as dificuldades que aqueles a quem vamos citar, notificar ou penhorar, têm em perceber o que está nos documentos”. À questão sobre se a simplificação da linguagem se irá repercutir na quantidade de trabalho dos Solicitadores, o Bastonário responde: “Quanto mais os cidadãos
dominarem os seus direitos, melhores cidadãos serão e mais serão capazes de os reclamar e de protestar quando forem prejudicados. Para isso, nada melhor do que serem auxiliados por profissionais.” Na sua intervenção, o Secretário de Estado Adjunto e da Modernização Administrativa fez questão de congratular a OSAE por trazer este tema à discussão. Após abordar os desenvolvimentos na modernização administrativa e o sucesso do programa Simplex – já com nove edições, 1678 medidas contratualizadas e uma taxa de cumprimento anual de pelo menos 80 por cento –, Luís Goes Pinheiro referiu que “não chega estar melhor. Um dos aspetos essenciais da modernização administrativa é o aspeto da comunicação do que está melhor, mas também da garantia de que o cidadão e as empresas se sentem confortáveis no relacionamento com a administração pública”. Nesse sentido, mostrou que o Governo partilha esta preocupação, adiantando que o Portal do Cidadão vai ter uma nova cara, que responde à “necessidade de ter feições mais amigáveis, mais próximas de quem a usa, mas também de ter uma linguagem mais acessível. Todos os serviços do Portal do Cidadão vão ser revistos do ponto de vista da sua linguagem, de forma a simplificá-la”. Terminada a cerimónia de abertura, teve início o primeiro painel da manhã, moderado por Rui Miguel Simão, 1.º Secretário do Conselho Geral da OSAE. Elizabeth Fernandez, Advogada e Professora na Escola de Direito da Universidade do Minho, interveio a propósito do tema “A importância da linguagem dos atos processuais: o caminho difícil da legal language à plain language”. Na sua explanação, baseada no artigo da sua autoria “O (não) estranho caso de Veronica C.”, Elizabeth Fernandez defendeu que, mais do que em simplificação, deve falar-se de uma “adequação da linguagem”, visto que, muitas vezes, as citações, notificações e junções “estão escritas numa linguagem que, sendo legal, não está necessariamente o seu
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destinatário habilitado a compreender”. Elizabeth Fernandez sublinhou ser necessário promover uma literacia jurídica, formando os cidadãos desde tenra idade para a linguagem da Justiça. No entanto, tratando-se esta de uma medida a longo prazo, urge “transmitir para uma linguagem comum a linguagem legal”, no sentido de torná-la compreensível para o cidadão, pese embora a sua complexidade. José Mouraz Lopes abordou a “Construção e compreensão das decisões judiciais: (também) uma questão de cidadania”. O Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas elencou que as decisões judiciais também têm impacto e relevância na vida de todos os cidadãos, visto que “permitem que estes cimentem os seus valores jurídicos, quais os deveres e os direitos que têm” e como os tribunais os interpretam. “O Direito precisa de mecanismos que permitam tornar efetiva essa transmissão de conhecimento”, afirmou José Mouraz Lopes, considerando ser premente uma melhor compreensibilidade das decisões judiciais, designadamente, através da harmonização da redação e da estrutura formal dos textos das decisões. “A escolha das palavras: o papel do legislador na construção de normas acessíveis ao cidadão” foi o mote para a intervenção de Pedro Delgado Alves. O Deputado à Assembleia da República assumiu que, nesta aproximação da linguagem da Justiça ao cidadão, o papel do legislador é fundamental, quer porque o destinatário das normas tem de compreendê-las, quer porque estas têm de ter uma leitura unívoca. Pedro Delgado Alves advertiu, no entanto, para a complexificação da atividade legislativa, nomeadamente devido à existência de um legislador europeu, que introduz um novo nível de dificuldade na inteligibilidade do discurso, e das próprias negociações à aprovação da lei. Abordando a imperiosidade da “qualidade da narração e da redação das normas”, o Deputado apelou “à necessidade de um acordo interinstitucional,
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nomeadamente entre aqueles que são os órgãos institucionais com competência legislativa”. Após uma pausa para café, teve início o segundo painel, moderado pelo Bastonário da OSAE e no qual participaram Francisco Miranda Rodrigues e Pedro Barbas Homem. O Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses traçou a universalidade da preocupação com a adequação da linguagem técnica ao cidadão, sob o receio de que “a simplificação possa significar menos rigor, cuidado e solidez no conteúdo que se está a transmitir”. Abordou ainda a aplicabilidade da Psicologia a muitas áreas, que não apenas a clínica, e reiterou que “há muitos contributos concretos que a Psicologia pode dar à Justiça a este nível”, até porque estas são já duas áreas que se cruzam. “O conhecimento científico pode e deve ser, em muitos casos tem sido já, aplicado à linguagem jurídica”, frisou. Pedro Barbas Homem, Reitor da Universidade Europeia, destacou que o distanciamento da linguagem da Justiça ao Cidadão se deveu também à massificação de todas as profissões da Justiça, até porque outrora existia uma linguagem simplificada devido à padronização de certos atos, e aos desafios resultantes da introdução da técnica a que se juntará, em breve, o da inteligência artificial. “A inteligência artificial pode ser um extraordinário aliado no que diz respeito à simplificação da linguagem”, defendeu o Reitor da Universidade Europeia, exemplificando que entidades massificadas já recorrem a ela. Entretanto, “muitas vezes, o que torna imprecisa a comunicação é o desconhecimento do cânone literário”. Na sessão de encerramento da conferência, o Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, José Carlos Resende, deixou um desafio ao Ministério da Justiça para que, em conjunto com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que esteve representado por uma numerosa delegação, e com o Ministério das Finanças, se promovesse uma reunião com os protagonistas na redação das notificações dirigidas aos cidadãos, a coberto dos normativos do Código de Processo Civil, de forma a se assegurar um conjunto de procedimentos e linguagens similares e de fácil compreensão pelos cidadãos. Sublinhou ainda os progressos que se têm alcançado com pequenas alterações de procedimentos, dando como exemplo o leilão eletrónico, e terminou agradecendo a todos os palestrantes os elogios ao pioneirismo da OSAE em discutir este tema. A Secretária de Estado Adjunta e da Justiça assumiu que “existe, de facto, um défice de literacia jurídica”, que deverá ser colmatado sob forma de um esforço combinado do Estado e do cidadão. Sendo que existe o dever de o Estado comunicar de forma clara o Direito aos seus cidadãos, Helena Mesquita Ribeiro recordou que “este direito tem dois sentidos. Num Estado de Direito Democrático, os cidadãos não são meros objetos da Lei, são sujeitos de direitos e deveres jurídicos, o que pressupõe, de cada um de nós, um esforço no sentido de nos informarmos ativamente e de pensarmos criticamente sobre o direito que nos é aplicável e sobre as instituições que regem as nossas vidas e a vida em sociedade”. : :
PROFISSÃO
DOCUMENTOS PARTICULARES AUTENTICADOS QUE RUMO?
A
Por Edgar Silva, Solicitador e Vogal suplente do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
s medidas de simplificação, desmaterialização e eliminação de atos e procedimentos no âmbito do registo predial e atos conexos, adotadas em face do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, vieram permitir a titulação de negócios jurídicos sobre imóveis – que, até então, estava obrigada a escritura pública – através de Documento Particular Autenticado (dpa). Tal opção legislativa veio alterar profundamente o paradigma do notariado português, possibilitando ao Solicitador a faculdade de titular um vasto conjunto de negócios jurídicos sobre imóveis. O leque de atos praticáveis pelo Solicitador passou, assim, a ser muito mais amplo, reforçando e projetando a sua qualificação técnico-jurídica. Mas não só. O setor público viu também relançada a sua oferta de serviços, pois que, através do programa Simplex, foram criados os Balcões Casa Pronta e Heranças e Partilha, destinados à prática de serviços de titulação de negócios jurídicos sobre imóveis e de formalidades relacionadas com as sucessões, em concorrência direta com os agentes privados (Notários, Solicitadores e Advogados). Esta “reimplantação” de prestação de serviços notariais por parte do Estado constituiu uma inversão total da lógica operada aquando da privatização do notariado, na Reforma de 2004, que tinha na sua génese o incremento da eficiência, qualidade de serviço e a redução acentuada de encargos para o erário público. Estes Balcões, que prestam serviços públicos de índole notarial, passaram a concorrer diretamente com os profissionais liberais, estabelecendo uma política de preços reduzidos, determinados numa lógica de orientação para os custos, e de disponibilização de soluções rápidas, possibilitadas pelo acesso a ferramentas informáticas públicas (bases de dados do registo civil, predial, comercial, etc.), inacessíveis aos profissionais liberais nos mesmos moldes (sem custos ou a custos muito mais reduzidos do que o normal).
É, pois, claro e inequívoco que a procura destes serviços públicos é avassaladora, se comparada com a procura dos serviços prestados pelos agentes privados, que têm de praticar preços mais elevados e a que acrescem os emolumentos do registo predial e das várias certidões, necessários à titulação do negócio jurídico. O registo imediato e sem custos acrescidos do negócio jurídico titulado, o acesso a plataformas informáticas de uso exclusivo, a prática de atos acessórios com carácter gratuito e a política de preços abaixo dos praticados pelos profissionais liberais (designadamente pelo notário, com honorários tabelados), sem sujeição a IVA, provoca um inevitável domínio de mercado por parte do Estado e coloca os prestadores de serviços privados em clara desvantagem concorrencial. A posição dominante do Estado, nesta área, provoca um efeito negativo na saudável concorrência entre os profissionais liberais, limitando-lhes o livre domínio nas competências que lhe foram legalmente estabelecidas em 2008. Será este reforço de competências dos serviços públicos benéfico quando o setor privado está plenamente preparado para dar resposta aos cidadãos e empresas? Não deveria o Estado reorientar os serviços e recursos públicos para áreas onde existem, atualmente, deficits de resposta, deixando operar, no setor privado da titulação de negócios jurídicos sobre imóveis, uma livre e sã concorrência? As respostas parecem-nos óbvias… Esta problemática tem vindo a ser amplamente discutida, embora ainda sem sinais evidentes de mudança. Em 2017, não se mostrando indiferente a tal questão, a OSAE aprovou, no VII Congresso, várias recomendações sobre o assunto, as quais foram endereçadas à Excelentíssima Ministra da Justiça. De entre elas, recomendava-se: i) a implementação de uma taxa de IVA igual, única e reduzida nos serviços jurídicos prestados aos cidadãos, permitindo que os serviços efetuados, em concorrência, entre as conservatórias, os Notários, os Advogados e os Solicitadores não fossem mais caros para os cidadãos por força da sujeição ao pagamento do IVA; ii) a permissão de acesso, ao Solicitador, às funcionalidades do portal da Autoridade Tributária (AT), em moldes idênticos aos acessos efetuados pelos referidos Balcões; e iii) por razões de transparência, a alteração da competência para o registo do ato (impedindo as conservatórias de registarem os atos por si titulados). Não se conhecem, até ao momento, quaisquer alterações ou mudanças. Porém, a colocarem-se em prática, como se propugna, seriam, sem sombra de dúvida, uma mais-valia na melhoria do panorama concorrencial entre os agentes privados e o serviço público de índole notarial. É plenamente legítimo e fundamental exigir-se a eliminação do rol de vantagens que o setor público tem nesta área, permitindo-se, assim, que o Solicitador possa evoluir e destacar-se nesta função tão exigente e atrativa. : :
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REPORTAGEM
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VISITAR A COLEÇÃO DO FUNDADOR DO MUSEU CALOUSTE GULBENKIAN É VIAJAR POR MAIS DE CINCO MIL ANOS DE HISTÓRIA. É PERCORRER A ARTE EGÍPCIA E A GRECO-ROMANA. É VISITAR A MESOPOTÂMIA, O ORIENTE ISLÂMICO, A ARMÉNIA E O EXTREMO ORIENTE. É VIAJAR PELO OCIDENTE, PELA ESCULTURA, PELA ARTE DO LIVRO, PELA PINTURA, PELAS ARTES DECORATIVAS FRANCESAS DO SÉCULO XVIII E PELAS OBRAS DE RENÉ LALIQUE. É CONHECER UMA DAS MAIS IMPORTANTES COLEÇÕES PRIVADAS DE ARTE INTERNACIONAL, REUNIDA POR AQUELE QUE FOI UM DOS HOMENS MAIS RICOS DO MUNDO. ENGENHEIRO, DIPLOMATA, HOMEM DE NEGÓCIOS E COLECIONADOR VISIONÁRIO, CALOUSTE GULBENKIAN SOUBE UNIR, COMO POUCOS, O ORIENTE AO OCIDENTE, NUMA ALTURA EM QUE CONCEITOS COMO GLOBALIZAÇÃO OU TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO SERIAM UMA MIRAGEM. VIAJE CONNOSCO PELO NOTÁVEL PERCURSO DE CALOUSTE GULBENKIAN, DESDE AS MARGENS DO BÓSFORO ÀS MARGENS DO TEJO.
150 ANOS DE CALOUSTE GULBENKIAN Texto Joana Gonçalves / Fotografia Rui Santos Jorge / assista ao vídeo em www.osae.pt
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150 ANOS DE CALOUSTE GULBENKIAN
N O COLECIONADOR
este ano em que se comemoram 150 anos do nascimento de Calouste Sarkis Gulbenkian (1869-1955), importa conhecer quem foi este homem invulgarmente inteligente e de ideias inovadoras, “um arquiteto de empreendimentos”, como ele próprio se definia. Calouste Gulbenkian nasceu no seio de uma ilustre família arménia. Os negócios do pai envolviam o comércio de tapetes orientais e querosene, um produto derivado do petróleo muito rentável na altura, que era utilizado para iluminação e aquecimento. Além disso, dedicava-se à atividade bancária. Foi desde cedo que Calouste teve contacto com línguas e culturas diferentes, como, aliás, acontecia nas famílias mais abastadas da época. Quando terminou o ensino secundário, Calouste Gulbenkian foi para Marselha aperfeiçoar a língua francesa. Depois, seguiu rumo a Londres, onde foi admitido no King’s College, completando o curso de Engenharia e Ciências Aplicadas com uma classificação exemplar. Mas Gulbenkian não ficou por aqui: estudou o setor da exploração de petróleo, que viria a revolucionar, estando na base da origem das grandes companhias de exploração de petróleo da atualidade (não podemos esquecer que a fonte de energia da época era o carvão, extremamente poluente, sendo o petróleo, em comparação, bastante mais amigo do ambiente). Esta preocupação com o ambiente e a admiração pela natureza acompanhariam toda a vida de Calouste Gulbenkian. A sua inteligência, perspicácia e empreendedorismo, associado ao facto de dominar várias línguas, fez com que acabasse por obter autorização para fazer prospeção de petróleo numa importante zona petrolífera da Mesopotâmia, extremamente cobiçada. Na sequência disto, criou empresas e ligou-se a outras que já existiam, procurando sempre evitar conflitos e gerar consensos que a todos beneficiassem, ao ponto de reduzir a sua quota para conseguir integrar mais parceiros no negócio. Ficaria conhecido como “Mr. Five Per Cent” (Senhor Cinco Por Cento), já que grande parte da sua fortuna provinha dos cinco por cento que conseguiu manter na Turkish Petroleum Company. A prosperidade do negócio permitiu-lhe, assim, alimentar o seu lado de filantropo e a veia de colecionador. Depois de passar por Istambul, Londres e Paris, Calouste Gulbenkian acabou por se fixar em Lisboa em 1942, em plena II Guerra Mundial. Como muitos que fugiam à Europa e à guerra, também Gulbenkian pretendia embarcar num voo com destino a Nova Iorque. E Lisboa poderia ter apenas sido um meio para atingir um fim, e foi, só que com um desenlace diferente. Apesar das suas intenções, Gulbenkian acaba por ficar na capital portuguesa, tomado por uma doença repentina, mas, acima de tudo, agradado com a paz que reinava em Portugal durante o conflito. Instalar-se-ia no célebre Hotel Aviz, na companhia de cerca de uma dúzia de gatos e dos pássaros que adorava, e nunca chegaria a partir. O testamento de Gulbenkian permitiu criar a Fundação com o seu nome, em 1956, elegendo, assim, Portugal para a fixação da sua coleção, como forma de agradecimento pelo acolhimento neste momento crítico da Europa.
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A "Coleção do Fundador" reúne cerca de seis mil peças, representativas de um longo período da história e de diversas geografias.
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150 ANOS DE CALOUSTE GULBENKIAN
A A COLEÇÃO
denominada “Coleção do Fundador” integra, no Museu Calouste Gulbenkian, um acervo de cerca de seis mil peças reunidas pelo filantropo. Segundo desejo manifestado, as obras de arte adquiridas por si em vida e legadas à Fundação criada por vontade testamentária, deveriam ser reunidas sob o mesmo teto. Tal ambição foi concretizada em 1969. A coleção abrange um largo período da história da arte, bem como uma vastíssima área geográfica. Nuno Vassallo e Silva, diretor-adjunto do museu, guia-nos pelo edifício que alberga as “filhas” de Gulbenkian, como o próprio carinhosamente apelidava as suas obras. Falamos de um espaço que reúne “peças de valor incalculável, acessíveis a todos, naquela que é uma das melhores coleções do mundo”, sublinha o nosso anfitrião. Seguimos os seus passos, passos de quem conhece muito bem esta casa e a sente como se fosse sua. Nas primeiras salas, paramos para admirar a arte Egípcia e a Greco-Romana. Nuno Vassallo e Silva dedica particular atenção à coleção de moedas gregas – afinal, as moedas foram as primeiras peças que Calouste Gulbenkian começou por colecionar. Seguimos pela arte do Oriente Islâmico, visitamos a Pérsia, a Turquia, a Síria, o Cáucaso e a Índia. Viajamos por peças do século XII ao século XVIII, através de uma seleção de tapetes, tecidos, iluminuras, encadernações, lâmpadas de mesquita, azulejos e cerâmicas, nomeadamente de Iznik. Ao breve mas significativo núcleo dedicado à Arte Arménia, segue-se um importante conjunto de Arte do Extremo-Oriente. Admiramos porcelanas e pedras duras da China e lacas do Japão. E nisto, estamos de volta ao nosso continente. A arte Europeia inicia-se com um conjunto de marfins e iluminuras medievais. Presentes, ao longo de toda a visita, estão a escultura, da Idade Média até ao século XIX, e a pintura, dos séculos XV a XIX, com importantes núcleos que integram obras de Rogier van der Weyden, Ghirlandaio, Rembrandt, Rubens, Fragonard, Gainsborough, Turner, Manet, Renoir, Francesco Guardi e Degas, entre muitos outros. Nas artes decorativas, os nossos olhos iluminam-se pelos tons dourados que irradiam de grandiosas peças de mobiliário e de ourivesaria, provenientes de coleções reais europeias. “Muitas destas peças de mobiliário pertenceram à rainha Maria Antonieta”, explica Nuno Vassallo e Silva. Que destino bem mais feliz tiveram! A visita continua pelas jóias e vidros de René Lalique, de quem Calouste Gulbenkian foi admirador incondicional. “Para quem visita o museu, é clara a capacidade que a coleção tem de transmitir um discurso relacionado com a beleza e com o encontro entre várias culturas. Estas peças, mais do que obras de arte, são testemunhos culturais que mostram como o mundo tem tantas pontes e cruzamentos. Esse é, talvez, o maior legado de Gulbenkian: estreitar pontes entre o Oriente e o Ocidente. E, por isso, esta coleção é toda ela uma embaixadora, não só da nossa Fundação, como também desta partilha do que há de melhor na Humanidade.”
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150 ANOS DE NASCIMENTO, 50 ANOS DE MUSEU
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uma coincidência magnífica. 2019 representa não só o 150.º aniversário de nascimento do nosso fundador, como também os 50 anos da inauguração desta casa”, afirma, com contentamento, Nuno Vassallo e Silva, enquanto somos inebriados pela luz que entra por uma das grandes janelas, criando uma simbiose única entre o museu, a natureza e a cidade. Inaugurado em 1969, o projeto do edifício da sede e museu da Fundação Calouste Gulbenkian resulta de um concurso restrito dirigido pela administração da época a três equipas de arquitetos portugueses, que decorreu entre 1959 e 1960. Das três soluções apresentadas a concurso, foi selecionada a dos arquitetos Ruy Jervis d’Athouguia, Pedro Cid e Alberto Pessoa. Esta equipa apresentou um projeto que coincidia com os desígnios da encomenda: um conjunto arquitetónico de grande unidade, sobriedade e dignidade. “Estamos perante linhas muito simples e contidas. Todo ele foi pensado tendo em conta a visão de Calouste Gulbenkian. Comprovamos isso na ligação com a natureza, que tanto o fascinou, nas janelas projetadas sobre o jardim, quase como num diálogo. Estamos perante um marco na arquitetura museológica portuguesa.” E estamos também perante um complexo de arquitetura moderna que se converteu no primeiro do século XX a ser classificado como Monumento Nacional em Portugal. Não faltam, portanto, motivos para conhecer ou voltar à Fundação Gulbenkian durante este ano. Irá conhecer a história de um homem que, “ao longo dos seus 86 anos de vida percorreu o mundo, atravessou duas grandes guerras, foi diplomata, homem de negócios, um visionário na área petrolífera, filantropo e construtor de uma riquíssima coleção de arte”. Coleção essa acessível a todos, tal qual o seu desejo. A prova máxima desta sua faceta encontra-se em Lisboa, na fundação com o seu nome, e que deixou como legado “para benefício de toda a Humanidade”. : :
"Estas peças, mais do que obras de arte, são testemunhos culturais que mostram como o mundo tem tantas pontes e cruzamentos." Nuno Vassallo e Silva
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O ANO DOS CONSELHOS REGIONAIS 2018/Porto NA SENDA DA DESCENTRALIZAÇÃO
Por Duarte Pinto, Presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
D
ecorrido um ano desde o início de funções deste Conselho Regional do Porto (CRP) e, naturalmente, sem prejuízo do douto escrutínio que os associados poderão empreender na assembleia respetiva, podemos, desde já, apresentar um balanço positivo daquilo que foi realizado até hoje. Sendo uma das bandeiras deste executivo a descentralização, conseguimos chegar a todos os distritos que compõem o CRP, promovendo as mais diversas iniciativas. Destacamos, desde logo, as reuniões descentralizadas em cada um dos distritos e as sessões informativas que se lhes seguiram, as iniciativas de caráter lúdico, como os passeios e caminhadas, assim como o jantar de Natal, que, realizado fora do distrito do Porto, foi uma aposta ganha face ao número recorde de participações. Salientamos, também, o apoio prestado às delegações distritais e concelhias nas iniciativas locais que estas levam a cabo. Quanto à realização dos fóruns distritais, que vão já na sua quarta edição, o CRP tem dado um grande apoio na sua organização. O primeiro reuniu os associados dos distritos de Bragança e Vila Real e, posteriormente, foi a vez dos distritos de Porto e Aveiro. Nestes fóruns, foi notório o crescente interesse dos associados e a sua massiva participação, tendo-se constatado a inscrição de colegas oriundos de outros Conselhos Regionais. Recordamos que esta iniciativa tem o propósito de dar as boas-vindas aos colegas recém-inscritos, homenagear os que perfizeram 25 anos de atividade e
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abordar as mais diversas temáticas e vicissitudes relacionadas com as profissões de Solicitador e Agente de Execução. Realçamos, ainda, como muito positiva, a realização de uma caminhada aos Passadiços do Paiva, em Arouca. Tratou-se de um evento conjunto com os Conselhos Regionais de Lisboa e Coimbra, que juntou um número significativo de associados. Ainda em estreita colaboração com estes Conselhos Regionais, produzimos os calendários de mesa para o ano de 2019, em igual formato, bem como a lembrança oferecida nos almoços e jantares de Natal. Em 2018, o CRP deu, também, início ao procedimento de aquisição de pastas para os processos. Estas estarão disponíveis para compra pelos associados a nível nacional a muito curto prazo. Paralelamente, procedemos à aquisição dos tra-
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jes profissionais, de acordo com o modelo regulamentarmente proposto. Prestando todo o apoio à realização dos exames de agregação à Ordem, mantivemos uma forte presença na comissão de coordenação de estágio, colaborando, de forma veemente, com o Instituto de Formação Botto Machado nas ações de formação na área geográfica de intervenção do CRP. Por outro lado, temos vindo a reforçar a aproximação aos associados, disponibilizando, na sede do CRP, um serviço de atendimento por um dirigente. Este serviço acontece semanalmente, às sextas-feiras. Tem sido dado apoio aos Colégios Profissionais em iguais iniciativas. Relativamente às instalações do CRP, temos realizado os melhoramentos possíveis, num programa que visa dignificar, ainda mais, aquele espaço e o propósito a que serve. Reforçar os laços que ligam os associados aos seus órgãos representativos é, para nós, extremamente importante. Como tal, promovemos o acolhimento aos novos inscritos, através da entrega do “kit” de novo associado. Esta é feita, pessoalmente, pelos Delegados Concelhio e Distrital respetivos e por um representante do CRP. No âmbito de uma estreita colaboração institucional, em 2018 continuámos a contar, sempre que solicitado, com a cooperação dos Tribunais da Comarca e da Relação do Porto. Imbuídos da convicção que nos move, continuaremos a trabalhar no sentido de melhor servir os nossos associados, promovendo as iniciativas necessárias e apoiando o trabalho desenvolvido pelas delegações concelhias e distritais. : :
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2018/Coimbra SOB A CHANCELA DA PROXIMIDADE
Por Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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om sentimento de missão, visão, valores, otimismo e objetivos reais, o Conselho Regional de Coimbra (CRC) da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) esteve, em 2018, ainda mais próximo dos seus associados. Na construção desta relação de proximidade, foram preponderantes a interação entre o Conselho Regional, Delegações Distritais e Delegações Concelhias, as reuniões participadas e cheias de sugestões entre estes, bem como a receção conjunta pelos órgãos regionais e distritais aos novos associados. Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu foram palcos de recolha de contributos visando a melhoria do panorama profissional e associativo. Nestes cinco distritos, destacou-se ainda a abertura de portas dos Tribunais, por parte dos Juízes Presidentes, com um único objetivo, a criação de pontes de diálogo e cooperação, que em 2019 promete continuidade. O projeto de sensibilização em torno da formação em primeiros socorros foi um desafio superado, pontificado na entrega dos Certificados no Fórum Coimbra e Leiria. Revivendo memórias dos fóruns, em Castelo Branco ficou patente a certeza do sucesso da união de esforços na criação de elos entre os órgãos e os associados. Já no Fórum Leiria e Coimbra, a análise das temáticas e dos desafios do presente e do futuro teve o seu exponente no sucesso do “Espaço Delegações”, que arrancou com a simulação de julgamento “O Solicitador no Tribunal”.
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A 12 de junho, celebrou-se o Dia Regional do Solicitador e do Agente de Execução, sob o mote “100%”, com vários painéis sobre o dia a dia e partilhando um “Conselho Aberto”, onde os associados conheceram procedimentos e o funcionamento dos Serviços Administrativos. Neste dia, que começou e acabou com o característico Fado de Coimbra, tomaram posse os Delegados Concelhios pertencentes à área geográfica abrangida pelo CRC. O ano 2018 ficou ainda marcado pelas Comemorações do Centenário do Tribunal da Relação de Coimbra. Entre as iniciativas, destacaram-se as diferentes palestras, num programa que também deu espaço ao desporto. Realizou-se um torneio de futsal, em que o reforço de laços entre todos os que abraçam a causa da Justiça foram os principais golos marcados, e ao CRC coube o prémio de 1º classificado. Já
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a caminhada pelos Passadiços do Paiva, uma iniciativa conjunta dos Conselhos Regionais, mostrou-se um sucesso, com promessa de se repetir. A sede do CRC foi palco de uma exposição de pintura da artista Rosário Bello e de uma tertúlia com Neto Ferreirinha, que culminou na apresentação do seu último livro. O CRC aliou-se ainda às comemorações do 29.º aniversário da constituição formal da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC), com sede em Coimbra, numa iniciativa aberta à comunidade. Já com a colaboração do ISCAC – Coimbra Business School, decorreu uma conferência promovida pelo Fórum Regional do Centro das Ordens Profissionais (FoRCOP), cuja Comissão Permanente foi integrada, em 2018, pelo CRC. Subordinada ao tema “Agenda 2030 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, a iniciativa proporcionou uma mostra das Ordens Profissionais. O ano, que deixou memórias e muitos sorrisos, fechou com o Almoço de Natal, num dia pleno e de partilha, e com a contribuição para a causa “OSAE solidária”, que reverteu a favor da “Casa do Pai”, Centro de Acolhimento Temporário para Crianças e Jovens em Risco. : :
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2018/Lisboa ANO DE APRENDIZAGEM E CONSOLIDAÇÃO
Por João Aleixo Cândido, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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018 foi um ano de desafios e de vivências a ritmo acelerado no Conselho Regional de Lisboa (CRL) da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE). O objetivo que nos guiou é o mesmo de sempre: servir a Justiça, os nossos associados e o cidadão. Muitos foram os momentos que marcaram o calendário. Por não caberem todos nestas linhas, focamo-nos nos que mais memórias deixaram. Começamos por um projeto que nos orgulha e nos enche de esperança num futuro mais igualitário de acesso ao Direito: o serviço de “Informação Jurídica Gratuita” da OSAE. Através do CRL foram realizadas, a partir de outubro de 2018, 12 sessões de atendimento e registadas 54 inscrições. Trata-se de um serviço da OSAE que visa permitir, aos cidadãos mais carenciados, o acesso ao Direito de uma forma célere e sem grandes burocracias, possibilitado o atendimento por parte de um Solicitador que irá analisar e procurar esclarecer a dúvida ou encaminhar o cidadão para o serviço, entidade ou profissional mais adequado para resolver o seu problema. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer o acompanhamento dado pelo CRL no âmbito do estágio de Solicitadores 2018/2019. Este apoio incluiu toda a parte logística, inclusive a preparação de exames. Paralelamente, o CRL teve um papel importante na preparação e elaboração dos processos de inscrição, suspensão e cancelamento de inscrição dos associados.
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O ano que agora terminou foi também rico no que toca a eventos, quer organizados pelo CRL, quer em colaboração com a OSAE. Destaque para a realização do XII Encontro Regional, no dia 23 de junho, em Santarém. À semelhança dos anos anteriores, este encontro visou o convívio entre associados, familiares, dirigentes regionais e funcionários do CRL. A 28 de junho foi a vez de Castelo Branco receber o IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução. Castelo Branco juntou-se a Portalegre e Solicitadores e Agentes de Execução reuniram-se para pensar e debater o futuro das duas profissões. Este foi mais um Fórum integrado na quarta edição desta iniciativa promovida pela OSAE, tendo o mesmo sido organizado pela Delegação Distrital de Castelo Branco, sob coordenação dos Conselhos Regionais de Coimbra e de Lisboa. Seguiu-se o apoio à Delegação Distrital de Faro da OSAE, no dia 6 de outubro, na realização de um passeio de barco pelo rio Guadiana. Este convívio juntou associados de todo o país, familiares, colaboradores e amigos.
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As Jornadas de Estudo, que decorreram a 19 e 20 de outubro, na cidade de Setúbal, são outro marco indissociável do ano 2018. Durante dois dias, num evento realizado pela OSAE em colaboração com o CRL, Agentes de Execução e Solicitadores puderam assistir a painéis e workshops dedicados a áreas e questões específicas ligadas à sua atividade. O CRL representou, ainda, a OSAE em diversos eventos, como sejam na tomada de posse do Presidente do Tribunal da Relação de Évora, na cerimónia de abertura do ano letivo do Instituto Politécnico de Leiria, no seminário realizado no Tribunal da Relação de Lisboa, subordinado ao tema “Cidadania e Envelhecimento”, em eventos da Ordem dos Médicos, do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa e em diversos Conselhos Consultivos. O CRL participou, por fim, no Conselho Geral da CPAS. 2018 terminou com a organização do Almoço de Natal do CRL. Dezenas de Solicitadores, Agentes de Execução, familiares e colaboradores reuniram-se, no dia 1 de dezembro, na Cidade do Futebol. Findámos, da melhor forma, o ano, na certeza de que, em 2019, continuaremos a trabalhar em prol dos associados e de uma Justiça ao serviço do cidadão. : :
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O REVISOR OFICIAL DE CONTAS (ROC) E A AUDITORIA:
O presente artigo surge na sequência da aceitação do convite endereçado pela OSAE às diversas Ordens Profissionais nas reuniões de trabalho do Conselho Nacional das Ordens Profissionais, no sentido de cooperarem entre si na sua revista institucional. Assim, o texto que a seguir se apresenta enfatiza o essencial da atividade do ROC e o seu relevante contributo para a sociedade em geral, designadamente quando emite opinião independente sobre a fiabilidade da informação financeira elaborada pelas entidades legalmente sujeitas à sua intervenção (cf. Lei nº 140/2015, de 7 de setembro, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas), salientando ainda a intervenção do ROC no contexto da Justiça e da inovação, que, sendo temas transversais, cremos serem também relevantes para as demais atividades.
Por António Sousa Menezes, Vogal do Conselho Diretivo da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas
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Por Cláudia Cunha, Assessora Jurídica da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas
ROC exerce, primordialmente, as funções de auditoria às contas e outras funções que, por lei, exijam a sua intervenção própria e autónoma sobre determinados factos patrimoniais das empresas ou de outras entidades. No conjunto, constituem as designadas funções de interesse público e exclusivas do ROC. No exercício dessas funções, o ROC rege-se por normas de auditoria (normas técnicas) e por um estrito Código de Ética, tendo como princípio basilar a independência. A intervenção dos ROC visa conferir uma razoável garantia de fiabilidade de que a informação auditada está isenta de distorção material devido a erro ou fraude.
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ORDENS
UMA ABORDAGEM DA SUA INTERVENÇÃO NO CONTEXTO DA JUSTIÇA E DO INVESTIMENTO E INOVAÇÃO No domínio da Justiça e do combate à fraude, releva-se a complementaridade das funções do ROC com as exercidas por outros profissionais (como os Solicitadores e Agentes de Execução), decorrentes de diplomas específicos, como ocorre com a atuação do ROC a jusante dos processos de cobrança de créditos, mormente no que respeita a créditos sujeitos ao pagamento de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e que o sistema judicial, no conjunto das ações declarativas de condenação e especiais de cobrança, da ação executiva e dos processos de insolvência, não consegue satisfazer e que, consequentemente, se qualifiquem como créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa. Nesses casos, atualmente regidos pelos artigos 78.º a 78.º D do Código do IVA, o ROC certifica os valores de IVA a recuperar, mediante a verificação dos requisitos legais de qualificação dos créditos como incobráveis ou de cobrança duvidosa, dos prazos e da documentação de suporte do processo de regularização de IVA, de modo a possibilitar aos credores a recuperação do valor de IVA faturado, mas não cobrado, minorando assim as respetivas perdas. O ROC tem ainda uma importante missão no âmbito do Sistema de Incentivos no Domínio da Competitividade e Internacionalização (Despacho n.º 10172-A/2015, de 10 de setembro), que subsidia projetos de investimento na tecnologia e internacionalização. O pagamento dos subsídios concedidos ao abrigo do referido Sistema de Incentivos está condicionado ao cumprimento de um procedimento de validação das despesas, no qual o ROC intervém obrigatoriamente na qualidade de certificador, quando estejam em causa entidades sujeitas a “certificação legal das
A intervenção dos ROC visa conferir uma razoável garantia de fiabilidade de que a informação auditada está isenta de distorção material devido a erro ou fraude.
contas” ou quando o investimento elegível, para efeitos do referido subsídio, seja igual ou superior a 200 mil euros. Ambas as circunstâncias exemplificam a intervenção do ROC como uma espécie de auditor do Estado, garantindo, com a razoável fiabilidade possível, em face das normas técnicas aplicáveis, a informação financeira ou facto patrimonial subjacente. Com a sua atuação, o ROC diminui o risco de erro e de fraude e, consequentemente, de perdas no erário público, com o consequente benefício para os cidadãos e contribuintes. O ROC, atuando como membro dos órgãos sociais das empresas e outras entidades, privadas ou públicas, presta ainda um importante serviço de acompanhamento, especialmente nas pequenas e médias empresas, muitas vezes carecidas de profissionais nas áreas de controlo interno, da fiscalidade e do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, por exemplo. : :
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IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO
ATUALIDADE DA JUSTIÇA E DAS PROFISSÕES ANALISADA COM OS ASSOCIADOS DE COIMBRA E LEIRIA
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o dia 15 de novembro, no Hotel Villa Batalha, na Batalha, decorreu mais um Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução. Leiria juntou-se a Coimbra e Solicitadores e Agentes de Execução reuniram-se para pensar e debater o futuro das duas profissões. Este foi mais um Fórum integrado na quarta edição desta iniciativa promovida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e que contou com o apoio do Conselho Regional de Coimbra e das Delegações Distritais de Leiria e de Coimbra. A parte da manhã ficou a cargo das Delegações Distritais anfitriãs e do Conselho Regional, cujos presidentes, Ferraz de Melo, Elisabete Guilhermino e Anabela Veloso, foram os responsáveis por acolher os participantes e deixar alguns agradecimentos. Nas intervenções, ficou sublinhada a certeza do sucesso da união de esforços em prol de iniciativas como esta, tão relevantes na criação de pontes entre os órgãos e os associados, e de todos os projetos que possam levar mais longe as profissões. O “Espaço Delegações” arrancou com a simulação de julgamento “O Solicitador no Tribunal”. Este contou a colaboração de Helena Bruto da Costa, do Instituto de Formação Botto Machado da OSAE, Carlos Manuel de Oliveira, Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Rui Ribeiro, Oficial de Justiça, e António Nolasco, Administrador Judicial. No final da simulação, alguns participantes aproveitaram para esclarecer dúvidas e trocar experiências. “Esta é a indicação de que o Solicitador não está afastado dos tribunais, muito pelo contrário. Há cada vez mais Solicitadores a fazer mandato judicial e o seu papel é essencial em tribunal”, concluiu Helena Bruto da Costa. Após o período de almoço, foi num clima de entusiasmo e boa disposição que se iniciou o “Espaço OSAE”. Num primeiro momento dedicado aos Solicitadores, Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, e Fernando Rodrigues, Vice-Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, com moderação de Leandro Siopa, Secretário do Conselho Regional de Coimbra da OSAE, trouxeram uma análise em torno dos desafios do presente e do futuro, abordando ainda aspetos como a necessidade de uma formação constante, a
Texto Joana Gonçalves
mais-valia de soluções tecnológicas como o SoliGest e novos projetos como o Auto de Constatação. Já no contexto do painel dirigido aos Agentes de Execução, sob a moderação de Elisabete Guilhermino, Presidente da Delegação Distrital de Leiria da OSAE, Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, Nelson Santos, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, e Filomena Furtado, da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (CAAJ), abordaram questões que marcam a atualidade da ação executiva e o dia a dia dos profissionais. Assim, foram inclusive analisadas atualizações que ocorrerão, a curto prazo, no SISAAE, relacionadas, nomeadamente, com a dimensão dos ficheiros carregados, a caracterização das partes e com a conciliação. Feita uma pausa para o café, chegou então o momento do debate “O Pacto para a Justiça e o futuro nos Estatutos Profissionais”. A mesa foi composta por José Joaquim Fernandes Oliveira Martins, Secretário-Regional Centro da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Pedro Alves Loureiro, Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, Augusto Neves do Nascimento, Vice-Presidente da Direção Nacional e Coordenador Regional de Coimbra do Sindicato dos Funcionários Judiciais, e José Carlos Resende, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. No final do debate, concluiu-se ser preponderante manter um diálogo permanente, uma formação conjunta e um clima de cooperação em prol de uma melhor Justiça para os cidadãos. A cerimónia de encerramento deste IV Fórum de Leiria e Coimbra ficou ainda marcada pelo encontro de gerações. Nela foram entregues os diplomas aos novos associados e as placas comemorativas aos que completavam 25 anos de profissão. José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, presidiu a uma mesa composta também por Paulo Batista dos Santos, Presidente da Câmara Municipal da Batalha, por Carlos Manuel de Oliveira, Juiz Presidente do Tribunal de Comarca de Leiria, por Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, por Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, por Pedro Alves Loureiro, Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, e por Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da OSAE. : :
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OSAE
IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO
ASSOCIADOS DO PORTO E AVEIRO DEBATEM FUTURO Texto Joana Gonçalves
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Auditório Municipal de Gondomar recebeu, a 6 de dezembro, o IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução | Porto e Aveiro. Esta iniciativa, promovida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), contou com o apoio do Conselho Regional do Porto e das Delegações Distritais do Porto e de Aveiro e visou reunir os associados para debater a atualidade e os desafios das profissões. O Fórum iniciou com o acolhimento aos participantes por parte das Delegações Distritais anfitriãs e do Conselho Regional. Alexandra Ferreira, Secretária do Conselho Regional do Porto da OSAE, Ângelo Cardoso, Presidente da Delegação Distrital de Aveiro da OSAE e Nicolau Vieira, Presidente da Delegação Distrital do Porto da OSAE, deram as boas-vindas aos participantes, agradecendo a elevada participação por parte dos associados nortenhos. A manhã prosseguiu com o “Espaço Delegações” e com o painel “DPA’s – Requisitos de forma (o que deve e o que não deve conter)”, proferido por Virgílio Félix Machado, Conservador de Registos. A evolução da autenticação de documentos partilhados, o depósito eletrónico de documentos e a distinção entre escritura pública e o DPA foram alguns dos assuntos abordados. Esta edição do IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução | Porto e Aveiro prosseguiu com a intervenção de Delgado de Carvalho, Juiz de Direito, subordinada ao tema “O Título Executivo”. Neste painel, ficaram explanadas as funções e os requisitos do título executivo e foram destacados aspetos como a força executiva da ata da assembleia de condóminos. Foi já depois do almoço que teve início o “Espaço OSAE”. Num primeiro momento dedicado aos Solicitadores, Fernando Rodrigues, Vice-Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, e Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, com moderação de Delfim Costa, Vogal do Conselho Regional do Porto da OSAE, trouxeram uma análise em torno dos desafios presentes e futuros da profissão, focando ainda alguns dos novos projetos que marcam a atualidade da OSAE, como o Auto de Constatação e a Viagem de Menores. A tarde ficou também marcada pelo painel dirigido aos Agentes de Execução, moderado por Alexandra Ferreira, Secretária do Conselho Regional do Porto da OSAE. José
Mota Gomes, membro da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, Marco Santos, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, e Mara Fernandes, Vice-Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, abordaram questões que marcam a atualidade da ação executiva e o dia a dia dos profissionais. Assim, foram inclusive analisadas atualizações que ocorrerão, brevemente, no SISAAE e na plataforma e-Leilões. Após um coffee break, Marco Lopes, Presidente da Câmara Municipal de Gondomar, deixou algumas palavras de agradecimento à OSAE pela realização deste Fórum no município que representa. O autarca aproveitou também o ensejo para lançar um desafio aos associados: voltem a Gondomar e descubram todas as maravilhas que constituem o concelho. O debate “O Pacto para a Justiça” foi o momento que se seguiu. A mesa foi composta por Manuel Pego, Presidente da Delegação de Gondomar da Ordem dos Advogados, Manuel Moreira, Juiz de Execução em Lousada, em representação da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, e José Carlos Resende, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. No final do debate, que abordou também os estatutos profissionais, foi evidente um novo pacto: é urgente manter um diálogo permanente, uma formação conjunta e um clima de cooperação em prol de uma melhor Justiça para os cidadãos. A encerrar este IV Fórum de Porto e Aveiro, José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, presidiu a uma mesa composta também por Eduarda Maria Pinto e Lobo, Juíza Desembargadora Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, por Duarte Pinto, Presidente do Conselho Regional do Porto da OSAE, por Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, e por Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE. Foram depois entregues os diplomas aos novos associados e as placas comemorativas aos que completavam 25 anos de profissão. No seu discurso final, o Bastonário da OSAE terminou dando os parabéns às Delegações e ao Conselho Regional anfitrião por um dos Fóruns mais participados desta edição. Seguiu-se um jantar que contemplou o salutar convívio entre associados e convidados e que encerrou mais uma iniciativa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. : :
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Nas redes d@ OSAE Num reflexo do seu labor orgânico, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) esteve muito ativa nas redes sociais durante o ano de 2018. Se no Facebook os amigos quase duplicaram, no YouTube cimentou-se o canal OSAE.tv, que comemorou o seu primeiro ano de vida. Novas são as páginas do LinkedIn e do Instagram, a ganharem dimensão rapidamente e a impulsionarem ainda mais a interação da OSAE com os seus associados, com os profissionais de outras áreas, mas também com os cidadãos. E o envolvimento foi grande e profícuo: com cerca de um milhar de publicações, alcançaram-se uns imponentes quatro milhões de visualizações! Em cada post, story, vídeo ou artigo, o objetivo da OSAE é sempre o mesmo: contribuir para a progressão dos profissionais que representa e sensibilizar os cidadãos para o importante papel que Solicitadores e Agentes de Execução podem assumir na resolução de questões jurídicas!
Em 2018, a página da OSAE totalizou 8443 amigos. Com eles foram partilhadas 522 publicações, dando a conhecer as iniciativas da OSAE, novas ferramentas, formações, mostrando os momentos altos de todos os eventos, mas também dando conta de mudanças no quadro legal e de como os profissionais representados pela Ordem podem ser a solução para resolver, e descomplicar, muitas questões jurídicas. Mais de 15 mil partilhas, 67 mil gostos e 2,54 milhões de utilizadores únicos alcançados! A publicação com mais partilhas foi relativa à sensibilização de que os solicitadores são os únicos profissionais a utilizarem selos de autenticação emitidos pela casa da moeda. A publicação com mais gostos foi a campanha "Cuide da sua família. O Solicitador cuida do resto." Também quer ficar a par de tudo? facebook.com/OrdemSAE
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No dia 12 de setembro de 2018, a OSAE estreou-se no Instagram. As jornadas de Estudo deram o mote para as primeiras partilhas e, numa rede social em que a fotografia domina, foram partilhadas 447 imagens através de 149 publicações. Graças a este dinamismo, em pouco mais de três meses, a página ganhou quase 1300 seguidores e conquistou mais de cinco mil gostos. Ainda a dar os primeiros passos, a conta do Instagram da OSAE já mostrou o seu enorme potencial. Também aqui, campanhas como "Cuide da sua família. O Solicitador cuida do resto" ou "A papelada pode ser sinónimo de stress. A não ser que fale com um Solicitador" apaixonaram os seguidores! E se quer ver as fotos de todos os eventos, este é o local certo para encontrá-las! # ordem.solicitadores.ae
Entre reportagens, entrevistas, notícias e esclarecimentos, foram 70 os vídeos produzidos ao longo do ano pela OSAE. tv e publicados no canal do YouTube. Empenhada na missão de "Comunicar Justiça", a OSAE.tv brilhou em mais de 50 mil ecrãs, levando a informação da atualidade, esclarecendo o cidadão sobre o papel de Solicitadores e Agentes de Execução, mas também revelando aos profissionais como podem tirar todo o proveito das ferramentas desenvolvidas pela OSAE. A entrevista ao Bastonário da OSAE, José Carlos Resende, foi o vídeo mais visto, seguido do vídeo comemorativo do primeiro aniversário da OSAE.tv, da reportagem das Jornadas de Estudo e da campanha sobre os selos de autenticação. Osae.tv
Igualmente novidade, do primeiro trimestre de 2018, foi o lançamento da página do LinkedIn, uma rede social vocacionada para os contactos e conteúdos profissionais. Ainda em fase embrionária, este tem sido um sítio privilegiado para dar a conhecer os serviços dos profissionais representados pela OSAE, mostrando como estes podem assessorar empresas, profissionais e, claro, cidadãos, a resolver questões jurídicas e a ultrapassar processos burocráticos. Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
OSAE
JUSTIÇA ELETRÓNICA EM DEBATE NA OSAE
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ecorreu no passado dia 21 de dezembro, na sede da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), em Lisboa, o evento “Round Table” subordinado ao tema “Justiça Eletrónica”. Esta iniciativa, promovida pelo Programa de Justiça da União Europeia através do projeto ENABLE, teve como objetivo debater o impacto e as vantagens da digitalização da Justiça e contou com a moderação de José Carlos Resende, Bastonário da OSAE. Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, foi o responsável pelo início dos trabalhos, fazendo uma introdução a este projeto que visa o acesso desmaterializado à informação e execução cível na União Europeia. O papel do Agente de Execução no âmbito da justiça eletrónica foi outro dos temas abordados. O evento continuou com um painel proferido por Jos Uitdehaag, coordenador do projeto ENABLE. O especialista
Texto Joana Gonçalves
holandês centrou a sua apresentação nos resultados deste programa e na comparação das diferentes realidades dos países europeus no que diz respeito à Justiça eletrónica. A “Round Table” prosseguiu com uma comunicação sobre o “Acesso eletrónico às bases de dados”, proferida por David Lopes, Diretor do Departamento de Informática da OSAE. Seguiu-se um período de debate, no qual os participantes aproveitaram para esclarecer algumas questões e partilhar experiências. Após uma pausa para café, o evento terminou com a apresentação da plataforma para autorização de saída de menores do país, criada pela OSAE. “O objetivo desta plataforma digital é produzir um documento, em várias línguas, que reforce a segurança dos menores que vão ausentar-se do país e assegure a autenticidade da autorização exigida pelo quadro legal em vigor no território nacional”, sublinhou Edite Gaspar, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE. : :
IV MINI MARATONA DA JUSTIÇA REÚNE 1850 EUROS A FAVOR DO CENTRO SOCIAL S. PEDRO AFONSEIRO
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eve lugar, no passado dia 27 de outubro, a IV Mini Maratona da Justiça. Tudo aconteceu no Parque das Nações, a partir das 10 horas. Graças às inscrições e aos patrocínios da Fundação Oriente, das Águas Luso e da Delta Cafés, foram angariados 1850 euros, que reverteram a favor dos projetos Lar de Jovens “Abrir Caminhos” e Centro de Acolhimento Temporário “Sol dos Meninos”, do Centro Social S. Pedro Afonseiro. Adelino Oliveira, inscrito pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), terminou em primeiro lugar na prova masculina e Miriam Martins, também inscrita pelo SFJ, venceu a prova feminina. Referência ainda para Maria dos Anjos Fernandes, inscrita pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e secretária do Conselho Superior, que, depois de vencer a prova feminina da terceira edição desta iniciativa, terminou em segundo lugar. Para além da OSAE, também a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados e o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SCGP) integraram a organização desta iniciativa, cujo balanço, perante a adesão e a satisfação de todos os participantes, não poderia ter sido mais positivo. : :
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REPORTAGEM
A ARTE DO
Chocolate ACOMPANHAM-NOS EM MOMENTOS DE COMEMORAÇÃO E CONSOLAM-NOS EM SITUAÇÃO DE TRISTEZA. MELHORAM O HUMOR, DEIXAM UM RASTO DE VELUDO NA BOCA E UM AROMA ADOCICADO NO AR, ABRAÇANDO-NOS COMO QUE A UM AMIGO DE LONGA DATA. NÃO SERÁ POR ACASO QUE OS CIENTISTAS DESCOBRIRAM QUE COMER CHOCOLATE POTENCIA AS MESMAS SENSAÇÕES DE ESTAR APAIXONADO. OS CHOCOLATES DA ARCÁDIA LEVAM-NOS NESSA MESMA EMOÇÃO. UM VERDADEIRO CASO DE TENTAÇÃO, NUM ÍCONE NACIONAL QUE ACONCHEGA A ALMA E AQUECE O CORAÇÃO. Texto Joana Gonçalves / Fotografia Rui Santos Jorge assista ao vídeo em www.osae.pt
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o entrar na fábrica da Arcádia, em Grijó, Vila Nova de Gaia, sentimo-nos portadores de um exclusivo bilhete dourado de Willy Wonka. Um mundo de cores, texturas e aromas inebria-nos e pede que se cometa o pecado da gula. Falar da Arcádia é, sem dúvida, falar num dos maiores símbolos portugueses da arte de fazer chocolate. A celebrar 85 anos, já há muito que ultrapassou as fronteiras da cidade Invicta, de onde é original, e é hoje marca indissociável da qualidade chocolateira e da pastelaria nacional. Mas voltemos ao início. A Arcádia nasceu na Praça da Liberdade, em plena baixa, pela mão de Manuel Pereira Bastos. Corria o ano de 1933 e o Porto ganhava "uma das mais modernas confeitarias, ponto de encontro das famílias mais distintas do norte do país", explica Margarida Bastos, neta do fundador e atual administradora, em conjunto com o irmão, João Bastos. Mais do que uma confeitaria, a Arcádia servia também, até ao 25 de Abril, grandiosos banquetes para altas figuras estatais de Portugal e do estrangeiro e conta-se que até a Rainha Isabel II terá sido servida pela empresa, numa visita oficial ao Porto. Ao mesmo tempo, a localização próxima da estação de S. Bento fez com que a Arcádia se tornasse paragem obrigatória na visita à cidade. "Quem vinha ao Porto, seja em negócios, seja em lazer, acabava por passar na Arcádia e levar uns bombons ou umas línguas de gato como lembrança. Ninguém deixava o Porto sem vir à Arcádia", garante. Mas oito décadas é muito tempo e as mudanças vão, naturalmente, acontecendo. Depois do falecimento do fundador, o pai de Margarida assumiu as rédeas do negócio. Em 2000, fruto da alteração de hábitos dos portuenses – em consequência do aparecimento dos centros comerciais na periferia da cidade – deu-se a "desertificação do centro do Porto", como relata a atual responsável. E a confeitaria na Praça da Liberdade fechou portas, 67 anos após a inauguração. Foi por essa altura que Margarida e João Bastos deixaram as suas profissões para se dedicarem inteiramente ao negócio de família. Ela formada em Farmácia, ele gestor da Sonae. E as ideias surgiram. O primeiro passo foi reabrir a loja que ainda hoje existe na Rua do Almada, em cujo espaço chegou a funcionar a confeitaria Arca Doce, nos anos 40, mas que, por não ser rentável, a família encerrou, mantendo só a da Praça da Liberdade. Posteriormente, e para ir ao encontro dos clientes que preferiam as grandes superfícies comerciais, a Arcádia abriu um pequeno quiosque sazonal em 2003, no Norte Shopping. O sucesso foi tal que o quiosque rapidamente se transformou em loja fixa, mostrando que eram falsos os rumores que auguravam o final da marca: "As pessoas viram que a Arcádia estava viva e recomendava-se." Logo a seguir, instalaram-se no Dolce Vita Porto, atual Alameda Shop & Spot. Seguiu-se a Casa do Chocolate, na Avenida da Boavista. E foram tantas as aberturas que, hoje, a Arcádia conta com 27 lojas espalhadas pelo Porto, Lisboa, Cascais, Estoril, Aveiro, Coimbra, Viseu, Braga, Guimarães e Loulé. Concluímos, portanto, que o sucesso da Arcádia se resume a
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uma equação que une qualidade, tradição e inovação. "Esforçamo-nos por conservar o processo artesanal da criação dos nossos chocolates, apostando nas receitas tradicionais e perspetivando, simultaneamente, o futuro. Esse futuro passa pela inovação, com receitas novas, garantindo sempre a qualidade máxima dos produtos e da confeção, sendo tudo natural e artesanal”, conta-nos Margarida Bastos, enquanto nos guia pelas várias secções da fábrica em Grijó, recentemente transferida da Rua do Almada devido à expansão da marca. Aqui, hábeis mãos manejam com uma precisão alucinante cada bombom, um a um. São 40 as pessoas que dão vida à Arcádia, número que aumenta nas épocas de maior procura, como o Natal e a Páscoa. Ao todo, produzem 20 toneladas de drageias de licor Bonjour, 40 toneladas de amêndoas e 60 toneladas de bombons, por ano. É nesta "secção do chocolate" que as funcionárias – todas mulheres – fazem os bombons, as línguas de gato, as tabletes e os coelhos de chocolate, verdadeiras delícias para miúdos e graúdos. O único processo automatizado é o das temperadoras que mexem e mantêm o chocolate à temperatura ideal. Tudo o resto é artesanal. Maria do Carmo, a trabalhar na Arcádia há 26 anos, mergulha pequenas cascas de laranja numa taça de chocolate. Uma a uma. "Por dia sou capaz de fazer uns 10 quilos delas", afirma prontamente. As colegas ouvem e começam também a dizer o que conseguem fazer. Vânia, na secção de embalamento, insere com uma rapidez estonteante bombons na respetiva caixa. Ficamos incrédulos com tanta rapidez. Por dia, são 800 as caixas cheias por estas mãos. "Estou na Arcádia há cinco anos. Saber que estes bombons trarão felicidade a quem os provar deixa-nos cheias de orgulho por trabalhar aqui", confidencia-nos, enquanto mais umas dezenas de bombons passam agilmente pelos seus dedos e se acondicionam na perfeição. E a par da qualidade da matéria-prima, é a dedicação humana que contribui enormemente para o sucesso da Arcádia. "Quem trabalha aqui tem muito gosto naquilo que faz. Temos várias pessoas com mais de 30 anos de casa. E temos também gerações mais novas com sede de conhecimento que trazem grande dinamismo à Arcádia. Damos muito valor a esta partilha", acrescenta Margarida Bastos. Com tanto a acontecer, os nossos olhos prendem-se, de seguida, num tabuleiro onde repousam os bombons de vinho do Porto, verdadeiros embaixadores da cidade Invicta além-fronteiras. Ao lado, bombons em forma de flor e de coração, destinados aos mais apaixonados. É uma espécie de ourivesaria artesanal, onde cada detalhe é pensado ao pormenor. E, claro, não nos podemos esquecer das famosas drageias de licor Bonjour, expoente máximo da dedicação e de fabrico único em Portugal e, quiçá, no mundo. A técnica trouxe-a Manuel Pereira Bastos de Paris. Trata-se de um processo moroso. Estas drageias são decoradas, uma a uma, através de um cartucho de papel, transformando-se em bebés, periquitos, morangos e cenouras. Chama-se a este processo o "bordar" da amêndoa, diz a administradora.
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É hora de deixar, ainda que a custo, esta secção. Mas a visita ainda não terminou. Uma sala reservada à produção de gelados, recente aposta da Arcádia, espera-nos. Nesta ala, não há a azáfama da anterior, não estivéssemos a realizar a reportagem em pleno inverno. No entanto, ficámos a perceber que foi daqui que saíram os gelados de fruta, chocolate e até de vinho do Porto que fizeram as delícias no verão passado e que prometem voltar a refrescar os dias mais quentes que se avizinham. A ideia, revela-nos a responsável, é dar uma opção a quem acha que o chocolate não é doce de verão, sem perder os sabores Arcádia. E quando pensávamos que já nada nos poderia surpreender, somos encaminhados para a última secção deste "país das maravilhas": a pastelaria. O aroma leva-nos de volta à in-
Com 27 lojas espalhadas pelo país, a Arcádia tornou-se um ícone devido aos chocolates, mas hoje também as drageias de licor, os gelados e os macarons fazem as delícias dos portugueses. fância: sabem aquele cheirinho que ficava na cozinha quando a mãe fazia bolos? Tal e qual. Em cima da bancada, macarons artesanais de todas as cores prendem-nos automaticamente o olhar. Há para todos os gostos: chocolate, creme de avelã, manteiga de amendoim, vinho do Porto, framboesa, maracujá, laranja e limão. Difícil, caro leitor, será mesmo escolher. E já sabe, comer chocolate alivia o stress e a ansiedade, aumentando a feniletilamina, uma substância do grupo das endorfinas responsável por proporcionar uma sensação de felicidade e bem-estar. É ainda rico em minerais como manganês, potássio, vitaminas do complexo B, ferro e cobre. Só vantagens. Com tantas e boas razões, de que está à espera para abrir uma caixa e saborear lentamente um bombom? Porque, como diria Willy Wonka, “uma coisa é mais do que certa, a vida nunca foi tão doce”. : :
A ARTE DO CHOCOLATE
“Esforçamo-nos por conservar o processo artesanal da criação dos nossos chocolates, apostando nas receitas tradicionais (...)” Margarida Bastos
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O IFBM EXPLICA…
SABIA QUE O SOLICITADOR PODE PROMOVER A CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADES COMERCIAIS, AJUDANDO-O EM TODO O PROCESSO?
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ara a constituição da sociedade é necessário escolher uma firma que, embora possa ser retirada da lista de firmas pré-aprovadas disponibilizada pelo Registo Nacional de Pessoas Coletivas, pode ser escolhida à imagem e de acordo com a vontade dos sócios (desde que observadas as imposições legais), através de pedido prévio de certificado de admissibilidade. O contrato de sociedade deve ser celebrado por escrito com as assinaturas dos subscritores reconhecidas presencialmente, reconhecimento este que é, também, da competência dos Solicitadores. Mesmo nos casos em que seja exigida forma mais solene – como acontece quando um ou mais sócios pretendem entrar para a sociedade com bens diferentes de dinheiro, nomeadamente se pretenderem entrar com um imóvel, sendo necessário documento particular autenticado –, esta também poderá ser titulada por um Solicitador. No contrato, além da firma, devem sempre constar os seguintes elementos: – Os nomes ou firmas de todos os sócios, entre outros dados de identificação; – O tipo societário (por exemplo, sociedade por quotas ou anónima); – O objeto; – A sede; – O capital social, a quota-parte de capital e a natureza da entrada de cada sócio (dinheiro ou bens); – A representação e a forma de obrigar. Para constituir uma sociedade terá de respeitar algumas imposições legais. Assim, se pretender constituir uma sociedade por quotas, pode fazê-lo individualmente
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(sociedade unipessoal por quotas) ou com o mínimo de dois sócios. Já no caso de a pretensão passar pela constituição de uma sociedade anónima, o mínimo de sócios a observar será de cinco (em regra). No que diz respeito ao capital social, se numa sociedade por quotas cada sócio tem de entrar com o mínimo de 1€, numa sociedade anónima os sócios devem entrar, conjuntamente, com capital no valor mínimo de 50 000€. Depois de constituída a sociedade, o Solicitador será o profissional ideal para o acompanhar e dar resposta às “necessidades” jurídicas da mesma, desde o aconselhamento, à preparação de contratos ou à promoção de registos de natureza obrigatória, entre demais competências. Em função das necessidades concretas e da dimensão da empresa, o Solicitador pode ainda exercer as funções de secretário da sociedade, ocupando-se das tarefas que lhe são atribuídas por lei para dar resposta a todas as exigências legais decorrentes da “vida” da sociedade, podendo, nomeadamente: – Secretariar as reuniões dos órgãos sociais; – Lavrar as atas; – Proceder à expedição das convocatórias legais; – Conservar, guardar e manter em ordem os livros e folhas de atas; – Certificar as assinaturas dos membros dos órgãos sociais contidas nos documentos da sociedade. De facto, pode sempre contar com a ajuda de um Solicitador. Porque, já sabe, um Solicitador, todos os serviços. : :
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O REGULAMENTO DISCIPLINAR DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO N.º 87/2019 O QUE MUDA NOS PROCESSOS DISCIPLINARES DOS SOLICITADORES?
Por Mário Couto, Solicitador e Vice-presidente do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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entrada em vigor do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE), aprovado pela Lei 154/2015 de 14 de setembro, para além de ter transformado a Câmara dos Solicitadores em Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, trouxe alterações profundas a outros níveis. Desde logo no que ao poder disciplinar diz respeito, com a extinção das Secções Regionais Deontológicas do norte e do sul e com a transferência dos processos disciplinares e respetiva tramitação para o Conselho Superior. Mas, se até à aprovação do EOSAE vigoravam dois diplomas que regulavam o direito disciplinar aplicável aos solicitadores – conformados no Estatuto da Câmara dos Solicitadores e aprovado pelo Decreto-Lei 88/20103 de 26/04 e no Regulamento Disciplinar da Câmara dos Solicitadores n.º 91/2007 (RDCS) –, a partir daí, a componente disciplinar inerente ao exercício dos mesmos ficou a regular-se quer pelo EOSAE, quer pelo então ainda vigente RDCS, o que não era de todo recomendável, dadas as discrepâncias existentes. Ora, o diploma que aprovou o EOSAE previu, nas suas disposições transitórias, que os regulamentos aprovados ao abrigo do Estatuto da Câmara dos Solicitadores se manteriam em vigor até à sua substituição. E assim aconteceu. Segundo o EOSAE, é da competência do Conselho Superior elaborar proposta de regulamento disciplinar a submeter à aprovação da assembleia geral, ouvidos o Conselho Geral, os presidentes dos Conselhos dos Colégios Profissionais e a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), no que respeita à atividade dos agentes de execução, sendo, neste último caso, o seu parecer vinculativo. Foi o que se fez, não sem antes se efetuarem reuniões com a CAAJ e com o Conselho Geral, para que a proposta a submeter à assembleia geral fosse a mais completa possível, assegurasse os interesses e a defesa de todos os associados e regulamentasse o que estava previsto no EOSAE.
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Desde logo, houve quem preferisse um regulamento disciplinar mais extenso e que não se limitasse a regulamentar a diminuta matéria que subsistia. Houve também quem se inclinasse para um regulamento disciplinar mais conciso, não tão exaustivo e com poucos artigos, pois, nas suas perspetivas, o essencial estava já previsto no EOSAE e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, de aplicação subsidiária. A opção recaiu sobre esta segunda solução e foi de acordo com ela que o regulamento disciplinar veio a ser aprovado pelo plenário do Conselho Superior, com os pareceres favoráveis da CAAJ, do Conselho Geral e dos Conselhos Profissionais, mais tarde aprovado na assembleia geral de 27 de dezembro de 2018. Quanto às diferenças entre o regulamento disciplinar vigente, que entrou em vigor a 1 de fevereiro de 2019, e o regulamento disciplinar da Câmara dos Solicitadores, destacamos as que se referem à figura do instrutor e do relator, que estão no atual regulamento bem separadas. Assim, é atribuída ao instrutor uma grande preponderância no processo disciplinar, incumbindo-lhe, entre outras, a competência para assumir as funções de instrução e de acusação, elaboração de propostas de acusação e de aplicação de sanções disciplinares. Ao relator cabe um papel de acompanhamento e remessa ao plenário da secção respetiva para decisão, contrariamente ao que acontecia no regulamento anterior. Destaca-se também a implementação de audiência pública para as situações em que as sanções propostas forem superiores a suspensão por dois anos ou interdição do exercício da atividade profissional, inexistente até então. O Conselho Superior, que era, essencialmente, um órgão de recurso (apreciava e decidia os recursos interpostos das decisões proferidas pelas Secções Regionais Deontológicas), é agora um órgão que julga e decide, em primeira instância, em duas diferentes secções, face à competência específica dos solicitadores e dos agentes de execução. A criação de normas específicas para a distribuição de competências na CAAJ foi outra das novidades que nos trouxe este novo regulamento disciplinar, contrariamente ao anterior, que não distinguia o que era aplicável aos solicitadores e aos agentes de execução. As notificações aos intervenientes processuais são agora efetuadas por qualquer forma documentada, incluindo a comunicação eletrónica, o correio registado, a telecópia ou outro meio idóneo de transmissão de dados, em oposição ao que estava estatuído no anterior regulamento disciplinar, que privilegiava o registo postal com aviso de receção ou por protocolo. Trata-se de um instrumento que entrou em vigor muito recentemente e que não teve oportunidade de ser testado, mas que se espera seja um auxiliar precioso para os instrutores na tramitação dos processos disciplinares. : :
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O REGULAMENTO DISCIPLINAR DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO N.º 87/2019 O QUE MUDA NOS PROCESSOS DISCIPLINARES DOS AGENTES DE EXECUÇÃO?
Por Inês Caeiros, Diretora da Comissão de Disciplina dos Auxiliares da Justiça
OSAE
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competência em matéria disciplinar sobre os Agentes de Execução (AE’s) encontra-se repartida entre dois órgãos distintos e independentes entre si na prossecução das respetivas atribuições legais: a Comissão de Disciplina dos Auxiliares da Justiça (CDAJ), integrada na Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ) e o Conselho Superior (CS), inserido na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE). No entanto, no decurso de reuniões técnico-jurídicas entre o CS e a CDAJ foi assumido o compromisso de, não obstante as diferenças orgânicas que dividem a OSAE e a CAAJ no que concerne à repartição de competências disciplinares sobre os Agentes de Execução, alcançar-se um texto aplicável por ambos os órgãos, que não só respondesse às suas necessidades, como servisse os visados: os Agentes de Execução. Tal esforço conjunto permitiu assim alcançar o Regulamento n.º 87/2019, publicado na 2.ª série do Diário da República, de 21 de janeiro e do qual sublinhamos as alterações mais significativas no que concerne à atividade da CDAJ: 1. A composição das equipas instrutoras, no modelo instituído e já em curso na CDAJ desde 2018, que veio a ser formalizado no n.º 2 do artigo 4.º, designadamente: as equipas instrutoras são legalmente compostas por três elementos. Não obstante a cada um caberem competências de instrução do processo disciplinar, haverá que individualizar competências a cada um, de acordo com o respetivo papel e nível de intervenção particular em cada processo em concreto. Assim, cada equipa compreenderá: a) Um colaborador interno da CAAJ (representando o Estado e a natureza pública da CAAJ), responsável pelo cumprimento dos prazos legais e de uniformização de procedimentos; b) Um representante da sociedade civil (tendencialmente dos consumidores e dos utentes dos serviços da justiça), na perspetiva de como o cidadão perceciona a ação da CDAJ face ao comportamento do Agente de Execução em questão; c) Um Agente de Execução, no ativo ou não, desde que disponha de experiência na área do visado no processo (AE), a quem competirá a visão prática do profissional face ao comportamento em questão. 2. Todas as notificações a todos os intervenientes processuais poderem ser efetuadas por qualquer forma documentada, incluindo-se a comunicação eletrónica, constante do n.º 1 do artigo 5.º. É, sem dúvida, um grande passo no sentido da tão almejada desmaterialização dos processos disciplinares em curso na CAAJ. Tradicionalmente, tem sido defendido que a formalidade que deve revestir os atos inerentes a qualquer procedimento sancionatório não se coaduna com invocadas necessidades de desmaterialização do mesmo. Não somos, de todo, de tal opinião e, de forma justificada, temos defendido que há muito que o processo disciplinar dos
agentes de execução totalmente desmaterializado deveria ser uma realidade. Não só por razões de e-governance, como porque estamos precisamente a disciplinar profissionais liberais em exercício de funções públicas, a quem se exige que toda a tramitação dos processos judiciais a seu cargo seja realizada eletronicamente, sendo o processo executivo eletrónico e, como tal, obrigatoriamente tramitado em plataformas eletrónicas que comunicam entre si (SISAAE e o Citius). Naturalmente que as exceções foram previstas e, frustrando-se as notificações eletrónicas, há que recorrer às formas mais tradicionais, salvaguardando-se sempre as garantias de defesa do arguido. 3. A forma de participação ser exclusivamente por meios eletrónicos é outra clara manifestação de que caminhamos para uma inevitável desmaterialização do processo disciplinar. Tal processo desmaterializado começa, desde logo, com a apresentação da queixa/participação, subjugando o participante a descrever de forma sucinta, clara e a juntar nesse momento os elementos de prova suscetíveis de provar o facto descrito como infração disciplinar. Tal obrigatoriedade de submissão à forma eletrónica, ainda que se salvaguarde o recurso a outras formas, por motivos atendíveis, tem claros objetivos de ganhos de celeridade e eficiência numa organização que tem diariamente que registar, catalogar, selecionar e analisar uma média diária de dez participações só referentes a cerca de 1200 Agentes de Execução (às quais acrescem as participações contra Administradores Judiciais). 4. A diligência compositória constante do artigo 11.º atribui uma margem para a “composição do litígio” entre todos os intervenientes, levada a cabo pela equipa instrutora, capacitando esta para a resolução ou mediação da questão que terá motivado a apresentação da participação disciplinar. Da experiência que vem sendo sentida na CAAJ, manifestada em algumas desistências de participação, por vezes, esta é meramente instrumental, visando compelir o Agente de Execução à adoção (ou abstenção) da prática de uma determinada conduta. Tem-se verificado que, após notificação ao arguido da instauração do processo disciplinar, o participante obtém daquele o efeito ordenador de um determinado comportamento, eventualmente em falta, que, uma vez cumprido, deixa de ter interesse no prosseguimento dos autos disciplinares. Aguardamos assim, com expetativa, que tal diligência venha a produzir igualmente tais efeitos positivos. Por fim, resta-nos aguardar que a aplicação do Regulamento n.º 87/2019, publicado na 2.ª série do Diário da República, de 21 de janeiro, seja um instrumento jurídico da maior utilidade para os respetivos órgãos disciplinares dos Agentes de Execução, em especial para a CDAJ, na clara expetativa de que o mesmo venha dar resposta às dificuldades até então sentidas na prossecução das suas atribuições legais. : :
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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
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ENSINO SUPERIOR
“Ensinar Direito não é verdadeiramente ensinar o que está na legislação”
PEDRO ROMANO MARTINEZ Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Entrevista Joana Gonçalves / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
Existe uma ligação entre o que acontece no mundo da Justiça e as mudanças que têm vindo a acontecer na formação em Direito? As alterações na formação jurídica não têm sido muitas. Diria que se tem evidenciado até uma solução bastante tradicional no que diz respeito ao ensino do Direito, já que, desde a reforma de Bolonha – com a licenciatura a passar de cinco para quatro anos –, não tem havido significativas modificações. No que toca ao mundo da Justiça, aí, de facto, as mudanças são mais significativas. É claro que todas estas convulsões podem, de certo modo, ser espelhadas no ensino, nomeadamente nas áreas de Direito Penal e Processo Penal. Nas outras áreas, diria que não é assim tão significativo o impacto e mantém-se uma perspetiva relativamente tradicional, de continuidade, no que respeita ao curso de Direito. O que importa ensinar aos alunos de Direito que não está na legislação? Tenho sempre defendido que ensinar Direito não é verdadeiramente ensinar o que está na legislação. A legislação muda com alguma frequência e, se os alunos aprenderem unicamente as leis correm o risco de, quando saírem da faculdade, pouco saberem por já não estar em vigor a mesma legislação. Não creio, portanto, que direcionar o ensino para a aprendizagem da legislação seja verdadeiramente ensinar Direito. É, antes de mais, necessário perceber o mecanismo e a lógica do Direito, sabendo que as mutações legislativas são relativamente habituais. É claro que os alunos precisam de conhecer a realidade jurídica vigente. É, também, evidente que não se pode deixar de lhes explicar o Código Penal ou o Código de Processo Penal, ainda que se saiba que, muito possivelmente, haverá alterações a breve trecho. Mas essa explicação tem que ocorrer sempre nesta perspetiva de que a legislação é mutável e o Direito se mantém para além das modificações legislativas, que são, na minha opinião, talvez demasiadas relativamente à estabilidade que se pretenderia. O curso de Direito oferece, neste momento, um vasto leque de opções. A faculdade tem que conseguir sensibilizar para essa diversidade? Sim. De facto, no que respeita a essa diversidade há que fazer uma distinção. Na licenciatura, as opções existem mas são mais limitadas. Temos um sistema em que os alunos, principalmente nos dois últimos anos, têm a possibilidade de escolher entre algumas disciplinas opcionais
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Não creio (...) que direcionar o ensino para a aprendizagem da legislação seja verdadeiramente ensinar Direito. É, antes de mais, necessário perceber o mecanismo e a lógica do Direito, sabendo que as mutações legislativas são relativamente habituais.
e, portanto, enveredar por certas especialidades. Mas é nos mestrados que essas especializações e “novidades” jurídicas se notam mais. Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa temos uma oferta diversificada de mestrados, numa multiplicidade de áreas, tanto numa perspetiva mais profissionalizante e virada para a prática jurídica, como mais direcionados para a investigação científica. Creio que o nosso vasto leque de opções não tem comparativo em qualquer outra faculdade de Direito do país. Além da licenciatura, dos mestrados e dos doutoramentos, a Faculdade promove ainda variadíssimas pós-graduações. Essas pós-graduações são normalmente organizadas pelos institutos da Faculdade e envolvem uma ainda maior panóplia de áreas jurídicas. Quem dirige uma faculdade não se pode preocupar apenas com a parte formativa? Não, sem dúvida. Desde que estou nestas funções de diretor, continuo a dar aulas. A minha profissão não é ser diretor, mas sim professor. Por isso, quis e mantenho a minha distribuição de serviço docente tal qual como antes de assumir estas funções. E claro que não tenho apenas que me preocupar com os aspetos docentes, ainda que também o tenha. Há aspetos do funcionamento do dia a dia, relativos a todo o funcionamento da Faculdade e às questões administrativas inerentes, que não são propriamente a minha predileção, mas que executo com todo o empenho.
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As relações além-fronteiras também representam uma aposta da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa? As relações além-fronteiras são, de facto, uma grande aposta. Por um lado, no âmbito da União Europeia, impõe-se uma ligação entre as várias instituições de ensino. Esta internacionalização pode ocorrer diretamente pela Faculdade de Direito ou através dos programas da própria Universidade de Lisboa. A Universidade de Lisboa tem hoje uma grande dimensão, é já uma das maiores universidades da Península e de grande referência a nível mundial. Por isso, existem variadas parcerias internacionais das quais a Faculdade também vai beneficiando. Paralelamente, a própria Faculdade de Direito tem também os seus parceiros, na sua grande maioria europeus, mas também em países (ou regiões) com os quais Portugal mantém uma relação de proximidade cultural, como é o caso de Macau. Estes parceiros permitem o intercâmbio de alunos durante um semestre ou um ano letivo. É curioso que a Faculdade de Direito conta também com muitos estudantes estrangeiros fora deste âmbito de parcerias, ou seja, alunos que se inscrevem diretamente na Faculdade. Esta procura por parte de alunos de outras nacionalidades iniciou-se no mestrado e no doutoramento e é hoje muito significativa, acontecendo mesmo na licenciatura. Temos, atualmente, na Faculdade mais de 500 alunos estrangeiros, um número bastante elevado. São, essencialmente, alunos provenientes de países de expressão oficial portuguesa, com grande destaque para o Brasil. Neste caso, não se
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trata de uma internacionalização institucionalizada, mas sim de uma internacionalização que advém de uma política que a Faculdade tem vindo a desenvolver, que se prende com a divulgação da sua atividade fora de portas e de exportação da sua investigação científica no âmbito do Direito. Podemos falar de um Direito cada vez mais “global”? Essa globalização é comum a todas as áreas jurídicas. Contudo, no que toca ao Direito, há algumas particularidades que fazem com que a globalização não funcione exatamente nos mesmos moldes. Relativamente às possibilidades conferidas aos nossos alunos de poderem circular, no âmbito do programa Erasmus, e de terem possibilidade de fazer disciplinas noutras faculdades de Direito, há sempre esta preocupação de verificar em que medida é que isso não os deixa numa situação de menor compreensão dos problemas específicos do Direito. O Direito, pese embora alguma internacionalização, é muito nacional. Por isso, a questão da proximidade aos países de expressão portuguesa é relevante já que, ainda que existam diferenças de regime, o Direito assenta numa lógica comum. Mesmo no sistema brasileiro – em que a independência data de 1822 e, portanto, já há um longo período de diferença jurídica –, se repararmos, muitas das soluções acabam por ser semelhantes às nossas e, por isso, há uma maior proximidade. Também temos o caso das antigas colónias no Continente Africano: na maioria ainda vigora a legislação portuguesa ou muito similar à nossa lei. Dir-se-á que nesses locais temos uma proximidade jurídica muito grande. Portanto, globalização evidentemente que sim. Não podemos é esquecer que o Direito tem algumas particularidades e que não o podemos pôr em pé de igualdade com áreas científicas em que a globalização funciona num molde muito diferente. Quem pretende seguir as profissões de Solicitador e de Agente de Execução também escolhe a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa para fazer a sua formação? Diria que é mais comum nos mestrados virados, sobretudo, para a profissionalização. Temos vários casos da frequência de alunos licenciados em Solicitadoria, que nos procuram para prosseguir estudos através do mestrado numa determinada área jurídica que pode ter algum benefício para o exercício da sua profissão. Na sua opinião, é fundamental o papel que os Solicitadores podem assumir no âmbito da resolução alternativa de litígio? Sem dúvida. Faz parte daquilo que é a nossa estrutura jurídica. Esta determina que nem todos os modos de resolução de problemas passam pela magistratura judicial ou pela advocacia. Diria que o nosso sistema tem esta valência e, por isso, os Solicitadores têm estas funções que estão previstas na lei e que, na realidade, têm sido exercidas.
Falando da sua experiência universitária de mais de 30 anos de docência, o que mudou no aluno de Direito e na sua relação com os docentes, com o estudo e com a universidade? Comecei como aluno do curso de Direito numa época um pouco conturbada. Tinham passado poucos anos do 25 de Abril e, nessa altura, a Faculdade vivia um ambiente agitado. Esse período levou a que houvesse uma determinada mudança no ensino do Direito, com alterações de programa e de estrutura. Posteriormente, o curso de Direito passou a funcionar de forma mais disciplinada. Quando comecei a dar aulas, a Faculdade estava a entrar num período de estabilidade, funcionando de modo um pouco diferente. Hoje vemos os alunos com um certo à vontade que não tinham nessa altura. Mas fora isso, no que respeita ao ensino e à forma como os alunos aprendem e o tempo que dedicam ao estudo, não sei se haverá uma diferença tão significativa. É evidente que há anos em que encontramos alunos de muito bom nível, outros nem tanto, mas globalmente não consigo dizer que a preparação seja diferente. É, contudo, no aspeto da relação com os professores que diria haver mais discrepâncias. Antes notava-se uma maior distância, um maior respeito. Isto também é um pouco o sinal dos tempos. Hoje há uma forma comum de relacionamento que é o e-mail. E os e-mails, até pela rapidez com que se escrevem, levam a que não se seja tão ponderado naquilo que se diz. Quais são os caminhos e os desafios que se adivinham para o futuro? Neste ano de 2019 teremos um grande impacto no que toca a obras. Isto porque vamos construir um novo edifício que albergará a extensão da biblioteca. Além disso, faremos ainda grandes obras nos dois edifícios que compõem a Faculdade, de modo a torná-los mais cómodos e sustentáveis. Já no que toca ao ensino, há um ponto que tem vindo a ser discutido reiteradamente, que é a reformulação do plano de estudos na licenciatura. A reforma de Bolonha resultou de uma imposição estadual, proveniente da União Europeia, que teve em vista a redução do curso de cinco para quatro anos. Mas, nessa altura, não se procedeu verdadeiramente a uma mudança do plano de estudos, o que se fez foi aumentar a carga horária, mantendo globalmente as mesmas disciplinas. Como tal, há bastante tempo que se discute uma alteração do plano de estudos, que tem sido especialmente difícil devido a um conjunto de diferenças de áreas jurídicas com conceções diferentes. Por isso é que essa mudança do plano de estudos não será fácil e não a vejo concluída a breve trecho. Há, no entanto, outro aspeto que será, tudo indica, posto em prática brevemente e que se prende também com mais uma consequência da reforma de Bolonha. Com este processo, todas as disciplinas passaram a ser semestrais. Mas, em algumas áreas, a semestralização não é vantajosa e, portanto, vamos tentar alterar um conjunto de disciplinas que não justifica ser semestral, para anual. Esta é uma mudança que tencionamos pôr em prática a curto prazo. : :
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(+3) SDUDEHQV SRU GHFLIUDU HVWD PHQVDJHP Por Rui Miguel Simão, Solicitador, Agente de Execução e Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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ste texto pode ser compreendido por qualquer pessoa que saiba ler em português. Sabemos, por isso, que escrever nestas páginas, com este protocolo de comunicação (a língua portuguesa), é meio caminho andado para que qualquer pessoa possa entender a mensagem que aqui se pretende transmitir. Saber isso é o mesmo que dizer que não colocaremos aqui mensagens que devam ser mantidas em privado, pois qualquer pessoa que saiba ler nesta língua vai poder ler e, se necessário, traduzir para outros idiomas ou protocolos de comunicação. Isto significa que, se desejo manter determinada mensagem privada, não devo usar este canal para a transmitir. Pelo menos se ela estiver escrita num protocolo de comunicação comum. Com o mesmo problema deparou-se o imperador Júlio César, quando precisava de enviar uma ordem escrita aos seus generais. Se o mensageiro fosse capturado pelo inimigo, a mensagem seria descoberta e os seus planos militares poderiam ser sabotados. Para contornar este problema, César recorreu a um sistema de cifragem simétrico que ainda hoje é conhecido como Cifra de César. O seu método baseava-se em usar o alfabeto normal movendo apenas o posicionamento das letras. Por exemplo, avançando três posições no nosso alfabeto, César poderia escrever na sua mensagem a letra D. Esta deveria ser lida pelo seu general como correspondendo a um A, aplicando-se a mesma regra sucessivamente às restantes letras do alfabeto. Para o inimigo, a mensagem intercetada seria “YDPRV DWDFDU”. Mas o seu general, sabendo a chave de cifragem, poderia ler “VAMOS ATACAR”. Chamamos cifras simétricas a estas que, como a de César, exigem que o emissor e o recetor da mensagem conheçam a mesma chave privada para a poder decifrar. Tal como nos dias de César, as nossas comunicações na internet também circulam num espaço inseguro e desprotegido, a menos que sejam cifradas. A internet, enquanto rede de comunicações, é um espaço público que se auto edifica cada vez que novos pontos são ligados entre si. É fundamental perceber que os nossos dados circulam nessas ligações e passam por pontos que são geridos por terceiros que não conhecemos. Se a informação não for cifrada, de alguma forma, um inimigo pode ler, apagar ou modificar as nossas comunicações privadas. Agora voltemos ao ponto inicial. Se não colocaria nestas linhas nenhuma mensagem privada sem ser num protocolo de comunicação protegido, muito menos o deveria fazer num espaço aberto e hostil como a internet. Este sistema de cifragem podia ser usado por César, não apenas para transmitir uma mensagem secreta, mas também para dar confiança ao general de que a mensagem era autêntica e vinha, de facto, de César. Como é evidente, a cifra de César não é um mecanismo adequado para proteger as nossas comunicações online, muito menos para garantir a sua autenticidade. Hoje em dia, uma cifra desse género seria imediatamente quebrada com o poder computacional, digamos… de uma torradeira doméstica.
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PROFISSÃO
Por isso, nos nossos dias, é também usado outro sistema de cifras assimétricas que exigem a coexistência de uma chave pública e de uma chave privada, que correspondem, em exclusivo, uma à outra e que são geradas através de sistemas algorítmicos de segurança emitidos por terceiros de confiança, conhecidos como entidades certificadoras. Pensemos na chave pública como um endereço de e-mail que podemos dar a qualquer pessoa para que me nos envie uma mensagem. Neste exemplo, a chave privada seria a palavra-chave de acesso a esse mesmo e-mail que nos dá acesso exclusivo ao conteúdo das mensagens enviadas. Podemos também comparar a chave pública a uma fechadura de uma porta que está num sítio público. Todos podem olhar para a fechadura, mas só quem tem a chave privada é que a pode abrir. Mais uma vez, através deste método podemos não apenas cifrar mensagens, mas também garantir a sua autenticidade. É o que acontece quando usamos a assinatura digital com cartão de cidadão. Ao cartão de cidadão de cada um de nós está associado um par de chaves assimétricas exclusivas e interdependentes, das quais uma é pública e outra é privada. Quando assinamos um documento digitalmente, usamos a chave privada. Podemos, a partir desse momento, enviar o documento para quem quisermos, pois àquela chave privada corresponde uma chave pública (que qualquer um pode saber que é a nossa) e que permite ao recetor verificar que foi usada a chave privada correspondente na assinatura do documento. Resumindo, como a cada chave pública corresponde uma única chave privada, é possível verificar se a chave privada que foi usada para assinar o documento é a que corresponde à nossa chave pública ou não. Agora já sabe que é desta composição de chaves assimétricas que vivem os sistemas de certificação, sejam eles profissionais, como o certificado de um solicitador, ou pessoais, como o do cartão de cidadão. Esperamos não ter cifrado demasiado esta mensagem e ter deixado clara a importância de valorizar a criptografia e o seu papel nos sistemas de certificação. São estes sistemas que permitem a um solicitador ou agente de execução, por exemplo, fazer registos de propriedade, penhoras, dar entrada de processos judiciais, etc., tudo eletronicamente. De forma não muito diferente do que acontecia nos tempos de César, hoje podemos dizer que o uso de um certificado digital acarreta responsabilidades comparáveis às de um Imperador Romano. : : “Criptografia” do Grego Kryptós – escondido e Gráphein – escrita. CONSULTE TUDO O QUE PRECISA DE SABER SOBRE O CERTIFICADO DIGITAL PARA SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO EM: http://manuais.osae.pt/ (+3) FRQVXOWH WXGR R TXH SUHFLVD GH VDEHU VREUH R FHUWLILFDGR GLJLWDO SDUD VROLFLWDGRUHV H DJHQWHV GH HAHFXFDR HP: http://manuais.osae.pt/
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Aprender A SCIENCE4YOU
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REPORTAGEM
CAUSAR UMA ERUPÇÃO DE UM VULCÃO OU DAR VIDA A UM FURACÃO; FAZER EXPLOSÕES; FABRICAR SABONETES, PERFUMES, CHAMPÔS OU VELAS; PRODUZIR GOMAS, CHOCOLATES E IOGURTES; PLANTAR FRUTA E FLORES OU ATÉ LANÇAR UM FOGUETÃO… AQUI, TUDO É POSSÍVEL! DA IMAGINAÇÃO PARA A REALIDADE, NA COMPANHIA DOS AMIGOS OU FAMILIARES, OS MAIS PEQUENOS BRINCAM, ENTRE TANTOS OUTROS, AOS CIENTISTAS, AOS MÉDICOS, ENGENHEIROS, GEÓLOGOS, MATEMÁTICOS, BIÓLOGOS OU AGRICULTORES E, ENQUANTO O FAZEM, DESCOBREM VERDADEIRAMENTE COMO O MUNDO E AS COISAS FUNCIONAM. A CULPA É DOS PORTUGUESES, MAIS EM CONCRETO DA SCIENCE4YOU, QUE ELEVOU O CONCEITO DOS BRINQUEDOS EDUCATIVOS A UM NOVO PATAMAR. O OBJETIVO É “INCENTIVAR O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E EMOCIONAL DA CRIANÇA PERMITINDO QUE ESTAS DESENVOLVAM O SEU PENSAMENTO LÓGICO, CRÍTICO, IMAGINAÇÃO, ESTIMULANDO A SUA CURIOSIDADE E VONTADE DE EXPLORAR O MUNDO”, QUE É COMO QUEM DIZ: PROMOVER O INTERESSE DOS MAIS PEQUENOS, E ATÉ DOS MAIS GRAÚDOS, PELAS DIVERSAS ÁREAS DO CONHECIMENTO ENQUANTO SE DIVERTEM A BRINCAR. IMBUÍDOS NO ESPÍRITO DA DESCOBERTA, QUISEMOS CONHECER A CIÊNCIA POR TRÁS DESTES BRINQUEDOS E FOMOS VISITAR A FÁBRICA DA SCIENCE4YOU.
Texto Andreia Amaral / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
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SCIENCE4YOU
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eio a sério, meio a brincar. Foi também assim que a Science4you nasceu e se tornou um verdadeiro caso de sucesso. Com a inovação impressa no seu código genético, começou por ser um projeto de final de curso. “Estava a estudar no ISCTE, que tinha uma parceria com a Faculdade de Ciências. Geralmente, a Faculdade de Ciências dava as ideias e o ISCTE, enquanto escola de gestão, apresentava os planos de negócio”, recorda Miguel Pina Martins. “Estava na sala de aulas e o professor tinha um chapéu com uma série de ideias que seriam rifadas. Tive a sorte ou o azar, é uma questão em aberto ainda, de tirar um papel que dizia ‘kits de química’. Na altura, abrimos e quando lemos ‘kits de química’, achámos aquilo horrível. Víamos à nossa frente os grupos com outros projetos giríssimos”, conta, entre risos, o precursor e CEO, confessando que tentou diversas vezes, sem sucesso, trocar o projeto que teria que viabilizar. Mas acabou por fazê-lo e fê-lo tão bem que fez dele a sua vida… Tudo porque, numa deslocação à Faculdade de Ciências, a constatação de que os ditos kits tinham o selo da instituição de ensino – com o logótipo e a frase ‘Certificado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa’ – propulsionaria o desenvolvimento de toda uma proposta de valor agregada ao projeto. Aos kits de química juntaram-se outros brinquedos científicos, laboratórios, festas de aniversário e até campos de férias, numa panóplia de experiências que ainda hoje compõem a oferta da empresa. Muito graças ao espírito empreendedor de Miguel Pina Martins, que se lançou na procura de investidores que viabilizassem o negócio. Volvidos onze anos, a missão permanece a mesma, mas numa dimensão incomparável. E se, no primeiro ano, as vendas foram de 54 mil euros, hoje a empresa já ultrapassou a barreira dos 20 milhões de euros. Por trás, há toda uma engrenagem perfeitamente oleada, que dá vida aos dois milhões de brinquedos que são anualmente produzidos em Loures, numa unidade inaugurada em 2015 com mais de 12 mil metros quadrados. É lá que trabalham cerca de 250 pessoas diariamente, cada uma com a sua função, todas essenciais para que a experiência seja um sucesso. Durante os primeiros tempos, as sinergias resultantes da parceria com a Faculdade de Ciências estiveram na base de muitos dos brinquedos lançados pela Science4you. Contudo, a mudança de instalações da empresa e os timings do negócio fizeram com que, cada vez mais, as ideias borbulhassem internamente. É do brainstorming da equipa, do acompanhamento das tendências e até dos manuais escolares que surgem as ideias para os brinquedos. A partir daí, há um processo de desenvolvimento que demora entre seis e nove meses. “É preciso ver se é cientificamente possível fazer o brinquedo e se é economicamente viável”, esclarece o CEO. A equipa de Research & Development, na qual trabalham pessoas das mais diversas áreas das ciências, está encarregue de todos os conteúdos científicos e é ela que conduz, numa primeira fase, todo o tipo de experiências no laboratório interno. “A segurança das crianças está sempre em primeiro lugar”, reitera Miguel Pina Martins, indicando que há uma criteriosa seleção dos materiais, um enorme rigor nos processos experimentais e que, antes de entrarem no mercado, todos os brinquedos são certificados em laboratórios europeus de referência. Dado o sinal verde para avançar, a unidade industrial entra em ação. Joana Silva, responsável de marketing, conduz-nos pelo espaço onde, por
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"A segurança das crianças está sempre em primeiro lugar." Miguel Pina Martins
partes, são criados os mais de 150 brinquedos que atualmente compõem o catálogo da Science4you. “Muitos elementos são comuns às várias experiências”, diz Joana Silva. “Produzimos em quantidade os diferentes ‘ingredientes’ que compõem os nossos brinquedos e armazenamos. À medida que chegam as encomendas, juntamos o que é necessário para cada experiência e embalamos.” Por isso, na primeira linha, uma máquina faz o enchimento das pequenas embalagens que levam os reagentes: líquidos e corantes provenientes de fornecedores maioritariamente nacionais. São etiquetadas nas diferentes línguas e guardadas. Ao lado, prepara-se já uma encomenda. Praticamente todos os brinquedos são compostos por duas cuvetes, cada uma com a sua categoria de ingredientes. Plásticos de um lado, reagentes do outro. Uma equipa junta os diferentes frascos numa cuvete, enquanto, mais à frente, outro grupo de colaboradores vai colocando com rapidez nos pequenos tabuleiros de cartão os vários materiais plásticos: palhinhas, pipetas, espátulas, entre outros. “Depois as cuvetes passam para a plastificação”, explica Joana Silva, apontando para um dos muitos equipamentos de ponta que preenchem o espaço. “Antes, fazíamos muito trabalho à mão, hoje temos tecnologia para quase tudo.” Manual é ainda a montagem da caixa, desenvolvida pelo gabinete de design interno e impressa fora de portas. O packaging é novo, com medidas mais estandardizadas, novas cores e sem o convencional plástico de proteção. “Estamos a implementar algumas políticas de forma a minorar o impac-
to dos plásticos”, refere Miguel Pina Martins. “São pequenos gestos, mas se todos os fizermos podemos ir mais longe.” E o objetivo é mesmo ir cada vez mais longe na construção de um futuro risonho! Por isso, com agilidade e uma boa dose de habilidade, duas colaboradoras montam aceleradamente as caixas, acomodando no seu interior as cuvetes e os livros científicos. Já finalizados, os brinquedos passam para o armazém, de onde saem, no prazo máximo de três semanas, para abrir as portas do conhecimento de crianças em todo o mundo. São mais de 50 os países em que a Science4you está já presente e, da Tesco ao Harrods, muitas são as cadeias mundiais de renome que a insígnia portuguesa já conquistou. O Slime é o maior sucesso de vendas, mas as experiências de física e química também brilham nas prateleiras internacionais. “Às vezes parece que entrar num país é quase uma conquista e tem sido muito isso. O processo de internacionalização tem sido extremamente rico, com muita aprendizagem e, acima de tudo, com muita alegria. É muito bom recebermos fotografias de uma pessoa que está em Singapura e que vê dois metros de Science4you dentro de uma loja ou de uma pessoa que está na Rússia, na Austrália ou na Nova Zelândia e que encontra os nossos brinquedos. É sempre uma felicidade muito grande, não só, obviamente, fazer as vendas, mas conseguir fazer este statement de levar um bocadinho de Portugal para todos estes países”, confessa com notório orgulho o CEO. O legado da Science4you é, no entanto, bem mais amplo. Afinal, o pequeno cientista hoje será o grande amanhã! : :
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PROFISSÃO
SOLICITADOR DE CAUSAS E PROCURADOR DE NÚMERO MANUEL HENRIQUES DA SILVA “ Condenar Alguém que não merece ser castigado É algo que consideras incompatível com o Teu poder.” Livro da Sabedoria Cpt.12-1*
Por Miguel Ângelo Costa, Solicitador, Agente de Execução e Presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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ais uma vez, penso não ser a última, escrevo sobre Solicitadores Cristãos Novos, perseguidos pelo tribunal dito do Santo Ofício, instituído em Portugal no ano de 1536 e extinto (?) com a Revolução Liberal de 1821. Durante quase três séculos, muitos Solicitadores, Cristãos Novos e não só, foram perseguidos por uma simples denúncia, falsa ou não. O que interessava para a Inquisição, principalmente a partir de fins do século XVI, era se a sua “vítima” tinha bens para a esbulhar em nome do fisco e da Câmara Real. Isto é, a perseguição aos Cristãos Novos, com culpas ou não de Judaísmo, era directamente proporcional à necessidade de encher os cofres vazios do Estado. (1) Em 1667, a Guerra da Independência contra o domínio filipino ainda não tinha terminado. (2) Os cofres do Estado estavam exangues, agravados pela ambição do irmão de D. Afonso VI, futuro D. Pedro II, de lhe tomar o poder, o que veio a acontecer no ano seguinte (3). Estavam, pois, criadas as condições da “caça ao Judeu rico e herege”. Esta situação originou uma grande leva de prisões de Cristãos Novos, principalmente nas Beiras e em Trás-os-Montes, locais de refúgio de muitos cripto-judeus. É por altura da visita inquisitorial, realizada no Litoral Norte, que o Solicitador de Causas Manuel Henriques da Silva e a sua mulher, Maria da Silva, são presos, no dia 1 de Março, por acusação de Judaísmo, em Vila Nova de Foz de Côa, sua terra natal. Segundo o processo de Inquisição (4), nas suas 99 páginas, o réu, para além da profissão de Solicitador de Causas, também exercia a de Tendeiro – tinha um estanco de tabaco para arrendamento – e era Procurador de Número. No início do processo, referia-se que Manuel H. da Silva “vivia de advogar nas audiências sem ser letrado”. O título de letrado era cursado durante oito anos em Coimbra, condição sine qua non para advogar. Parece que Manuel Henriques da Silva não passou por Coimbra, sendo certo que os seus antepassados eram homens ligados ao Direito. O seu pai, Jorge da Silva, era Boticário,
mas no processo de prisão da sua avó, Francisca da Silva, no ano de 1604, com 80 anos, era referido que todos os seus três irmãos, embora Cristãos Novos, tinham altos cargos jurídicos como Advogado, Procurador da Casa da Suplicação e Ouvidor em Castelo Rodrigo. (5) Pelos processos de inquisição dos seus familiares, sabe-se que Manuel Henriques da Silva era de uma família abastada. Isto verifica-se pelo arresto dos seus bens no dito processo da inquisição, onde são arrolados bastantes prédios rústicos e urbanos, dentro e fora de Vila Nova de Foz do Côa, vários negócios e arrendamentos, bem como empréstimos – uns como credor, outros como devedor. Consta-se, por isso, e olhando até à sua proveta idade para a época (55 anos), que era um homem muito bem sucedido nos negócios. Como homem conhecedor, culto e rico, dizia-se no processo que sabia escrever e contar. Deveria, contudo, saber mais alguma coisa, dado que “saiu para fora do reino e esteve no de Castela, na vila de Madrid, Alcalá de Henares, Guadalajara; esteve também em Lisboa, Porto, Pinhel, Torre de Moncorvo, Mogadouro, Azinhoso e Trancoso”. (4) Para a época, era um homem do mundo. Há uma hipótese, muito forte, que pode explicar a incoerência no processo ao referir que um homem não letrado possuía cargos e capacidades eruditas de homem letrado: embora naquela época a Universidade de Coimbra recusasse estudantes Cristãos Novos, Salamanca acolhia esses estudantes nas suas cátedras. E visto que ficava muito perto da sua terra natal, Vila Nova de Foz do Côa, é muito provável que o admitisse lá, a exemplo de muitos filhos de Cristãos Novos. E dá que pensar assim, dado que Manuel H. da Silva também foi nomeado Procurador de Número, exercendo esta profissão a par das outras. Esta profissão já vinha do tempo das Ordenações Afonsinas e era exercida junto dos Tribunais menores, de Apelação e da Corte. Tinha por missão, na administração da Justiça, representar as partes em Juízo, baixo as regras das Ordenações, informar o Estado dos assuntos que tivesse a seu cargo sobre as providências a tomar e as resoluções, informar os advogados a quem lhes foi entregue a defesa dos mesmos assuntos e servir os pobres gratuitamente (espécie de advogado oficioso). É interessante verificar que esta profissão esteve na origem dos Procuradores Espanhóis, nossos colegas de profissão e companheiros de viagem nos foros internacionais. (6) Era fácil, num mundo mesquinho e fanático, que o sucesso de Manuel H. da Silva fosse fonte de muitas maledicências de invejas que, incentivadas pelos “familiares da Inquisição” (7) – que buscavam, incessantemente, gente para levar para a fogueira e ficar com os seus bens –, o levasse à prisão, sendo acusado de práticas judaicas. Algumas, como é referido pelas 18 testemunhas de acusação, com mais de 15 anos, pois apesar de ser baptizado e crismado e ter passado para a Lei de Moisés, várias testemunhas no processo referiam um pormenor muito interessante: quando acabava de rezar o “Pai Nosso” não dizia “Ámen”, mas “Louvado
Seja Deus Nosso Senhor”. Além disso, guardava o grande Jejum de Setembro (8) de não comer carne de porco, lebre, peixe sem escama, etc. (4) Isto é uma cartilha para o acusar de apostasia, como eram acusados todos os Cristãos Novos sem excepção, quando caíam nas malhas da Inquisição. A sentença: Auto de Fé a 26 de Maio de 1669. Abjuração em forma, cárcere e hábito penitencial perpétuo, instrução na fé e penas de penitências espirituais. Por despacho de 18 de Março de 1670 foi-lhe comutada pena em penitências espirituais. (4) Só que, no final, a Inquisição vencia sempre, dado que os seus bens eram perdidos, perpetuamente, a favor da Coroa. : : * Antigo Testamento - Os Livros Sapienciais-Frederico Lourenço.
Notas: 1 – “Inquisição e Cristãos-Novos”, de António José Saraiva. 2 – A Guerra da Independência terminou com o Tratado de Paz de Lisboa, no dia 13 de Fevereiro de 1668. 3 – Golpe de Estado de D. Pedro II contra o irmão D. Afonso VI, em 27 de Janeiro de 1668, anulando o casamento e casando com a cunhada, tudo com a bênção do Vaticano. 4 – ANTT Processo da Inquisição de Coimbra, n.º 499 5 – ANTT Processo das Inquisição de Coimbra n.º 43 6 – 15 Item, Título XIII “Dos Procuradores dos que nom Podem fazer de Procurador” e “Sucinta História do Ilustre Colégio dos Procuradores de Espanha”, Julián Caballero Aguado, 2002. 7 – “Familiares da Inquisição” eram a máquina oficial da Inquisição por todo o País, podendo prender suspeitos, executar os bens apreendidos aos condenados, efetuar diligências, etc. 8 – “Yom Kipur” ou Dia do Perdão ou Expiação. Geralmente celebra-se em Setembro, mas há anos em que, conforme o sistema lunar, se realiza no mês de Outubro, como é caso deste ano (8 para 9 de Outubro).
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LIVROS SUGESTÕES
LIVROS JURÍDICOS COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA ALMEDINA
Comentário ao RGDP
Alexandre Sousa Pinheiro (Coord.), Cristina Pimenta Coelho, Tatiana Duarte, Carlos Jorge Gonçalves e Catarina Pina Gonçalves O objetivo deste comentário consiste em garantir que o profissional do Direito que trabalha nas áreas do RGPD encontra neste livro um amparo importante, não tanto para fornecer respostas imediatas, mas para transmitir informações que permitem refletir sobre a complexidade óbvia dos diversos assuntos da proteção de dados.
Caderno de Estudos de Caso
Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Paulo Teixeira e Helena Bruto da Costa (3.ª edição) A publicação desta edição, a par das anteriores, tem a aspiração, imediata e natural, de constituir um elemento de estudo e de preparação para o exame final de estágio, mas tem igualmente o arrojo de pretender ser um elemento de estudo e de reflexão para todos quantos estão direta ou indiretamente interessados nas matérias aqui tratadas.
COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA QUID JURIS
Direito da União Europeia Domingos Pereira de Sousa, Doutor em Direito / Professor Universitário
O ambiente de generalizada crise económica e financeira que se instalou no mundo em geral e na União Europeia em particular, com um crescimento anémico do produto interno bruto e um elevado e insustentável nível de desemprego, agravado com a recente crise humanitária dos refugiados, obriga a repensar o caminho percorrido. O futuro da União Europeia depende das respostas que forem dadas na próxima década às velhas questões da mobilidade das pessoas (emigrantes e refugiados) e da proteção dos direitos fundamentais.
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Código do Procedimento Administrativo Anotado Luiz S. Cabral de Moncada, Doutor em Direito / Professor Universitário (3.ª edição)
Uma obra desta natureza justifica-se face à constante e rápida evolução do direito administrativo português. A abertura ao direito europeu e ao internacional de que dá testemunho bem com o desenvolvimento da doutrina nacional e a abundante jurisprudência requerem uma permanente atualização de conhecimentos. É este o objetivo da obra que agora se apresenta. Esta terceira edição vem completar e desenvolver alguns aspetos da anterior, entretanto esgotada.
JURÍDIC COM A COLABORAÇÃO DA PORTO EDITORA
Fiscal
(39.ª edição) Como habitualmente, no início de cada ano, a Porto Editora publica uma nova edição do livro Fiscal. Esta obra, referência maior em compilações de códigos tributários, inclui todas as alterações legais produzidas desde a edição anterior, sendo de destacar as decorrentes do Orçamento do Estado de 2019. Como sempre na Coleção Legislação, a obra conta com atualizações online gratuitas, disponíveis em www.portoeditora. pt/direito, até que se inicie a preparação da edição seguinte.
Condomínio – Tudo o que precisa de saber (3.ª edição)
Com mais de 100 perguntas e respostas escritas de forma acessível e concisa e acompanhadas de exemplos concretos, este livro constitui um verdadeiro guia prático para responder a todas as dúvidas que surgem, tanto aos condóminos como aos administradores, na gestão do condomínio. Autor: Samuel Sousa
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VA ESS “Somos muito mais sortudos do que aquilo que algum dia teremos noção” E N T R E V I S TA A
VANESSA OLIVEIRA APRESENTADORA
OS HOLOFOTES ADORAM-NA E ILUMINARAM-LHE OS PASSOS DESDE CEDO. PRIMEIRO, ENQUANTO DESFILAVA NAS ROUPAS DOS MAIS CONCEITUADOS ESTILISTAS PORTUGUESES. DEPOIS E DESDE ENTÃO, NOS MAIS DIFERENTES CENÁRIOS DA TELEVISÃO PORTUGUESA. COMEÇOU NOS REALITY SHOWS, PASSOU PELOS PROGRAMAS DA MANHÃ, TRANSFORMOU-SE NUM VERDADEIRO “FAMA SHOW”, FOI “À PROCURA DO SONHO”, DISSE “NÃO HÁ CRISE!”, MAS “HÁ TARDE”, AO LADO DE HERMAN JOSÉ, FOI ONDE CONHECEU O ESTRELATO. BAILOU PELAS “MARCHAS POPULARES” E PELAS “DANÇAS DO MUNDO” E MOSTROU QUE “PORTUGAL TEM TALENTO”. LEVOU-NOS PELAS “PRAIAS OLÍMPICAS” E PELAS “7 MARAVILHAS DE PORTUGAL” E REVELOU-NOS “AS RECEITAS LÁ DE CASA” E “PORTUGAL NO MUNDO”. HOJE É A VEZ DE “AGORA NÓS”. CENTRADA, HUMILDE, E DE RISO FÁCIL, VANESSA OLIVEIRA CONQUISTOU-NOS COM A SUA SIMPATIA. E FOI DE FORMA DESCONTRAÍDA E ENVOLVENTE, ASSIM, COMO SE NOS CONHECÊSSEMOS HÁ ANOS, QUE NOS FALOU SOBRE OS PAPÉIS EM QUE SE MULTIPLICA, NUMA VIDA PLENA E MARCADA PELO CONTACTO PRIVILEGIADO COM A SOCIEDADE. MODELO, APRESENTADORA, EMBAIXADORA DE CAUSAS NOBRES, MÃE E MULHER. CONHEÇA VANESSA OLIVEIRA.
Entrevista Andreia Amaral / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
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AN SA CULTURA
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cenciatura. Com o andar dos meses fui-me interessando mais pelo tema e no final da Pós-graduação acabei por começar a trabalhar na TVI e...nunca mais parei! Quando e como foi o seu primeiro trabalho para a televisão? Setembro de 2004. Estive cinco minutos sem respirar de tantos nervos. Podia ter morrido ali! (risos). Comecei a trabalhar como jornalista nos conteúdos de um programa que iria estrear em breve chamado “Você na TV” mas uma semana depois chamaram-me para ser repórter e apresentadora dos diários de um programa que também iria estrear chamado “Quinta das Celebridades”. Nunca tinha saído em reportagem. Nunca tinha lido um teleponto. Tive duas pessoas que me ajudaram muito. Graças a elas não morri no meu primeiro direto. Mas também acho que me fez bem perceber que quando somos “miúdos” não sabemos tudo nem somos donos da verdade. O que vejo hoje quando olho para trás é que é bom crescer devagarinho. Solidificar o que temos. Como lida com o facto de ter todos os seus gestos e palavras a serem escrutinados por milhões de pessoas? Tenho muito cuidado com esse aspeto. Eu sou muito eu quando estou a trabalhar. Não é possível ter uma persona televisiva quando se está tanto tempo no ar. É preciso sermos verdadeiros pois a mentira ainda parece maior quando vista por aquelas lentes. Por conseguinte, tento sempre ser muito sincera e consciente de que muita gente segue o que eu digo, o que eu faço e os meus conselhos. Se não tivesse esta profissão, seria...? Com certeza account de publicidade. Como já disse anteriormente, se pudesse ser da Coca-cola, adorava pois sou fã do tipo de comunicação que fazem. Sou do tipo de pessoas que adora ver os blocos de 15 minutos de anúncios na televisão.
Começou a sua carreira como modelo. Acha que hoje o culto da imagem é mais evidente do que nessa altura? Acho que as pessoas gostavam mesmo daquilo que faziam. Gostavam da sua profissão. Hoje, querem ser famosas, a qualquer custo. Não querem cansar-se. Isso para mim não é trabalhar. Parece coisa de pessoa antiga mas não gosto nada de ver naquilo que as novas gerações se estão a tornar. A televisão foi um passo planeado? Não. Eu queria ser account da Coca-cola e foi por isso que a minha Licenciatura foi em Relações Públicas e Publicidade. Só que, quando terminei, ainda trabalhava muito como manequim e não queria terminar por ali. Foi nessa altura que decidi fazer uma pós-graduação. Optei por Apresentação de Televisão pois seria um extra à minha aprendizagem na Li-
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Como vai a televisão em Portugal? De um modo geral vai bem. Gostava que houvesse mais concursos. Acho que aqueles grandes programas de entretenimento com jogos e prémios são muito giros e esse género deixou de haver. E as gentes? Quanto às gentes, vejo e ouço de tudo. Creio que as pessoas em Portugal têm problemas de várias ordens, muitos deles complicados mesmo. Mas também vejo muitos sorrisos, felicidade e pessoas que acreditam num mundo melhor. Temos que ouvir sempre todos os casos, eu pelo menos tento fazê-lo. Qual é, para si, a maior Maravilha de Portugal? Para mim a nossa melhor maravilha é sermos um país calmo, sem grandes problemas, aqui num cantinho sem ninguém querer embirrar connosco. Eu adoro viajar mas nada é melhor do que voltar a casa.
ENTREVISTA COM VANESSA OLIVEIRA
da gate à espera do avião, penso que já não comia nada há 13 horas, sendo que já tinha passado a hora de almoço e que tinha acordado há imensas horas! Portanto aquilo foi mesmo duro, mas foi muito recompensador.
ESCOLHAS… VANESSA OLIVEIRA Um livro: Vários, mas hoje lembro-me de “Como Água Para Chocolate”. Um filme: desenhos animados, sempre: Rei Leão. Um programa de TV: Portugal no Mundo, porque será? :-) Uma música: Drops of Jupiter - Train. Um sítio: www.instagram.com/vanessaoliveiraofficial.
Eu sou muito eu quando estou a trabalhar. Não é possível ter uma persona televisiva quando se está tanto tempo no ar. É preciso sermos verdadeiros pois a mentira ainda parece maior quando vista por aquelas lentes. Correu o mundo a dançar, o que mais mexeu consigo? Eu conheci muitas realidades novas e distantes. Distantes por serem bem longe de nós mas também por serem muito, muito diferentes. Sem dúvida, as realidades em Bombaím e em Luanda foram o que mais mexeu comigo e mudou muito a minha maneira de pensar. Percebi que somos muito mais sortudos do que aquilo que algum dia teremos noção. Por falar em noção, acha que as pessoas têm a perceção de todo este trabalho e esforço que há por trás das câmaras? Nenhuma! Até digo mais, pessoas chegadas a mim, da minha família, do grupo de melhores amigos, às vezes não têm noção daquilo por que estamos a passar. Dizem, ‘ah, vais de férias, andas aí pelo mundo’… Não têm noção. Por exemplo, no “Danças do Mundo”, estivemos 72 horas na Índia. A Sílvia [Alberto] magoou-se a sério, íamos três horas à cama, a comida, para quem não gosta de picante, é terrível – tirando o pequeno-almoço do hotel, que era ocidental, eu passava o dia a comer arroz –, íamos perdendo o voo de regresso porque estivemos a gravar a dança final e para fazer qualquer percurso, mesmo que seja de 10 km, demoramos duas horas… A verdade é que, quando finalmente me sento à porta
Entristece-a que não haja esse reconhecimento? ‘Nim’ (risos), porque, na realidade, a televisão é magia. Não é só nas danças que passamos muito. No ‘Aqui Portugal’, que é sábado à tarde na RTP em vários locais do país, ninguém imagina o frio que passamos para estar oito horas em direto! Esteja frio ou calor, estamos na rua. Como se diz, e apesar do que possa haver, ‘The show must go on’ e temos que fazer. Temos de ser conscientes do que quisemos ser e eu gosto mesmo muito daquilo que faço. Depois, quando alguém nos diz que gosta de nós, do nosso trabalho, vale a pena. Sei que estou a trabalhar, muitas vezes, para pessoas que estão sozinhas em casa, que não têm companhia e que a companhia delas somos nós. E receber mensagens como eu recebo diariamente, até porque hoje é muito mais fácil falar com as pessoas graças às redes sociais, compensa, mesmo, tudo! Qual o programa que mais gostou de fazer? Não é possível escolher. Quando estou a fazê-los são sempre o meu projeto mais importante. Não sei viver de outra maneira. É como escolher de que filho gostamos mais. Impossível. E a entrevista que mais a marcou? Já entrevistei muita gente. É giro perceber que ainda ficamos com borboletas na barriga quando temos que entrevistar alguém importante ou que marca por algum motivo. Uma dessas pessoas foi a Dra. Maria Barroso. Encantadora, culta e de uma simpatia enorme. Quando brinquei um pouco com ela, respondeu-me à altura e ainda fiquei mais fã. Mas não posso esquecer Nicolau Breyner no “Há Tarde” ou John Travolta, em Madrid, que também foi muito divertida. A maternidade mudou-a como pessoa e profissional? Como pessoa, sem dúvida. Passamos a não ser só nós, para sempre. Queremos fazer o melhor, ter sempre o melhor pelos nossos rebentos. Tudo passa a ser à volta do conceito de viver para um bebé, mas com a ideia de que não deixamos de existir, de ser mulheres. Pensamos melhor em todas as atitudes que tomamos, esfriamos a cabeça antes de responder. Tornei-me mais prudente e aprendi muito, muito mesmo, a relativizar. Tudo tem menos importância, tudo passa a ter um tempo e um lugar. Plantou-lhe a semente da sustentabilidade ambiental? Foi por isso que foi embaixadora do Amazónia Live? Não plantou. Sempre existiu. O cuidado com a terra, com a limpeza, reciclagem… E tento incutir isso todos os dias ao meu filho.
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ENTREVISTA COM VANESSA OLIVEIRA
É com enorme prazer que vou assegurar as tardes da RTP com o programa “Agora Nós”, já conhecido do público. Vai ser um novo desafio, num horário de que gosto muito e com muitos desafios. Um deles é não ter parceiro. Vamos ter muitas novidades e surpresas. Foi um gosto ter sido convidada para embaixadora do Amazónia Live, não só pela dimensão do projeto, mas também porque consegui realmente fazer diferença numa ação tão grande como a reflorestação da Amazónia, com mais de dois milhões de árvores angariadas para tornar o Mundo mais respirável. E a responsabilidade social, como se tornou a sua missão? Também são gestos que pratico desde sempre. Não precisamos de os mostrar, basta ajudarmos quem está ao nosso lado. Com a RTP + este trabalho diário é mais visível. Conseguimos ajudar causas maiores e fazer muitas pessoas felizes, que é o mais importante para mim. Ser responsável pelo projeto da RTP + é uma honra e um voto de confiança por parte da Administração da RTP pelo qual estou muito grata. Em que projetos está a trabalhar no momento? Neste momento comecei o projeto “Portugal no Mundo”. No último domingo de cada mês, vamos para uma comunidade portuguesa no Mundo conhecer o modo como os por-
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tugueses emigrantes se enraizaram nesses países. As suas vivências, as suas culturas dentro da cultura de outro país, como se adaptaram, os negócios que criaram. Queremos mostrar aos portugueses como os portugueses vivem pelo Mundo fora. É um projeto superinteressante e que me está a dar um gozo enorme. Gosto de conhecer pessoas, essencialmente gosto de pessoas. Entretanto, é com enorme prazer que vou assegurar as tardes da RTP com o programa “Agora Nós”, já conhecido do público. Vai ser um novo desafio, num horário de que gosto muito e com muitos desafios. Um deles é não ter parceiro. Vamos ter muitas novidades e surpresas. O que lhe falta fazer para se sentir totalmente realizada? Sinceramente e sem querer parecer muito vaidosa, para já acho mesmo que não me falta nada. Tenho a minha família junto a mim, um marido e um filho lindos, os melhores amigos do Universo e todos temos saúde. Faço o que gosto, todos os dias! Para já, não preciso de mais nada. : :
SUGESTÕES
LEITURAS O ÚLTIMO CABALISTA DE LISBOA de Richard Zimler
Por Maria de Lurdes Faber, Solicitadora
Um dos meus passatempos favoritos é passear com um grupo de amigos, sempre na companhia de um livro: chamamos-lhe “Livros com História”. Foi assim que descobri Richard Zimler, um americano com dupla nacionalidade, a viver em Portugal há largos anos, que tem o dom de nos deslumbrar e envolver com a sua escrita. Para quem se interessa por história, o “Último Cabalista de Lisboa” é um livro de excelência porque retrata, de forma rigorosa, a Lisboa do século XVI e confronta-nos com a violência do massacre infligido a quase dois mil judeus, muitos deles convertidos e chamados de cristãos novos. Este maravilhoso livro é baseado num acontecimento verídico sobre a intolerância religiosa, numa época em que a fome e a peste grassavam em Lisboa, ao som do fanatismo das pregações dos frades dominicanos contra judeus, que, baseadas na convicção de que estes eram os responsáveis pela ira de Deus, conduziram à morte milhares de judeus, queimados em grandes fogueiras no Rossio.
UM ITINERÁRIO ESPIRITUAL de Etty Hillesum Etty nasceu a 15 de janeiro de 1914 em Middlburg, Holanda, e morreu a 30 de novembro de 1943, aos 29 anos, no campo de concentração de Auschwitz, na Polónia, onde permaneceu durante dois anos. É a partir dos relatos que deixou no seu diário e em inúmeras cartas que se constrói a obra “Um Itinerário Espiritual”, organizada pelo Padre Jesuíta Paul Lebeau. Como o próprio contextualiza, este livro é uma visita guiada sobre a hecatombe que se abateu sobre a comunidade judaica da Holanda, exposta à desumanidade da ocupação nazi e da sua “solução final” para o “problema judeu”. Este é um claro e grandioso testemunho de uma jovem mulher sobre a realidade vivida no campo de concentração onde acabou por morrer, sem, no entanto, esmorecer. “A miséria é grande e, mesmo assim, acontece-me muitas vezes, à noite, quando o dia findo se sumiu, atrás de mim, nas profundezas, caminhar com passo leve ao longo da cerca de arame farpado e acontece-me sentir sempre subir do meu coração – nada posso contra isso, é assim, aquilo vem de uma força elementar – o mesmo encantamento: a vida é uma coisa maravilhosa e grande”, escreveu. A obra é uma descrição do inferno tragicamente vivido por Etty, mas também a ânsia de liberdade e de vida, repartindo a sua espiritualidade e grande humanismo por todos os que se encontravam naquele mundo de trevas.
Sollicitare 83
ROTEIRO GASTRONÓMICO
Su ges tõ es
Por Maria do Céu Moreira, Solicitadora e Delegada Concelhia de Loulé da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
RESTAURANTE QUINTA DO MOINHO
O melhor da gastronomia algarvia
RESTAURANTE QUINTA DO MOINHO Rua de Nossa Senhora da Piedade, Lote 10, 8100-338 Loulé Telefone 962 409 860 Aberto de terça-feira a domingo. Encerra à segunda-feira.
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Nós cá no Algarve não temos só mar, sol e praia. Temos, também, excelentes restaurantes, com belíssimos petiscos, junto à costa. A cerca de 10 quilómetros de várias praias encontramos a cidade de Loulé, cidade sede do concelho com o mesmo nome. Cidade linda, que desafio todos a visitar! Loulé é um concelho grande e bonito que se estende do mar à serra, fazendo fronteira, a norte, com o Baixo Alentejo. Convido todos os leitores a conhecer o interior algarvio, nomeadamente a Serra do Caldeirão e as belas vilas e aldeias do nosso concelho, onde, durante todo o ano, ocorrem diversos eventos tradicionais e culturais. E quando vierem a Loulé, quer seja no carnaval, nas festas da Aldeia de Alte, por ocasião das festas da nossa padroeira, a Mãe Soberana da Piedade, ou mesmo no verão, sugiro que façam as vossas refeições no Restaurante Quinta do Moinho. Lá irão encontrar um espaço muito bonito e agradável, onde poderão degustar deliciosos pratos típicos, bem confecionados com produtos de primeira qualidade! E o peixinho fresco, grelhado? É peixe da nossa costa, do melhor que há! O restaurante Quinta do Moinho dispõe de várias salas amplas e de espaço exterior onde podemos desfrutar de uma bela refeição, aproveitando o excelente clima algarvio. Após a refeição ou antes da mesma, podemos relaxar no lindíssimo jardim, do qual se avista o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, a Padroeira desta terra de Loulé, como atrás referido. No jardim há ainda uma piscina e zona de lazer para crianças. Um espetáculo de descontração para toda a família. O restaurante situa-se na Rua de Nossa Senhora da Piedade, à saída de Loulé, no sentido de Boliqueime. Em frente a este, podemos visitar ainda o Convento de Santo António, um imóvel recuperado onde são exibidas várias exposições de arte e realizados diversos eventos culturais. Não deixe de visitar. : :
Por Leandro Siopa, Solicitador e Secretário do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
RESTAURANTE AMIGOS DA VELHA CAROCA
Revisitar a Saudade
Não era fácil a vida na vila rural de Pombal no início da década de 1980. Por isso, o Jorge, tal como tantos outros Pombalenses, na busca de um futuro risonho fez-se à estrada a caminho da Suíça. A pobreza já o havia empurrado para trás de um balcão aos 11 anos, mas o sonho e a resiliência que formam o caráter dos audazes, levaram-no, franzino, a saltar para o “Chez Manuel” em Lausanne. As diferenças culturais, sociais e económicas eram abissais, sobretudo para ele que estava habituado a servir numa casa de pasto para, aos 17 anos, passar a trabalhar de uniforme, de “garde nappe” ao braço e com talheres que pareciam excessivos para tão pouca comida. Não era decerto pelo seu clima ameno, mas o charme do país e na volta a fama de um rigoroso sigilo bancário, traziam ao “Chez Manuel” estrelas como Rod Stewart, a princesa da Jordânia, que só pela devida vénia o brindava com uma gorjeta choruda, ou a Rainha do Rock and Roll Anna Mae Bullock. Não foi ao som de “Simply the Best” ou de “Private Dancer” que o Jorge decidiu regressar a Portugal, mas foi embalado pela saudade que, em 1993, comprou por telefone, sem ver ou conhecer, um restaurante sem fama nem clientes conhecido por “Amigos da Velha Caroca”. Habituado à etiqueta dos Alpes e já esquecido de vender taças de vinho, o regresso foi marcado por uma estreia pouco auspiciosa, gravada de tal forma na memória que o faz, ainda hoje, ter na ponta da língua o nome dos seus dois primeiros e únicos clientes serviRESTAURANTE dos com um farto cozido à portuguesa, acompanhado, inevitavelmente, por umas quantas AMIGOS DA VELHA taças de vinho. CAROCA Hoje, no restaurante que imortalizou a velha Caroca que ali perto, no ribeiro, ensaboava e enxaguava com vigor a roupa carregada de pó do campo, já não se vendem copos Rua São João de Deus, n.º 63, de vinho e raramente se usa uma ementa. Os tempos de “Chez Manuel” deram o apurado Pombal, traquejo ao Jorge para ler o cliente e atirar sempre com uma recomendação tão precisa Telefone 236 215 204 quanto é certeira a vontade do emigrante regressar à sua terra. O ambiente acolhedor, o Preço Médio (Diária) €10,00; Preço Médio (Fim-de-semana) serviço de qualidade e a cozinha caseira transformam a degustação de uma picanha, uma € 15,00 a €17,00 posta à mirandesa com molho de alho, um cabrito no forno ou uma salada de frutas especial, num momento para recordar, e fazem do “Amigos da Velha Caroca” uma referência na gastronomia da cidade de Pombal, provando que aqui não há inevitabilidades e que há cozinha para além da nacional n.º 1. Visitar o “Amigos da Velha Caroca” pode não trazer à memória as canções de Linda de Suza, daquelas que enchiam o peito dos emigrantes com saudades da pátria, mas ao Jorge não bastou ter ido para a Suíça com a “mala de cartão” e um futuro incerto, e talvez nem tenha sido o embalo de Anna Mae, que reconhecemos por Tina Turner, que o fez regressar à casa de partida. Bastou-lhe o sonho de abrir um restaurante para que o fado da sua família não fosse o mesmo do cachopo com 11 anos que vendia taças de vinho. Vale a pena, por isso, visitar os “amigos”. Nem que seja para revisitar a saudade. Agradecimentos ao proprietário Jorge Calvário por partilhar a sua história de emigração. : :
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Sintra O DESTINO
MAIS ROMÂNTICO DE PORTUGAL
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VIAGENS
Por Ana Paula Gomes da Costa, Solicitadora e Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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rovavelmente já visitou Sintra e passou, pelo menos, um par de horas no centro histórico. Provavelmente sabe que Sintra é património mundial da UNESCO e que é vila por não querer ser elevada a cidade. Provavelmente já lhe comentaram que a temperatura em Sintra é, por norma, dois a três graus menor do que em Lisboa. E, provavelmente, já provou as deliciosas queijadas e travesseiros. Se ainda não o fez, não hesite. Logo que tenha oportunidade, usufrua da vila de Sintra, romântica e bucólica, de palácios e palacetes, de fontes e igrejas, de parques, quintas e chalets, da floresta frondosa, de árvores de grande porte, de trilhos a explorar e de vegetação em tons verdes, castanhos e alaranjados. Sintra de reis, rainhas, poetas e escritores. Sintra do Eça, do Ferreira de Castro, do Lorde Byron e de tantos outros. Sintra da nobreza e da burguesia e eleita, desde sempre, pelas suas casas de férias. Sintra dos grandes amores e de arrebatadoras paixões. Curiosamente, há dias, disseram-me: “essa sua terra é deveras bonita, mas conheço mal”. Por ser mesmo muito bonita é que aconselho, veementemente, a visita. A tão poucos quilómetros da capital e a ainda menos de Cascais e do Estoril, espartilhada entre a serra e o mar, Sintra avista-se entre a neblina, recordando os grandes poetas, o Castelo dos Mouros, o Palácio da Pena e o Palácio de Monserrate. Dali poderá ter a oportunidade de desfrutar de uma magnífica paisagem que se estende desde o centro histórico a Colares, ao mar e ao Guincho. Aproveite, também, para visitar os jardins de Seteais, a magnífica Quinta da Regaleira, os Capuchos, a Peninha e o Palácio da Vila. E não se esqueça do Chalet da Condessa d’Edla. A Condessa, que foi a segunda mulher de D. Fernando II, criou, no jardim do Palácio da Pena, o seu próprio jardim privado, construindo um magnífico chalet alpino, muito em moda na Europa da época. Se tiver tempo, aproveite, também, para visitar o Palácio Nacional de Queluz. De calçado confortável, percorra Sintra a pé e vai, certamente, deliciar-se pela sua calçada, pelas ruelas estreitas de muros ornamentados de plantas de várias tonalidades, de camélias e de árvores exóticas. Não lhe vai ser indiferente e, acredite, certamente, como nos grandes amores, irá sempre relembrá-la. : :
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la sonhava com esta viagem ainda antes de me conhecer. Tinha tudo planeado. Por onde começar, onde terminar, o que visitar, o que experimentar. Tudo. Contou-me o seu sonho e, a partir desse momento, nasceu um sonho em mim: concretizá-lo. E assim foi, em dezembro de 2018. Mais precisamente no dia 7. Partimos juntos em direção a um sonho que já era dos dois. Chegámos ao aeroporto de Banguecoque já de noite e à nossa espera estava um calor húmido e o motorista que nos levaria até ao hotel. Claro que, assim que dissemos que vínhamos de Portugal, a viagem foi feita a falar sobre Cristiano Ronaldo. Chegados ao hotel e já tendo aprendido a dizer umas quantas palavras na língua nativa, pousámos as malas e seguimos de imediato para a primeira paragem: a famosa rua Khao San. São 400 metros de uma loucura difícil de descrever. Mas vou tentar. Música, comida, massagens, vários idiomas, dança, escorpiões, gafanhotos e aranhas fritas para comer, bares, lojas de roupa, casas de tatuagens… Foi aqui que experimentámos o nosso primeiro Pad Thai. Aproximámo-nos de uma banca e fomos atendidos por uma senhora com um sorriso de orelha a orelha. Apontámos para o que queríamos e, passados poucos minutos, estava pronto. A mesma senhora não descansou enquanto não arranjou um cantinho para podermos comer sentados a apreciar aquele cenário que superava as nossas expetativas. Era hora de experimentar aquela mistura de cores e sabores… Que maravilha! Nunca comer numa banca de rua tinha sabido tão bem. O dia seguinte acordou bem cedo, assim como nós. Era dia de visitar os templos sobre os quais tanto pesquisámos nos meses anteriores. Chegámos ao primeiro, Wat Traimit, e à nossa frente estava um edifício enorme, todo ele branco, mas com os seus telhados dourados. Subimos a escadaria, tirámos os sapatos e entrámos. Ajoelhámo-nos perante a figura do Buda toda em ouro. Os pés, esses, têm de estar no sentido oposto ao da figura. Uma questão de respeito, explicam-nos. E seguimos todas as tradições. Queimámos o incenso e acendemos a vela. Agradecemos o privilégio que era estar ali. No final, oferecemos uma flor de lótus. Dali, seguimos para o próximo templo: Wat Pho e o seu Buda reclinado com cerca de 46 metros de comprimento e 15 de altura. Todo coberto de ouro. De seguida, foi a vez do Wat Arun, exatamente em frente ao Wat Pho. E, no final desse dia, repleto de templos, ainda fomos visitar o Grande Palácio de Banguecoque. Atrevo-me a dizer que será uma das maravilhas do mundo. Enorme, brilhante e com diferentes construções. Qual delas a mais bonita. Vou apenas falar de uma: o templo Wat Phra Kaew. Aqui dentro está o Buda Esmeralda. Uma peça única, com 66 cm de largura e 48 de altura, em quartzo verde. Uma autêntica esmeralda que, em tempos, esteve na antiga capital: Ayutthaya. E foi para lá que seguimos, depois de uma noite a percorrer os mercados a bordo de um tuk-tuk acelerado e cheio de luzes. A antiga capital foi abandonada no ano de 1767, depois de uma invasão dos vizinhos de Myanmar. Mas muito mais do
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que apenas ruínas, Ayutthaya é, acima de tudo, tranquilidade e silêncio. E como foi bom passear por lá com ela… Começámos pelo Wat Phra Sri Sanphet e pelas suas três estruturas gigantes com as cinzas de três reis tailandeses. Seguimos para o Wat Mahathat, onde fica a famosa cabeça de Buda entre as raízes de uma árvore. Antes do último tempo, visitámos, ainda, o Wat Lokkayasutha e o seu Buda reclinado com 42 metros de comprimento. Terminámos, então, no grande Wat Chai Wattanaram. A sua estrutura central está rodeada de oito enormes estupas (local usado como mausoléu), tendo sido construído como homenagem à mãe do Rei Prasat Thong, em 1630. Continuámos a percorrer o sonho dela e, depois de ficarmos a saber como é possível haver um mercado no meio de uma linha de comboio (Maeklong) ou sobre as águas de um rio (Damnoen Saduak), demos um salto até ao Camboja e ao seu mágico Angkor Wat. Mas como sobre este destino já foi (e muito bem) tudo dito na edição 18 desta revista, por Rui Miguel Simão, aconselho-vos o regresso a esse número, enquanto nós seguimos viagem rumo a Chiang Mai. Chegámos e fomos recebidos de braços abertos por uma cidade repleta de gente sorridente. Começámos por subir até ao Doi Suthep. Uma montanha que no seu topo, a mais de 1676 metros de altura, guarda o Wat Phra That Doi Suthep. Conta a lenda que, em 1300, um monge encontrou uma relíquia sagrada do budismo (uma parte de um osso do ombro do Buda). Quando a transportava para um templo, a relíquia caiu e partiu-se em dois pedaços. O Rei resolveu deixar uma parte no templo inicialmente previsto e a outra metade seria colocada num novo templo. Sem saber onde o construir, decidiu colocar a relíquia num elefante branco e o animal escolheria o local. Este subiu até ao topo da colina Doi Suthep, ajoelhou-se e morreu. Ali foi erguido um novo templo, onde está também o túmulo do elefante. O dia foi longo e terminou no grande Saturday Market. Quilómetros e quilómetros de um mercado que parecia não ter fim. O dia seguinte foi dividido em duas etapas dedicadas à beleza natural deste país. Durante a manhã, visitámos um Santuário de Elefantes dedicado à conservação desta espécie. A parte da tarde foi passada no Doi Inthanon National Park. De Chiang Mai partimos, ainda, à descoberta de Chiang Rai. Visitámos o Templo Branco, o Templo Negro e o Templo Azul. Um rendilhado de cores e cultura. Houve ainda tempo para ir até ao Triângulo Dourado, local onde a Tailândia, o Laos e o Myanmar se tocam. A viagem estava quase a terminar, mas ainda restavam uns dias. O próximo (e último) destino foi Krabi e as suas paradisíacas praias. Conhecemos a Chicken Island, a Tup e a Mor Island (duas ilhas ligadas por uma pequena faixa de areia), a Poda Island e as famosas ilhas Phi Phi e Maya Bay. Os últimos dias foram feitos de descanso e água salgada. Serviram para traçar novas viagens, novos destinos, novos mundos. Esta viagem foi para ela. Este texto também. Assim como tudo na minha vida. E, de mãos dadas e mochila às costas, tenho a certeza que novos sonhos aí virão. : :
VIAGENS
TAILÂNDIA
Por André Silva, Gabinete de Comunicação e Relações Externas
UM SONHO QUE PASSOU A SER MEU
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