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OSAE
O PRIMEIRO ANO DA PLATAFORMA DE FORMAÇÃO DO IFBM
Entrevista a PAULO TEIXEIRA, 1.º Vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e Diretor do Instituto de Formação Botto Machado
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A plataforma de formação do IFBM comemora, no próximo dia 14 de outubro, o seu primeiro aniversário. Que balanço faz deste ano? Os objetivos foram alcançados?
Pensamos que os objetivos foram plenamente alcançados e que os números falam por si. Ninguém estava preparado para a pandemia e ainda estamos a reprogramar a possível retoma da atividade formativa presencial, quer da formação contínua, quer da formação inicial. Porém, a plataforma e as restantes ferramentas disponibilizadas e integradas, que estavam a ser ensaiadas para uma oferta mais alargada do modelo formativo, foram rapidamente testadas e colocadas à disposição dos associados, o que nos permitiu, de imediato, disponibilizar a oferta formativa em formato à distância. Creio que respondemos bem e dentro das expectativas, dada a elevada procura sentida e o grande número de reedições consecutivamente esgotadas. Portanto, dentro de um cenário indubitavelmente condicionado pela COVID-19, o balanço só pode ser muito positivo, porque não só os objetivos foram alcançados, como os novos desafios foram superados.
Quais foram as principais inovações que esta plataforma trouxe aos seus utilizadores?
A plataforma prepara-nos para as necessidades tecnológicas atuais e para as inovações pedagógicas do futuro. Os associados não devem contactar telefonicamente, ou por e-mail, os serviços para solicitar um certificado ou saberem quais as ações previstas ou, por exemplo, quais as ações que frequentaram (são atos puramente administrativos que demoram muito tempo se operados dessa forma e que podem ser rapidamente respondidos de forma automática). A plataforma tem uma área reservada que permite esta interação intuitiva, como a consulta das inscrições, do histórico de formações, entre outros atos de «secretaria» ou puramente administrativos. Para além disso, a oferta também é diversificada: tanto temos ações para o público em geral, como outras reservadas apenas a associados, daí que o login integrado com o ROAS/SISAAE seja relevante e facilitador para que possa aceder enquanto associado, beneficiando dos preços de associado. É a pensar nos associados que a oferta formativa de qualidade é disponibilizada a custos baixos, sendo que estes suportam apenas as despesas de contratação de formadores e/ ou logísticos. Por outro lado, a plataforma tem a possibilidade de integração e-learning, vídeos, livestream, formulários, exames, ferramentas de conferência, comunicações automáticas e todo um conjunto de ferramentas indispensáveis que, quanto mais não seja, a situação epidemiológica veio demonstrar serem necessárias afinar. Permitiu-se, assim, que qualquer associado pudesse, comodamente, aceder aos conteúdos formativos, dispensando, por vezes, o suporte de enormes custos com deslocações para as formações presenciais que, por mais que nos custe, nunca chegam a todos os concelhos do país.
Conheça toda a oferta formativa em ifbm.osae.pt
N.º de formações: 128 N.º de horas de formação: 597 N.º de inscritos: 5973
Como se perspetiva o futuro da formação na OSAE?
Creio que, para o bem e para o mal, a situação que vivemos veio demonstrar que temos de valorizar mais o nosso tempo e fazer a melhor gestão possível do mesmo, quer no trabalho, quer fora dele. Por isso, o planeamento da formação não voltará atrás quanto ao modelo de sucesso que implementámos em tempo quase recorde. Isto é, a formação presencial continuará a ser valorizada, porque nenhuma tecnologia substitui o contacto direto entre formando e formador, sinto-o na primeira pessoa, quer na OSAE, quer na universidade. Todavia, os modelos eficazes de formação à distância, sobretudo se forem utilizados numa perspetiva complementar ou até mesmo paralela, poderão ser uma mais-valia, quer pela durabilidade da informação disponível, quer pela versatilidade ou facilidade de acesso a todos. O que nos aconteceu, nos mais diversos setores da sociedade, e no IFBM não foi exceção, permitiu encarar o futuro com confiança, porque quando o esforço é legítimo, as coisas tendem a correr bem. E, francamente, as alternativas utilizadas correram bem. Isso ajuda-nos a encarar o futuro com mais confiança, pois a formação com qualidade tem de continuar a ser disponibilizada. : :
A discussão em torno da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) tem estado na ordem do dia. Por isso, a Sollicitare quis ouvir duas opiniões antagónicas sobre este tema que tanto diz aos profissionais. Por um lado, José Manuel de Oliveira, Solicitador há 47 anos e Vogal da Direção da CPAS. Por outro, Luís Martins, Solicitador desde agosto de 2019. Duas visões de duas gerações distintas. Em comum, a preocupação com o futuro da classe.
Entrevista Joana Gonçalves / Fotografia OSAE assista ao vídeo em www.osae.pt
A CPAS, fundada 1947, tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respetivas famílias, exercendo ainda uma atividade relevante ao nível de assistência social. Passadas mais de sete décadas, consideram que a CPAS continua a fazer sentido?
José Manuel de Oliveira (JMO) – É evidente que, numa sociedade moderna, a CPAS faz todo o sentido. Como sabemos, as sociedades, depois da Segunda Guerra Mundial, desenvolveram três pilares que são fundamentais para o seu equilíbrio: a saúde, a educação e a previdência. A CPAS, embora originariamente tenha sido criada como uma caixa de reformas, soube adaptar-se ao longo do tempo e passar a integrar a assistência. Eu considero que a CPAS cumpre as necessidades fundamentais dos beneficiários. Claro que, na conjuntura que vivemos, há duas queixas comuns: a ausência do subsídio de doença e a muito propalada ausência do apoio na parentalidade. Nada mais falso do que dizer-se que a CPAS não dá apoios na parentalidade. Na minha ótica, os apoios nesta questão são bem melhores do que na Segurança Social (SS). Explicando: a CPAS concede dois subsídios, um de nascimento e outro de maternidade, que, no seu conjunto, têm um valor económico muito semelhante ao da SS. E dadas as características especiais dos beneficiários da CPAS, pois são trabalhadores independentes, os beneficiários ainda podem continuar a exercer a atividade. Na SS, quem está a receber apoios não pode trabalhar. Por isso, é redondamente falso que não existem apoios na parentalidade. Há, de facto, a falta de um subsídio no que diz respeito à doença. Esta eventualidade já devia estar coberta há muito tempo. Felizmente, os estudos técnicos estão a chegar ao fim e, dentro de poucos meses, se não acontecer nenhum incidente, este problema estará resolvido e os associados da CPAS poderão usufruir de um subsídio de doença em condições muito semelhantes aos da SS. O que importa é que estas situações estejam cobertas e que a previdência esteja assegurada, seja através de um instituto público ou através de uma caixa privada.
Luís Martins (LM) – Na minha visão, não faz sentido. A CPAS está completamente descontextualizada. Neste momento seria importante que a CPAS estivesse mais próxima dos seus beneficiários, já que são eles que a sustentam. Era fundamental existir mais assistência na saúde, na parentalidade e na doença. Era fundamental que a CPAS não se baseasse em rendimentos presumidos. A maior parte dos colegas que conheço ganha muito abaixo daquilo que se presume. Por outro lado, há muitos outros que ganham acima. Isto leva a que uma pessoa que aufira, por exemplo, 20 mil euros por mês, pague 250 euros à CPAS. Já uma pessoa que aufira 500 euros paga os mesmos 250. Onde é que há justiça nisto? Alguma coisa tem de ser alterada. E depois há outra situação: até há uns anos, o cálculo das pensões era totalmente diferente, privilegiando os melhores descontos dos últimos anos da carreira contributiva. Tal fazia com que alguns Solicitadores e Advogados, os da “velha guarda”, descontassem apenas aquele período que lhes garantia a reforma – porque a CPAS pouco mais serve para além de atribuir reformas, não dá assistência praticamente nenhuma. Quem quer outro tipo de assistência, tem que fazer um seguro. Outro problema da CPAS foram as contribuições devidas e não pagas e que só recentemente começaram a ser executadas. Algumas já estão prescritas e, portanto, temos beneficiários que nunca foram penalizados, nunca foi executado o seu património e hoje recebem reformas que estão fora do que é normal, muito altas. Enquanto isso, os jovens não conseguem fazer face às despesas correntes. Não é justo.
A revisão do Regulamento da CPAS, em 2015 – que introduziu aumentos nas contribuições mensais e acabou com a isenção desse pagamento dada até então aos recém-licenciados –, fez nascer muitos anticorpos. Na vossa opinião, são justificados?
JMO – Justificadíssimos. De tal maneira que, no anterior mandato, a direção da CPAS resolveu o problema. Atualmente, os estagiários têm a faculdade de optar por iniciar o seu período de contribuições logo que se inscrevem como estagiários ou, então, iniciar só depois de concluído o estágio com êxito. Esse problema está resolvido e seria bom transmitir-se a seguinte ideia: os beneficiários, sejam eles estagiários ou profissionais inscritos, não devem olhar para as contribuições como um custo. As contribuições para a CPAS são uma forma de começar a construir a reforma. Por isso, podia ser um custo para os estagiários, mas, em contrapartida, estavam já a preparar a sua reforma. Foi um problema criado pelo regulamento de 2015, mas está resolvido.
LM – Sim. A isenção funcionava como uma alavanca no início da carreira profissional, já por si difícil. Esta dificuldade tem-se vindo a agravar ao longo do tempo. Para além da falta desta alavanca, os recém-licenciados começam, desde logo, a ter que concorrer com a procuradoria ilícita, com as pessoas que não pagam quotas nem CPAS. Concorrem com quem faz o seu trabalho à margem dos Solicitadores, profissionais que mesmo não auferindo qualquer rendimento, têm que no final do mês pagar quotas e CPAS, caso contrário são executados no seu património. É muito complicado.
A pandemia da Covid-19, que recentemente assolou o país, teve também grandes impactos nos rendimentos de muitos Solicitadores e Agentes de Execução, profissionais que não foram abrangidos por medidas de apoio similares às que foram adotadas no âmbito do regime dos trabalhadores independentes. Como analisam a ação da CPAS durante esse período?
JOSÉ MANUEL DE OLIVEIRA
JMO – A CPAS esteve muito atenta a esta situação verdadeiramente anormal que criou dificuldades no exercício da atividade e fez exatamente o mesmo que fez a SS. Isto é, concedeu moratórias por 12 meses para o pagamento das contribuições de abril, maio e junho, cujo início começa só em outubro. Este problema também foi resolvido. Por outro lado, todos sabemos que a SS não deu apoios diretos aos trabalhadores independentes, quem deu foi o Estado. Decidiu transferir verbas do Orçamento do Estado para serem abonos pecuniários aos trabalhadores independentes. A única questão que não se compreende é o porquê de o Governo ter decidido criar cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Há cidadãos que foram beneficiados e os Solicitadores, Agentes de Execução e Advogados foram excluídos. Esta é a pergunta a fazer. Não à direção da CPAS, mas ao Governo. Continuo esperançado de que o Governo reconheça que está a cometer um erro gravíssimo junto de profissionais que têm grandes responsabilidades na sociedade portuguesa e que merecem ser tratados de outra maneira.
LM – Ficou muito aquém das expectativas. Esperava que a CPAS tivesse dado algum apoio durante este período excecional, ou até mesmo a isenção. Compreendo que o Estado deu ajudas à SS e que a SS se financia de formas distintas em relação à CPAS. Mas, por outro lado, numa situação excecional como foi esta da pandemia, tinham, pelo menos durante os três meses, de isentar. Eu, por exemplo, não ganhei dinheiro nenhum neste tempo e, no entanto, tive que continuar a
pagar à CPAS. Não sou beneficiário, sou contribuinte. Para que serve a CPAS então? Quando eu chegar à idade da reforma, terei essa mesma reforma? Se não chegar, não me serve para nada. Então, para isso, com regras homólogas às que já existem na CPAS, mais vale integrar na SS. Não digo que sou contra a CPAS, mas que se encontre uma forma de mudar algumas coisas, ou então que seja feita a integração na SS. Assim é que não pode continuar. É claro que os colegas que ganham muito dinheiro não estão interessados em mudar, porque se forem para a SS vão descontar mais. Ao Estado seria atrativo ter esses contribuintes. Na CPAS, um profissional ganha 20 ou 40 mil euros e paga só 250 euros. Tens 15 ou 20 advogados ou solicitadores a trabalhar para ti, ganhas milhões e cada um paga 250 euros. Claro que é bom. Mas não pode ser assim. É preciso ver os rendimentos, não é presumi-los. Não há justiça e é contra isso que eu e a maior parte dos colegas estamos. Está quase tudo errado na CPAS. Numa situação de pandemia, nem sequer isentar as contribuições… acho isso muito grave e é preciso haver mudanças. O que faz mais falta na CPAS é haver justiça para as pessoas que praticam a justiça.
Como reagem à petição lançada e assinada por quase oito mil solicitadores, agentes de execução e advogados que pedem que a CPAS seja integrada no regime geral da Segurança Social? E como encaram as manifestações que decorreram contra a CPAS?
JMO – Esta petição que pede a integração da CPAS na SS é, pura e simplesmente, a democracia a funcionar. Eu sou dos que acha que os problemas da CPAS têm de ser amplamente debatidos e em espírito absolutamente aberto. Portanto, acho que é um exercício de direitos que eu não posso deixar de saudar. Gostaria é que esses direitos fossem exercidos com rigor. Vi o vídeo de apresentação de alguns beneficiários na Assembleia da República e, de facto, foram dadas muitas informações úteis, mas foram dadas também muitas informações sem qualquer fundamento. Eu espero que os senhores Deputados estejam disponíveis para ouvir a direção da CPAS e que estejam preparados para distinguir entre o que é verdadeiro e o que é falso. É muito fácil provar que muito do que ali foi dito não tem rigor. No que diz respeito às manifestações, eu sou dos que tiveram de lutar contra a ditadura. Dito isto, estou encantado com o exercício dos direitos. Continuo a dizer que eles devem ser exercidos com ponderação. Por exemplo, numa das manifestações contra a CPAS fomos informados de que os manifestantes queriam entregar uma petição. Dissemos que sim, que estávamos disponíveis para os receber. Estiveram dois dirigentes da instituição a receber os manifestantes e, com muita estranheza nossa, quando foram convidados para se sentar e dialogar, só quiserem entregar a petição e foram embora. Acho que é um mau exercício dos direitos.
LM - Sou um dos que assinou a petição e sinto que não estou sozinho. O problema é que muitas pessoas que assinaram a petição não votaram quando deviam. Acho que deveria haver mais união na classe. Há colegas que não se sabe qual é a posição que têm em relação à CPAS e à SS. E devo referir que esta situação de termos que pagar 250 euros, mesmo não auferindo rendimentos, é mais uma forma de barrar o acesso à profissão. Se alguém não consegue fazer face a essa despesa, muito provavelmente vai suspender a cédula. Tal é benéfico para as grandes sociedades. No meu caso, para conseguir fazer face às minhas despesas, tenho que conciliar a Solicitadoria com outras áreas como a formação. Não tenho problema nenhum em fazer qualquer trabalho. Mas o que eu gosto é de ser Solicitador, foi para isso que tirei uma licenciatura e uma pós-graduação. E para exercer esta profissão tenho que pagar, no mínimo, 250 euros por mês à CPAS. É certo que as grandes sociedades não querem mudar esta situação porque sabem que funciona como forma de barrar o acesso à profissão. Mas é preciso arranjar outras formas de o fazer: limitando os cursos nas universidades ou estipulando quotas de pessoas que podem aceder à profissão, por exemplo.
Como perspetivam o futuro da CPAS?
JMO – Na minha opinião, há um tema fundamental que tem de ser discutido dentro da CPAS e eu espero que saibamos todos – os Bastonários da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e da Ordem dos Advogados, a direção da CPAS, o Conselho Geral da CPAS, os Solicitadores, os Agentes de execução e os Advogados – discutir este problema que é fundamental. A sustentabilidade da CPAS está assegurada para os próximos 15 anos. O trabalho fundamental que há a fazer é tratar da sustentabilidade para depois dos próximos 15 anos, para que não aconteça como em 2015 quando se fizeram alterações profundas, com pouco diálogo, quer com os parceiros institucionais, quer com os beneficiários. E qual é então o problema fundamental que se põe daqui a esse tempo? É a sustentabilidade, pois o número de reformados aumenta e consequentemente as despesas também aumentam. Para resolver este problema é preciso rever o modelo de contribuições. Há pouco consenso à volta disto, mas tem de ser gerado com paciência, rigor e respeito recíproco. Quanto a mim, os montantes de contribuição do quinto escalão, onde estão inscritos a maioria dos beneficiários, não podem aumentar, ano a ano, em valores superiores à inflação. Temos de encontrar outro modelo. Podemos ter vários caminhos. Um deles é fazer como se faz em alguns países europeus, em que o valor das contribuições aumenta de acordo com o número de anos de inscrição. Outras das hipóteses é que exista um aumento de contribuições conforme a idade do beneficiário. Um terceiro caminho, extremamente polémico, passa pelas sociedades profissionais. Ou seja, achamos razoável tributar moderadamente as sociedades de
LUÍS MARTINS
profissionais? Pelo volume de serviços prestados, pelo lucro ou pelo número de profissionais que lhes presta serviço? É preciso distinguir entre pequeníssimas, pequenas, médias e grandes sociedades e estipular contribuições entre 0.5% e 3%, penso que será suficiente. Refiro que em 1947, aquando da criação da CPAS, só existia o exercício da atividade em prática individual. Hoje as sociedades de profissionais faturam, segundo se diz, mais de 600.000.000 €/ano. Numa destas opções residirá a possibilidade de mantermos uma caixa com ótimas condições para os seus beneficiários, desde que cheguemos a acordo nesta matéria.
Se conseguirmos isto, a CPAS será mais sustentável, mais justa e mais diferenciada.
Sobre a palavra ‘diferente’ queria, por fim, dizer que a CPAS oferece aos Beneficiários um Seguro de Assistência, um Seguro de Acidentes, comparticipações em internamento hospitalar no privado. Além disso, a Reforma na CPAS continua a ser aos 65 anos.
LM – Vejo cada vez mais pessoas interessadas numa mudança e acho que o futuro será melhor. Tenho esperança nisso. Sou da opinião de que os Solicitadores devem ter a possibilidade de escolher o seu sistema previdencial e de estudar melhorias consideráveis no atual sistema da CPAS, que atualmente parte do pressuposto de que todos Solicitadores são ricos. Eu não sou e ainda me falta muito para chegar à reforma. Até lá, continuo sem proteção por parte da CPAS. : :
Espaço dos Conselhos Regionais
A partir deste número, a Sollicitare passará a incluir um espaço dedicada aos órgãos regionais da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Nesta edição, descubra mais sobre a história, o funcionamento e o dia a dia dos Conselhos Regionais do Porto, Coimbra e Lisboa da OSAE, numa viagem guiada pelos respetivos Presidentes.
CONSELHO REGIONAL DO PORTO
Por Duarte Pinto, Presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Descreva-nos, sucintamente, a história do seu Conselho Regional.
A história do Conselho Regional do Porto (CRC) remonta ao seculo XIX. Tudo começa a 12 de maio de 1873, com a emissão do alvará de aprovação real, sob chancela de D. Luís, da Associação dos Solicitadores Encartados do Distrito da Relação do Porto, precedendo igual associação criada em Lisboa cinco anos antes. Esta tinha os seguintes fins estatutários: a manutenção e defesa da dignidade, direitos e justos interesses dos Solicitadores; a regulação das regras do exercício da profissão e o apoio aos associados e às suas famílias. A 20 de janeiro de 1907, um novo estatuto era proposto, cujos fins, na linha dos anteriormente aprovados, visavam sanar quaisquer irregularidades que fossem praticadas e prejudicassem a classe. Foi também na cidade do Porto que, a 26 janeiro de 1898, a classe se reuniu, sob a direção de Fernão Botto Machado, para discutir um decreto que interferia com a vida própria da profissão e das associações que representavam os Solicitadores.
A Associação dos Solicitadores Encartados é, posteriormente, convertida na Câmara dos Solicitadores do Porto, em 1927, sendo nessa data criada a de Coimbra. Com a unificação das três câmaras “regionais”, que deu origem à Câmara dos Solicitadores, em 1944, agregando a Câmara Solicitadores de Coimbra, é criado o Conselho Regional do Norte, que perdurou até à entrada em vigor do atual estatuto, em 2015. Desde 1961 que a sede do Conselho Regional do Porto tem lugar no Palácio da Justiça, onde temos a nossa livraria. Já os serviços administrativos e o arquivo funcionam ainda nas instalações de Campanhã.
Quantos associados da OSAE pertencem ao seu Conselho Regional?
O Conselho Regional do Porto tem mais de 1700 associados, com uma média de idades de 46 anos, representado as Solicitadoras 64 por cento dos inscritos.
Quantos colaboradores fazem parte da equipa do seu Conselho Regional?
São sete os colaboradores deste Conselho Regional: Amae deu Monteiro, Carla Resendes, Fátima Grabulho, Paula Lopes, Helena Peixoto, Sofia Monteiro e Susana Azevedo.
Como é o dia a dia no seu Conselho Regional?
O dia a dia, quer dos dirigentes, quer dos colaboradores do Conselho Regional do Porto, é feito de muito trabalho. É um trabalho que envolve muita dedicação, rigor e responsas bilidade.
Quais são as principais atividades desenvolvidas?
Na sede do Conselho Regional do Porto, isto é, no Palácio da Justiça, funciona o nosso salão nobre e de receção protocolar, sendo ali também realizadas as assembleias regionais, distritais e reuniões dos órgãos da OSAE. Para além disso, dedicamo-nos a muitas atividades: atendimento telefónico e presencial; inscrições; alterações de moradas; cancelamentos, entre outras tarefas.
Como perspetiva o futuro do seu Conselho Regional?
Com muito otimismo. Os associados deste Conselho Regional carregam a mesma força e o espírito dos fundadores, que, ao longo dos séculos, têm vindo a moldar a geoestratégia do país e até da própria península, passando pela mudança dos regimes políticos. É, pois, com muita vontade que perspetivo os próximos anos. : :
CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA
Por Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Descreva-nos, sucintamente, a história do seu Conselho Regional.
Vamos, então, a uma visita rápida pelo nosso passado recente e pelo presente. Após uma pesquisa rápida pelas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, encontrámos diversos números de jornais, como a “Gazeta de Coimbra”, o jornal mais antigo de Coimbra e com mais tiragem do distrito. Recordamos anos de referência, tais como 1911-1912, 1920-1921, 1928, épocas díspares, mas de um passado não tão longínquo, que nos fazem reviver memórias. Nesta altura, a nossa profissão era apelidada de Solicitador Encartado, sendo publicitada da seguinte forma: “Encarrega-se de tratar de todos os serviços judiciaes e pendencias de todas as repartições publicas, administração de bens, compra e venda de propriedade e papeis de credito, etc”. O título de Solicitador Encartado foi atribuído pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal da Comarca, que também controlava o número de inscritos por localidades. A tão afamada Rua da Sofia, em Coimbra, era a rua onde mais Solicitadores Encartados tinham o seu “Escriptorio”. Sim, porque para existirem Conselhos Regionais, temos de contar com os nossos mais preciosos, os nossos Associados. Nos anos de 1900–1928, os Associados contavam com os Conselhos Distritais de Lisboa, Porto e Coimbra.
São memórias públicas e que tão boas são de recordar. Um dos momentos mais marcantes da história dos Solicitadores, relembra-nos a “Gazeta de Coimbra”, foi em 1928. No primeiro fim de semana de dezembro, pelas 14h30, os Solicitadores encontraram-se para a realização da “assembleia magna dos Conselhos Distritais da Camara de Solicitadores”, com a finalidade de discutir o projeto de regimento da mesma Câmara. Escrevia-se à data que, “no esplendido hall do Palacio de Justiça os solicitadores que formam os conselhos distritais de Lisboa, Porto e Coimbra e outras que vieram a Coimbra movidos pelo seu natural espirito de classe, muito embora não podessem tomar parte nos trabalhos desta reunião reservada aos referidos conselhos.”. Portanto, a casa dos Solicitadores Encartados era o Palácio da Justiça em Coimbra e, passadas mais de nove décadas, esta continua a ser a nossa casa e que tão bem nos sabe acolher. Estas boas relações têm sido férteis e vieram para ficar, sendo reconhecida a competência dos Solicitadores. Quanto a isso, o Conselho Regional de Coimbra (CRC) da OSAE, agora renovado, tem feito um trabalho altruísta, dedicado, afeiçoado e, sem dúvida, próximo dos órgãos de soberania. Por exemplo, no passado dia 5 de março, promovemos uma visita ao Palácio da Justiça do Tribunal da Relação de Coimbra e, realmente, aquela continua a ser a nossa casa.
Para finalizar este pequeno resumo da nossa história, gostaria de falar de Avelino Paredes e da homenagem que lhe fizemos. Foi ele que emprestou o seu nome a uma das salas existentes nas nossas atuais instalações, que reabriram em 2016, na Avenida Fernão de Magalhães, na baixa de Coimbra. E é exatamente aqui, na sede da OSAE, na região Centro, que estamos disponíveis para o receber. São estas algumas das memórias públicas, e que bom é este recordar.
Quantos associados da OSAE pertencem ao seu Conselho Regional?
Considerando os números de referência de 31 de dezembro de 2019, o CRC tem 692 associados: 518 são Solicitadores e 174 são Agentes de Execução, sendo que estes últimos incluem 52 que exercem unicamente a função de Agentes de Execução e 122 que são também Solicitadores.
Quantos colaboradores fazem parte da equipa do seu Conselho Regional?
Atualmente o CRC conta com a colaboração de dois seres humanos excecionais, que para além de desenvolverem um trabalho fantástico, levam a sério o trabalho em equipa, fazendo com que este funcione e se torne motivador, o que se traduz em resultados muito positivos e visíveis. São eles Armando Matias e Carina Correia.
Como é o dia a dia no seu Conselho Regional?
Já dizia o filósofo Confúcio “Escolhe um trabalho de que gostes e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida”. Assim é o dia a dia quer dos dirigentes, quer dos colaboradores do CRC. A receita é juntar motivação e prazer às atividades a que nos propomos, o que resulta num bom ambiente de trabalho e isso reflete-se nos nossos Associados. Como refere Armando Matias, “Dia sim, dia sim, o CRC é uma verdadeira equipa! Dia sim, dia sim, o CRC são as PESSOAS!” Já para Carina Correia, “O dia a dia no CRC é cheio de boa disposição, trabalho e sempre com uma equipa pronta a ajudar!” Esta é a equipa do CRC da OSAE, a nossa equipa!
Quais são as principais atividades desenvolvidas?
Não nos cingindo ao Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE), e indo um pouco mais à prática da casa, o CRC, através dos seus serviços administrativos, garante o tratamento diário de todos os pedidos de inscrição, suspensão, cancelamento, cessação de suspensão, alterações de morada, inscrições e cancelamentos de inscrições de empregados forenses e, ainda, substituições e desassociações de Agentes de Execução, desta forma apoiando, sempre que necessário, de forma direta ou indireta, os respetivos Colégios Profissionais e os seus representantes. De forma equivalente, o CRC, através dos seus serviços administrativos, cuida da faturação de eventos organizados pela OSAE e pelos seus Conselhos Regionais. Apoia também, sempre que necessário, as formações e estágios.
Em suma, acreditamos que, aos olhos de quem julga, o CRC é perseverante na atividade, próximo, direto e pró-ativo.
Como perspetiva o futuro do seu Conselho Regional?
Com muito labor e um completo empenho, os resultados esperam-se grandemente positivos. O foco será sempre o Associado, com o intuito de dignificar os profissionais e defender o interesse público da profissão, junto das mais variadas instituições.
Os nossos profissionais são muitíssimo habilitados e isso tem-se notado, ainda mais, com a pandemia Covid-19, em que assistimos a duas situações. Por um lado, geraram-se enormes dificuldades aos profissionais do foro e ao cidadão, por todas as medidas impostas. Por outro, os Solicitadores têm sido verdadeiros parceiros da justiça e do cidadão, sendo distintos quanto à sua intervenção juntos dos serviços públicos. Assim, os nossos profissionais devem aproveitar estas novas oportunidades para que o cidadão os veja com outros olhos, isto é, como aquele que tem diversas ferramentas disponíveis e horários alargados para ajudar o cidadão. Já que os serviços públicos não dão a resposta mais rápida e eficaz ao cidadão, este recorrerá aos nossos serviços, sejam eles na área dos registos, predial, comercial ou automóvel. Estou certa de que somos os mais solicitados nesta altura pandémica que ainda vivemos, por exemplo, a nível fiscal, seja para reconhecimento de assinaturas ou autenticação de documentos, seja para uma simples compra e venda, caso este em que o Solicitador obtém a certidão, liquida impostos e promove o registo. Entre outros atos, como doação, partilha, permuta e muitos mais! É desta forma que nós - os Solicitadores - nos devemos rever! Com a energia e dedicação que temos tido no reforço da profissão, estou convicta de que o futuro será, evidentemente, melhor.
Não deixando de referenciar o contributo do Secretário deste Conselho Regional, Leandro Siopa, para esta questão, refiro que, apesar das dificuldades dos seus associados, estes têm aderido fortemente às novas abordagens e desafios profissionais, nomeadamente com a perspetiva muito positiva do cadastro predial simplificado. Tendo sido a região Centro o território mais fustigado pelos incêndios de 2017, esta é uma zona que carece de reorganização territorial. Também no âmbito judicial, o CRC tem incentivado os seus associados a retomar a atividade do patrocínio jurídico, lugar esse que a classe ocupava no passado e anseia retomar. O CRC ganhou o merecido espaço de representação dos associados da região centro. Sabemos das dificuldades, mas perante este desafio, a classe sairá mais próxima e mais forte. : :
CONSELHO REGIONAL DE LISBOA
Por João Aleixo Cândido, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Descreva-nos, sucintamente, a história do seu Conselho Regional.
Não há como falar da história do Conselho Regional de Lisboa (CRL) sem falar de Francisco António de Miranda e Sousa, o primeiro Presidente deste Conselho. A sua tomada de posse foi em 1929, ocupando o cargo até 1932.
Só mais tarde, a 23 de fevereiro de 1944, com a promulgação do Decreto-Lei n.º 33547, foi publicado o novo Estatuto Judiciário, que organizou numa só Câmara a classe dos Solicitadores Portugueses, substituindo-se, assim, a organização inicial em três câmaras. Mas é a 19 de junho de 1976 que se assinala um momento de extrema importância: é aprovado o primeiro Estatuto dos Solicitadores, pelo Decreto-Lei n.º 483/76. Estes são marcos importantes para a história deste Conselho Regional.
Mas nem só de datas se faz a história desta casa. As ruas mostram bem a evolução das sedes do CRL. A primeira sede foi na Rua Nova do Almada, seguindo-se a Alameda D. Afonso Henriques, a Rua D. Estefânia, a Avenida José Malhoa e, por fim, a atual na Rua Artilharia 1.
Atualmente, integram no CRL as Delegações Distritais dos Açores, Beja, Évora/Portalegre, Faro, Lisboa, Madeira, Santarém e Setúbal e as respetivas concelhias.
Tem sido um percurso rico, de evolução e muitos desafios à mistura, mas a nossa prioridade sempre foi, e sempre será, valorizar e proteger a atividade dos nossos profissionais, que felizmente é cada vez mais reconhecida.
Quantos associados da OSAE pertencem ao seu Conselho Regional?
O Conselho Regional de Lisboa tem, no total, 1657 associados: 1523 são Solicitadores e 433 Agentes de Execução. Destes 433, 134 são também Advogados e 299 são Solicitadores.
Quantos colaboradores fazem parte da equipa do seu Conselho Regional?
Fazem parte do Conselho Regional de Lisboa cinco colaboradores. São eles Sónia Correia, Carla Coutinho, Anabela Botinas, Filipa Silva e Patrícia Pereira.
Como é o dia a dia no seu Conselho Regional?
O dia a dia no Conselho Regional de Lisboa é essencialmente preenchido pelas atividades que aqui desenvolvemos, dentro das competências delegadas e apoiando, sempre que nos é solicitado, nas atividades do Conselho Geral.
Quais são as principais atividades desenvolvidas?
São várias. Salientamos o atendimento telefónico e presencial, a emissão de selos de autenticação a nível nacional e a emissão de cédulas a nível nacional. Somos também responsáveis pelas quotas a nível nacional e pelo estágio a nível regional, bem como pelas inscrições (solicitadores/agentes de execução/empregados forenses), suspensões (solicitadores/agentes de execução), cancelamentos (solicitadores/ agentes de execução/empregados forenses) e alterações de moradas (solicitadores/agentes de execução).
Como perspetiva o futuro do seu Conselho Regional?
Porque o futuro é uma incógnita, propomos continuar a promover o Encontro Regional de Solicitadores e Agentes de Execução e o almoço de Natal, que vemos como algo benéfico para a coesão deste conselho regional. Para além disso, pretende-se continuar a apoiar todas as iniciativas de caráter formativo e lúdico das Delegações Distritais e Concelhias. : :
DE QUE É FEITO UM TRIBUNAL?
Texto Joana Gonçalves / Fotografia Rui Santos Jorge e OSAE assista ao vídeo em www.osae.pt
TODOS NÓS PASSAMOS POR ELES. NAS GRANDES CIDADES OU NAS PEQUENAS VILAS, INSTALADOS EM EDIFÍCIOS IMPONENTES OU DISCRETOS NA PAISAGEM URBANA, OS TRIBUNAIS ESTÃO PRESENTES POR TODO O PAÍS. POR ENTRE INÚMERAS SALAS, PAREDES, CORREDORES E FACHADAS, MUITAS SÃO AS VIDAS QUE SE CONTAM E SE DECIDEM NESTAS CASAS ONDE A JUSTIÇA SE FAZ. MAS QUEM DECIDE DE QUE É FEITO UM TRIBUNAL?
DOMVS IVSTITIAE
A expressão latina mais conhecida pelos portugueses. Ao lê-la, o leitor já saberá que vamos, inevitavelmente, falar sobre tribunais. Mas desengane-se, que esta reportagem não é sobre os muitos desafios do Direito e da Justiça em Portugal. Não. Hoje vamos falar sobre edifícios e sobre arquitetura. Vamos falar sobre construção e reabilitação. Vamos conhecer os rostos de quem pensa e constrói o parque judiciário português.
A nossa viagem começa no décimo sétimo andar de uma das mais altas torres que compõem o Parque das Nações, em Lisboa. Com vista privilegiada para o Tejo, é aqui que, entre outras funções, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) assegura a gestão e a manutenção do património do Ministério da Justiça. Sob sua alçada estão todos edifícios dos tribunais, mas também dos serviços prisionais, da Polícia Judiciária, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) e do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), perfazendo um total de 1200 edifícios espalhados por todo o território nacional. “Todos estes organismos dependem do IGFEJ naquilo que diz respeito à gestão patrimonial nas suas diversas vertentes, seja nas mais administrativas – tratadas no nosso Departamento de Gestão Patrimonial –, seja na elaboração de projetos, acompanhamento de obras e lançamento de empreitadas – através do Departamento de Gestão de Empreendimentos”, explica Vasco Costa, Vogal do Conselho Diretivo do IGFEJ. E é mesmo este último departamento que mais nos interessa no âmbito desta reportagem, o qual, organicamente, ainda se divide em dois núcleos: o de Elaboração de Projetos e o de Revisão de Projetos e Fiscalização de Obras.
Seguramente que, ao ler esta descrição, imaginou que, neste departamento, para dar resposta a um tão grande parque imobiliário, deverão trabalhar algumas centenas de pessoas. Não. “Para gerir estes 1200 edifícios temos um quadro de 33 pessoas distribuídas entre a área de projeto e a área de fiscalização e acompanhamento de obras. Mas isto é o quadro. Destes 33 elementos, neste momento temos 14 pessoas a trabalhar. 14 pessoas para gerir um património de 1200 edifícios. Esta é uma grande dificuldade e um grande desafio que enfrentamos.”, salienta Vasco Costa.
Continuando na senda dos números, importa também sublinhar que, destes 1200 edifícios, 340 são tribunais de épocas e perfis arquitetónicos distintos. De acordo com Patrícia Branco, Investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e autora do estudo ‘Análise da arquitetura judiciária portuguesa: as dimensões de reconhecimento, funcionalidade e acesso à justiça’, “os espaços dos tribunais portugueses apresentam perfis arquitetónicos múltiplos e/ ou variados, que se delineiam em função da coexistência de diferentes estilos arquitetónicos provenientes de diferentes períodos, surgindo edifícios cujo modelo é reconhecível e foi herdado do Estado Novo, por oposição a edifícios cujo modelo pode ser caracterizado como heterogéneo”. Os primeiros, explica a investigadora, são claramente identificáveis como tribunais pela sua solenidade, imponência e por seguirem aquilo que era a moda e a imagem do anterior regime. Já nos segundos, que surgem com a democracia e, em particular, nos anos 90, é visível uma grande profusão de ideias. “O arquiteto passa a estar no centro do mundo e ganha o direito a utilizar a linguagem e os elementos de composição que mais lhe agradam. Não é muito controlado, as regras não são muito claras e surgem alguns edifícios que, do ponto de vista simbólico, é difícil dizer ‘isto é um tribunal’”. Quem o afirma é Miguel Gama, arquiteto e responsável pelo Núcleo de Elaboração de Projetos do IGFEJ. Problema: chegamos à cidade, temos um conjunto de edifícios à nossa volta e perguntamo-nos ‘o que é o tribunal?’. Não há uma composição clara, portanto, à partida, pode ser qualquer edifício. “Na minha opinião, um tribunal pode ter uma imagem e um estilo quaisquer. O estilo tem é que dar resposta a um conjunto de necessidades. Diria que essas necessidades são mais claras quando estamos a falar de questões funcionais, mas não o são no que diz respeito à imagem”, contextualiza o arquiteto.
VASCO COSTA
Diferentes edifícios, diferentes intervenções
Sendo o edificado judiciário tão diversificado, as intervenções necessárias à sua conservação e adequação só poderiam ser, também, diferentes. Em jeito de resumo, podemos considerar que o IGFEJ executa três grupos de obras: a de conservação pura e simples (a cobertura que está estragada e que é preciso substituir, a caixilharia que precisa de ser mudada ou os revestimentos exteriores que estão em queda, por exemplo), a de melhoraria das condições de habitabilidade dos edifícios (neste grupo estão os edifícios que não têm nenhuma patologia, mas que, pela sua vetustez, justificam que lhes seja colocada uma instalação de ar condicionado, que a rede elétrica seja revista ou, mesmo, que a acessibilidade seja aprimorada) e, por último, a intervenção
Vasco Costa, Vogal do Conselho Diretivo do IGFEJ
Miguel Gama, arquiteto e responsável pelo Núcleo de Elaboração de Projetos do IGFEJ
de adequação. Aqui incluem-se os “os tribunais que, do ponto de vista da conservação, não evidenciam necessidade de intervenção no plano construtivo, mas por força do aumento do movimento processual, já não são adequados ou já não têm a dimensão necessária ao funcionamento daquele juízo. Neste caso, ou se amplia o edifício ou, no limite, temos de fazer um novo”, alavanca Vasco Costa. Estas três vertentes são avaliadas periodicamente, em estreita colaboração com Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ). É este organismo o responsável por fazer a análise do movimento processual e perceber se as infraestruturas, quer físicas, quer de recursos humanos, são suficientes para dar resposta às necessidades do sistema jurídico.
Identificadas as intervenções, segue-se o passo seguinte: a elaboração do projeto. Os de maior dimensão e complexidade são, tipicamente, contratados fora, ou seja, conforme explica Miguel Gama, “é lançado um concurso público para que os gabinetes de projetistas concorram à elaboração desse projeto. Nessas situações, aquilo que fazemos é definir qual o “produto” que queremos, isto é, que projeto pretendemos, que características deverá ter, que necessidades pretendemos ver supridas, quais as fases do seu desenvolvimento e quais os prazos e custo previsto. Já quando estamos perante projetos de menor dimensão – como pequenas obras de conservação –, de forma a dar uma resposta rápida a essas questões, são os nossos técnicos que tratam”.
No que à construção de raiz de um tribunal diz respeito, embora os casos não sejam muitos, as regras são similares e, mais uma vez, o que é definido pelo IGFEJ passa pelo ponto de vista funcional. “Trabalhamos com arquitetos que de um modo geral nunca desenvolveram nenhum projeto para a Justiça. Num primeiro momento, entendemos ser de grande utilidade promover a visita a diversos tribunais para que percebam qual a sua lógica de funcionamento. Já do ponto de vista plástico, hoje em dia não existe uma limitação, ou seja, o arquiteto tem a liberdade total. Ressalve-se que essa liberdade acontece até certo ponto. Mesmo que, do ponto de vista plástico, um projeto seja interessantíssimo, não nos podemos
esquecer que estamos a construir um tribunal e que, por conseguinte, a funcionalidade tem de estar garantida”, ressalva Vasco Costa, acrescentando que “o tribunal é como qualquer outra infraestrutura: tem uma funcionalidade, tem uma operação e tem uma lógica de custo”.
Miguel Gama complementa que, apesar de se pretender que o tribunal esteja integrado naquilo que é o tecido urbano e que seja contemporâneo, não pode deixar de ser um tribunal. “Não queremos que uma sala de audiências seja igual a um espaço de lazer. Um cidadão, quando vai a uma sala de audiências, não deve ter o à-vontade que tem quando vai, por exemplo, a um restaurante e o próprio desenho da sala de audiências deve refletir, de alguma forma, o peso da Justiça. Mas a Justiça tem vários pesos. Não é que trate as pessoas de forma distinta, mas pretende-se que uma sala de audiências de um tribunal que julgue Crime seja diferente da que existe num tribunal que julgue Família e Menores, porque, efetivamente, os ‘destinatários’ são distintos. A monumentalidade tem a ver não apenas com a imagem que a Justiça quer de si, mas muito mais com a imagem que a Justiça quer transmitir a quem a ela vai recorrer”.
Mas voltando à construção de um tribunal: para auxiliar os projetistas é feito, pelo IGFEJ, um programa preliminar e entregue aos candidatos o chamado “Manual de Projeto de Tribunais”. Este é um documento que explica, em detalhe, do que é que se faz um tribunal. “Primeiro fala do que é a Justiça, de como ela funciona, quais são as suas especificidades e principais problemas. A partir daí, aborda as questões arquitetónicas no sentido da linguagem. Não define um estilo, mas diz ao que ele deve dar resposta. Depois, entramos nas questões funcionais. A DGAJ diz-nos, por exemplo, que este será um tribunal para 50 magistrados, com determinado número de Juízos e salas de audiência. O candidato pega no documento e sabe que cada um desses espaços tem uma área e cria um programa de compartimentos. Depois, é necessário fazer um fluxograma com as interligações e as interdependências. Seguidamente, há a questão das circulações: não queremos, por exemplo, que um detido se cruze
MIGUEL GAMA
com uma testemunha ou com um magistrado. Por fim, entramos na dimensão construtiva e indicamos quais as soluções que consideramos mais adequadas para as especialidades, tais como a estabilidade, ventilação e climatização, águas e esgotos, comunicações, eletricidade, sustentabilidade, acústica e segurança. Tudo tem de ser muito bem pensado”.
E como se define a localização do futuro tribunal? “Depende da nossa capacidade de encontrarmos os locais adequados, mas também existe uma interação muito grande entre o IGFEJ e os municípios nesse âmbito. Apesar de o Ministério da Justiça possuir um conjunto alargado de património,
normalmente esse património não está em localizações que sejam adequadas para se instalar um tribunal. Nesse caso, os municípios ajudam-nos a encontrar a localização mais indicada”, clarifica Vasco Costa.
‘Plano Estratégico Plurianual de Requalificação e Modernização da Rede de Tribunais 2018 –2028’: um desafio?
A degradação do parque judiciário português tem vindo a ser muito focada na agenda mediática. São recorrentes as notícias sobre tribunais com défice de acessibilidades,
escassez de espaço ou falta de condições de habitabilidade. De forma a fazer um levantamento dos problemas existentes nos tribunais, o Ministério da Justiça traçou o “Plano Estratégico Plurianual de Requalificação e Modernização da Rede de Tribunais 2018 –2028”, que reflete todas as necessidades dos edifícios, sejam elas de conservação, de melhoria das condições de trabalho ou de adequação. Vasco Costa adianta que o IGFEJ, enquanto entidade que colaborou na execução deste plano a 10 anos, se revê por completo no mesmo. No entanto, aponta limitações à sua execução: “Quais são as limitações que temos? Em rigor, são limitações de recursos, quer humanos, quer financeiros. Por outro lado, há uma componente política daquilo que se pretende executar – a tutela tem, naturalmente, a legitimidade e a competência de dar orientações na priorização das intervenções que deverão ser executadas – e, por outro lado, há a necessidade de dar resposta a requisitos legais e de cumprimento de regulamentos. No fundo, é a articulação desses temas que dá forma aos nossos planos de atividade e compõe o respetivo “caderno de encargos”. Curiosamente, até ao momento, o recurso mais escasso, apesar do diminuto tamanho da nossa equipa, é o recurso financeiro.”
De qualquer forma, decorridos dois anos da entrada em vigor do plano, o Vogal do Conselho Diretivo do IGFEJ faz um ponto de situação dos trabalhos: “Dos 340 tribunais existentes, 147 necessitam de intervenções. Desses 147, desenvolvemos e concluímos 35 projetos e executámos 17 obras. Em termos de necessidades identificadas no que a novos edifícios diz respeito (ou de ampliação de edifícios existentes), temos identificados 14 casos. Desses, um está concluído, três têm projetos terminados e outros três estão em curso”.
Para obtermos uma visão mais externa sobre o documento, pedimos a Patrícia Branco a sua opinião sobre o mesmo. Na visão da investigadora, “o plano estratégico é interessante e há uma análise cuidada daquilo que era a realidade em 2018. Há uma preocupação com as questões de flexibilização dos espaços, de acessibilidades, de manutenção e conservação dos edifícios já existentes. Não posso dizer que discordo, mas quero ver como é que vai ser concretizado”.
Patrícia Branco acredita, também, que o estado de conservação dos edifícios da Justiça tem impacto no grau de confiança que os cidadãos depositam nas instituições “Muitas vezes, pensa-se que as pessoas não estão preocupadas com os espaços, porque, na verdade, elas só lá estão para resolverem as suas questões e o espaço é irrelevante. Eu não acho que o seja. Todos nós vivemos em edifícios e gosta-
PATRÍCIA BRANCO
Patrícia Branco, Investigadora do Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra mos de estar confortáveis. O tribunal é a casa da Justiça. Se as pessoas vão a essa casa, que também é sua, e veem que não está bem cuidada, que não tem um sítio pensado para esperar com comodidade ou para acolher as crianças, não vão ficar satisfeitas. Claro que há quem diga que as pessoas querem é uma decisão. Tudo bem, até concedo. Mas, se estiverem num espaço confortável, atrativo e seguro, se calhar até vão aceitar melhor determinadas decisões. Não vou dizer que é o principal, mas faz seguramente parte de uma cadeia que leva a que a pessoas tenham mais confiança.”
Concluímos, portanto, que, quanto mais aprofundamos o tema, mais são as questões que surgem e que não têm espaço nestas páginas. De olhos no Tejo, o desfecho que nos invade o pensamento é só um: a casa da Justiça é feita de pessoas. As que a pensam, as que a constroem, as que nela decidem, as que nela trabalham, as que a ela recorre, as que por ela passam. E assim se conta do que é feito um tribunal.
Continuaremos a abordar esta temática nas próximas edições. : :
O TELETRABALHO – UMA (NOVA) REALIDADE
Por Francisco Serra Loureiro, Solicitador e Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Embora o teletrabalho não seja uma figura nova, pois a sua consideração como modalidade de trabalho subordinado remonta ao Código do Trabalho de 2003, a necessidade de uma resposta urgente à situação epidemiológica do novo Coronavírus -COVID 19, levou a uma intensificação e maior divulgação desta forma alternativa de trabalho, sempre que a função em causa assim o permitisse.
A evolução das novas tecnologias de informação e comunicação, elemento essencial para a realização desta forma de trabalho, permite que, hoje, o trabalhador consiga desempenhar as suas obrigações laborais a partir, por exemplo, do conforto do seu lar, mas sem deixar de estar subordinado às instruções do seu empregador, cumprindo os horários e funções que lhe são atribuídos e observando todos os deveres que decorrem de uma relação contratual laboral.
Com o fim do estado de emergência e o subsequente regresso a uma normalidade possível, a maioria dos trabalhadores colocados em teletrabalho voltou aos seus postos de trabalho. No entanto, na legislação ainda encontramos previsão para a obrigatoriedade do desempenho de funções por teletrabalho, desde que observada pelo menos uma de três situações: trabalhador imunodeprimido ou doente crónico, desde que clinicamente comprovado, trabalhador com deficiência, com grau de incapacidade igual ou superior a 60 por cento e, ainda, trabalhador com filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos, ou que, independentemente da idade, tenha deficiência ou doença crónica. Neste caso, a permanência em casa decorre da suspensão das atividades letivas que ainda hoje, não raras vezes, observamos.
Não obstante a existência destas normas de caráter excecional, a realidade demonstra que, mesmo sem motivo legal justificativo, muitos empregadores optam, hoje, por aderir a esta modalidade de trabalho. Com este fenómeno em crescimento, é conveniente referir que esta situação deve observar a celebração de um contrato de teletrabalho e que a existência deste não pressupõe a omissão de algum direito ou dever por parte do trabalhador. Tal como é referido no Código do Trabalho, estes trabalhadores têm os mesmos direitos e deveres que os demais trabalhadores, nomeadamente no que diz respeito a questões de formação (especialmente para desenvolvimento de competências das tecnologias de informação e comunicação), carreira profissional, período de trabalho, entre outros.
Por vezes, a grande dificuldade poderá passar pela destrinça entre o tempo de trabalho e o tempo de descanso do trabalhador, mas o referido Código estipula expressamente a obrigatoriedade do empregador em garantir as melhores condições de trabalho, tanto do posto de vista físico como psíquico, estabelecendo, em simultâneo, o respeito pela privacidade e pelos tempos de descanso daquele e da sua família.
Seja na perspetiva do trabalhador ou na perspetiva do empregador, nada como o conforto de saber que pode ser elucidado por um Solicitador, profissional com conhecimentos sólidos em Direito Laboral.
Porque já sabe: um Solicitador, todos os serviços. : :
OSAE ASSINA PROTOCOLO COM A CÂMARA MUNICIPAL DO MONTIJO PARA PRESTAÇÃO DE CONSULTA JURÍDICA GRATUITA
AOrdem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) estabeleceu um protocolo de colaboração de prestação de consulta jurídica gratuita com o Município do Montijo para as pessoas mais carenciadas. Esta consulta jurídica será feita através de meios de comunicação à distância, como forma de fazer evoluir este serviço e adaptá-lo aos tempos atuais. A cerimónia de assinatura ocorreu no dia 23 de setembro na Câmara Municipal do Montijo.
A OSAE esteve representada por José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, Rui Simão, 1. º Secretário do Conselho Geral, e Rute Baptista Pato, 2. ª Secretária do Conselho Geral, enquanto que pela Câmara Municipal do Montijo estiveram presentes Nuno Canta, Presidente da Câmara, e Ricardo Bernardes, Vereador.
José Carlos Resende destacou que este protocolo “é muito interessante, tanto para os associados da Ordem, como para os cidadãos do Montijo. Vamos, através dele, poder prestar aconselhamento jurídico às pessoas mais carenciadas”. Esta decisão é especialmente relevante num momento em que o país se depara com uma grave pandemia, que tem gerado muitas dificuldades económicas. Acresce ainda o próprio desconhecimento das leis, que leva a que “as pessoas não tenham acesso a apoios e cometam erros, que têm consequências graves”. Segundo o Bastonário, “esse desconhecimento, principalmente nas pessoas carenciadas, tem que ser combatido”.
Também Nuno Canta realçou que “é importante que a Ordem esteja próxima das pessoas”. Salientou, ainda, a relevância da celebração deste protocolo para a Câmara, uma vez que se pretende “levar até às pessoas e, particularmente, até aos mais vulneráveis, esclarecimento jurídico”. Terminando as suas declarações, afirmou que esta iniciativa pretende ser “de grande alcance humanitário” e que tudo será feito para o sucesso da mesma. : :
A [NÃO] SUJEIÇÃO DAS ORDENS PROFISSIONAIS AO REGISTO DO BENEFICIÁRIO EFETIVO
Por Susana Antas Videira, Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Consultora da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
AProposta de Lei n.º 16/XIV/1.ª, em processo de aprovação, tem como objeto transpor a Diretiva (UE) 2018/843, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo (BC/FT) e a Diretiva (UE) 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, referente ao combate ao branqueamento de capitais através do direito penal.
É primeiro desígnio deste projeto, conforme se lê na nota preambular, proceder a uma revisão dos principais instrumentos jurídicos nacionais em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, num esforço de garantir um regime jurídico mais eficiente e completo para enfrentar e mitigar riscos emergentes, derivados, em particular, do recurso a sistemas financeiros alternativos, como a moeda eletrónica e outros ativos virtuais, e da ameaça resultante de uma maior convergência entre a criminalidade organizada transnacional e o terrorismo.
Mas, para o que importa à economia do presente artigo, a Proposta de Lei em apreço vem introduzir alterações no regime jurídico do beneficiário efetivo (RCBE) e em diplomas conexos, a fim de simplificar procedimentos e elucidar aspetos técnicos que necessitavam de clarificação.
Um deles é, precisamente, o da sujeição das Ordens profissionais ao RCBE.
Não é este o momento para apreciar o regime jurídico disciplinador desta base de dados, sob gestão do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN), que procura consolidar informação suficiente, exata e atual sobre a pessoa ou pessoas singulares, que, ainda que de forma indireta ou através de terceiro, detêm a propriedade ou o controlo efetivo das entidades que integram o seu âmbito de aplicação.
Importa, antes, assinalar que a Proposta de Lei supra identificada vem excluir expressamente do âmbito de aplicação desse regime as associações públicas profissionais. Com efeito, outra não poderia ser a solução, atenta a natureza jurídica das Ordens e as funções de regulação e de supervisão que exercem, porquanto a coerência normativa e as exigências da interpretação sistemática cairiam em falência se a administração autónoma corporizada pelas associações públicas profissionais tivesse, para efeitos do regime jurídico do beneficiário efetivo, solução diversa da gizada para todos os subsetores da administração pública ou para as entidades administrativas independentes, em especial, as que exercem funções de regulação e de supervisão.
Por outras palavras, sendo intenção inequívoca do legislador excluir do âmbito de aplicação do regime em apreço as entidades que, por natureza, estão adstritas à prossecução de finalidades de interesse público e as entidades administrativas independentes, não se poderia conceder que as Ordens profissionais, enquanto forma de administração mediata do Estado, que exercem aqueles mesmos poderes, deixassem de estar enquadradas naquela exclusão.
A este propósito e em abono da conclusão extraída, importa, particularmente e de forma perfunctória, invocar a índole jurídica destas associações públicas, bem como os fins que são destinadas a prosseguir.
Com efeito, configurando as Ordens uma forma de descentralização ou de administração mediata do Estado, compete-lhes, fundamentalmente, regular e supervisionar o exercício da profissão, no respeito pelos respetivos princípios deontológicos.
Por consequência, estas associações de direito público consubstanciam casos de administração autónoma, descentralizada, em que o fundamento de descentralização é, como assinala a doutrina administrativista, institucional, cabendo-lhe a função de organismo público de auto-regulação profissional legalmente instituída.
Nestes termos, a sua criação nunca depende da iniciativa privada, sendo - antes e sempre - um ato de autoridade.
Por consequência, como vem clarificar o legislador na Proposta de Lei em referência, as Ordens profissionais, dotadas de personalidade jurídico-pública e de funções de regulação [também pública], têm de se considerar excluídas do âmbito de aplicação do RCBE por equiparação com os serviços e entes dos subsetores administrativos do Estado e com as entidades administrativas independentes.
Assinala-se, portanto, como particularmente relevante esta proposta de exclusão expressa das Ordens profissionais do RCBE, refletida na alteração preconizada para o respetivo artigo 4.º pela Proposta de Lei n.º 16/XIV/1.ª, que vem, a este propósito, consagrar o entendimento sempre defendido pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. : :