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Alojamento Local – Regime Jurídico 4
O regime vigente, em que não existe limite máximo para a taxa de justiça a cobrar às partes, leva ao pagamento de taxas de valores elevadíssimos, sem correspondência com o serviço efetivamente prestado pelo tribunal, originando situações de manifesta injustiça e desproporcionalidade.
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Também no CPTA se veio clarificar a introdução dos Agentes de Execução. Faltam, no entanto, desenvolvimentos informáticos e eventualmente normas complementares que facilitem esta intervenção nas execuções administrativas, nas citações e noutros atos. Como analisa o futuro neste aspeto?
Existe uma falha na arquitetura do Sistema Informático de Suporte à Atividade dos Tribunais Administrativos e Fiscais – o SITAF – no que toca à possibilidade de atuação e intervenção dos Agentes de Execução no âmbito das execuções administrativas. O que obriga os Agentes e os Juízes a recorrerem a expedientes que não se encontram previstos na lei e que aumentam a morosidade dos processos. É incompreensível que o problema ainda não tenha sido resolvido. Impõe-se um esforço conjunto, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, para se obter uma rápida solução, sobretudo no atual contexto em que a atividade judicial à distância, através de plataformas informáticas, adquiriu uma importância fundamental.
Como é que a Presidente do Supremo Tribunal Administrativo encara a existência do Centro de Arbitragem Administrativa, comummente designado por CAAD? É o caminho irreversível para a privatização da Justiça numa área que por excelência é do Direito público?
A arbitragem é um instrumento de resolução jurisdicional de conflitos, vulgar no âmbito do direito privado e do direito internacional, mas raríssimo no domínio do direito público interno dos países, os quais, na sua generalidade, têm grande receio e até hostilidade pela justiça arbitral nesta área, particularmente em matéria tributária.
O que se compreende na medida em que é altamente problemático que o Estado queira delegar em entidades privadas o julgamento de conflitos gerados no exercício de funções públicas e que visam a prossecução do interesse público, sabendo que estão em jogo importantes interesses da comunidade e que nesse tabuleiro atuam influentes poderes de facto e grandes interesses económicos e financeiros, o que reforça a necessidade de assegurar ao máximo a imparcialidade e a independência dos julgadores, de os subtrair à órbita de influência e de pressão de outros poderes.
Pessoalmente, estou convicta de que só um corpo de juízes sujeito a rígidos princípios, deveres e garantias orgânicas e estatutárias – como é o dever de exclusividade profissional absoluta, e como é o princípio que proíbe a escolha de um juiz para resolver um processo – pode acautelar uma justiça independente e imparcial.
E penso que se trata de uma convicção generalizada. O alarme social que notícias recentes geraram sobre uma eventual e pontual inobservância desse tipo de deveres na Relação de Lisboa revela a consciência coletiva do seu significado e peso para a confiança na Justiça.
Contudo, os árbitros do CAAD – que é uma pessoa coletiva de direito privado – acumulam a função de julgadores com o exercício pleno da sua atividade profissional, nomeadamente com a advocacia, a consultoria e a assessoria na área administrativa, financeira e fiscal a empresas e entidades públicas e privadas, nacionais e multinacionais, a prestação de serviços na área do direito administrativo e fiscal, a funções empresariais e societárias, a funções políticas e partidárias.
E não vejo ninguém a inquietar-se com isso, ou a escrutinar a distribuição dos processos, ou a questionar a falta de sujeição destes julgadores ao dever de declaração de rendimentos e património a que todos os juízes de direito já estão legalmente obrigados apesar da exclusividade profissional que lhes dita o vencimento.
Mas como presidente do órgão cimeiro da jurisdição administrativa e fiscal o que me preocupa é o facto de a arbitragem ter servido, e poder continuar a servir, de pretexto para a desresponsabilização e desinvestimento do Estado na melhoria das condições de funcionamento dos seus tribunais, enfraquecendo o poder judicial numa área tão sensível como é a área do direito administrativo e fiscal.
E aí reside a irritação que os juízes desta jurisdição sentiram relativamente à arbitragem, porque ela representou mais uma forma de abandono e de desistência destes tribunais, de abandono dos juízes à sua vergonha de não conseguirem dar resposta atempada ao brutal nível de litigância nesta área.
E por isso o compromisso que assumi, de tudo fazer para obter meios e instrumentos que permitam a estes tribunais organizarem-se e consolidarem-se como a via primordial de controlo dos poderes e da atuação do Estado, de modo a que os cidadãos não se sintam coagidos ou forçados a recorrer à via privada de justiça arbitral, ainda que esta possa constituir uma via residual de maximizar o direito fundamental de acesso à justiça, mas que, por força da sua natureza voluntária, não pode deixar de representar uma escolha livre e muito ponderada face à irrecorribilidade, ou recorribilidade extremamente limitada, das suas decisões.
Sente que a formação dos diversos profissionais ligados ao universo judicial tem vindo a ser adaptada em função dos novos desafios?
Existe uma constante preocupação pela formação contínua dos juízes desta jurisdição, porque ela é fundamental
para a compreensão e decisão de processos sensíveis e com problemas cada vez mais complexos, que exigem preparação adequada. E existe da parte do CSTAF a abertura para lhes facultar a frequência de cursos, congressos, seminários e outras realizações que tenham lugar no País ou no estrangeiro, concedendo-lhes a necessária autorização para o efeito, desde que não haja inconveniência para o serviço. Mas o problema reside aí, reside no serviço, nas pesadas cargas processuais que dificultam a frequência de ações de formação. Enquanto não houver assistentes ou assessores que permitam ao juiz libertar-se para a sua verdadeira função e apostar fortemente na sua formação, não iremos conseguir superar o desafio.
Acresce que na falta de assistentes, os juízes têm ainda de fazer formação informática para vencer os problemas que a tramitação eletrónica de processos lhes traz. É absurdo. Sobretudo porque a função e a formação de um juiz é dispendiosa, e vê-lo sobrecarregado com estas e outras tarefas é um desperdício que sai muito caro a todos os portugueses.
Por outro lado, a resolução de litígios de natureza administrativa e fiscal exige conhecimentos jurídicos muito abrangentes e multidisciplinares e conhecimentos que não são estritamente jurídicos e que envolvem matérias de alta tecnicidade, que exorbitam da formação contida numa licenciatura em direito. E nesse aspeto não só a atual formação é insuficiente como as pesadas cargas processuais não concedem tempo para ela.
Quanto aos demais operadores judiciários, em particular advogados e solicitadores, é abissal a diferença de formação relativamente ao passado, assistindo-se a uma forte aposta formativa nesta área. Tem-se assistido a uma elevada e crescente especialização dos advogados que litigam nesta jurisdição, que trabalham cada vez mais em equipa e com auxílio de técnicos especialistas, apesar de, ironicamente, o juiz se ver obrigado a decidir sem qualquer tipo de apoio técnico e jurídico as causas que estes lhe submetem.
Existe diálogo suficiente entre os diversos profissionais?
Diria que existe a possibilidade de pleno diálogo. Não só não se verifica qualquer impedimento a esse nível como constato que ele é cada vez mais visível e profundo, fruto essencialmente de colóquios, seminários, cursos e outras realizações em que intervêm magistrados, advogados,
solicitadores, académicos e juristas de diversas áreas, que permitem fomentar o diálogo jurídico-científico e partilhar experiências e saberes. Por outro lado, as revistas e estudos jurídicos em matéria administrativa e fiscal que vão sendo editados constituem instrumentos preciosos para a abertura de canais de comunicação e, sobretudo, para a construção de plataformas de respeito mútuo.
E não tenho conhecimento de situações de conflitualidade entre magistrados, mandatários e funcionários nos tribunais administrativos e fiscais, o que é revelador do respeito e sentido de colaboração entre todos.
Como perspetiva este mandato enquanto Presidente do Supremo Tribunal Administrativo?
Um mandato espinhoso. O compromisso que assumi, sobretudo a nível de presidência do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não é fácil, porque passa por dar voz e visibilidade pública às especificidades, dificuldades e constrangimentos desta jurisdição e por desenvolver todos os esforços para mobilizar vontades para um real investimento e fortalecimento dos seus tribunais. O isolamento que a pandemia provocou veio dificultar a tarefa e temo que a brutal crise económica que se avizinha não facilite o investimento necessário, apesar de ele ser premente face ao previsível aumento de litigiosidade que a pandemia trará, especialmente no âmbito dos contratos públicos e a nível de contencioso fiscal.
Esta jurisdição tem ainda um longo caminho de recuperação pela frente, um caminho que não durará apenas o tempo de um mandato único de cinco anos, como é o meu.
Enquanto cidadã, como se descreve? Consegue gerir de uma forma satisfatória distanciamento social de magistrada e a sua vivência social e familiar?
Dispo as vestes de magistrada na minha vida pessoal e familiar. É algo vital para o meu equilíbrio. Apesar de ser uma pessoa sociável, tenho necessidade de isolamento e de silêncio, algo que foi acentuado pelo facto de há 20 anos exercer funções em tribunais superiores. O exercício da magistratura, sobretudo a nível de tribunais superiores, é muito solitário; é um processo em que se fica fechado em estudo e diálogos interiores que levam ao isolamento e que é agravado pelo regime de exclusividade profissional absoluta.
Mas sempre tentei conciliar a profissão com atividades culturais e sociais, com a maternidade e com a família, ainda que isso me tenha obrigado, como a tantas outras mulheres, a difíceis e nem sempre conseguidos exercícios de equilíbrio, numa profissão que facilmente nos absorve 12 horas por dia.
E embora ache que a cidadania se exerce também no cumprimento diário de um trabalho profissional dedicado e competente, sobretudo quando ele se destina a servir os cidadãos, sempre senti necessidade de me envolver com a comunidade, o que me levou a integrar durante anos um grupo de reflexão cívica da cidade onde resido, em Aveiro, a participar ativamente na associação de pais do jardim-de-infância e da escola dos meus filhos, a integrar o Conselho Geral da sua escola secundária e a colaborar na realização de eventos culturais significativos.
E porque o convívio com amigos constitui o esteio para a minha estabilidade emocional, creio que tenho conseguido gerir de forma satisfatória o desafio. : :
DUZENTOS E TRINTA DEPUTADOS, NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, DÃO VOZ AO PAÍS QUE OS ELEGEU E CORPO AOS IDEAIS QUE CONTRARIAM AMARRAS E SILÊNCIOS FORÇADOS. APRESENTAM INICIATIVAS LEGISLATIVAS, QUESTIONAM O GOVERNO, DEBATEM COM OS COLEGAS DA OPOSIÇÃO. ATÉ AQUI, SÃO POUCAS AS SURPRESAS. ALIÁS, BASTA SINTONIZAR A ARTV PARA, SEM FILTROS, NEM CORTES, ASSISTIR A PARTE DO QUE É O DIA A DIA DESTE ESPAÇO ONDE HÁ ESPAÇO PARA TODOS OS CIDADÃOS. MAS HÁ MAIS HORAS NESTES QUE SÃO OS DIAS NA CASA DA DEMOCRACIA. E, NUM DESSES DIAS, A SOLLICITARE TAMBÉM LÁ ESTEVE, COM MÁRCIA PASSOS, DEPUTADA DO PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA, E COM FILIPE PACHECO, DEPUTADO DO PARTIDO SOCIALISTA.
O
despertador dita o início de mais um dia. Márcia Passos e Filipe Pacheco preparam-se. Ela compõe o casaco, ele abotoa a camisa. Pegam na pasta, no computador, no telemóvel e seguem caminho. “Cada deputado tem a sua forma de trabalhar. Eu sou madrugadora. Mantenho o ritmo que tinha no meu anterior trabalho, como advogada. Já era a primeira a chegar ao escritório e continuo a ser a primeira a chegar aqui. Chego sempre entre as oito e as oito e quinze. A hora de sair não existe. Saio quando terminar o que tenho para fazer. Os dias são muito intensos”, confessa Márcia Passos. Dias intensos, longos e que, segundo Filipe Pacheco, contrariam a visão que ainda resiste do deputado: “Existe uma visão estereotipada do trabalho do deputado e que só contempla a imagem das reuniões plenárias, onde estão os 230. Ou seja, aquilo que passa na televisão. E não há nada mais errado do que isso”.
Chegam à Assembleia. Entram no edifício, sentam-se na secretária e pegam na agenda. “Uma semana típica de um deputado tem fases bem definidas. Segunda-feira é o dia reservado ao contacto com o eleitorado. Na terça e na quarta de manhã acontecem as reuniões das comissões parlamentares. Na quarta e quinta, à tarde, e na sexta, de manhã, temos reuniões de plenário. Na quinta de manhã ainda temos reuniões de grupos parlamentares. E, depois dos plenários, há sempre lugar para as reuniões das comissões e dos grupos de trabalho”, explica o deputado do Partido Socialista.
Márcia Passos complementa: “São dias sempre muito preenchidos. Cada intervenção no plenário implica muito estudo, muito trabalho. Os dois ou três minutos que temos para falar, que é muito pouco, é o resultado de um trabalho árduo, e longo, de gabinete”.
Os ponteiros do relógio continuam a avançar. São 9h30. Tem início a primeira reunião. Tanto Márcia Passos como Filipe Pacheco fazem parte da Comissão da Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local e da Comissão da Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação. Filipe Pacheco confessa que “este é o local onde é feita uma grande parte do trabalho de um deputado e onde existe maior discussão”. A troca de argumentos entre deputados é intensa. Primeiro o partido do governo, depois a oposição. Alguém levanta a voz e engrossa o tom para conseguir terminar o seu raciocínio. Exige-se articulação de ideias. O dom da oratória pede silêncio, mas as provocações paralelas, em volume de sussurro, fazem parte do jogo político. No fim, pedem-se cedências de todas as partes, em prol do equilíbrio e do país. E, apesar de tudo isto, o tempo não dá tréguas. Pausa. Os deputados dirigem-se à cafetaria. Mas a discussão prolonga-se pelo corredor. “Aqui respiramos política, história, sociedade. Estamos sempre a falar destas coisas. E falamos muito fora das reuniões, das comissões e do plenário. É nos corredores, no bar, na cantina, nos gabinetes… E resolvem-se muitas questões assim. Os nossos debates até podem ser acesos, mas, depois de sairmos, falamos tranquilamente. Aquele é o momento para mostrar, ao país, as ideias do partido e marcar a diferença sobre os caminhos que levam a determinados resultados. Mas, de facto, há muito trabalho que é feito nos bastidores, é nos corredores e nas conversas mais informais que vamos encontrando pontes e soluções”, salienta a deputada do Partido Social Democrata.
Termina-se o café. Olha-se para as notícias que enchem o ecrã. Um cidadão, exaltado, afirma, com convicção e revolta: “eles não fazem nada!”. Filipe admite: “A imagem que o cidadão tem é muito negativa. E, sinceramente, acho que está relacionada com uma preguiça coletiva. É muito fácil culpar um deputado pelos problemas da sociedade. Isto dispensa-nos de fazer um exercício de reflexão sobre quais as causas dos problemas estruturais da sociedade portuguesa”. Márcia acrescenta: “A imagem é de alguém que está distante, de alguém que está fechado na Assembleia a decidir coisas para o país. E é precisamente essa imagem que temos de contrariar. Daí o trabalho de proximidade ser muito importante. Nós temos de sair daqui. Ir até junto das pessoas, às empresas, ao terreno. Temos de perceber como é que as coisas realmente são. E, claro, para se conhecer não basta ler. Temos de falar com as pessoas e de perceber quais são as suas realidades. Criaram-se mitos à volta dos deputados e eu não os entendo.
Trabalha-se, realmente, muito!”. Filipe concorda. “Há uma visão distorcida do deputado. Sim, é uma imagem negativa, mas se fizermos um exercício sério, responsável e isento de demagogia ou populismo, constatamos que é uma imagem errada.”
Regressam à reunião, percorrendo os longos corredores da Assembleia da República. Assumem os seus lugares. Recomeça a discussão. De um lado, os deputados do partido do governo, do outro a oposição. De um lado, o “está tudo bem”, do outro, o “está tudo mal”. Será mesmo assim ou será este mais um mito? A deputada do PSD explica o que é, na sua perspetiva, integrar e fazer oposição: “Para mim, é olhar para as medidas que vão sendo implementadas com responsabilidade. Criticar o que está mal e aplaudir quando está bem. Sempre em prol do país e das pessoas. Ser oposição não é dizer sempre que está tudo mal. Fazer oposição passa por, quando está mal, criticarmos e apresentarmos alternativa”. Já o deputado do PS considera que, “do ponto de vista da fiscalização, significa a mesma coisa que ser do partido do governo. E até acho que, por vezes, pode ser mais exigente. Obriga-nos a mais negociação, a mais articulação”. A reunião dá-se por terminada. São 13h00.
Entram no refeitório. Pegam no tabuleiro. Escolhem entre as opções da ementa do dia. Entre carne assada e peixe grelhado, é a normalidade que se serve por aqui. A funcionária recebe o pagamento. 5.80€. Sentam-se. Perguntamos pela lagosta, pelo caviar, em tom de brincadeira. Não temos resposta. E também não temos lagosta, nem caviar. Riem-se. Avançamos, então, para outra questão: o cidadão quer saber de política? O riso é interrompido e dá lugar à expressão de seriedade que o assunto pede. “Eu acho que há algumas pessoas que não querem saber de política e que acham que isto não serve para nada. Mas também sinto que há muitas pessoas interessadas, nomeadamente, jovens. Há algum descrédito, sem dúvida, mas sempre houve e continuará a haver. Agora, na minha opinião, é uma irresponsabilidade não querer saber de política, do que se passa no nosso país e no mundo. Eu não sei como é possível viver assim. Até porque só não sabe quem não quer. A comunicação entra pela nossa casa. Só quem está completamente distraído - porque quer estar – é que não sabe de nada. Mas sinto que esta é uma minoria e que as pessoas têm interesse”, partilha Márcia Passos. Filipe tem uma outra visão quanto aos jovens: “Eu acho que as pessoas querem saber de política, sim. Mesmo quando acham que não querem saber. Acho, contudo, que as gerações mais velhas, por terem vivido em ditadura, dão mais valor aos mecanismos tradicionais de participação. Isso não acontece com os jovens. E com isto não quero dizer que
não se interessam por política ou por assuntos que digam respeito à sua vida. Acho é que não se identificam com o que são os mecanismos tradicionais de participação. Como, por exemplo, as eleições ou a integração num partido político. Considero que os jovens estão afastados dessa realidade. Mas continuam a interessar-se. Basta pensarmos na greve climática estudantil”. Juntam-se os talheres e arrumam-se os tabuleiros. O almoço termina.
Dirigimo-nos aos respetivos gabinetes. O plenário só começa às 15h00 e ainda há muito estudo e trabalho de preparação para assegurar. Pelo grande corredor, que liga o antigo e o novo edifício, continua o debate. Desta vez, em torno da responsabilidade do deputado em aproximar o cidadão da política. Na opinião de Filipe e havendo uma fronteira tão ténue entre o que é a política e o que é o dia a dia de qualquer cidadão, “essa responsabilidade existe, claro que sim. Aliás, na semana do deputado, a segunda-feira é o dia reservado para o contacto com o eleitor. Há, desde logo, essa preocupação. Outro exemplo desse trabalho é o parlamento dos jovens”. Márcia acrescenta exemplos e provas de que muito se pode fazer: “Tenho agora um tema muito engraçado que é saber se os centros comerciais devem ou não fechar ao domingo. Neste tipo de tema, que mexe com a vida do cidadão, eu gosto de perguntar a opinião das pessoas. ‘O que
acha disto? Qual é a sua opinião?’ Vou colhendo informações e as pessoas percebem que, de alguma forma, estão a participar. Com isto quero dizer que o combate deste desinteresse depende muito de nós. Os deputados têm essa responsabilidade, sem dúvida”.
A campainha toca. É hora de começar o plenário. Márcia e Filipe sentam-se nos seus respetivos lugares. A diversidade de temas em debate espelha a sociedade dos dias que correm. O deputado do PS encara isto como um desafio. “Durante a nossa vida, a nível profissional, tendemos a optar pela especialização numa determinada área e, aqui, no parlamento, é o oposto. Aqui temos de conseguir acompanhar a transversalidade das questões. Por exemplo, a minha área de formação é engenharia, mas, aqui, muitos dos temas que sigo estão relacionados com a modernização administrativa, o poder local, etc. E isso é um desafio. Temos de procurar informação, estudar, estar atualizados… E representar o eleitor”. A deputada do PSD acrescenta: “Desde que fui eleita, faço este trabalho de proximidade para que, aqui, possa ser a voz das pessoas. É importante mostrar aos eleitores que não somos seres inatingíveis. Nós somos eleitos por distrito, mas, assim que o somos, passamos a representar o povo português”.
Falamos com um homem e uma mulher. E, aqui, onde não se ousa negar a diversidade, há igualdade de género? Márcia Passos não perde tempo a responder: “Não sinto qualquer discriminação por ser mulher. Não sinto que o meu papel seja mais difícil por ser mulher. Acho que ainda há um caminho a percorrer e acho que esse caminho vai estar percorrido quando não forem necessárias quotas. Quando tivermos mulheres na política sem ser preciso quotas, estaremos bem”.
As horas vão passando. Os pontos da ordem de trabalhos vão sendo percorridos e debatidos. Segue-se uma proposta de lei sobre a pandemia. A deputada não hesita: “A pandemia foi a pior coisa que nos aconteceu. Dizer que é um privilégio fazer parte da história é forte, eu sei. Mas é o que sinto. É a minha forma de encarar as coisas. Nós estamos a fazer parte desta história e da História de um país. Eu vou levar isto para sempre. Na minha primeira legislatura, isto aconteceu”. E foi exatamente durante este período, durante o estado de emergência, que muito se falou na suspensão da democracia. A pergunta é direta: estivemos, de alguma forma, em perigo? Filipe esclarece, com a convicção de quem viveu na pele: “O estado de emergência representou uma suspensão de alguns direitos e liberdades, mas a democracia nunca esteve suspensa”. E Márcia Passos acredita que, pelo medo, muito
poderia ter sido diferente: “Nunca esteve suspensa a democracia. Jamais! E aí o Presidente da Assembleia da República teve um papel fundamental. Em determinada altura, instalou-se o medo. Todos queríamos ir embora. Estar com as nossas famílias. Não sabíamos onde podíamos tocar, com quem podíamos falar. Ninguém sabia de nada, era tudo novo. Estava o mundo confinado, em casa, e nós aqui, na Assembleia. Nunca parámos. E, exatamente por isso, nunca senti que a democracia estivesse suspensa. Antes pelo contrário.”
O dia está próximo do fim. As despedidas fazem-se nos respetivos gabinetes enquanto se guardam os computadores nas pastas. Uma última pergunta: Qual o sentimento que reveste esta missão? A resposta poderia ter acontecido em uníssono: “Responsabilidade”. Segundo Márcia Passos, “de repente, sentimos que muito está nas nossas mãos”. E Filipe Pacheco acrescenta, na certeza de que as palavras não dizem tudo: “É uma honra, um orgulho. Não posso esconder”.
A porta fecha-se. Descemos a escadaria da Assembleia da República. Imponente, mas despida de barreiras. Olhamos para trás uma última vez. Amanhã, a rotina poderá repetir-se. Mas apenas isso: a rotina. Afinal de contas, por aqui passa a vida do país. E tudo de que é feita a vida dos cidadãos. Porque de tudo isto se faz uma democracia que está viva. : :