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com o actual PS António Campos explica por que não foi ontem ao jantar de aniversário
«Meu Caro Secretário-Geral do Partido Socialista
O Partido Socialista é o filho ideológico da Acção Socialista na defesa intransigente da liberdade, dos direitos fundamentais dos cidadãos e do Estado de Direito democrático.
Quando celebramos 50 anos da fundação do nosso partido constato que esta matriz fundadora do PS se tem vindo a perder.
Nesta carta simples de testemunho histórico, resumo alguns dos episódios, que presenciei, sobre a fundação do PS, onde estes valores, não apenas estiveram sempre presentes, mas foram o referencial da acção daqueles que os protagonizaram.
Em 1963, o Dr. Fernando Vale convidou-me para ir a uma reunião clandestina em Lisboa, onde estariam alguns dos seus amigos da oposição à ditadura para criarem a Acção Democrática Social.
A reunião era presidida pelo Dr. Cunha Leal, e entre os amigos do Fernando Vale estavam, entre outros, o Dr. Raul Madeira, médico em Soure, o Dr. Hermínio Paciência, médico de Alpiarça, o jornalista Carlos Ferrão que dirigia a revista Vida Mundial.
A função de que fui incumbido pelo Dr. Fernando Vale era boicotar a reunião.
Falhei nessa missão, mas Mário Soares, que conheci nesse dia, com uma brilhante intervenção, executou-a na perfeição e acabou com a reunião sem que se criasse a Acção Democrática Social.
Foi um passo importante para o posterior nascimento, em 1964, numa reunião clandestina, da Acção Socialista, dinamizada no exterior pelo Tito de Morais e Ramos de Costa. Após a chegada da deportação de S. Tomé de Mário Soares a Acção Socialista, em 1969, reforçou a sua acção com vista às eleições desse ano.
A Acção Socialista pretendeu apresentar-se às eleições na máxima força com a oposição unida, mas sem aceitar a hegemonia do PCP.
O Dr. Vereda, advogado em Leiria, promoveu uma reunião em S. Pedro de Moel para unificar a oposição.
O Sottomayor Cardia, à época ainda militante do PCP, num discurso arrasador acabou com essa perspectiva de unidade.
Apesar desta decisão, a Acção Socialista trabalhou para, nos distritos onde fosse possível haver unidade da oposição, apresentar listas em conjunto com o Partido Comunista.
Foi o caso do distrito de Coimbra, onde o acordo de unidade foi possível e a lista candidata se apresentou com 2 militantes do PCP, 2 militantes da Acção Socialista e 2 independentes, um indicado pelo PCP, outro pela Acção Socialista. O cabeça de lista foi o prof. Henrique de Barros, independente indicado pela Acção Socialista.
Em 1971, o Salgado Zenha, António Macedo e eu fomos a Paris, onde Mário Soares estava exilado, para uma reunião com o Dr. Álvaro Cunhal, para o tentar convencer de que a queda da ditadura só era possível através de um golpe militar e nunca pelo levantamento popular que sempre protagonizou.
A reunião não se realizou, porque nesse dia o António Macedo foi internado de urgência, para uma cirurgia que o levou à extracção da bexiga.
Conheci nesse período o Tito de Morais, que veio de Itália, e o Ramos da Costa que já defendiam a transformação da Acção Socialista em partido político.
Em Março de 1973, Mário Soares, Tito de Morais e Ramos da Costa enviaram um apelo para a concretização desse objectivo.
Os militantes de Lisboa numa reunião, sem convocação ou conhecimento dos militantes da Acção Socialista do resto do País, reprovaram a criação do Partido.
A rede clandestina montada pelo Ramos da Costa com os ferroviários do Sud Expresso, via Alfarelos, permitia aos militantes da zona Centro uma relação directa com Paris, onde residia Mário Soares, para troca de informações e papéis, incluindo a recepção do Portugal Socialista.
Através dessa rede recebi o apelo dramático para reunir os militantes da Acção Socialista de todo o País e reverter a decisão tomada em Lis-
É com profunda decepção que, com a benevolêncla do Partido, assisto à acelerada degradação das instituições democráticas, que tanto custaram a conquistar
Infelizmente já não tenho a energia do passado, se a tivesse estaria presente para pessoalmente te afirmar a necessidade de reaproximar o Partido dos valores que presidiram à sua fundação
CAMPOS COMEÇOU POR SER O “PUTO” DO PS EM COIMBRA
António Campos é uma figura sobejamente conhecida no país e as funções que desempenhou a certa altura no Parlamento Europeu granjearam-lhe prestígio e alargado reconhecimento no círculo onde muita coisa se decide na vida colectiva europeia.
A sua influência foi muito notória nos tempos áureos em que o Partido Socialista se afirmou como o primeiro e grande defensor da liberdade em Portugal, nos anos seguintes à Revolução de Abril e em pleno apogeu da consolidação da democracia, com a retirada dos militares da área do poder. Soares era ao tempo o político liderante na resistência ao domínio que o PCP, então pela mão sábia de
Álvaro Cunhal, se esforçava por consolidar em Portugal.
Sá Carneiro e Freitas do Amaral lutavam do mesmo lado da barricada e foi nessa altura e nos primeiros Governos constitucionais que António Campos foi ganhando notória influência, passando-lhe pelas mãos muitos dos cordéis da política portuguesa de então. Mas dos curricula oficiais todos nós sabemos um pouco e António Campos também tem o seu. Mas não é desse curriculum que queremos falar agora.
Aqui queremos lembrar o “puto” que António Campos foi para o grupo socialista que em Coimbra e a partir de Coimbra fazia política às escondidas na Pide. Ele era o jovem, quase menino, de que esse grupo muito gostava, até pelo jeito que dava para o desempenho de certas tarefas. Integravam esse grupo, além de outros mais, Fernando Vale, António Arnaut, Paulo Quintela, Miguel Torga, Fernando Martins (mais tarde Fausto Correia) e mais uns tantos.
Campos era o mais jovem e a quem a Pide pouco ligava, não lhe dando grande importância por ser jovem ainda. Aproveitando-se disso, por exemplo, era António Campos que ia deixar recados escritos numa árvore esburacada do Parque da Cidade, qual posto de correio e onde levava e donde trazia indicações políticas escritas duns para os outros. Era ele, Campos, que tinha boa para, entre outros objectivos, permitir o apoio da Internacional Socialista ao combate à ditadura em Portugal.
Foi o que fiz, organizando na minha casa, em Oliveira do Hospital, uma reunião clandestina com cerca de meia centena de militantes da Acção Socialista de todo o país que votaram favoravelmente a fundação do Partido Socialista e elegeram o Jaime Gama como Secretário-Geral interino até á reunião da legalização do PS, a realizar na Alemanha.
Posteriormente, houve uma reunião em casa do António Arnaut para decidir quem ia à Alemanha. No preciso momento em que o jornalista Maia Cadete me estava a entregar os bilhetes para a deslocação â Alemanha, atropelaram o meu filho mais novo, ficando entre a vida e a morte durante cerca de 15 dias.
O Maia Cadete já não foi entregar os bilhetes ao António Macedo e Cal Brandã (Porto), ao Álvaro Monteiro (Viseu) e ao Costa e Melo (Aveiro) e ficou a acompanhar-me no meu desespero na clínica de Santa Filomena, em Coimbra.
Todos acabaram por não se deslocar à Alemanha em solidariedade comigo.
Mais tarde, em Setembro de 1973, comunico via Sud Expresso que iria receber um documento importantíssimo e que iria pessoalmente entregá-lo a Paris. A resposta que recebi foi a de que vinham a Vigo. O António Macedo, o António Amaut, eu e as respetivas mulheres fomos a Vigo entregar ao Mário Soares, Tito de Morais e Ramos da Costa a acta da 1.ª reunião do movimento de um apoio na estação de Alfarelos, por cujas mãos passavam também documentos vindos de Lisboa, nos comboios da linha do norte . Ali chegaram por exemplo, os bilhetes para o grupo de Coimbra se deslocar à Alemanha na reunião que haveria de transformar a Acção Socialista em Partido Socialista. Campos acabou por não ir, e com ele outros mais, porque na véspera da partida o seu filho foi atropelado e ficou bastante mal tratado.
Era ele, Campos, que mais vezes batia à porta da Clinica Montezuma, ali na rua dos Combatentes, sempre que alguma ajuda médica era precisa, apara além do apoio que o dr. Montezuma também emprestava à causa socialista.
Era a casa de António Campos, então e ainda hoje em Oliveira do Hospital, que Mário Soares, Zenha e outros dirigentes socialistas vinham jantar à última da hora para resolver questões urgentes. Não havia Governo socialista cuja composição não passasse também pelas mãos de António Campos. Ministros houve, sobretudo na área da agricultura, que caíram por acção de Campos e de alguns não mais se ouvir falar. Mário Lino foi um deles, por causa da história da doença das vacas loucas.
Muito rigoroso e exigente, António Campos granjeou também, e por isso, antipatias, sobretudo dentro do PS. Por exemplo, quando mais recentemente aconteceu
Campe O Das Prov Ncias 20 De Abril De 2023
capitães, em Évora.
A primeira sede do Partido Socialista a abrir em Portugal foi em Coimbra, onde tínhamos alugado uma vivenda para instalar uma livraria, junto à escadaria da Universidade, onde ainda hoje é a sede distrital do Partido.
No PS, o valor da Solidariedade esteve sempre presente, mesmo nos momentos de forte divergência interna foi sempre um princípio inabalável de todos. Além dos episódios anteriores, posso testemunhar um outro. Tive um cancro bastante agressivo, fui operado no Hospital S. Louis, tive de fazer tratamentos e muitas vezes na hora em que os ia fazer recebia um telefonema do António Guterres, que como bem sabes liderou uma tendência política no PS no período em que tive responsabilidades na organização do partido, a saber se estava sozinho ou se precisava da sua companhia.
Nunca soube quem o informava.
Agradeço-te o convite para o jantar Comemorativo dos 50 anos da legalização do PS, que está distante da liderança de Mário Soares, onde a divergência era salutar e muito enriquecedora politicamente. É com profunda decepção que, com a benevolência do Partido, assisto à acelerada degradação das instituições democráticas, que tanto custaram a conquistar.
Infelizmente já não tenho a energia do passado, se a tivesse estaria presente para pessoalmente te afirmar a necessidade de reaproximar o Partido dos valores que presidiram à sua fundação.
Espero que este pequeno testemunho sobre a fundação e legalização do Partido Socialista te ajude, se quiseres, a dar o conhecimento histórico no jantar da comemoração dos 50 anos do nosso PS.
Saudações socialistas
António Campos Como testemunho histórico tornarei esta carta pública».