Campus nº 446, ano 48

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BRASÍLIA, OUTUBRO 2018

Campus

NÚMERO 446, ANO 48

Rap, rapel e rachaduras Artistas e esportistas ocupam prédios inacabados em Águas Claras

FARMÁCIA VIVA NO LAGO NORTE

IDOSOS NA ACADEMIA

EXPOSTAS POR VINGANÇA


CAMPUS, OUTUBRO 2018

CARTA AO LEITOR

A

ideia de compartilhar e pensar no bem coletivo permeia esta edição do Campus. Com a onda de lojas colaborativas, o DF experimenta uma nova forma de fazer compras, reaproveitando espaços físicos e agrupando várias marcas em um só lugar. A ressignificação dos espaços também aparece na reportagem sobre as utilidades que a comunidade de Águas Claras dá aos edifícios inacabados da cidade. Saúde também é pauta desta edição. A prevenção e o cuidado com nosso corpo vem com um novo jeito de se fazer medicina. No Lago Norte, uma

EXPEDIENTE

agrofloresta é uma farmácia natural, aproveitando o espaço para o cultivo de plantas medicinais em um posto de saúde. O Campus foi descobrir, ainda, o quanto aumentou a frequência de idosos em academias do Distrito Federal, o que melhora não só a saúde física dos cidadãos da terceira idade. O cuidado com a saúde mental na velhice se torna essencial. Para fechar, o cuidado com a saúde mental também é lembrado pela equipe na reportagem de Iara Santos, ao apresentar alternativas sobre como procurar ajuda em casos de vazamento de imagens íntimas na internet.

OMBUDSKVINNA

CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) PROFESSORES Sérgio de Sá Solano Nascimento EDIÇÃO Mariana Santos Natasha Nascimento Robson G. Rodrigues REPORTAGEM Caroline Zampiron Cristina Kos Filliphi da Costa Iara Santos Victor Farias DIAGRAMAÇÃO Mariana Santos

A “provedora de justiça”, profissional que discute a produção dos jornalistas pela perspectiva do leitor.

O

foco central da edição nº 455 do Campus está nas eleições, por dois aspectos: a reeleição e o voto por convicção. O jornal está centrado nos pilares da política e saúde, sem perder de vista assuntos como aprendizado em empresas juniores e cultura. Uma das novidades é design mais claro e simples. A escolha do preto e branco expressa a intensidade e o dilema dos temas tratados para os quais o jornal mais uma vez não fechou os olhos. O Campus teve a iniciativa de falar sobre um tema delicado, tabu na sociedade e que é responsável por 800 mil mortes ao ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O enquadramento dado à matéria Buscando a prevenção é completamente justificável, pois destacar as iniciativas de combate ao suicídio e as políticas de apoio retrata o valor social do jornalismo. A diversidade de fontes e projetos apresentados evidencia um bom trabalho de apuração. Na matéria Quem merece permanecer?, o assunto reeleição assume o protagonismo, mas desta vez pautado nas ações concretas dos candidatos que almejam continuar. A reportagem é de extrema relevância para deixar os eleitores informados antes de tomar uma decisão. A visualização em tabela dos votos e propostas apresentadas pelos candidatos à reeleição é um bom recurso, mas faltou a fala dos próprios

parlamentares a respeito do trabalho que desempenharam. Em Um voto por convicção, os alunos tiveram o cuidado de ir além da polarização. O olhar para os eleitores de candidatos menores foi uma boa solução para falar sobre disputa política e retratar o posicionamento daqueles que vão votar por convicção em propostas ou ideologias. No entanto, a matéria poderia ser ainda mais enriquecida com uma análise de especialistas sobre a tendência desses eleitores para o segundo turno. Profissionalização incentivada no Norte do país é, ao lado da primeira reportagem, um dos assuntos mais próximos do leitor do Campus, pois retrata a parceria entre universidades e mercado de trabalho para complementar o aprendizado. Traz a novidade de que todas as cinco regiões do país contam com a atuação das EJs e é bem construída quanto ao relato da criação e as dificuldades na expansão das empresas. Como de costume, o jornal apresenta questões sobre igualdade racial e dá voz a obras culturais que estavam esquecidas. A matéria Música negra perdida conta com uma contextualização histórica pertinente, traz riqueza de detalhes e uma crítica contundente à falta de visibilidade para as produções culturais negras.

FOTOGRAFIA Cristina Kos Victor Farias IMPRESSÃO Gráfica Coronário TIRAGEM 3.000 CONTATO nascimento@unb.br

CAPA BRASÍLIA, OUTUBRO 2018

Campus

NÚMERO 446, ANO 48

Rap, rapel e rachaduras Artistas e esportistas ocupam prédios inacabados em Águas Claras

FARMÁCIA VIVA NO LAGO NORTE

IDOSOS NA ACADEMIA

EXPOSTAS POR VINGANÇA

ILUSTRAÇÃO Vinicius Vinhal

Por Thallita Essi

MEMÓRIA A moradia é um direito de todos, e a ocupação da cidade, também. Na edição de outubro de 2013, o Campus relatou as dificuldades enfrentadas por moradores do Distrito Federal para conquistarem o sonho da casa própria. A matéria mostrou a decepção dos contemplados pelo programa Morar Bem ao descobrirem que o preço a ser pago pelos imóveis era muito maior do que o esperado. Tamara Miranda, então repórter do Campus, contou a história de Maria Geralda, Maria do Socorro e Antonia Aparecida, aposentadas que, depois de tanto tempo de vida, sonhavam em ter uma velhice tranquila na casa própria. Após muito tempo de espera para serem chamadas em programas habitacionais, os valores cobrados de quem foi contemplado comprometiam o orçamento de quem ganhava um salário mínimo por mês.


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REPORTAGEM | CRISTINA KOS

Agrofloresta da comunidade Unidade Básica de Saúde do Lago Norte utiliza plantas medicinais como tratamento alternativo

U

ma Unidade Básica de Saúde (UBS) padrão na QI 3 do Lago Norte. Ao lado da igrejinha, em frente ao comércio. Tem vacina, diagnóstico e consulta. Médicos, servidores, seguranças e enfermeiros. A diferença desse “postinho” está no quintal: uma agrofloresta. Ainda este ano, a comunidade deve incluir as plantas medicinais nos cuidados à saúde e no tratamento de doenças. O conjunto de plantas medicinais disponíveis para a comunidade é denominado de farmácia viva. O sistema tradicional de farmácia viva existe no Distrito Federal desde 1990, a partir de uma iniciativa da Secretaria de Saúde do GDF. No caso do Lago Norte, é uma farmácia viva agroflorestal. O médico Marcos Trajano, idealizador e coordenador do projeto, trabalhando na Unidade Básica de Saúde do Lago Norte. A agrofloresta é uma for(Foto: Cristina Kos) ma de cultivo inspirada na natureza, ou seja, tenta se aproximar ao máximo de uma vegetação nativa. Para isso, está sendo feita com a comunidade. A UBS convida leva em conta o espaço, o tempo de crescimento das planvoluntários a ajudarem no plantio. Para Ribeiro, “os tas e a variedade de espécies. Convivem juntos árvores, mutirões abertos para toda a comunidade são uma arbustos e plantas rasteiras. É como se fosse uma lavoura prática de saúde por si só, uma atividade física e social – ou horta – que cresce semelhante a uma floresta. Difeque faz bem por dentro e por fora”. rente da monocultura tradicional, o sistema agroflorestal contribui para que a qualidade do solo não seja perdida CONTATO E CURA com a plantação. Trajano explica o porquê de a agrofloresta se No Lago Norte, a área de plantio da agrofloresta já conta encaixar nessas práticas. “A proposta não é só de pensar com 100 metros de canteiros. O idealizador do projeto, a planta como medicamento, mas de pensar o processo o médico Marcos Trajano, espera que a plantação dobre produtivo numa série de níveis de cuidado e de cura, de tamanho em breve. Algumas das plantas presentes que é a cura da relação das pessoas que estão cada vez são gengibre, açafrão da terra, alecrim, eucalipto, boldo mais afastadas uma das outras, da terra, de si mesmas, nacional, hortelã, carqueja, melissa, arruda e lavanda. Os do diálogo que não acontece. Isso é uma proposta benefícios podem vir da folha, do fruto ou até do tronco. comunitária.” O cultivo da agrofloresta também favorece a A enfermeira Christine Aguiar afirma que a sustentabilidade. O sistema consegue economizar água, agrofloresta também será benéfica para os servidores aproveitar melhor os insumos do ambiente e o local de da UBS. De acordo com Aguiar, o contato com as plantas plantio. Como uma planta pode atrapalhar ou auxiliar o melhora o ambiente de trabalho e consequentemente a crescimento de outra a partir dos hormônios, a comunidade saúde mental dos trabalhadores. aprende durante o processo sobre como funciona a relação As primeiras colheitas da agrofloresta devem entre algumas espécies medicinais. ocorrer até novembro. As plantas poderão ser usadas A proposta da agrofloresta se encaixa como uma prática de forma fresca, seca ou processada. De início, as integrativa, ou seja, atividade não convencional em uma formas mais simples de uso, como infusões (como chás), Unidade Básica de Saúde. Desde 2006, o Sistema Único não precisarão ser preparadas em outros locais. Já as de Saúde (SUS) incluiu esse mecanismo como um recurso manipulações serão feitas no Centro de Referência em para trazer saúde às comunidades de uma forma diferente. Práticas Integrativas em Saúde (Cerpis), em Planaltina, Esses tratamentos alternativos incorporam técnicas como no Distrito Federal. yoga, automassagem e tai chi chuan. O centro poderá fazer medicamentos como pomadas “Mostra uma abertura desse espaço de medicina artesanais e retorná-los para a unidade de saúde para tradicional para outras formas de cura, prevenção e uso dos pacientes. Para a enfermeira Christine Aguiar, tratamentos por meio do uso de plantas medicinais”, uma das vantagens do processo é que as pessoas passam afirma Isabela Ribeiro, estudante de Serviço Social que a conhecer a origem dos produtos. Além disso, trata-se compareceu, no último mês de agosto, ao primeiro mutirão de uma forma a menos de produzir resíduos na Unidade aberto para a construção da farmácia viva. A agrofloresta Básica de Saúde no cuidado com os pacientes. C


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REPORTAGEM | FILLIPHI DA COSTA

Alternativas ao abandono Edificações inacabadas de Águas Claras têm chamado atenção de artistas e esportistas, que ocupam os locais para práticas pouco usuais

P

ensados originalmente para abrigar famílias e complexos de lojas, os prédios inoperantes de Águas Claras ganharam usos criativos por parte da comunidade em objeção ao abandono dos proprietários. Se antes os esqueletos inacabados serviam como ponto de uso de drogas e proliferação de bichos, hoje a população os utiliza para a prática de esportes e para a produção de arte. São protagonistas dessas iniciativas o montanhista e guia turístico Paulo Freire, que pratica salto e rapel nos prédios, e o produtor audiovisual Luis Xina, que os utilizou como set para a gravação de um videoclipe. Eles provocaram, cada um à sua maneira, reações variadas ao ocuparem as estruturas das edificações esquecidas. “Quando estou suspenso por cordas nos esqueletos fazendo rapel ou pulando dos prédios, muitos me chamam de louco”, afirma Freire. A cada dois meses, o ex-morador de Águas Claras sobe em uma das edificações para realizar treinamentos e cursos para adultos e crianças. Freire sempre gostou das situações limítrofes e se apaixonou pelo que faz. Ele conta que deixou para trás a ideia de “rapeleiro”, que é uma pessoa radical, mas amadora, para se profissionalizar. A estranheza causada não o incomoda. “Loucura para mim é quando você perde o tempo da sua vida porque está preso ao medo.” Além da prática esportiva, o rapel tem a função simbólica de ocupação dos espaços ociosos. Conhecida como “o maior canteiro de obras da América Latina”, a região de Águas Claras enfrenta o problema do abandono de construções há mais de 20 anos. Enquanto os órgãos oficiais argumentam que nada pode ser feito para resolver a situação porque os prédios possuem litígios judiciais, a comunidade reivindica a ocupação desses projetos de outras formas. Freire, que acompanhou de perto o inchaço da região administrativa, onde morou por 11 anos, queixa-se de que a ambição das cooperativas e construtoras teria descaracterizado a região. “As obras são satisfatórias desde que o lucro não aprisione as pessoas, que apontem para a segurança e para a saúde. A qualidade de vida deve ser pensada bem antes e a construção de Águas Claras pecou em vários aspectos.” A exploração feita no espaço urbano foi um mundo que se abriu graças a um amigo do montanhista. Como a cidade sempre foi um canteiro de

obras, ele lembra que, desde que era adolescente, a população já se preocupava com o futuro das edificações. Uma forma de ocupar e dar utilidade às construções eram os encontros que os jovens faziam, chamados luaus. Durante uma noite em um desses prédios, um colega de Freire disse que aqueles esqueletos seriam ideais para a prática de esportes radicais e a ideia se fixou na mente do jovem aventureiro. Em poucos dias ele consultou grupos que praticavam salto e foi atrás do equipamento. Foi quando começou a se aventurar e a tomar gosto pelo esporte. A atividade se sofisticou e Freire encontrou uma forma de engajar a comunidade da região

O montanhista Paulo Freire começou como rapeleiro e hoje utiliza os espaços abandonados para promover treinamentos profissionais (Reprodução: YouTube)


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vezes os profissionais vão ao local checar a ancoragem e os equipamentos de proteção individual (EPIs), além de acompanhar o procedimento, já conhecido por parte do grupo de profissionais.

Mapa dos 12 prédios inacabados de Águas Claras

administrativa com a atividade que exerce. Além de atuar na área de ecoturismo e turismo de aventura como guia turístico de grutas, cavernas e cachoeiras próximas ao DF, o montanhista promove treinamentos, instrução esportiva e trabalho voluntário na cidade. Freire leva clientes da empresa em que trabalha aos prédios abandonados para um treinamento extra, antes do passeio oficial, para instruir melhor a pessoa e deixá-la mais tranquila e segura. Em Águas Claras, o prédio favorito é o da quadra 202 Norte. Localizado na Rua 35, o edifício de nove andares fica isolado por grades em um terreno abandonado. Mais do que simplesmente utilizar o local, o montanhista explora uma potencialidade dos prédios. Os edifícios, alguns deles totalmente estruturados, possuem vastas possibilidades de treinamento para aqueles que atuam na área, em especial na categoria de simulações de resgate. Mas parte da população é resistente à atividade. Em geral, conta Freire, pessoas que não têm conhecimento dos procedimentos de cuidado adotados por esportistas dessas modalidades. Como a fiscalização é escassa no Distrito Federal, a quantidade de profissionais sem certificação que atuam sem compromisso com a segurança é alta, afirma o instrutor. Ele garante que, por trabalhar com amadores – muitas vezes crianças –, os métodos de segurança são observados com a cautela que as áreas de risco exigem. Sempre que vai realizar um procedimento técnico, o montanhista entra em contato com o Corpo de Bombeiros e muitas

UMA PERSPECTIVA CRÍTICA A relação do produtor audiovisual Luis Xina com Águas Claras começou de maneira diferente. Foi graças à produção de um trabalho que ele teve o primeiro contato com as obras inacabadas na cidade. Quando surgiu a ideia de gravar o vídeo de rap, o coletivo procurou um lugar que apresentasse os contrastes sociais latentes. Foi quando um amigo sugeriu uma obra abandonada na região administrativa. Xina pensou que o prédio da quadra 208 Norte seria perfeito para retratar o que os trechos da música diziam. Composta pelos grupos de rap Subconsciente (Planaltina), Reação e Função (Santo Antônio do Descoberto), Função (Recanto das Emas) e CTS (Uberlândia - Minas Gerais), a cypher (parceria de rap entre vários artistas) denunciava justamente as disparidades sociais. “O rap é um canal de denúncia e achamos que chamar a atenção para esse tema seria chamar atenção para o povo”, afirma o produtor. Mas a atuação do grupo na cidade causou uma repercussão inesperada. Quando subiu o esqueleto do edifício da quadra 680 na Avenida das Castanheiras para gravar o videoclipe da música A morte não vai, Xina e os músicos que o acompanhavam renderam uma publicação no grupo da Associação de Moradores e Amigos de Águas Claras (Amaac) no Facebook. Um morador da cidade fotografou os artistas no terraço do edifício e questionou a presença deles ali, sugerindo que fossem invasores ou usuários de drogas. A publicação rendeu uma discussão sobre a função dos prédios e o uso dos locais pela população, em que muitos moradores defendiam a ocupação dos espaços. Alguns dias depois, o videoclipe do cypher surgiu e surpreendeu os críticos. Dentre os comentários, moradores elogiavam o engajamento do grupo por ter escolhido evidenciar um lugar ocioso da cidade para retratar a crítica que faziam. Xina conta que não enfrentou impedimentos para utilizar o local e ressalta a importância de movimentos de ressignificação de espaços urbanos abandonados. Para o produtor, quanto mais iniciativas de ocupação existirem, mais a cidade se movimenta. Enquanto as obras não são retomadas, ele afirma que continuará ocupando os locais. “Esse tipo de atitude mostra às autoridades a necessidade de se dar uma função aos espaços urbanos”, afirma.

Os rappers Leandro Ldee, Função RCT, Ananias CTS, Adriano R12 e Mury durante gravação da faixa A morte não vai, em um prédio inacabado de Águas Claras (Foto: Luis Xina)

CONSTRUÇÕES OCIOSAS Algumas construções estão esquecidas em meio aos grandes edifícios de Águas Claras por mais de duas décadas. Mas foi em 2015, quando membros da Amaac, presidida por Román Cuattrin, fizeram o levantamento dos 12 prédios e enviaram ofício à administração com o mapeamento, que a imprensa passou a dar atenção para os efeitos do descaso. Dos casos mais emblemáticos, o prédio da quadra 101 Norte chama atenção. No segundo dos 11 andares, um único apartamento ostenta sinais de habitação. Outros prédios estão inconclusos, como o que fica na frente da biblioteca pública da região administrativa, desde 1997 inconcluso. O esqueleto do prédio tem várias pichações, grafite e aparenta ter sido incendiado em alguns locais. Na rua 34, o espaço do elevador está aberto e a queda é livre. A Secretaria de Saúde emite multas aos proprietários constantemente, obrigando-os a higienizar os locais. No entanto, a falta de fiscalização torna as providências improdutivas. “São medidas paliativas. Se os prédios não forem cercados e os donos não providenciarem vigilância constante, tudo voltará ao mesmo patamar”, lamenta Cuattrin. C


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REPORTAGEM | LARISSA LINS E VICTOR FARIAS

Aposentados do sedentarismo Cresce o número de idosos em busca de saúde física e mental no Distrito Federal

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renice Maria, de 66 anos, pratica atividades físicas todos os dias. Quando não vai à academia, utiliza o espaço de exercício da quadra em que mora para manter a forma e se sentir bem com sua saúde e com sua aparência física. “A minha médica falou que, após os 60 anos, a gente tem que fazer mais exercício. Isso é o meu remédio. Mas também malho para olhar no espelho e me satisfazer com o que vejo, me sentir bem com uma roupa”, assume. Segundo representantes de seis academias de Brasília – BodyTech, Smart Fit, Runway, Vasco Neto, Acuas Fitness e Unique –, histórias como a de Erenice, de pessoas com mais de 60 anos em busca de atividade física, têm se tornado cada vez mais comuns nos últimos anos. Na Acuas Fitness de Águas Claras, por exemplo, essa faixa etária passou de 74 matriculados em 2013 para 153 em 2018. Já na BodyTech do Lago Sul, o aumento nos últimos dois anos foi de 12%. Em outras academias, como a Smart Fit da 406 Norte e a Vasco Neto, não há dados sobre a variação, mas os educadores físicos que lá trabalham garantem que o número de idosos, com certeza, aumentou. O crescimento dessa população no Distrito Federal é um dos motivos apontados pelos profissionais da área para explicar essa mudança. Segundo dados do IBGE, o DF tem a terceira maior expectativa de vida do Brasil, 78,1 anos, e aproximadamente 195 mil pessoas na terceira idade. Além de viver mais, os idosos estão vivendo melhor. Para a gerontóloga Angela Sacramento, houve uma mudança na forma como as pessoas entendem a velhice. Segundo ela, antes a ideia de envelhecimento era tratar doenças. Hoje, de preveni-las. “Envelhecimento é um processo. A promoção de um envelhecimento ativo começa ainda no pré-natal”, assegura. A prática de exercícios físicos regulares é uma das formas mais efetivas de prevenção. Nos últimos anos, a hidroginástica, que era tida como um exercício bom para idosos, em vista de ser uma atividade com baixo impacto, passou a ser menos recomendada. Já a musculação ganhou força entre a terceira

idade. De acordo com Sacramento, ao contrário da hidroginástica, a musculação ajuda na construção de tecido ósseo e muscular, prevenindo osteoporose e sarcopenia, doenças mais frequentes em idosos.

TRATAMENTO ESPECIAL Turmas de dança, caminhadas que buscam trabalhar o raciocínio e pacotes especiais com acompanhamento de diversos profissionais da saúde e da educação física são serviços oferecidos por academias do DF para conquistar a terceira idade. Na academia Unique, por exemplo, o pacote voltado para idosos dá direito a uma série de atividades físicas, além de acompanhamentos para análise de desenvolvimento. Um dos serviços disponíveis nessa categoria é o Caminhadamente, que busca trabalhar a cognição de idosos enquanto eles caminham em esteiras. “Alguns alunos já relatam melhora na mente, na memorização”, afirma o educador físico e coordenador do programa, José Alves. Professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora em atividade física para a terceira idade, Marisete Peralta ressalta que os idosos são pessoas esclarecidas que sabem o que querem e não aceitam qualquer tipo de serviço. Para ela, é importante que as atividades sejam específicas para a faixa etária. “É preciso que a prática seja pensada para esse público, porque eu tenho pessoas cardíacas, com diabetes e com Parkinson na mesma turma”, explica.

ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA A prática de atividades também pode gerar resultados positivos na saúde mental dos idosos. Um dos pontos elencados pela gerontóloga Sacramento é a prevenção de transtornos, como a depressão. “Enquanto você tem objetivos, você tem sentido de vida”, esclarece. Outro ponto benéfico à saúde mental é a criação de laços. Esse é o motivo pelo qual grande parte dos idosos permanece em atividades físicas coletivas, segundo uma pesquisa feita pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Atividade Física para Idosos (Gepafi), da UnB. Zélia Carneiro, de 68 anos, pratica exercícios físicos diariamente há dois anos. Moradora de Recife, ela veio passar uma semana em Brasília. Nos dias em que esteve aqui, fez questão de ir à academia. Ela conta que se sente bem no local onde se exercita devido aos laços criados. “Fazer amigos é muito importante. As pessoas são atenciosas, sempre tem alguém comigo”, ressalta. De acordo com Sacramento, as pessoas tendem a diminuir seus ciclos de amizade com o passar dos anos por três motivos: a aposentadoria, quando para de reencontrar amigos; a ausência dos filhos, que saem de casa, e a perda de amigos pelo avançar da idade. “Ter espaços que favoreçam o encontro de idosos, onde eles possam começar a formar uma nova rede de amizade. Isso com certeza auxilia na promoção de um envelhecimento saudável”, observa. C

De passagem por Brasília, Zélia Carneiro pratica atividades físicas (Foto: Victor Farias)


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REPORTAGEM | IARA SANTOS

Jovens sofrem com divulgação de cenas íntimas na internet Vítimas de revenge porn devem receber apoio psicológico e denunciar às autoridades

“E

ra mais um dia de aula e tudo parecia normal até eu ser chamada à direção da escola. Na época estudava em uma escola religiosa. Quando cheguei lá, a coordenadora estava com o celular na mão querendo saber que foto era aquela. Na mesma hora, meu chão ruiu”, relata L.P., que tem 20 anos e prefere não ser identificada. A jovem teve uma foto íntima vazada pelo namorado e compartilhada por vários alunos da instituição onde estudava. “Ele simplesmente achou que ia ser uma brincadeira divertida me expor, mas não teve nada de divertido”, conta L.P. “Até hoje me sinto mal por isso, mesmo tendo buscado ajuda.” Após o impacto de um vazamento dessa natureza na internet, as vítimas precisam lidar com o trauma que fica. Em uma pesquisa para o mestrado em Comunicação na Universidade de Brasília, Bruno Ramos Craesmeyer abordou a pornografia de castigo, que envolve vingança, chantagem, extorsão sexual, forma de coerção e ameaça, perseguição persistente,

e outras práticas nocivas. Em alguns casos, concluiu o pesquisador, isso leva as vítimas ao ponto de praticarem rituais de sofrimento consigo mesmas. Segundo a psicóloga Marlene Magnabusco Marra, um dos maiores motivos para meninas não procurarem ajuda é a vergonha, enquanto homens não se importam em violar esse direito da mulher. “Homens ainda acham que têm o poder e a posse sobre essas mulheres”, explica. “Eles impõem determinados castigos, e um deles é colocar na internet, nas redes sociais, situações íntimas vivenciadas por eles.” Magnabusco diz que as mulheres vítimas desses vazamentos ficam completamente abaladas e precisam de auxílio. “Se não forem tratadas, voltarão a se relacionar com pessoas que vão abusar delas”, ressalta a psicóloga. “É importante buscar ajuda de um profissional.” L.P. entrou em contato com a SaferNet Brasil. Fundada em dezembro de 2005, a ONG monitora crimes e violações dos direitos humanos na internet. É uma instituição sem fins lucrativos, políticos ou religiosos que

Vítima busca ajuda em ONG que monitora crimes de internet (Foto: Iara Santos)

oferece ajuda por meio do portal. Há orientações sobre como denunciar o autor do vazamento. “Na hora do desespero, procurei ajuda em todos os lugares”, diz L.P. “Ao entrar em contato com a ONG, de início achei que seria julgada mais uma vez, mas foi diferente, eu pude desabafar sem medo.” A SaferNet oferece orientação, gratuita e com sigilo, em canaldeajuda.org.br. Diferentemente de L.P., outras pessoas não pedem ajuda. T.M, de 17 anos, teve sua privacidade exposta aos 13 anos. “Eu só conseguia chorar, não sabia o que fazer com aquela foto. Como eu ia contar para minha mãe? O medo tomou conta de mim.” No ano de 2017, o portal Safernet recebeu 289 denúncias e ajudou a popularizar o uso do termo em inglês revenge porn, ou pornografia de vingança, que é quando um parceiro usa cenas íntimas para se vingar após o fim do relacionamento submetendo o outro a humilhação pública. A ausência de consensualidade da pornografia de vingança pode ocorrer tanto na captação das imagens como na divulgação. De acordo com uma pesquisa encomendada pela Ciber Civil Rights Initiative, instituição norte-americana de combate à pornografia não consensual, em 90% dos casos de revenge porn as vítimas são mulheres. Das 289 denúncias no site brasileiro, 204 são de pessoas do sexo feminino, o que explica esse comportamento de dominação de homens para com mulheres. Além de apoio, é importante que essas mulheres façam denúncias. Qualquer pessoa que compartilhe conteúdo íntimo sem consentimento está sujeita a penalidades, que incluem prisão, segundo a Lei n.º 13.718, que entrou em vigor no mês passado. C


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REPORTAGEM | CAROLINE ZAMPIRON

Colaboração é alternativa à crise Em Brasília, as lojas colaborativas reúnem designers a procura de inserção no mercado e sobrevivência em meio à instabilidade econômica

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ma alternativa encontrada por empreendedores brasilienses para fugir da crise são as lojas colaborativas, espaços físicos coletivos baseados no compartilhamento e na troca de serviços e objetos entre empresas. O principal atrativo é a redução dos custos fixos de um ponto comercial próprio. E o vínculo entre expositores e proprietários pode ser realizado por meio de consignação dos produtos ou por locação de espaço. A proprietária da marca de acessórios Shine On, Elaine Anconi, está no mercado há sete anos e participa da loja colaborativa Endossa desde a abertura em Brasília. Criada em São Paulo, em 2007, a loja veio para a capital em 2012. Elaine conta que iniciou a carreira como designer de acessórios após notar que as amigas sempre perguntavam de onde eram as peças que ela usava, se eram todas autorais. “Gosto muito de ver a luz espiritual das pessoas”, diz Elaine. “Então resolvi fazer peças que poderiam trazer mais cor e vida às pessoas. Para facilitar para os clientes, fui em busca de uma loja colaborativa, que teria um custo menor e com mais possibilidades para todos, com aluguel menor e preço final mais acessível para o cliente.” A partir da lacuna autoral no mercado brasiliense, Elaine resolveu investir nessa paixão trabalhando com diversas matérias primas como madeira e acrílico, agregando materiais reciclados. “Tenho peças que variam de R$ 10 a R$ 150”, conta. Hoje a Endossa funciona em dois endereços, na Asa Norte e na Asa Sul. Segundo o site da loja, qualquer pessoa pode alugar um espaço (“caixinha”) para vender seus produtos. Os valores dos aluguéis dependem do tamanho dos espaços disponíveis que, atualmente, variam de R$ 160 a R$ 540, incluindo o atendimento, a comercialização e a divulgação dos produtos. Esse modelo de negócios oferece uma ampla gama de produtos de diferentes segmentos. O mais expressivo é o da moda, com roupas, acessórios e calçados representando a maior porcentagem do volume de vendas. Contudo, é possível encontrar objetos de decoração, utilidades domésticas, artesanatos, higiene pessoal, entre outros. O engenheiro Rodrigo da Cal, cliente da Endossa da Asa Sul, concorda que os principais atrativos desse modelo de negócios são os valores acessíveis e o incentivo ao pequeno empresário local. “Tem coisas um pouco mais fora do comum que essas lojas normais. Rola um apego ao conteúdo da marca, não só à marca”, explica. O professor de consultoria de imagem e estilo do Senac/ DF, Fernando Demarchi, acredita que o fenômeno das lojas colaborativas é uma alternativa para que profissionais divulguem e comercializem seus trabalhos, contribuindo para a formação de um público consumidor e consolidação da marca no mercado. “Em tempos em que empreender torna-se cada vez mais difícil, a união dos pequenos produtores se solidifica como opção para aqueles que desejam vender suas mercadorias”, afirma Demarchi. “Como o pequeno produtor não possui recursos para investir em uma loja física, a loja colaborativa dá a oportunidade a ele de expor seus produtos em um espaço organizado. E essa tendência tende a aumentar cada vez mais.” Para a estudante de Filosofia da Universidade de Brasília Nathalia Saraiva, consumidora habitual desse tipo de comércio, a maior vantagem das lojas colaborativas é a variedade de opções. “Os itens não são específicos (de um segmento) nem direcionados (a um público-alvo), o que ajuda tanto na variedade de preços como na versatilidade de contextos, sendo uma boa opção para comprar presentes.”

Aniversário de seis anos da Endossa BSB (Foto: Caroline Zampiron)

Os consumidores se sentem atraídos pela praticidade e facilidade de encontrar diversas marcas num mesmo local, com produtos diferenciados, autorais e produzidos de modo sustentável, estimulando uma nova cultura de consumo e o desejo de compra, além da fidelização dos clientes. Os benefícios para os comerciantes também são muitos: menor custo de investimento, manutenção (água, luz, limpeza, vigilância, internet e IPTU), acesso aos melhores pontos comerciais e compartilhamento das despesas.

DESVANTAGENS Luísa Vieira, sócia da marca de roupas Pântano de Manga, começou a atuar com um grupo de amigos de diversas áreas criativas – design, arquitetura e comunicação –, que ocupavam uma casa como ateliê e moradia. Desse contato veio a ideia de fazer os próprios produtos. Logo após as primeiras criações, eles fizeram parte da loja Cria Brasília e da Endossa. Porém, para ela, a experiência não foi tão positiva. “Em ambas, vendemos pouco, e as comissões pesaram muito sobre nosso produto final. As vendas em geral davam menos lucro que as feiras”, compara. “A gente tinha de cuidar da reposição do estoque, as lojas em geral não avisavam se algo faltava. E algumas vezes eu chegava para encontrar nosso mostruário e ele estava meio bagunçado. É uma loja onde se paga o aluguel do espaço e a estrutura, mas ainda é preciso acompanhar muito de perto o serviço.” Ela aponta a dificuldade em competir com revendas. “Nossos produtos tinham um preço de custo maior do que o de várias outras caixas. A honrosa exceção à regra é a Natural de Brasília, que abre sempre nesta época de Natal”, lembra. “Eles têm uma curadoria muito boa. Não há uma diferença muito grande entre o preço dos produtos. A loja é sempre bem cuidada e os vendedores mega-atenciosos com nossos produtos. A gente sempre participa e vende muito na época de festas.” Na opinião de Luísa, a loja colaborativa funciona melhor quando atrelada a um conceito, no qual o comprador consegue enxergar a qualidade dos produtos. “Se não ficam coisas muito diferentes umas das outras, em todos os aspectos. E fica mais um clima de feira do que loja de design, entende?” C


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