Campus impresso - ano 43 número 392

Page 1

Número 392 Ano 43

João Paulo Cabral

Campus

Campus | Brasília, 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2013

Parques do DF abrigam estragos O Governo do Distrito Federal prometeu revitalizar 72 áreas até 2014, mas apenas sete foram restauradas até agora. No Parque do Gama, falta estrutura física (foto) Países em miniatura

Tremores no Brasil

Peso mata bem mais

Com a internet, movimento que tenta criar pequenas nações se dissemina (pág. 3)

Minas Gerais e Rio Grande do Norte são dois dos estados mais atingidos por terremotos (pág. 6)

Registros apontam 27 óbitos por desnutrição em 2010 e 36 por obesidade (pág. 7)


2

Campus | Brasília, 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2013

Carta do Editor Laila Leite A edição do número 392 do jornal Campus traz matérias que demonstram, mais uma vez, a preocupação dos repórteres em levar informação relevante ao leitor. Há um cuidado em analisar o cenário atual e acentuar, por meio de muita apuração, os principais pontos. As repórteres Celina Guerra e Isabella Corrêa, intrigadas pelas situações precárias dos parques do Distrito Federal, por meio de uma investigação

minuciosa, foram atrás de repostas e trouxeram nas páginas 4 e 5 um balanço que demonstra a lentidão do serviço de revitalização realizado pelo Governo do Distrito Federal. Indo para o cenário nacional, analisando a página 6, percebemos que sentar no bar com amigos estrangeiros e “tirar onda” com o fato de o Brasil não ter terremotos virou mito. Lucas Vidigal, instigado pelos estudos do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília, mostra, em uma matéria de

expressivo valor notícia, que abalos sísmicos fracos a moderados são encontrados com frequência no país. Voltando para o Distrito Federal e, mudando o foco da preocupação, os repórteres Ezequiel Trancoso e Camila Rodrigues, colocam em pauta agora o excesso de peso. Em um país tradicionalmente marcado pela fome é de se assustar que hoje, em lugares como Brasília, a obesidade supere a desnutrição no número de óbitos. A página 7 coloca o leitor a par da atual situ-

ação e dos riscos que o exagero e a falta de cuidados podem causar. Fugir de problemas como esses, e diversos outros que são enfrentados pelos estados e nações do mundo, pode ser possível. O repórter Ivan Stemler mostra que pessoas com espírito desbravador estão cada vez mais hasteando as próprias bandeiras. A criação de micronações, com características e costumes próprios é cada vez mais comum. A matéria (página 3) leva, de forma descontraída, o leitor

para mais um mar de possibilidades proporcionadas pela internet. Elis Tanajura fecha o jornal com uma história de luta e superação. A Página 8 traz uma personagem tímida, porém cheia de garra: Elenita Azevedo, moradora da Estrutural. A repórter conta a trajetória de uma mãe que perdeu filho e sofre depressão, mas que batalha para contornar sua história e continuar vivendo sua vida e que pode ser exemplo para quem, por diversos motivos, sofre com a dor.

essencial para inserir leitores na discussão de identidade de gênero. Essa é a dimensão educativa do jornalismo, responsável por não excluir cidadãos. A sensibilidade das repórteres transforma números em meros ganchos para a esperada humanização dos relatos. Porém, o despreparo dos profissionais de saúde trouxe lacunas à questão. Onde está a origem do descaso: na formação ou na escolha de quem vai tratar dos transexuais? Na edição, a matéria que chegou mais perto dos interesses do

público universitário do Campus foi Passando o chapéu virtual. Além de explicar o financiamento coletivo na web, o texto traz casos bem sucedidos dentro da própria UnB. Faltou aprofundar mais nos perfis dos doadores nos sites. Parentes e amigos são grupos muito vagos. Aliás, nenhum colaborador foi entrevistado. Ó abre alas... para as marchinhas promete e não cumpre quando acompanha apenas um bloco de carnaval. Na capa, a redação anuncia blocos. E realmente ficou

faltando ouvir outros. Talvez assim a repórter entendesse na prática por que as marchinhas estão se perdendo e quais músicas andam tomando o lugar na folia. O Campus tem adquirido uma veia interpretativa, fazendo jus ao futuro do jornalismo impresso no Brasil. Mídia em observação cumpre esse papel e denuncia, analisa, mas não dimensiona. Como um conselho de comunicação pode mudar a forma de se assistir TV em Brasília, por exemplo? O texto deixou de reportar

a realidade que pulsa. Ecoar fatos burocráticos e colecionar opiniões não traduz a agressão da mídia aos direitos humanos. Faltou reportagem, colocar os pés no asfalto. A crônica Por que cê não faz um concurso? chega simples para escancarar o dilema de toda uma nação. A classe média brasileira tem hoje duas opções gritantes: serviço público ou mercado de trabalho. O risco é desmerecer uma em prol da outra. Tanto realização profissional como estabilidade não garantem o principal: felicidade.

Ombudsman Tiago Amate Mais uma vez a redação do Campus 391 caprichou na capa do jornal e mostrou que tamanho não é documento. Chamadas precisas e criativas dividem espaço com manchete bem ilustrada. O vacilo da publicidade gratuita não desmerece o esforço de representar um tema tão delicado como a transexualidade. Transexuais em gênero, número e grau só decepciona nas fotografias. Optar por um glossário foi

Memória Em junho de 1987, na edição número 102, o Campus fez uma matéria sobre as condições do Parque da Cidade, que na época se chamava Rogerio Pithon. Os visitantes podiam fazer atividades que iam desde simples piqueniques até tomar banho de piscina. A recuperação e conservação do parque era mantida com verba do GDF. Só na limpeza havia 35 funcionários, além de vigilantes que estavam constantemente circulando para evitar que os visitantes estragassem alguma coisa.

Acesse www.fac.unb.br/campusonline e conheça o jornal laboratório virtual da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

Expediente: Campus Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília Editora chefe: Laila Leite Secretária de redação: Irina Adão Editores: André Vaz, Fellipe

Matheus Bernadino e Iasminny Thábata Repórteres: Camila Rodrigues, Celina Guerra, Elis Tanajura, Ezequiel Trancoso, Isabella Corrêa, Ivan Sasha Stemler e Lucas Vidigal Diretora de imagem: Lorena Soares Fotógrafos: João Paulo Cabral e Lorena Soares Diagramadores: Elis Tanajura, Kelsiane Nunes e Paulo Figueiredo Júnior Projeto gráfico: Celina Guerra, Ivan Sasha Stemler, Lorena Soares, Rafaela Lima, Ramilla Rodrigues e Vanessa Arcoverde Professores: Sérgio Sá e Solano Nascimento, Jornalista: José Luiz Silva Gráfica: Palavra Comunicação Tiragem: 4 mil exemplares Campus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte. Contato: 61 3107-6498/6501 CEP: 70.910900 E-mail: campus@unb.br Diagramação: Paulo Figueiredo Júnior


Campus | Brasília, 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2013

3

Pequenos países, grandes nações

Admirável micromund Internet impulsiona tendência de criação de pequenos países, que algumas vezes só existem virtualmente. Versão brasiliense já tem mais de mil adeptos registrados Ivan Stemler Quem, na infância, nunca pensou em ser rei ou presidente de uma nação? O que poderia ser considerado apenas uma brincadeira, desde a década de 1960 é realidade para alguns. O termo micronação, antes utilizado para designar estados com população inferior a um milhão de habitantes, hoje ilustra uma prática que graças à internet ganha cada vez mais adeptos, inclusive no Brasil: a criação e manutenção de países em miniatura. No papel, funciona da seguinte maneira: cria-se a estrutura política e escolhe-se o sistema de governo. A partir daí, elaboram-se constituições e códigos. Em seguida, dependendo do sistema governamental, escolhese um líder. Por fim, divulgam-se os atos do governo, geralmente na internet. Está fundada a micronação. Para Raphael Garcia, bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especialista no assunto, são duas as correntes do movimento micronacionalista, a realista e a ficcional. “O modelo realista costuma ter intenções de nationhood, ou seja, de formar uma nação”, explica. “O modelo ficcional tem objetivos bem mais modestos, que é de apenas criar um laço entre os participantes.”

Império no DF Desde a década de 60, várias micronações foram criadas com o objetivo claro de se tornarem independentes. Sealand, base naval localizada em águas internacionais próximas à Inglaterra, e Hutt Ri-

Ivan Sasha

Ilustração: Washington Rayk Sealand: Base naval abandonada da segunda guerra mundial em águas internacionais próximas à Inglaterra. Foi declarada como país soberano e independente pelo Major Britânico Roy Bates em 1967. Hutt River: Em 1970, o agricultor Leonard Casley, insatisfeito com cotas de produção de trigo impostas pelo governo australiano, fundou Hutt River nas terras de sua família. O "principado" se estende por 75 km² e possui 30 cidadãos. Em 2012, Hong Kong “reconheceu” Hutt River ao conceder licenças para que empresas se instalassem no local. Talossa: A micronação foi criada por Robert Madison, em 1979. O garoto de 14 anos declarou a independência de seu quarto em Milwaukee, Wisconsin, Estados Unidos. Possui língua e dicionários próprios.

Giuseppe Gatto exibe os simbolos da micronação em sua mesa no HUB

ver, território situado na região de Geraldtown, na Austrália Ocidental, são os exemplos mais conhecidos e contam com moeda, hino e governo próprios (ver infográfico). Em Brasília, Giuseppe Gatto encontrou no Sacro Império de Reunião a oportunidade de fazer parte de uma micronação. Para o médico do Hospital Universitário de Brasília (HUB), a micronação ficcional fundada em 1997 – da qual é corregedor do Conselho Especial de Estado do império – é muito mais do que uma mera brincadeira. “Já dediquei duas horas por dia ao império. Temos códigos e constituição complexas que demandam muito estudo.” O Sacro Império de Reunião conta com mil habitantes registrados, divididos em oito províncias ficcionais, ainda sem território defi-

O nome “Sacro Império de Reunião” foi inspirado na Ilha de Reunião, estado francês localizado a leste da Ilha de Madagascar. A escolha se deu após fundadores girarem um globo terrestre e apontarem aleatoriamente à localização da ilha.

nido. Os assuntos do império são tratados via internet ou, em casos extraordinários, presencialmente. No entanto, para Raphael Garcia, a micronação não pode ser comparada a um jogo online. “O micronacionalista não é um personagem que fantasia um mundo paralelo e sim um indivíduo real que se reterrito-

rializa na internet, em uma comunidade virtual.” De fato, seriedade é uma regra na micronação. Fundador do Sacro Império de Reunião, o empresário Cláudio Castro, ou Vossa Majestade Imperial Carlos I, conta que já chegou a dedicar mais de 12 horas por dia ao exercício de seu mandato. “Você vive na corda bamba mais do que qualquer político do macromundo.” Segundo Castro, a estrutura da micronação custa caro: “Cerca de R$ 2 mil mensais, mas vale a diversão e o prazer. Nunca cobrei impostos ou taxas senão o projeto perde credibilidade.”

Fenômeno sociológico Professor de Relações Internacionais na Universidade de Brasília, Alcides Vaz considera o micronacio-

Edição: André Vaz

nalismo “um fenômeno sociológico muito interessante”. No entanto, não vê muita relevância no ponto de vista da política internacional. “É uma ação cujos interesses são a autoafirmação e reconhecimento. É uma bandeira identitária.” Giuseppe Gatto afirma que, além de interno, o reconhecimento pode ser dado entre as micronações. “Temos aliados e inimigos. Inclusive estamos em conflito com o Reino Unido de Portugal e Açores. É uma guerra de informações e já houve relatos de ataques cibernéticos que derrubaram micronações.” Para Raphael Garcia o reconhecimento político de tais iniciativas também não é o ponto principal. “De fato, não cabe a um Estado formal reconhecer uma micronação, e sim a este agrupamento humano reconhecer a si próprio como nação.”

Diagramação: Paulo Figueiredo e Ivan Sasha


Campus | Brasília, 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2013

Balanço

Brasília: quase uma cida

Governo do GDF cumpriu menos de 10% da meta de revitalização de áreas de lazer e pr Celina Guerra Isabella Corrêa Vaso sanitário quebrado, sofá rasgado, lixo, barracos e chácaras, nascente de rio, três campos de futebol e uma pista de aeromodelismo compõem o espaço do Parque do Gama, no Setor Norte da cidade. Fundado em junho de 1998, foi criado para uso da população local. Hoje, a área não se assemelha a um parque e ainda abriga barracos onde funcionam uma loja maçônica, uma igreja evangélica e duas associações de idosos. A área de lazer destinada aos moradores do Gama é uma das 72 que devem ser criadas ou revitalizadas até o final de 2014, segundo o projeto Brasília, Cidade Parque, divulgado pelo Governo do Distrito Federal (GDF) em meados de 2011. O prazo limite para o fim das obras foi anunciado no final do ano

Arte: Isabella Corrêa

João Paulo Neves Cabral

O projeto foi criado em parceria entre a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH) e o Instituto Brasília Ambiental (Ibram).

passado pelo governador Agnelo Queiroz durante o lançamento da revitalização do parque do Cortado, em Taguatinga. Neste um ano e meio pós-divulgação, somente sete áreas – de acordo com números oficiais do próprio GDF – foram entregues. Até o momento, foram revitalizados o Parque Asa Sul, o Parque dos Jequitibás, o Parque Ecológico de Águas Claras, o Olhos D’água, o Ezechias Heringer e o Jardim Botânico de Brasília. Faltam 65 e menos de dois anos para o restante ser feito. A forma encontrada pelo governo do DF para financiar as obras é a compensação ambiental e florestal. Empresas que pagaram a compensação podem conseguir licenças para empreendimentos, dadas pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram). As que não pagaram, não obterão licenças. No Gama, foram construídas áreas da Terracap, da Infraero e de Furnas que deveriam ser compensadas para a revitaliza-

Moradores do Parque Vivencial e Urbano do Gama despejam lixo no local que deveria ser destinado ao lazer

Empresas que fazem empreendimentos com potencial para poluir têm que pagar para compensar os danos causados ao meio ambiente e, além disso, replantar as espécies de árvores retiradas.

ção dos três parques da cidade. João Breier, integrante da Agenda 21 – grupo formado por líderes comunitários do DF que lutam por saúde, cultura, segurança e causas ambientais – e morador vizinho ao parque ainda anseia pela revitalização do espaço. “Meu sonho é a criação de um centro de convivência de jovens no local, com objetivo de reduzir a criminalidade e o uso de drogas.” Em Samambaia, a palavra que define o parque Três Meninas é abandono. A funcionária do Ibram que trabalha no local, Sirlene Conceição da Silva, afirma que a área gera insegurança para os visitantes e para os pró-

prios funcionários. “O mato alto, a falta de policiamento e a ausência da comunidade gera casos de assaltos e uso de substâncias ilícitas.” Na região existem condomínios e um prédio da Companhia Energética de Brasília (CEB) que entram na compensação ambiental do parque.

Sem manutenção Algumas áreas já revitalizadas começam a apresentar pequenos sinais de descuido. Na Asa Norte, o Parque Olhos D’água, embora agora possua um terço a mais de área e tenha recebido pe-


4e5

ade parque

reservação. Moradores reclamam, e secretário culpa empresas

fazer trilhas e áreas de recuperação”, lamenta. Questionado pelo Campus a respeito do andamento da revitalização dos parques, o secretário do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Eduardo Brandão, explica que as recuperações acontecem à medida que os empreendimentos são construídos nas cidades. “A secretaria cobra e as empresas fazem o pagamento do que devem e é disso que depende o

andamento das obras”, diz. O superintendente de Gestão de Áreas Protegidas do Ibram, Pedro Luiz Cezar Salgado, admite que o programa de revitalização pode não ser concluído dentro do prazo prometido. “Não podemos garantir os 72 parques, mas pelo menos 40 a gente quer entregar até 2014”, afirma. O relatório de atividades divulgado pelo órgão para 2013 aponta a inauguração de apenas dez parques.

Povo fala Qual a importância de um parque para a comunidade? “É como ter uma microreserva dentro da cidade, além de ser importante para os cuidados com a saúde” Rodrigo Botero, 31, tatuador

Lorena Soares

“Além de ajudar a melhorar a saúde, é bom para sair de casa e respirar ar puro” Karina Matoso, 35, servidora pública

“A vantagem é poder sair do trabalho, fugir da urbanização e vir desestressar no parque” Leandro Bonfim, 36, publicitário

“Acima de tudo um parque traz qualidade de vida e é ótimo ter isso à disposição a qualquer momento” Eduardo Souza, 35, bancário

As três casas construídas pelo proprietário do terreno em Samambaia deram origem ao nome do parque

Edição: Iasminny Thábata

Diagramação: Elis Tanajura , Celina Guerra e Kelsiane Nunes

Arte: Kelsiane Nunes Fotos: Lorena Soares

quenas modificações, possui um parquinho de areia quebrado desde o meio do ano passado. Há um mês está interditado para reparos. O Parque de Águas Claras ainda não tem solução para a água que transborda na ponte do local. No Guará, o educador e fundador do Fórum de ONGs Ambientalistas do DF, Adolpho Fuica, reivindica melhorias mesmo após a revitalização do parque. “Quantas coisas a gente poderia melhorar, como


6

Campus | Brasília, 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2013

Tremores

O

Terremotos frequentes em regiões brasileiras deixam autoridades em alerta e são motivo de pesquisas em universidades do país Lucas Vidigal Situado bem no meio da placa tectônica sul-americana, o Brasil raramente tem tremores que passam dos 4,0 graus na escala Richter. Isso significa que os abalos de terra no país são considerados de fracos a moderados. Ainda assim, terremotos pequenos ou médios já se tornaram frequentes para moradores de determinadas regiões. Em Montes Claros (MG), houve 13 abalos no ano passado. Em Pedra Preta (RN), foram dois tremores nos primeiros 15 dias deste ano. De acordo com o professor George Sand, do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB), as regiões mais atingidas por abalos sísmicos são o norte de Minas Gerais e de Goiás, a área entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, o estado do Mato Grosso e o fundo do oceano próximo à região Sudeste. O mais forte abalo até agora foi em 1955, na Serra do Tombador (MT), com 6,2 graus na escala Richter, que vai até 9,0. Mesmo longe do limite entre placas tectônicas, essas regiões se situam sobre falhas geológicas, ou seja, rachaduras na crosta terrestre que podem se movimentar por fatores como pressão no solo. “Os chamados terremotos intraplacas são comuns, mas normalmente pouco intensos”, afirma Sand. Com cerca de 400 mil ha-

bitantes, a cidade mineira Montes Claros, a 417 km de Belo Horizonte, é uma das recordistas em tremores no Brasil. Nos últimos dois anos, o Observatório Sismológico da UnB registrou aumento considerável na intensidade e na frequência de terremotos. Os 13 abalos de 2012 tiveram magnitude relevante, três deles na casa dos 4,0 graus na escala Richter. A equipe liderada pelo professor Sand e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mantém nove estações sismográficas em Montes Claros para monitorar a atividade sísmica na região. “A cidade fica muito próxima a uma falha geológica que ainda estamos estudando para saber se é recente ou não”, afirma Sand.

Primeira tragédia A 180km de Montes Claros, o distrito de Caraíbas, no município de Itacarambi (MG), foi cenário da maior tragédia causada por terremoto na história do país. No dia 9 de dezembro de 2007, Jeissiane Oliveira da Silva, 5 anos, morreu atingida pela parede da casa onde morava após tremor de terra que marcou 4,9 graus na escala Richter. Para Sand, a morte em Itacarambi mostra que o problema dos tremores no Brasil é mais social que natural. “Os terremotos no país geralmente não são fortes o bastante para derrubar uma construção forte de alvenaria, por exemplo, mas barracos e casas com

Mapa adaptado do Observatório Sismológico da UnB Arte: Ramilla Rodrigues

Parecia que uma pedreira havia explodido e tudo balançou” Delcy Carneiro moradora de Montes Claros (MG)

de 2011, chega a Montes Claros para traçar planos de prevenção de novos acidentes.

Abalos no sertão O mandato do prefeito Luiz Antonio Bandeira de Souza (PSDB) em Pedra Preta (RN), cidade de 2.590 habitantes a 149km de Natal, começou já atabalhoado. Logo no dia 2 de janeiro deste ano, um tremor de 3,6 graus na escala Richter assustou a população. No dia 13 do mesmo mês, outro tremor, de 3,2 graus. Desde o fim de 2010, a atividade sísmica na região tem crescido. O motivo do aumento dos tremores ainda é estudado por pesquisadores da UnB e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que mantêm estações no local. O que se sabe é que a área, assim como o norte mineiro, fica sobre falhas geológicas. “Quase todo dia a gente percebe alguma coisa”, diz o prefeito. Regiões com incidência alta de tremores ou com ocorrência de terremoSouza relatou ter ouvido dos tos de magnitude superior a 4,0 graus, desde 1767 moradores que rachaduras apareceram nas casas após os tremores. mau acabamento podem ficar grave- rio Sismológico da UnB. “Não po- “Até nosso ginásio foi danificamente danificados”, afirma. demos mais ficar parados”, afirma do”, disse. Ele acionou o Corpo de A professora aposentada Mattson Mauveira, chefe da De- Bombeiros, a Defesa Civil do EstaDelcy Carneiro relata que sentiu fesa Civil em Montes Claros. No do e o Conselho Regional de Engequase todos os tremores que ocor- pior tremor ocorrido no ano passa- nharia e Agronomia do Rio Grande reram em Montes Claros no ano do, em 19 de maio, 28 casas foram do Norte (Crea-RN) para avaliar passado. Na casa dela, nada que- condenadas e outras 202 avariadas consequências e estudar possíveis brado. Porém, o barulho e a falta após abalo de 4,2 graus de magni- medidas. “Se for preciso, vamos de luz que sucederam os tremores tude, o que deu prejuízo de R$ 2 transferir famílias.” mais fortes deixaram a vizinhan- milhões aos cofres da cidade. De acordo com o professor ça alarmada. “Parecia que uma peCom mais terremotos na ci- Sand, não há motivo para pânico. dreira havia explodido e tudo ba- dade, Mauveira reconhece que o Não existe, no Brasil, nenhuma falha lançou”, conta. momento agora é de preparar a grande o suficiente para causar catásPreocupadas com novos aci- população. “Precisamos nos acos- trofes. Porém, ele reconhece que o dentes, a Defesa Civil de Minas tumar com os tremores”, diz. Em melhor é prevenir desastres em regiGerais e a Prefeitura de Montes março, uma comitiva do Japão, ões sujeitas a receberem mais abalos. Claros solicitam relatórios país vítima de abalos catastrófi- “Não tem como prever quando um rotineiros do Observató- cos como o ocorrido em março terremoto vai acontecer.”

Edição: Fellipe Bernardino

Diagramação: Paulo Figueiredo Júnior e Lorena Soares


Campus | Brasília, 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2013

7

Saúde

Entre a falta e o excesso

Aos 17 já tinha 173 quilos. Foi quando resolvi procurar ajuda”

Seguindo tendência mundial, óbitos por obesidade na capital federal já superam em mais de 30% as mortes por desnutrição podia fazer exercícios físicos”, lembra a filha Adriana Lomeu. “A indicação foi clínica, não estética.” Dulce teve alta com problemas respiratórios, o que preocupou Adriana. “A gente achava que ela não tinha condições de sair. Eu argumentei para deixá-la no hospital”, revela. Segundo a filha, a resposta do médico foi de que aquilo era comum. Três dias depois, Dulce voltou ao hospital com quadro grave de embolia pulmonar em decorrência da operação. Um dia após a internação, morreu.

Apesar da queda da fome e desnutrição, o Brasil vê outro problema alimentar crescer de forma acelerada nos últimos anos. A obesidade atinge uma parcela cada vez maior da população e o número de mortes em decorrência do problema alcança patamares elevados, se comparados com o final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Na capital federal, o quadro é André Vaz similar: segundo levantamento do Mortes por obesidade e desnutrição Campus no Datasus – banco de 50 dados do Minis41 tério da Saúde –, em 2010 foram 40 36 33 registradas 36 30 27 mortes por obesi- 30 27 27 25 22 dade em Brasília. 21 24 25 Dez anos antes, 20 20 20 20 foram apenas três 15 15 pelo mesmo mo- 10 12 Desnutrição 9 tivo. Já a desnuObesidade trição matou 27 0 em 2010 – ano 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 da última atualização – ante 39 em 2000. Segundo o informe Professor da Faculdade O estado da segurança alimentar no de Medicina da Universidade mundo, da Organização das Na- de Brasília (UnB) e médico resções Unidas (ONU), o Brasil dimi- ponsável pelas cirurgias bariátrinuiu em dois milhões o número de cas do Hospital Universitário de subnutridos no último triênio. Essa Brasília (HUB), Carlos Augusto tendência contrasta com os núme- Cruz alerta que a operação deve ros da obesidade. ser encarada como uma etapa, e No fim de 2005, Dulce não como meta final. “A prepaLomeu Leite, 56 anos, realizou a ci- ração é tão importante quanto rurgia bariátrica, para redução do a cirurgia, que é somente parte estômago, pois tinha pressão alta e do processo”, alerta o médico. diabetes em decorrência do peso. Segundo ele, a determinação é “Ela precisava emagrecer e não de que sejam feitas 96 cirurgias

bariátricas por ano, mas atualmente o HUB não consegue suprir a demanda. Para o médico, a cirurgia é considerada segura, mas os riscos existem. “Nunca vi casos de mortes em operações, mas podem ocorrer complicações após a cirurgia.” A doméstica Maria Elza de Sales, 46 anos, está na fila de espera do HUB para fazer a intervenção junto a mais de mil pessoas. Há três anos aguardando, ela vai às reuniões mensais e busca seguir as recomendações médicas. Apesar disso, garante não ter perdido muito peso, mas vê os benefícios à saúde. “Melhorei bastante minha alimentação, como alimentos mais saudáveis e já consigo fazer exercícios leves”, afirma. “Quero muito fazer a cirurgia e não tenho medo.” Através de um levantamento feito com as fichas cadastrais de 82 pacientes na fila de espera para a cirurgia, a equipe do Projeto de Atenção e Prevenção à Obesidade (Papo) do HUB traçou o perfil dos pacientes. O resultado mostrou que 90% são mulheres e a maioria possui entre 35 e 44 anos.

Obesidade na infância Fora do perfil habitual para a cirurgia bariátrica, Ricardo Rodrigues, 20 anos, começou o tratamento no HUB, mas migrou para a rede particular e fez a cirurgia há quatro meses. Ele começou a ganhar peso aos 15 anos. “Aos 17 já tinha 173 kg. Foi quando resolvi procurar ajuda.” Rodrigues precisava tomar remédio para pressão alta e tinha o acompanhamento de um grupo de médicos, que incluía

André Vaz

Ezequiel Trancoso Camila Rodrigues

Ricardo Rodrigues, estudante

“Ela estava empolgada com a operação” , conta Adriana, filha de Dulce

nutricionista, cardiologista e psicólogo. Desde a cirurgia, emagreceu mais de 40 kg. “A cada mês eu emagreço um pouco. Ainda bem, pois é uma situação difícil. Não me sinto bem com esse peso.” Casos de obesidade precoce, como o de Rodrigues, são cada vez mais comuns. Segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, realizada em parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Ministério da Saúde, 34,8% dos meninos entre cinco e nove anos

apresentavam excesso de peso. Entre as meninas, número similar: 32,4%. Os altos índices de excesso de peso fizeram com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerasse a obesidade como doença epidêmica do século 21. Para Cátia Barbosa, endocrinologista pediátrica e diretora de ensino e pesquisa do HUB, o estilo de vida adotado pelas crianças é a explicação. “Os hábitos mudaram muito, as crianças não saem mais de casa. Eu não tenho pressa para emagrecêlas, e sim para mudar seu comportamento, o que é muito difícil.”

Edição: André Vaz

Diagramação: Lorena Soares


Página 8

Campus | Brasília, 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2013

Perfil

A arte de transformar Lorena Soares

A rotina de Elenita Azevedo, baiana de 37 anos, nascida em Barreiras e criada no Mato Grosso, é semelhante a de muitas outras mulheres da Estrutural, na periferia do Distrito Federal (DF): todo dia ela acorda, faz o café, manda dois filhos para a escola, arruma a casa e sente a falta do filho perdido. Quatro anos e cinco meses era a idade que seu filho tinha quando morreu devido a um problema nos rins. “Se eu ficasse no Mato Grosso, piraria”, lembra com pesar. E foi assim, com 25 anos e já tendo uma menina e um menino de menos de dois anos, que Elenita veio para a Estrutural. Era como se ela tivesse acordado de repente com mais duas crianças para cuidar: “Eu não dava atenção para eles, meu cuidado era com o outro filho.” Apesar da pouca idade, Elenita já tinha feito ligadura de trompas. Não podia mais engravidar. “O médico disse que arcava com as responsabilidades. Ele viu que eu não tinha dinheiro e já tinha gêmeos. Não queria engravidar de novo e correr o risco de ter mais três de uma vez.” A história de Elenita tem a marca da solidão. Como outras migrantes que vieram para Brasília sem laços nem família, aprendeu a viver sozinha: “Ninguém me ajudou. Nunca tive apoio da minha família, mesmo quando meu filho estava doente e eu tinha os dois bebês para cuidar.” Foi com a perda do filho que Elenita começou a sentir o que

Roda de Mulheres afeta mais de 350 milhões de pessoas no mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Elenita sofre de depressão. No DF, segundo o Banco de Dados do SUS (Datasus), 887 pessoas foram internadas no ano passado devido a transtornos de humor, aí incluída a depressão. Quando fazia exames no posto de saúde, viu um cartaz da Roda de mulheres e resolveu seguir o conselho da médica que a atendera: “fazer alguma coisa para ocupar a cabeça.” Dançar, costurar bonecas, brincar, pintar, montar um teatro, conversar. É por meio da arteterapia que Anasha Gelli, coordenadora do programa Roda de Mulheres e do Instituto Arcana, tenta mudar o quadro de mulheres como Elenita. “Muitas dessas mulheres (de baixa renda do DF) são de outros estados, vieram para cá sem família. Não têm muitas

Arte sobre ilustração: Lorena Soares

Elis Tanajura

amizades na comunidade e sofrem com depressão ou violência familiar”, diz. Frequentadora assídua da Roda, Elenita só faltou a uma reunião. Em todas as outras estava lá, em silêncio. “Ela não falava uma palavra”, conta Francisca Maria Alves, facilitadora das oficinas na Estrutural. “Mas seu jeito de vestir foi mudando. Começou a usar batom, vestido.” E foi assim, com a companhia de 20 mulheres com problemas tão ou mais graves que o seu que a dona de casa começou a querer “dançar com paixão”, como ela mesma disse em um dos exercícios. Ali nas oficinas, Elenita fez amizades, começou a se conhecer melhor e a falar. “No final, ela agradeceu por a gente ter esperado, respeitado o tempo dela”, conta Francisca. “A fala é muito poderosa. Para gente pode ser

Com a Roda de Mulheres, Elenita Azevedo fez amigas e recuperou a auto-estima

uma mudança pequena, mas para ela é muito grande.” Hoje, Elenita quer uma oportunidade de contar sua história. Ainda é tímida, mas já não mais a mesma mulher de um ano atrás. Talvez ainda tenha os mesmos problemas e ainda precise de muitas sessões com a psicóloga que come-

çou a frequentar, mas uma transformação lenta começou a tomar conta da sua vida. Ela percebeu que não é comum, que é única. As perdas e tristezas que viveu foram fortes e marcantes, mas ninguém além dela aprendeu a carregar um corpo calejado de tantas dores com tamanha vontade de viver.

Edição: Iasminny Thábata Diagramação: Lorena Soares e Elis Tanajura


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.