Campus impresso - ano 43 número 395

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Rogerio Verçoza

Campus

Brasília, 21 a 27 de fevereiro de 2013 | Número 395 Ano 43

Um mercado que cai Pirataria, internet e TVs por assinatura são responsáveis por fechar 391 locadoras no DF nos últimos seis anos. Lojas se especializam para sobreviver O metal é nosso

Cura pela fala

Suor da noite

Ato extremo

Com 98% das reservas de nióbio, Brasil vive conflito sobre exportação (pág. 3)

No DF, mais de 130 grupos anônimos tratam neuroses e obsessões (pág. 7)

Cronobiologia explica as consequências da malhação noturna (pág. 4)

Alto índice de suicídios na capital preocupa especialistas (pág. 6)


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Campus | Brasília, 21 a 27 de fevereiro de 2013

Carta da Editora Marina Baldoni Amaral Na última edição do semestre, o Campus traz um cardápio sortido de notícias, revelando a variedade de olhares na redação. A matéria de capa, Procura-se locadora, sobre fechamento das locadoras no DF, tem por trás a peregrinação da repórter Isabela Bonfim pelos setores comerciais de Brasília em busca de uma fonte, o sindicato das videolocadoras. A dificuldade em encontrá-lo tinha explicação: ele estava fechando as portas, assim como a maioria das lojas que representa. O faro da repórter encontrou no cenário dramático o gancho da matéria. O Campus é um jornal-laboratório que, nesta edição, enfrentou uma situação comum no mercado: a publicação da mesma pauta por um outro veículo. O Correio Braziliense

de 17 de fevereiro trouxe, às vésperas de nosso fechamento, matéria sobre as dificuldades enfrentadas no ramo de aluguel de filmes. É direito do leitor saber que o texto do Campus não é uma reprise. Quem conhece a rotina de produção do jornal sabe que isso não seria possível. Apesar de sair semanalmente, o processo de produção de cada edição leva duas semanas. Isso porque o Campus é resultado do trabalho de duas turmas, que intercalam publicações. Procura-se locadora começou a ser apurada na primeira semana de janeiro e o texto foi escrito e editado há três semanas. Se fôssemos um jornal diário, a matéria estaria nas ruas há mais de um mês, mas, nessa situação excepcional, ficou “na gaveta” (como os jornalistas chamam o material produzido muito tempo antes

de sua publicação) para garantir a participação da repórter na última edição da turma. Desde o início de fevereiro, Isabela Bonfim está na Holanda, onde participa do programa Ciência sem Fronteiras. Talvez um jornal diário na mesma situação desistisse de publicar a matéria para evitar uma suspeita de cópia. Aqui no Campus, decidimos mantê-la na capa, como definido na reunião de pauta, porque a reportagem é relevante, bem apurada e de interesse do leitor (que talvez nem tenha visto a publicação do Correio). Apesar de “furados”, temos convicção da qualidade do material e das circunstâncias em que foi escrito. O que vale no jornallaboratório é o aprendizado. Aprendemos na prática o risco de segurar a publicação de uma matéria.

Ombudskvinna* Ana Paula Lisboa O Campus 394 cativa o leitor na capa e mostra merecer a atenção até a última página: é de uma categoria de jornalismo que se lê “devorando” com gana por mais informação. As repórteres se esforçaram nesta viagem e a equipe entregou uma edição especial impactante e com um propósito justíssimo: evitar que uma chaci-

A pauta de Vanessa Arcoverde nos fez lidar com um grande tabu do jornalismo, o suicídio. Tema estudado por diversas áreas do saber, ainda é evitado pela imprensa. Já em 1897 o sociólogo Émile Durkheim desmistificou a ideia de que o suicídio seja apenas decisão do indivíduo e passou a tratá-lo como fenômeno coletivo, fato de causa social. A mudança no olhar é a chave para que o jornalismo também possa abordar o assunto. Na matéria Duas tentativas por dia, a repórter consegue enfrentar o desafio e retrata a questão sem sensacionalismo. Com o cuidado de não mencionar métodos e não incentivar a prática, faz um raio-X do suicídio no Distrito Federal. Grupos anônimos de terapia são tema de Um passo de cada vez. Monique Rodrigues frequentou reuniões

e falou com neuróticos, comedores compulsivos e outros. Se viu revelando a própria intimidade para conquistar a confiança das fontes e conhecer o funcionamento dos grupos. Respeitando o sigilo, a repórter transmite informação e mata a curiosidade de quem não conhece o tratamento. João Bosco, em O dilema do nióbio, expõe as duas frentes de debate que permeiam o destino do uso e exportação do metal estratégico que tem quase todas suas reservas no Brasil. Em Hora de dormir, tempo de malhar, Talita Amorim busca explicações para um hábito comum nas metrópoles, a malhação noturna. Já no artigo O que restará da Copa no Brasil, Luana Luizy comenta a herança que o evento deixará para o país, as imposições da Fifa para realização do torneio e a forma como as obras têm sido tocadas.

*Feminino do termo sueco ombudsman, que significa “provedor de justiça”, discute a produção do jornal a partir da perspectiva do leitor.

na de 50 anos atrás caia no esquecimento sem ser resolvida. Ao escrever Ipatinga segue calada, a repórter foi transparente sobre o processo de apuração e consegue atiçar a curiosidade para dúvidas que só serão sanadas nas próximas matérias. A linha do tempo foi muito bem aplicada em Os mistérios por trás da fumaça da siderúrgica, deixando para o texto o papel de contextualizar a

época próxima ao Regime Militar, além de penetrar nas contradições entre o registro oficial e a memória das testemunhas. A entrevista a um policial que participou do conflito é um ponto alto do suplemento, mas as respostas “soam” artificiais. Entrevistas maiores exigem um cuidado a mais para não destoar do jeito de falar do entrevistado. Lembranças da beira da morte deixa o leitor cara a cara

com quem, por pouco, escapou da chacina. As fotos muito bem tiradas e o texto se harmonizam sem sensacionalismo, mas com muita sensibilidade, e tem-se a impressão de estar conversando com estes senhores. A bela crônica In memoriam comove e remete às possibilidades tiradas das vítimas fatais – bem como de familiares, amigos e moradores – no massacre de Ipatinga, cidade que, na época, colocou uma

mo e dos planos de investimento que o proprietário tinha para o Ritz. O local ficava aberto para apresentações semanalmente e nos fins de semana, após o meiodia. Além disso, a matéria aborda a movimentação que o Cine Ritz trouxe para os comércios próximos. Fabio também escreve sobre a beleza das artistas, que se apresentavam durante os intervalos dos filmes, e o perfil dos espectadores, entre eles sol-

dados, estudantes e funcionários públicos, que trabalhavam perto do cinema, localizado no Setor de Diversão Sul, Conic. Vinte e sete anos depois, o Campus fala novamente de cinema, mas dessa vez aborda os fechamentos das videolocadoras em Brasília. Em meio à crise, locadoras especializadas em “cinema e arte” ainda têm êxito e sobrevivem, sendo opção para quem ainda conserva o hábito de locar DVDs, e não apenas

assistir a filmes em telas de computadores ou TV por assinatura. Ideias inovadoras e segmentação de público também foi o que motivou a boa fase do Cine Ritz, na década de 80, que faturava por dia entre 4 e 5 mil Cruzados. Infelizmente, criatividades nos negócios não foram o bastante para manter em funcionamento o cinema pornô, fechado em julho de 2009. Resta saber se as videolocadoras terão um final diferente e mais otimista.

pedra no passado para poder seguir em frente. Os oito – ou mais – chacinados são motivos de sobra para tirar esta pedra e fazer justiça. O Campus cumpriu uma grande função social ao investigar o caso e colaborar para que esta história seja desvendada. A diagramação elegante foi digna de uma edição tão expressiva, mas faltaram fotografias de Ipatinga e da Usiminas para mostrar o cenário (atual) da chacina.

Memória Enquanto alguns cinemas fechavam as portas, o Campus edição 94, publicado em junho de 1986, retratava o sucesso do Cine Ritz. Inaugurado dois meses antes da publicação, o cinema que combinava sessões de filme com shows de strip-tease comemorava os bons resultados e faturamentos. O repórter Fabio Guimarães usa o fato de vários cinemas enfrentarem dificuldades como gancho para falar do entusias-

Expediente: Campus Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília

Editora chefe: Marina Baldoni Amaral Secretária de redação: Rafaella Felix Editores: Gabriela Alcuri, Jorge Macedo e Pedro Menezes Repórteres: Isabela Bonfim, João Bosco Lacerda, Luana Luizy, Monique Rodrigues, Talita Amorim e Vanessa Arcoverde Diretora de arte e foto: Ananda Borges Pimentel Fotógrafos: Luana Luizy, Rafaela Lima e Rogerio Verçoza Diagramadores: Dayana Hashim, Guilherme Alves e Ramilla Rodrigues Projeto gráfico: Celina Guerra, Ivan Sasha Stemler, Lorena Soares, Rafaela Lima, Ramilla Rodrigues e Vanessa Arcoverde Professores: Sérgio de Sá e Solano Nascimento Jornalista: José Luiz Silva Monitores: Patrick Cassimiro e Paulo Pimenta Gráfica: Palavra Comunicação Tiragem: 4 mil exemplares Campus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte. Contato: 61 3107-6498/6501 CEP: 70.910.900 E-mail: campus@unb.br Diagramação: Ananda Borges


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“ O dilema do nióbio

Exportação

O nióbio é, assim como o pré-sal, uma oportunidade de desenvolver o país”

João Bosco Lacerda Apesar de ser desconhecido por grande parte dos brasileiros, o nióbio tem grande importância para o país. De acordo com relatório do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) de 2011, 98% das reservas exploráveis de nióbio estão em território brasileiro. O Canadá, com 1,5% das reservas mundiais, tem um distante segundo lugar, seguido de países com quantidades muito pequenas do mineral. O professor do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB) Farid Chemale explica a relevância do metal: “É estratégico por se localizar praticamente em apenas um lugar do mundo e por sua utilização em setores de alta tecnologia”. O professor Carlos Kleber Zago, do Instituto de Química da UnB, aponta as principais características do nióbio: “Tem alta resistência ao calor, à corrosão, é um bom condutor elétrico, é resistente ao impacto mecânico”. Além disso, o metal pode se tornar um supercondutor, material que tende a conduzir corrente elétrica em temperaturas extremamente baixas. Por conta desses atributos, o metal é utilizado nos mais variados produtos: de lâminas de barbear a turbinas de avião e foguetes (ver quadro). “A adição de apenas 400 gramas de nióbio por tonelada de aço são suficientes para que esses efeitos sejam conseguidos”, explica o secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME), Carlos Nogueira. Essas qualidades fazem do nióbio um metal ainda mais resistente que o titânio, por exemplo.

Nióbe é, na mitologia grega, uma rainha transformada em rocha por Zeus, destinada a chorar para sempre pela morte de seus catorze filhos. O mito da antiguidade serviu de inspiração para batizar um minério inicialmente chamado colúmbio, descoberto em 1801 pelo inglês Charles Hatchett, mas que teve o nome mudado para nióbio pelo químico alemão Heinrich Rose.

Todo esse potencial de mercado nem sempre se converte em riquezas ao país. A forma como o nióbio é comercializado gera controvérsias. No Brasil, há apenas duas empresas que extraem o minério e elaboram produtos finais a partir dele: a Mineração Catalão de Goiás, controlada pelo grupo Anglo American do Brasil, de capital britânico; e a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). As empresas processam o nióbio majoritariamente em duas formas: as ligas de ferro-nióbio, destinadas à produção de aço com grande resistência, e as superligas de óxido de nióbio de alta pureza, utilizadas em capacitores, catalisadores e lentes óticas. A CBMM é a maior produtora mundial, responsável pela entrega de cerca de 90% da liga de ferro-nióbio e a totalidade das superligas de óxido de nióbio. O Estado fica com uma porcentagem dos lucros das empresas. No caso da CBMM, com 25% dos rendimentos líquidos da companhia, valor em torno de R$ 500 milhões em 2011.

Divergências Apesar do retorno financeiro ao país, não são todos que concordam com esse modelo. “O Brasil está perdendo a chance de desenvolver tecnologia própria ao exportar

Rafaela Lima

Brasil tem as maiores reservas do metal estratégico, mas vende a maior parte para o exterior e não investe em desenvolvimento tecnológico nacional

Amostra de nióbio do professor Carlos Zago, do Instituto de Química da UnB

nióbio sem transformá-lo em produtos de grande valor agregado”, argumenta Chemale. “Além disso, a forte presença de capital estrangeiro nas empresas produtoras pode ir de encontro aos interesses do país.” Os números reforçam seu argumento: segundo o DNPM, das ligas produzidas no Brasil, menos de 10% do ferro-nióbio é consumido no mercado interno, enquanto todo o óxido de nióbio é exportado. A CBMM, que até 2011 era dirigida somente pela família Moreira Salles, vendeu 30% de suas ações para companhias da China, Japão e Coreia do Sul. “Eu acredito que, na verdade, essa tenha sido uma manobra para integrar os grandes produtores de tecnologia à produção de nióbio para que novos usos sejam descobertos, sem matar a galinha dos ovos de ouro”, explica o secretário Carlos Nogueira. Reverter a situação não é tarefa fácil: “O decreto de lavra garante às empresas o direito de explorar o produto obtido da forma como desejarem, desde que cumpram os acordos. Além disso, caso diminuíssemos a exportação, nada garante

que outras ligas e materiais não poderiam substituir os usos do nióbio”, diz Nogueira. De acordo com o atual Código de Mineração, de 1967, desde que uma empresa mantenha a exploração de suas minas em patamares estabelecidos por estudos prévios, tem o direito de explorar indefinidamente a lavra. Com previsão de ser enviado em março ao Congresso Nacional, um novo decreto de lei estabelecerá critérios de produtividade e um teto

Farid Chemale, professor de Geociências da UnB

de 35 anos, posteriormente renováveis, para que uma empresa explore a lavra. O marco regulatório da mineração permitirá ao Estado ter mais controle sobre as atividades das empresas produtoras. Por ser a firma líder na produção do nióbio mundial, a CBMM baliza o preço do produto no mercado internacional, hoje em torno de US$ 90 mil a tonelada. Esse valor equivale a 750 vezes o preço da tonelada de ferro. No entanto, o Ministério Público de Minas Gerais investiga a empresa por suposta fraude na precificação do minério. O órgão desconfia que o nióbio vendido para o exterior tenha o valor da tonelada subfaturado. O MP acredita que, depois do nióbio deixar o Brasil, as subsidiárias nos três continentes revendem o mineral para o resto do mundo com valor maior do que o estipulado no país, lesando o cofre do governo de Minas, que tem participação nos lucros da mineradora. De acordo com Nogueira, “o novo marco regulatório tornará mais fácil apurar esses valores na contabilidade das empresas, possibilitando a conta precisa do imposto devido”. A reportagem tentou contatar a CBMM, mas a empresa não quis se manifestar.

Para que serve?

!

Construção civil – Diminui o peso e aumenta a resistência das obras, como na Ponte JK. Indústria automobilística – A adição de cem gramas de nióbio em cada tonelada de aço reduz em 10% o peso do veículo. Indústria aeroespacial e naval – Diminui o peso e aumenta a resistência das naves e embarcações, além de ser resistente a mudanças extremas de temperatura. Supercondutores – Foi utilizado, por exemplo, no Grande Colisor de Hádrons, o maior acelerador de partículas do mundo, responsável por importantes descobertas na física, por sua alta condutividade e resistência ao frio. Edição: Gabriela Alcuri Diagramação: Dayana Hashim


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Vida noturna

Hora de dormir, tempo de malhar Mais da metade dos alunos de academias brasilienses praticam atividades físicas durante a noite. Além da falta de tempo, o fenômeno é explicado pela cronobiologia Talita Amorim

Corrêa está nos cronotipos, objeto de estudo da cronobiologia, ramo dedicado ao estudo dos ritmos biológicos, podendo, ou não, ter relação com o tempo. Outro elemento que desempenha papel importante na cronobiologia é a luz, por conta do ciclo claro/escuro. Esse processo, combinado a herança genética, é um dos principais fatores para que o corpo funcione num período de 24 horas e é o responsável na atuação em ciclos biológicos como o sono. No caso de quem malha à noite, podem acontecer duas influências sobre o sono. Segundo Jomar Souza, médico especialista em Medicina do Esporte e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, “cada tipo de pessoa funciona de um jeito. Para aquelas

Rogerio Verçoza

Jorge Valença, 23 anos, estudante de Engenharia da Universidade de Brasília (UnB), malha à noite há um ano por conta da falta de disponibilidade de horários. “A UnB me consome até seis da tarde, e aí é só o tempo de descansar, estudar e vir pra cá. No início, eu ficava muito cansado e dormia logo depois. Mas depois de uns três, quatro meses, foi o efeito contrário: eu vinha para a academia e perdia o sono. Aí comecei a dormir duas da manhã.” Desde que o homem inventou a luz elétrica, o ritmo de vida não foi mais o mesmo. Pessoas como Jorge dormem cada vez mais tarde, trabalham mais e malham no período noturno. Segundo o Sindicato das Academias do Distrito

Federal, existem aproximadamente 700 estabelecimentos na cidade e todos funcionam à noite. “O maior movimento é no período noturno: 60% dos alunos malham no horário das 18h às 21h. Embora poucas academias fiquem abertas até meia-noite, a maioria vai até 22h, 23h”, confirma Fábio Padilha, diretor do sindicato e sócio de uma academia. Além da falta de tempo, outro motivo para a malhação noturna é o período no qual a pessoa sente disposição. “Eu poderia vir mais cedo, mas eu me sinto bacana à noite, não me atrapalha a dormir. E de manhã eu não funciono, se fechassem uma hora da madrugada eu poderia chegar aqui às dez da noite”, conta Antenor Corrêa, 51 anos, engenheiro elétrico que malha há cinco anos, sempre de noite. A explicação para pessoas como

Movimento nas academias é mais intenso durante a noite: cerca de 60% das pessoas malham entre 18h e 21h

Os cronotipos podem ser matutinos ou vespertinos. As pessoas matutinas são as que dormem e acordam cedo, tendo mais energia durante o dia. As vespertinas têm dificuldade para acordar cedo e sentem-se dispostas ao final da tarde e durante a noite. Isso não significa que os vespertinos tenham insônia, eles apenas têm o relógio biológico oposto aos matutinos.

que têm a sensação de relaxamento após o exercício, o mais comum é uma liberação de endorfinas, o que ajuda a ter um bom sono”. Para outros, o exercício funciona como um carregador de baterias. “Nesses casos, as maiores liberações costumam ser de adrenalina, noradrenalina e cortisol. Quando isso acontece, os atletas ficam muito ativos após o final dos exercícios e isso pode provocar insônia ou um sono apenas superficial, não reparador”, acrescenta Souza. O relógio biológico é controlado por uma estrutura nervosa do cérebro que recebe as informações sobre níveis de luz do ambiente e sinaliza o que acontece fora do organismo, estabelecendo parâmetros determinantes para as reações internas. Ao mesmo tempo, a glândula pineal, responsável pela produção da melatonina, aumenta ou diminui a fabricação do hormônio de acordo com os dados de iluminação colhidos pela retina e enviados ao cérebro. Não há contraindicação para malhar à noite, o melhor horário vai depender do cronotipo de cada pessoa. No entanto, o professor Fernando Louzada, do Laboratório de Cronobiologia Humana da Universidade Federal do Paraná, explica que “a prática de atividade física deve ser feita pelo menos três horas antes do início do sono. Além disso, como em

geral a atividade é feita em ambientes com iluminação intensa, o estímulo luminoso inibe a secreção de melatonina, que é o principal sinalizador da noite no organismo. Ou seja, nosso cérebro interpreta que ainda não escureceu e não desencadeia os processos que promovem o sono”.

Nutrição adequada A alimentação também não pode ser descuidada. Aline Santos da Silva, 27 anos, advogada, concorda: “Se eu tiver me alimentado bem durante o dia, e feito menos esforço, à noite eu estou com toda energia. Se não, eu fico mais cansada para malhar”. Segundo a Associação Brasileira de Nutrição Esportiva, os nutrientes são absorvidos durante o dia todo, sempre que houver ingestão O núcleo supraquiasmático, localizado no hipotálamo anterior, que marca todas as funções do organismo e dita os ritmos da duração do dia (níveis de luz) e da temperatura da pele.

de alimentos. Após a mastigação, o processo de digestão é iniciado e não é interrompido durante o sono, ou seja, o alimento, depois de digerido e degradado em pequenas partículas, passa do intestino para o sangue. O que difere a alimentação de quem malha no período noturno é a quantidade ingerida de alimentos. A quantidade de nutrientes deve ser a mesma. O que pode mudar é a praticidade na escolha dos alimentos. Se o treino acontece de madrugada, o ideal é absorver, ao longo do dia, os nutrientes necessários à produção de energia até o momento do treino. Após os exercícios, deve-se comer somente a quantidade e o tipo de nutriente necessários para a recuperação muscular. Nada de fazer uma grande refeição.

Edição: Gabriela Alcuri Diagramação: Dayana Hashim


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Drama

Baixadores de filmes e músicas 10 a 15 anos

Classe A

Downloads, pay-per-view e on demand levam à anunciada morte das videolocadoras. No Distrito Federal, restam 89 Isabela Bonfim

de Telecomunicações (Anatel) aponta que as assinaturas de TV cresceram de 3,2 para 14,5 milhões nos últimos dez anos. Além de trabalhar com o mesmo público, esse setor não apresenta as desvantagens dos downloads de internet, como a necessidade de alta velocidade de conexão. Marcus Vinícios Oliveira, 21, tem TV por assinatura em casa há pelo menos oito anos e, desde então, deixou de visitar a locadora. Para ele, a TV já vale mais a pena que o cinema: “Acho bem mais prático, os filmes chegam à TV a cabo cada vez mais rápido, evito filas e a muvuca”, explica.

Ameaça à vista Novas tecnologias permitem a realização de outro sonho de consumo: a locadora virtual. Conhecido como video on demand (vídeo por demanda), o serviço é um catálogo de filmes online. Diferentemente do pay-per-view , é possível escolher o filme e assistir quando desejar. Em aparelhos mais novos de TV e Blu-ray, com acesso à internet, é possível receber o filme diretamente na televisão. O serviço também

Luana Luizy

“O sindicato fechou. Ninguém mais quer abrir videolocadora”, diz o funcionário por entre a fresta da porta. Lá dentro, é possível ver um pedaço de sala vazia, sem móveis, caixas encostadas no canto da parede, um cenário de abandono. A situação do Sindicato das Empresas Videolocadoras do Distrito Federal (Sindevideo), no Setor Comercial Sul, reflete o mesmo contexto encontrado em uma busca pela cidade: portas fechadas. “Locadora? Isso ainda existe? Acho que tinha uma por aqui há muitos anos...”, tenta lembrar o chaveiro da 405 Norte. Em 2007, 480 videolocadoras funcionavam no Distrito Federal. Atualmente, apenas 89 se mantêm na ativa. Paolo Piacesi, presidente do Sindevideo, não recomenda a ninguém abrir uma. “É muito caro e não dá retorno”, explica, e estima em R$ 120 mil o custo inicial do negócio. O desafio do Sindevideo é o mesmo: menos de 20 lojas ainda contribuem financeiramente com

o sindicato, apenas 17 empresários estão associados e quatro diretorias não têm dirigente responsável. Segundo Piacesi, o sindicato, mesmo com escritório fechado, continuará a representar os interesses de empresas videolocadoras. Pirataria (venda, compra ou distribuição sem licença) e downloads na internet (piratas ou não) tendem a ser os principais acusados pela ruína do mercado de videolocadoras no Brasil. De acordo com relatório divulgado em 2012 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 34,7 millhões de internautas brasileiros (36,8% do total) baixam músicas e filmes na internet. As porcentagens são altas independentemente de faixa etária ou classe social (ver gráfico). Odair Correa, 27, só vê filmes no computador: “Com a enorme facilidade de se encontrar qualquer filme na internet, o download se tornou uma ferramenta muito mais útil do que as locadoras. É uma tendência geral”. Entretanto, as perspectivas mais atuais demonstram que a grande vilã na guerra contra as locadoras de vídeo são as TVs por assinatura. Levantamento da Agência Nacional

54% Classe B

58%

54% 25 a 34 anos

63% 35 a 44 anos

Classe C

48%

43% 47% 44 a 59 anos 47% 39%

Classes D e E

42%

60 anos ou mais 47% 29%

Fonte: Ipea

funciona por meio das principais plataformas de videogame. Há um ano e meio chegou ao Brasil o Netflix, serviço on demand conhecido por ter levado a rede de locadoras Blockbuster à falência. Atualmente a empresa oferece mais de 24 mil títulos no cardápio, entre filmes e seriados. Sem ter divulgado ainda dados específicos sobre o Brasil, a empresa contabiliza aproximadamente um milhão de usuários em toda a América Latina. Uma assinatura mensal de R$ 15 dá acesso ao conteúdo completo do Netflix, o que equivale ao custo médio de locação de dois filmes em Brasília. Em tradução literal, “pagar por visualização” (PPV) é um serviço com custo extra para adquirir um programa específico, como luta, jogo ou filme. Diferentemente do on demand, o PPV não fica disponível a qualquer momento, é exibido na mesma hora para todos que contratam o serviço ou por determinado período.

Vinicius Neuhauss, 23, é usuário do on demand e há pelo menos dois anos não aluga um vídeo. Para ele, o cinema e a locadora não são opção: “Há pouca variedade porque esses segmentos costumam investir em filmes mais comerciais”. Existem, no entanto, pontos negativos. Usuários reclamam de só encontrar filmes antigos no Netflix, além de haver dificuldades na exibição devido a problemas com a qualidade de sinal da internet.

Locadoras sobreviventes Locadoras como esta da 216 Norte se tornaram lojas de conveniência para continuar no mercado

47%

16 a 24 anos

Ramilla Rodrigues

Procura-se locadora

10 a 15 anos

Mas ainda há quem loque vídeos. Edson Curto, 51, aluga pelo

menos dois filmes por mês. Para ele, a vantagem está na variedade e no atendimento: “Aqui posso escolher, não é como na TV a cabo, e ainda tem a Neide que conhece tudo quanto é filme e sempre me recomenda”, conta. Rachel Rabelo, 32, é contra comprar ou baixar filmes piratas: “Não é do meu perfil”, comenta. “Na TV os filmes são mais comerciais, por isso tem coisas que você só encontra na locadora”, diz ao devolver o francês As neves do Kilimanjaro. Mesmo com a atmosfera sombria que paira sobre as videolocadoras, existem lojas que se renovam e fidelizam clientes em Brasília. Na Loc Vídeo, 104 Sul, são feitas entre 15 e 20 mil locações por mês, mais que o dobro do necessário para uma loja conseguir pagar as contas – 8 mil locações, segundo o presidente do Sindevideo, Paolo Piacesi. A Oscarito, 407 Norte, funciona há 21 anos e tem como diferencial o enfoque no “cinema de arte”. Com perfil semelhante, a Cult Video está no mercado há 17 anos e hoje conta com três lojas. Das 20 prateleiras da loja da 215 Sul, oito são dedicadas a grandes diretores, assim o cliente pode buscar o filme não só pelo título, mas também pelo sobrenome. Para Alexandre Costa, dono da rede Cult Video, mais do que novas tecnologias ou pirataria, a maior ameaça às locadoras em Brasília é a especulação imobiliária. “No futuro, pequenos comerciantes de qualquer segmento não vão conseguir se manter nas superquadras, porque o aluguel é muito caro”, diz Alexandre, que paga R$ 7,5 mil mensais por uma loja de 140 m² na 204 Sul. Quando perguntado se as locadoras estão chegando ao fim, responde conformado: “A gente se preocupa, mas acho que ainda tenho alguns anos para queimar”.

Edição: Pedro Menezes Diagramação: Ramilla Rodrigues


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Saúde

Duas tentativas por dia Sem atuação efetiva do poder público, Distrito Federal apresenta alto índice de suicídios. Trabalho do CVV se mantém como referência em prevenção

Dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal referentes a 2012 mostram que pelo menos duas pessoas tentam se suicidar por dia no DF. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) atende 69 chamadas mensais que resultam em uma média de sete suicídios consumados. O DF, com uma taxa de 5,3 suicídios por 100 mil habitantes, aproxima-se da média nacional, que é de 5,7 mortes, segundo dados do Ministério da Saúde. A coordenadora de Prevenção do Suicídio da Diretoria de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do DF (Disam), Beatriz Montenegro, afirma que esse número, no entanto, não reflete com precisão a realidade. “Em Brasília temos vários exemplos de subnotificação de tentativas e também de suicídios consumados que, em função de preconceito, são computados como outro tipo de morte”, afirma. A psicóloga especialista em suicídio Stéphanie Sabarense concorda com Beatriz: “Não é possível ter certeza sobre as taxas de suicídio porque muitos profissionais não sabem identificar a causa da morte, fora as pessoas que negam quando há tentativa”. E acrescenta: “Além dos casos explícitos, é preciso também investigar acidentes suspeitos”.

Causas

A presença de transtorno mental é um dos fatores de risco mais importantes para o suicídio (presente em 90% a 100% dos casos). Os quadros mais comuns são depressão, alcoolismo e esquizofrenia, sendo frequente a associação de mais de um deles. Algumas características so-

ciodemográficas também identificam os grupos de maior risco. Os homens morrem três vezes mais por essa causa, enquanto as mulheres tendem a fazer três vezes mais tentativas de suicídio. “As taxas parecem aumentar para os dois sexos, mas a proporção de três para um se mantém”, afirma Beatriz Montenegro. Os homens se suicidam mais por conta do método utilizado por eles que é, em geral, mais letal que o das mulheres. “O que mais eleva a taxa de suicídio é o índice de desesperança, que é a percepção de que as coisas não vão melhorar. Existem escalas de suicídio e estresse, que medem, dentre outros fatores, depressão e ansiedade. Se a pessoa tem um grande nível de desesperança, consideramos que o potencial suicida dela é alto”, explica a psicóloga Stéphanie Sabarense.

Apoio Em setembro de 2011, o Governo do Distrito Federal (GDF) lançou a Política Distrital de Prevenção ao Suicídio (PDPS), com o objetivo de capacitar profissionais do Corpo de Bombeiros e psicólogos, além de campanhas de conscientização. No entanto, o projeto ainda precisa sair do papel. Criado há 50 anos, o Centro de Valorização da Vida (CVV) é referência no trabalho de prevenção aos suicídios. Presente no DF há 33 anos, o CVV funciona em um pequeno escritório no Setor Comercial Sul. A voluntária Mazé pede para ser identificada pelo nome como é conhecida dentro da instituição. De acordo com ela, o posto de atendimento está com pouca gente. Há apenas 48 pessoas que se revezam em plantões de quatro horas para atender quem

Stéphanie Sabarense, psicóloga especialista em suicídio

Sinais de alerta ade bilid l a t s n I ciona emoj

Adotar comportamento de risco

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ma o t n e agu o ã N

Ramilla Rodrigues

Vanessa Arcoverde

A pessoa que tenta suicídio está em um sofrimento psíquico grande. Em vez de julgar, o que deve ser feito é acolher”

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Atentar a mudanças no comportamento das pessoas próximas a você pode evitar que elas cometam suicídio. Frequentemente pessoas em situação de risco se sentem solitárias e sem ter com quem conversar. Mostre-se receptivo e aberto ao diálogo: escute sem fazer juízo de valor. Permita que a pessoa expresse seus sentimentos e a encoraje a procurar ajuda profissional.

liga em busca de apoio. Em 2012 o Centro fez quase A portaria nº 184, publicada em setembro de 2012 no Diário Oficial do Distrito Federal, instituiu a Política Distrital de Prevenção do Suicídio, primeira do tipo no Brasil, que tem como finalidade promover a prevenção de tentativas e suicídios consumados, a realização de campanhas socioeducativas de conscientização da sociedade e a educação permanente dos profissionais de saúde das unidades de atenção básica.

8 mil atendimentos. Em 15 anos como voluntária, Mazé diz que ninguém nunca tirou a vida quando foi atendida por ela, algo raro entre os atendentes: “Já teve voluntário que chamou o Corpo de Bombeiros”, lamenta. Relatório da OMS publicado no ano passado mostra que entre 30 e 40% das pessoas que

recorrem ao suicídio tentam uma segunda vez. Mazé afirma, porém, que não é função do voluntário do CVV encaminhar o paciente para terapia: “A gente não julga, só acolhe. O que fazemos é apenas uma escuta qualificada”. Diferentemente do CVV, a abordagem psicoterapêutica visa o tratamento e, por vezes, a intervenção. “Caso a pessoa esteja em risco sério de cometer suicídio, ela será internada e a família avisada”, explica a psicóloga Stéphanie. Para ela, o preparo de profissionais de saúde é vital para que haja diminuição no índice de suicídios na cidade. “É veiculado que a medida a ser tomada é chamar o Corpo de Bombeiros. No entanto, muitas vezes eles estão despreparados psicologicamente para a tarefa. Estão prontos para medicar e conter a vítima, mas nem sempre isso é o mais indicado.” A coordenadora de Prevenção do Suicídio da Disam, Beatriz Montenegro, explica que existem

diferentes tipos de medidas a serem tomadas de acordo com o grau de angústia psíquica da vítima. “Se a pessoa está em uma situação de risco iminente, com acesso aos meios que pretende usar para realizar uma tentativa de suicídio, os serviços de urgência devem ser acionados: Samu, Corpo de Bombeiros ou a própria polícia quando envolver arma de fogo. Se houver indício de sofrimento psíquico, deve-se procurar o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) mais próximo de casa para ser acolhida e inserida no tratamento mais adequado.”

Serviço

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CVV Brasília 141 ou (61) 3326-4111 Centro de Atenção Psicossocial – Caps (61) 3381-6957 (61) 3567-1967

Edição: Jorge Macedo Diagramação: Guilherme Alves


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Campus | Brasília, 21 a 27 de fevereiro de 2013

Terapia

Um passo de cada vez Neuróticos, mulheres que amam demais e comedores compulsivos: mais de 130 grupos anônimos se encontram no DF para tratamento dessas e outras obsessões Monique Rodrigues

Lia Magalhães

São 19h30 de uma terça-feira, horário e dia marcados para o encontro dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa). Três pessoas estão na sala; elas conversam sobre o dia a dia enquanto esperam outros companheiros chegarem. Passam-se 15 minutos, começa a reunião. A coordenadora do encontro inicia a leitura do preâmbulo, com instruções e descrição do grupo, procedimento necessário especialmente quando alguém está ali pela primeira vez. Logo, pede para que todos se levantem e se reúnam ao centro para fazer a oração da serenidade de mãos dadas. A frase “só por hoje”, dita ao final da oração, marca o compromisso diário dos dependentes que buscam recuperação. Cada um volta ao seu lugar para a leitura do passo do dia – um dentre os 12 inspirados no programa de recuperação dos Alcoólicos Anô-

nimos (AA). Ao término, a coordenadora indica que a palavra está aberta e aguarda um voluntário iniciar seu depoimento. O Dasa é um grupo anônimo que busca recuperar pessoas com comportamento obsessivo e compulsivo em relação a amor e sexo. Em 2013, completa 20 anos no Brasil, com cerca de 30 grupos espalhados em 16 estados e no Distrito Federal. Define-se como uma irmandade e, apesar de não seguir doutrina religiosa, tem forte cunho espiritual. Assim como outros do mesmo tipo, usa as diretrizes dos Alcoólicos Anônimos como fundamento. “Aqui encontrei um lugar de apoio, um refúgio, quando estava vivendo a situação difícil de um problema afetivo”, conta Ana*, 41 anos, coordenadora do Concedei-nos, Senhor, a Serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, Coragem para modificar aquelas que podemos, e Sabedoria para distinguir umas das outras.

encontro que frequenta as reuniões há três anos. Em Brasília, diversos grupos anônimos atuam na recuperação de indivíduos com doenças físicas, mentais e emocionais, como Narcóticos Anônimos, Comedores Compulsivos Anônimos, Neuróticos Anônimos, entre outros. O princípio desses programas é que apenas pessoas com tais problemas participem da reunião. Não há acompanhamento de profissionais, não se pode interferir nos depoimentos nem dar conselhos. “A doença sai pela boca e a cura entra pelos ouvidos”, comenta Maria, 54 anos, participante das Mulheres que Amam Demais Anônimas (Mada).

Origem A maioria desses grupos surgiu a partir dos Alcoólicos Anônimos. O programa nasceu em 1935 em Ohio, nos Estados Unidos, com o encontro de dois alcoólicos que buscavam se recuperar. Eles viram nos problemas em comum uma chance de se ajudar mutuamente. Em 1939 foi lançada a primeira edição do livro Alcoólicos Anônimos; na época, a irmandade contava com cerca de 100 adeptos. Com a publicação de artigos sobre o tema em periódicos norte-americanos, o número saltou para 8 mil pessoas ao final de 1941, e assim continuou crescendo. O AA está em cerca de 150 países, com mais de 100 mil grupos. Não é possível precisar quantos participantes frequentam as reuniões, porque, em razão do anonimato, não se fazem registros. No Brasil, o primeiro encontro aconteceu em maio de 1969 no Rio de Janeiro. Hoje, existem cerca de 4,6 mil grupos divididos entre as 27 unidades federativas.

Os passos O programa de recuperação baseia-se em 12 passos que orientam quem busca ajuda. Entre as diretrizes estão, por exemplo, a necessidade de admitir impotência perante o problema, fazer uma detalhada análise sobre a própria vida, listar pessoas prejudicadas e reparar danos causados a elas, além de repassar a mensagem a outros. Há também 12 tradições – autonomia, anonimato, autossustentabilidade, entre outras –, que existem para assegurar o êxito e a continuação dos grupos. Uma delas, por exemplo, indica o requisito para participar das reuniões. “A única exigência é o desejo de mudar, só a pessoa pode sentir isso. No meu caso, foi importante reconhecer que sou impotente perante a comida, e isso ajuda a me dar sanidade”, explica Juliana, 31 anos, frequentadora dos Comedores Compulsivos Anônimos (CCA) há um ano. Juliana conta que conheceu o grupo pela internet, mas foi resistente no começo. “Nesse momento minha dependência já estava prejudicando meu casamento. Procurei dietas, terapias, mas nada deu certo. Resolvi então participar das reuniões do CCA e a recuperação física veio rapidamente, mas a emocional e mental demorou mais.” Ela

explica que continua voltando nos encontros para garantir a recuperação e não voltar a cair nos problemas antigos. “Sinto que agora sou menos egoísta e mais serena, meu casamento melhorou e as relações ao meu redor também.” Saúde A professora Valeska Zanello, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília, estuda os métodos terapêuticos dos grupos anônimos e explica que eles se baseiam na “técnica de espelhos”. “O participante dá seu depoimento, e isso cria a possibilidade de narrar, nomear a própria história. Assim, é possível ter uma clareza da questão, além de poder nomear a história de outra pessoa, se identificar com ela.” Os participantes dos grupos anônimos consideram incuráveis as doenças que possuem. Portanto, estão sempre “em recuperação”, e as reuniões ajudam a manter o tratamento. “Venho para as reuniões do CCA há 15 anos e aqui sei que vou ficar até morrer. Aprendi um novo modo de viver, um passo por dia”, conta Alice, 64 anos. * Os nomes dos participantes de grupos são fictícios.

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Serviço Grupos Familiares Narcóticos Anônimos do Brasil (Nar-Anon) naranon.org.br

Mulheres que Amam Demais Anônimas (Mada) grupomada.com.br

Narcóticos Anônimos (NA) (61) 9238-9606 | 8582-5282

Neuróticos Anônimos (N/A) neuroticosanonimos.org.br

Alcoólicos Anônimos (AA) alcoolicosanonimos.org.br

Alcoólicos Anônimos (AA) alcoolicosanonimos.org.br

Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa) slaa.org.br

Comedores Compulsivos Anônimos (CCA) comedorescompulsivos.org.br

Edição: Pedro Menezes Diagramação: Ramilla Rodrigues


Campus | Brasília, 21 a 27 de fevereiro de 2013

Página 8 Artigo

O que restará da Copa no Brasil Enquanto a bola rola no gramado, direitos humanos são jogados para escanteio Luana Luizy Vai ser maravilhoso! Um espetáculo com direito a samba e belas mulatas. Soube que vão chamar até índio. O mundo todo olhará para nós, lá no estádio de Itaquera, em São Paulo, no dia 12 de junho de 2014. Como o Brasil é bonito, país de diversidades culturais e que respeita as diferenças. Só que não! A Copa no Brasil impulsiona o aumento das desigualdades sociais. Segundo dados do Comitê Popular da Copa, entidade civil que fiscaliza a organização do evento, 170 mil pessoas foram retiradas de suas casas ou ameaçadas de remoção em função dos jogos. Isso significa que aproximadamente um em cada mil brasileiros perdeu sua moradia nas 12 cidades-sede. A maior parte das remoções, segundo o próprio Comitê, é feita com direito a pouca ou nenhuma indenização. Não bastassem as remoções, os organizadores da Copa tentaram derrubar o Museu do Índio, no Rio de Janeiro. O prédio, construído em 1862, pertenceu a princesa Leopoldina, filha do imperador D. Pedro II. No local estava prevista a construção de um estacionamento. Conhecido como Aldeia Maracanã, o caso repercutiu em todo o país e graças à mobilização popular, a liminar judicial que determinava a derrubada do prédio foi anulada. O museu foi fundado pelo Marechal Rondon em 1910 e foi escolhido como primeira sede do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), hoje Fundação Nacional do Índio (Funai). Em 1953, o antropólogo Darcy Ribeiro transformou o lugar em Museu do Índio, hoje tombado

pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Segundo o site da instituição o local é a única instituição oficial no país exclusivamente dedicada às culturas indígenas. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), com a política de privatização, utilizou todos os meios possíveis para derrubar o museu. O local, além de preservar valor cultural e histórico para os índios é também ponto de resgate e importância central para o movimento indígena brasileiro.

Isabella Corrêa

Legalidade na ilegalidade O custo para a organização da Copa de 2014 já atingiu R$ 26,5 bilhões. O valor é R$ 2,7 bilhões maior que o previsto no primeiro balanço orçamentário da União. O dinheiro vem dos governos federal, estaduais e municipais. De tudo o que foi desembolsado até agora para realizar a competição, apenas R$ 3,8 bilhões são oriundos da iniciativa privada. Outros R$ 14,9 bilhões foram injetados pelo governo federal por meio de empréstimos ou investimento direto nas obras. Os R$ 7,7 bilhões restantes saíram dos estados e das respectivas cidades-sede. Considerado o valor atual de R$ 26,5 bilhões, o país vai custear 85,5% das obras relacionadas ao evento. Anunciada como a Copa da iniciativa privada, o que se vê é exatamente o oposto. Os investimentos nos estádios, por exemplo, chegam a 97% via dinheiro público. O dinheiro de muitos beneficiará o lucro de poucos. A África

do Sul, sede da Copa de 2010, ficou com dívida de US$ 4 bilhões ao fim da competição, os mesmos US$ 4 bilhões que a Fifa anunciou como lucro. Tão ou mais grave que a farra privada com os recursos públicos, é a instauração do estado de exceção. Decretos, leis, e medidas provisórias definem a constitucionalidade desse estado. Prova disso é a Lei Geral da

Copa – Lei 12.663, sancionada no dia 6 de junho de 2012. A lei define as regras para a realização do Mundial e estipula que

a União colaborará com os estados, o Distrito Federal e os municípios que sediarão os eventos, a fim de assegurar à Fifa autorização para divulgar marcas e vender ou realizar propagandas de produtos e serviços nas imediações das arenas que abrigarão os jogos, tudo isso com total exclusividade. O monopólio de serviços concedido à Fifa restringe a geração de emprego e renda no país. Camelôs, ambulantes, catadores e artesãos que estiverem nas proximidades do evento serão severamente penalizados, o que inclui até repressão policial. Em suma, a Fifa terá todas as condições de fazer o que quiser no Brasil, tudo com aval do Estado. A legislação brasileira prevê a educação como direito de todos e como responsabilidade do Estado, no entanto, os parlamentares violaram tal direito com a proibição de aulas na rede pública e privada durante o Mundial. É preocupante ainda o aumento de casos de prostituição infantil. Segundo dados da rede britânica de televisão BBC, na Copa do Mundo de 2010, realizada na África do Sul, o número de prostitutas na capital sul-africana era de aproximadamente 100 mil pessoas. Durante os jogos este número cresceu em 40%. Está claro que a Copa não beneficiará nossos bolsos, está óbvio que a Copa não favorecerá os anseios da população. Não é para o Brasil, não é para as pessoas que amam futebol. Como dizia o escritor português José Saramago: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que veem. Cegos que, vendo, não veem”.

Edição: Jorge Macedo Diagramação: Guilherme Alves


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