Campus - nº 422, ano 45

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CAMPUS

BRASÍLIA, JUNHO DE 2015

NÚMERO 422 ANO 45

LAÍS BÊRBER

ESFORÇO DIÁRIO Falta de escolas na Estrutural obriga alunos da rede pública a se deslocarem para outras regiões

BEM-ESTAR

ANDARILHOS REUNIDOS Primeira geração de caminhantes de Brasília volta a promover andanças após dois anos

INFÂNCIA

MEDITAÇÃO MIRIM Oficinas de yoga ajudam no desenvolvimento físico e mental de crianças

PROJETOS

LEITURA INCENTIVADA Iniciativa no Shopping Popular de Ceilândia oferece empréstimo gratuito de livros


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Brasília, junho de 2015

CAMPUS

OPINIÃO

CARTA DO EDITOR Vitor Pantoja Editor-chefe

Chegamos à terceira edição de 2015 do Campus. Apesar de estarem sempre presentes no processo de produção, a ansiedade e expectativa já vão sendo controladas, temos mais confiança na tomada de decisões e nosso amadurecimento aumenta gradativamente a cada número do jornal. A partir da experiência nas primeiras edições, este Campus traz algumas novidades. Primeiramente, a partir de agora, ao invés de publicarmos o jornal semanalmente, a periodicidade será quinzenal. A segunda mudança é a inclusão do encarte. Nesta edição contaremos com um suplemento especial. O tema explorado para a confecção deste encarte é cultura e descobrimos que Brasília agora oferece oportunidades para a residência artística. A prática do rap na UnB e o contexto produtivo de tatuagens afro-religiosas fecham o novo espaço de reportagem.

OMBUDSMAN*

O deslocamento de alunos da Estrutural para outras cidades por conta de problemas nas escolas da região também é abordada nesta edição. Além disso, apuramos informações sobre novos projetos sociais, como o Saltando para o Futuro, que oferece aulas de saltos ornamentais pra crianças da rede pública na piscina do Centro Olímpico da UnB, e o Bibliorodas, que incentiva a leitura no Shopping Popular de Ceilândia. A página oito mostra o exercício do tarô terapêutico, cuja meta é o autoconhecimento, ou seja, descobrir os obstáculos que devem ser superados na vida do praticante e mostrar que cada pessoa pode ser agente do próprio futuro. Apesar das novidades, uma coisa não muda neste Campus e não será modificada. Estamos sempre à procura de pautas que envolvam intenso esforço de reportagem, para que o aprendizado jornalístico seja cada vez maior.

*Termo que significa “provedor de justiça”, o ombudsman discute a produção dos jornalistas a partir da perspectiva do leitor.

MEMÓRIA

A participação de crianças no mundo do funk tem repercutido nas redes sociais. Nesta edição entrevistamos estudantes da Universidade de Brasília para saber sua opinião sobre o assunto.

Lucas Natan Estudante de Economia

“Criança tem que brincar e estudar. Se o pai incentiva e um monte de gente aplaude, ela vai crescer achando que aquilo é o certo.”

Rudá Moreira

A edição 421 entregou pautas diferenciadas. Se a meta era noticiar o que não ganhou destaque em outros veículos, foi alcançada. O pecado, porém, ficou na tradução das ideias para o papel. O gancho temporal parece ter sido esquecido. A matéria de capa não justifica o destaque na edição. A chamada anuncia um surgimento de várias mídias em Ceilândia, enquanto a matéria divulga, tal qual um release, uma única empresa criada no ano passado. Repetições no texto reforçam a impressão de que faltou assunto para cobrir uma página dupla. “Padronização dos logos” pecou na falta de padronização da edição anterior, vestindo chapéus diferentes na capa e dentro do jornal. Na matéria em si, um assunto quente que foi bem explicado e ilustrado. Só que o repórter se esqueceu de ouvir alguém além do deputado autor do projeto. O Campus inovou com um título em Braille, sem perder a cla-

reza. Já na reportagem, o leitor se perde. Enquanto num parágrafo são enumerados problemas a serem resolvidos, noutro a maioria são anulados. Sem questionar aqui a existência de problemas, a matéria não prova que a biblioteca está prestes a fechar a porta, como o sutiã sugere. A paralisação de obras públicas foi a melhor pauta da edição. Volto a insistir nos erros de execução, no entanto. Ao invés de esmiuçar melhor as obras do GDF que estão suspensas, o texto se abre para todo o setor de construção civil do país, perdendo o foco. Athos Bulcão ficaria feliz lendo o Campus. A página oito, além de bem ilustrada, contou uma boa história de preservação do trabalho do artista. No geral, a falta de cuidado permanece. O fotógrafo da capa segue sem ser creditado. Excessos de repetição de palavras, viúvas e erros bobos de revisão. Fazer jornalismo exige criatividade para pensar diferente e amor com o produto que está sendo entregue.

Vitória Lima Estudante de Física

Na edição 306 do Campus, de julho de 2006, a reportagem Buriti bem na foto, de Bernardo Menezes e Diego Amorim, destacava os altos gastos do Governo do Distrito Federal com publicidade, enquanto escolas públicas sofriam com falta de estrutura e segurança. Quase uma década depois, esta edição do Campus vai mostrar que o descaso com a educação no DF continua. Na Cidade Estrutural, faltam escolas para o uso dos alunos.

“Espero que o Ministério Público investigue bem o caso da MC Melody para que ela possa ter uma infância digna.”

Jean Onaves Estudante de Física

“A sexualização infantil sempre aconteceu, mas sem inclusão digital, o que aumenta a exposição. Os pais não podem expor a criança desse jeito.”

EXPEDIENTE Editor chefe: Vitor Pantoja Secretária de redação: Marja Gomes Editores: Anna Luiza Felix, Bárbara Cruz, Igor Nogueira, Luiza Antonelli e Lydia Assad Repórteres: Amanda Venício, Andressa Rios, Bachir Gemayel, Bianca Marinho, Fellipe Rocha, Gabriel Aragão, Hanna Guimarães ,

Maria Paula Abreu, Mariana Lozzi, Matheus Bastos, Rafael Montenegro e Thaissa Leone Diretores de arte: José Artur Lautert e Wenderson Oliveira Fotógrafas: Laís Bêrber, Giselle Cintra, Sara Resende Projeto Gráfico: Amanda Venício, Anna Luiza Felix, Bárbara Cruz, Bianca Marinho, Luiza Antonelli

Maria Paula Abreu, Matheus Bastos e Wenderson Oliveira Monitoras: Bruna Lima e Juliana Perissê Professores: Ana Carolina Kalume e Solano Nascimento Jornalista: José Luiz Silva Gráfica: Coronário

Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da

Universidade de Brasília


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BEM-ESTAR

CAMINHADA PIONEIRA A primeira geração de andarilhos da capital volta a promover caminhadas uma década depois do auge da popularidade MARIANA LOZZI

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o entardecer montanhoso de Santiago de Compostela, no noroeste da Espanha, o sociólogo brasiliense Miguel Silveira sentia o corpo reclamar as dores acumuladas ao longo de dez dias de caminhada. Apesar do latejar incessante nas canelas e da queimação sentida pelas feridas nas solas dos pés, o sociólogo percorreu 800 km em 30 dias. Ao seu lado, durante todo o percurso, estavam os integrantes do grupo Companheiros Andarilhos de Brasília (Cabra), a primeira Organização Não Governamental (ONG) brasiliense composta exclusivamente por andarilhos. Formada em 1993, a organização atingiu o auge da popularidade na virada do milênio, paralisou as atividades em 2013 e, este ano, retoma as andanças. Catorze anos se passaram desde a caminhada na Espanha, mas Silveira, hoje com 64 anos e atual presidente do Cabra, não mede esforços para reerguer a instituição. “É difícil dizer por que o grupo parou de caminhar, a verdade é que sempre fomos muito livres, essa é a condição básica do andarilho”, diz o presidente. Apesar disso, o motivo pelo qual o movimento atraiu mais de 300 pessoas em quase dez anos não escapa ao sociólogo. “No início dos anos 90 não existiam caminhadas or-

ganizadas que exploravam as matas do Centro-Oeste. Nós criamos essa corrente, que deu origem ao ecoturismo no Distrito Federal”. O psicólogo Antônio José dos Santos, 58 anos, trabalhou com Silveira na Câmara dos Deputados e esteve presente nos primeiros encontros do Cabra. “Nós não fazíamos ideia que éramos pioneiros do movimento andarilho em Brasília”, lembra o psicólogo, que testemunhou o Cabra atrair membros de várias idades, chegando a promover caminhadas de mais de 100 pessoas. Santos vê o enfraquecimento da organização como um processo natural, atribuído à idade avançada dos membros. “Alguns colegas tiveram problemas de saúde, o tempo prestou contas, nosso condicionamento não é mais o que era. Os joelhos doem”, diz. O psicólogo se espanta com as mudanças na forma com que as andanças passaram a ser organizadas. Hoje, a instituição tem uma página no Facebook e um grupo no aplicativo Whatsapp. Apesar das novas ferramentas, Santos se mostra cético em relação ao uso da tecnologia. “Antes era tudo no bocaa-boca, a gente combinava no fim de cada encontro quando seria o próximo e dava tudo certo, às vezes mais de 50 pessoas compareciam”, conta.

GISELLE CINTRA

À frente, de preto, o presidente do Cabra, Miguel Silveira, em caminhada no Jardim Botânico.

POLITIZAÇÃO O que começou como passatempo de seis casais nos finais de semana, se transformou em um movimento ambientalista organizado em 1998, ano em que o Cabra virou oficialmente uma organização não governamental, por meio da obtenção de um CNPJ, composição de um estatuto e produção de material institucional. Nessa época, iniciaram-se ainda as discussões sobre a cobrança de mensalidade. “Aí residia o perigo. Eu percebi na hora, senti que algo daria errado”, diz Giovani Dumont, membro do Cabra que culpa a politização do grupo pelo enfraquecimento do movimento. “Organizou, avacalhou”, simplifica o andarilho. Dumont começou a frequentar o Cabra aos 53 anos de idade, em 1995. Desde então, tornou-se uma das lideranças dentro do grupo. O bancário aposentado esteve presente nas caminhadas de Santiago de Compostela, em 2001, e Machu Picchu (Peru), em 2007, as maiores que o Cabra já promoveu. Em seu quarto, guarda todos os cajados que utilizou nas caminhadas do Cabra. “Vai que eu preciso deles de novo, não é mesmo? Sinto falta da natureza”, diz, entusiasmado com a volta do grupo. Apesar de ter sido contrário à formalização do Cabra como ONG, Dumont reconhece as conquistas. “Fazíamos palestras de conscientização e levávamos sacolas para recolher lixo nas trilhas e cachoeiras”, recorda. O grupo se engajou na luta pela construção do Parque Ecológico Olhos D’Água, no final da Asa Norte, que teve reivindicação dos andarilhos e dos moradores da 415/416 Norte, em 1994. Paralelamente à luta pela construção do parque, os membros do Cabra concentraram esforços na preservação de cachoeiras, grutas, saltos e trilhas em processo de degradação. A conquista veio um ano mais tarde, quando foi criada a Lei Distrital nº 889/1995, que protege as unidades de conservação denominadas Monumentos Naturais no DF. u

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RELATOS A inspiração para fundar o Cabra apareceu em 1993 na Câmara dos Deputados, onde Miguel Silveira trabalhava. Quando surgia uma janela na agenda do sociólogo, ele usava o tempo livre para caminhar ao longo do corredor do 22º andar. “Enquanto andava, pensava assim: É isso o que eu quero para a minha vida”, lembra Silveira. Um dia, ao chegar em casa telefonou para alguns amigos e combinou a primeira caminhada do Cabra. O sociólogo recorda quando os andarilhos tiveram que interromper a marcha para que uma jiboia passasse. “Tem que respeitar, o território é dela.” Em outra ocasião, durante uma trilha de 18 km na Chapada dos Veadeiros, o grupo atrasou o passo e o sol se pôs, de modo que teve que caminhar no escuro no interior de uma fazenda de criação de búfalos. “E não é que demos de cara com os bichos? A manada se assustou com a gente, a gente se assustou com ela e foi uma correria dos infernos. Eu gritava: Sobe nas árvores gente, sobe nas árvores, torcendo para que o nosso preparo físico fosse melhor que o dos animais”, recorda o presidente do Cabra, entre risadas. Mas os búfalos não foram os únicos a confrontar os andarilhos. Silveira conta que ele e os colegas já foram perseguidos mata adentro por um enxame de abelhas e, em 2006, durante uma caminhada em Serra do Cipó (MG), foram recebidos por uma saraivada de tiros de espingarda porque entraram em uma fazenda sem antes pedir permissão para o dono das terras. “Corremos pra tudo quanto é lado e só nos encontramos mais tarde, com o coração na boca. Por sorte, ninguém se feriu ou desistiu de caminhar”.


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EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO À

A falta de vagas nas escolas da Estrutural obri Uma das poucas escolas da região está fechad

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BIANCA MARINHO

LAIS BÊRBER

mandas de menor escolaridade. “É uma região nova com população extremamente jovem e que precisa de políticas públicas voltadas para a educação e qualificação profissional.” Alguns alunos conseguem vaga nas escolas da região. Gustavo, de oito anos, leva apenas dez minutos a pé para chegar à escola – tempo que Naely, sua irmã mais velha, leva até a parada onde passa o ônibus escolar. O menino cursa o segundo ano no Centro de Ensino Fundamental 02 da Estrutural e gosta de estudar perto de casa. “Porque a minha mãe pode me buscar todo dia e meu pai me levar. Também meus amigos da escola moram perto de mim. Não queria mudar de escola porque meus amigos tá tudo lá.” Claudivânia Tavares Ferreira é a mãe de Naely e Gustavo. De acordo com ela, se conseguisse vaga para Naely a menina estudaria na Estrutural. “Acho que pegar ônibus atrapalha o rendimento da criança pelo cansaço e estresse do engarrafamento.” A dona de casa fica preocupada com a segurança da filha em uma escola no Guará. “Aqui, na Estrutural, se acontecer algo eu chego mais rápido à escola, mas no Guará, não”, diz. Daqui a alguns anos,

O Centro de Ensino Fundamental 02 é uma das poucas escolas da Estrutural em funcionamento.

Gustavo, que deseja continuar os estudos e sonha em ser bombeiro, também vai precisar mudar de escola. O grande número de crianças estudando em escolas de outras regiões pode ser explicado pela oferta insuficiente de vagas. A Cidade Estrutural possui cinco escolas. Apenas quatro estão em funcionamento no local: Centro de Ensino Fundamental 01, Centro de Ensino Fundamental 02, Centro

Parcela de alunos que estudam na região onde moram Pra lá , depois divoltis porris, paradis. Paisis, filhis, espiritis santis. Mé faiz elementum girarzis, nisi eros vermeio, in elementis mé pra quem é amistosis quis leo. Pra lá , depois divoltis porris, paradis. Paisis, filhis, espiritis santis. Mé faiz elementum girarzis, nisi eros vermeio, in elementis mé pra quem é amistosis quis leo, nisi eros vermeio, in elementis mé pra quem. Pra lá , depois divoltis porris, paradis. Paisis, filhis, espiritis santis. Mé faiz elementum girarzis, nisi eros vermeio, in elementis mé pra quem é amistosis quis leo, nisi eros vermeio, in elementis mé pra quem.

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FONTE: CODEPLAN

á três meses, Naely passa por uma jornada diária para realizar uma atividade comum na rotina de muitos estudantes: ir à escola. A menina de 12 anos mora na Cidade Estrutural, mas estuda no Guará. O ônibus escolar nem sempre é pontual, às vezes quebra e o engarrafamento enfrentado na volta para casa dobra o tempo do percurso. “Na volta, demora 40 minutos para o ônibus chegar até a Estrutural e a gente fica muito cansada”, confessa a estudante. Para ela, o tempo que perde no engarrafamento poderia ser aproveitado para outras atividades, como treinar violino ou fazer o dever de casa. Nem sempre a rotina de Naely foi assim. Ela estudou em duas escolas públicas na Cidade Estrutural, mas a falta de vagas na série dela a fez mudar para o Centro de Ensino Fundamental 08 do Guará. A estudante acredita que o percurso é ainda mais cansativo para crianças menores. “Eu vejo crianças pequenas que vêm do Guará sozinhas no ônibus e acho mais cansativo pra elas. Quando eu estudava no CEF 01 e no CEF 02 não pegava trânsito nenhum”, afirma. É grande o número de alunos na mesma situação. Dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios 2013/2014, estudo feito pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), revelam que 53,80% dos estudantes do SCIA-Estrutural precisam se deslocar diariamente para estudar em outras regiões administrativas. Guará é a cidade que mais recebe alunos do local (31,32%), seguida por Cruzeiro (8,66%) e Plano Piloto (8,21%). Iraci Peixoto é uma das responsáveis pela pesquisa e explica que os dados de deslocamento de estudantes abrangem ensino regular público, privado e faculdade. A pesquisa também revela o alto índice de crianças na região, superior ao de todo DF. Segundo Iraci, o perfil é o de uma população jovem com ocupação voltada para de-

de Educação Infantil 01 e Escola Classe 02. Um agravante é a interdição da sede da Escola Classe 01 realizada em 2012 devido à grande concentração de gás metano no local. Os alunos têm aula atualmente na Escola de Aperfeiçoamento de Profissionais da Educação (Eape), localizada na Asa Sul. De acordo com dados da Secretaria de Educação do DF, 720 crianças da Estrutural estudam no local. A falta de segurança e a distância preocupam pais, alunos e professores. Em abril deste ano, uma criança foi internada após acidente na quadra esportiva. Luciana Evangelista tem um filho de oito anos que estuda na Escola Classe 01. Ela se diz insatisfeita com a estrutura e a segurança da Eape, mas não acha vagas em outro colégio e precisa manter o filho nessa escola. “Lá é um lugar que não tem estrutura para criança, semana passada mesmo a trave do golzinho caiu em um menino e machucou. Também tenho medo de chegar alguém e levar os meninos, porque lá é aberto”. Luciana afirma que o percurso no ônibus escolar também gera problemas. “Os ônibus não têm um horário certo, às vezes atrasa ou passa mais cedo. Sinto falta de integração entre a escola e os pais”, desabafa.


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À DISTÂNCIA

iga alunos a se deslocarem para assistir aulas. da desde 2012 e não há previsão de reabertura Outro fator relevante para a migração de alunos é o fato de a região só possuir Ensino Médio durante a noite. Os que desejam cursar durante o dia precisam se locomover para escolas em outros locais. Rita de Carvalho Costa conta que não conseguiu vaga na Estrutural para o filho de 18 anos, que parou de estudar no Ensino Fundamental e está perdendo oportunidades de emprego por não estar cursando o Ensino Médio. “Se eu não conseguir vaga no próximo ano para o Felipe, ele vai pagar um supletivo para começar a fazer faculdade e conseguir um emprego melhor.” Os problemas para cursar o Ensino Médio afetam a conclusão dos estudos e a chegada ao ensino superior. A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios 2013/2014 mostra que a população da Cidade Estrutural concentra-se na categoria dos que têm o nível fundamental incompleto (47,29%). Isso se reflete na dificuldade que os moradores da região têm para encontrar empregos que exigem maior qualificação. Para ajudar a resolver os problemas das escolas na Estrutural e dialogar com comunidade, governo e escolas foi fundado o Movimento de Educação e Cultura da Estrutural (Mece) em 2008. Djalma Silva do Nascimento trabalha no Mece e foi eleito prefeito comunitário da Estrutural. Conta que a migração para estudar em outras regiões sempre foi uma dificuldade. “Eu trabalhava em um posto de gasolina e estudava no CED 04 do Guará. Ia para a escola no Guará de bicicleta à noite.” Para ele, é importante investir nas crianças da Estrutural porque a educação muda o futuro das pessoas. “As pessoas daqui precisam de qualificação para conseguir um emprego melhor”, diz. A coordenadora do Mece, Maria Abadia Teixeira, conta que muitos pais relatam a dificuldade de acompanhar a educação dos filhos que estudam longe por não ter condição financeira de pegar ônibus ou até mesmo não saber

como chegar à escola. “Essa situação era para durar três meses e já dura três anos. Já fizemos uma reunião com o antigo secretário de Educação do DF e ele disse que estavam alugando um espaço mais próximo. Alugando. Sempre assim, no gerúndio. E nunca sai”. A assessoria da Secretaria de Educação do DF informou ao Campus que por problemas burocráticos ainda não há previsão para que o aluguel do prédio no Setor de Indústria e Abastecimento seja concluído. A Coordenação Regional de Ensino do Guará é responsável pelas escolas das regiões administrativas do Guará e do SCIA-Estrutural. O coordenador, Afrânio Barros, reconhece que o prédio da Escola de Aperfeiçoamento de Profissionais da Educação, onde funciona a Escola Classe 01 provisoriamente, precisa ser reformada e não possui a estrutura para receber crianças. Barros informou que a Secretaria de Educação está verificando a viabilidade de retirada do gás e alugando um espaço no Setor de Indústria e Abastecimento. “Colocar a criança em um ônibus gera desconforto, insegurança e demora. A prioridade da gestão é resolver a questão da Escola Classe 01, primeira escola do plano de obras de 2015 a 2018”, afirma. De acordo com o coordenador, está prevista a construção de uma escola de Ensino Médio na Estrutural e a oferta de vagas de todas as escolas vinculadas à Coordenação Regional de Ensino do Guará foram ampliadas em 10% no início de 2015. A falta de vagas nas escolas da Estrutural não é o único motivo para os estudantes migrarem diariamente a outras regiões. Maria Santos trabalha na Asa Sul e matriculou a filha em uma escola perto do trabalho. “Se a Sara fosse ficar aqui [na Estrutural], ficaria o dia inteiro só. Lá eu levo à escola todo dia e acompanho o que está acontecendo. Eu sei que a educação não está fácil, mas no que eu puder estar próxima dela eu vou estar.” u

TRÊS ANOS TRANCADA ANDRESSA RIOS

Em maio de 2012 a Escola Classe marem o prédio, mas o governo espe01 da Estrutural recebeu a notícia de ra a desocupação da EC 01. Ela confessa que seria interditada pela Defesa Ci- que é muito difícil quando há reunião vil. Antes da interdição, Jadson dos de pais, muitos não têm condições de Santos, hoje vice-diretor do Centro de irem para a Asa Sul, e a escola que preEnsino Fundamental 02, trabalhou na cisa da família perto acaba tendo que escola e conta que o cheiro do gás me- trabalhar sozinha. O colégio trabalha tano incomodava. “Eu era merendeiro com crianças de 6 a 13 anos ocupando e trabalhava na cantina e, às vezes, as cerca de 20 salas. “Não é agradável trapessoas achavam que estava vazando balhar aqui, não tem muita segurança gás da cozinha, mas não era”, lembra. à noite”, afirma. Construída sobre um lixão, a EC Maria Abadia Teixeira, a Coorde01 passou a oferecer riscos aos alunos nadora do Movimento de Educação e e funcionários do colégio que muitas Cultura da Estrutural, é uma das prinvezes sofriam de mal-estar provoca- cipais engajadas para definir a situação do pelo mau cheiro do gás metano, da Escola Classe 01, e participou do vindo de materiais em decomposição movimento Abraço à Escola, em 2013. no lixão, além disso, havia também a Cerca de 80 pessoas participaram do probabilidade de explosões em alguns movimento, que visava resolver o propontos da escola. Três anos se passa- blema da escola interditada. Com isso ram e o discurso feito pelas autorida- foi criada a Comissão da Escola Classe des é o mesmo, que estão alugando 01, com o objetivo de pressionar o goum prédio exclusivo para os alunos verno para dar um jeito nessa situação, da Estrutural no Setor de Indústria e mas em nada resultou. Uma das mães Abastecimento (SIA). que participou dessa Comissão foi MiQuando o colégio foi interdita- chelle Vieira Rodrigues, que conta que do, alunos foram realocados para três na época, os moradores pediram os escolas: Escola Classe 315 sul, Escola laudos técnicos do local feitos por uma de Aperfeiçoamenempresa de São PauLAIS BÊRBER to dos Profissiolo, mas nunca foram nais em Educação apresentados. (Eape), na 907 sul e Afrânio de Souza Centro Educacional Barros é coordena04 do Guará, na QE dor regional de ensiÁrea Especial. Atuno do Guará e tamalmente os alunos bém responsável pela da Escola Classe 01 região da Estrutural, encontram-se toinformou que o condos na Eape. A mutrato para uma nova dança, que seria locação está em fase provisória, acabou final, mas que não há sendo definitiva. previsão para assinaAlessandra Clautura. A assessoria da dia Victor, atual dire- A Escola Classe 01 está fechada desde Secretaria de Educatora da Escola Classe 2012 e não tem previsão de reabertura. ção informou que por 01, agora situada na Eape, conta que o problemas burocráticos ainda não há prédio é muito grande, que já houve previsão para a locação do prédio no esuma licitação e ganhador para refor- paço previsto do SIA. u


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INFÂNCIA

YOGA PARA CRIANÇAS Oficina gratuita ajuda no desenvolvimento saudável e no enfrentamento de desafios diários FELLIPE ROCHA

Habituado com um mundo de jogos eletrônicos, computadores, programas de televisão e exigências escolares, o público infantil está descobrindo uma maneira divertida e relaxante de desenvolver habilidades por meio da yoga, prática milenar que une exercícios de alongamento e meditação. Em Brasília, tornou-se comum a criação de oficinas de yoga para crianças. O ambiente acolhedor e estimulante das aulas tem despertado o interesse de muitos pais. Apesar de parecer difícil manter um grupo de crianças em uma atividade relaxante, a concentração dos participantes impressiona. As aulas contribuem para o aumento da capacidade de concentração e memória, melhora no equilíbrio e flexibilidade do corpo,

SARA RESENDE

As crianças são encorajadas a relaxar em um ambiente sem competição.

desenvolvimento da autoestima e controle emocional. A dançarina Roberta Martins levou a filha Mariah, de nove anos, à aula de yoga pela primeira vez. “Trouxe minha filha para comemorar o aniversário aqui. Acredito que a yoga é importante não só para o desenvolvimento escolar, mas pra vida. A pior coisa durante a infância é a síndrome da cadeira, na qual a criança senta e

passa um bom tempo parada, seja na escola ou em frente à televisão”, disse. Nas aulas de yoga infantil, são utilizados recursos lúdicos e dinâmicos que estimulam o corpo e a mente dos alunos e propiciam o desenvolvimento pessoal. A técnica do Kundalini Yoga, muito utilizada por professores de yoga, consiste em práticas meditativas que desenvolvem a concentração e o entendimento para enfrentar os problemas de maneira consciente. As professoras de yoga Mariana Faria e Amara Hurtado utilizam a técnica em suas aulas. “A yoga na infância reflete adultos mais conscientes, as crianças aprendem a lidar com a culpa e com as dificuldades de maneira menos desesperada”, disse Mariana. “A yoga ensina a lidar com a frustração desde cedo”,

acrescentou Amara. Além do Kundalini Yoga, também são usadas técnicas da Arte Yoga, modalidade que estimula o fazer criativo e a autoexpressão das crianças. O programa educativo do Espaço Cultural Marcantonio Vilaça, no DF, integrou a exposição O Grande Espiral, da artista plástica carioca Maria Nepomuceno, a uma oficina de yoga gratuita para crianças. Segundo a coordenadora do programa, Rebeca Borges, a integração foi pensada desde o início. “A oficina integra corpo e mente. Depois de perceberem o espaço e pensarem o trabalho artístico, as crianças propõem ao corpo uma movimentação que se relaciona com a obra. É interessante porque elas se jogam, não têm pudor nenhum.” u

SALTANDO PARA O FUTURO Projeto social incentiva jovens da rede pública à prática de saltos ornamentais nas Olimpíadas de 2016 HANNA GUIMARÃES

“O que precisa um saltador?”, pergunta Ricardo Moreira, coordenador de saltos da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos. Ele mesmo responde: não pode ser muito alto, para não ficar lento no espaço; necessita ter muita força nas pernas, para conseguir mais impulso e ficar mais tempo no ar; tem que ter agilidade para dar mais voltas em menos tempo e ter uma linha bonita de pernas, pois é um esporte muito plástico. E acrescenta: é preciso ter coragem, ser competitivo e gostar de desafios. Este ano, foram selecionadas 34 crianças de escolas públicas de Brasília para participar do projeto social Saltando Para o Futuro, em sua primeira edição na capital do país. Trata-se de um treinamento intensivo da moda-

lidade de saltos ornamentais, com o objetivo de atingir índices de desempenho necessários para jogos olímpicos. A seleção dos alunos foi feita com provas de equilíbrio, elasticidade, corrida, medição de salto, natação e pulo do trampolim. Patrocinado pelos correios, o custo é de R$ 132 mil ao ano. Sarah Gomes de Lacerda, 8 anos, e Henrique Bernardes, 9 anos, começaram as aulas em março deste ano, no Centro de Excelência em Saltos Ornamentais do Centro Olímpico da Universidade de Brasília. Henrique não pensa em fazer outra coisa da vida e, se não puder participar das olimpíadas de 2024, vai continuar treinando até conseguir. “A gente pode treinar pra sempre, até os 90 anos, ou mais, se viver”, completa Sarah.

As crianças têm aulas de duas horas, três vezes por semana. Sarah e Henrique dizem que em dias de treino é mais difícil fazer o dever de casa e encontrar os amigos. Ainda assim, conseguem concluir as tarefas cedo para dormir às 21h. “Para vir pra cá, a criança tem que estar disposta a brincar menos e lidar com menos tempo LAÍS BÊRBER

Crianças entre 7 a 9 anos treinam no Centro Olímpico da Universidade de Brasília.

de estudo”, diz Moreira. Mesmo assim, há exigência de que os alunos tirem notas altas no colégio. “A carreira no esporte dura muito pouco e a escola permite uma carreira mais longa”, justifica. Para o coordenador, a prática do esporte resulta em disciplina, concentração, responsabilidade e maior capacidade para absorver conhecimento. O projeto foi criado primeiro no Rio de Janeiro, mas acabou devido ao fechamento do parque aquático Júlio de Lamare, local dos treinos. Ainda assim, a versão carioca do projeto gerou três atletas com chance de conquistar vaga nas Olimpíadas de 2016. Cerca de sete alunos ainda praticam a modalidade em outros projetos. Os demais participantes das edições anteriores tiveram que parar os saltos ornamentais. u


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PROJETOS

INCENTIVO À LEITURA Os comerciantes do Shopping Popular de Ceilândia agora podem pegar livros emprestados de uma estante na praça central THAISSA LEONE

Desde abril, uma pequena estante branca e cheia de livros chama atenção de quem passa pela praça central do Shopping Popular de Ceilândia. Idosos, adultos e crianças passam, olham os livros, escolhem e pegam emprestados os que mais gostam. Com auxílio de leitores fiéis, quem ajuda a manter a estante é o próprio feirante. O aplicativo Whatsapp mantém os feirantes informados. Alguns deles enviam fotos sobre o número de empréstimos e informam se os livros estão organizados. “Eu não tinha costume de ler, com o projeto comecei a gostar. A gente dá força para ele continuar”, conta a vendedora de comésticos Jacira Maria, 55 anos, que costuma tirar fotos de leitores pegando exemplares. O projeto Expedições Literárias Bibliorodas oferece empréstimo de livros de forma gratuita para vendedores do Shopping Popular de Ceilândia, que fica a 24 quilômetros do Plano Piloto. A iniciativa foi criada por duas ex-alunas de mestrado da Universidade de Brasília (UnB). Em 2010, elas de-

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cidiram levar o conhecimento adquirido para feiras e shoppings populares. As coordenadoras do projeto, Clara Etiene e Edna Freitas, levaram o projeto primeiro para o shopping, com o nome Tardes Literárias. O objetivo era incentivar a leitura através de atividades para sensibilizar os leitores. A ideia principal era levar livros para lugares onde nem sempre são acessíveis. Ao começar a organizar as atividades, elas perceberam que muitos trabalhadores não conseguiam participar, pois não podiam sair de seus boxes enquanto esperavam clientes. Diante disso, uma nova ideia surgiu: ao invés de esperar pelos leitores, os livros iriam até eles, por meio de carrinhos de feira. O Bibliorodas, que faz alusão a “biblioteca sobre rodas”, obteve uma nova conquista em 2012. Foi o primeiro colocado da Região Centro-Oeste em um concurso do Ministério da Cultura. O prêmio rendeu ao projeto R$ 40 mil, permitindo um crescimento ainda maior. A iniciativa chegou a cidades do sertão central do Ceará. Quixadá, Qui-

Os filhos dos feirantes também podem pegar livros emprestados na nova estante

xeramobim, Banabuiú e Senador Pompeu receberam o projeto em suas feiras em 2013 e o mantêm até hoje. HISTÓRIAS Desde o início da circulação de livros na feira, o dia-a-dia de muitos vendedores mudou. Mesmo com uma programação quinzenal, eles participam e valorizam a importância da leitura e já passam para próximas gerações. “Participo do projeto desde o início, os meus dois filhos levam livros

em uma bolsa. Eu leio também, gosto de livros de histórias antigas”, comenta o vendedor Antônio de Souza Araújo, 44 anos. “Gosto de ler livros de romance e ficção. Eu costumo ler no ônibus, já perdi muitas vezes o ponto de ônibus que devia descer”, conta a costureira Creise Aparecida, 58 anos. Diferente de Creise, a vendedora de acessórios e eletrônicos Zaira Fonseca, 33 anos, que trabalha há três anos no shopping, gosta de somente de ler livros de terror e suspense. “Eu já gostava de ler antes. Gosto de ler livros terror e suspense porque não mexem com a minha emoção”, diz ela. “Eu já li uns seis livros, ajuda a ocupar a mente. As pessoas deviam se interessar mais. Infelizmente, algumas não possuem acesso ou têm preguiça”, opina Antônio Alves, 52 anos, que por meio do projeto começou a gostar ler. “O livro é bom para relaxar. Eu aproveito e leio histórias infantis para os meus netos", informa a costureira Maria José de Souza, 53 anos. u

PICOLÉ BRASILIENSE Empresa de Brasília faz sucesso entre moradores da cidade e planeja diversificar a produção GABRIEL ARAGÃO

O comércio do picolé conhecido como paleta mexicana vem crescendo em Brasília desde o verão do ano passado. Ao perceber isso, jovens brasilienses decidiram criar uma empresa para vender o que comiam desde criança: os picolés tradicionais. Em outubro de 2014, os irmãos Thiago e Fillipe Janiques e alguns amigos começaram a planejar a criação de uma empresa que oferecesse produtos essencialmente daqui. A Vai Bem foi

inaugurada no dia 7 de fevereiro. Em menos de um mês já tinha mais de dois mil seguidores no Facebook, e hoje vende de dois a três mil picolés por semana. Segundo Julio Faccioli, 24, um dos idealizadores do projeto, eles procuram oferecer um produto com a cara do brasileiro: despojado, informal e que se aproxime dos clientes. “Sempre conheci como picolé e é assim que vamos vender.”

Para se aproximar ainda mais do público, a Vai Bem possui uma kombi e está inserida no movimento do food truck. Durante a semana, a kombi para em locais movimentados como o setor Bancário Sul, a UnB e o Eixão (aos domingos). Diferentemente de concorrentes, os picolés não têm saborizantes nem conservantes. Mariana Dias, 25, se diz uma cliente fiel. “Sempre gostei muito e divulguei. Foi ótimo quando vi amigos que

eu não esperava divulgando também”, afirma. “Acho sensacional valorizar as empresas daqui. Sou muito a favor de empreender.” Os picolés mais vendidos são os de morango com leite condensado, banana com Nutella e o de açaí com banana. Cada picolé custa em média R$ 7,00. O grupo já está pensando em produzir além de sorvetes, sucos. “A empresa é nova e já estamos tendo uma aceitação muito boa”, diz Fillipe Janiques. u


CAMPUS

Brasília, junho de 2015

TARÔ TERAPÊUTICO

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AS CARTAS QUE CURAM AMANDA VENICIO

N

a penumbra de uma sala cheia de cacarecos, mãos enrugadas tocam cartas com símbolos misteriosos. A voz revela uma doença grave no futuro. A câmera corta para o rosto surpreso de uma mulher jovem. A cena, que abre o filme Cléo das 5 às 7 (1962), de Agnès Varda, mostra a faceta mais conhecida do tarô: o método divinatório, que prevê o futuro. Mas as cartas podem ser usadas para um fim bem diferente: autoconhecimento. O tarô terapêutico não vê o destino como uma força à qual não se pode resistir. Em vez disso, mostra que cada um é capaz de criar o próprio futuro. “Fazer previsões só degrada os consulentes [quem consulta as cartas] a frangos de granja, a meros espectadores de suas próprias vidas”, afirma o tarólogo Veet Pramad. Desde 1988, Pramad ensina pelo Brasil o método de tarô que desenvolveu e leva o seu nome. Para Pramad, não se deve procurar respostas prontas para resolver problemas. “Responder perguntas pode fazer com que o consulente traspasse a responsabilidade de suas decisões para o tarólogo. Isso não é terapêutico”, afirma, “Em hipótese nenhuma alguém pode sair de nosso consultório falando que vai fazer ou deixar de fazer isso porque o tarólogo mandou”. Ex-aluna de Pramad e taróloga profissionalmente há cinco anos, Taty Quintanilha joga tanto tarô divinatório quanto o terapêutico. Quintanilha também indica florais e técnicas de meditação, além de oferecer uma consulta de retorno. “A pessoa que procura o tarô vem buscando o futuro, mas eu trago ela para o presente”, afirma. Quintanilha recomenda que o consulente procure fazer sessões de terapia para que haja um acompanhamento maior. A taróloga acredita que nem mesmo o tarô divinatório é capaz de prever o futuro: “Você consegue saber como a pessoa se sente sobre o

que acontece. Não é o fato em si, mas como aquilo está sendo vivido”. A jornalista Danielle Ferreira já foi a duas consultas de tarô terapêutico. Segundo ela, o consulente deve estar preparado para ouvir coisas que não gostaria. “O tarô terapêutico é como um tapa na cara, com uma abordagem mais direta do que a terapia, que poderia demorar mais para mostrar uma questão que pode incomodar”, afirma. “Qual é a única coisa inexplicável do tarô? É por que saiu a carta que você tirou”, afirma Iara Groszweicz. Fisioterapeuta desde 1986, ela passou a usar o tarô nas consultas em 1997. “Quando comecei a trabalhar com a fisioterapia, percebi que você podia fazer toda a parte técnica, mas se não trabalhasse a cabeça do paciente, não adiantava”, diz. Inquieta, Groszewicz procurou respostas na psicossomática, ciência que une psicologia e medicina. “Existem dois tipos de situação: você pode sofrer um trauma e isso te afetar psicologicamente. Se você sente dor, você fica triste, deprimido”, explica a fisioterapeuta. “Outra coisa é quando você está numa situação emocional que pode gerar doenças no corpo físico.” Durante a sessão, Groszweicz conversa com o paciente. “Se ele é racional demais, eu nem vou falar de tarô”, conta. Se o paciente se mostrar aberto, pode tirar uma carta para ser interpretada. “Quando você começa a trabalhar o corpo, vem uma série de lembranças e emoções à tona. Ao tirar o tarô, no final, a carta fecha a nossa conversa”. ORIGEM No livro A Cultural History of Tarot (2009), Helen Farley afirma que o tarô foi introduzido por mamelucos otomanos na Europa no século XIV. Na época, era usado de forma recreativa, como um jogo de cartas. Quatro séculos depois, o baralho foi adotado para uso divinatório por ocultistas.

Nos anos 1970, o movimento espiritual da Nova Era buscava se afastar de instituições religiosas tradicionais. A espiritualidade seria uma construção individual, baseada no sincretismo, a mistura de diferentes doutrinas. Os adeptos do movimento buscaram no tarô uma forma de conhecer a si mesmos. A partir dos símbolos das cartas, desvendavam obstáculos para o crescimento pessoal. A literatura produzida pelo psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961) foi referência para a Nova Era. Assim como Sigmund Freud, Jung acreditava que a mente era dividida entre consciente e inconsciente, conjunto que formava a psique. Na teoria junguiana, no entanto, o inconsciente carrega aspectos culturais em comum com toda a humanidade: o inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo é formado por arquétipos, símbolos universais. CARTAS NO DIVÃ O psicoterapeuta e tarólogo João Rafael Torres desenvolveu o Tarot Analítico, método que emprega conceitos desenvolvidos por Jung na análise das cartas. “A análise junguiana tem como foco a ampliação da consciência a partir da integração de conteúdos do inconsciente”, explica, “A leitura do tarô funciona de forma semelhante a um sonho: dá um lampejo do funcionamento da psique”. Nas cartas, é possível enxergar arquétipos e a partir deles refletir sobre o significado de eventos do cotidiano. Torres oferece consultas de tarô e também atua como psicoterapeuta. Na psicoterapia, no entanto, deixa as cartas de lado e prefere dar prioridade à análise de sonhos. O baralho só entra na sessão como último recurso. “Em algumas situações, quando os sonhos se escasseiam, podemos recorrer ao tarô como tentativa de acesso ao inconsciente”, afirma. u

TIRAGEM TERAPÊUTICA

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10

9 8 7

Durante a consulta, o tarólogo escolhe uma tiragem, forma de dispor as cartas. Conheça a tiragem do método Veet Pramad: 1/2 - Momento atual: Onde está a atenção do consulente 3 - Resultado interno: O que o consulente conquista para si 4 - Âncora: A dificuldade interna que impede o crescimento 5 - Método: Sugestão de atitudes a serem tomadas 6 - Caminho de crescimento: Consequências após adotar as atitudes indicadas 7 - Necessidade interna: Aquilo que é preciso ser trabalhado 8 - Relacionamentos: Atitude em relacionamentos 9 - Infância: Como o consulente se sentia quando criança 10 - Resultado externo: Situações externas que o consulente atrai e como ele enxerga o mundo


Brasília, junho de 2015

Suplemento

ARTE

POR

TODA

PARTE Residências artísticas, rap na universidade e tatuagens de origem africana. O encarte desta edição traz matérias culturais e mostra um lado artístico diferente do Distrito Federal.

Coletivo CERCA


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Brasília, junho de 2015

CULTURA

ARTE sem FR

Artistas brasileiros experimentam as regionalidades do país através de progra que estão localizadas desde Rio Branco, n MARIA PAULA ABREU

O

Centro Cultural Elefante, em Brasília, é um dos 191 espaços culturais no Brasil, catalogados pela Fundação Nacional de Artes (Funarte), que realiza programas de residências artísticas. Esses programas funcionam por meio de um intercâmbio de artistas pelo Brasil e pelo mundo que tem como objetivo básico a troca cultural e profissional entre os artistas e o público local. Essas residências estão presentes de norte a sul do país, em diversos formatos e categorias. São programas voltados não só às artes visuais, mas também à dança, ao teatro, à fotografia. O foco é o incentivo à experimentação, criação e troca de experiências. O artista sai do local em que trabalha com o propósito de passar um tempo em outra cidade produzindo desde obras de arte até encontros, palestras e oficinas. Ele pode ser subsidiado através de um edital do governo ou por financiamento do próprio local que irá recebê-lo. Pode ter um projeto pré-determinado a cumprir

uma produção própria no Museu Nacional da República. A criação foi resultado de uma série de dinâmicas realizadas pelo artista ao chegar à capital. Ele se propôs a caminhar pelo Plano Piloto e durante esses passeios achou curioso as paradas de ônibus possuírem estantes com livros para troca. “Não conseguia passar por um ponto de ônibus sem parar para dar uma olhada”, disse. Esses livros foram pequenos subsídios para uma concepção de capital que até então Kurru não conhecia, ele conta. “Nunca havia me aprofundado no contexto de Brasília, a construção da capital e o que nisso implica no contexto nacional. Tinha um certo imaginário sobre a cidade que nem sei dizer qual era”. Também assistiu a documentários sobre a cidade para que pudesse compreender e problematizar a capital cada vez mais. Kurru acredita que só terá noção da modificação ocasionada pelo intercâmbio após voltar para a sua rotina regular de São Paulo. O professor do Instituto de Artes da Universidade de Brasília Moisés Crive-

DIVULGAÇÃO/CENTRO CULTURAL ELEFANTE

DIVULGAÇÃO/CENTRO CULTURAL ELEFANTE

O artista plástico Bruno Kurru ao lado de seus trabalhos no Centro Cultural Elefante. Ele permaneceu na capital por dois meses.

Um dos encontros promovidos pelo programa de residência artística. O espaço da exposição dava lugar aos ouvintes que normalmente ficavam sabendo dos encontros através da internet.

ou pode estar aberto a desenvolver algo quando se estabelecer no lugar em que irá residir temporariamente. São centenas de artistas brasileiros trocando de cidades que vão desde o interior do Ceará até grandes capitais como São Paulo. O objetivo é vivenciar e experimentar a arte em suas diferentes formas e regionalidades. O paulista Bruno Kurru foi o mais recente participante do programa de residência artística no Elefante. O artista plástico tomou o programa de forma literal e residiu no próprio espaço do centro de atividades. Segundo Kurru, isso tornou a experiência interessante. Sua rotina diária, como preparar um lanche da tarde, às vezes era interrompida para dar lugar ao ofício de mediador da exposição com seus trabalhos. Mais do que estudantes ou artistas o público alcançado costuma ser cidadãos locais, segundo o estudo da Funarte que mapeou as residências artísticas pelo Brasil. A residência gerou novos trabalhos. Convidado pelo Elefante, Kurru expôs

laro concorda que esse movimento do artista viajante reforça um laço nacional, de construção e criação identitária própria. “Ter contato com o terceiro e ouvir sobre suas experiências regionais acaba por possibilitar que as nossas próprias regionalidades e identidades relativas à cidade e ao espaço em que compomos e produzimos sejam mais bem delineadas”, diz o professor. Dessa forma, as residências artísticas contribuem para um movimento de valorização da arte nacional.

As residências artísticas contribuem para um movimento de valorização da arte nacional

INTERIOR DO PAÍS Segundo o mapeamento de residências artísticas realizado pela Funarte, apesar desses espaços se concentrarem na região sudeste, mais da metade deles se localizam fora das capitais. Um destes espaços é o Atelier Kayab, situado em Congonhas, município no interior de Minas Gerais famoso por possuir obras barrocas do escultor brasileiro Aleijadinho. O Atelier existe há quatro anos e compõe a gama diversa de espaços culturais no Brasil que realizam programas de residências artísticas. Criado pelo jovem artista plástico Tales Sabará, o espaço já recebeu três residentes em 2014, dois da capital Belo Horizonte e um de Uberlândia. Especificamente nesse projeto, os residentes tiveram apoio do governo através da lei de incentivo à cultura e ficaram durante um mês na cidade. Diferentemente do paulista Kurru, não residiram na galeria, ficaram numa casa próxima. Durante esse


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Brasília, junho de 2015

RONTEIRAS

amas conhecidos como residências artísticas. São 198 espalhadas pelo Brasil, no Acre, até Pelotas, no Rio Grande do Sul período produziram trabalhos relacionados ao município. Foram três projetos, um relacionado à história da mineração na cidade, outro à religiosidade presente na comunidade e o último sobre a diferença da passagem do tempo em cidades pequenas e em grandes centros urbanos. Sabará destaca que a residência tem o intuito de ter uma relação com a cidade e com os moradores. “Acho interessante tanto para os parceiros como para a cidade”, diz. O artista conta que foi durante a faculdade que teve a ideia de criar o atelier. Percebeu a importância de ter um lugar próprio para criar e expor diferentes trabalhos. A equipe, composta por três integrantes, é enxuta assim como 70% de outros espaços que recebem residências artísticas pelo Brasil e contam com até cinco funcionários. O interessante é que Sabará trabalha em família, com seu pai, João, que fica responsável pela montagem e transporte de obras e sua mãe, Ângela, responsável pelo cardápio dos quitutes oferecidos aos visitantes do espaço.

Sabará cuida do restante organizando o atelier - o lugar é mutável, às vezes funciona como galeria, outras vezes como espaço para palestras e oficinas de artes. A residência em Congonhas desdobrou-se num projeto de exposição em Belo Horizonte. O proprietário do atelier ficou amigo dos residentes e decidiram trabalhar juntos. “O mais interessante da residência é a oportunidade de criar laços, daí podem surgir novos projetos”, conta Sabará.

“O mais interessante é a oportunidade de criar laços, daí podem surgir novos projetos” TALES SABARÁ

CLARISSA ERRICO

Tales Sabará e seu pai João na montagem de uma exposição em 2011. COLETIVO CERCA

POLÍTICAS PÚBLICAS A Funarte realiza diversos estudos e ações na área de residências artísticas desde 2008, que colocaram à luz a demanda de artistas e coletivos por redes que conectassem os trabalhos de residências artísticas realizados no país. Assim, no ano de 2013 a Funarte lançou a pesquisa de mapeamento das residências artísticas pelo Brasil, a fim de criar um banco de dados com as mais diversas informações sobre os espaços de arte que realizam esse tipo de programa de intercâmbio. De acordo com o mapeamento da Fundação, não há políticas públicas voltadas especificamente para o campo das residências artísticas, apenas alguns editais sazonais. Isso acaba por prejudicar qualquer ideia de longevidade dos programas, pois por não haver tais políticas os projetos ficam à mercê da vontade do gestor do momento de subsidiar ou não as instituições participantes, já que metade desses intercâmbios provém do financiamento público. Assim, a Fundação enxerga um desafio e uma necessidade de elaborar um programa federal específico para o campo de residências artísticas no Brasil e afirma que o desafio maior é pensar coletivamente sobre o papel do Estado numa rede tão diversa, que é a de residências artísticas. O estudo conclui que o aparato do Estado se faz fundamental para estimular a produção artística e a partir disso colaborar para uma valorização do campo frente a toda sociedade. u

EXPOSIÇÃO MUSEU

Os artistas participantes do programa de residência artística no Atelier Kayab. Laura Berbert (à frente), Noemi Assumpção e Henrique Marques (ao fundo).

A exposição “Ondeandaaonda”, aberta no dia 30 de abril no Museu Nacional e em cartaz na capital até o dia 14 de junho, tem caráter inédito. Segundo a divulgação, nos últimos anos Brasília veio experienciando um fenômeno cultural de produção artística crescente e de surgimento de espaços alternativos voltados às artes visuais. Assim, como forma de incentivo a esse fenômeno, foram convidados 17 espaços de arte brasilienses para compor uma exposição que retrate esse movimento da arte contemporânea produzida aqui na cidade. Cada um dos espaços escolheu um grupo de artistas para expor os trabalhos. Dentre esses artistas estava o paulista Bruno Kurru, convidado pelo Centro Cultural Elefante. Apesar de não ser daqui, o artista produziu sua obra na cidade e tomou-a como inspiração. Assim compõe o retrato atual de obras contemporâneas produzidas na capital.


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COMPORTAMENTO

Brasília, maio de 2015

BATALHA da escada

Iniciativa de rappers da Universidade de Brasília promove duelos de improviso às quartas-feiras RAFAEL MONTENEGRO

MATHEUS BASTOS

UnB, 18h. Em meio ao intenso o encontro: a Batalha da Escada. movimento entre a Faculdade de Ar“A gente até quis fazer algo granquitetura e Urbanismo (FAU) e o Tede, um evento para reunir os entusiasatro de Arena, é comum ver rodas de tas do rap, mas o movimento tem que freestyle, modalidade de rap que se basurgir naturalmente”, ressalta André seia no improviso e exige perspicácia, Beserra. E o caráter espontâneo manvocabulário e malemolência. Ao longo tém o tom dos encontros. “Os presendo mês de abril, o que era apenas uma tes decidem, coletivamente, o formato dessas rodas se tornou um encontro das batalhas, se vai ser uma batalha de O campeão da noite, MC Mateusinho (de branco, à esquerda) enfrenta na final a MC Rasta. semanal para quem quer rimar. sangue ou de conhecimento”, explica André Henrique Beserra, aluno de Comunicação Organizacional, começou Beserra, se referindo a formatos distintos de batalha em que os MCs devem sua convocar amigos com o intuito de fazer das quartas à noite um momento de perar o adversário através de ataques verbais ou através de rimas que dão origem reunião entre rappers na Universidade. Movimento que, em uma semana reunia à construção de ideias. seis pessoas, na semana seguinte chegou a 10 participantes. Na seguinte a 15. Na primeira Batalha da Escada, realizada em 22 de abril, o título da noite fiAtualmente, o encontro conta com 50 pessoas apreciando rimas feitas na hora. O cou com Rayza Oliveira, 22 anos. No rap, a aluna do curso de Letras é conhecida local também foi alterado. As primeiras reuniões eram feitas em um espaço me- como MC Rasta. “Acho importante que a gente ocupe esses ambientes, predonor, com pouca iluminação, embaixo de uma árvore próxima ao Teatro de Arena. minantemente masculinos, que carecem de referências femininas”, afirma Rayza. A busca por um lugar mais confortável e a migração para a escada de acesso ao A Batalha da Escada é realizada às quartas-feiras, às 18h, na escada entre o Instituto Central de Ciências (ICC) foram dois fatores que serviram para batizar ICC e a Biblioteca Central dos Estudantes. u

ÁFRICA

desenhada na

PELE

Tatuagens que representam religiões de matriz africana são alternativa para quem se identifica com o tema BACHIR GEMAYEL

Em Brasília, segundo levantamento do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, 6,5 mil pessoas são adeptas de cultos de umbanda ou candomblé, número que representa 0,22% da população do DF. A tatuagem, símbolo de moda e rebeldia, é um dos meios de expressão das religiões de matriz africana. De acordo com registros do estúdio Mundo da Tattoo, localizado na 102 sul, cerca de 450 pessoas em Brasília já fizeram uma tatuagem de cunho afro-religioso com o artista plástico e tatuador Frederick Nascimento, que começou a trabalhar há 20 anos. Ele já tatuou pessoas de São Paulo, Nordeste e Europa. Há 10 anos, ele se especializou em desenho de orixás, entidades religiosas afro-brasileiras. “Os pedidos cresceram após este período”, lembra Nascimento. Em 2013, ele registrou treze tatuagens sobre o tema no estúdio. Em 2014, o número de pedidos aumentou para trinta, e até abril deste ano foram tatuados dez desenhos religiosos. A orixá Yemanjá, rainha das águas, é a mais requisitada. Nascimento descobriu a umbanda na infância, quando adoeceu e procurou auxílio em uma casa de culto em Taubaté (SP). Em 2003 conheceu, na Holanda, o trabalho do tatuador goiano André Sparta, reconhecido como um dos pioneiros em imagens de orixás. Após o contato, Nascimento criou o próprio traço, com intenção de propagar a identidade religiosa, que tem papel secundário na cultura nacional. “Não serei apenas mais um levando

a cultura japonesa ou a americana, vou levar o que é nosso”, afirma. Jéssica Sá, 22 anos, estudante de publicidade da Universidade Católica de Brasília (UCB), tatuou uma coruja, que no candomblé é sua guia, denominada exu: “O senhor Tranca Rua das Almas, a história que levo e faz parte da minha vida desde que nasci”, ressalta. Sua família ingressou há 23 anos no candomblé Ketu, localizado numa chácara entre o Gama e Santa Maria. Ela escolheu Nascimento pelo seu vínculo com a religião. O publicitário Diogo Sá, 31 anos, também procurou um tatuador umbandista e conheceu Nascimento, com quem fez duas tatuagens. Um escudo de Ogum e uma figa de exu. “A guia significa a luta que eu tive quando criança contra uma doença. Nessa época minha mãe foi parar em um centro onde foi recebida por um exu chamado Tranca Rua”, afirma. O estúdio Hot Machines, localizado na 114 norte, abriga o trabalho da tatuadora Ana Paula Silveira. Em 2014, ela desenhou em quatro pessoas símbolos da umbanda, sendo procurada por ser especialista em figuras geométricas, presentes nas imagens religiosas. O cavaleiro de São Jorge é requisitado pelo sincretismo religioso com o catolicismo. O santo é comparado ao orixá Ogum e clientes querem agradar às duas religiões. Apesar de ser procurada para tatuar sobre o tema, a tatuadora afirma não ter vínculo com a umbanda. u


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