Campus - nº 424, ano 45

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CAMPUS

BRASÍLIA, JUNHO DE 2015

NÚMERO 424 ANO 45

BÁRBARA CRUZ

DINHEIRO DA PERIFERIA Bancos comunitários desenvolvem a economia de regiões carentes do DF

POLÍTICA

PERFIL DA CÂMARA Levantamento do Campus aponta que 20 dos 24 deputados distritais são conservadores

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SOLIDARIEDADE

ENFERMARIA IMPROVISADA Equipe de voluntários idealizada por padre atende crianças em igreja da Estrutural

COMPORTAMENTO

COSMÉTICOS CASEIROS Criação de produtos artesanais é alternativa para evitar malefícios de produtos industrializados

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NA FILA

CARTA DO EDITOR Fellipe Rocha Editor-chefe

“Uma redação é uma organização, e não um lugar”, escreveu certa vez o jornalista americano Shane Snow. A frase representa a principal lição aprendida durante a produção da quinta edição de 2015 do Campus. Com um número recorde de pautas, lidamos com um árduo processo de organização e priorização das notícias, trabalho desempenhado sempre em equipe. A edição nº 424 apresenta na capa a criação de bancos comunitários como forma de economia solidária no Distrito Federal. Regiões como Itapõa e Estrutural já possuem o apoio desses bancos, que auxiliam comunidades com dificuldades para acessar o sistema financeiro tradicional. Logo na página três, abordamos o conservadorismo da atual Câmara Legislativa do DF. Dos 24 deputados distritais eleitos, 20 são conservadores e reforçam os chamados valores da família. O repúdio às políticas de inclusão de identidade de gênero, a isenção de impostos para templos religiosos e o aumento da

repressão policial são pautas presentes nos projetos, indicações e moções apresentados este ano. Descobrimos uma equipe voluntária composta por sete psicólogos, três advogados e uma médica que atende crianças em uma enfermaria improvisada no terreno paroquial da igreja Jesus Bom Pastor, na Estrutural. A iniciativa pretende ajudar em necessidades que a gestão do Estado não consegue suprir na comunidade. Além disso, entrevistamos pessoas que produzem seus próprios cosméticos como alternativa para evitar os possíveis malefícios causados por produtos industrializados. A página 12 traz uma entrevista com a ativista dos direitos humanos Jasmina Golubovska, que ficou conhecida por uma foto emblemática em que beijava o escudo de um policial em um protesto na Macedônia. Na primeira entrevista concedida a um jornal brasileiro, a manifestante de batom vermelho comenta a situação política do seu país.

MEMÓRIA

OMBUDSMAN*

Na entrada dos banheiros da UnB, perguntamos a opinião de alunos sobre a campanha Libera meu xixi, que permite às pessoas usarem o banheiro de acordo com o gênero que se

Roberta Rodrigues Estudante de Engenharia Ambiental

“Se a pessoa se sente mais confortável indo ao banheiro do gênero que se identifica, eu acho válido.”

Rudá Moreira

A edição 423 do Campus trouxe pautas diferenciadas, abordadas com um olhar mais analítico e imparcial. A maturidade jornalística parece estar chegando aos alunos deste semestre. A Várzea Esvaziada faz um panorama explicativo da situação do futebol amador em algumas regiões do DF. O texto, bem descritivo, contextualiza o assunto e localiza o leitor. Os repórteres explicaram o problema. Pena que essa foi a matéria com mais erros de revisão do semestre. Maior atenção deixaria o trabalho ainda melhor. Procura-se Acessibilidade traz à tona um problema grave e esquecido pela grande maioria da população acadêmica, incluindo os que têm o poder para mudar esse quadro. A reportagem evidencia uma boa apuração da repórter, que ouviu todos os lados envolvidos. Só não há como, conhecendo a situação da UnB, não se perguntar: por que os elevadores do ICC próprios para deficientes e que estão desativados não são mencionados?

Cinema Jovem conta objetiva e sucintamente a notícia de um filme que será gravado na UnB neste ano. As informações de bastidores e o resgate histórico ficaram interessantes. No entanto, poderia ter mais espaço para o diretor do longa, já que ele foi entrevistado. Retorno Antecipado conta um drama vivido por universitários intercambistas de forma clara e explicativa. Entende-se a situação deles e a posição do órgão responsável. Porém, falta mais diversidade nos casos. Todos os personagens cursam medicina. Esse é um problema exclusivo do curso? Para facilitar o entendimento, os nomes dos cursos no exterior poderiam ter sido traduzidos. A história de “Ivanildo do skate” fecha a edição com um ótimo astral. Perfil muito bem escrito sobre um personagem icônico e que mereceu o espaço no jornal. As fotos enriqueceram a matéria, mas geram curiosidade sobre o colete luminoso. Qual seria sua história? Poderia estar numa legenda.

Edilson Soares Estudante de Engenharia Mecatrônica

Em novembro de 1984, a edição nº 68 do Campus abordou o aumento no número de frequentadores do Parque da Cidade. Piscina de ondas, pesca, churrascos e práticas desportivas movimentavam o parque. O pedalinho era utilizado pelos casais que preferiam ficar longe da multidão. Nesta edição, o Campus destaca o uso do local para encontros sexuais descompromissados no período noturno, principalmente entre homens.

“Eu acharia meio estranho, para falar a verdade, mas é uma questão de escolha dessas pessoas. Não funcionaria em outros lugares pela cultura brasileira que é um pouco machista.”

Mariana Cardoso Estudante de Economia

“Dizem que pervertidos podem se aproveitar dessa situação, mas eu acho que isso é mínimo comparado ao conforto que as pessoas vão ter ao usar o banheiro do gênero que elas se identificam.”

EXPEDIENTE Editor-chefe: Fellipe Rocha Secretária de redação: Laís Bêrber Editores: Giselle Cintra, José Arthur Lautert, Luiza Antonelli, Maria Paula Abreu e Rafael Montenegro Repórteres: Amanda Venicio, Andressa Rios, Anna Luiza Felix, Bachir Gemayel, Bárbara Cruz, Bianca Marinho, Hanna Guimarães, Igor

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Nogueira, Mariana Lozzi, Marja Gomes, Matheus Bastos, Sara Resende, Thaissa Leone e Wenderson Oliveira Diretores de arte: Gabriel Aragão e Wenderson Oliveira Fotógrafos: Lydia Assad e Vitor Pantoja Amanda Venício, Anna Luiza Felix, Bárbara Cruz, Bianca Marinho, Luiza Antonelli,

Maria Paula Abreu, Matheus Bastos e Wenderson Oliveira Monitoras: Bruna Lima e Juliana Perissê Professores: Ana Carolina Kalume e Solano Nascimento Jornalista: José Luiz Silva

Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da

Universidade de Brasília

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POLÍTICA

PERFIL CONSERVADOR SARA RESENDE

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s deputados distritais aprovaram por 12 votos a cinco a moção 28/2015, em sessão acalorada da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). O texto repudia duas resoluções da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que autorizam o uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero, além do cadastro em formulários com o “nome social” de pessoas que mudaram de sexo. Contrária à decisão do governo, a parlamentar e autora da moção, Sandra Faraj (SD), declarou: “uma mulher tem o direito de não dividir o banheiro com uma pessoa que seja dotada de genitália masculina. Do contrário estaríamos obrigando uma mulher a se desnudar na frente de um homem.” Na sessão, realizada em 14 de abril, as galerias foram tomadas

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pela comunidade evangélica em oposição ao movimento LGBT. O resultado da votação revela o perfil conservador da atual composição da CLDF. Segundo levantamento do jornal Campus, 83% dos 24 deputados distritais são conservadores. O estudo analisou os projetos de lei, projetos de lei complementar, indicações e moções apresentados neste ano. O reforço dos chamados valores da família , a isenção de impostos para templos religiosos, o aumento da repressão policial e a indiferença às causas das minorias podem ser enquadradas na categoria do conservadorismo. JUVENTUDE TRADICIONAL

Rodrigo Delmasso (PTN) foi um dos que votaram a favor da moção 28. “A identidade de gênero não pode sobrepor-se à identida-

de biológica dos seres humanos”, afirma. Rodrigo compõe a bancada evangélica. O deputado pretende incluir no acervo de bibliotecas públicas do DF exemplares da bíblia em texto, áudio e braile. “A Bíblia Sagrada, livro dos livros, é a diretriz máxima da conduta moral e espiritual”, justifica o parlamentar no Projeto de Lei (PL) 373/2015. Rodrigo e Júlio César (PRB) atuam juntos na bancada evangélica. Ambos defendem pautas referentes à segurança pública. Júlio propõe a inclusão do Dia do Obreiro Universal no Calendário de Eventos do DF. “O obreiro tem como alvo servir o reino de Deus, é merecedor de data comemorativa”, afirma. O parlamentar pede ainda, junto à Secretaria de Segurança Pública e Paz Social do DF, o “policiamento ostensivo” de um condomínio localizado em Santa Maria. O deputado distrital mais jovem desta legislatura também pode ser considerado conservador. Rafael Prudente (PMDB) deseja instituir o Programa Distrital de Prevenção ao Aborto e ao Abandono de Incapaz. O PL 217/2015 cria uma política de amparo a mulheres que foram violentadas ou tiveram uma gravidez indesejada, para que estas não optem pelo aborto. “Vamos oferecer toda a assistência social, psicológica, pré-natal e laboratorial, de forma gratuita. O projeto também garante à mãe o direito de registar o filho ainda na maternidade e automaticamente faz sua inclusão em programas de assistência e geração de renda”, explica o parlamentar de 30 anos. Rafael rebate a classificação de conservador, alegando que defende a reforma política, a terceirização e as parcerias público privadas. Apesar disso, o distrital encaminhou ao GDF oito indicações que intensificam o policiamento em quatro regiões do Distrito Federal.

Incluindo as propostas do deputado mais jovem da CLDF, foram publicadas 51 indicações para reforçar a segurança tanto em Brasília quanto nas cidades do entorno. UMA ELEIÇÃO SEM MUDANÇAS

Praticamente 50% dos deputados distritais sugerem a implantação de delegacias de Polícia ou o aumento do número de rondas nas quadras brasilienses. A bancada evangélica, por outro lado, corresponde a um quarto da Câmara. Os religiosos querem isentar os templos do pagamento de ICMS e reservar, no mínimo, 15% do Fundo de Apoio à Cultura para manifestações cristãs. O Bispo Renato Andrade (PR), por exemplo, pretende absolver os débitos administrativos de entidades religiosas por meio do PL 461/2015. A proposta prevê a anistia das dívidas até dezembro deste ano. De acordo com o parlamentar, essas instituições possuem “caráter filantrópico, sem fins lucrativos” e exercem vários tipos de ações sociais. A bancada evangélica é a maior da CLDF, composta por cinco distritais. Metade das cadeiras da Câmara foi renovada nas eleições gerais de 2014. Destes 12 novos parlamentares, 11 são conservadores. Mais de 90% dos novos deputados reproduzem pensamentos tradicionais. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o eleitorado formou o Congresso mais conservador desde 1964, devido à descrença nas instituições e no sistema eleitoral, consequências dos recentes casos de corrupção. De acordo com o Diap, os partidos políticos, incluindo os de esquerda, “não deram o devido espaço aos candidatos oriundos dos movimentos sociais, priorizando nomes com acesso a financiadores privados ou integrantes da máquina pública”.

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SOCIAL

REDE DO BEM THAISSA LEONE

“Eu tive a ideia quando eu ajudei minha sogra”, conta o vice-presidente da organização não governamental Amor em Ação, Walter Barbosa dos Santos, 48 anos, sobre a corrente do bem criada no aplicativo WhatsApp no início do mês de maio deste ano. A proposta da iniciativa é desafiar uma pessoa a fazer uma boa ação em 24 horas. Se a ação for realizada, a pessoa deve escolher entre postar uma foto, um vídeo ou escrever o que foi feito para desafiar o próximo a participar. “Uma boa ação pode até ser ajudar uma velhinha a atravessar a rua”, explica Barbosa. Atualmente, o grupo conta com 52 participantes. Segundo a presidente da organização, Oneide Sousa Ribeiro dos Santos, 46 anos, a intenção

LYDIA ASSAD

ONG Amor em Ação possui mais de 50 participantes em grupo no aplicativo

é sempre inovar. “Queremos manter o grupo sempre unido. Uma boa ação social pode ser feita até em casa, com a família e amigos que precisam de ajuda”, comenta. A campanha que teve início com um aplicativo de celular, agora deve ir para o Facebook. A ONG localizada no Paranoá já possui uma página na rede

social com aproximadamente três mil pessoas. Neste mês de junho, os participantes já podem compartilhar suas atuações para serem publicadas na página do Amor em Ação. Desta vez, três pessoas vão ser desafiadas a praticarem um ato a favor do próximo em 24 horas. A ONG Amor em ação beneficia famílias de comunidades carentes do Distrito Federal e entorno. Serviços básicos são oferecidos às famílias, como atendimento médico e até reformas de casas. Além disso, são realizadas atividades culturais e esportivas em asilos e orfanatos. O grupo Amor em Ação também faz campanhas de doação de sangue, pelo menos duas vezes ao ano, com atendimento às famílias de lugares como, Itapoã, Novo Gama, São

Sebastião, Planaltina inclusive e cidade Maré, localizada na Paraíba. Elvira Salviano, 54 anos, teve sua casa reformada pela ONG. “ A reforma foi muito importante para mim e meu filho. Eu continuo participando do projeto e respeito muito”, disse ela. Para Oneide, a reforma foi uma das melhores ações realizada pela ONG. “A casa precisava ser reformada para o bem estar da família. Nós conseguimos juntar materiais e gente para trabalhar”, conta. Ainda neste ano, uma nova campanha deve ser lançada no WhatsApp e no Facebook. “A ideia é incentivar as pessoas a se importarem com o próximo, mas ainda não temos data prevista para o lançamento dessa nova campanha”, disse Oneide.

INCLUSÃO NA PÓS BÁRBARA CRUZ

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostram que o número de estudantes negros em programas de pós-graduação mais que dobrou nos últimos anos, passando de 48,5 mil em 2001 para 112 mil em 2013. Apesar do aumento, o grupo composto por pessoas pretas e pardas representam apenas 28,9% do total de alunos de mestrado e doutorado, enquanto são maioria (52,9%) na população brasileira. Sem alarde, o governo deve propor ainda em 2015 conjunto de ações afirmativas com o objetivo de que o Brasil tenha, nos níveis elevados de educação, uma distribuição semelhante ao dos contingentes raciais da população. “É preciso assegurar os direitos desse grupo com políticas de in-

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centivo ao acesso e à permanência em programas de pós-graduação”, afirma Ronaldo Barros, secretário de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir). Segundo o secretário, a proposta visa também o incremento quantitativo e qualitativo da produção intelectual sobre relações raciais no Brasil. “Essa produção científica representa apenas de 1 a 5% do total. Não é suficiente”, declara Barros. A proposta segue para o Ministério da Educação (MEC) no segundo semestre de 2015, onde será estudada e colocada em prática. “A ideia é que seja construído um consenso. Mas, se for preciso um sistema de pactuação, como o feito com a Lei de Cotas na graduação, o Congres-

so Nacional será acionado e iniciativas legislativas podem ser consideradas”, garante Barros. A Lei 12.711 de 2012 estabelece sistema de cotas em cursos de graduação de instituições federais de ensino superior. Diretor de PósGraduação da Universidade de Brasília, Bergman Morais Ribeiro acredita que não deve haver imposição de reserva de vagas na pós-graduação. “Há linhas de pesquisa na Universidade que possuem mais vagas do que concorrentes interessados. Não faz sentido que esses programas tenham cotas”, explica Ribeiro. A Seppir está reunindo experiências já existentes no Brasil para compor a proposta a ser enviada ao MEC. Uma delas, a do Departamento de Sociologia (SOL) da Universidade de Brasília.

Para o professor Fabrício Monteiro Neves, coordenador de pós-graduação do SOL, a reserva de vagas apenas na graduação não é suficiente. “A gente notou que, mesmo com cotas na graduação, esses alunos continuavam tendo dificuldades para entrar na pós-graduação, não por motivos acadêmicos, mas por outras questões que tornam a competição injusta para esse grupo”, relata o professor. “O carro está andando e precisamos trocar as quatro rodas. Para fazer com que haja um número de negros na pós-graduação proporcional à população é preciso igualar as condições econômicas. Enquanto isso ainda não for feito, esse tipo de proposta vem para compensar a dívida histórica que nós temos com esses grupos da sociedade”, afirma Neves.

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EDUCAÇÃO

TURMAS DE EXCELÊNCIA D

IGOR NOGUEIRA

e acordo com dados do Censo Escolar de 2014, há no Brasil 13.089 estudantes matriculados em turmas especializadas em altas habilidades. Trata-se daqueles considerados precoces, prodígios, superdotados e gênios. Eles estão distribuídos em quatro tipos de redes de ensino: a federal, as estaduais, as municipais e as privadas. Do total de matrículas levantadas pela pesquisa, 1.290 estão registradas na Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE-DF). Esse número representa quase 10% dos estudantes identificados e matriculados em todo Brasil. A SEE-DF, em parceria com o Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, recebe estudantes da UnB para observar e colher dados nas salas de alunos com altas habilidades. Em contrapartida, ao espaço oferecido pela SEE-DF, o instituto ministra cursos, oficinas e palestras para professores e gestores da área. No total, 23 escolas do Distrito Federal participam do programa com 42 turmas. As instituições de ensino estão espalhadas em 13 cidades-satélites e no Plano Piloto. Neste ano, o ensino especializado para estudantes que possuem altas habilidades será implementado também em Santa Maria, Recanto das Emas e no Paranoá. O atendimento especial oferecido pela rede pública de ensino do DF surgiu em 1976 e é um dos mais antigos do Brasil. Cada escola que oferece o ensino especializado pode ter uma ou mais turmas de altas habilidades. No Centro de Ensino Fundamental 4 de Planaltina (CEF 04), são quatro turmas: Exatas, Artes Visuais, Atividades e Artes Cênicas. A turma mais tradicional é a de teatro, a primeira a ser implementada e até hoje a mais procurada. Com apenas três meses de existência, o grupo de Robótica faz parte do ensino de exatas e já conta com 20 estudantes. O professor Robertson Oliveira diz que as demais crianças passam pela porta da sala em que

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VITOR PANTOJA

Jonatas Campos, de 14 anos, desenha desde os seis e acredita que o ensino especializado o ajudou no desempenho de todas as matérias.

os encontros acontecem com olhares curiosos. “Às vezes elas entram, olham e experimentam o que nós produzimos aqui. As crianças se interessam muito pela tecnologia.” Já na turma de Artes Visuais os estudantes são orientados pela professora Fabiana Sabino. “Aqui nós apenas auxiliamos os alunos. Eles liberam a imaginação e se desenvolvem praticamente sozinhos.” Jonatas Campos tem 14 anos e começou a desenhar aos seis.

Diz que conseguiu desenvolver suas técnicas, mas que o principal resultado foi em seu comportamento. “Eu desenho para me sentir melhor. Quando eu comecei a estudar aqui, três anos atrás, minhas notas melhoraram em todas as matérias.” A turma de Artes Cênicas do CEF 04 compõe a Companhia de Teatro Língua de Trapo. Os estudantes já se apresentaram em diversos festivais dentro e fora do DF. Em Planaltina são

DIFERENTES ALTAS HABILIDADES PRECOCE

Apresenta alguma habilidade específica prematuramente desenvolvida em qualquer área do conhecimento. A precocidade pode vir a se normalizar com o passar dos anos. PRODÍGIO

Criança que, além de precoce, ostenta um desempenho de adulto profissional em algum campo cognitivo específico. Um exemplo muito citado é Mozart, que aos sete anos já compunha e se apresentava nos salões da Europa. SUPERDOTADO

Exibe notável desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer um dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual superior, aptidão acadêmica específica, pensamento criador, liderança, talento especial para artes visuais, dramáticas e musicais. GÊNIO

Apresenta ideias ou produtos criativos que resultam numa forte marca em determinada área de atividade intelectual ou estética. O gênio atinge a eminência ao deixar um conjunto de contribuições originais.

bastante conhecidos por adaptações de textos famosos como O Auto da Compadecida, escrito por Ariano Suassuna, e O Bem-amado, de Dias Gomes. Maria Luiza tem 16 anos e está há cinco no grupo de teatro. “Na escola eu me prejudicava porque tinha vergonha de apresentar até os trabalhos, mas depois que comecei no teatro, isso acabou.” Atualmente existe uma fila de espera com 136 alunos que aguardam o surgimento de novas vagas para essa turma. O ensino de Altas Habilidades oferecido pela SEE-DF foi regulamentado em abril deste ano pelo Decreto nº 36.461, que garante o atendimento educacional especializado e prevê a ampliação do número de vagas oferecidas. Para a Associação de Pais, Professores e Amigos dos Alunos com Altas Habilidades/Superdotação do DF, a iniciativa demonstra às demais unidades da federação que é possível mudar o quadro de descaso para com a educação desses alunos. “Com as garantias estabelecidas, temos a certeza de que o atendimento será realizado de acordo com as necessidades de nossos filhos e com o apoio de profissionais qualificados”, ressalta Valquíria Theodoro, presidente da associação. Mesmo com a regulamentação, professores reclamam que os recursos oferecidos não são suficientes e que às vezes precisam recorrer à ajuda de fora. Viviane de Moraes é chefe do Núcleo para Altas Habilidades/Superdotação da Secretaria de Educação do DF. Diz que “existem salas com ótimos espaços físicos, materiais e boa infraestrutura”, mas informa que algumas turmas ainda estão sendo instaladas. A Associação de Pais, Professores e Amigos dos Alunos com Altas Habilidades/Superdotação do DF oferece ajuda para verificar se crianças possuem algum tipo de alta habilidade. Interessados podem entrar em contato com pelo blog apahsdf.blogspot. com.br, pela página no Facebook facebook.com/APAHS-DF ou pelo e-mail apahsdf@gmail.com.

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COMUNIDADE

DINHEIRO DA BIANCA MARINHO

Q

uanto custa uma boneca? Se você comprar da Francisca dos Santos, moradora de Itapoã, custa dez atitudes. Um modelo de banco gerido pela comunidade está em funcionamento desde o final de 2014, e a moeda própria, chamada de atitude e que só circula nessa região, já é aceita em estabelecimentos como casa de construção, salão de beleza e restaurante. Francisca tem uma jornada dupla: é diarista e empreendedora. A artesã usa o dinheiro do empréstimo feito no Banco Comunitário de Itapoã para a compra de insumos na confecção de suas bonecas. “Ter um banco comunitário é valioso, até porque os juros são pequenos. Os bancos comunitários são para pessoas mais humildes. Espero que cresçam ainda mais e que outras pessoas possam ser beneficiadas como eu”, afirma Francisca. Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento são projetos de apoio a economias populares de municípios carentes. Os membros da comunidade são os responsáveis pela gestão desses bancos e a iniciativa integra o campo de finanças da economia solidária. Hoje, há 104 bancos comunitários em todo Brasil. A professora da UnB e pesquisadora de economia solidária Sônia Marise explica que a economia solidária tem as pessoas como elemento principal. “É uma proposta na qual os vínculos sociais e a confiança são os elementos principais.” A economia solidária visa o apoio e o crédito a projetos de indivíduos, empreendimentos e comunidades que geralmente enfrentam dificuldades para acessar o sistema financeiro tradicional. No Distrito Federal, as regiões de Itapoã e da Estrutural possuem bancos comunitários, e a previsão é que, até o fim de 2015, Planaltina e Ceilândia também tenham essa formato de banco em funcionamento. Com o objetivo de desenvolver a economia local pelos membros da própria comunidade, os bancos comunitários possuem um tipo de moeda chamada de moeda social. Essas moedas têm nomes associados a

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alguma característica da região onde se inserem e são complementares ao real. Por isso, quando todos os moradores de um determinado território estiverem aptos a consumir no local onde vivem, ela terá cumprido o seu papel e não será mais necessária. Os bancos comunitários também possuem um lastro, ou seja, se as pessoas quiserem ir ao banco e trocar todas as moedas sociais por real o banco terá recursos para essa troca. O banco da Estrutural é o mais antigo do DF, foi inaugurado em 2012, e o conselho gestor do banco é formado por sete pessoas da comunidade. O nome da moeda foi escolhido em uma consulta popular com a participação de 800 moradores. A palavra “conquista” foi a mais votada pois a população considera que água, luz, saúde e educação foram conquistadas com muita luta. Apesar de o sistema estar em funcionamento há três anos, Deuzani Noleto, membro da entidade gestora do banco, conta que a principal dificuldade é fazer a população acreditar na moeda social e fazer a conquista ser recebida pelos comerciantes e moradores. O banco do Itapoã é mais recente, só foi inaugurado no final de 2014, mas desde 2012 a comunidade se mobiliza arrecadando fundos para o banco com vendas e leilões. Até uma leitoa estava em oferta. Os moradores da parte mais carente da Região Administrativa de Itapoã que desejam pedir um empréstimo são submetidos à análise de crédito com visita à residência e acompanhamento. O crédito produtivo, para microempreendedores, é de R$200 e o crédito para consumo é de 50 atitudes. “Nós temos que ser criativos com base na nossa realidade para fazer o projeto avançar e dar certo. Ter a sensibilidade de perceber as demandas da comunidade e fazer acontecer”, conta Socorro Costa, moradora do Itapoã e agente contratada pelo Ministério do Trabalho e Emprego para trabalhar na gestão do banco. Mesmo com o pouco tempo e com o desafio de fazer a comunidade

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compreender o processo, o banco chegou a deixar 1069 atitudes circulando na rua. O banco também promove cultura para crianças e adolescentes com iniciativas como o “cineminha”. A loja de materiais de construção de Jenivaldo Amorim aceita a moeda atitude. Ele considera o banco comunitário uma forma de incentivo aos negócios porque muitos moradores de Itapoã não procuram saber dos preços no comércio perto de casa e fazem compras no Paranoá, às vezes pagando até mais caro. “Aqui muita gente ainda não conhece a atitude, por isso eu sempre faço questão de explicar e passo como troco. Muitos comerciantes não pegam a moeda porque têm medo de ficar com ela parada. Mas a aceitação das pessoas é muito boa depois que elas conhecem e isso é um estímulo, é ótimo para os comerciantes daqui com visão”, conta. A Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, é responsável por viabilizar atividades de apoio à Economia Solidária no território nacional e auxiliar na promoção do desenvolvimento solidário. O analista de políticas sociais da Senaes Dimitri Martins explica que o apoio

aos bancos comunitários ocorre por meio de parcerias feitas com Organizações Não-Governamentais do Brasil todo que fazem projetos de capacitação, formação, apoio e assessoria. Para ele, a importância dos bancos vai além da inclusão de pessoas excluídas do sistema financeiro tradicional. “O banco comunitário se coloca como uma fonte de educação. Educação na vivência da solidariedade e de pertencimento na sociedade. As pessoas não ficam só esperando que o poder público vá fazer alguma coisa, elas se empoderam e passam a reivindicar aquilo que julgam como suas necessidades.” O Ateliê de Ideias é uma organização que atua para o desenvolvimento local em áreas urbanas com vulnerabilidade social. Tem como missão se tornar um centro de articulação e suporte às lideranças e aos empreendedores das comunidades, onde encontram apoio, conhecimento e ferramentas para pensar e analisar as realidades locais, mobilizar parceiros e tornar ideias em projetos concretos. De acordo com a presidente, Leonora Mol, a expansão da rede pelo Brasil demonstra que a tecnologia de Bancos Comunitários de Desenvolvimento pode ser replicada nas comunidades que desejam construir um projeto

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O DA PERIFERIA de desenvolvimento local e indica o potencial de governança e de capacidade das comunidades de buscarem soluções para os seus problemas. Hoje, a entidade acompanha 33 bancos e integra a coordenação da Rede Brasileira de Bancos Comunitários. Os bancos de Planaltina e Itapoã ainda estão em processo de formação. A ideia inicial do banco de Planaltina era atuar apenas na região de Arapoangas. Depois de um novo planejamento realizado em 2014, optou-se por abrir para Planaltina e o banco deve começar a funcionar no segundo semestre de 2015. A ONG Ação e Esperança e a Universidade de Brasília estão atuando em parceria na formação do banco. Luíz Roberto Vale, conhecido na região como Beto Vale, é voluntário da ONG Ação e Esperança e mora no Vale do Amanhecer. Ele conta que as pessoas de Planaltina estão acostumadas a comprar fora e que o desafio será conscientizar a população a adotar uma moeda alternativa e manter os recursos na própria comunidade. Essa conscientização também foi o que impulsionou a criação de um banco comunitário em Ceilândia. O projeto une economia criativa com economia solidária e tem como proposta fazer uma discussão dos territórios criativos de cultura em Ceilândia e fazer com que essa cultura gere renda. A socióloga e coordenadora do núcleo de pesquisa em Economia Solidária e

Ambiental da UnB, Tânia Cruz, conta que, no momento, está em realização um trabalho de campo para mapear os possíveis tomadores de crédito do banco e pessoas que demandam investimento cultural. Para Tânia, o banco da Ceilândia é diferenciado dos outros porque visa “dar autonomia e credibilidade para a comunidade viver da cultura”. A previsão é que seja inaugurado em dezembro. O morador da Ceilândia e membro do conselho gestor do banco comunitário Sérgio de Cássio afirma que, em 2008, os movimentos culturais da região começaram a se mobilizar para promover o desenvolvimento local. Ele percebe que muitos moradores têm o sonho de passar em um concurso público para sair da Ceilândia e acredita que, com o investimento no desenvolvimento local, a comunidade pode chegar a um ponto no qual vá se encontrar na Ceilândia tudo que se necessita. “A nossa região tem uma produção artística muito boa, falta fazer com que se desenvolva economicamente”, diz. O Banco Comunitário de Cultura da Ceilândia já tem local definido e recebeu uma parte da verba concedida pelo Ministério da Cultura. O trabalho será aliado a uma agência de desenvolvimento de atividades artísticas. O morador da Ceilândia sonha com um futuro no qual as pessoas troquem o abandono e a indiferença pelo desenvolvimento conjunto.

NOBEL PARA BANCO COMUNITÁRIO Em 1978, Muhammad Yunus fundou um dos primeiros bancos de microcrédito do mundo, o Banco Grameen, palavra que na Índia representa “aldeia”. O “banqueiro dos pobres”, como ficou conhecido, começou concedendo pequenos empréstimos com seus próprios recursos para famílias muito pobres de produtores rurais, focando principalmente nas mulheres. Os bons resultados levaram-no a criar uma instituição para atender às necessidades financeiras dos pobres e criar condições razoáveis de acesso a crédito. O conceito de microcrédito criado por Yunus é baseado exclusivamente na confiança. O Banco Grameen ganhou o Nobel da Paz em 2006, juntamente com seu fundador.

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MULHER INSPIRADORA ANDRESSA RIOS

Vinda de uma família pobre, pai vendedor ambulante e mãe semianalfabeta, a professora Gina Vieira Ponte de Albuquerque descobriu quando criança, um amor pela educação que a acompanha por 35 anos. A professora passou por várias escolas públicas de Ceilândia durante a sua infância. Aos oito anos, conheceu Creusa Pereira dos Santos, a mulher que mudaria sua vida a partir dali. Gina, por ser negra e pobre era reprimida em suas turmas pelos seus colegas, tornando-se uma criança silenciosa. “A percepção que eu tinha era de que todas as crianças da minha sala já sabiam ler e eu não, aquilo me fazia ter medo de ser ridicularizada”, afirma. Quando conheceu a professora Creusa as coisas mudaram. “Ela percebeu as minhas limitações e me acolheu de forma muito amorosa”, conta Gina. Creusa recorda muito bem da estudante e diz que sempre tratou os alunos de forma igual e que só apresentava projetos escolares se toda a turma pudesse participar. “Uma vez, Gina chegou com tranças no cabelo, e vendo que ela era muito tímida, coloquei-a no colo para ensiná-la a ler. No outro dia, várias meninas chegaram de trança nos cabelos”. A menina tímida se tornou uma professora influente nas escolas públicas do Distrito Federal. Gina desenvolveu vários projetos pedagógicos. O que se destacou foi o Mulheres Inspiradoras. Esse projeto foi desenvolvido no Centro de Ensino Fundamental 12 (CEF 12) de Ceilândia, com turmas de nono ano durante o período letivo de 2014. Vitória Régia, supervisora pedagógica do projeto conta que a ideia surgiu a

partir do momento em que ela e Gina observaram meninas de 11 a 16 anos publicando fotos quase nuas nas redes sociais. As garotas se vestiam como as mulheres que viam na televisão. Com esse levantamento, Vitória e Gina resolveram chamar figuras femininas consideradas importantes para dar palestras sobre o tema de cyberbullyng e igualdade de gênero. Depois, mais de cem mulheres da Ceilândia foram entrevistadas, o que gerou a proposta do livro Mulheres Inspiradoras. Com esse projeto o grupo ganhou o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos, conquistado em novembro de 2014. Entretanto, em janeiro deste ano, o CEF 12 de Ceilândia foi assaltado por ladrões que levaram computadores e quebraram vidros, deixando a escola com um grande prejuízo. O valor de R$ 15 mil, que deveria ser gasto na publicação do livro e foi conquistado pelos alunos ganhadores do primeiro lugar na premiação, acabou sendo usado para reparar os danos causados à escola. Gina pede ajuda a todos para conseguir patrocínio destinado à publicação do “Mulheres Inspiradoras”. Atualmente, a professora trabalha no CEF 12 e no CEF 02 de Ceilândia e continua desenvolvendo projetos que propõem a valorização da mulher. ISABELLE ARAÚJO/MEC

“Quando entro em sala, minha história, meus percursos e minhas crenças entram comigo”.

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SAÚDE

ENFERMARIA SANTA Bachir Gemayel

A missa matinal entoada pelas vozes católicas não é o único motivo que conduz cerca de mil moradores da Estrutural até a paróquia Jesus Bom Pastor. Construída sob lona e paredes de madeirite a igreja matriz, localizada próxima à via central da cidade satélite, coloca à disposição, de cerca de 300 pessoas por semana, demandas que a gestão do Estado não supre na comunidade: uma equipe voluntária de sete psicólogos, três advogados e uma médica que atende crianças da localidade em uma enfermaria improvisada no terreno paroquial. Idealizada há dois anos pelo padre Geraldo Gama, a paróquia conta com maca, biombo e aparelhos de uso pessoal de Regiane Minardi, pediatra do Exército Brasileiro. Nela, são atendidas desde o começo do ano cerca de 15 crianças aos sábados no período matutino. Durante uma missa na Paróquia Santo Expedito, localizada na 304 Norte, ela se sensibilizou com o discurso do padre Geraldo e participou de doações promovidas pelos católicos vicentinos na Estrutural, sendo realizado o contato com a paróquia Bom Pastor. Incentivada pela religião, ela decidiu reduzir a carência que o público infantil passa cotidianamente: “Sei que a saúde pasLYDIA ASSAD

Padre Geraldo conduz trabalhos na capela Santa Clara, localizada na Estrutural.

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sa por momentos difíceis, mas com o trabalho sério de todos o quadro pode melhorar”, afirma. Geronice de Souza Rodrigues, 45 anos, já conhece bem o caminho entre sua residência no setor de chácaras Santa Luzia, localizado na Estrutural e a enfermaria improvisada. Mãe de sete filhos, passa diariamente pelo receio de que eles sejam mordidos por ratos devido à falta de piso no chão do barraco onde a família mora. Há oito meses, ela acompanha as filhas Hanna, 6 anos e Maria Alice, 2 anos, em consultas ocasionais na paróquia. Ela procurou auxílio alternativo após a traumática experiência de levar a filha Maria Alice, que sofria uma crise asmática, ao atendimento no Posto de Saúde n° 4 da Estrutural. Após ingressar na fila de espera, Geronice descobriu que a filha esperaria uma semana pelo atendimento. “É impossível marcar uma consulta no posto, só tem um médico atendendo as crianças”, ressalta. Devido à gravidade da situação, elas se dirigiram ao Hospital Regional do Guará (HRGU). Segundo o chefe de enfermagem do Centro de Saúde n°4, Antônio Salgado, o estabelecimento contava com quatro pediatras em 2013. Em abril, restava apenas uma pediatra atuante na região. “O retrato da saúde pública, especialmente a questão da pediatria, é caótica e passa por muita dificuldade”, afirma Salgado. Laime Santos também reside no setor Santa Luzia. Segundo relata, no mês de abril procurou auxílio de pediatria no posto de saúde. No entanto, a pediatra disponível estava de estado médico, não havendo profissional para substitui-la na função. Assim como ela, a mãe Maria de Nazaré teve que se locomover ao Guará para que as crianças da família fossem atendidas. Na última tentativa, não havia o remédio paracetamol disponível na rede pública. Segundo informações obtidas por meio da Assessoria de Comunicação da Secretaria de Saúde do Distrito Fede-

ral, as consultas em Centros de Saúde são voltadas para casos menos graves. Aqueles que necessitam de atendimento hospitalar deverão ser encaminhados para o HRGU, cujo deslocamento dos pacientes é corriqueiro. Não há previsão de contratações de profissionais devido à Lei de Responsabilidade Fiscal que impede o Governo do Distrito Federal de realizálas. Os últimos 205 novos profissionais de saúde tomaram posse no dia 22 de maio. Entre eles, 31 pediatras. Todos serão distribuídos nos hospitais da rede pública de saúde. MUTIRÃO VOLUNTÁRIO Em conjunto com o atendimento médico, uma equipe de três advogados oferece, na paróquia Bom Pastor, consultoria jurídica para a população. Há dois meses, o advogado José Abdel auxilia 80 moradores em questões relativas à aposentadoria. Segundo o advogado, a defensoria pública não investe em publicidade para informar os cidadãos de baixa renda dos seus direitos: “O Estado é ineficiente no amparo ao cidadão, que muitas vezes gasta grande quantia em passagens de ônibus até os órgãos federais”, afirma. Outra equipe, formada por sete psicólogos, presta acompanhamento individual e familiar. Segundo a psicóloga clínica Josiele Lima, certos pacientes aguardavam o serviço do centro de saúde, porém a psicóloga em atividade veio até a paroquia saber se podia transferí-los para acompanhamento com Josiele. A psicóloga Daniele Ferreira atende semanalmente 56 moradores. “Chegam muitas pessoas com depressão. O sofrimento é uma constante. Muitos problemas são gerados pelo contexto social a que estas pessoas estão submetidas”, ressalta. O maranhense José Oliveira leva a família desde o ano passado para terapias em grupo, realizadas durante os atendimentos aos sábados. “Os conselhos dos psicólogos ajudam a família a viver melhor e os filhos na

escola”, afirma. Atualmente, a paróquia está em obras. Será construída uma estrutura que permita o atendimento odontológico para a população. O padre Geraldo já obteve confirmação do voluntariado de dentistas. Além deles, médicos de outras especialidades também ofereceram-se ao projeto. Outro projeto importante, em vias de desenvolvimento, é a elaboração de cursos de especialização em gastronomia. Os cursos serão ministrados na própria cozinha da paróquia. Para a concretização, Geraldo firmará acordo com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e profissionais disponíveis a ensinar competências culinárias aos moradores.

DA FÍSICA A BATINA Antes de articular 17 conferências vicentinas que assistem 180 famílias em regiões pobres do DF, o padre Geraldo Gama, 40 anos, percorria as salas da Universidade de Brasília como professor voluntário de física. “A física me atrai, mas não saciava o que há de mais profundo no coração. Eu tinha sede de outras realidades que encontrei em Deus”, relembra. Após dois anos na prática de ensino, o padre iniciou os estudos nas áreas de filosofia e teologia e ingressou para os vicentinos. Geraldo também conduz trabalhos na capela Santa Clara, no Setor de Chácaras Santa Luzia, onde cerca de 150 filhos de trabalhadores do lixão da Estrutural recebem auxílio social e espiritual: “Aqui perpassa uma situação de total ausência do Estado, o que fazemos é tentar resgatar a juventude do aliciamento das drogas e da miséria que se encontram”, idealiza o padre.

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CIDADE

ROTINA DE ENTULHO ANNA LUIZA FELIX

Sofás, colchões e armários desmontados podem ser encontrados facilmente nas ruas do Cruzeiro Novo. São pequenos pontos de entulho, que incomodam pouco quem passa por perto apenas uma vez. No entanto, a cada quadra, a cena se repete: um móvel velho e quebrado com algumas sacolas de lixo em volta. “Um sofá que é descartado em um dia atrai diversas outras coisas nos dias seguintes”, conta Cristina Umetsu, chefe da ouvidoria da Administração Regional do Cruzeiro. Os moradores fazem suas reclamações para amigos e nas redes sociais, mas a tradição se perpetua sem que os culpados sejam identificados. “Tem um sofá na minha quadra que está lá há dois meses”, revela Henrique Cavalheiro, 23 anos, morador da quadra

ANNA LUIZA FELIX

Um dos pontos de descarte pode ser encontrado em frente à quadra 903 do Cruzeiro Novo .

105. “Nesta semana, também apareceu uma máquina de lavar por lá, mas alguém levou rápido.” Leslie de Souza, chefe da assessoria de Comunicação da administração, garante que um mapeamento da cida-

de é feito diariamente para conferir a limpeza, a situação do asfalto e a necessidade de podas de árvores. “Diversas vezes, nós retiramos o entulho e, no dia seguinte, apareceram novas coisas no mesmo lugar”, explica Cristina. As primeiras casas da região administrativa começaram a ser erguidas em 1958, na região conhecida hoje como Cruzeiro Velho. O Cruzeiro Novo surgiu apenas na década de 1970, com o início da construção de prédios. O lixo de cada prédio é responsabilidade do respectivo zelador. “Acredito que as pessoas não colocam as coisas nos contêineres dos prédios porque eles servem para lixo ensacado. O entulho que colocam na rua não cabe neles”, comenta Dalva de Jesus, 75 anos, moradora da região desde 1987. “Se

os moradores cooperassem, a cidade ia ser mais limpa”, acrescenta a amiga Valdimira do Nascimento, 77. Até março deste ano, cinco caminhões realizavam o trabalho de limpeza da cidade. Segundo o gerente de administração da Cooperativa dos Caminhoneiros Autônomos de Cargas e Passageiros em Geral (Coopercam), Marcelo Almeida, o contrato venceu e ainda não foi renovado. Desde então, a administração passou a recolher o entulho com um caminhão próprio. O morador que desejar pode contatar a administração antecipadamente pelo telefone 3462-8330, para que busquem o descarte e o entulho não seja colocado na rua. A administração está planejando uma campanha de conscientização para os próximos meses.

DESPREVENIDOS

OPÇÃO À VIOLÊNCIA

HANNA GUIMARÃES

MATHEUS BASTOS

Nos últimos anos, foram vacinadas 24.531 pessoas no Distrito Federal contra o Papilomavírus Humano, HPV, segundo dados do Ministério da Saúde. Desse total, o público masculino equivale a 2,05%. Isso significa que apenas 0,21% dos homens habitantes do DF está protegida contra o vírus. A infectologista e gerente médica do Sabinvacinas, Ana Rosa dos Santos, esclarece que existem dois tipos de vacina contra o HPV: a Bivalente e a Quadrivalente. Ambas protegem contra os vírus de alto risco 16 e 18 (responsáveis por 70% dos cânceres), mas a Quadrivalente também oferece proteção contra os de baixo risco 6 e 11. “Existem mais de 100 tipos do Papilomavírus Humano e alguns dos estudos mostram que existe proteção cruzada, ou seja, as vacinas protegem contra outros tipos de HPV”, completa Rosa. Conforme o infectologista Júlio José de Carvalho, coordenador do centro do HPV em São Paulo, o vírus HPV-16 é supostamente responsável

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por 80% dos casos de câncer de reto e 60% dos casos de câncer orais. Estudo publicado pela revista científica Lancet em 2011 comprova que o vírus está presente em mais de 50% da população masculina e um terço da população feminina mundial. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o número de novos casos de câncer do cólon e reto aumentou em 38,8% no DF de 2008 a 2014. A vacina masculina contra o vírus foi aprovada pela Anvisa em 2011, mas ainda não houve incentivo público e nem campanhas para homens. O Ministério da Saúde não apresentou uma resposta formal sobre a campanha de vacinação ser destinada apenas a mulheres. Para o assessor de comunicação do órgão Nivaldo Coelho, “o foco é apenas o combate ao câncer de colo do útero. Se homem não tem útero, não tem vacina”. A rede privada do DF oferece a vacina masculina, que deve ser tomada em três doses. Cada uma custando entre R$ 360 e R$ 450.

A expansão de um projeto social tenta fazer um contraponto ao crescimento da violência em uma região do Distrito Federal que se tornou conhecida pelo misticismo. Trata-se do Projeto Integrador Meninos do Vale, que há dois anos mantém uma série de atividades no Vale do Amanhecer, já tem construído um prédio para funcionamento de uma biblioteca e um tele-centro e está reunindo doações para a criação de um salão de beleza para a realização de oficinas gratuitas de formação profissional. O Vale do Amanhecer surgiu em 1969, quando a caminhoneira Neiva Chaves Zelaya construiu o que seria o primeiro de centenas de templos existentes na comunidade. Localizado a 50 km do Plano Piloto e a seis de Planaltina, o Vale atraiu por décadas basicamente seguidores da Tia Neiva, como ficou conhecida a criadora. A realidade mudou e, no ano passado, a violência chegou a fazer com que os ritos religiosos fossem interrompidos por cau-

sa dos assaltos ocorridos nas proximidades do templo. É nesse contexto que o aposentado Pimentel Ferreira, de 72 anos, mantém seu projeto. O objetivo, diz, é fazer com que os moradores se voltem para novas possibilidades. “Principalmente os mais novos, pois há uma dificuldade de os moradores terem uma perspectiva além da realidade do Vale”. O projeto conta com nove atividades e tem dois funcionários, três estagiários e nove voluntários. É mantido, em grande parte, pelo rendimento da aposentadoria de Ferreira, e atualmente está à espera de doações para o mobiliário da biblioteca e do tele-centro. A professora Elisangela Rodrigues, de 31, está no projeto há dois anos e dá aulas de reforço escolar para entre 10 e 12 crianças a cada sábado. Ela conta que a rotatividade de voluntários é grande, apesar da satisfação de se fazer algo de bom para as pessoas. “Fica difícil conciliar o trabalho aqui com outras tarefas do dia a dia”, explica.

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COMPORTAMENTO

SEM COMPROMISSO WENDERSON OLIVEIRA

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urante o dia, o Parque Sara Kubitschek , ou apenas Parque da Cidade, é frequentado por famílias e pessoas adeptas a práticas esportivas. À noite, porém, locais próximos ao Pavilhão de Exposições transformam-se em espaços de flerte e pegação entre homens que procuram sexo sem compromisso. Os encontros acontecem principalmente nos ambientes que circundam os estacionamentos 4, 5 e 6. É das 18h à meia-noite que há mais pessoas nessas áreas. Terça, quarta e quinta são os dias de pico. Assim que anoitece, aumenta o fluxo de homens circulando nos estacionamentos. Alguns acabaram de sair do trabalho, outros param ali antes de irem para faculdade ou academia. Enquanto uns

preferem rodar nos carros, os mais ousados embrenham-se por entre as árvores. Na penumbra, eles caminham em zigue-zague, silenciosos, procuram o melhor parceiro sexual. A fim obter sucesso na busca, há aqueles que se exibem sem camisa, de calça abaixada ou completamente nus. São comuns orgias com mais de sete participantes. Sob os bambuzais, aglomeram-se para logo em seguida dispersarem-se novamente. Há também os curiosos que assistem e se masturbam enquanto presenciam as cenas. Nessas situações não parece haver muita seleção, quem chegar pode entrar no jogo. Dessa forma, aumenta o risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis. Um estudante de 26 anos ressalta a desatenção com a saúde.

“Já vi cara chegar aqui e dar pra vários sem se importar se estavam usando camisinha. Havia até fila.” O perfil de quem visita o lugar é variado. Há homens de gravata, sapatos e camisa social. A faixa etária também é diversificada, no entanto nota-se maior presença de homens com mais de 35 anos. Alguns dizem ser casados ou namorar mulheres. Por não assumirem os relacionamentos homossexuais, buscam sigilo arriscandose na chamada “floresta dos sussurros”. Um deles conta ter 34 anos, ser servidor público e fazer mestrado. “Sou na minha, ninguém sabe de mim lá fora. Quando tô a fim de curtir venho aqui, mas é difícil encontrar alguém que vale a pena”. Há quem diga que a “floresta” já foi mais movimentada. “Nos anos

80 isso aqui lotava, mas como o lugar foi ficando popular, muitos têm parado de vir”, conta um frequentador que diz ser professor de História e ter 44 anos. Ele afirma que vai ao Parque há 12 anos, mas lembra que o público está se afastando devido às rondas policiais, às restrições de horário e à visibilidade que o lugar vem tomando. Vigilantes do parque e policiais militares estão presentes nesses estacionamentos. Além das duas viaturas que fazem a segurança no local, há ainda o auxílio da cavalaria. Quando chega a meia-noite, horário de fechamento do parque, ouvem-se intensas buzinadas das viaturas. Para os homens que estão ali, é o sinal de que é chegada a hora de sair da mata, voltar ao carro e partir.

O SALTO É DELAS MARJA GOMES

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ma a uma elas desfilam até frente do salão, fazem uma pose sensual e voltam ao seu lugar. Estão vestidas com shorts curtos, cinta-liga, meia-arrastão e usam batom vermelho. Para arrematar, salto alto, item fundamental. Tudo para ressaltar a beleza. Essa é a rotina das praticantes do Stiletto Dance, modalidade de dança em que as alunas, inspiradas e embaladas ao som de artistas pop como Madonna e Britney Spears, se tornam verdadeiras divas. Com influências do jazz, a dança ganhou popularidade através das performances da americana Beyoncé e caiu no gosto feminino. Na aula, lições de passarela, “carão” e “bate-cabelo” acrescentam sensualidade aos movimentos. Para evitar lesões pelo uso do

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VITOR PANTOJA

salto, o professor Roberto Schiavinato, 28 anos, recomenda roupas confortáveis e saltos com até 10cm, além de um alongamento rigoroso, aquecimento e sessão de abdominais para fortalecer a musculatura. Assim, não há restrições para dançar o Stilleto. Os benefícios físicos são vários. De acordo com o professor, em uma hora de dança perde-se até 800 calorias, além de haver melhora postural, condicionamento físico e enrijecimento muscular. Entretanto, as praticantes estão à procura de algo a mais, querem reencontrar seu poder feminino e resgatar sua autoestima. Ila Delahis, 38 anos, procurou o Stilleto para sair do desgaste da rotina diária. “Eu era mãe, dona de casa, trabalhava e estudava, depois

A Stiletto Dance tem foco na sensualidade e combina jazz, hip-hop e salto alto.

de 11 anos eu não me via mais como mulher”, lamenta. Após dois anos praticando, ela notou melhora em sua postura e ganho de confiança em suas relações interpessoais. “Até nas reuniões de trabalho é diferente, eu não abaixo mais a cabeça, sei o meu valor”.

Georgina Lúcia, 60 anos, começou a dançar por recomendação médica e, em um ano, já percebe mudanças. “Descobri uma mulher que eu não sabia que existia. As pessoas me perguntam se eu fiz plástica, dizem que estou bonita. Meu marido adorou, se depender dele, ele me agarra todo dia”, diz. Os movimentos são delicados e ousados, mas não agressivos. O professor Schiavinato orgulha-se dos resultados. “Elas chegam aqui tímidas e vão se transformando, ficam mais à vontade com o próprio corpo, se sentem gostosas mesmo. Independentemente de tipo físico e idade, elas descobrem o quão bonitas e sensuais podem ser. O cuidado que elas têm ao se arrumar para aula é o cuidado que elas passam a ter em todas as outras áreas da vida”.

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BEM-ESTAR

COSMÉTICOS ARTESANAIS AMANDA VENICIO

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á dois meses, Maurício Capovilla resolveu trocar o desodorante industrializado por uma receita caseira que encontrou no Instagram. A mistura feita de óleo de coco com bicarbonato de sódio, segundo ele, não irrita, não deixa manchas na roupa e não precisa ser reaplicado ao longo do dia. A mudança, no entanto, não foi motivada pela praticidade ou pela economia no bolso. Vegano e ativista da Frente de Ações pela Libertação Animal (FALA), Capovilla tinha outra preocupação: boicotar produtos testados em animais e cujos ingredientes químicos podem fazer mal à saúde – dos humanos. “Faço isso para provar para o mundo que uma vida sustentável é muito mais fácil, barata e saudável”, afirma. Foi com propósito semelhante que Zabé Pimenta fundou o coletivo Cherin da Mata com as amigas Patrícia Patos e Adriel Notine, há dois anos atrás: “A ideia surgiu de uma necessidade nossa de buscar conhecer a procedência daquilo que utilizamos em nossos corpos. Desde 2013, o grupo produz e vende desodorantes, sabonetes e protetores labiais feitos com óleos vegetais e essenciais, argilas, água, bicarbonato de sódio e álcool de cereais. Os cosméticos do Cheirin da Mata custam entre R$5 e R$18. “Ser vegana leva a um esforço maior em fazer nossas próprias comidas, pois é mais difícil encontrar coisas prontas veganas. Isso se estendeu para os cosméticos”, conta Amanda Pinho, estudante de Letras da Universidade de Brasília. Amanda aderiu ao desodorante feito em casa e também produz a própria pasta de dente, com casca de limão, bicarbonato de sódio, sal e óleo de hortelã. Na bolsa de cosméticos, o protetor labial, pó para rosto e lápis de olho ainda são industrializados. “O negativo é que você precisa de mais trabalho e tempo. O positivo é que você economiza, se sente com mais autonomia e pode colocar muito amor no processo de preparação”, afirma.

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A professora de Farmácia da Universidade Católica de Brasília (UCB) Helen Freitas explica os riscos à saúde que os produtos industrializados podem trazer. O óleo mineral encontrado na composição de cosméticos, por exemplo, é um derivado de petróleo com potencial cancerígeneo. “Isso não quer dizer que causa câncer. A pessoa precisa ter outros fatores predisponentes, genéticos ou ambientais”, afirma Helen. Segundo ela, o óleo mineral costuma ser utilizado pela indústria por ser mais barato: “Entre os óleos, ele deveria ser a última escolha.” A professora recomenda como alternativa os óleos vegetais, por não serem nocivos à pele e possuírem vitamina E. “Os piores problemas estão nas maquiagens de procedência duvidosa ou sem registro na Agência Nacional Sanitátia (Anvisa). Os pigmentos costumam ter vários metais pesados: chumbo, cromo, alumínio”, explica Helen. Em 2012, um estudo do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que, de 22 tipos de batons no mercado brasileiro, apenas um, de origem francesa, não continha chumbo. Cancerígenos, os metais pesados são acumulados pelo organismo, que não consegue eliminá-los. “Imagine um batom na boca, em

que você passa a língua. Você está ingerindo uma pequena quantidade de chumbo todos os dias”, afirma a professora. Desde 2013, a Anvisa estabelece que o acetato de chumbo só pode ser utilizado como tintura capilar, com concentração final abaixo de 0,6%. Entre os efeitos negativos da substância, estão anemia, danos aos rins, aumento da pressão sanguínea, alterações no sistema nervoso e abortos. A professora de Farmácia da Universidade de Brasília Taís Gratieri dá o exemplo do propilenoglicol, uma das substâncias capazes de causar reações alérgicas: “Ele é utilizado em cosméticos para diversas finalidades como melhorar a solubilidade de ativos e as propriedades sensoriais das formulações.” No entanto, Taís acredita que consumir produtos industrializados ainda é a opção mais segura. Por não passarem por fiscalização sanitária, produtos caseiros poderiam estar mais sujeitos à contaminação microbiana ou a erros de dosagem na fórmulação. “É mais arriscado do que comprar um produto que passou por uma inspeção de qualidade. Abrir mão de uma agência reguladora é não ter quem te proteja”, afirma. Já Helen Freitas acredita que é possível produzir cosméticos em casa, desde que sejam tomados os cuidados. SeDIVULGAÇÃO / CHERIN DA MATA

gunda ela, os riscos estão na higienização dos utensílios e do local, assim como o pH do produto final, que pode não ser adequado à pele. Ela sugere o preparo de produtos de higiene pessoal, como sabonete, xampu e condicionador. Já produtos para a região dos olhos e maquiagem podem ser perigosos se feitos em casa: “Se o pigmento não for de boa qualidade, pode comprometer a saúde”. Quanto aos ingredientes, nada de limão: “Como o limão deixa o pH da pele muito ácido, pode causar queimaduras e manchas após muita exposição ao sol”.

RECEITAS Pó dental caseiro

- 2 colheres de sopa de casta de laranja ou limão completamente secas - 1/4 de xícara de bicarbonato de sódio - 2 colheres de chá de sal - 20 gotas de óleo de menta/ hortelã (opcional) Moer a casca, acrescentar o sal e o bicarbonato. Misturar tudo, acrescentar o óleo de hortelã e misturar novamente. Quando for utilizar, umedecer a quantia desejada, e escovar os dentes como de costume.

Desodorante caseiro

- 1/3 xícara de amido de milho - 1/3 xícara de bicarbonato de sódio - 3 colheres de óleo de vitamina E (opcional) - 20 gostas de óleos essenciais de lavanda, eucalipto ou mental (opcional) Misturar todos os ingredientes em um recipiente até formar uma pasta espessa. Aplicar diaramente em quantidade moderada, para não irritar a pele. Sabonete e desodorante feitos pelo coletivo Cherin da Mata.

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ENTREVISTA

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O BEIJO DAS RUAS MARIANA LOZZI

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OGNEN TEOFILOVSKI (AGÊNCIA REUTERS)

as redes sociais, a chegada do mês de maio foi marcada por uma imagem. A foto de uma garota de batom vermelho beijando o escudo de um policial em um protesto na cidade de Skopjie, capital da Macedônia, foi compartilhada em contas no Facebook e no Twitter por pessoas no mundo inteiro e noticiada por portais internacionais, como The Guardian, The Daily Dot e Global Voices. Quando a imagem emblemática havia se tornado viral, a manifestante de batom vermelho, como ficou conhecida a protagonista da foto, revelou sua identidade. Jasmina Golubovska, de 29 anos, é uma ativista que trabalha para o Comitê Helsinki de Direitos Humanos, uma Organização Não Governamental (ONG) que promove os direitos humanos no continente europeu, e uma das lideranças nos protestos que estouraram em maio deste ano contra o primeiro-ministro da Macedônia, Nikola Gruevski. Falando ao Campus por Skype, na primeira entrevista concedida a um jornal brasileiro, a manifestante de batom vermelho comenta a situação política do país. Qual foi o estopim para que os protestos contra ao governo atual começassem? O assassinato de Martin Neshkoviski, de 22 anos, um membro do VMRO-DPMNE, o partido no poder há nove anos. Ele morreu durante a festa de comemoração do partido, após a vitória nas eleições de 2011. Foi brutalmente espancado. O governo tentou encobrir o caso porque o autor confesso do crime é um membro da Força Especial de Defesa do país. As testemunhas não foram chamadas para depor no julgamento, a investigação não passou de uma formalidade. Hoje, o caso Neshkovski está sendo analisado por uma junta da Corte Européia de Direitos Humanos. Por que somente este ano a situação da Macedônia ganhou atenção da imprensa internacional? Em fevereiro, o líder do partido de oposição União Social-Democrata da Macedônia (SDSM), Zoran Zaev, vazou fitas do Sistema de Segurança Nacional com conversas entre membros do governo que provam que as últimas eleições foram fraudadas. O primeiro-ministro foi acusado de grampear 20 mil telefones pertencentes a membros da oposição; membros do próprio partido; de jornalistas; empresários; policiais; diplomatas; servidores públicos; intelectuais e líderes religiosos. Ao estimar uma lista de contato de vinte pessoas para cada telefone grampeado, percebemos que um quarto da população estava sendo monitorada. No protesto de 5 de maio, 22 pessoas morreram e 42 manifestantes foram presos. O que levou a população às ruas na ocasião? Nesse dia, Zaev publicou uma fita datada de 2011, em que o ministro de assuntos internos, o chefe da segurança e inteligência nacional, o ministro da defesa e o primeiro-ministro discutiam maneiras de acobertar o assassinato de Martin. Pessoas que acompanhavam o desdobramento do caso ficaram indignadas e, em solidariedade à família da vítima, reuniram-se na frente do prédio do parlamento, para exigir explicações. Eu estava lá no momento em que membros das forças especiais da polícia nos impediram de avançar. Resistimos pacificamente, tentamos conversar, pedimos a eles que prendessem Gruevski e os demais envolvidos no caso, porque eles têm esse poder. Ainda assim, escolheram proteger criminosos e apontar armas para o povo. Como surgiu a idéia que deu origem à foto do beijo? Eu estava frente a frente com um policial e pensei em desenhar um coração no escudo dele com o batom vermelho. Perguntei se eu podia, e ele respondeu que não. Eu

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Golubovska, ativista macedónia autora do beijo.

disse: Vou me ajeitar um pouco, então. Passei o batom lentamente e tasquei um beijo no escudo. Há poucos metros de distância, o fotógrafo Ognen Teofilovski, da agência Reuters, tirou uma foto. Ao chegar em casa, encontrei minha imagem no Facebook sendo compartilhada por gente que eu não conhecia. Ser contra o governo implica ser favorável ao SDSM, o partido de oposição que vazou as gravações sigilosas? Não, porque as gravações só confirmaram algo que já sabíamos: nós não podemos confiar em nenhuma instituição. Não confiamos nem no Judiciário, porque algumas gravações provam que juízes são apontados e destituídos ao bel prazer do presidente do partido oficial. Os nove anos de Gruevski no poder permitiram que o VMRO-DPMNE se infiltrasse em todos os tecidos da sociedade. Não importa quem você é, se você não está com eles, está contra eles, e isso te deixa vulnerável a qualquer tipo de risco. Eu, por exemplo, sou considerada uma traidora da pátria, porque trabalho em uma Organização Não Governamental financiada por estrangeiros e luto pelos direitos da comunidade LGBT. No dia 18 de maio, cerca de 30 mil pessoas marcharam em apoio o primeiro ministro. Como você entende o fato de ainda existirem protestos prógoverno, mesmo depois de sucessivos escândalos? O receio de perder espaço para as etnias que foram incorporadas com a dissolução da antiga Iugoslávia fez com que muitos macedônios aderissem ao nacionalismo extremo. Essa é uma parte considerável do eleitorado de Gruevski. A outra parte está empregada na administração pública e nas empresas privadas controladas pelo partido oficial. Nas fitas que vazaram, temos acesso a conversas que provam que, em épocas de eleição, são enviadas aos servidores públicos listas com nomes, endereços e telefone de novos eleitores, a serem preenchidas. Mas o VMRO-DPMNE já perdeu apoio considerável, e o primeiro-ministro foi deixado com um número reduzido de ‘fiéis’ que se dedicam a defendê-lo e marcham a seu favor. É o típico culto ao líder.

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