Campus - nº 425, ano 45

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CAMPUS

brasília, junho de 2015

número 425 ano 45

GISELLE CINTRA

DAS RUAS PARA CASA No DF, casos de violência doméstica constituem o segundo maior número de processos administrativos contra policiais militares maternidade

lactantes e concurseiras Mães reclamam de falta de estrutura para amamentar seus filhos durante as provas

EDUCAÇÃO

ESCOLAS SEM PARTIDO Deputados e vereadores se articulam para vetar manifestação política de professores em sala

UNIVERSIDADE

ATLÉTICAS DA UNB Cresce o número de organizações de alunos que realizam campeonatos entre cursos


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nA FiLA

CArtA DO EDitOr Andressa Rios Editora-chefe

Chegou a edição da despedida. Não do jornal Campus, mas da nossa turma que se engajou para trazer as melhores e mais apuradas matérias para você, leitor. Chegamos à sexta edição do nosso jornal-laboratório, trazendo as últimas notícias do semestre. Nesta edição, vamos tratar do direito de amamentar durante concursos públicos. Lactantes reclamam da falta de estrutura para cuidarem de seus filhos e reinvidicam o recebimento de tempo adicional pelo período que perderam amamentando. Tratamos também de um projeto de lei que veta a manifestação política e ideológica de professores dentro das salas de aula em todo o país. O Na Fila perguntou a opinião dos alunos sobre isso.

OMBUDSMAn*

Procuramos abordar também o aumento das atléticas aqui na UnB. A função delas é organizar campeonatos esportivos entre os cursos. Nossa matéria principal mostra que o DF possui um alto índice de policiais militares envolvidos em casos de violência doméstica. E na página oito tratamos de um tema bastante curioso, um método de terapia coletiva chamado Constelação Familiar, que identifica problemas familiares e ajuda as pessoas a solucioná-los. Muitos de nós encararam o jornal impresso pela primeira vez, mas a verdade é que foi uma experiência extremamente desafiadora e prazerosa. Aprendemos a valorizar o esforço de reportagem e o trabalho em equipe para garantir a qualidade do trabalho entregue ao leitor.

*Termo que significa “provedor de justiça”, o ombudsman discute a produção dos jornalistas a partir da perspectiva do leitor.

MEMÓriA

Nas filas da UnB, perguntamos aos alunos o que eles pensam sobre os professores revelarem em sala de aula seu posicionamento político.

Lucas Piccolo estudante de Economia

“O professor não pode ser proibido de ter a sua liberdade de expressão, mas em relação ao conteúdo da ementa tem que abordar o que é determinado”

Rudá Moreira

A edição 424 é aberta com uma reportagem inédita. O infográfico na página 3 ilustrou inteligentemente um texto um pouco repetitivo, mas que informou bem. A matéria de capa mostrou uma realidade distante da maioria e crucial para quem a vive. Parabéns à escolha da pauta. “Turmas de Excelência” destacou outro tema importante. O box, bem explicativo, e a foto ilustram adequadamente a página. A única ressalva é quanto ao início do texto: poderia ter ido mais direto ao ponto. “O Salto é Delas” poderia ter indicado onde uma interessada pode praticar o Stilleto Dance. A entrevista da página 12 foi uma escolha leve para fechar um jornal que ficou abarrotado de pautas aleatórias mal desenvolvidas. Outras, nem deveriam estar lá. O exemplo mais drástico foi “Sexo no Parque”. Nem pode ser considerada uma matéria jornalística. Como foi feita a apuração? De onde o repórter obteve as informações? Onde estão as fontes oficiais (polícia, administra-

ção)? Qual o lide? O texto é um relato das impressões subjetivas de um observador curioso e cheio de preconceitos. Nunca deveria ter sido publicado na forma de notícia. A matéria “Rede do Bem” assume a forma de um release da ONG sobre uma ação feita pelo WhatsApp. O assunto poderia ter cedido o espaço na edição para “Inclusão na Pós”, “Desprevenidos” ou “Outro Amanhecer”. Além disso, “Amor em Ação” está escrito de duas maneiras diferentes no mesmo parágrafo, evidenciando, junto com outros erros, uma falha geral na revisão de texto na edição. Viúvas já fazem parte do projeto gráfico. “Cosméticos Artesanais”, apesar de ser uma das melhores matérias da edição, recebeu chapéus diferentes na capa e na página 11. Um erro que já aconteceu vezes o suficiente no semestre para não ser repetido. Completando, o repórter de “Enfermaria Santa” acabou em caixa baixa num texto sem capitular. A excelência é atingida a partir dos detalhes.

Patrícia Alves estudante de Geografia

“Eu acho que ele tem que dar a opinião dele, mas também aceitar as opiniões diferentes que possam ter dentro de uma turma” Em março de 2002, a edição nº 261 do Campus cobriu as primeiras olimpíadas universitárias de Brasília. A edição trouxe os favoritos para cada esporte, além de revelar a falta de recursos para a realização do campeonato universitário. Nesta edição, o Campus destaca o crescimento do número da organização atléticas de estudantes nos cursos da UnB. Até o ano passado, existiam na Universidade três atléticas e, em 10 meses, o número já alcança nove grupos.

Jofran Luiz estudante de Medicina

“Acho que o papel do professor é dar a matéria que foi dada e não tem que se posicionar diante de certas questões”

EXPEDiEntE editor-chefe: andressa rios secretária de redação: lydia assad editores: Bachir Gemayel, Hanna Guimarães, Maria Paula Abreu, José Artur Lautert e Amanda Venício. repórteres: Igor Nogueira, Sara Resende, Anna Luiza Felix, Marja Gomes, Fellipe Rocha,

Vitor Pantoja, Wenderson Oliveira., Barbara Cruz, Thaissa Leone, Gabriel Aragão, Rafael Montenegro e Luiza Antonelli Diretores de arte: Bianca Marinho e Matheus Bastos Fotógrafos: Mariana Lozzi, Lais Bêrber e Giselle Cintra Projeto Gráfico: Amanda Venício, Anna Luiza Felix,

Bárbara Cruz, Bianca Marinho, Luiza Antonelli, Maria Paula Abreu, Matheus Bastos e Wenderson Oliveira Monitoras: Bruna Lima e Juliana Perissê Professores: Ana Carolina Kalume e Solano Nascimento Jornalista: José Luiz Silva Gráfica Coronário

Jornal-laboratório da Faculdade de comunicação da

Universidade de Brasília


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eduCaÇÃo

Política longe do ensino Projeto de lei visa proibir professores de emitir opiniões políticas e ideológicas em articulação envolvendo estados e municípios IGOR NOGUEIRA

O

Projeto de Lei nº 867 de 2015, conhecido como Escola Sem Partido, proposto pelo deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), apresentado no início deste ano na Câmara dos Deputados, gerou polêmica entre educadores de todo o país. O projeto visa proibir professores de emitir opiniões e doutrinar estudantes. Apelidado como “Lei da Mordaça”, por quem afirma que se trata de uma iniciativa autoritária, a proposta prevê punições para professores que levarem para a sala de aula conteúdos conflitantes com as convicções religiosas dos alunos e pais. A ação é resultado de uma articulação política da organização Escola Sem Partido, que defende o combate à doutrinação política e ideológica nas salas de aula, e também o ensino de matérias que não estão de acordo com as crenças religiosas dos discentes. De acordo com o projeto, “as escolas deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes, o material informativo que possibilite o conhecimento dos temas ministrados e dos enfoques adotados”.

‘‘É um projeto de lei ditatorial, antidemocrático e sem fundamentação constitucional ou pedagógica.” Reginado Veras

Em desacordo, o diretor do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Gabriel Magno, afirma que essa seleção configura censura prévia do que deve ou não deve ser ministrado em sala de aula. “É aberta uma brecha perigosa que pode impedir os estudantes de terem acesso ao conhecimento nas mais diversas disciplinas”, explica Magno. Segundo o deputado Izalci Lu-

cas, autor da proposta, vários estados brasileiros estão seguindo apenas um único viés de ensino, o que segundo o parlamentar é prejudicial para a pluralidade de ideias. “Hoje, não temos essa pluralidade porque os métodos, na maioria das escolas públicas, se dão com base nas ideias de Karl Marx, Antonio Gramsci e Paulo Freire que são grandes pensadores, mas não são os únicos”, conta ele. O conteúdo da proposta tem sido copiado em todo o país, em virtude do trabalho da divulgação da ONG, em diversas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. Em vista disso, a cidade de Santa Cruz do Monte Castelo (Paraná), foi a primeira a ter o projeto aprovado pelos vereadores. De acordo com o coordenador da organização, Miguel Nagib, o movimento da Escola Sem Partido recebe cada vez mais apoio de estudantes e pais e não conta com apoio financeiro de ninguém. “Não existe nenhum partido, fundação, instituto, organização ou empresa apoiando o nosso movimento”, defende o coordenador. No Distrito Federal, a deputada distrital Sandra Faraj (SD-DF) foi a responsável por apresentar a ideia na Câmara Legislativa. Segundo ela, a medida tem como finalidade acabar com a manipulação político-partidária e ideológica no espaço escolar.“Os estudantes precisam saber que possuem direito de não serem doutrinados”, afirma. O deputado distrital professor Israel Batista (PV-DF) criticou o projeto da deputada. Segundo ele, a proposta silencia os mestres, sem qualquer base científica. “É mais uma violência psicológica contra os professores, que ficarão impedidos de ensinar a pensar”, crítica. No entanto, de acordo com Sandra, as escolas se tornaram locais de doutrinação ideológica-partidária. “Os professores não têm direto de se sobrepor à família do Distrito Federal”, reclama. O projeto de lei traz ainda os “de-

Mariana loZZi

ione amaral leciona História no centro de ensino Médio Paulo Freire e julga que é inevitável expressar valores políticos nas aulas.

veres do professor”, em que os educadores são responsabilizados pela ação de terceiros. “O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula”. O diretor do Sinpro-DF, Gabriel Magno, acredita que desde um recado do Grêmio Estudantil até um debate de ideias entre alunos poderá incorrer no comprometimento do professor, caso o conteúdo do recado ou do debate não esteja de acordo com os pontos apresentados na proposta. Conforme as diretrizes da Escola sem Partido, os próprios proponentes do projeto assumem que a intenção de tornar os educadores encarregados do que é discutido em sala de aula não será restringido à fiscalização ou à censura. Apesar da denúncia do SinproDF, o coordenador do Escola sem Partido, Miguel Nagib, afirma que os deveres citados já existem. “Nenhum professor tem direito de abusar da inexperiência dos alunos para obter sua adesão a determinada corrente político-partidária. ”Uma das formas de garantir que as medidas, caso aprovadas, sejam cumpridas é garantir, de acordo com Nagib, “que os professo-

res sofram sanções administrativas previstas em seus respectivos estatutos de regência”. Nas instituições de ensino particulares as medidas seriam ainda mais duras, podendo resultar na demissão do docente por justa causa. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) é um dos parlamentares conhecidos pela aversão à proposta. De acordo com ele, a medida desvaloriza o trabalho do professor, levando em consideração que o docente é mal remunerado pelo Estado. O senador acredita que a proposta está relacionada aos avanços das forças direitistas no país, assim como a diminuição da maioridade penal e a interpretação conservadora do termo família. “Essa lei diverge dos princípios democráticos de nossa Constituição. Tem cara de ditadura”, ressalta. O deputado professor Reginaldo Veras (PDF-DF), atual presidente da Comissão de Educação da Câmara Legislativa do Distrito Federal, é contrário ao projeto. Para ele, a ideia cerceia a liberdade de ensinar prevista na Constituição Federal. “É um projeto de lei ditatorial, antidemocrático e sem fundamentação constitucional ou pedagógica”, destacou Veras. u (Colaboração de Thaissa Leone)


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INFÂNCIA

aula eM QuaDrinHos Método de ensino utiliza HQ’s para melhorar a concentração de estudantes em escolas públicas SARA RESENDE

A

s histórias em quadrinhos são produzidas a partir de uma sequência de fatos que se torna uma didática eficiente para o aprendizado infantil. O ensino de quadrinhos nas escolas públicas pode melhorar de 30% a 100% a absorção de todos os conteúdos pelos alunos, avaliam o presidente da Associação dos Cartunistas do Brasil (ACB), José Alberto Lovetro, e a doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) Sônia Luyten. O programa “ABC do Professor” foi aplicado em dois colégios da Zona Norte de São Paulo: Dervilli Alegretti e Vereador Antônio Sampaio. Foram ministradas palestras para instruir os educadores a lecionar noções básicas de desenho às crianças. Elas ilustraram seu cotidiano em quadros de storyboards durante três meses do ano passado. O estudo realizado pelos dois pesquisadores, em parceria com a Secretaria de Educação do estado, reúne

depoimentos dos pedagogos da capital paulista sobre a evolução dos alunos. Os gastos previstos para as instituições interessadas em adotar o método se limitam aos do curso, cuja duração é de apenas um dia. Lovetro, mais conhecido como “o cartunista Jal”, alega que é possível orientar os professores, mesmo que eles não tenham habilidades artísticas. O desenho de uma criança revela sua convivência familiar e social. Os traços, o uso das cores e a percepção de família pela ótica infantil demonstram o contexto em que os jovens vivem. A implantação dos quadrinhos na grade curricular pretende arrefecer os níveis de violência nas instituições de ensino. A pesquisa de Sônia e Lovetro mostra que os quadrinhos estabelecem um canal de comunicação entre aluno e professor. “O estudante retrata no papel uma realidade que não tem coragem de expressar por meio da fala. Assim, o educador conhece o problema para poder combatê-lo”, explica o cartunis-

JosÉ loVetro/DiVulGaÇÃo

alunos aprendem a elaborar histórias em quadrinhos na sala de aula.

ta pela experiência adquirida com trabalhos na Fundação Casa. André Lepesqueur, especialista em Ciência do Comportamento e professor da UnB, explica que a experiência lúdica com quadrinhos provoca um maior engajamento dos estudantes. “A terapia em sala com o uso de desenhos incentiva o aluno a dizer o não dito.” Mas o psicólogo alerta que o professor não é o profissional indicado para in-

terpretar a condição do menor ou até identificar patologias. O criador da Turma da Mônica, Maurício de Souza, e Ziraldo, autor de O Menino Maluquinho, apoiam o método. A pesquisa será divulgada ainda este ano por meio da publicação de um livro. O projeto será encaminhado para o Ministério da Educação, com o intuito de receber apoio financeiro do governo.u

JoGanDo e aPrenDenDo Professores usam jogos para desenvolver habilidades exigidas no mercado de trabalho, além de proporcionar aulas mais prazerosas ANNA LUIZA FELIX

T

endo o objetivo de promover raciocínio lógico, criatividade, controle emocional e capacidade de trabalhar em equipe, professores usam atividades lúdicas durante as aulas. Professor do curso de Pedagogia da Universidade de Brasília (UnB), Cristiano Muniz explica que há dois tipos de jogos voltados para a aprendizagem: o que trabalha buscando fixar o conteúdo pré-apreendido e o cujo aprendizado ocorre durante sua realização. Os jogos realizados em turno contrário na Escola Classe 215 de Santa

Maria ajudam os alunos com necessidades especiais a compreender o conteúdo. “Se eu explico que dois mais dois é igual a quatro, eles não entendem. É necessário mostrar algo concreto para os alunos especiais e os jogos possibilitam isso”, afirma a professora da escola Simone Rodrigues. Mestre em Psicologia Social, Daniel Dardieri explica que os jogos de tabuleiro exigem esquemas cognitivos. “Por exemplo, o xadrez exige prever as jogadas do adversário, o que pode ser aproveitado para trabalhar a resolução

de problemas e o estabelecimento de estratégias.” Para Muniz, “o mais importante é a reflexão sobre a atividade. Isso irá depender da mediação pedagógica de um instrutor”. Em aulas exclusivas de jogos no Galois de Brasília, essa mediação é feita por Yaron Segalovich. “Muitas vezes, eu faço um paralelo com outros temas. Quando percebi os alunos mais novos começando a mentir, decidi dar aula de cidadania”, exemplifica. Quem escolhe os jogos lida com algumas dificuldades. “A aula fica mais

agitada, cansando o professor”, afirma Solange Amato, professora de didática da matemática na Faculdade de Educação (FE-UnB). “É necessário investir mais tempo no planejamento da aula e, em geral, a carga dos professores já é pesada”, comenta Antônio Villar, professor da FE-UnB há 26 anos. Porém, o lado positivo pode determinar a escolha pelo uso. Segundo Villar, a atividade lúdica desperta interesse e cria um clima agradável para a aprendizagem, além de trabalhar aspectos formadores, como o respeito pelo adversário. u


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CRIMINALIDADE

AGRESSOR FARDADO Violência doméstica é a causa do segundo maior número de sindicâncias disciplinares dentro da Polícia Militar do DF em 2013 BÁRBARA CRUZ

“P

or ser policial militar, ele sabia direitinho o que estava fazendo e que aquilo não seria considerado crime”. Um misto de tristeza, indignação e desesperança transparece na voz de Flávia* quando relata o que viveu. Flávia e João* estavam casados havia mais de 15 anos quando o comportamento dele começou a mudar. “Ele queria me controlar, não permitia que eu trabalhasse fora de casa. Dizia que ele e nossas duas filhas eram minha única família e que, como esposa, eu deveria ser submissa. Eu me sentia prisioneira dentro da minha própria casa”, conta Flávia. Durante mais de um ano, Flávia sofreu abusos verbais e psicológicos do então marido. “Ele é acostumado a ser obedecido na rua por conta da farda e queria dar uma de policial dentro de casa. Quando eu me recusava a seguir ordens ele dizia que eu deveria ser grata porque, pelo menos, ele não batia em mim”, narra. Flávia entrou com ações na Justiça, conseguiu o divórcio, a guarda compartilhada das filhas, mas o processo que tratava dos abusos foi arquivado. “O juiz entendeu que o que ele fazia comigo não configurava crime. Quando ouviu o resultado, João riu porque sabia exatamente que aquilo iria acontecer”. Dados exclusivos obtidos pelo Campus por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que violência doméstica é uma das principais causas de abertura de sindicâncias na Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Em 2011, foram 42 casos e, em 2012, 93. Em 2013, esse tipo de transgressão foi o vice-campeão, com 81 casos. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), em parceria com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), analisou 275 homicídios violentos de mulheres no DF de 2006 a 2011. O levantamento mostrou que uma em cada

GISELLE CINTRA

Entre 2011 e 2013, PMDF abriu 216 sindicâncias por violência doméstica cometidas por PMs.

três mulheres foi morta por violência doméstica, que ocorre quando vítima e agressor possuem algum tipo de relação familiar, doméstica ou íntima de afeto. “Nos 12 casos de homicídios de mulheres seguidos de suicídios do agressor, 50% foram praticados por profissionais de segurança pública”, aponta Thiago Pierobom, promotor de justiça e coordenador do Núcleo de Gênero Pró-Mulher do MPDFT. CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS Mestre em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pela Universidade de Brasília, a psicóloga Maisa Campos Guimarães já atendeu diversos casos em que os agressores eram PMs. “O que se percebe são fatores de risco que agravam essa situação de violência. Acesso a armas de fogo, facilidade de controle e fiscalização da vítima, a rotina de trabalho com muita pressão e pautada na ação violenta fazem com que esses profissionais sejam mais suscetíveis a cometer algum ato de violência doméstica”, explica Maisa. Para Pierobom, há um condicionamento profissional que agrava a conjuntura. “Ele é habituado todos os dias a usar a força para resolver problemas. Quando se transporta essa lógica para ações domésticas e familiares, existe uma maior probabilidade em comparação com o resto da população de ele

ser levado a usar a força em uma situação de conflito”, afirma. Em paralelo à apuração pela Justiça comum, a PMDF deve instaurar uma sindicância disciplinar. Apesar dos altos índices de processos administrativos por violência doméstica, o número de casos pode ser ainda maior, já que nem sempre são apurados, como ocorreu com Flávia. “Uma vez, ele foi à escola da minha filha com a viatura, estava fardado e me ameaçou. No mesmo dia fui ao quartel conversar com o tenente. Não fizeram nada, me senti impotente diante daquela instituição que deveria me defender”, confessa. Além da falta de ação por parte da PMDF, Flávia revela que, meses depois, o exmarido ainda foi promovido. Em dezembro de 2014, o MPDFT expediu uma recomendação à Corregedoria-Geral da PMDF sugerindo mudanças nas investigações de violência doméstica envolvendo policiais militares. “Durante a investigação, que vai ser conduzida por um colega de trabalho do acusado, a mulher acaba sendo submetida a algum tipo de constrangimento ou de revitimazação”, afirma Thiago Pierobom. O promotor cita uma regra interna que torna obrigatória a presença do acusado nos depoimentos de todas as testemunhas. “Recomendamos que sempre antes de começar a inquirição

se pergunte à vítima se ela tem algum constrangimento de prestar o depoimento na frente do investigado. Se ela disse sim, que se providencie com absoluta cautela para que não tenham nenhum tipo de contato”, destaca. A PMDF foi contactada pelo Campus diversas vezes por meio da Corregedoria-Geral e da Divisão de Comunicação, mas não quis se pronunciar. A postura da instituição diante do assunto é, para Maira, sintomática de como a sociedade brasileira trata a situação. “Isso revela a banalização da violência contra a mulher que ainda acontece em várias esferas da sociedade”. CONTEXTO LOCAL O DF tem altos índices de denúncias e registros policiais de violência doméstica e familiar. Segundo a Central de Atendimento à Mulher, ligada à SPM, em 2014 o DF registrou 158,48 denúncias a cada 100 mil mulheres, quase o triplo da média nacional (57,21 denúncias/100 mil mulheres). No mesmo ano, a Secretaria de Segurança Pública do DF catalogou 14.101 registros de ocorrências segundo a Lei Maria da Penha. Isso configura uma média de 1,6 registro por hora. Para Maisa, esses números não significam necessariamente que há mais casos no DF em comparação a outros lugares do Brasil. “O número grande de denúncias revela uma maior conscientização das mulheres daqui sobre seus direitos”, declara Maira. Para Pierobom, o fato de a capital possuir o maior número nacional por habitante de promotores e juízes especializados faz com que haja mais denúncias: “Temos 19 varas e 44 promotores especializados no assunto. Nenhum outro lugar no Brasil tem essa estrutura”. u *Nomes foram modificados para preservar a identidade dos envolvidos (Colaboração: Rafael Montenegro e Luiza Antonelli)


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MaTernidade

MÃe concurseira Lactantes relatam falta de estrutura para amamentar o filho em provas de concursos. Instituições como o Cespe/UnB autorizam em edital a presença da criança MARJA GOMES

A

nnye Karolinne, de 23 anos, fez o Enem em 2014 quando estava amamentando seu filho Lucas, de um ano e sete meses. Uma de suas preocupações era ter de se afastar do filho durante o período de prova. Embora esteja previsto nos editais das maiores organizadoras de concursos do país, o direito da mãe levar o filho para a prova ainda não está garantido pela legislação. Atualmente, a Fundação Carlos Chagas, o Cespe/ UnB, a Fundação Cesgranrio, a Funrio, a Vunesp e o Cetro determinam, em edital, as instruções para a presença de crianças

de idade. Apesar de ficar tranquila pela presença do filho, ela reclama da falta de estrutura oferecida. “A sala era precária e sem o mínimo de conforto para o acompanhante. Se eu não tivesse levado o carrinho, ele teria que ter ficado no colo, pois não havia outro lugar para deixá-lo. As fraldas eram trocadas na mesa do professor, não tinha qualquer suporte para receber uma criança”, contesta. Annye também reclama do local onde seu filho estava. Ela vai fazer o Enem novamente em 2015, mas, dessa vez, não pretende levar Lucas. “O lugar laÍs BÊrBer

annye Karolinne é uma das lactantes que realizou concurso enquanto amamentava. na foto, Annye está em casa amamentando seu filho Lucas, de um ano e sete meses.

nos locais de prova. A iniciativa garante o direito à amamentação e segurança à mãe, que não precisa se separar do filho. Acompanhada pelo marido, Annye pôde fazer a prova com mais tranquilidade, sabendo que o filho estava por perto. “Me deixou mais calma, mesmo por ter que me afastar dele. Fiquei menos preocupada porque sabia que eu seria avisada se houvesse qualquer problema”, diz. Entretanto, as mães apontam falhas nos procedimentos efetuados pelas organizadoras. Fabiana de Souza, de 29 anos, prestou o concurso para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, organizado pela Fundação Carlos Chagas, e levou seu filho João, à época com três meses

era muito sujo, tinha até barata. Quem é mãe analisa tudo. Meu filho está andando, não fica mais parado, precisa se movimentar. Tenho que me preocupar com cadeira quebrada, pontas enferrujadas e outros objetos que podem colocar sua saúde em risco”, afirma. Direito De leVar o BeBÊ Sem condição legal determinada, as bancas realizadoras adotam procedimentos de acordo com a demanda e experiência de aplicações anteriores. Atualmente, a mãe tem o direito de levar seu filho, de até dois anos de idade, acompanhado de um responsável. No momento da inscrição, ela deve informar os dados do nascimen-

to de seu filho e do acompanhante. Ambos serão alocados em uma sala reservada, para pessoas com necessidades especiais. Na teoria, no dia da prova seria necessária apenas a apresentação de um documento para a identificação de candidatos e acompanhantes, mas na prática, a situação é outra. Mesmo informando os dados de seu bebê, no dia da realização do Enem, Annye Karolinne teve que apresentar um atestado médico informando sua condição de lactante. “Graças a Deus meu marido foi precavido e pensou nisso, senão não teria conseguido levar meu filho para o local de prova. Uma outra mãe, que não possuía o atestado, não conseguiu entrar”, diz. Os acompanhantes são submetidos a todas as medidas de segurança previstas para os candidatos. Durante todo o tempo de prova, eles devem permanecer na sala reservada e não podem portar qualquer tipo de aparelho eletrônico. Após a primeira hora de prova a mãe pode sair a qualquer momento para prestar quaisquer cuidados ao bebê. Não há limites de tempo ou quantidade de saídas durante o tempo de prova. Caso o bebê precise mamar, por exemplo, um fiscal avisa a mãe, que deixa o local para cuidar do filho e volta para continuar a prova. Durante esse período, a candidata e o acompanhante são observados pelo fiscal. Entretanto, as bancas realizadoras dos concursos não prevêm compensação do tempo “perdido”. Assim, a mãe que dedica tempo para amamentar tem um período de prova menor que o dos outros candidatos. Fabiana de Souza acredita, que entre várias saídas, perdeu em torno de duas horas, das quatro horas e meia previstas para a realização da prova. “Não é só o tempo da mamada. O bebê tem que arrotar, às vezes trocar a fralda e se acalmar, ele está longe da mãe”, ressalta. Para Karolinne, a maior dificuldade foi manter a concentração. “Você precisa de tempo para retomar o raciocínio e reiniciar a prova, é difícil fazer isso sabendo que seu filho não está confor-

tável”, afirma. Sobre os locais de prova, o Cespe afirma, em nota, que as crianças “ficam em sala semelhante às salas de aplicação de provas. Entretanto, a candidata pode levar o que achar conveniente para o conforto da criança”. De acordo com Marsa Abreu, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), os problemas enfrentados pelas mães dificultam a entrada da mulher no mercado de trabalho. “Essas mulheres se esforçam para estudar, se preparar para a prova e continuar cuidando das crianças, além do empenho financeiro. Quando a mulher precisa cuidar de seu bebê e é prejudicada por isso, existe um indicador de injustiça social promovido pelo Estado, que não regulariza essa condição e que não resguarda os direitos da mãe”, protesta. no conGresso Atualmente, o direito de amamentação durante a prova de concursos públicos só é garantido nos estados do Mato Grosso e Pará por leis estaduais. No Senado, foi apresentado em março deste ano, o Projeto de Lei 156/2015, que confere direito à mãe de amamentar seu filho, de até seis meses de idade durante etapas avaliatórias em concursos públicos. De acordo com o PLS, de autoria do senador José Medeiros (PPS/MT), a mãe terá intervalos de 30 minutos a cada 2 horas, sendo o tempo despendido compensado em igual período. Para Marsa Abreu, o projeto é importante, mas precisa ser avaliado com cautela. “Essa legislação visa diminuir as dificuldades da mãe, mas é preciso propor emendas. Alguns bebês não podem esperar duas horas para mamar, por exemplo, isso varia de acordo com a criança e precisa ser considerado. O Estado também precisa se certificar que as bancas realizadoras de concurso apresentem um local adequado para receber os bebês e seus acompanhantes”, recomenda. O PLS 156/2015 segue em tramitação no Senado e aguarda discussão na pauta da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. u


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uniVersidade

atlÉticas eM alta De agosto de 2014 pra cá, o número de organizações esportivas na UnB cresceu de três para nove e a tendência é aumentar

A

VITOR PANTOJA

s Associações Atléticas Acadêmicas, as atléticas, são organizações de estudantes que podem ou não ser vinculadas aos centros acadêmicos, com o objetivo de aumentar a integração entre alunos dos cursos através do esporte. Elas buscam promover a prática esportiva nos cursos através da organização de campeonatos internos de várias modalidades coletivas, como futebol, basquete e vôlei, e individuais, como natação, judô e atletismo. Além disso, organizam torneios entre departamentos nas universidades e realizam festas e encontros regionais para estimularem a interação entre alunos de diversas faculdades. Até agosto de 2014, haviam três atléticas na Universidade de Brasília. A mais antiga é a “Insana”, do curso de medicina, fundada há mais de dez anos. Em 2012, as nove engenharias do campus Darcy Ribeiro formaram a “Maquinada”, e o curso de Enfermagem fundou a “Enfurecida”. Nos últimos dez meses, o número de atléticas na universidade aumentou para nove. No campus Darcy Ribeiro, os cursos de Administração, Direito, Relações Internacionais, Comunicação e Educação Física fundaram suas respectivas associações, e o campus de Ceilândia criou uma atlética unificada de todos os seis cursos do local.

De acordo com o presidente da atlética “Presidência”, da Administração da UnB, Michel Santos, 22 anos, um dos motivos para o repentino aumento no número de atléticas na instituição foi a participação de alunos da UnB em encontros esportivos de outras universidades. “No ano passado, eu, alguns amigos da administração e alunos de outros cursos fomos para o InterUFG (campeonato interno de atléticas da Universidade Federal de Goiás) e ficamos impressionados com o clima de união no evento e a competitividade entre as atléticas. Quando voltamos, começamos a nos organizar para fundar as nossas”, afirma. Natural de Brasília, Santos diz que outro fator importante para o crescimento das atléticas na UnB é o maior ingresso de alunos de fora do DF na instituição por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Segundo ele, as atléticas são mais tradicionais em outras regiões do país. “O pessoal de fora sabe o que realmente é uma atlética e a importância que ela tem no curso. Aqui em Brasília muita gente não tem ideia sobre como funciona.” Entre os seis presidentes das novas atléticas, três são de fora do DF. É o caso de Matheus Milanez, 23 anos. Natural de Campinas, ele é o presidente da “Olímpia”, atlética do Direito e conta que em São Paulo o movimento

Giselle cintra

a atlética olímpia, de Direito, organizou o campeonato interno de futsal no colégio santa Dorotéia , na 911 norte.

das atléticas é forte. “Só o InterUNESP (campeonato interno de atléticas da Universidade Estadual Paulista) movimenta mais de 15 mil pessoas”, afirma. O presidente da “Hipertensa”, atlética do campus de Ceilândia, José Augusto de Moraes, 23 anos, explica que a falta de familiaridade dos alunos com o funcionamento das atléticas dificulta o processo de adesão. “Até agora todo o nosso trabalho tem sido mostrar para a comunidade acadêmica o que é uma atlética. Se não conhecerem, os estudantes não vão participar.” Em alguns cursos, o obstáculo é a divisão deles em diurno e noturno e a

as noVas atlÉticas Da unB curso ou campus

apelido

Mascote

Fundação

Administração

Presidência

Centauro

Ago/ 2014

60

Relações Internacionais

Mítica

Relnicórnio

Ago/ 2014

55

Direito

Olímpia

hidra de sete cabeças

Set/2014

47

Faculdade de Ceilândia

hipertensa

Cobra

Out/ 2014

30

Comunicação

Hermética

hermes (Deus grego)

Mar/2015

40

Educação Física

halterada

Onça preta

Mai/2015

Organizando a gestão

estimativa de atletas

existência de diferentes habilitações, o que complica a tentativa de unir os estudantes em torno da associação. “Na comunicação é muito difícil porque temos três habilitações no diurno e um curso noturno. Muita gente nem se conhece. O que a gente quer é que, independentemente disso, todos se identifiquem com a atlética”, explica Nara Paiva, 23 anos, secretária da “Hermética”, atlética da Comunicação. Além de competições esportivas, as atléticas organizam festas nas universidades. Sacha Clael, presidente da “Halterada”, atlética da Educação Física, 22 anos, diz que elas também são importantes para promover a integração entre os estudantes. Michel Santos lembra que a base das atléticas é o esporte e afirma que a diversão é mais um atrativo. “É natural, somos jovens e universitários. Junto com a futebol vem a cerveja, junto com a taça vem a festa.” A expectativa é grande entre os dirigentes para o número de atléticas aumentar. Santos estima que mais duas sejam fundadas até o final do semestre. “Tenho certeza que o movimento vai ganhar cada vez mais força. Ainda vamos conseguir organizar o InterUnB e vai ser o maior campeonato do Brasil. Daqui para frente, o céu é o limite.” u (Colaboração de Gabriel Aragão)


CAMPUS 4

TeraPia

Brasília, junho de 2015

Página 8 constelaÇÃo FaMiliar

O

FELLIPE ROCHA

momento é delicado e dominado por um grande silêncio. De perto, uma pessoa observa sua família ser representada por um grupo de indivíduos que não a conhece. Distribuídas em uma sala, essas pessoas interagem entre si sem conversarem. Em pé, sentados ou deitados no chão, uns se olham fixamente, outros se evitam. Alguns se tocam, se abraçam, outros se afastam. Todos previamente orientados a manterem um posicionamento neutro e relaxado para que o natural se manifeste. Todo um sistema é constituído. A interação entre elas revela ligações e bloqueios, as movimentações dos integrantes no espaço podem sugerir harmonia, desordem, resistência. Aos olhos de quem observa, tudo precisa ser enxergado. Perceber problemas de relacionamento em meio à configuração formada pelos integrantes do grupo pode ser essencial para as suas soluções. Por isso, essa visualização tem sido usada como função terapêutica. Toda família é um sistema. E como tal, se algum elemento é excluído ou muda de lugar, o seu todo é afetado. Com base nesse princípio, foi criado o método psicoterapêutico chamado Constelação Familiar, que tem auxiliado pessoas a solucionar problemas individuais e familiares com base na reconstrução de suas árvores genealógicas e no histórico de suas famílias. Simplicidade, eficácia e profundidade são os principais fatores citados pelos participantes desse tipo de abordagem. A constelação é sempre orientada por um profissional com formação na técnica, comumente chamado de constelador, que pode direcionar diálogos e fazer questionamentos durante a terapia. Na constelação, o cliente “constelado” escolhe entre as pessoas do grupo aquelas que representarão os seus familiares, quantas forem necessárias. Há casos em que é necessária a representação de elementos mais subjetivos, como um aborto, uma traição, uma morte ou uma doença. “Contamos o problema que queremos resolver e descrevemos a ordem familiar, colocando o que de grave aconteceu na nossa infância, na infância de nossos pais, avós e até bisavós. Ao vermos as relações que são formadas, construímos o caminho para as pessoas se colocarem em ordem, respeitando a hierarquia de quem vem antes e as ordens do amor para que as questões cheguem a um caminho de consenso”, conta o analista de redes sociais Marcelo Arruda. A Constelação Familiar também pode ser feita individualmente, com o uso de bonecos, principalmente para pessoas com dificuldade de expor seus problemas. O psicoterapeuta e constelador Raphael Silva destaca: “Não se trata de consertar as relações. O foco dessa terapia está em deixar surgir soluções para questões atuais, que possuem raízes nas relações primárias com o núcleo familiar, principalmente com a mãe e o pai”. A constelação é

um método de diagnóstico, consiste em entender onde está o bloqueio ou situação traumática que prejudica o sistema, para ajudar a reposicionar os elementos em seus lugares. Acredita-se que quando um dos membros de uma família se desconfigura, alguém da próxima geração busca compensar isso, mesmo que inconscientemente. Desde 2009, o biomédico Mateus Santos realiza atendimentos de Constelação Familiar em Brasília. O constelador conheceu o método em 2005: “A princípio, não acreditei muito no que vi, mas à medida que comecei a participar, fiquei impressionado com o que se apresentava do campo familiar através dos representantes da minha família, as soluções surpreendentes que surgiam e a força reconciliadora do trabalho”. Santos, que atualmente atende clientes na Asa Sul, afirma que sempre recebe retornos positivos. “Uma vez recebi uma cliente que tinha problemas com a filha adolescente, ela dava problemas na escola, mentia, matava aulas. Fizemos a constelação e visualizamos a solução de aproximá-la do pai, que tinha ido embora assim que ela nasceu. Um mês depois, o pai procurou o contato da mãe e reestabeleceu ligação com a filha. Seis meses depois, a mãe me contou que a filha tinha mudado muito e que elas estavam bem próximas”, disse o constelador. O estudante de psicologia Erik Behr participa semanalmente de grupos de terapia sistêmica. Segundo ele, sua família é representada pelos participantes de maneira muito fidedigna: “As pessoas representaram meus familiares, os quais nunca haviam conhecido antes, e mesmo assim, o campo mostrou como cada um estava, é impressionante. Tomar consciência do seu sistema familiar é sempre muito poderoso”. O conteúdo de cada constelação também afeta diretamente as pessoas que representam os familiares, o que configura uma terapia coletiva. A estudante Veruska Castello, por exemplo, sempre contribuiu para a constelação familiar de várias pessoas, mas nunca foi constelada: “Sempre relaciono o que vivo nas constelações dos outros com minha vida e história pessoal. Acredito que essas informações também trabalham num nível inconsciente, desencadeando processos”. O método das constelações familiares foi desenvolvido pelo teólogo e psicoterapeuta Bert Hellinger. O alemão tem expandido sua visão sistêmica por diferentes países nos últimos anos. Já existem cursos de formação para consteladores em diversas regiões do Brasil. Sua visita à Brasília, em 2007, desencadeou a prática no Distrito Federal. Hellinger considera que, acima da consciência individual, existe uma consciência familiar que age no subconsciente dos indivíduos. Em seu trabalho de observação, percebeu que em várias gerações se repetiam situações de perdas, rejeições e doenças devido à atuação da consciência familiar e não individual. Para ele, alguns sentimentos seriam adotados, assumidos de outras pessoas. u


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