CAMPUS
VITOR PANTOJA
BOLA PARADA Fim da verba para pagar árbitros reduz o número de equipes de futebol amador do DF e suspende campeonatos
CULTURA
CENÁRIO DE CINEMA Equipe prepara a gravação de Campus Santo
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UNIVERSIDADE
ACESSO NEGADO
PERFIL
IVANILDO DO SKATE
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NA FILA
CARTA DO EDITOR Bianca Marinho Editora-chefe
A quarta edição do Campus em 2015 rendeu lições importantes. A primeira delas é que o jornalismo trabalha a serviço das pessoas. O sentimento de mudar o mundo que outrora trouxe muitos de nós à profissão pode se perder em desilusões e incertezas ao longo dos semestres iniciais da graduação. O reencontro da velha paixão está entre furos, personagens com boas histórias e denúncias - experiências vivenciadas nos três jornais anteriores deste ano. O que mais aprendemos com esta edição não foi o conteúdo publicado, e sim o que deixamos de publicar. Dispensamos uma história com grande potencial de pautar outros veículos para não prejudicar a carreira de uma pessoa. A edição n° 423 mostra como a crise financeira chegou aos gramados. No país do futebol, falta jogo. Jogo de cintura dos governantes e jogo de futebol pelo atraso de campeonatos. Sem dinheiro, não dá nem para pagar os árbitros.
Por outro lado, intercambistas do Programa Ciências Sem Fronteiras decidem voltar ao Brasil antes do tempo. Apuramos os problemas encontrados pelo Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais para manter as atividades na Universidade. Em um cenário de disputa por espaço, até o banheiro é alvo. Além disso, guiamos o leitor por roteiros cinematográficos nos quais a UnB é o cenário. O filme Campus Santo começa a ser gravado em breve. A página oito traz ao leitor uma leitura mais leve. Dessa vez, trabalhamos o perfil de um personagem conhecido em Brasília. Já ouviu falar no “Ivanildo do skate”? Ele geralmente fica no mesmo ponto: o semáforo do cemitério da Asa Sul. Divide as doações recolhidas com crianças carentes. Como um vulto, move-se rápido em um skate mesmo com as pernas paralisadas desde a infância. Seus braços, por outro lado, vão longe.
MEMÓRIA
OMBUDSMAN*
“Melhoraria o suco do RU. Ele é ruim e isso já virou tradição. Também melhoraria o cardápio.”
Rudá Moreira
A edição 422 inovou. O suplemento veio preencher o espaço extra que o tabloide recebeu a partir desta edição. Com matérias bem escritas e temática interessante, o encarte seguiu e avançou com o belo trabalho gráfico que está sendo feito neste semestre. Apenas a diagramação da segunda página poderia ter sido pensada de forma a facilitar o fluxo de leitura. No restante do jornal, boas pautas ganharam espaço. “Caminhada pioneira” deixa o leitor em dúvida. Na capa é anunciado que o grupo de andarilhos volta à atividade após dois anos. Já na matéria, muda para dez anos. Mesmo havendo a diferença de referencial, o foco deve ser escolhido. Ou destacase o período de dois anos ou o de dez. Essa indecisão é reflexo da dificuldade de transformar a pauta numa notícia atual. Acabou que a matéria virou uma memória da ONG Cabras. O crédito do fotógrafo, que desta vez não faltou à capa, ficou ausente na página três.
“Educação à distância” mereceu a capa. O problema persiste há anos e nem a grande mídia oferece espaço, nem nada é feito. A repórter criou uma narrativa que aproxima o leitor do tema e o conduz agradavelmente até o fim. O último parágrafo do texto, porém, traz um novo motivo para a matrícula de alunos da Estrutural em escolas de outras regiões, que não é mencionado em nenhum outro ponto, e com razão. A escolha por matricular o filho mais perto do trabalho do que de casa não é exclusividade das mães da Estrutural. A submatéria complementa muito bem a página. E aqui uma dica: a fala dos entrevistados não precisa ser impressa no jornal com todos os erros de português que foram ditos. Isso dificulta a compreensão do texto. “As cartas que curam” fecha a edição de forma sublime. Trata de um assunto exótico com estilo e imparcialidade. Ainda traz algo de novo, mesmo aos conhecedores do tarô.
Em março de 1984, a edição nº 61 do Campus abordava a realização do filme Assembléia Geral na reportagem de Nevinho Alarcão. A ideia do longa sobre a UnB surgiu durante a greve geral de 1982 e pretendia debater os antecedentes do movimento e a história da Universidade. Nesta edição, o Campus destaca a produção do longa de ficção Campus Santo. O filme, que começa a ser gravado em breve, aborda as consequências do período de ditadura na UnB.
“Um monte de funcionário foi mandado embora e alguns estão trabalhando por três, eu acho isso errado. Eu contrataria mais funcionários .”
“Eu melhoraria a origem dos alimentos. Poderiam ser cem por cento orgânicos, com maior atenção à produção e qualidade da comida.”
EXPEDIENTE Editora-chefe: Secretário de redação: Editores:
Diretores de arte:
Repórteres:
Fotógrafos:
Monitoras: Professores:
Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da
Jornalista:
Universidade de Brasília
Colaboradores:
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CINEMA JOVEM GISELLE CINTRA
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Universidade de Brasília será cenário para as gravações de um filme que irá retratar uma geração de jovens dos anos 1980. O contexto histórico do enredo é marcado pelo início da redemocratização do Brasil, posterior ao regime militar, com José Sarney como presidente do país. O longa-metragem intitulado Campus Santo é baseado em histórias verídicas vinculadas a um caráter ficcional. Será um dos primeiros filmes desse modelo filmado exclusivamente na Universidade, que vai mostrar acontecimentos da vida de um grupo de jovens estudantes que contestavam a situação política e social do país, a partir de 1987. O núcleo central da trama encontra-se em um apartamento na UnB. O pai do personagem Arthur é um saudosista do regime militar e desqualifica as pessoas que frequentavam a Universidade, pois para ele, todos eram subversivos à ditadura e apoiadores da democracia. Arthur se insere no ambiente da Universidade e descobre o seu espaço de formação de ideias, gerando um conflito entre ele e o pai.
‘‘ O roteiro é um elemento frio, é algo para ser feito, porém, deve ser interpretado.” Além dos figurantes, que chegam a 300 pessoas, cerca de 100 atores e atrizes irão atuar no filme. As gravações serão feitas entre os dias 7 de julho a 10 de agosto. A equipe técnica soma um total de 42 profissionais, atuando nas funções de cenografia, câmera, fotografia, arte e som. As cenas serão gravadas na Biblioteca Central, no Centro Olímpico, nos apartamentos da Colina, alguns espaços abertos e locais como o Instituto de Artes, que autorizou a filmagem em duas salas. Alguns desafios ainda devem ser enfrentados ao longo do
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Imagens de divulgação
processo de locação. Um deles é na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). No período dos anos 1970 e 1980, os estudantes do curso promoviam festas no interior da faculdade. No entanto, a equipe de produção terá de convencer a coordenação da FAU a promover a festa dentro da faculdade. A equipe de produção responsável pela ficção é a Asacine e o apoio aos recursos do longa Campus Santo foram obtidos por meio de financiamento concedido pelo Fundo de Apoio à Cultura. O projeto foi enviado também ao Fundo Setorial do Audiovisual, que uma vez aprovado, completa o seu orçamento financeiro. A montagem começou em agosto do ano passado e após a escolha, atores e atrizes passaram por um processo de imersão histórica dos anos 80. O diretor Marcio Cury revelou que dará maior voz a algumas mulheres do longa. “O grupo de homens do filme realmente era machista. Vamos trabalhar um pouco mais em algumas personagens para colocá-las como protagonistas na história, no entanto, sem fugir da realidade dos anos 1980, pois eu não pretendo fantasiar”, enfatiza o diretor. Em raras produções os atores podem emitir sua opinião sobre possíveis mudanças estruturais de um filme, foi o que comentou o ator Tulio Starling sobre o espaço de discussão. “O roteiro é um elemento frio, é algo para ser feito, porém, deve ser interpretado. Acho que todos se sentiram contemplados ao opinar sobre ele”, diz o ator. Campus Santo está previsto para ser concluído no final deste ano e exibido em todas as salas de cinema do Brasil. CENÁRIO UNIVERSITÁRIO Outras produções também já foram gravadas na UnB, porém em um contexto de natureza documental ou apenas com imagens dela ao fundo. Veja algumas das produções que tiveram os ambientes da Universidade como estúdios e inspiração:
Barra 68, Sem Perder a Ternura Vladimir Carvalho (2000). O filme registra momentos históricos ao narrar a experiência de alunos e professores durante a invasão da UnB por forças armadas em 1968. O documentário além de trazer imagens originais, conta com o depoimento de Darcy Ribeiro, onde contrapõe o sonho da Universidade moderna e autônoma com a realidade hostil da ditadura militar. Carvalho, em 1970, junto com Fernando Duarte, já havia produzido Vestibular 70, também filmado dentro do campus. Somos Tão Jovens - Antonio Carlos da Fontoura (2013). A cinebiografia de Renato Russo tem como fundo a Colina, residência dos professores da UnB. Forma-se então, a Turma da Colina que agrega o movimento formado pelas bandas de rock da década de 1980. É nesse contexto que o protagonista, vindo do Rio de Janeiro, adere à nova onda musical de Brasília e posteriormente ajuda a fundar a banda Aborto Elétrico e, depois, a Legião Urbana. Faroeste Caboclo - René Sampaio (2013). Outro cenário de destaque na UnB. A épica história de João de Santo Cristo se cruza com a da personagem Maria Lúcia, estudante da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. O Instituto Central de Ciências é palco ainda para outras cenas como a da festa de rock. Felizes para Sempre - Escrita por Euclydes Marinho (2015) A minissérie exibida pela Rede Globo desenvolve sua trama na capital do país. A personagem Norma, professora de Sociologia, tem algumas cenas em anfiteatros. O jovem professor Guilherme é filmado andando de bicicleta pelos corredores do ICC, o que na realidade, é proibido pelo regimento interno da Universidade. (Colaboração de Wenderson Oliveira)
Algumas produções que utilizaram a UnB como cenário.
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A VÁRZEA ES A
JOSÉ ARTUR LAUTERT E VITOR PANTOJA
rli José dos Anjos disputou seu primeiro campeonato de futebol amador no Varjão há 28 anos. Acostumado a ser destaque nos campos e chamado de craque pelos amigos, ele lembra com orgulho de suas conquistas: “Sou o maior artilheiro desse campeonato”. Jogando pelo Varjão Esporte Clube, Arli ganhou dois títulos. Apesar de já ter visto muita coisa no universo da bola, o veterano parece não acreditar que o torneio deste ano foi suspenso. “Não entendo. É tudo tão simples, vários times, um belo campo pra jogar, mas não vejo nenhum apoio”. O futebol amador é uma paixão que movimenta milhares de pessoas durante os finais de semana no Distrito Federal. Atualmente, 25 regiões administrativas possuem ligas que envolvem, nas competições da categoria adulta, mais de 16 mil atletas distribuídos em cerca de 750 times. No entanto, desde o fim de 2014, a modalidade enfrenta dificuldades por falta de dinheiro. Entre os campeonatos adultos, um ainda não começou e outro sofreu atraso de quase um mês. Além desses, pelo menos três registraram diminuição significativa no número de equipes em comparação ao último ano. Um dos fatores que contribuíram para o esvaziamento é a suspensão do Programa Boleiros. Criado em 2011 pelo Governo do Distrito Federal, tinha como objetivo incentivar a prática do futebol amador custeando os árbitros e auxiliares. Em três anos, a iniciativa trouxe benefício a mais de 2 mil equipes de várias categorias e cerca de 500 árbitros, garantindo a arbitragem em 4 mil jogos só em 2013. Cada trio de arbitragem custava R$ 180 por jogo. Porém, o projeto foi interrompido em outubro de 2014, em uma das tentativas do GDF de conter gastos. Sem o financiamento, as ligas e clubes, já acostumados com o benefício, tiveram que se reorganizar para garantir a continuidade dos campeonatos e a realização dos jogos.
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O torneio amador da Liga Desportiva do Varjão (LDV) contou com 14 times adultos no ano passado e ainda não tem previsão de início em 2015. As partidas são realizadas em um campo society à beira da rodovia DF-005, próximo à entrada da cidade. Segundo a diretora executiva da liga, Silvia Chaves de Queiroz, a falta de verba é um fator determinante para a paralização do campeonato “Estamos só com dez times confirmados por enquanto e, sem a ajuda para o pagamento da arbitragem, não temos condições para começar”. Outras despesas, como a marcação e manuntenção dos campos, ficam por conta dos próprios jogadores e dirigentes. Por isso, muitas vezes não há arrecadação suficiente para a premiação das equipes, por exemplo. É o caso do clube Total Flex, atual campeão da liga do Varjão, que ainda não recebeu o valor do prêmio referente ao título do ano passado e atualmente está jogando o campeonato amador de Sobradinho. Na cidade localizada a 23 km do Plano Piloto, o campeonato adulto começou atrasado por falta de dinheiro para pagar juízes e bandeirinhas. Com 16 times, oito partidas por final de semana e trios
de arbitragem que custam R$ 160 por jogo, o gasto chega a R$ 5.120 por mês. De acordo com o presidente da Liga de Futebol Amador de Sobradinho, João Lúcio Pereira, outro grande problema é a manuntenção dos campos: “O mato que cresce ao redor dos campos precisa ser retirado, e o serviço de contratação das máquinas é muito caro”, explica. A falta de organização por parte das equipes também é apontada como fator importante para o atraso do torneio. Albergo Diniz, presidente do Sobradinhense, atual campeão da liga de Sobradinho, alerta para a necessidade de maior diálogo entre os dirigentes: “Não podemos esperar que a verba do governo esteja sempre aí.” No Paranoá há diminuição de um terço no número de times do torneio amador da primeira divisão. No ano passado, 15 equipes disputaram a competição. Neste ano, apenas 10 . As partidas são disputadas em dois campos de terra batida localizados em área cercada por pinheiros à beira da rodovia DF-001. Os espaços de jogo são castigados por buracos que se formam com o acúmulo de água das chuvas. Em alguns pontos do lugar, o mato alto quase invade o campo.
De acordo com o presidente da Liga Desportiva do Paranoá (LDP), Adeílse Santos, um terceiro campo existente na região não está sendo usado por conta da redução de times. “É triste ver o campo vazio”, afirma. “Mas mesmo sem o Programa Boleiros, vou continuar lutando com muita raça e dedicação para manter a força do futebol amador”. Atualmente, as partidas do campeonato do Paranoá são apitadas por uma dupla de juízes. O custo da arbitragem por partida é de R$ 120. Durante o período da competição, a cada semana é disputada uma rodada composta por cinco jogos, que ocorre sempre aos domingos. Dessa forma, o desembolso mensal com a arbitragem na primeira divisão do torneio da cidade é de R$ 2.400. A responsabilidade pelo pagamento dos árbitros a cada partida é repassada aos presidentes das equipes. De acordo com Josué Gonzaga, presidente do Itapoã Futebol Clube, quando analisado de maneira isolada, o custo da arbitragem não parece significativo. Segundo ele, porém, a quantia paga aos árbitros não é a única despesa dos times. “Já tenho que comprar bolas, uniformes e meiões com dinheiro tirado do meu bolso. Agora o pagamento dos juízes também entra como despesa. É complicado”, explica. Em Sobradinho II, a 16 km do Plano Piloto, também há baixa de quase 25% no número de equipes que disputaram o campeonato amador da região entre 2014 e 2015. No ano passado, 18 equipes disputaram a copa, e neste ano, 14. O presidente do clube Adec/Renegados, Rogério da Costa, conta que atualmente cada dirigente de equipe paga uma taxa mensal de R$ 180 para a Liga Esportiva de Sobradinho II (Lieso), que arca com os custos de arbitragem, marcação das dimensões dos dois campos de barro do local e outras despesas, como manutenção do site da liga na internet.
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A ESVAZIADA MATHEUS BASTOS
BOLEIROS A ausência do Programa Boleiros poderia abrir espaço para que empresas locais patrocinassem os clubes, mas não é isso que acontece. O presidente da Liga de Futebol Amador de Sobradinho, João Lúcio Pereira, lamenta a falta de investimento. “Os empresários não veem vantagem em colocar dinheiro no futebol amador porque não têm retorno financeiro.” Rogério da Costa, presidente do clube Adec/Renegados, afirma que nesse caso os donos de empresas precisam ter preocupação social. “Eles devem perceber que o esporte pode tirar as crianças das ruas e dar um futuro melhor para elas.” Atualmente, tramita na Câmara Legislativa do Distrito Federal o PL Nº 243/2015, conhecido como Projeto de Lei dos Boleiros, de coautoria dos deputados distritais Ricardo Vale (PT), Julio César Ribeiro (PRB) e Wasny de Roure (PT). A proposição prevê que o Programa Boleiros se torne política de Estado, ou seja, que independentemente da vontade de um governo do DF o incentivo fiscal para os campeonatos de futebol amador seja garantido. A iniciativa também propõe que outras modalidades de futebol recebam o benefício. Entre elas estão o Futebol de Salão, o Futevôlei, o Futebol de Sete e o Futebol de Areia. Em audiência pública realizada no dia 5 de maio na Câmara Legislativa do Distrito Federal, estiveram presentes diversos representantes de modalidades do esporte amador no DF. Durante o evento, o deputado Ricardo Vale falou sobre a importância do projeto.
GASTOS COM ARBITRAGEM (POR MÊS)
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“Recursos gastos com o esporte são investimentos, não despesas. Queremos promover o potencial de inclusão social e formação de atletas que o futebol possui como instrumento de lazer”. Em pelo menos um caso, o fim do Programa Boleiros resultou na melhoria da organização do campeonato amador. É o que acontece na Liga Desportiva da Fercal (Lidefer), área que fica a27 km do Plano Piloto. O atual diretor da liga, Diego Rodrigues conta que, durante o período de duração do incentivo governamental, problemas como a má gestão dos recursos para o custeio da arbitragem e falta de transparência no desenvolvimento do Boleiros atrapalharam o andamento do campeonato na região. “Na verdade, o programa contribuiu para bagunçar a liga. Não havia prestação de contas. Em alguns jogos, era paga a quantia para que um trio apitasse e só aparecia um juiz”, explica. O local, que se tornou a 31ª Região Administrativa do DF em 2012, lida com a diminuição de equipes por conta do fim do Programa Boleiros. Desde o ano passado houve queda de mais de 20% no número de equipes no campeonato adulto. Em 2014, 14 times disputaram o torneio e agora são 11. Em 2015, foi adotada uma nova estratégia de arrecadação para o pagamento dos árbitros. Ao invés de os diretores de times assumirem a tarefa de levantar a quantia paga à arbitragem por conta própria, os atletas se tornam sócios da liga e desembolsam R$ 10 por mês para participarem das competições na Fercal. O presidente da Lidefer, Jeferson Alarcão, diz que o atleta que não paga o valor em um mês, não joga no seguinte. “Se não paga em maio, no primeiro domingo do mês de junho ele cumpre suspensão automática por estar em débito com a liga. Pelo fato de agora ser sócio, mesmo que pare de participar dos campeonatos por um tempo, quando voltar tem que quitar a dívida para poder jogar”, afirma Alarcão.
Arli José dos Santos joga o campeonato amador do Varjão há 28 anos: “Não entendo. É tudo tão simples, mas não vejo nenhum apoio.” VITOR PANTOJA
Adeilse Santos, presidente da Liga Desportiva do Paranoá, com a súmula do jogo na qual ainda há a marca do Boleiros.
No contexto de falta de apoio do futebol amador, todas as tarefas que envolvem a preparação de uma partida demandam esforço dos organizadores. Na Fercal, a cada domingo, membros da liga desportiva realizam a troca das redes dos gols e a marcação das dimensões dos três campos de jogo da região.
Jeferson Alarcão conta que assume até a função de mesário em algumas ocasiões. Para ele, o futebol é o único lazer que os moradores da Fercal têm. “Não temos vôlei, basquete, essas coisas”, afirma. “O que manda aqui é o futebol amador. Por isso que a gente não deixa parar”.
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PROCURA-SE ACESSIBILIDADE LUIZA ANTONELLI
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BÁRBARA CRUZ
Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE) atende mais de 180 alunos na Universidade. Hoje, o grupo espera a aprovação de construção de um banheiro adaptado com chuveiro e cama para processos de higienização, além de mesas e carros próprios para pessoas com necessidades especiais. Os estudantes aguardam decisão da reitoria sobre a construção de um banheiro adaptado no final da ala norte do Instituto Central de Ciências (ICC). No início deste ano, em reunião realizada com os alunos com necessidades especiais, foi cobrada do reitor a construção do banheiro e de uma área de convivência na sala ao lado do PPNE, proposta que já está em pauta há mais de quatro anos. A proposta foi aprovada pelo reitor. No entanto, em abril deste ano, a reitoria liberou a construção de dois Centros Acadêmicos no mesmo local previsto para as obras. O reitor afirmou ao PPNE que a construção do banheiro adaptado seria reavaliada. A decana Denise Bomtempo, do Decanato de Assuntos Comunitários (DAC), disse ser favorável à construção do banheiro, mas ainda aguarda avaliação final da reitoria. O reitor Ivan Camargo afirmou que a decisão sobre a construção do banheiro e dos CAs ainda não foi tomada. “São duas demandas muito fortes, os alunos precisam de um espaço como o CA, mas em visita ao PPNE, foi constatado que o banheiro atual fica muito longe”. Uma alternativa que a reitoria considera é a reforma do banheiro per-
to da Faculdade de Arquitetura e das calçadas que levam a ele. “É uma dívida que temos com os alunos. O banheiro é uma demanda que considero legítima”, afirma o reitor. A construção do banheiro e da área de convivência é fundamental para os alunos com necessidades especiais. O cadeirante Luiz Antônio Bichie, 28, estudante de História, comenta a dificuldade que enfrenta ao passar o dia inteiro na Universidade. “Muitas vezes tive que perder aula e ir para a casa porque aqui não tem onde me higienizar.” Para auxiliar o filho no transporte pelo campus e nas idas ao banheiro, Luis Antônio Garcia, pai de Luiz, vende marmitas no estacionamento do ICC. Essa é uma forma de complementar a renda familiar. “Se o pai voltasse a trabalhar, Luizinho não ia poder estudar”, explica a mãe Rosana Bichie. Como possui um carro adaptado, a família prefere não utilizar o veículo disponibilizado pela Universidade. Pequeno e sem rampa, o carro atual cedido pela Fundação da UnB exige que o aluno seja auxiliado por outra pessoa para entrar. No veículo adaptado, o cadeirante tem autonomia e pode entrar no veículo sem precisar sair da cadeira de rodas. Além disso, o carro não possui a licença para transporte de pessoas com deficiência física. Os cadeirantes também aguardam a colocação de mesas adaptadas em todas as salas de aula da Universidade. Luan do Nascimento, 21, é estudante do quarto semestre de Ciência Política e está cadastrado no PPNE desde que entrou na Universidade, por ter mo-
CONHEÇA O PPNE O PPNE é um programa formado por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos, criado em 1999 na UnB para atendimento a alunos com deficiência física e, posteriormente, ampliado para alunos com necessidades especiais. Hoje, o programa atende 186 estudantes com necessidades especiais, com o objetivo de assegurar a inclusão na vida acadêmica. O projeto recebe deficientes físicos, auditivos e visuais, além portadores de outras necessidades, como da mobilidade reduzida, autismo, dislexia e transtorno de déficit de atenção.
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bilidade reduzida ocasionada por uma paralisia parcial. Assim que entrou na UnB, solicitou mesas adaptadas para cadeirantes nas salas de aula. Seis meses depois foi atendido, mas com uma mesa diferente da solicitada e apenas em algumas salas de aula. A prefeitura da UnB fabrica e disponibiliza algumas mesas, mas não dentro do padrão solicitado pelo PPNE. A distribuição e permanência das mesas nas salas de aula também são aspectos críticos entre os alunos do campus. “Sou prejudicado com a falta da mesa, porque sem ela não tenho apoio para escrever”, afirma o estudante, que se queixa de dores na coluna. “Já estou quase terminando a faculdade e a mesa ainda não existe”, reforça Luiz Antônio Bichie, que também sofre com a falta de mesas adaptadas na UnB. O estudante conta que teve apenas uma oportunidade de utilizar a mesa no semestre passado e lamenta: “A UnB não dá atenção ao PPNE”. A coordenadora de Tutoria do PPNE, Claudia Nunes, lamenta o atraso nas decisões e na entrega de equipamentos. Claudia ressalta que, quando se trata de atendimento a alunos com necessidades especiais, o tratamento deve ser diferenciado. “A gente não pode pensar em números. Se um pre-
cisa, aquilo tem que estar disponível. A Universidade deve se preparar para receber o aluno”, afirma. (Colaboração de Bárbara Cruz)
E AS COTAS? O sistema de cotas foi criado para dar acesso a certos grupos em universidades, concursos públicos e no mercado de trabalho. Atualmente, empresas com 100 ou mais empregados são obrigadas a reservar de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência. Nos concursos públicos, há reserva de 20%. Porém, ainda não existe mecanismo legal que obrigue institutos de ensino superior a reservar vagas para deficientes em processos seletivos. Levantamento feito pelo Campus com 64 universidades públicas brasileiras mostrou que, no vestibular de 2014, apenas em 10 delas (15,6%) houve reserva de vagas para deficientes. A UnB foi a primeira universidade federal a instituir o sistema de cotas raciais, em 2004, mas não possui reserva de vagas para pessoas com necessidades especiais.
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RETORNO ANTECIPADO LYDIA ASSAD
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lguns estudantes que estão no Ciência sem Fronteiras (CsF) tentam diminuir o tempo de permanência no exterior, uma vez que encerram as obrigações acadêmicas antes do período pré-estabelecido pelo edital do programa. Segundo dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), isso ocorre com 5% dos bolsistas. Cada caso é analisado individualmente pela coordenação do CsF. Mesmo tendo ciência das regras do edital ao assinarem o termo de concordância, os alunos alegam que perdem o semestre quando voltam ao Brasil devido à diferença nas datas de início e término dos semestres letivos nos diferentes países. Aluna do 6o semestre do curso de Medicina da Universidade Católica de Brasília, Bárbara Junqueira está na Universidade de Salford, em Michigan, Inglaterra. Bárbara conta que vai terminar o seu curso no fim de maio, mas só tem autorização para voltar ao Brasil em setembro. “O edital que participo acaba em agosto, então quando voltar para o Brasil, terei que esperar até 2016 para voltar a estudar. Isso não é produtivo e vai prejudicar a minha formação.” A aluna afirma que ainda não desistiu de tentar a autorização de retorno, mesmo após duas negativas do órgão. O edital deixa claro em uma das cláusulas que o retorno ao Brasil sem a devida concordância da agência de fomento causará o cancelamento da bolsa, assim como a devolução de todo investimento feito em favor do bolsista durante o período de permanência em outro país. O Coordenador do Programa Ciência sem Fronteiras, Geraldo Nunes, é categórico ao afirmar que a agência não tem intenção de prejudicar os alunos, mas como as bolsas tratam de dinheiro público toda a burocracia é necessária, uma vez que o CNPq está investindo recursos nos participantes. “O aluno tem que fazer a solicitação
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ACERVO PESSOAL
formal e justificada. Cada caso será avaliado individualmente pela coordenação responsável pelo programa”, afirma Nunes. Mesmo com conhecimento prévio, Felipe Veras, 22, estudante de Medicina da Universidade Federal de Roraima, decidiu cursar Cardiovascular Sciences na cidade de Michigan, Inglaterra, por considerar uma oportunidade única. Veras conta que o pai faleceu cinco dias antes de sua saída do Brasil para o CsF, mas decidiu manter a viagem porque tudo já estava arranjado. Hoje, passados nove meses de estadia na Inglaterra, ele tenta voltar com a alegação de que já terminou todas as obrigações acadêmicas e que precisa cuidar dos trâmites legais da morte do pai. Veras teve o pedido de adiantamento de retorno negado duas vezes pelo CNPq. A autorização foi concedida no início do mês de maio e Felipe Veras deve voltar ao Brasil até o início do mês de junho. Há casos ainda de estudantes que saem sem o aviso prévio ao órgão e retornam ao CsF. Jessica Wolff, 23, está no 7º semestre de Medicina na Universidade de Brasília. Em 2013, cursou Medical Physiology em Londres. “Meu pai faleceu no meio do intercâmbio e voltei ao Brasil às pressas para o enterro”, conta. Ela voltou ao país em setembro de 2013, quando já havia acabado o primeiro semestre letivo, porém não avisou o CNPq antes da ida ao Brasil. Segundo ela, não houve tempo hábil para enviar uma mensagem ao órgão. Desde a notícia da morte de seu pai até a saída da Inglaterra para o Brasil, tudo levou menos de seis horas. Jessica ficou duas semanas no país, mas como estava de férias, o retorno não prejudicou seus estudos. Segundo a aluna, quando os estudantes saem do Brasil, devem seguir o edital uma vez que assinam um contrato, o qual exige que o órgão seja avisado caso o aluno precise voltar ao país, independentemente do motivo. Por isso, quando
Jéssica Wolff voltou ao Brasil para o enterro do pai sem autorização do CNPq e teve a continuidade da sua bolsa ameçada.
voltou a Londres, a aluna recebeu a informação que teria a bolsa cancelada. Isso, no entanto, não ocorreu pois ela conseguiu justificar a saída repentina e reverteu a situação, não tendo que devolver os valores e continuando seu período de estudos normalmente. “Nós não temos elementos para controlar a entrada e saída dos alunos”, afirma Nunes. Ele lembra ainda que, para a agência de fomento, o essencial é saber se o aluno está cumprindo o programa, mais do que conhecer os motivos que levam ao seu pedido de retorno antecipado. Caso os alunos estejam fora do período acadêmico e não sejam prejudicados na universidade, a saída será autorizada pela coordenação do programa. O assessor internacional do CsF, Everton Willer orienta que os documentos sejam enviados e os procedimentos seguidos para qualquer solicitação. Os prazos também devem ser observados, visando sempre proteger o estudante e o dinheiro do Estado. “Nós, enquanto agentes públicos, temos as normas, mas o que deve prevalecer sempre é o bom senso. Somos guardiões do dinheiro público e não podemos deixar que seja desperdiçado”, completa Nunes.
(Colaboração de Anna Luiza Félix)
O PROGRAMA O Ciência sem Fronteiras é um programa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) que busca promover a internacionalização da ciência por meio do intercâmbio de estudantes universitários do Brasil. Os objetivos do programa são investir na formação de pessoal altamente qualificado, aumentar a presença de pesquisadores em insituições de excelência no exterior, além de atrair pesquisadores que queiram fazer suas pesquisas nas instituições brasileiras. O projeto prevê o investimento em 100 mil bolsas de estudos, sendo 64 mil só de graduação, até o final de 2015. As bolsas do programa Ciências sem Fronteiras tem duração de 12 meses, que representam dois semestres letivos na universidade e um período de estágio ou de desenvolvimento de um projeto de pesquisa, podendo ser estendidas por seis meses adicionais.
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A BEIRA DO MEIO-FIO LAÍS BÊRBER
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amoso entre os brasilienses, “Ivanildo do skate” se locomove sob um skate arrecadando dinheiro no sinal do Setor Policial Sul próximo ao cemitério Campo da Esperança. “Eu não gosto que me chamem de aleijado, porque eu acho que tem que manter respeito. Eu vejo gente com os braços bons, as pernas boas e é mal agradecido. E eu olho a minha vida e sou feliz”. Ele prefere usar o skate à cadeira de rodas porque a locomoção é mais rápida, cansa menos os braços, e para subir o meio-fio é mais fácil. “De skate subo rapidinho.” José Ivanildo Leandro da Silva nasceu em Murici (AL), em 2 de abril de 1973. Ainda na infância enfrentou dificuldades. “Eu chupava cana-de-açúcar para não morrer de fome”, lembra. Teve paralisia infantil aos seis meses, por não tomar vacina. Abandonado pelos pais, foi criado pela avó. Aos 19 anos, mudou-se para Maceió, onde pedia dinheiro em uma feira. “Eu andava
me arrastando com a bunda no chão e pedia ajuda para as pessoas”. Em Maceió, conheceu Ana Paula, mãe de seu primeiro filho, Moisés, que nasceu prematuro. À época, Ana Paula não tinha condições de criar a criança. Ivanildo buscou seu filho no hospital sozinho. No final da década de 90, decidiu mudar-se para Brasília, em busca de melhores condições de vida. Antes de concretizar o plano, passou por Ibirataia (BA), onde morava sua mãe. Lá trabalhou na campanha de um candidato a prefeito. O político prometeu emprego a Ivanildo - se vencesse as eleições - ou uma passagem para Brasília - se perdesse. “E não é que o prefeito perdeu? Então era para eu vir para Brasília mesmo”, comenta rindo. “Cheguei a Brasília por volta de 2000, não tinha nem onde dormir”. Acolhido por uma igreja do Cruzeiro, onde dormiu por três meses, conseguiu doações de televisão, geladeira, fogão. “Consegui pagar dois meses de HANNA GUIMARÃES
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aluguel no Jardim Céu Azul.” Ivanildo conta que uma mulher comprou um lote vazio no mesmo bairro, em Valparaíso (GO), por R$ 2.500 para ele. Durante dois anos e quatro meses, juntou o dinheiro que pedia na Rodoviária do Plano Piloto, e conseguiu R$ 22.000 para fazer a casa onde mora até hoje. Por ser ajudado, Ivanildo quis ajudar as pessoas. Há 15 anos realiza uma campanha que arrecada brinquedos e doações na QI 5 do Lago Sul para crianças carentes. Ano passado, Ivanildo conseguiu ajudar 1.100 crianças. Além dessa campanha, ele também promove um almoço beneficente para as mães há nove anos. Os eventos contam com a ajuda de alguns empresários para fornecer cadeiras, mesas, alimentos e bebidas. Voluntários ajudam na preparação do almoço. Foi em uma dessas ações sociais que Ivanildo conheceu Ivanice Pereira da Silva. Eles estão juntos há mais de nove anos e pretendem se casar. Dessa relação nasceram a Eulália Cristina e Artur. O casal aguarda o nascimento do terceiro filho. Sua filha, Eulália, nasceu com má formação no intestino. Ivanildo fez uma promessa a Deus que, se sua filha sobrevivesse, ele continuaria com o projeto do dia das crianças enquanto vivesse. O projeto existe até hoje. Ivanildo diz que muita gente o questiona. Certa vez, um rapaz no sinal perguntou se ele ficava com parte do dinheiro que arrecadava para as festas. Ivanildo disse que não. “O que é meu, é meu, o que é das ações sociais, não se mexe”. Para facilitar a prestação de contas, ele criou um perfil no Facebook. Quem passa pelo sinal onde Ivanildo trabalha está acostumado a ver faixas comemorativas colocadas por ele. Ideia do próprio Ivanildo que, para alegrar o dia das pessoas, começou a
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Durante um dia comum de arrecadação, Ivanildo diz:“Eu olho a minha vida e sou feliz.”
colocar faixas desejando feliz natal, feliz ano novo e depois foi expandindo para o dia das mães, dia dos pais. A iniciativa deu certo. “Depois veio uma mulher aqui e falou: por que você não coloca do seu aniversário também? Aí eu coloquei uma faixa convidando para o meu aniversário. Fiz até chá de fralda do meu filho, veio a minha família toda”. As faixas são feitas, há mais de dez anos, por Edalton Nascimento, que não cobra pelo serviço. “Ivanildo não é acomodado e tem vontade de ajudar os outros.” Ivanildo quer ser candidato a vereador em Valparaíso em 2016 e sonha em representar a comunidade deficiente e idosa.
(Colaboração de Marja Gomes)
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Ivanildo todo ano cria faixas comemorativas.
29/05/2015 11:28:12