Rua

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SUPLEMENTO INFANTIL DE A TARDE. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Salvador, SÁBADO, 12 de abril de 2008

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Ano 4

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n° 131

Longe de casa Quando a casa fica insuportável, crianças podem fugir da família. Saiba o que está sendo feito em Salvador para resolver este problema

HAROLDO ABRANTES | AG. A TARDE

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Páginas 4 e 5 Murilo* saiu de casa porque tinha problemas com o pai


4e5

Salvador, SÁBADO, 12 de abril de 2008

A hora de voltar

Os diferentes caminhos para um final feliz

Uma família atenciosa e disposta a educar é do que as crianças precisam para sair da rua ANDRÉA LEMOS E CARLA BITTENCOURT alemos@grupoatarde.com.br e cbittencourt@grupoatarde.com.br

A personagem Menina (da página 3) fugiu com o circo porque queria ser artista e viver aventuras que imaginava ao ler sua revista preferida. Na vida real, crianças deixam a casa dos pais por diversos motivos. Na rua não tem pai nem mãe para mandar escovar os dentes ou para reclamar da nota baixa na escola. Mas lá também não existe

“Um menino lá da rua quis fugir. A mãe dele batia muito” André, 8

pai nem mãe para tomar conta da criança e defendê-la dos perigos. Murilo*, 12, sabe bem disso. Há dois anos, ele decidiu que ia sair de casa. Na primeira noite na rua, dormiu na praça em frente ao Mercado Modelo, em Salvador. Ficou sozinho e teve medo de que algo ruim acontecesse. Na época, Murilo tinha 10 anos. Ele contou que fugiu porque seu pai não o deixava fazer a coisa de que mais gosta: empinar arraia. Murilo aprendeu com os amigos a fazer as próprias arraias. Ele disse também que não gostava de casa porque seu pai batia nele e nos seus sete irmãos. Apesar disso, voltou algumas vezes. Quando chegava, a mãe perguntava por onde ele

*Murilo é um nome inventado para preservar a identidade do menino que teve sua história contada aqui. Pelo mesmo motivo, não publicamos os sobrenomes das crianças que falaram nesta reportagem.

“Acho que é porque tem gente que briga com as crianças” Gabriel, 8

tinha andado e o colocava para almoçar. De vez em quando, Murilo ainda revê os pais, no bairro de Fazenda Coutos, mas atualmente ele dorme na Casa Dom Timóteo (leia sobre essa casa no texto ao lado). Durante o dia, ele têm que estudar. Murilo está na 4ª série. Ele vai às aulas e freqüenta as atividades do Projeto Axé. Essa é uma instituição que existe em Salvador e tenta fazer com que crianças que estão nas ruas voltem para a escola e

para a casa. No caso de Murilo, o Projeto Axé conseguiu vencer a primeira etapa, que foi fazê-lo sentar de novo em uma sala de aula. Falta conversar com a família do garoto e ver o que é possível fazer para que ele volte a gostar do lar que tem. Em 18 anos, O Axé ajudou quase 15 mil crianças e adolescentes a voltar para a família ou a ter uma nova casa.

“Fogem porque brigaram com os pais ou porque querem conhecer coisas que os pais não deixam” Letícia, 9

“A criança não deve fugir. Na rua pode ter acidente. Não tem quem cuide dela” Gustavo, 8

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei brasileira que protege meninos e meninas, todos deveriam ter uma casa que lhes desse educação, carinho, espaço para brincar e crescer com saúde. Quando a família não funciona e a criança acaba indo para a rua, ela deve ser protegida. Em Salvador, a Fundação Cidade Mãe, ligada à prefeitura, mantém três casas para receber essas crianças. São as casas de acolhimento. A Casa Dom Timóteo, no Bonocô, foi criada em 1995. Ali, meninos entre 7 e 14 anos podem tomar café, brincar, participar de oficinas de artes e dormir. As meninas ganharam espaço em 1996. A Casa de Oxum, nos Barris, funciona de forma parecida. Todos chegam encaminhados pelo Conselho Tutelar. Essa instituição ouve os problemas das crianças e tenta solucioná-los. Qualquer criança pode ir, até sozinha, a um Conselho Tutelar reclamar que está perdida, que os pais não lhe

dão atenção ou que sofre alguma violência. Em Salvador, existem 13 conselhos em 13 bairros. Até 1998, as casas de acolhimento só funcionavam de noite. Durante o dia, quem não tinha para onde ir, acabava voltando para a rua. Naquele ano, foi inaugurado o projeto Cidadania Solidária, onde crianças de 8 a 14 anos passam o dia. Essa casa fica na Cidade Baixa. A coordenadora Vera Lúcia Melo e a assistente social Ângela Chezzi explicaram que as casas de acolhimento não foram feitas para morar e, sim, para as crianças passarem um tempo até poderem voltar para a família. O trabalho dessas profissionais é cuidar de crianças que estão na rua, levá-las de volta à escola e tentar encontrar (e depois conversar) com os seus responsáveis. Para a psicóloga Rita Ortiz, isso é um grande desafio porque envolve a criança que sofreu a violência ou o esquecimento

e também os responsáveis, com quem ela não se sente bem. “Infelizmente, muitas crianças aqui são filhas de pessoas que um dia também foram crianças nas ruas“. Às vezes, a volta para casa pode demorar. Chezzi disse que há famílias que ainda não estão prontas para educar os filhos. Quem experimenta a rua também muda, explicou Rita Ortiz. ”É como se crianças ficassem adultas antes do tempo”. VONTADE – O Projeto Axé trabalha nas ruas e tenta convencer as crianças a participarem de atividades na ONG. Os educadores querem que elas tenham vontade de voltar para casa. Os profissionais localizam a família dos meninos e meninas para marcar um encontro entre eles. O final feliz acontece quando as crianças voltam a morar com a família.

A casa não é boa quando tem brigas dos pais e os castigos são cruéis O promotor da infância e juventude, Carlos Martheo Gomes, disse que tem quem não aceite as regras dos pais e não queira obedecer, seja à ordem de tomar banho, seja a de comer verduras. Às vezes, ouvir “não” quando a maior vontade do mundo era estar no computador ou jogando

videogame deixa meninos e meninas emburrados, sonhando em estar longe. Mas isso, explicou o promotor, não é o principal motivo que faz as crianças saírem de casa. A maior parte, ele contou, foge porque, onde mora, os pais são violentos, batem e castigam. “É uma situação de desespero”. Nessas

casas falta tudo, explicou a psicóloga Cíntia Liana Reis, da 1ª Vara da Infância e Juventude: carinho de mãe, abraço de pai, atenção. “É como se a rua pudesse dar a elas o amor que não tiveram”. Em alguns casos, a dor é tão forte que não dá vontade de voltar mais. O promotor disse que a sociedade precisa

fortalecer a rede de garantia dos direitos da criança. Ou seja: fazer o que está escrito no ECA virar realidade. “A lei é boa, mas a gente ainda acaba falhando. Para a criança voltar, as coisas devem ter mudado, mas é importante que haja quem se esforce para que essa mudança aconteça e quem fiscalize bem isso.”

[Os protetores da lei ] Conselho Tutelar – É o órgão de proteção mais próximo das famílias. 71 3312-8088 (Largo de Roma), 3321-4561 (Barroquinha), 8108-0962 (Brotas), 3329-9731 (Itapuã), 3460-6301 (Pernambués), 3309-5513 (Castelo Branco), 3219-4586 (Cajazeiras), 8108-0748 (Periperi), 3245-8914 (Federação), 8108-0692 (Boca do Rio), 8108-0861 (São Caetano), 8107-5363 (Narandiba) Juizado da Infância e Juventude – Julga se o ECA é obedecido e protege crianças vítimas de violência. 71 3203-9300 Ministério Público – Atua em todos os procedimentos da Justiça da Infância. 71 3103-6400 Delegacia de Repressão ao Crime Contra a Criança e o Adolescente (DERCA) – Recebe denúncias de violência contra crianças. 71 3116-2153


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