SALVADOR, SÁBADO, 12 DE FEVEREIRO DE 2011
*
ANO 6
*
Nº 279
EDITORA-COORDENADORA: NADJA VLADI / ATARDINHA@GRUPOATARDE.COM.BR
Eduarda Marinho, 7, vê o jardim dentro do condomínio onde mora, em Jaguaribe
O MUNDO LÁ FORA
Quatro bairros de Salvador vistos das janelas. Do alto ou do térreo, com grades ou abertas, todas pertencem a crianças com vontade de brincar PÁGINAS 4 e 5
SUPLEMENTO INFANTIL DE A TARDE. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
Fernando Vivas / Ag. A TARDE
O que você vê da janela?
Por um quadrado na parede da nossa casa, a gente pode ver a rua ou a Lua. Há janelas onde o vento balança cortinas, outras têm grade ou tela de proteção. Cada janela mostra um pedaço diferente da mesma cidade, em bairros de prédios altos ou de casas bem simples
TÁSSIA NOVAES
O que Iego da Silva, 10, mais gosta de fazer quando chega da escola é brincar com os bonecos. Ele tem vários. Já o irmão, Júlio, 11, prefere ficar no computador. “Minha mãe não gosta muito, não posso ficar mais de duas horas por dia”. Os dois gostam também de jogar bola na laje ou no quintal. Moradores da Santa Cruz, bairro periférico de Salvador, eles convivem com uma zona de conflito constante e, desde pequenos, aprenderam que, além
“Prefiro ficar no computador, mas não posso passar mais de duas horas por dia” JÚLIO DA SILVA 11, MORA EM SANTA CRUZ
“Daqui da janela só consigo ver um muro, e no meu prédio não tem nada para criança” WILIAM OBRADOVICH, 9, MORA EM ONDINA
Wiliam Obradovich, 9, mora em um prédio em Ondina sem muitas opções para se distrair. O playground é vazio, “não tem nada para criança”. Mesmo assim, ele sempre desce para brincar com os amigos. Eles gostam de fazer uma estripulia proibida pelo síndico: desbravar a única árvore do jardim. A mãe, Mônica, recebe reclamação, mas acaba entendendo. “Pior seria ficar em casa o dia todo jogando videogame”. A janela do quarto de Wiliam tem tela por motivo de segurança. “Só consigo ver um muro”. Mas ele costuma receber uma visita ótima: um monte de micos chega à sua janela. Ele e a mãe dão banana aos bichinhos. Wiliam sente falta de um parquinho e de poder ver o mar da janela, já que mora tão perto da praia. “Quem constrói os
prédios esquece que já teve infância”, reclamou Mônica. Não há lei que determine a construção de área de lazer para crianças em casas ou prédios. A arquiteta Renata Ruas explicou que a prefeitura exige apenas uma área de convivência, mas para todos os moradores. Entretanto, como há muitos prédios novos sendo construídos na cidade, as empresas passaram a mudar seus projetos. “Tem brinquedotecas, salão de jogos e espaço kids, muito mais do que se tinha há dez anos”, avaliou. ONDINA é um bairro da orla. É onde ficam o jardim zoológico e a casa do governador
Da janela do quarto, Eduarda Marinho, 7, vê um muro cheio de plantas. Ela mora em Jaguaribe e o que mais gosta de fazer é tomar banho de bica. Sempre vai com a babá e o irmão João, 1. Outra coisa que ela adora é andar de bicicleta. “Minha mãe sempre fala que tem que ir pelo cantinho”. Isso porque, mesmo sendo em um condomínio fechado, toda hora passa carro. Para Carla, mãe de Eduarda e João, vale a pena morar longe do Centro. “Eu até queria estar mais perto do trabalho, mas sei que eles aproveitam, ainda que seja apenas dentro do condomínio”. O importante é se sentir confortável e seguro, ensinou Nádia Matos, psicóloga e especialista em educação. “A televisão associa a qualidade de vida a ter roupas, brinquedos, celulares. Isso não é o essencial”.
JAGUARIBE é perto de Piatã, onde muita gente vai para surfar e ficar na praia no fim de semana
“A gente volta a pé da escola mas, se passar do horário, minha mãe vai buscar” IEGO DA SILVA, 10, MORA EM SANTA CRUZ
“Minha mãe fala para andar de bicicleta pelo cantinho porque sempre passa carro aqui” EDUARDA MARINHO, 7, MORA EM JAGUARIBE
das armas de brinquedo, existe gente grande que anda com arma de verdade. “ Já mataram duas pessoas aqui na rua”, contou Júlio. Por isso é tão importante ter a proteção da família. Dicléia, mãe dos garotos, desabafou: “Se não ensinarmos os melhores valores aos nossos filhos, podemos perdê-los”. Apesar disso, eles gostam do bairro: é perto da casa da avó e dos primos. É curioso observar que apenas esta janela não tem grade ou está dentro de um condomínio, disse Tânia Cordeiro, do Fórum Comunitário de Combate à Violência. Ela ponderou que as crianças precisam lidar com a falta de segurança, mas crescem mais perto de outras pessoas do que isoladas. “Bom seria se todas as janelas pudessem ser abertas em qualquer bairro e as crianças aprendessem em um mundo sem receios”.
SANTA CRUZ é considerado um lugar perigoso por causa da violência. A maioria dos moradores é honesta e trabalhadora
SALVADOR, SÁBADO, 12 DE FEVEREIRO DE 2011
4 e5
“De dia, vou brincar, e de noite, gosto de ficar olhando a Lua. Não saio do condomínio sem meus pais” RUAN COSTA, 11, MORA NO CABULA
No Cabula, onde Ruan Costa, 11, mora com os pais, o condomínio é grande e com muito espaço para brincadeiras. Tem campinho para jogar bola e o pessoal do prédio sempre se junta para organizar torneio de capoeira e de judô. Ruan tem vários amigos e, do lado do prédio, tem um horto com muitas árvores. E onde tem mato, tem bicho. Outro dia, a meninada estava na quadra quando, de repente, apareceu uma cobra de duas cabeças. Ninguém teve coragem de enfrentar: “Chamamos os bombeiros”, lembrou o menino. As noites são silenciosas. Da janela do quarto, quase não se ouve barulho da rua. CABULA é um bairro bem grande, onde há vários conjuntos habitacionais. Mais de 40 mil pessoas moram lá Fotos Fernando Vivas/ AG. A TARDE Infografia Inara Negrão/ Editoria de Arte A TARDE